92
qwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwerty uiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasd fghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzx cvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmq wertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyui opasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfg hjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxc vbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmq wertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyui opasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfg hjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxc vbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmq wertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyui opasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfg hjklzxcvbnmrtyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwert yuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopas dfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklz xcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnm qwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwerty UFRJ ANTONIO CARLOS HIGINO DA SILVA OS ELEITOS JOANINOS A força da preexistência de Jesus na tradição do discípulo amado RIO DE JANEIRO 2009

ANTONIO CARLOS HIGINO DA SILVA OS ELEITOS …livros01.livrosgratis.com.br/cp138416.pdf · Jesus fomentaram entre os primeiros grupos cristãos de nossa era, disputas em torno da maneira

  • Upload
    lybao

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

qwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmrtyuiopasdfghjklzxcvbn

mqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwertyuiopasdfghjklzxcvbnmqwerty

UFRJ

ANTONIO CARLOS HIGINO DA SILVA

OS ELEITOS JOANINOS A força da preexistência de Jesus na tradição

do discípulo amado RIO DE JANEIRO

2009

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

2

Antonio Carlos Higino da Silva

Os Eleitos Joaninos: A força da Preexistência de Jesus na Tradição Joanina.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Linha de Pesquisa História Comparada das Diferenças Sociais Orientador: André Leonardo Chevitarese

Rio de Janeiro 2009

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

3

Silva, Antonio Carlos Higino da. Os Eleitos Joaninos: A força da Preexistência na Tradição Joanina / Antonio Carlos Higino da Silva. -- 2009. 89f.: il. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 2009. Orientador: André Leonardo Chevitarese 1. Cristianismo primitivo. 2. Comunidade Joanina. 3.Ideologias religiosas 4. Gnosticismo – Teses. I.Chevitarese. André Leonardo (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. III. Os Eleitos Joaninos.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

4

Antonio Carlos Higino da Silva

Os Eleitos Joaninos: A força da Preexistência de Jesus na Tradição Joanina.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de História Comparada, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.

Aprovada em

________________________________________________ (André Leonardo Chevitarese, Doutor em História, UFRJ)

____________________________________________ (Marta Mega, Doutora em Historia, UFRJ)

_________________________________________________ (Edgard Leite, Doutor em Historia, UERJ)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

5

A minha esposa e

ao meu

amado Arthur.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

6

AGRADECIMENTOS

É um prazer muito grande encerrar mais esta etapa na minha e ter encontrado em

meu caminho pessoas tão especiais sempre dispostas a contribuir com este trabalho de

pesquisa e mesmo aquelas que sem saber do que se tratava, mas que ainda assim me

deram um voto de confiança.

Não poderia deixar de agradecer a paciência e dedicação dos professores Isidoro

Mazzarolo e Auto Lyra integrantes da Pós-gradução em Teologia da PUC-RJ e do

Departamento de Letras Clássicas da UFRJ, respectivamente. Ao amigo André Barroso

que estabeleceu o contato com o Professor Isidoro, ao meu tio Guilherme dando aquele

apoio nos assuntos referentes à biblioteca, ao professor José Luis Izidoro por seu

interesse, ao professor Louis Painchaud sempre prestativos em seus e-mails, a seu

Joaquim Gonçalves que com sua simplicidade muito me ajudou nos assuntos de

informática reparando meu computador sem perder meus dados, ao professor Edgard

Leite que se fez presente levantando questões e apontando caminhos para este trabalho e

ao meu orientador André Leonardo Chevitarese pela oportunidade e acima de tudo pela

amizade.

A todos os companheiros de trabalho que dividem comigo esta jornada desde

seu início, sempre voluntariosos as minhas necessidades de horários gerando as

oportunidades necessárias ao desenvolvimento deste trabalho.

Aos meus amigos Flávio Alves e Andréia Damiana sempre presentes dividindo

suas importantes opiniões acerca da pesquisa. A meus pais e parentes e, em especial, a

minha irmã Neide que sempre foi um importante referencial para este tipo de tema.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

7

Enfim, a minha esposa que sempre procurou propiciar, da melhor maneira

possível, o ambiente adequado a realização deste trabalho. Obrigado por seu carinho e

seu esforço entre fraldas, choros e papinhas.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

8

E eu de minha parte, disse ao Salvador: Senhor, todas as almas serão salvas e irão para a luz

incontaminada? Ele respondeu e me disse: As questões que surgiram em sua mente são

importantes: de fato, é difícil revelá-los a qualquer um, mas só aos que pertencem a raça

inalterável, sobre a qual o espírito de vida descerá e habitará com poder. Eles alcançarão a

salvação e se tornarão perfeitos. E eles se tornarão dignos de grandezas. E lá eles serão

purificados de toda imperfeição e das angústias da maldade; estando ansioso por nada, exceto

apenas pela incorruptibilidade; meditando sobre isso, daí em diante, sem raiva, inveja, má

vontade, desejo ou insaciabilidade quanto à totalidade; reprimidas por nada senão pela

subsistente entidade da carne, que vestem, aguardando o tempo em que serão visitados pelos

seres que levam embora.

LSSJ 25,16 – 26,1.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

9

RESUMO

Este trabalho de pesquisa procura compreender a ruptura ocorrida no seio da

comunidade joanina no início do segundo século da era comum. Para tal, analisamos

textos produzidos neste recorte temporal com intuito de avaliar os processos

hermenêuticos que se forjaram a partir dos mesmos a fim de propor alternativas ao

judaísmo e ao cristianismo daquela época. Desta maneira constituímos nosso objeto de

pesquisa, ou seja, os sectários da comunidade joanina que intitulamos: Os Eleitos

Joaninos. A busca em instituir um perfil para a comunidade joanina e para o grupo

sectário nos conduziu a colocar na base deste trabalho a metodologia que considera o

quarto evangelho como uma biografia que deve ser lido em diferentes camadas

redacionais níveis, de modo que ele narre, tanto a história de Jesus, quanto a da

comunidade. Sendo assim, seguimos nossa análise procurando estabelecer a composição

da comunidade e ambientando seus componentes ao contexto histórico do judaísmo do

segundo templo com suas perspectivas messiânicas e gnósticas. Este tipo de estudo teve

por objetivo compreender a peculiaridade da preexistência de Jesus na tradição joanina

e as disputas constituídas acerca deste tema.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

10

ABSTRACT

This work of research looks for to at the beginning understand the occured rupture in

the interior of the community of Jonh of as the century of the common age. For such,

we analyze texts produced in this secular clipping with intention to evaluate the

hermeneutic processes that if they had forged from the same ones in order to consider

alternatives to the judaism and the Christianity of that time. In this way we constitute

our object of research, that is, the segment of the community of Jonh that we intitle: The

Elect of Jonh. The search in instituting a profile for the community of Jonh and the

group that breached with the tradition in them lead to place in the base of this work the

methodology that considers 4º gospel as a biography that must be read in different

levels, in way that it tells, as much the history of Jesus, how much of the community.

Being thus, we follow our analysis looking for to establish the composition of the

community and relating its components to the historical context of the judaism of as the

temple with its messianic and gnostic perspectives. This type of study had for objective

to understand the peculiarity of the preexistence of Jesus in the tradition of the disciple

evangelist Jonh and the disputes consisting concerning this subject.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

11

RESUMÉ

Ce travail de recherche a pour but comprendre la rupture produite dans le sein de la

communauté de Jean dans le début du second siècle de l'ère commune. Pour cela, nous

analysons des textes produits dans ce découpage séculier avec intention d'évaluer les

processus herméneutiques qui se sont forgés à partir des mêmes afin de proposer des

alternatives au judaïsme et au christianisme de ce temps. De cette manière nous

constituons notre objet de recherche, c'est-à-dire, les sectaires de la communauté de

Jean qui nous intitulons : Les Élus de Jean. La recherche à instituer un profil pour la

communauté de Jean de manière qui le groupe sectaire est conduit à base da

communauté. Parce que la méthodologie utiliseé ici considère le quatrième évangile

comme une biographie qui doit être lue dans des différentes niveaux, de façon qu'il dise

aussi l'histoire de Jésus que de la communauté. En étant ainsi, nous suivons notre

analyse en cherchant établir la composition de la communauté et de leurs composantes

au contexte historique du judaïsme du second temple avec leurs perspectives

messianiques et gnostique. Ce type d'étude a eu objectif de comprendre la particularité

de la divinité de Jésus dans la tradition joanina et les disputes constituées concernant ce

sujet.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

12

LISTA DE QUADRO:

Quadro 1 – Cristologia........................................................................................pg 40

Quadro 2 – Estrutura do Mito Gnóstico Clássico...............................................pg 42

Quadro 3 - O Livro Secreto Segundo João......................................................pg 52-53

Quadro 4 – Quadro comparativo 1.....................................................................pg 55

Quadro 5 – Quadro comparativo 2 ....................................................................pg 56

Quadro 6 – Salvação da Almas ..........................................................................pg 73

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

13

SUMÁRIO

CAPÍTULO 1

1.1 Introdução.............................................................................................................pg 14

1.2 A comunidade Joanina........................................................................................ pg 16

1.2.1 Composição e Messianismo............................................................................pg 28

CAPÍTULO 2

2.1 Os Eleitos Joaninos...............................................................................................pg 39

2.1.1 Cristologia.........................................................................................................pg 41

2.1.2 Outros Embates..................................................................................................pg 56

2.2 Preexistência na tradição joanina..........................................................................pg61

2.3 Livros Sapienciais e o Evangelho de João............................................................pg 66

CAPÍTULO 3

3.1 Conclusão.............................................................................................................pg 69

BIBLIOGRAFIA

Obras de Referência e Documentação .......................................................................pg 83

Trabalhos Específicos.................................................................................................pg 84

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

14

CAPÍTULO 1

1.1 Introdução.

No florescer do cristianismo, as perspectivas cristológicas acerca da missão de

Jesus fomentaram entre os primeiros grupos cristãos de nossa era, disputas em torno da

maneira que melhor representaria, fidedignamente, a continuidade de sua missão ao fim

de sua existência humana. Seus apóstolos e discípulos tornaram-se os principais porta-

vozes de sua mensagem. E as esperanças messiânicas inerentes ao judaísmo, que serão

analisadas neste trabalho, compuseram um verdadeiro mosaico nos textos

neotestamentários. Pois através da crença no Paráclito, enviado para ajudá-los em sua

tarefa de evangelização, deram diversificadas formas a sua fé remetendo as esperanças

messiânicas à outra categoria: a Preexistência.

Neste trabalho buscamos compreender como a tradição desenvolvida sob o

nome do apóstolo João Evangelista constituiu-se, entre as demais, em uma alternativa à

fé cristã. Pois a peculiaridade e a especificidade da preexistência de Jesus nesta tradição

a colocou em destaque, entre os escritos neotestamentários. E é por isso que nos

voltamos a esta vertente a fim de entender como a composição, o ideal messiânico e os

procedimentos hermenêuticos desenvolvidos pela comunidade influenciaram seu

complexo processo de construção e ruptura. Desta forma, focaremos no segmento da

comunidade que se separou do grupo de origem (1 Jo 2,19). E sendo assim, o

messianismo e a preexistência de Jesus nos servirão como tema para que possamos

esquadrinhar este processo.

Primeiramente estudaremos as possibilidades de composição da comunidade

joanina. Para reconstituir sua composição analisaremos fontes variadas, mas acima de

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

15

tudo utilizaremos um enfoque muito fértil nos estudos científicos da tradição joanina.

Este enfoque sugere “que o quarto evangelho deve ser lido em diferentes níveis, de

modo que ele nos narre, tanto a história de Jesus, quanto a da comunidade que cria

nele.” (BROWN, 1999, pg 15). Nesta perspectiva os evangelhos apresentam o Jesus de

cada evangelista, que indiretamente nos remete a vida da comunidade no tempo em que

foi escrito, e revelam-nos também o ponto de vista cristológico do evangelista.

Em seguida avaliaremos as perspectivas messiânicas que podem ser encontradas

na tradição desenvolvida pela comunidade, baseados ainda na leitura do evangelho em

diferentes níveis (camadas). Pois entendemos que estas diferentes camadas traduzem as

rupturas nesta tradição.

O intuito é trazer à tona a constituição deste grupo entendendo que sua

instituição doutrinária não se dá sem o estabelecimento de claras disputas de poder as

quais se expressam no campo da idéias. Sendo assim, buscaremos compreender, por

meio dos textos, os processos hermenêuticos desenvolvidos a partir dos textos

veterotestamentários por esta tradição, de maneira que possamos relacioná-las às suas

escolhas ideológicas e aos Eleitos Joaninos.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

16

1.2 A comunidade Joanina

A atual redação do Evangelho de João apresenta controvérsias que não são

novidades para os estudiosos da escrituras bíblicas. Podem ser encontradas no estilo, no

conteúdo, na perspectiva teológica e nos aspectos redacionais. Para a tradição joanina,

por exemplo, desde o início do século XX podemos citar nomes que procuraram

elaborar teorias para resolver estes desencontros: Eduard Schwartz (1907 e 1908), J.

Wellhausen (1908), Fr. Spitta (1910), J.H. Bernard (1929), Bultmann (1941), W.

Wilkens (1958), R. Schnackenburg (1965), Raymond E. Brown (1966), Robert T.

Fortna (1970). (M.-É. BOISMARD ET A. LAMOUILLE, 1977, Tome III, pg 9-10).

Através dos anos estas teorias se desenvolveram propondo autores, fontes e

redações para o evangelho que conhecemos hoje. Por vezes apontam dois ou três

autores com um redator final. Quanto às fontes, inicialmente, acreditavam em um

evangelho primitivo (A) que teria sofrido revisões (B), mas houve também aqueles que

propuseram três fontes: sinais, revelação e paixão/ressurreição.

Esta maneira de tratar as escrituras nos remete a pensá-las em camadas, ou seja,

que o evangelho que conhecemos hoje sofreu através do tempo adequações. Para

melhor compreender estas camadas redacionais e as possíveis motivações destas

adequações apresentaremos duas sinopses do Evangelho de João. Uma que utiliza a

metodologia das camadas redacionais e outra que analisa a redação final.

Estas duas sinopses foram escolhidas para que ao cotejá-las suas similaridades,

diferenças ou complementaridade possam nos conduzir da melhor maneira a

importantes aspectos da tradição joanina.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

17

Primeiramente vejamos a obra de Raymond Brown1 A Comunidade do Discípulo

Amado que faz sua análise a partir da redação final do Evangelho e das Cartas joaninas

procurando reconstituir a eclesiologia joanina. Brown reconstitui a vida da comunidade

em quatro fases: Pré-evangélica, Evangélica, Epistolar e o período da Dissolução.

PRIMEIRA FASE: ANTES DA ESCRITA DO EVANGELHO (Composição)

Nesta fase o autor apresenta sua teoria sobre a composição da comunidade antes

da escrita do evangelho. Esta seria composta por um grupo de cristologia baixa, ou seja,

que não implicava divindade a Jesus, pois teriam sido originalmente seguidores de João

Batista. O outro grupo possuiria uma cristologia alta implicando na divindade a Jesus,

possivelmente judeus helenistas que converteram samaritanos. E por fim a entrada de

numerosos gentios.

