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Antologia Poética Ana João Ribeiro 10ºA – Nº1

Antologia Poética_ anajoao

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Antologia Poética

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Antologia Poética

Ana João Ribeiro 10ºA – Nº1

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Página 1

Índice

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 3

Camilo Pessanha (1867-1926) ...................................................................................... 4

Não Sei se Isto é Amor .............................................................................................. 4

Canção da partida ..................................................................................................... 5

Teixeira de Pascoaes ................................................................................................ 6

Tristêza...................................................................................................................... 6

David Mourão-Ferreira (1927-1996) ....................................................................... 7

Ternura ..................................................................................................................... 7

Vitorino Nemésio (1901-1978) ................................................................................... 8

Arrependo-me de a Meter num Romance ............................................................... 8

Tenho uma Saudade tão Braba ................................................................................ 9

António Ramos Rosa (1924-2013) ......................................................................... 10

Não Posso Adiar o Amor ......................................................................................... 10

Mário Sá-Carneiro (1890-1916) ............................................................................ 11

Vontade de Dormir ................................................................................................. 11

Miguel Torga ............................................................................................................. 12

Só eu Sinto Bater-lhe o Coração ............................................................................. 12

José Gomes Ferreira (1900-1985) ............................................................................. 13

Se Eu Agora Inventasse o Mundo ........................................................................... 13

Jorge de Sena (1919-1978) ....................................................................................... 14

Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto ........................................................................ 14

Nasceu-te um Filho ................................................................................................. 15

Carlos de Oliveira (1921-1981) ............................................................................. 16

Sono ........................................................................................................................ 16

António Gedeão ....................................................................................................... 17

Soneto ..................................................................................................................... 17

Pedra filosofal ......................................................................................................... 18

Alexandre O´Neill ..................................................................................................... 19

Amigo ...................................................................................................................... 19

Manuel Alegre .......................................................................................................... 20

Teoria do Amor ....................................................................................................... 20

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Sophia de Mello Breyner Andresen ...................................................................... 21

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo ....................................................... 21

Fernando Pessoa ..................................................................................................... 22

Não Digas Nada! ..................................................................................................... 22

Álvaro de Campos ................................................................................................... 23

Como Te Amo ......................................................................................................... 23

Lisbon revisited ....................................................................................................... 24

Ondjaki ....................................................................................................................... 25

inscrição .................................................................................................................. 25

Ruy Belo .................................................................................................................... 26

Elogio da Amada ..................................................................................................... 26

Mia Couto .................................................................................................................. 27

O Amor, Meu Amor ................................................................................................ 27

Joaquim Pessoa ....................................................................................................... 28

Amei Demais ........................................................................................................... 28

Ana Luísa Amaral .................................................................................................... 29

A Mais Perfeita Imagem ......................................................................................... 29

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INTRODUÇÃO

A poesia é uma forma de expressar sentimentos em que as palavras

fluem suavemente, atravessando o papel com magia, como se

embelezassem um jardim com flores.

No âmbito da disciplina de Português, recolhi para esta “coletânea de

flores” alguns poemas do séc. XX, a meu gosto, tentando variar temas e

autores.

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Camilo Pessanha (1867-1926)

Não Sei se Isto é Amor

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar, Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo; E apesar disso, crê! nunca pensei num lar Onde fosses feliz, e eu feliz contigo. Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito. E nunca te escrevi nenhuns versos românticos. Nem depois de acordar te procurei no leito Como a esposa sensual do Cântico dos cânticos. Se é amar-te não sei. Não sei se te idealizo A tua cor sadia, o teu sorriso terno... Mas sinto-me sorrir de ver esse sorriso Que me penetra bem, como este sol de Inverno. Passo contigo a tarde e sempre sem receio Da luz crepuscular, que enerva, que provoca. Eu não demoro a olhar na curva do teu seio Nem me lembrei jamais de te beijar na boca. Eu não sei se é amor. Será talvez começo... Eu não sei que mudança a minha alma pressente... Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço, Que adoecia talvez de te saber doente.

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Canção da partida

Ao meu coração um peso de ferro Eu hei-de prender na volta do mar. Ao meu coração um peso de ferro... Lançá-lo ao mar. Quem vai embarcar, que vai degredado, As penas do amor não queira levar... Marujos, erguei o cofre pesado, Lançai-o ao mar. E hei-de mercar um fecho de prata. O meu coração é o cofre selado. A sete chaves: tem dentro um carta... --- A última, de antes do teu noivado. A sete chaves --- a carta encantada! E um lenço bordado... Esse hei-de o levar, Que é para o molhar na água salgada No dia em que enfim deixar de chorar.

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Teixeira de Pascoaes (1877-1952)

Tristêza O sol do outomno, as folhas a cair, A minha voz baixinho soluçando, Os meus olhos, em lagrimas, beijando A terra, e o meu espirito a sorrir... Eis como a minha vida vae passando Em frente ao seu Phantasma... E fico a ouvir Silencios da minh'alma e o resurgir De mortos que me fôram sepultando... E fico mudo, extatico, parado E quasi sem sentidos, mergulhando Na minha viva e funda intimidade... Só a longinqua estrela em mim actua... Sou rocha harmoniosa á luz da lua, Petreficada esphinge de saudade...

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David Mourão-Ferreira (1927-1996)

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol, que é feito de ternura amarrotada, da frescura que vem depois do sol, quando depois do sol não vem mais nada... Olho a roupa no chão: que tempestade! Há restos de ternura pelo meio, como vultos perdidos na cidade onde uma tempestade sobreveio... Começas a vestir-te, lentamente, e é ternura também que vou vestindo, para enfrentar lá fora aquela gente que da nossa ternura anda sorrindo... Mas ninguém sonha a pressa com que nós a despimos assim que estamos sós!

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Vitorino Nemésio (1901-1978)

Arrependo-me de a Meter num Romance O poema tem mais pressa que o romance, Asa de fogo para te levar: Assim, pois, se houver lama que te lance Ao corpo quente algum, hei-de chorar. Deus fez o poeta por que não descanse No golfo do destino e amores no mar: Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance! Vem outro — e faz menção de me enfeitar. Os outros a conspurcam, mas é minha! Chicoteá-la vou com a própria espinha, Estreitam-me de amor seus braços mornos, Transformo seus gemidos em meus uivos E torno anéis dos seus cabelos ruivos Na raspa canelada dos meus cornos.

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Tenho uma Saudade tão Braba Tenho uma saudade tão braba Da ilha onde já não moro, Que em velho só bebo a baba Do pouco pranto que choro. Os meus parentes, com dó, Bem que me querem levar, Mas talvez que nem meu pó Mereça a Deus lá ficar. Enfim, só Nosso Senhor Há-de decidir se posso Morrer lá com esta dor, A meio de um Padre Nosso. Quando se diz «Seja feita» Eu sentirei na garganta A mão da Morte, direita A este peito, que ainda canta.

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António Ramos Rosa (1924-2013)

Não Posso Adiar o Amor

Não posso adiar o amor para outro século não posso ainda que o grito sufoque na garganta ainda que o ódio estale e crepite e arda sob montanhas cinzentas e montanhas cinzentas Não posso adiar este abraço que é uma arma de dois gumes amor e ódio Não posso adiar ainda que a noite pese séculos sobre as costas e a aurora indecisa demore não posso adiar para outro século a minha vida nem o meu amor nem o meu grito de libertação Não posso adiar o coração

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Mário Sá-Carneiro (1890-1916)

Vontade de Dormir Fios d'ouro puxam por mim A soerguer-me na poeira - Cada um para o seu fim, Cada um para o seu norte... . . . . . . . . . . . . . . . - Ai que saudade da morte... . . . . . . . . . . . . . . . Quero dormir... ancorar... . . . . . . . . . . . . . . . Arranquem-me esta grandeza! - Pra que me sonha a beleza, Se a não posso transmigrar?...

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Miguel Torga (1907-1995)

Só eu Sinto Bater-lhe o Coração Dorme a vida a meu lado, mas eu velo. (Alguém há-de guardar este tesoiro!) E, como dorme, afago-lhe o cabelo, Que mesmo adormecido é fino e loiro. Só eu sinto bater-lhe o coração, Vejo que sonha, que sorri, que vive; Só eu tenho por ela esta paixão Como nunca hei-de ter e nunca tive. E logo talvez já nem reconheça Quem zelou esta flor do seu cansaço... Mas que o dia amanheça E cubra de poesia o seu regaço!

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José Gomes Ferreira (1900-1985)

Se Eu Agora Inventasse o Mundo Se eu agora inventasse o mundo criaria a luz da manhã já explicada sem o luto que pesa na sombra dos homens - conspiração da noite com as pedras. Luz que o cheiro das ervas da madrugada aproxima os mortos do silêncio com esqueletos de asas - conluio com o sol para estarem mais presentes no tacto da pele da manhã, mil mãos a afogarem a paisagem, bafo de flores donde cai o enlace das sementes... Abro a janela O mundo cheira tão bem a trevos ausentes! Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.