O autor procura apresentar o grupo de cristologia baixa como o originário da

comunidade através da interpretação de Jo 1, 35-51 rejeitando assim reconstituições que

colocavam na origem judeus helenistas, gentios e cristãos gnósticos. No trecho

interpretado os discípulos escolhidos por Jesus referem-lhe títulos como: Mestre, Rabi e

Filho de Deus. Mas nenhum deles lhe confere divindade apenas subentendem

promessas messiânicas.

O grupo de cristologia alta que seria o segundo na composição da comunidade é

identificado pelo autor a partir do segundo e terceiro capítulos. Nestes capítulos

encontramos: primeiro a purificação do templo de Jerusalém que é colocada no final do

ministério de Jesus nos sinópticos e, depois, o dialogo com Nicodemos rico em

1 BROWN, R. E.1999. A Comunidade do Discípulo Amado, São Paulo: Paulus, 4ª ed..

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

18

dicotomias: céu/ terra, luz/trevas. Estes fatos representam, para Brown, a ruptura deste

grupo com Jerusalém e a influência da cultura helenista sobre os mesmos,

respectivamente.

Estes seriam possivelmente os judeus helenistas de At 6-8 que converteram

samaritanos e que teriam assimilado alguns elementos do pensamento samaritano,

inclusive uma cristologia que não era centralizada num Messias davídico. Pois os

samaritanos esperavam um Taheb, um mestre e revelador.

Muito forte também na teologia samaritana era a ênfase em Moisés, de

tal modo que às vezes o Taheb era visto como a figura de um Moisés

que tinha voltado. Pensava-se que Moisés tinha visto Deus e depois

desceria para revelar ao povo o que Deus tinha dito. (BROWN, 1999:

46)

A medida que esta teologia foi se elevando Jesus foi tomando o papel de Moisés.

Se Jesus foi interpretado segundo esta maneira de ver. Então a

pregação joanina teria haurido de tal Moisés material que depois

corrigiria: não foi Moisés mas Jesus que viu Deus e depois desceu à

terra para falar do que ouvira (3,13 e 31; 5,20; 6,46; 7,16). (BROWN,

1999, pg 46)

Esta leitura faz dos samaritanos o terceiro grupo na composição da comunidade.

O interessante é destacar que em João a conversão deles se dá ainda durante o

ministério de Jesus. Em Jo 4,4-42 na passagem de Jesus pela Samaria Ele converte

muitos samaritanos. Ao contrário de Mt 10, 5 onde proíbe a entrada na Samaria e de

Lucas onde os samaritanos se mostram hostis a Jesus (9, 52-55). De acordo com Atos

somente depois da Ressurreição é que o cristianismo foi levado para Samaria (8, 1-25).

No entanto, como os versículos Jo 4,21-22 apontam uma neutralidade do culto

em relação à Samaria e a Jerusalém, no diálogo de Jesus com a samaritana, o autor

pressupõe que o grupo que teria convertido os samaritanos constava de judeus de

opinião contrária ao templo.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

19

Por fim os gentios podem ser detectados através de explicações parentéticas que

o evangelho possui para explicar termos como Mestre e Rabi e também em trechos

como 12, 20-23 que atestam a chegada de estrangeiros e mesmo a citação de Isaías que

explica a rejeição por parte dos judeus (12,40). Ver também: At 28, 25-28 e Mt 13, 13-

15.

SEGUNDA FASE: QUANDO O EVANGELHO FOI ESCRITO

A primeira fase pressuposta pelo autor compreende, basicamente, a formação

dos grupos que compõem a comunidade. Período que pode ter durado uns 30 anos (50 a

80). O evangelho teria sido escrito nos anos 90 e.c., ou seja, dez anos depois.

Identificados os grupos que compõem a comunidade até a passagem pela Samaria, a

partir daí, é possível analisar a relação da comunidade com os estranhos. Sendo assim o

autor identifica seis grupos presente no evangelho.

Três grupos de não crentes: Mundo (14-17), Judeus (5-12) e seguidores de João

Batista (3, 22-26).

Três grupos de outros cristãos: Criptocristãos (12, 42-43), Cristão de fé

inadequada (6, 60-66 eucaristia/7, 3-5 parentes de Jesus/8,31ss descendentes de

Abraão/10,2 mercenários) e Cristãos apostólicos (6, 68-69).

TERCEIRA FASE: QUANDO FORAM ESCRITAS AS EPISTOLAS? (Lutas internas)

Nesta fase o autor analisa a comunidade através das epístolas joaninas. Descreve

de forma resumida as razões de porque datá-las depois do evangelho, sua autoria e

conteúdo.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

20

A segunda e a terceira carta foram escritas por alguém que se intitulou

“presbítero” e resumem-se em orientações para outra igreja. Já a primeira carta é mais

um tratado para defender a comunidade de um grupo que se afastou e está fazendo a

obra do Demônio (2,19). Seus principais erros teriam sido não reconhecer a encarnação

de Cristo (4,2-3), não guardar os mandamentos, pretender estar livres da culpa do

pecado (1;6 e 8; 2,4) e não mostrar amor aos irmãos (2,9-11; 3,10-24; 4, 7-21).

Para Brown as três epístolas foram escritas pela mesma pessoa a quem chama

autor ou presbítero, pois elas amarram os mesmo pontos doutrinais tornando provável

que todas tenham vindo da mesma fase da história da comunidade joanina. Existe

também uma tese popular que pressupõe que o redator de Prólogo e do capítulo 21 do

evangelho seria o redator das cartas.

Com relação à cronologia, Brown admite que haja quem defenda sua escrita

antes do evangelho, mas ele prefere situá-las depois do evangelho e antes dos escritos

de Inácio de Antioquia (Evangelho 90/Epistolas 100/ Inácio 110). Desta forma Inácio

teria proporcionado, na sua luta contra cristãos judeus e docetas no início do segundo

século, um mistura nos padrões encontrados na alta cristologia e naquela encontrada nos

sinópticos.

Quanto à situação vivida nas cartas há três aspectos pressupostos:

desenvolvimento em diferentes igrejas, o papel de doutrinação desempenhado pela

escola joanina e a divisão que ocorreu entre o autor e os separatistas.

As principais áreas de debate seriam: Cristologia, Ética, Escatologia e

Pneumatologia2.

2 Com exceção da Pneumatologia analisaremos estas áreas de embates mais minuciosamente no próximo

capítulo.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

21

QUARTA FASE: DISSOLUÇÃO JOANINA.

Nesta fase o autor conclui e aponta a absorção de cada parte da comunidade

pelos segmentos “ortodoxos” e “heterodoxos” (Gnósticos, Docetas e Montanistas) do

século II. A partir desta fase os grupos opositores no interior da tradição joanina

proporcionaram desenvolvimentos teológicos diferentes que ecoaram no segundo século

de nossa era. Esta seria uma das conseqüências da ruptura apontada na primeira carta e

que nos leva a investigação.

A outra sinopse do evangelho de João que apresentaremos aqui se desenvolve de

maneira mais minuciosa. Ela é um dos três tomos da obra intitulada Synopse des Quatre

Évangile. É no terceiro tomo, L’Évangile de Jean, que achamos o trabalho desenvolvido

por M.-É. Boismard e A. Loumille. A perspectiva destes autores não se limita a

interpretar a redação final do evangelho como na sinopse anteriormente apresentada.

Seus autores apresentam as prováveis camadas do evangelho que conhecemos hoje

identificando a autoria, local de composição, a datação e o conteúdo de cada camada.

A camada mais antiga, chamada de Documento C (Doc. C), já seria um

evangelho completo indo do ministério de João Batista até a aparição do Cristo

ressuscitado. Sem grandes discursos e contendo apenas cinco milagres de Jesus teria

sido escrito na Palestina sendo fortemente influenciado pelo pensamento samaritano.

Ainda na Palestina um autor compôs uma primeira redação baseando-se no Doc.

C. Ele teria conservado a ordem da camada mais antiga, mas ajuntou, entre outras: a

narrativa da vocação de André e de Pedro, dois milagre tomados da tradição sinóptica e

alguns discursos de Jesus. A esta nova redação chamaram João II-A.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

22

Ao se estabelecer na Ásia Menor, provavelmente em Éfeso, o mesmo autor da

primeira redação encontrou dificuldades referentes à hostilidade de judeo-cristãos. Por

isso resolveu escrever uma segunda redação: João II-B. Composta de material de João

II-A e dos sinópticos.

C‟est lui qui introduisit le cadre des Fêtes juives dans lequel se

déroule la vie de Jésus, donnant la primauté à la fête de Pâque au

détriment de celle des Tentes, la seule que était mentionnée dans le

Document C; il fut alors forcé de bouleverser dans une assez large

mesure l‟ordre des sections en provenance de Jean II-A (et donc aussi

du Document C). Dans cette nouvelle rédaction, Jean II subit

l‟influence des lettre de Paul, des écrits de Lc (évangile et Actes), des

textes de Qumrân; la parenté avec les épîtres joanniques est évidente.

(BOISMARD e LOUMILLE, 1977, Tome III, pg 11)3.

Por fim um terceiro autor, João III, inseriu em João II-B os textos paralelos de

João II-A e alguns provenientes de uma coletânea joanina. Este autor inverteu a ordem

dos capítulos 5 e 6 e introduziu um certo numero de glosas a fim de retomar a

escatologia herdada de Daniel. Ele se esforçou para atenuar as tendências antijudaicas

de João II-A e João II-B.

Este tipo de estudo parece ser meramente especulativo quando não vinculado aos

rigorosos critérios da crítica textual e literária. Por isso, em nosso trabalho focaremos na

crítica literária a fim de compreender como adições, dubletes, deslocamentos de texto e

critérios teológicos estiveram intimamente ligados ao ambiente do próprio texto. De

maneira que não se deve entender tais adaptações como simples manipulação de uma

verdade original, mas como um complexo processo de transformação de uma tradição

oral em escrita permeado por rupturas.

3 É ele que introduz o quadro de Festas judias no qual se desenrola a vida de Jesus, dando

primazia a Festa da Páscoa em detrimento da Festa das Tendas, a única que é mencionada no Documento C, Ele foi então forçado a inverter em grande medida na ordem das seções proveniente de João II-A (e, por conseguinte também do Documento C). Nesta nova redação, João II sofreu influencia das Cartas de Paulo, dos escritos de Lucas (evangelho e Atos), dos textos de Qumrãn; o parentesco com as epístolas joaninas é evidente. (Tradução minha)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

23

Dentre as características indicadas pelos autores desta sinopse focalizaremos

naquelas intimamente relacionadas ao tema da preexistência de Jesus a fim de

compreender suas conseqüências no período da ruptura da comunidade. Tomaremos a

camada inicial e arrolaremos as transformações que interessam ao nosso estudo

identificando as renovações adotadas pela narrativa.

*

O DOC. C4 se dividiria em cinco partes, as quatro primeiras corresponderiam às

regiões onde se desenvolveram o ministério de Jesus: Samaria, Galiléia, Jerusalém e

Betânia. E na última estaria a narrativa da paixão e ressurreição de Cristo.

SAMARIA

João Batista em Enom - O evangelho começaria apresentando o Batista, ou seja,

seu inicio seria em 3,23.25 seguido de 1,19ss. Se hoje 3,23 parece fora de contexto seria

justamente porque este trecho já foi o inicio do evangelho de forma análoga a Mc 1, 4-5.

No entanto, João Batista é colocado na região de Siquém (Enon e Salim), no coração da

Samaria dando independência a esta tradição se comparada aos sinópticos que o coloca

a margem do Jordão.

Vocação de Filipe e Natanael – Esta seqüência é estreitamente ligada ao

testemunho do Batista em 1,19ss, pois Jesus é anunciado como o Profeta semelhante a

Moisés, anunciado em Dt 18,18, e que o Batista nega ser. Destaca-se que as

expectativas messiânicas dos samaritanos estão centradas neste Profeta. Outra tradição

4 O texto na íntegra pode ser encontrado em: M.-É. BOISMARD ET A. LAMOUILLE. 1977. Synopse

des quatre évangile Tome III L’évangile de Jean, pg 16-19.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

24

samaritana em 1,43ss apresenta Jesus como rei de Israel, herdeiro do patriarca José.

Diferente da linha de sucessão patriarcal davídica apresentada nos sinópticos.

Jesus e o diálogo com a Samaritana – Este seria o episódio seqüencial ao

anterior, pois estariam ligados pela posição geográfica. A fonte de Jacó não é longe de

Enon onde estava o Batista. Mas estão próximos também pela teologia que coloca o

Batista na Samaria para que os samaritanos estejam prontos ao anúncio de Jesus. Como

ocorre depois do diálogo com a samaritana. E, assim como na vocação de Natanael, é

dada uma importância especial ao patriarca José como ancestral dos samaritanos em 4,5.

GALILÉIA

Dos cinco milagres encontrados na camada mais antiga (Doc. C) três foram

realizados na Galiléia: A transformação da águas em vinho nas bodas de Canã, seu

primeiro milagre, a cura do filho do funcionário real em Cafarnaum (acreditava-se que

Jesus teria realizado este milagre à distância) e a pesca milagrosa no lago de Tiberíades.

Este último milagre encontra-se no epílogo do evangelho. Mas a tradição evangélica em

geral conclui que a pesca milagrosa é primitivamente uma manifestação de Jesus como

Messias, ao início de seu ministério, e não uma aparição do Cristo ressuscitado. Sendo

assim, é Lucas que guarda o contexto primitivo deste episódio.

“Ce(tte) troisième (fois) fut manifeste Jésus...” La parenté avec les

formules qui terminent les récits de Cana (2 11a) et de Capharnaüm (4

54a) est indéniable, surtout si l‟on se réfère au texte grec qui a partout

le neutre: “ce premier... ce deuxième.. ce troisième..." Nous sommes

donc en prèsence d‟un troisième «signe» accompli par Jésus durant les

débuts de son ministère, miracle qui, dans la source de Jn (pour nous,

le Document C), suivait plus ou moins immédiatement le «premier» et

le «deuxième», les noces de Cana et la guèrison du fils du

fonctionnaire royal de Capharnaüm. En Jn 21,14 la deuxième partie du

verset aurait été ajoutée lorsque la pêche miraculeuse fut présentée

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

25

come une apparition du Christ ressuscité. (BOISMARD e

LAMOUILLE, 1977, Tome III, pg 21)5.

Este número de milagres pode guardar outra ligação com Moisés, pois conforme Ex 4,1-

9 este também devia fazer três milagres para ser reconhecido pelos Hebreus com o

enviado de Deus. Desta forma os três milagres de Jesus realizados no início de seu

ministério, ainda restrito a Galiléia como nos sinópticos, marcariam o reconhecimento

de Jesus pelos judeus.

No entanto, para ser reconhecido é importante que Jesus se manifeste em

Jerusalém o que aponta como seqüência aos milagres da Galiléia o trecho de Jo 7, 1-10

onde foram misturados dois textos primitivos. Um dos textos primitivos encerraria a

passagem pela Galiléia com os irmãos de Jesus o convidando a subir para Jerusalém a

fim de manifestar suas obras ao mundo, mas Ele diz que “ainda não é seu tempo” e fica.