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Jorge de Sena (1919-1978)

Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto Amo-te muito, meu amor, e tanto que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda depois de ter-te, meu amor. Não finda com o próprio amor o amor do teu encanto. Que encanto é o teu? Se continua enquanto sofro a traição dos que, viscosos, prendem, por uma paz da guerra a que se vendem, a pura liberdade do meu canto, um cântico da terra e do seu povo, nesta invenção da humanidade inteira que a cada instante há que inventar de novo, tão quase é coisa ou sucessão que passa... Que encanto é o teu? Deitado à tua beira, sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

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Nasceu-te um Filho

Nasceu-te um filho. Não conhecerás, jamais, a extrema solidão da vida. Se a não chegaste a conhecer, se a vida ta não mostrou - já não conhecerás a dor terrível de a saber escondida até no puro amor. E esquecerás, se alguma vez adivinhaste a paz traiçoeira de estar só, a pressentida, leve e distante imagem que ilumina uma paisagem mais distante ainda. Já nenhum astro te será fatal. E quando a Sorte julgue que domina, ou mesmo a Morte, se a alegria finda - ri-te de ambas, que um filho é imortal.

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Carlos de Oliveira (1921-1981)

Sono

Dormir mas o sonho repassa duma insistente dor a lembrança da vida água outra vez bebida na pobreza da noite: e assim perdido o sono o olvido bates, coração, repetes sem querer o dia.

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António Gedeão (1906-1997)

Soneto Não pode Amor por mais que as falas mude exprimir quanto pesa ou quanto mede. Se acaso a comoção falar concede é tão mesquinho o tom que o desilude. Busca no rosto a cor que mais o ajude, magoado parecer aos olhos pede, pois quando a fala a tudo o mais excede não pode ser Amor com tal virtude. Também eu das palavras me arreceio, também sofro do mal sem saber onde busque a expressão maior do meu anseio. E acaso perde, o Amor que a fala esconde, em verdade, em beleza, em doce enleio? Olha bem os meus olhos, e responde.

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Pedra filosofal

Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso, em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos, que em oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. Eles não sabem que o sonho é vinho, é espuma, é fermento, bichinho alacre e sedento, de focinho pontiagudo, que foça através de tudo num perpétuo movimento. Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pináculo de catedral,

contraponto, sinfonia, máscara graga, magia, que é retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa dos ventos, Infante, caravela quinhentista, que é cabo da Boa Esperança, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, paço de dança, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pára-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, cisão de átomo, radar, ultra-som, televisão, desembarque em foguetão na superfície lunar. Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.

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Alexandre O´Neill (1924-1986)

Amigo Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo». «Amigo» é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo, Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! «Amigo» (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) «Amigo» é o contrário de inimigo! «Amigo» é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado, É a verdade partilhada, praticada. «Amigo» é a solidão derrotada! «Amigo» é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, «Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

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Manuel Alegre (1936)

Teoria do Amor

Amor é mais do que dizer. Por amor no teu corpo fui além e vi florir a rosa em todo o ser fui anjo e bicho e todos e ninguém. Como Bernard de Ventadour amei uma princesa ausente em Tripoli amada minha onde fui escravo e rei e vi que o longe estava todo em ti. Beatriz e Laura e todas e só tu rainha e puta no teu corpo nu o mar de Itália a Líbia o belvedere. E quanto mais te perco mais te encontro morrendo e renascendo e sempre pronto para em ti me encontrar e me perder.

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Sophia de Mello Breyner Andresen

(1919-2004)

Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo Para atravessar contigo o deserto do mundo Para enfrentarmos juntos o terror da morte Para ver a verdade para perder o medo Ao lado dos teus passos caminhei Por ti deixei meu reino meu segredo Minha rápida noite meu silêncio Minha pérola redonda e seu oriente Meu espelho minha vida minha imagem E abandonei os jardins do paraíso Cá fora à luz sem véu do dia duro Sem os espelhos vi que estava nua E ao descampado se chamava tempo Por isso com teus gestos me vestiste E aprendi a viver em pleno vento

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Fernando Pessoa (1888-1935)

Não Digas Nada! Não digas nada! Nem mesmo a verdade Há tanta suavidade em nada se dizer E tudo se entender — Tudo metade De sentir e de ver... Não digas nada Deixa esquecer Talvez que amanhã Em outra paisagem Digas que foi vã Toda essa viagem Até onde quis Ser quem me agrada... Mas ali fui feliz Não digas nada.