No outro texto primitivo Jesus começa sua caminhada por Jerusalém subindo para a

festa das Tendas. Como base para tal suposição os autores da sinopse utilizam a

contradição dos versículos 2,23/4,45b/5,1 com 7,3-4 que tratam da fama de Jesus em

Jerusalém.

JERUSALÉM

Esta seria a terceira parte do Doc. C onde Jesus sobe para a festa das Tendas que

é uma festa agrícola, uma comemoração da colheita. Para agradecer a Deus os produtos

5 “Esta foi a terceira manifestação de Jesus...” O parentesco com as fórmulas que terminam as

redações de Canã (2, 11a) e de Cafarnaum (4, 54a) é inegável, sobretudo se nos referimos ao texto grego que tem em todas as manifestações: “este é o primeiro ... este é o segundo ... este é o terceiro...” Estamos, então, em presença de um sinal realizado por Jesus durante o início de seu ministério, milagre que, na fonte de João (para nós, o Documento C), seguia mais ou menos imediatamente o primeiro e o segundo, as núpcias de Canã e cura milagre do filho do funcionário rela de Cafarnaum. Em Jo 21,14 a segunda parte do verso teria sido juntada quando a pesca milagrosa foi apresentada como uma aparição do Cristo ressuscitado. (Tradução minha)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

26

dos campos. É durante esta festa que Jesus entra em Jerusalém, expulsa os vendilhões

do Templo, os Gregos pedem para ver Jesus e Ele cura um cego de nascença no sábado

(Jo 5,1).

BETÂNIA

A quarta parte do Doc. C se passa em Betânia, próximo de Jerusalém. Neste

local ocorre a ressurreição de Lázaro, a unção de Jesus com perfume, o lava-pés, o

anúncio do seu retorno e, enfim, chega à hora do Filho do Homem.

PAIXÃO E RESSURREIÇÃO

A quinta é ultima parte é composta pela paixão e ressurreição de Jesus. Nele

temos a descrição da prisão de Jesus, a negação de Pedro, o comparecimento diante de

Anás, o comparecimento diante de Pilatos, a morte de Jesus, a retirada do corpo de

Jesus da cruz, a ida das mulheres e de Pedro ao túmulo, aparição a Maria Madalena e a

aparição aos discípulos.

Segundo a sinopse de Boismard e Loumille esta seria a composição mais antiga

do Evangelho de João que serviu de base a redações posteriores. Eles datam-na

aproximadamente no ano 50 e.c. (BOISMARD e LAMOUILLE, 1977, Tome III pg 67),

ou seja, bem distante da data proposta para a redação final em 90 e.c.

*

O que podemos extrair a partir das informações apresentadas nestas sinopses?

Entendemos, primeiramente, que cada uma delas se propõe perspectivas diferentes de

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

27

análises. A primeira se desenvolve a partir da redação final do evangelho interpretando-

a preocupando-se em explicar as fases da comunidade até seu estado final. Por isso tem

caráter explicativo e conclusivo. A segunda apresenta o evangelho em camadas de

maneira que cada uma delas pode representar um momento do desenvolvimento da

comunidade e do ambiente do texto. No entanto, não tem por objetivo estabelecer de

forma conclusiva aspectos inerentes a comunidade. Se de um lado o estudo de Raymond

Brown nos abastece de informações sobre a comunidade de João, por outro em

L’évangile de Jean encontramos um estudo focado em restabelecer a composição

textual do evangelho.

Através destas diferenças pretendemos resguardar nosso estudo de qualquer

parcialidade teológica e relacionar os desenvolvimentos das camadas redacionais ao da

comunidade. Esta seria uma forma de sintetizar as características fundamentais de cada

sinopse, ou seja, de adquirir informações sobre a comunidade joanina através de cada

camada redacional ao invés de simplesmente procurá-las na redação final. Todavia não

abrimos mão de elementos da análise de Brown que podem contribuir para a

investigação. Sendo assim, vejamos o que é possível concluir a partir de destes dados.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

28

1.2.1 Composição e Messianismo.

Composição - Estabelecer a composição da comunidade é o primeiro passo para

compreender específicos aspectos da tradição joanina. A sugestão de Brown em 4

segmentos (os ex-discípulos de João Batista, judeus helenistas, samaritanos e gentios)

confronta-se, em parte, com o texto do Doc. C.

Dentre os 4 segmentos “os ex-discípulos de João Batista” são colocados na

origem da comunidade. Pois, na redação final do Evangelho de João os primeiros

discípulos convocados por Jesus são André, Pedro, Filipe e Natanael. Nesta versão

apenas os dois primeiros são apresentados como seguidores de João Batista, ou seja,

estes seriam os fundadores da comunidade. No entanto, no Doc. C encontramos apenas

a convocação de Filipe e Natanael, pois a vocação de André e Pedro seria um acréscimo

redacional de João II-A que completa o Documento C com parte de Mateus e Marcos.

Por conseguinte, os discípulos que remeteriam a uma tradição mais ortodoxa

devido a sua ligação a certos aspectos da tradição sinóptica não estariam na suposta

origem de Raymond Brown. Lembramos também que somente em João, André e Pedro,

são apresentados com seguidores de João Batista.

A conversão dos samaritanos atribuída aos judeus helenistas, conforme

encontramos em Atos dos Apóstolos e na sinopse de Raymond Brown, não são

encontrados no Doc. C fazendo dos samaritanos os primeiros seguidores de Jesus.

Neste contexto, a tradição sinóptica centrada na Judéia sofre um deslocamento,

pois a tradição joanina (Doc C) coloca suas bases na Samaria que é assumida como

referência principal na composição inicial da comunidade. Por isso, João Batista está na

Samaria e não à beira do Jordão sendo questionado se ele é o Profeta. E na convocação

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

29

dos primeiros apóstolos, segundo Boismard (1977, pg 20 e 51), Jesus é anunciado como

rei de Israel em oposição a Judá, pois ele é descendente do patriarca José filho de Jacó,

ancestral dos samaritanos em oposição à linhagem davídica. José também é citado com

o mesmo valor para identificar a região que Jesus dialoga com a samaritana, ou seja,

perto da região que Jacó havia dado a seu filho José (Jo 4,5b).

É possível que em 90 e.c., no período da redação final do evangelho a

comunidade possuísse uma composição bem mais complexa do que na época do Doc.

C, como descreve Brown, mas precisamos considerar o que representa a colocação da

origem desta tradição no seio da Samaria diferentemente do que é proposto em A

Comunidade do Discípulo Amado. Nesta última encontramos primeiramente André e

Pedro, oriundos da tradição sinóptica, seguidos de judeus helenistas, samaritanos e

gentios; enquanto no Doc C. encontramos os samaritanos na origem seguidos de judeus

helenistas e gentios.

Os grupos presentes na composição são os mesmos, mas a origem da

comunidade recai sobre os samaritanos e suas tradições. Conseqüentemente a conversão

deles não pode mais ser atribuída aos judeus helenistas. Embora neste momento isto não

signifique uma ruptura entre os dois grupos. Enfim, temos uma mesma proposta de

composição nas sinopses apresentadas, mas uma nova origem para a tradição joanina.

Isto confere um novo ideal de liberdade à comunidade modificando as

expectativas Messiânicas. Procuraremos identificar estas modificações analisando os

processos hermenêuticos desenvolvidos nas diferentes camadas dos textos do evangelho

de João.

Messianismo - No evangelho de João são atribuídos a Jesus os seguintes títulos:

Profeta, Messias, Rei, Filho do Homem, Sabedoria de Deus, Palavra de Deus e Filho de

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

30

Deus. Estas nomenclaturas não surgiram ao acaso, pois estavam ligadas ao vasto

contexto de expectativas de libertação do povo judeu. Por isso, a partir delas

buscaremos compreender que tipo de relação pode ser estabelecido entre as expectativas

messiânicas e os termos utilizados no evangelho.

Segundo Donizete Scardelai em Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus

vários paradigmas de libertação judaica se desenvolveram a partir da revolta macabaica

de 165 a.e.c. E para analisar este processo ele delineia três títulos-chaves “como

matrizes sobre os quais os critérios para a condição messiânica serão investigados no

contexto da Terra de Israel em luta por liberdade.” (1998, pg 6), ou seja, o desejo de

restabelecer a independência política e religiosa do povo hebreu teve como uma de suas

conseqüências o desenvolvimento de esperanças messiânicas.

Filho de Davi, Filho de José e um redentor Profeta são os títulos-chaves que

orientaram Scardelai como referência para a compreensão das diversas expectativas

messiânicas no recorte temporal que vai das Guerras Macabaicas até as revoltas de 135

e.c. Para o autor este recorte é muito sugestivo por representar um período repleto de

conturbações sociais, batalhas militares, tentativas de libertação nacional feitas por

movimentos populares.

Os antecedentes conceituais sobre os quais repousam estes títulos-chaves

colocam as origens destes messianismos na hermenêutica bíblica (Tanach) que se

desenvolveu através da literatura apocalíptica judaica do período pós-macabaico e na

ideologia monárquica. Somente após a destruição do segundo templo “os rabinos foram,

contudo muito prudentes e discretos para não valorizar excessivamente os aspectos da

apocalíptica”. (SCARDELAI, 1998, pg 26). A força da ideologia monárquica foi, então,

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

31

alavancada pela literatura apocalíptica gerando crenças na manifestação de um redentor.

Por isso, somente

Depois da destruição do Templo, o judaísmo rabínico tornou-se a

plataforma central do que chamamos judaísmo normativo, garantindo

inclusive a própria sobrevivência da nação judaica na diáspora pelos

séculos afora até tempo presente. Gradualmente, o desenvolvimento

das idéias messiânicas foram adquirindo uma composição mais

consistente e uniforme, sem que com isso seu conteúdo fosse

absolutamente esgotado em normas dogmáticas. (SCARDELAI,1998,

pg 36-37).

Desta forma a tradição rabínica garantia a tradição dos antigos enquanto impedia sua

excessiva fragmentação. Pois para impedir a prática de abusos hermenêuticos e

interpretativos à tradição rabínica propôs que seria preciso “pôr um cerco em torno da

Torah” segundo a Mishna Abôt, 1,1 (apud SCARDELAI, 1998, pg 38). Mas este quadro

só pôde ser estabelecido no pós setenta, pois antes havia uma irrestrita autonomia na

relação do judeu com a Torah.

A análise etimológica do termo Messias contribui para que possamos

compreender como a literatura apocalíptica (pós-bíblica) desenvolveu novos rumos da

salvação escatológica.

Os critérios para determinar as referências messiânicas estão

condicionados aos fundamentos da exegese bíblica que, interpolando

o sentido literal bíblico de “ungido” (messias), pode fornecer uma

literatura alternativa inteiramente nova. Por este processo é que foi

possível extrair do texto bíblico original um sentido que não está

explícito. Embora tenha-se constituído numa doutrina tão relevante,

principalmente para a fé cristã, o termo “ungido” (e por extensão

messias) não significa nome pessoal, e muito menos termo teológico

quando empregado no original hebraico. A designação bíblica de

messias é o hebraico Mashiach (ungido), ou o aramaico Mashicha,

como é comumente usada. Somente mais tarde tornou-se modelo de

esperança judaica através dos textos talmúdicos. O sentido posterior

de “messias” fora então alterado, dado à passagem para a terminologia

grega “Christos”. Inicialmente usado pra descrever a função de todo

aquele “ungido com óleo”, Mashiach tornou-se título honorífico para

se referir àqueles que eram escolhidos. Ademais as quarentas

passagens da Escritura em que aparece o termo “messias”, sem

interpolação do sentido salvador, preservam todo seu sentido original

de “ungido”. Como condição exegética é mister ultrapassar esse

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

32

sentido original da palavra bíblica “mashiach” (ungido) a fim de só

então compreender o amplo horizonte e o alcance das interpolações

sofridas, vinculadas à doutrina posterior do messias. (SCARDELAI,

1998, pg 46)

A partir destes antecedentes conceituais (exegese bíblica + ideologia

monárquica) atrelado ao contexto socio-histórico do recorte temporal pós-macabaico

Scardelai estabelece os três títulos-chaves citados acima enfatizando a perspectiva do

messianismo do Filho de Davi “que no tempo de Jesus definia grande parte das

proclamações messiânicas”. (1998, pg 20). O breve período de independência sob os

Macabeus deu força à idéia do messias filho de Davi que resolveria os problemas de

natureza política trazendo novamente a paz.

Retratou-se um ser humano pertencente ao reino restaurado no „aqui‟

do reino terreno. Além dos mandamentos a que o messias estava

sujeito a obedecer em toda sua integridade, como qualquer filho de

Israel deveria fazê-lo, a maioria do povo e os sábios judeus

acreditavam que o agente de Deus não detinha poderes divinos

exclusivos. O cumprimento da redenção de Israel através de um

agente divino estava, por isso, fortemente ligado à tão sonhada

restauração do reino nacional davídico. (SCARDELAI, 1998, pg 57)

Na obra de Scardelai a ênfase na perspectiva davídica fez com que os demais

títulos-chaves (Filho de José e Profeta) ganhassem um tom coadjuvante nesta

investigação. Pois o Filho de José é apresentado como um predecessor do Filho de Davi

e o Profeta como uma ramificação popular do messianismo judaico o qual teria se

originado na Galiléia. Este último seria marcado pela presença de figuras carismáticas

não vinculadas a linhagem davídica. Desta forma Moisés e Elias foram suas principais

referências.

Contudo, a colocação da base da tradição joanina, conforme visto no tópico

anterior, na Samaria nos conduz a uma nova postura diante dos títulos-chaves

apresentados. Por isso, focaremos no messianismo do Filho de José entendendo que

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

33

existe a possibilidade de uma estreita relação entre este tipo de messianismo e os

samaritanos.

Para tal gostaríamos de reforçar que a compreensão do messianismo do Filho de

José em Scardelai se apóia em processos hermenêuticos desenvolvidos na tradição

rabínica (Talmud, Targum e Midrash) tomando por base Zc 12, 10 (Sukka 52), Ct 4,5,

Ex 40, 11 e Dt 33, 17. Pois na tradição rabínica o Messias Ben José era o antecedente de

Davi o qual realizaria a libertação da dominação romana.

Em contrapartida neste trabalho analisaremos o processo hermenêutico

desenvolvido na tradição cristã joanina entendendo que o messianismo do Filho de José

se respaldou em uma leitura diferenciada da bíblia judaica. Pois os cristãos joaninos se

baseavam em Is 53, 1ss (messias servo sofredor), Dt, Ez, e Dn que os conduziram a

perspectivas diferentes de salvação que procuraremos analisar a seguir.

Segundo Boismard6, nos títulos que encontramos em João (Profeta, Messias,

Rei, Filho do Homem, Sabedoria de Deus, Palavra de Deus e Filho de Deus) também é

possível identificar um desenvolvimento exegético e hermenêutico baseado na

interpretação bíblica. No entanto, enquanto uns já podem ser encontrados desde a

camada mais antiga (Doc. C.) sofrendo adequações ao longo das redações de João II-A,

João II-B e João III; outros embora também interpretem o texto bíblico só podem ser

encontrados nas redações tardias de João II-A e João II-B.

De acordo com o autor, estão presentes na camada mais antiga (Doc. C.) os

títulos: Profeta, Rei e Filho do Homem que vão sofrendo processos hermenêuticos ao

6 Ver M.-É. BOISMARD ET A. LAMOUILLE. 1977. Synopse des quatre évangile Tome III

L’évangile de Jean, pg 48-53

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

34

longo das novas redações. Eles seriam interpretações de Dt 18, 18; Ez 37, 24 e Dn 7,

13-14, respectivamente7.

A interpretação de Dt 18,18 faz de Jesus o Profeta, o novo Moisés. Encontramos

este tipo de exegese no encontro de Filipe e Natanael quando o primeiro diz: “aquele

que Moisés escreveu na Lei” (1,45), quando o Batista recusa este título (1,21) e Jesus

confirma esta qualidade fazendo revelações a Natanael (1,48) e a Samaritana (4,16-18).

Nos três milagres realizados na Galiléia teríamos um paralelo com Ex 4, 1-9 onde

Moisés deveria realizar três sinais a fim de que os Hebreus acreditassem que ele era o

enviado de Deus.

Mas o evangelho não permaneceu em sua camada mais antiga (Doc. C.) ele

seguiu se adequando ao contexto do judaísmo de seu tempo. A redação de João II-A,

ainda na Palestina por volta de 60-65 procura atenuar a característica samaritana do

tema mostrando que o Profeta é também o (Messias) Cristo que esperavam os Judeus

(BOISMARD e LOUMILLE, 1977, tome III, pg 68). E em 7, 40-41a a multidão faz

uma dupla profissão de fé: “Aquele é verdadeiramente o Profeta” e “Aquele é o Cristo”.

João II-A coloca em paralelo a afirmação de André e Filipe: “Nós encontramos o

Messias” (1,41) e “Aquele que Moisés escreveu na Lei” (1,45)

Em João II-B escrito na Ásia Menor, ou seja, fora da Palestina por volta do ano

90 e.c. (BOISMARD e LOUMILLE, 1977, tome III, pg 68) abandona-se este

paralelismo e o título de Profeta dá lugar ao de Cristo. João II-B deixa pensar que a

7 Para facilitação do estudo transcrevo da Bíblia de Jerusalém os trechos citados: 1) Dt 18,18 –

“Vou suscitar para eles um profeta como tu, do meio dos seus irmãos. Colocarei as minhas palavras em sua boca e ele lhes comunicará tudo o que eu lhe ordenar. Messias”. 2) Ez 37,24 - “O meu servo Davi será rei sobre eles, e haverá um só pastor para todos, e andarão de acordo com minhas normas e guardarão os meus estatutos e os praticarão.Rei”. 3) Dn 7, 13-14 – “Eu continuava, nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como o Filho de Homem. Ele adiantou-se até ao Ancião e foi introduzido á sua presença; A ele foi outorgado o poder, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o serviram. Seu império é império eterno que jamais passará, e seu reino jamais será destruído. Filho do Homem”.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

35

Samaritana esperava a vinda do Messias (4,25.29). E em 10,24 torna uma questão

essencial para os Judeus: saber se Jesus é o Cristo. Nesta redação é possível perceber as

dificuldades do pós 70 enfrentadas pelos judeus cristãos deste período, pois o redator

lembra o decreto de exclusão da Sinagoga colocado contra aqueles que reconhecessem

Jesus como o Cristo (9,22).

A interpretação de Ez 37,24 na camada mais antiga (Jo 1,31; 1, 49 e 12, 13)

buscaria reunificar as regiões da Samaria e da Judéia sob o reinado de Jesus. Um rei

para os dois povos, Judá e Israel (Samaria). No entanto, é possível que o autor do Doc.

C visse a possibilidade da reunificação destes dois reinos inimigos, não em proveito de

Judá e da linhagem davídica, mas de Israel (Samaria). Pois Jesus não é designado como

o filho de Davi (Mc 10,47-48; Mt 15, 22; Lc 1, 27.32), mas como filho de José. Este

José seria o patriarca ancestral que formou o reino de Israel e que os samaritanos

consideravam como o rei de Israel.

Em João II-A o tema é tratado sob uma perspectiva menos samaritana, pois ele

toma o cuidado de indicar que o reino de Jesus “não é deste mundo” (18,36). E João II-

B desenvolve o tema do novo Moisés acentuando a referência a Davi, pois Jo 11, 50-51;

12, 26; 13 36-37 seriam interpretações de 2Sm 17,3; 15, 21; 15, 19ss.

O Filho do Homem encontrado em Dn 7, 13-14 é perseguido e humilhado, pois

ele vai receber a investidura real. E provável que nesta origem a expressão Filho do

Homem não induza a nenhum sentido cristológico posterior, ou seja, somente com o

processo exegético desenvolvido na tradição cristã “um como o Filho do Homem”

vincula-se as perspectivas messiânicas8. Ainda na camada mais antiga Jesus será

8 Alguns comentários contestam a titularidade do termo Filho do Homem no contexto de Dn 7,

13-14. Pois entendem que o uso deste termo como título messiânico e escatológico ocorreu posteriormente. Ver IZIDORO, J. L.; LOPES, M. A recepção da expressão Filho do Homem no Novo testamento: “do Jesus Histórico à expressão Filho do Homem. RJHR., v.2, 2009.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

36

humilhado e elevado a direita de Deus a fim de que possa ser investido da realeza (12,

23; 12 32). Neste caso o Filho do Homem está em estreita ligação com o título de Rei.

Em João II-A o Filho do Homem está ligado a um aspecto da missão de Jesus:

abolir o pecado que é a cegueira dos homens e o desconhecimento de Deus (9, 2-3.34-

37). João II-A conhecia o tema da subida apenas como uma forma de elevação (3, 14).

Notar-se-á que 9,36 e 3 14-16 são os únicos textos do Novo Testamento onde se

demanda crer no Filho do Homem.

João II-B retoma este tema (8, 28; 12, 23 e 13,31), porém ele o fundi com o

segundo. Neste sentido se o Filho do Homem pode subir ao céu é porque ele desceu

dela (3, 13; 6, 62). Em 3, 13, o Filho do homem se identifica com o novo Moisés que

vai procurar no céu a revelação da palavra de Deus.

João-III reinsere no evangelho o tema clássico do Filho do Homem vindo julgar

os homens após sua ressurreição, no fim dos tempos (5, 27-29).

Estes são os títulos que, por meio da análise em camadas, encontramos desde a

mais antiga até a mais recente redação podendo avaliar as adequações sofridas. As

adequações que encontramos vão paulatinamente transferindo a base da tradição da

Samaria para a Judéia. O Profeta vai ganhando as configurações do Messias (Cristo) que

era esperado pelos judeus de Jerusalém. O Rei que unificaria as duas regiões em

proveito de Israel (Samaria) no Doc. C. apresenta oscilações, pois em João II-A seu

reino ganha feitios extraterrenos, transcendentais e em João II-B se acentua a referência

a Davi.

No entanto, o uso do termo Filho do Homem como título é um ponto crucial

para o cristianismo. Ele atravessa todas as camadas e vai dando novos rumos ao

Disponível em: <http://www.revistajesushistorico.ifcs.ufrj.br/arquivos2/jose.luis.isidoro.com.mercedes.lopes.pdf>. Acesso em 09/03/2009.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

37

significado inicial proposto na camada mais antiga (Doc. C) de maneira que a exegese

que encontramos nas camadas seguintes (João II-A, João II-B e João III) dá suporte

àquelas que somente aparecem nas redações posteriores (Filho de Deus, Sabedoria de

Deus e Palavra de Deus).

Enfim, nos títulos acima percebemos um deslocamento na percepção política9 do

messianismo de Jesus. Pois no Doc. C. podemos identificar uma esperança de libertação

nos moldes samaritanos, mas à medida que as novas redações vão sendo elaboradas

podemos notar um afastamento dela. No entanto, este deslocamento não se limita a

representatividade política do ministério de Jesus, pois o processo hermenêutico

desenvolvido pelos seguidores de Jesus atribui novos aspectos ao seu messianismo. A

exegese joanina alavanca o messianismo político de Jesus atribuindo- lhe a

Preexistência.

Em linhas gerais os elementos apresentados neste capítulo nos conduzem a uma

reflexão sobre caracteres fundamentais da tradição joanina. Analisando estes caracteres

questionamos: Por que uma comunidade de composição tão variegada que inicialmente

esperava o retorno do Filho de José romper com esta expectativa e assumir a fé na

Preexistência? Sugerimos que este foi um processo gradual em parte aqui apresentado

através da análise das camadas redacionais de João II-A, João II-B e João III. Mas uma

questão insiste em ser respondida. Por que se estabeleceu a ruptura com a perspectiva

messiânica de cunho político em proveito da idéia da Preexistência?

Entendemos que os três títulos (Sabedoria de Deus. Palavra de Deus e Filho de

Deus) que são encontrados apenas nas redações posteriores de João II-A, João II-B

fazem parte de um gradativo processo de ruptura com o Templo. Esta nova expectativa

9 O termo política aqui alude a representação da missão de Jesus no que se refere ao sistema

monárquico que se queria estabelecer.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

38

messiânica, presente apenas nas redações mais recentes, será então averiguada de

maneira mais minuciosa no próximo capítulo. Pois é necessário avaliar se é sustentável

a relação entre a preexistência e o messianismo do Filho de José como uma expectativa

samaritana que refletiu na tradição joanina.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

39

CAPÍTULO 2

2.1. Os Eleitos Joaninos

Antes de retomarmos as questões acerca da preexistência na tradição joanina

situaremos sua relação com o objeto de nossa pesquisa: Os Eleitos Joaninos. Este é o

título do nosso trabalho que se refere aos membros que abandonaram a comunidade

joanina (1 Jo 2,19)10

no período de composição das cartas11

. Por isso, analisaremos

hipoteticamente a relação deste grupo com seus rivais procurando dar voz ao seu

discurso.

O principal ponto de embate nas lutas internas da comunidade em 1 Jo é a

Cristologia. A partir de sua análise poderemos identificar outros pontos de confronto

entre os grupos que compunham a comunidade.

Não reconhecendo que Jesus veio na carne, eles negam a importância

de Jesus (4, 2-3) (...) não viam nenhuma importância em guardar os

mandamentos e pretendiam estar livres da culpa do pecado (1,6 e 8; 2,

4). Em particular não mostram amor aos irmãos (2,9-11; 3, 10-24; 4,

7-21). (BROWN, R. E., 1999, pg 98)

No entanto, como entendemos que as cartas surgiram no intuito de restringir a

interpretação do evangelho de João12

ofereceremos novas fontes as quais possibilitem

ampliar a perspectiva do universo religiosos dos Eleitos. Pois as cartas não são os

únicos documentos que procuravam dar sentido ao evangelho neste período. Desta

maneira não nos limitaremos a esboçar um perfil dos Eleitos Joaninos apenas através da

10

“Eles saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos. Se tivesse sido dos nossos, teriam permanecido conosco. Mas era preciso que se manifestasse que nem todos eram dos nossos.” Bíblia de Jerusalém. 11

Esta composição pode ser datada aproximadamente do ano 100 e.c. para maiores detalhes ver: BROWN, R. E., op. cit. pg 97-150. 12

Ver: VASCONCELOS, P. L. 2002. O caminho é estreito: Idas e vindas na incorporação (de parte) da tradição joanina ao cânon do Novo Testamento. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, nº 42/43, Ed. Vozes, pg 121-144.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

40

perspectiva de seus opositores. Pois explicitar parte da possível perspectiva

interpretativa desse grupo ultrapassa o simples uso do título de Eleitos ao invés de

Anticristos.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

41

2.1.1 Cristologia

Jo 1 Jo

Cristologia 1¹No princípio era o Verbo e o

Verbo estava com Deus e o

Verbo era Deus. ² No principio,

ele estava com Deus.³ Tudo foi

feito por meio dele e sem ele nada

foi feito. 4 o que foi feito nele era

vida, e a vida era luz do homens;

1¹O que era desde o princípio, o

que ouvimos, o que vimos com

nosso olhos, o que

contemplamos, e o que nossas

mãos apalparam do Verbo da

vida. ² - porque a Vida

manifestou-se: nós a vimos e dela

vos damos testemunho e vos

anunciamos esta Vida eterna, que

estava voltada para o Pai e que

nos apareceu - ³ o que vimos e

ouvimos vo-lo anunciamos para

que estejais em comunhão

conosco. Quadro 1: Retirado da Bíblia de Jerusalém.

A primeira impressão das citações dos prólogos acima é de continuidade dos

discursos. Entretanto, se considerarmos os textos mais detalhadamente perceberemos

que o início da Carta mais do que ratificar o evangelho procura assegurar que o Verbo

preexistente foi apreendido por meio do testemunho humano. E esse testemunho selava

uma comunhão entre aqueles “viram” e “ouviram”, de maneira que adquirissem

autoridade em seu anúncio.

Esta preocupação em restringir o discurso e apontar seus legítimos anunciadores

pode ser explicada pelos desdobramentos heterodoxos da fé cristã no segundo século da

era comum. Há algumas hipóteses que procuram vincular os separatistas da comunidade

joanina a esta heterodoxia. Não estamos dizendo que os Eleitos Joaninos são

necessariamente integrantes destas vertentes, mas sabemos que elas tinham o evangelho

de João por referência13

.

13 Ver: Adversus Haereses I, 8,5

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

42

Aceito primeiramente entre os heterodoxos, já na segunda metade do século II, o

evangelho de João tinha familiaridade com muitas obras deuterocanônicas, como: As

Odes de Salomão, Tratado tripartido, O Trovão e o Livro Secreto Segundo João entre

outras. O primeiro comentário conhecido do evangelho segundo João se dá em âmbito

heterodoxo. Trata-se do comentário de Heracleão que fora preservado por Orígenes

quando se viu obrigado a rebatê-lo.

Segundo Heracleão, em João Batista temos o símbolo do Demiurgo,

na descida de Jesus a Cafarnaum (Jo 2,12), a descida do Salvador ao

mundo material, a samaritana (Jo 4) simboliza o elemento espiritual

retido neste mundo (Samaria), mas aberto para acolher o Salvador,

etc. (VASCONCELOS, P., 2002, pg 135).

As divergências que tiveram por base a Cristologia variavam de muitas maneiras

oscilando entre representações gnósticas e docetas. Uns acreditavam que Jesus era um

homem comum, outros que era preexistente ou ainda que fosse Deus, mas não

preexistisse.

Segundo Bentley Layton (LAYTON, 2002:12-13) na vertente gnóstica é

possível identificar uma estrutura básica para o mito de fundação do universo que em

sua versão cristã confere preexistência ao Cristo. O mito gnóstico pode ser estruturado

em um enredo com 4 atos e um subenredo, também em 4 atos:

Enredo:

1º Ato. A expansão de um solitário primeiro princípio (deus) em um

universo não-físico (espiritual) completo.

2º Ato. Criação do universo material, incluindo estrelas, planetas, terras e

inferno.

3º Ato. Criação de Adão, Eva e seus filhos.

4º Ato. História subsequente da raça humana

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

43

Subenredo:

1º Ato. Expansão do poder divino (“o pai da totalidade”) para encher o

universo espiritual.

2º Ato. Roubo e perda de algo desse poder nas mãos de um ser não-espiritual

(“Ialdabaöth”).

3º Ato. Engano do ladrão, levando a transferência do poder para uma parte

da humanidade (“os gnósticos”).