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Álvaro de Campos (Heterónimo de Fernando Pessoa)

Como Te Amo Como te amo? Não sei de quantos modos vários Eu te adoro, mulher de olhos azuis e castos; Amo-te com o fervor dos meus sentidos gastos; Amo-te com o fervor dos meus preitos diários. É puro o meu amor, como os puros sacrários; É nobre o meu amor, como os mais nobres fastos; É grande como os mares altisonos e vastos; É suave como o odor de lírios solitários. Amor que rompe enfim os laços crus do Ser; Um tão singelo amor, que aumenta na ventura; Um amor tão leal que aumenta no sofrer; Amor de tal feição que se na vida escura É tão grande e nas mais vis ânsias do viver, Muito maior será na paz da sepultura!

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Lisbon revisited

Não: Não quero nada. Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. Não me tragam estéticas! Não me fallem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) — Das ciências, das artes, da civilização moderna!(*) Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na! Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Não me macem, por amor de Deus! Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havemos de ir juntos? Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Já disse que sou sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! Ó céu azul — o mesmo da minha infância — Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflete! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

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Ondjaki (1977)

inscrição inchaço do coração facilita o despalavrear. a liberdade pode advir de uma veia. com sangue também se reescreve a vida. o suicidado foi um apressado para desconhecimentos. a morte ela é que espera por nós. na vida pedincho reindagação de cheirares: em continuado aquestionamento. a despalavreação pode acrescer de uma vida.

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Ruy Belo (1933-1978)

Elogio da Amada Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados Vem sentada na nova primavera cercada de sorrisos no regaço lírios olhos feitos de sombra de vento e de momento alheia a estes dias que eu nunca consigo Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso começa para além dela a ser longe A amada é bem a infância que vem ter comigo Há pássaros antigos nos límpidos caminhos e mortes como antes nunca mais Ei-la já que se estende ampla como uma pátria no limiar da nossa indiferença Os nossos átrios são para os seus pés solitários Já todos nós esquecemos a casa dos pais ela enche de dias as nossas mãos vazias A dor é nela até que deus começa eu bem lhe sinto o calcanhar do amor Que importa sermos de uma só manhã e não haver em volta árvore mais açoitada pelos diversos ventos? Que importa partirmos num desmoronar de poentes? Mais triste mesmo a vida onde outros passarão multiplicando-lhe a ausência que importa se onde pomos os pés é primavera?

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Mia Couto (1955)

O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro como impura é a luz e a água e tudo quanto nasce e vive além do tempo. Minhas pernas são água, as tuas são luz e dão a volta ao universo quando se enlaçam até se tornarem deserto e escuro. E eu sofro de te abraçar depois de te abraçar para não sofrer. E toco-te para deixares de ter corpo e o meu corpo nasce quando se extingue no teu. E respiro em ti para me sufocar e espreito em tua claridade para me cegar, meu Sol vertido em Lua, minha noite alvorecida. Tu me bebes e eu me converto na tua sede. Meus lábios mordem, meus dentes beijam, minha pele te veste e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu E em tua saudade ser a minha própria espera. Mas eu deito-me em teu leito Quando apenas queria dormir em ti. E sonho-te Quando ansiava ser um sonho teu. E levito, voo de semente, para em mim mesmo te plantar menos que flor: simples perfume, lembrança de pétala sem chão onde tombar. Teus olhos inundando os meus e a minha vida, já sem leito, vai galgando margens até tudo ser mar. Esse mar que só há depois do mar.

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Joaquim Pessoa (1948)

Amei Demais Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais todas as coisas que na vida eu emprenhei. Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais, como as tais coisas nas quais nunca pensei. Demais foram as sombras. Mais e mais. Cada vez mais ardentes as sombras que tirei do imenso mar de sol, sem praia ou cais, de onde parti sem saber por que embarquei. Amei demais. Sempre demais. E o que dei está espalhado pelos sítios onde vais e pelos anos longos, longos, que passei à procura de ti. De mim. De ninguém mais. E os milhares de versos que rasguei antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.

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Ana Luísa Amaral (1956)

A Mais Perfeita Imagem Se eu varresse todas as manhãs as pequenas agulhas que caem deste arbusto e o chão que lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência que o nada representa, veria que o arbusto não passa de um inferno, ausente o decassílabo da chama. Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os ramos, também a entendia, a essa imperfeição de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse este poema em tom de conclusão, notaria como o seu verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e descontínua que foge ao meu comum. O devagar do vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou a um neurônio meu, unia memória que teima ainda uma qualquer beleza: o fogo de uma pira funerária. A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.