4º Ato. Recuperação gradual, pelo divino, do poder que lhe faltava, à medida

que as almas gnósticas são chamadas por um salvador e retornam a deus.

Quadro 2: Retirado do livro Escritura Gnosticas.

Um dos problemas detectados nesta estrutura para que possamos relacioná-la a

tradição joanina é o fato de a construção do universo ser entendida como uma mal. Pois

embora possamos identificar nesta narrativa o Cristo preexistente de maneira análoga ao

evangelho de João, em contrapartida, a vida no Reino da Matéria é compreendida como

um castigo. Este aspecto está em direta contradição com o prólogo do evangelho de

João e com a tradição do Pentateuco. Mas é possível identificar a influência da

hermenêutica joanina em determinados pontos desta vertente. De que maneira, então,

podemos compreender o vínculo estabelecido entre o gnosticismo e a tradição joanina?

Neste ponto faço um parêntese para discorrer sobre as controvérsias acerca do

gnosticismo, pois elas atravessaram a historiografia do século XX que buscou defini-la.

Esta discussão se fez presente na primeira fase desta pesquisa, ou seja, na monografia de

graduação. Naquele momento entendíamos que a gnose era o elemento central na

percepção da comunidade joanina diante de sua realidade social.

A partir de uma abordagem fenomenológica entendíamos a gnosis de maneira

geral permitindo que este conceito atravessasse diferentes âmbitos da História

(religiosos ou não). Em mais de 50 anos de pesquisas realizados por Henri-Charles

Puech podemos detectar as mudanças de ponto de vista sobre este tema.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

44

Em sua obra En Torno a la Gnosis I temos uma coletânea de artigo que se inicia

nos anos de 1930 possibilitando capturar as contendas acerca deste tema. Os artigos

escolhidos por Puech não procuram dar uma ordem cronológica aos fatos, mas sua

eleição não foi feita ao acaso. Embora tenham sido retirados de uma relação maior eles

oferecem certa unidade. Pois estão ligados por um tema central, a Gnosis. O autor,

afirma que o estudo da gnosis se interessa mais pelo fenômeno que por sua gênese e sua

extensão (1982: 10), o que nem sempre foi assim.

Também afirma que o estudo deveria ser constituído por todos os sistemas

gnósticos aparecidos no tempo, porém, reconhece que de fato o campo de estudo do

sistema gnóstico esteve por muito tempo limitado àqueles que se formaram e

desenvolveram em torno ou próximo do cristianismo. Ligado durante os cinco primeiros

séculos de nossa era ao Ocidente, ao Egito e ao Próximo Oriente Médio (1982: 10).

Entre esses grupos encontraríamos os setianos, ofitas, barbelognósticos que são

os autores dos escritos clássicos gnósticos (entre eles O Livro Secreto de João), os

seguidores da doutrina dos grandes gnósticos (Basílides, Carpócrates, Valentino,

Heracleon e outros), judeu-cristãos e as doutrinas chamadas de pagãs ou não cristãs

como o mandeísmo, e sobre tudo o maniqueísmo.

Os achados de 1930 (Fayoum) e 1945 (Nag Hammadi) no Egito enriqueceram

de dados e de textos desconhecidos os escritos até então conhecidos. Os primeiros

enriqueceram as produções maniqueístas (Homilias, Cartas de Mani e etc) e estes

últimos estiveram intimamente ligados às produções dos valentianianos e, sobre tudo,

dos setianos ou herméticos. Juntaram-se a outros mais antigos encontrados em Turfan

que haviam sido publicados em 1904 e, em 1970, a outro achado, desta vez no Egito,

que relatava a juventude de Mani. Da mesma forma juntou-se o achado de 1945 ao

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

45

Codex Berolinensis 8502, de 1895, que se encontra no Museu Egípcio de Berlim e que

entre outros escritos contém uma das versões do Livro Secreto de João.

Com as novas fontes passou-se a dispor de documentos mais extensos, menos

incoerentes, procedentes dos ambientes que o compuseram ou utilizaram e sem a

mediação de compiladores e censores. Progressivamente o acesso à documentação

possibilitou um estudo mais adequado e com novas perspectivas sobre o gnosticismo.

No entanto, antes da publicação destes achados tratava-se da Gnose

especificamente em seus problemas referentes às fontes, a abordagem, ao método, a sua

origem e extensão. Apresentavam com freqüência o gnosticismo como uma seita

originariamente cristã, de dentro da Igreja, que começava a manchar a morte dos

Apóstolos nos tempo de Trajano ou de Adriano, que tinha origem na influência do que

chamavam heresias judias ou, de forma geral, seitas judias, batistas, judeucristãs

espalhadas pela Transjordânia ou regiões baixas do país babilônico: essênios, galileus,

samaritanos (1982: 195-196). E procuravam remontar a origem de todo gnosticismo até

Simão, o Mago, mas esta remontagem apresentou-se artificial.

Devido a falhas no encadeamento desta remontagem e por ser um conjunto de

testemunhos indiretos produzidos pelos heresiólogos (Irineu de Lião, por exemplo) o

primeiro passo dado foi apontar um novo tipo de relação com as fontes existentes, já

que ainda não se tinha acesso às informações dos novos achados. Procuraram definir a

gnose sem que o conceito carregasse consigo o elevado grau de parcialidade até então

encontrado nos documentos existentes. Pois as definições sobre o gnosticismo que

foram construídas a partir do material produzido pelos heresiólogos acabavam por

resolver o problema de forma simplista: ou o cristianismo gnóstico era uma

secularização levada até seu mais alto grau, ou seja, uma helenização radical e

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

46

prematura do cristianismo, com rechaço do Antigo testamento (Aldolf Harnack14

), ou a

Gnosis era uma regressão à suas origens orientais, uma reorientalização igualmente

extrema do cristianismo (Hans Lietzmann15

). Enquanto a primeira era tida como um

progresso a outra era vista como uma regressão, pois a influência do helenismo significa

a presença de uma elevada filosofia e o Oriente significava o retorno a religião.

Mas pouco depois de Harnack apresentar este ponto de vista como sua definição

de Gnosis, ou seja, como “helenização do cristianismo”, novas investigações se

sobrepuseram a sua fórmula até reduzi-la a nada. Em oposição ao gnosticismo de

essência filosófica se propôs um gnosticismo como movimento religioso, mitológico em

que as grandes personalidades do gnosticismo, ou seja, os grandes teólogos do século II,

não representaram outra coisa que emergências tardias de nomes que deviam maior

parte de sua substância a Gnosis coletiva que lhes precedeu (1982: 207). Além de

buscar a origem de seus mitos e ritos no Oriente e de alegar que havia recebido apenas

uma tinta superficial de helenismo e cristianismo, chegou-se a negar qualquer relação

profunda entre cristianismo e gnosticismo (1982: 208).

O que provocou esta inversão ao que representava a fórmula de Harnack foi a

aplicação dos métodos comparativos de Wilhelm Anz, Richard Reitzenstein e Wilhelm

Bousset16

que recolocou o gnosticismo em seu meio histórico, ao aproximá-lo de novos

métodos e relacioná-lo com outras zonas de saber e estabelecer sua dependência a

respeito de outros países, o que proporcionou uma “generalização” do problema da

Gnosis a ponto de ampliar sua concepção e fazê-la deixar de ser um problema interior e

próprio da história da Igreja e converte-la em um fenômeno da história geral das

religiões (1982: 213).

14

Ver Adolf Harnack in PUECH, 1982: 191-192. 15

Ver Hans Lietzmann in PUECH, 1982: 192. 16

Ver Anz, Reitzenstein e Bousset in PUECH, 1982: 212.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

47

A partir de então se pretendeu aplicar o termo gnosticismo a todo movimento

que fizesse uso da gnose, mesmo que nada tenham a ver com o cristianismo. Pois

através de investigações puramente filológicas sobre a palavra gnosis foi possível

buscar a essência da atitude subjacente a este termo e compreender melhor suas

características. O sistema comparativo de Anz, Reitzenstein e Bousset é um meio termo

a caminho da abordagem fenomenológica.

Após retirar a Gnosis do seio da história da Igreja e fornecer-lhe uma amplitude

geral que lhe deu anterioridade e origem exterior ao cristianismo coube então verificar

como se estabeleceu o contato com o Ocidente e como se fundiu com o cristianismo.

Apesar da divergência inicial que dividiu opiniões entre uma origem egípcia e outra

babilônica algumas importantes evidências apontaram uma origem babilônica e logo

Ásia Menor e Síria (1982: 219-222). Mas ainda restaram questões relativas a um

segundo grupo de elementos dentro do sistema gnóstico que apresentavam uma capa

judia superposta à capa “pagã”.

Esta capa judia nasceu de um posterior contato da gnosis “pagã” com o

cristianismo e do desejo de romper com o Antigo Testamento? À diáspora judia da

Babilônia deve ser creditado um gnosticismo judeu anterior a gnosis judeu-cristã e

cristã e cujos começos vieram a coincidir de fato com a helenização do judaísmo na

Diáspora que proporcionou íntima relação com a cultura persa, a de Alexandria, com o

sincretismo helenístico já formado em território egípcio, do judaísmo de Ásia Menor e

ainda da Palestina (1982: 223-224). Sendo o contato com o cristianismo tardio e

superficial.

Algumas dessas questões levantadas já são claras e não são mais temas para

longos debates ou conferências. Não é mais possível seguir a opinião de Harnarck e

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

48

mesmo a vinculação entre a gnosis e o sincretismo do Iran, da Ásia menor ou Síria,

embora verossímil, aguarda confirmação e uma demonstração mais rigorosa.

A comprovação da influência do Oriente na filosofia Grega, apesar de encontrar

em alguns teóricos uma opinião contrária e mesmo não tendo documentos que

comprovassem tal relação entre o Oriente e o Mediterrâneo foi buscada apresentando

fatores e agentes de transferência e de influência que pudessem ser detectados. Ed.

Bevan e J. Bidez17

apontam a importância do iranismo, do papel representado pela

astrologia, da ação exercida pelos semitas que tiveram uma importância capital sobre a

formação e o desenvolvimento do estoicismo e que restabeleceram, na maioria dos

casos, o enlace entre a filosofia grega e as teologias orientais (1982: 60).

Em busca de apresentar, ou mesmo, detectar esses fatores e agentes, Puech,

volta-se para um caso concreto e propõe especificamente o estudo de Numenio de

Apamea, um filósofo da segunda metade do século II. Procura então apresentar o grau

de influência exercida por ele sobre o neoplatonismo e como entrelaçou teologias

orientais ao pensamento grego.

A influência do pensamento oriental sobre ele nos é dada através do primeiro

livro Péri tagathou (Do Bem) que contém um programa definido de sincretismo em que

extrai provas de Platão, vincula declarações dos ensinamentos de Pitágoras e junto a

isso temos testemunho dos mistérios, as doutrinas e as concepções de Brâmanes, os

Judeus, os Magos e os Egípcios conciliáveis com o platonismo (1982: 62). É sobre este

tipo de declaração que, Puech, procurar debruçar-se para:

1. Identificar o que impulsionou Numenio a realizar tal mescla,

2. Como estas doutrinas puderam atuar sobre seu sistema e

17

Ver Edwyb Bevan e J. Bidez in PUECH, 1982: 60.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

49

3. Quais são as teorias que oferecem a marca do Oriente e como as

teologias das nações célebres aparecem em sua obra.

Por meio destes questionamentos pretende assim estabelecer quais influências

atuaram diretamente sobre ele através de um intermediário definido.

São nestas doutrinas orientais que se encontravam o dualismo Bem e Mal que

em diferentes vertentes apresentam o Principio Primeiro e Demiurgo em funções

destacadas onde o primeiro teria uma função mais depurada e o segundo uma função

inferior como a criação e a preexistência, por exemplo. Mas se Numenio é um judeu ou

ao menos um simpatizante do judaísmo, como explicar tal postura? Seu Deus é como o

Demiurgo e, no entanto, representa o Bem? No caso especifico de Numenio o

conhecimento do judaísmo deve ser pensado sob a forma helenizada.

Tudo isto contrasta com o monismo ao qual o estoicismo havia acostumado o

pensamento grego, pois de uma visão otimista no qual Deus seria o criador e gestor de

tudo, onde se poderia alcançá-lo através deste próprio mundo passa-se a uma visão

pessimista de constante luta contra o mundo, aspirando um contato acima dele que

conduziria a paz e a libertação. Este tipo de gnosis era o que representava para Numenio

a antiga verdade das nações famosas que ele relaciona a Pitágoras e a Platão em sua

inspirada interpretação das filosofias tradicionais.

A partir dos estudos comparativos de Anz, Bousset e Reitzenstein, dos

descobertos de Nag Hammadi, do advento dos anos 50 e da adoção de uma nova

abordagem metodológica (fenomenológica) renovou-se o olhar sobre o fenômeno da

gnosis revigorando a pesquisa do gnosticismo.

Este tipo de abordagem acabou por reunir em um bloco relativamente compacto,

diversos sistemas de características teológicos e esotéricos: nascidos no centro ou a

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

50

margem do Islam, nas religiões do Extremo Oriente ou próprios da Europa moderna.

Entre eles podemos citar os gnosticismos cristãos, as gnoses pagãs, maniqueísmo, as

ciências ocultas (a magia, a astrologia, a alquimia) e a Cabala como corrente pré-

gnóstica ou gnostizante do judaísmo (1982: 236).

Mas os adeptos a diversidade logo apresentariam suas objeções à unidade do

gnosticismo, pois acreditavam que seus laços de relação estavam ligados apenas por

vago ar de familiaridade, pela participação no espírito de uma mesma época ou por

relações que o historiador pudera estabelecer. Algo, além disso, tornaria a gnosis uma

abstração que merecia ser exorcizada. Inclusive por que até aquele momento estudá-la

era sinônimo de pesquisar um grupo restringido e definido de sectários. Então por que

ampliá-los?

Diante do impasse entre a diversidade e a unidade no enfoque da abordagem do

gnosticismo não faltou quem procurasse a justa medida. E uma iniludível necessidade

que se identifica com o progresso da investigação científica pouco a pouco conduziu a

generalização do emprego do termo gnosis (1982: 237). E o aparecimento sucessivo de

sistemas religiosos ou teológicos de caráter gnóstico cada vez em maior número acabou

por provocar a renovação da noção de gnosis.

Na prática isto representou uma revisão das concepções produzidas pelos antigos

heresiólogos, dos autores da época patrística, dos orientalistas e dos representantes da

transição ao método fenomenológico: Anz, Bousset e Reitzenstein. Pois as revelações

dos gnosticismos não cristãos tornaram inevitável à palavra gnosis que fosse ampliada e

pensada como uma corrente de idéias e sentimentos que são anteriores ao cristianismo.

Se antes estava restringida e associada a uma heresia de origem cristã agora se revestia

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

51

da forma cristã da mesma forma que se revestiu de formas pagãs, das mitologias

orientais, do culto dos mistérios, da filosofia grega, das ciências e artes ocultas.

Resumidamente esta nova abordagem representou pensar o gnosticismo como

um fenômeno o qual se analisa as diferentes partes, distingui-se os temas essenciais e

desprendem-se implicações mútuas e relações com o conjunto do fenômeno. Por isso

não presta tanta atenção aos por menores das doutrinas, dos ritos ou dos mitos, quanto a

experiência e aos processos espirituais subjacentes a armadura de idéias, imagens e

símbolos mediante os quais aqueles se traduzem e se elaboram de maneira mais ou

menos imediata. Pois neste sentido a gnose é pensada como um “estilo de vida” e não

como uma concepção abstrata, sob o aspecto de um sistema especulativo ou puramente

mítico (1982: 239).

Rudolf Bultmann, (Gnosis, de 1952) somou pesquisa filológica e epistemológica

à abordagem da fenomenologia realizando assim um dos mais importantes trabalhos

sobre o gnosticismo a partir de uma perspectiva geral. Nesta obra o autor trata como os

diferentes grupos18

concebiam o exercício da gnosis, ou seja, o ato de conhecer19

. Este

exercício é analisado através das produções da literatura grega, do Antigo Testamento,

da versão grega do Antigo Testamento, da Lei judaica e do Novo Testamento nos quais

suas concepções do que deveria ser este exercício conduziu ao estabelecimento de

variadas relações entre o homem e Deus de forma que em cada grupo destacavam-se os

atributos considerados mais importantes para efetivação do “ato de conhecer”.

Em linhas gerais estes são os métodos, os aspectos e as características que

fomentaram acaloradas discussões acerca do gnosticismo na historiografia do século

18

Sua pesquisa analisa como a gnosis, entendida como o ato de conhecer, proporcionou a judeus, a gregos e aos cristãos diferentes percepções de sua interatividade com Deus. 19

Em seu livro Bultmann trabalha com o conceito de gnosis como o ato de conceber a realidade a partir das diferentes concepções no interior dos grupos citados.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

52

XX. A amplitude geral dada a gnosis pela abordagem fenomenológica no último

período desta historiografia aguçou-nos a optar por ela como base teórica no início desta

pesquisa (monografia). Todavia os novos dados incorporados a pesquisa bem como uma

nova perspectiva teórica nos dirigem a uma ruptura com aquela visão.

O gnosticismo tido anteriormente como elemento central da pesquisa e como elo

de continuidade entre os múltiplos ambientes aos quais se propunha existir, atualmente,

é visto como um dos aspectos que podem ter contribuído na descontinuidade da relação

de poder da estrutura estabelecida no judaísmo. É bem verdade que a anterioridade e a

exterioridade do gnosticismo ante ao cristianismo continuarão a fazer parte de nosso

enfoque, mas procuraremos associar este aspecto ao demais dados coletados neste

momento da pesquisa.

Percebemos então que o vínculo entre o gnosticismo e a tradição joanina deve

ser compreendido como uma possibilidade em outras (messianismos, possibilidades de

preexistência, intensas interações culturais, dominação política e etc) que se imbricam

nesse universo cultural. Sendo assim, retornemos ao nosso debate cristológico e

encerremos este parêntese.

Esses elementos (gnosticismo, docetismo, montanismo, messianismo e etc)

uniram-se de maneira que hoje dificilmente podemos distingui-los, porém podemos

avaliar as repercussões que as divergentes cristologias estabeleceram no campo da

hermenêutica e que acabaram por ramificar-se em outras áreas.

Esses tipos de movimento heterodoxo que se associavam a tradição do discípulo

amado representavam um risco político à incipiente estrutura eclesiástica cristã, pois

ameaçava a autoridade do anúncio daquelas testemunhas que se consideram legítimas

portadoras da boa nova. Como no caso de Tertuliano que se converteu ao montanismo:

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

53

Propriamente e principalmente, a igreja em si é espírito, no qual há a

trindade de uma divindade: Pai, Filho e Espírito Santo. A igreja se

congrega conforme os planos do Senhor – uma igreja espiritual para

pessoas espirituais – não a igreja de alguns poucos bispos. De

puditicia (apud VASCONCELOS, P., 2002, pg 136).

Alguns trechos do Livro Secreto Segundo João (LSSJ) que é uma versão cristã

do mito gnóstico clássico podem ajudar a exemplificar estes embates. O Livro Secreto

foi encontrado nas escavações arqueológicas de Nag Hammadi em 1945 em língua

copta, mas é cópia do original grego. Os trechos aqui apresentados em português foram

copiados do livro Escrituras Gnósticas de Bentley Layton.

O LIVRO SECRETO SEGUNDO JOÃO

PERFEIÇÃO

A RAÇA INALTERAVEL

LSSJ 25,16 – 26,1.

E eu de minha parte, disse ao Salvador: Senhor, todas as almas serão

salvas e irão para a luz incontaminada? Ele respondeu e me disse: As

questões que surgiram em sua mente são importantes: de fato, é difícil

revelá-los a qualquer um, mas só aos que pertencem a raça inalterável,

sobre a qual o espírito de vida descerá e habitará com poder. Eles

alcançarão a salvação e se tornarão perfeitos. E eles se tornarão dignos

de grandezas. E lá eles serão purificados de toda imperfeição e das

angústias da maldade; estando ansioso por nada, exceto apenas pela

incorruptibilidade; meditando sobre isso, daí em diante, sem raiva,

inveja, má vontade, desejo ou insaciabilidade quanto à totalidade;

reprimidas por nada senão pela subsistente entidade da carne, que

vestem, aguardando o tempo em que serão visitados pelos seres que

levam embora.

INCULPABILIDADE

DOS PECADOS

DESTINO

LSSJ 28,6 – 28,31

Quando o primeiro governante soube que eles eram muitos superiores

a ele e que pensavam mais do que ele, tentou impedir sua reflexão; e

não compreendeu que eles lhe eram superiores em pensamento e que

ele não podia apoderar-se deles. Em companhia de suas autoridades,

isto é, de seus poderes, fez um plano. E, cada um por sua vez,

fornicaram com a sabedoria; e por eles, destino foi gerado como

amargura (?): este é o último e diverso cativeiro, que é de diversos

tipos, porque eles (as autoridades) diferem um do outro. E é difícil e

atormenta aquele ser com quem as deidades, anjos, demônios, e todas

as raças têm se associado até o presente dia. Pois de dentro desse

destino se manifestaram todas as impiedades, ações violentas,

blasfêmias e o cativeiro do esquecimento; falta de conhecimento; e

todos os preceitos opressivos, pecados opressivos e grandes medos. E

assim eles cegaram toda a criação, de modo que a deidade acima de

todos não pudesse ser reconhecida. E por causa do cativeiro do

esquecimento, seus pecados se tornaram ocultos (para eles); pois

foram atados com medidas, tempos e eras, desde que ele exerceu o

domínio sobre tudo.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

54

INFIDELIDADE

AS

LEIS

CRIAÇÃO DE EVA

LSSJ 22,21 – 23/ 22,32 – 23,1

E eu disse ao salvador: O que significa “sono profundo”? E ele disse:

Não é o que você ouviu que Moises escreveu: pois em seu Primeiro

Livro (i.e., Gênesis) ele disse que ele o mandou deitar-se; não, isso

significa antes, em suas percepções. (...) E ele (o governante) extraiu

dele uma porção de seu poder e realizou outro ato de modelagem na

forma de uma fêmea, segundo a imagem do pensamento posterior que

lhe fora revelado. E para a forma modelada de feminilidade ele trouxe

a porção que tirara do poder do ser humano – não “sua costela”, como

disse Moisés. Quadro 3: Retirado do livro Escritura Gnóstica.

Os fragmentos apresentados no quadro 3 fazem parte de uma versão alternativa

ao que foi proposto em 1 Jo. Hoje podemos afirmar que seu discurso não era

marginalizado e nem mesmo novo. Onde a carta questiona a pretensa perfeição dos

Anticristos, temos em oposição no LSSJ um grupo de eleitos denominados de raça

inalterável que conhecem o espírito de vida o qual lhes concede a perfeição ainda na

carne. E o Destino no LSSJ é o responsável pelo esquecimento da origem dos homens e,

conseqüentemente, não podem ser responsabilizados por seus pecados. Por fim, a

infidelidade as leis podem ser explicadas pela ruptura com tradição mosaica. Esta

infidelidade vemos expressa no último tópico do quadro 3 onde a narrativa da criação da

mulher é reinterpretada de forma que a versão atribuída a Moisés não contemple o ponto

de vista correto.

Por isso, entre os ortodoxos é difícil encontrar provas da utilização clara do

evangelho no segundo século da era comum.

Os autores que contribuem para o estabelecimento da futura

“ortodoxia” não o citam, evitam-no, embora recorra a 1 Jo. De acordo

com Eusébio de Cesaréia que viveu no século IV e é autor da

fundamental História eclesiástica, Papias de Hieropólis (em torno de

130) cita 1 Jo, mas não o evangelho: depois de tratar de Marcos e

Mateus, o historiador afirma: O próprio Papias usa os testemunhos

extraídos da primeira carta de João e da primeira carta de Pedro”. O

mesmo acontece com Policarpo (morto em 135), ainda mais

surpreendente pelo fato.de a tradição apresentá-lo como discípulo de

João (Tertuliano, Eusébio citando Irineu): (VASCONCELOS, P.,

2002, pg 137).

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

55

Além de não ser encontrado nos textos da patrística do segundo século outro

agravante para o evangelho de João seria atribuição de sua autoria a Cerinto 20

. Gaio um

presbítero de Roma é contra o livro do Apocalipse e contra o evangelho atribuindo-o a

este doceta.

Insisto em dizer que não estamos concluindo que os Eleitos Joaninos

correspondam a quaisquer destas vertentes. Mas como opositores de 1 Jo, eles têm em

comum com estas vertentes as disputas políticas e possivelmente algumas bases

hermenêuticas. Por isso trouxemos estas possibilidades interpretativas a fim de

compreendê-los como Eleitos e não como Anticristos. Sugerir ao menos uma

procedência semelhante para o universo cultural religioso destas heterodoxias significa

a possibilidade de contextualizar seu discurso.

20

Ver: BROWN, R., op. cit., pg 155.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

56

2.1.2 Outros embates

A partir da Cristologia outros embates acerca, por exemplo, da Ética e da

Escatologia se estabeleceram21

. Vejamos as comparações entre os três textos:

Evangelho de João Livro Secreto Segundo João Cartas Joaninas

É

t

i

c

a

Quem nele crê não é condenado,

mas quem não crê já está

condenado; porque não crê nome

do Filho único de Deus (Jo 3:

18). Em verdade, verdade vos

digo: quem ouve a minha

palavra e crê naquele que me

enviou tem a vida eterna e não

incorre na condenação, mas

passou da morte para a vida (Jo

5: 24). Se eu não viesse e não

lhes tivesse falado, não teriam

pecado; mas agora não há

desculpa par o seu pecado (Jo

15: 22). “Dou-vos um

mandamento novo: Amai-vos

uns aos outros. Como e vos

tenho amado, assim também vós

deveis amar-vos uns aos outros.

Nisto todos conhecerão que sois

meus discípulos, se vos amardes

uns aos outros.” “Se me amais

guardareis meus mandamentos.”

“Aquele que tem os meus

mandamentos e os guarda, esse é

que me ama. E aquele que me

ama será amado por meu pai, e

eu o amarei e manifestar-me-ei a

ele.” “Este é o meu

mandamento: amai-vos uns aos

outros com eu vos amo.”(Jo 13:

34-35; 14: 15 e 21; 15: 12).

E os que estão encarregados

da percepção são

Arkhendekta; e o que está

encarregado da recepção,

Deitharbathas; de reflexão.

Oummaa, de [harmonia

(com informação refletida)],

Askhiaram; de todos os

impulsos para agir,

Riaramnakhö. (17: 34; 18:

1). Agora, depois que Adão

conhecera a imagem de seu

próprio conhecimento

prévio, ele gerou a imagem

do filho do ser humano, e o

chamou Set, segundo a raça

nos reinos eternos (24:34;

25: 1).*

Se dissermos que não temos

pecado, enganamo-nos a nós

mesmos e a verdade não está

em nós. Se reconhecemos os

nossos pecados, (Deus aí está)

fiel e justo para nos perdoar os

pecados e para nos purificar de

toda iniqüidade. Se pensamos

não ter pecado, nos o

declaramos mentirosos e a sua

palavra não está em nós(1 Jo 1:

8-10). Aquele que diz conhecê-

lo e não guarda seus

mandamentos é mentiroso e a

verdade não está nele. Aquele,

porém, que guarda a sua

palavra, nele o amor de Deus é

verdadeiramente perfeito. É

assim que conhecemos se

estamos nele: aquele que afirma

permanecer nele deve também

vier como ele viveu (1 Jo 2:4-

6). Se alguém disser: “Amo a

Deus”, mas odeia seu irmão, é

mentiroso. Porque aquele que

não ama seu irmão, a quem vê,

é incapaz de amar a Deus, a

quem não vê. Temos de Deus

este mandamento: o que amar a

Deus, ame também a seu irmão

(1 Jo 4: 21).

Quadro 4: comparativo 1

21

BROWN, R. E., op. cit., 129-150.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

57

Evangelho de João Livro Secreto Segundo João Cartas Joaninas

E

s

c

a

t

o

l

o

g

i

a

Quem nele crê não é

condenado, mas quem não

crê já está condenado;

porque não crê nome do

Filho único de Deus (Jo 3:

18). Em verdade, verdade

vos digo: quem ouve a

minha palavra e crê naquele

que me enviou tem a vida

eterna e não incorre na

condenação, mas passou da

morte para a vida (Jo 5: 24).

Quem come a minha carne e

bebe o meu sangue tem a

vida eterna; e eu o

ressuscitarei no último dia(6:

54). Falou-lhe outra vez

Jesus: “Eu sou a luz do

mundo; aquele que me segue

não andará nas trevas, mas

terá a luz da vida”(8: 12).

Eles alcançarão a salvação e se

tornarão perfeitos. E eles se

tornarão digno de grandeza. E lá

eles serão purificados de toda

imperfeição e das angustias da

maldade; estando ansiosos por

nada, exceto apenas pela

incorruptibilidade; meditando

sobre iss, daí em diante, sem

raiva, inveja, má vontade,

desejo, ou insaciabilidade

quanto a totalidade; reprimidos

por nada senão pela subsistente

entidade da carne, que vestem,

aguardando o tempo em que

serão visitados pelos seres que

levam embora (25: 25-35; 26:

1). De minha parte, eu lhe contei

todas as coisas, de modo que

você pudesse escrevê-las e

transmiti-las secretamente

àqueles que são como você em

espírito. Pois esse é o mistério

da raça inalterável (31: 28-31).

“Se, porém, andamos na luz

como ele mesmo está na luz,

temos comunhão recíproca uns

com os outros, e o sangue de

Jesus Cristo, seu filho, nos

purifica de todo pecado”.

“Aquele, porém, que guarda a

sua palavra, nele o amor de

Deus é verdadeiramente

perfeito. É assim que

conhecemos se estamos nele:”

“Quem ama seu irmão

permanece na luz e não se

expõe a tropeçar”. “E agora,

filhinhos, permanecei nele, para

que, quando aparecer tenhamos

confiança e não sejamos

confundidos por ele, na sua

vinda”. “Caríssimos, desde

agora somos filhos de Deus,

mas não se manifestou ainda o

que havemos de ser. Sabemos

que, quando isto se manifestar,

seremos semelhantes a Deus,

porquanto o veremos com ele

é”. “Nisto é perfeito o amor:

que tenhamos confiança no dia

do julgamento, pois, como ele

é, assim também nós o somos

neste mundo”(1 Jo 1: 7; 2: 5; 2:

10 e 28; 3:2; 4: 17). Quadro 5: comparativo 2.

O desafio de resgatar a relação estabelecida entre Deus e os homens e

compreender que tipo de relação pôde se constituir na comunidade é uma tarefa árdua e

complexa. Há muitas contestações teóricas, lacunas nas documentações e diversas

possibilidades para desenvolver a pesquisa. E mesmo a metodologia apresenta-se, por

vezes limitada, mas isto não a impossibilita a pesquisa, no entanto, dificulta uma maior

precisão na análise dos dados obtidos.

Com concepções cristológicas tão diferenciadas seria inevitável que a conduta

cristã também terminasse por divergir e se tornasse alvo do presbítero (autor da carta)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

58

que os acusa de não guardar os mandamentos, de não amar ao próximo e de

apresentarem-se como perfeitos, devido sua intimidade com Deus (quadro 4 - Ética).

A comunidade joanina rompe com a tradição do Templo e, conseqüentemente,

com esta sua postura ética que requer o cumprimento fiel da Lei. Sua nova verdade será

a “verdade de Jesus”. Mas o que significa isto?

O quarto evangelho é muito deficiente em ensino moral preciso,

comparado com os evangelhos sinópticos. Mateus sabe reunir os

ensinamentos éticos de Jesus no Sermão da Montanha, formulando

assim o código escatológico do Messias. Em João, porém, não se acha

tal coleção. Em Mt 7, 16 enfatiza-se o critério do comportamento:

“Pelos frutos os conhecereis”; em Jo 5, 15 esta linguagem de produzir

frutos é transformada em adesão a Jesus: “Aquele que permanece em

mim e eu nele produz muito fruto”. [...] Não se menciona em João

nenhum pecado específico de conduta, somente o grande pecado que é

recusar-se a crer em Jesus (8,24; 9,41). Especialmente interessante, se

refletimos em suas implicações, é a afirmação do Jesus joanino sobre

o mundo (15,22): “Se eu não tivesse vindo e não lhe tivesse falado,

não seriam culpados de pecado”. (Brown, 1999: 135-136).

A “verdade de Jesus” se apresenta no evangelho como algo que ainda está

ganhando forma, ajustando-se a realidade da composição especial da comunidade que

naquele momento procurava adequar suas diferenças enquanto abandonava,

gradativamente, parte da tradição judaica que se ligava ao Templo. Provavelmente por

isso o “ensino moral” referido logo acima é identificado como deficiente, mas por trás

desta deficiência pode estar a dificuldade em sintetizar as distintas concepções éticas

dos grupos que estavam na origem da comunidade joanina.

Quando este ajuste e esta adequação não foram mais possíveis a separação

tornou-se inevitável e a partir daí é bem provável que o novo caminho assumido pelos

“separatistas” seja aquele que encontramos no Livro Secreto. Por exemplo, o

desenvolvimento de uma nova concepção da criação do ser humano (descendentes do

Adão “animado”) poderia restabelecer o caminho ético que até então estava indefinido.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

59

Sendo assim o trecho retirado do Livro Secreto Segundo João e transcrito no quadro 4 –

Ética permitiria uma conexão entre as críticas do presbítero e o entendimento dos

seguidores do Livro Secreto sobre uma teoria ética.

O primeiro trecho transcrito para o quadro 4 – Ética descreve o final da

formação do “Adão animado”, portanto ainda sem corpo material, que após ter sido

completamente constituído pelo “elemento animando” ganha como uma espécie de

acabamento formado por elementos da ética estóica. Este Adão ao receber o poder de

Ialtabaöth (criador do Reino da Matéria) constitui-se em um ser perfeito com sabedoria,

percepção e sem corpo material. A ética está presente na essência do homem desde sua

criação e somente o “sono profundo” pode afastá-lo da conduta correta. Aquele que

conhece, ou seja, que está desperto para a verdade não permanece no erro.

No caso de Set ocorre algo bem parecido, pois ele é a origem da raça perfeita e

foi concebido no moldes dos “reinos eternos”. A estas declarações do Livro Secreto

somam-se as contestações à tradição de Moisés como visto no último item do quadro 3.

Abordo ainda uma derradeira objeção que é tratada no quadro 5 – Escatologia. O

autor da carta manifesta-se contra a crença na perfeição ainda neste mundo e na

salvação como algo já conquistado (Escatologia realizada). Em muitos trechos da

primeira carta o presbítero enfatiza que existem condições para a conquista da salvação

e da perfeição e se estas não forem atendidas os fiéis podem ser surpreendidos pela

vinda do Senhor.

No entanto, os gnósticos não esperam esta vinda, como também não se

submetiam a esses critérios e isto significava que os meio pelos quais se processassem a

salvação seriam diferentes daqueles propostos pelo autor de 1 Jo. Pois aqueles que

fossem salvos já estavam escolhidos através de um processo natural onde os

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

60

selecionados retornariam ao Pai da Totalidade porque de lá eles saíram. E verdade que

nem todos alcançariam a perfeição nesta vida material, mas se o espírito de vida

estivesse neles, eles seriam salvos por que fariam parte da raça “inalterável”.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

61

2.2. Preexistência na tradição joanina

Como acabamos de ver os embates acerca da compreensão da preexistência

estabelecidos no seio da comunidade joanina se desdobraram em movimentos religiosos

distintos. Para tentar entender o processo que desencadeou na crença da preexistência de

Jesus na tradição joanina é preciso ter claro que o estudo do cristianismo não pode ser

desvinculado do intricado ambiente do judaísmo do final do “período do segundo

templo” (516 a.e.c. – 70).

Por isso, não podemos limitar nosso estudo ao que podemos encontrar nos

escritos neotestamentários se queremos inserir “o desenvolvimento do pensamento

cristão original no quadro mais amplo do judaísmo do segundo templo. Dimensionando,

portanto, sua real inserção histórica.” (LEITE, 2009, pg 9).

Parte deste ambiente do judaísmo foi relatada neste trabalho quando expusemos

às diferentes perspectivas messiânicas do judaísmo através da teoria de Scardelai22

.

Agora retomaremos os pontos constituídos no primeiro capítulo deste trabalho a fim de

compreender como a peculiaridade da preexistência na tradição joanina está relacionada

à possível origem samaritana da comunidade, ao gnosticismo e a crença no messianismo

do Filho de José23. A possibilidade de estabelecer esta relação amplia o horizonte do

judaísmo do segundo Templo e da compreensão dos desdobramentos da tradição

joanina no período de sua ruptura.

Buscaremos apresentar a relação do Messias Ben José com o Taheb samaritano e

para tal citamos três premissas que servem de base doutrinal para a expectativa do Filho

de José:

22

SCARDELAI, D. op. cit., pg 20-25. 23

Existe uma proposta na qual os samaritanos, direta ou indiretamente, transmitiram a ideologia do Filho de José segundo J. A. Montgomery (apud, SCARDELAI, 1998, pg 67, nota 4).

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

62

A primeira, que procurou identificar o filho de José com a missão de

redimir Israel e resgatá-la do exílio, reunindo assim as tribos na terra

prometida. A segunda, reivindicadora de que esse tipo de ideal

messiânico teve sua gênese no norte de Israel, Galiléia, centro das

atividades dos líderes revoltosos, os zelotas. A terceira, ainda, que

propõe que foram os samaritanos aqueles que, direta ou indiretamente,

transmitiram os fundamentos ideológicos dessa doutrina aos judeus.

(SCARDELAI, D., 1998, pg 67).

Dentre as três premissas identificamos a primeira como correspondente a leitura

que Boismard faz do título de Rei24

e a última relacionada a forte influência do

pensamento samaritano no evangelho de João apontado pelo mesmo autor.

Existem publicações recentes que relacionam o Messias sofredor de Is 53 ao

Messias de Qumran25

conferindo-lhe anterioridade a versão cristã, ou mesmo um

messias Filho de José que seria o personagem bíblico Josué26

. Mas recentemente a

publicação de Ada Yardeni do Apocalipse de Gabriel em julho de 2008 resgata a

possibilidade de ligação do Messias Ben José com o Taheb samaritano.

O erudito Israel Knohl analisou a publicação de Yardeni e publicou o artigo The

Messias Son of Josheph que dá um novo rumo aos estudos do messianismo. Um

fundamental artigo publicado no New York Times (julho 6, 2008) descreveu a pesquisa

do erudito Israel Knohl da Hebrew University, que reivindica que “a Visão Gabriel”

fornece introspecções novas e importantes nos conceitos judaicos e cristãos acerca do

messias. Este artigo foi publicado mais detalhadamente em setembro/outubro 2008 na

Revista Bíblica de Arqueologia.

Knohl olha a história do messianismo judaico e cristão explorando suas

similaridades e diferenças. O fragmento do Mar Morto em pedra, como está sendo

chamado, abre um novo capítulo na história deste relacionamento, de acordo com autor.

24

Ver pg 35 deste trabalho. 25

Ver KNOHL, Israel. O Messias antes de Jesus. Rio de Janeiro; Imago, 2001. 26

Ver MITCHELL, David C. Rabbi dosa and the rabbis differ: Messiah bem Joseph in the Babylonian Talmud. In: the Review of Rabbinic Judaismo, Ancient, Medieval and Modern. Volume 8, 2005.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

63

Neste texto judaico pre-cristão27

encontra-se referências a dois conceitos

diferentes: um messias filho Davi e o outro filho de Joseph (Ephraim). O retorno do

messias Filho de Davi envolveria uma vitória militar. Certamente, o messianismo

davídico instituiria a era messiânica com o “dia da batalha”. O messias Filho de Davi é

um messias triunfante enquanto Ephraim, ou messias Filho de José é um tipo muito

diferente de messias e reflete um tipo novo de messianismo. Este tipo de messianismo

envolve sofrer e morre. Na “Revelação de Gabriel”, Knohl vê um messias que sofre,

morre e ressuscita.

Ao comparar a nova descoberta com o evangelho, Knohl afirma que o próprio

Jesus rejeita o conceito do filho militante do messias de Davi e que no fragmento do

rolo de Mar Morto em pedra, um arcanjo requisita a alguém se levantar dos mortos em

três dias28

tradição que seria reproduzida por Jesus.

Não queremos enveredar pelo cominho polêmico de Knohl, mas importantes

aspectos deste messianismo encontrado no “Apocalipse de Gabriel” (nome em

português) podem elucidar o perfil samaritano do Messias ben José que sugerimos

encontrar na tradição joanina.

Esta recente perspectiva conceitual de Knohl assemelha-se àquela que tem por

referência o cisma presente na literatura rabínica antiga entre o Filho de Davi e o Filho

de José indicando, sobretudo que Moisés também seria um protótipo de messias

(KLAUSNER, 1955 apud SCARDELAI, 1998, pg. 24, nota 7).

Como uma corrente expressiva e legítima da antiga esperança judaica,

a crença no filho de José, pode ter existido bem antes dos episódios

27

Ver a datação em YARDENI, ADA. 2008. A New Dead Sea Scroll in Stone? Bible-like Prophecy Was Mounted in a Wall 2,000 Years Ago. Biblical Archaeology Review, Diponível em: <http://www.bib-arch.org/archive.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=1&ArticleID=16&extraID=14> 28

Esta é a afirmativa mais polêmica de Knohl. É possível encontrar no site da revista (BAR) cartas enviadas por outros estudiosos que contestam as interpretações do autor: http://www.bib-arch.org/e-features/messiah-son-of-joseph.asp

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

64

históricos que o projetaram, por volta dos sécs. II e III da era cristã.

Existem provas através da literatura judaica. Em acréscimo à

complexidade do tema, o professor D. Flusser escreveu que „A crença

no messias filho de Davi e no messias filho de José já existia desde a

época de Judas Macabeu, em cujo período foi composta a Visão dos

Setentas Pastores, do livro de Enoque’. JUD. FL., p. 424, nota 124.

(apud SCARDELAI, 1998, pg. 67, nota 1)

Este aspecto pode ser sustentado como um dos elementos que deu base a

compilação do evangelho de João de maneira que um novo perfil messiânico na

comunidade joanina se fundamentasse também no ideal samaritano de messias.

Talvez o responsável direto por postular esta sugestão tenha sido o

estudioso sobre os samaritanos, J. A. Montegomery. Ele defende que é

perfeitamente razoável encontrar no messias samaritano um forte

vinculo com o messias filho de José. Ver sua obra The Samaritans

(new York, Ktav Publishin House, 1968), p. 243. (SCARDELAI, D.,

1998, pg 67 nota 4)

É possível que a tradição por trás das palavras do evangelho de João procurasse

congregar estas duas figuras messiânicas ao longo das camadas redacionais que

encontramos, mas com uma ressalva: a proeminência do Filho de Efraim sobre o Filho

de Davi.

Nas linhas 16 e 17 do “Apocalipse de Gabriel” o filho de Davi é colocado em

uma condição inferior ao filho de Efraim. Pois este e não aquele é fundamental no

emprego de um sinal ainda inexplicado, mas que remete Davi a uma posição

coadjuvante, isto é, como pedinte diante de Efraim. Por isso acreditamos na existência

de uma tradição que privilegie a Efraim.

Nos já analisamos este tipo de fundamentação bíblica (Ez 37,24) na tradição

joanina29

. Ela indica a união de todo o reino de Israel, ou seja, as Casas de Judá e a

Samaria (Efraim). É possível que o evangelho reproduza esta aspiração, mas projetando

o Filho de Efraim. Admitimos, então, que o ideal messiânico tivesse elasticidade

suficiente para abarcar esta configuração no contexto cristão da comunidade de João.

29

Ver página 35 deste trabalho.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

65

[...] o EvJn (Evangelho de João) 11,54 relata que Jesus permaneceu

três meses segundo sua cronologia, em aldeia chamada Efraim. No

NT (Novo Testamento) essa é a única vez e o único lugar em que se

recorre a esse nome [...] A razão histórica dada pelo Ev Jn é que

sacerdotes e fariseus (11,47) decidiram matá-lo (11,53). [...] A retirada

a Efraim geográfica, na redação do EvJn requer uma compreensão

teológica profundamente cristológica, enraizada em uma das

expectativas messiânicas daquele tempo, a do Messias ben/bar

Efraim/José (tradução nossa). (PIETRANTONIO, R., apud VIERA

LIMA JUNIOR, F.C., 2009, webartigos.com)

Sendo assim, a forte influencia do pensamento samaritano e a colocação da base

da tradição joanina na Samaria através da comparação das sinopses de Brown e

Boismard feita no capítulo anterior ligaria a comunidade joanina à perspectiva

messiânica do Filho de José confirmando os aspectos destacados no Doc. C..

Em nosso estudo detectamos esse messianismo primeiramente no Doc C., no

entanto, ele vai sofrendo alterações ao longo das demais redações (destacamos João II-

A) dando um aspecto transcendente ao reino messiânico de Jesus. Essa transcendência

nos leva de volta ao final do primeiro capítulo onde iríamos iniciar a análise dos títulos:

Sabedoria de Deus, Palavra de Deus e Filho de Deus que foram atribuídos a Jesus.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

66

2.3 Livros sapienciais e o Evangelho de João

Sabedoria de Deus, Palavra de Deus e Filho de Deus são títulos encontrados

apenas nas camadas mais recentes do evangelho de João. E dentre estes, Filho de Deus

não é revestido de um sentido transcendental no Antigo Testamento, pois significa

somente um tipo de adoção divina que implica proteção de Deus (BOISMARD e

LAMOUILLE, 1977, Tome III pg 52).

Já os outros dois títulos se constituem no evangelho de João a partir da exegese

da tradição veterotestamentária dos livros sapiências. Jesus é comparado a Sabedoria de

Deus enviada a terra.

... la Sagesse de Dieu envoyée sur la terre afin d‟enseigner aux

hommes comment vivre em accord avec la volonté de Dieu; beaucoup

mieux que Moïse, il est donc habilité à tenir le rôle du Prophète par

excellence, de celui qui parle à la place de Dieu. Comme la Sagesse,

Jésus est « sorti » de Dieu et venu dans le monde [...] Jean II-A utilise

le même procédé littéraire : il met sur les lévres de Jésus des parole

qui, dans la littérature sapientielle de l‟AT, sont prononcées par la

Sagesse ; Jésus s‟identifie donc à elle. (BOISMARD e LAMOUILLE,

1977, Tome III pg 52)30

Este é um importante aprofundamento da teologia de João introduzida pelo

redator de João II-A (8,42a; 6,35; 2, 9-10; 14,21). Esse mesmo tema encontramos na

estrutura clássica do mito gnóstico que vimos logo acima. Um ser preexistente que tem

por missão informar aos homens sua origem no Reino da luz. Esta informação é

denominada de gnosis e é ela que possibilita o retorno ao Princípio Primeiro de todas as

coisas. Este fato confirma a exterioridade deste tema ao ambiente cristão.

30

... a Sabedoria de Deus enviada sobre a terra a fim de informar aos homens como viver de acordo com a vontade de Deus; muito melhor que Moisés, ele é, por conseguinte, habilitado a ter o papel do Profeta por excelência, daquele que fala no lugar de Deus. Como a Sabedoria, Jesus “saiu” de Deus e veio ao mundo [...] João II-A utiliza o mesmo procedimento literário: ele coloca nos lábios de Jesus palavras da literatura sapiencial do A.T. que são pronunciadas pela Sabedoria, Jesus se identifica, por conseguinte, a ela. (tradução nossa)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

67

O redator de João II-B também vai trabalhar com estes textos do A. T., mas trará

novos desenvolvimentos a este tema. Ele apresenta Jesus como Palavra de Deus

retomando um hino antigo que utiliza como Prólogo do Evangelho31

. Sendo assim, a

Palavra ou Sabedoria de Deus existem antes de toda a criação.

Este tipo de leitura feita pelos redatores finais de João sugere mais uma

especificidade a tradição joanina pelo seguinte fato: o cânon hebraico se subdivide em

Torá (Pentateuco), Livros Proféticos e Hagiográficos e no processo de formação deste a

compilação da terceira coleção (Hagiográficos) estava apenas em andamento quando as

outras duas coleções já haviam se completado32

. Lembramos que os livros sapiências do

A.T. estão entre os livros desta coleção. Segundo Sellin e Fohrer “A seleção definitiva e

mais ainda a distribuição dos livros do terceiro grupo só foram estabelecidas na época

posterior ao aparecimento do cristianismo”.(2007, pg 689). Isto seria, então,

evidenciado em Mt 5, 17 e At 28,23 pela expressão a Lei e os Profetas. Sendo assim,

podemos perceber uma abertura dos redatores finais de João ao material que naquele

período poderia ser considerado como extra canônico.

Sendo assim, embora a preexistência fosse uma idéia presente no contexto do

judaísmo por meio dos Provérbios de Salomão, este conceito ainda não havia sido

sedimentado no período do cristianismo. Os redatores finais do evangelho ousam

quando conferem a Jesus este conceito que seria por muito tempo rechaçado pela

ortodoxia da Igreja33

.

Estes dados fazem-nos compreender que os messianismos, o gnosticismo e os

cristianismos foram por muito tempo temas transversais que proporcionavam intensas

31

Ver Quadro 1. 32

Ver FOHRER G. & SELLIN E. 2007. Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo: Paulus, pg 681-730. 33

Ver Historia Eclesiástica I, 2, 8.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

68

disputas hermenêuticas as quais os textos que analisamos representam ínfima porção

deste processo. Assumimos nossa limitada tarefa com intuito de contribuir na

composição de parte das diversas interações que a dinâmica da existência humana pode

proporcionar.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

69

CAPÍTULO 3

3.1 CONCLUSÃO

Apresentar as diferentes interações no interior desta sociedade ajuda-nos a

romper com a visão homogeneizada que entende todo povo hebreu integrado em torno

da idéia de uma nação judaica. Transmitindo uma falsa percepção de unidade cultural,

religiosa e social.

Somente rompendo com esta visão é possível construir uma concepção mais

dinâmica desta sociedade na qual o gnosticismo, messianismos, judaísmos e

cristianismos tinham seu lugar como uma alternativa de conceber o mundo.

Definir a identidade dos Eleitos Joaninos e compreender seu processo de ruptura

através de uma análise baseada nos documentos e com suporte bibliográfico se

constituiu na busca por restabelecer a riqueza das trocas culturais daquela região. A

partir da influência estrangeira, da própria tradição judaica e das cisões no próprio povo

Hebreu podemos desvelar algumas características que compuseram o perfil da

comunidade joanina.

Segundo Elaine Pagels, em sua obra Adão, Eva e a Serpente cristãos ortodoxos

interpretavam a história do Gênesis, em particular, como história com uma moral, isto

é, consideravam Adão e Eva como verdadeiros personagens históricos, veneráveis

ancestrais de nossa raça (Pagels, 1992: 97). Com uma interpretação que Pagels vai

chamar de literal, os ortodoxos vão produzir através de seus líderes um discurso moral e

filosófico que procura estabelecer critérios para o casamento, para a procriação, a forma

de se alimentar e como viam as mulheres.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

70

Já a heterodoxia, os gnósticos, por exemplo, se propôs outro tipo de

interpretação a qual Pagels chama de Alegórica. Questionando a visão literal, buscavam

um “sentido mais profundo” (espiritual) para o mito. E não remetiam a uma história

moral. Segundo a autora eles diziam:

Vamos acreditar que Adão e Eva ouviram mesmo os passos de Deus

pisando as folhagens do jardim do Éden, como sugere o texto, ao dizer

que eles se esconderam ao ouvir Deus “que andava no jardim à hora

da brisa da tarde” (Gênesis 3:8)? Ou Deus mentiu ao alertar Adão e

Eva “mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás;

porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis

2:17), embora eles tenham continuado a viver centena de anos? A

quem Deus falava ao dizer: “Façamos o homem à nossa imagem”

(Gênesis 1:26)? E por que Deus tentou afastar de Adão e Eva o

conhecimento que ele admite poderia torná-los “como um de nós”

(Gênesis 3;22)?(Pagels, 1992, pg 98)

Por isso sugeriam que a história jamais teve a intenção de ser entendida palavra

por palavra, mas sim como alegoria que remeteria a um sentido mais profundo. Este

tipo de abordagem não foi inventado pelos gnósticos. Professores judeus e pagãos já

haviam usado estes métodos várias gerações antes, informa Pagels. Entre eles temos

certos filósofos estóicos e o judeu Fílon de Alexandria, contemporâneo de Jesus.

Fílon, por exemplo, lê o livro do Gênesis como histórias com moral, mas

também a explica alegoricamente como contendo um sentido mais profundo.

Na sua criativa Interpretação alegórica, ele vê Adão e Eva como

representantes de dois elementos da natureza humana: Adão é a mente

(nous) o elemento mais nobre, racional e masculino, feito “à imagem

de Deus”, e Eva é o corpo ou sensação (aisthesis), o elemento

feminino, inferior, fonte de todas as paixões. (Pagels, 1992:99).

Neste caso a abordagem de Fílon assume um caráter filosófico que vincula a

idéia de natureza humana à uma essência que neste caso seria composta pela interação

de mente e sensação representados, respectivamente, na figura de Adão e Eva. Podemos

deduzir que em Fílon este modelo de interpretação alegórica alcança papéis previsíveis

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

71

acerca das categorias macho superior e fêmea inferior. Para Pagels este modelo

alegórico conduziu a “encontrar neles verdades mais profundas da filosofia natural”

(Pagels, 1992:99) servindo assim de base à interpretações gnósticas.

Temos assim dois modelos interpretativos (alegórico e funcionalista) que se

apresentavam como alternativa de produção de sentido para a existência humana neste

mundo. Alternativas estas que independiam do teor cristão da narrativa, pois sua

filosofia já era conhecida antes.

As diferentes recepções das tradições presentes no Pentateuco e de fora dele vão

ganhando configurações multifacetadas. No meio cristão essas interpretações logo

gerariam novos grupos sectários dentro do insurgente cristianismo. Como sugerimos

para a tradição joanina que representamos pelo discurso que encontramos no Livro

Secreto, em partes da primeira carta de João e que intitulamos Eleitos Joaninos.

Mas que tipo de eleição era esta? Em que se baseou esta “nova” perspectiva de

salvação? Através do modelo interpretativo alegórico buscou-se uma maior

profundidade na mensagem da Criação do Universo possibilitando uma nova

conformação do conteúdo.

Sendo assim, podemos dize que O Livro Secreto Segundo João caracteriza-se

pela narrativa mitológica de acontecimentos anteriores à criação do mundo que

encontramos no Gênesis. Dentre estes fatos, sem paralelo no Gênesis, Adão é criado à

imagem do Ser Humano Perfeito e existe fora da matéria. Após a criação do mundo sua

submissão à matéria é uma forma de dominação que impede que ele reconheça sua

perfeição. Pois o Grande Arconte, criador da matéria, temia que ele recuperasse sua

consciência e despertasse da sua condição de prisioneiro na matéria.

E o ser humano tornou-se visível por causa da sombra da luz que

existia dentro dele, e o seu pensar superava todos os que tinham feito.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

72

Quando eles olharam para cima, viram que o pensar dele era superior.

E junto com toda multidão de governantes e a multidão de anjos, eles

fizeram um plano. Tomando fogo, terra, e água, eles misturaram tudo

junto como os quatro ventos fogosos. E eles se fundiram um no outro,

e fez-se um grande tumulto. E eles o trouxeram para a sombra da

morte, a fim de realizar de novo o ato de modelar com terra, água,

fogo e o espírito que deriva da matéria - isto é, com a ignorância das

trevas, e o desejo, e o espírito de dissimulação deles. Essa é a caverna

da remodelação do corpo com o qual os salteadores vestiram o ser

humano, o cativeiro do esquecimento. E ele se tornou um ser humano

mortal. Ele que foi o primeiro a descer, e o primeiro a separar.

(Layton, 2002:52)34

Mas um dos seres (Sabedoria/Epinoia/Pensamento posterior) criado pela Fonte

que dá origem a todas as coisas no Reino da Luz buscando reabilitar-se de sua falta

(pois foi responsável pela perda do poder divino que originou o Reino da Matéria) foi

enviado a matéria a fim de ajudar Adão a recuperar-se de seu esquecimento. Este ser vai

se manifestar e proporcionar o despertar de Adão por meio da criação da mulher.

Agora o Homem é feito a imagem do Ser Humano Perfeito e a Mulher do

Pensamento Posterior (Sabedoria). Por isso são expulsos do Paraíso, ou seja, devido a

sua perfeição. O Grande Arconte sabendo que Eva guardava dentro de si um poder

superior ao dele tentou tomá-la por sua mulher a fim de tomar este poder. Mas o

Pensamento Posterior se retirou de Eva antes. No entanto, ela deu a luz a dois filhos:

Caim e Abel.

Mas Adão toma novamente Eva por sua mulher e esta tem um novo filho: Set,

conforme a raça nos reinos eternos. A ele foi enviado um espírito (alma) que

permanecerá com a posteridade de Set como o elemento capaz de ser despertado e salvo

no momento da descida do espírito santo.

34

A versão francesa também pode ser encontrada em L’apocryphon De Jean (BG, 2) in: BARC, Bernard [online] Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.ftsr.ulaval.ca/bcnh/traductions/apocryph.asp?lng=. Arquivo capturado em 25 de setembro de 2006. (Ver anexo ao fim do capítulo).

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

73

Após o nascimento de Set o Grande Arconte os submete a um novo

esquecimento de maneira que a recuperação gradual, pelo divino, do poder que lhe

faltava, acontecerá à medida que as almas gnósticas são chamadas por um salvador e

retornam a deus.

Estes seriam os descendentes de Set na comunidade joanina a partir do que

encontramos no Livro Secreto Segundo João. Eles pertencem a raça inalterável e o

espírito descerá sobre eles fazendo com que alcancem a salvação e a perfeição.

Seguindo alguns critérios esta salvação ocorre de maneira diferenciada de

maneira que uns alcançarão a perfeição ainda na carne e outros não.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

74

SALVAÇÃO DAS ALMAS.

Almas Apócrifo de João

Salvação

Descendentes de

Set que alcançaram

a perfeição ainda no

corpo material e

recebera a visita do

espírito de vida.

...a raça inalterável35

sobre o qual o espírito de vida

descera e habitará com poder. Eles alcançarão a

salvação e se tornarão perfeitos. E eles se tornarão

dignos de grandezas (25: 24-26). Enfrentando todas as

coisas e suportando as coisas de modo que possam

terminar a luta e herda a vida eterna. (26: 3).

Salvação

Receberam a visita

do espírito de vida,

mas não

alcançaram a

perfeição ainda no

corpo material.

De fato, o poder descerá sobre cada um – pois sem ele

ninguém pode ficar de pé. E depois de serem gerados, se

o espírito de vida aumenta – porque o poder vem – ele

fortalece essa alma, e nada pode transvia-la para as

obras da maldade (26: 11-20). E pela visita do

incorruptível ela alcançará a salvação e será levada para

o repouso dos éons (26: 28).

Salvação

Os que não sabem a

quem pertencem ou

de onde foram

originados.

No caso desse outros, o espírito contrafeito aumentava

dentro deles enquanto se transviavam. E ele oprime a

alma, e a leva com artifícios para as obras de maldade, e

a lança no esquecimento. E depois que Lea sai, é

deixada a cargo das autoridades, que existem por causa

do governante. E eles atam-na com laços e a jogam na

prisão36

. E andam à roda com ela37

até que desperte de

seu esquecimento e tome conhecimento de si mesma. E

dessa maneira, quando ela se torna perfeita, alcança a

salvação.(26: 35; 27: 1-10)

Apóstatas

Aqueles que

adquiriram

conhecimento e

depois se desviaram

Serão levadas ao lugar para onde vão os anjos da

pobreza – é o lugar onde nenhum ato de arrependimento

é feito – elas serão guardadas até o dia em que aqueles

que pronunciaram blasfêmia contra o espírito serão

torturados e punidos com punição eterna. (27: 24-29) Quadro 6.

No quadro 6 podemos identificar uma hierarquia no reino dos céus onde cada

qual seria enviado a um lugar diferente conforme o seu mérito. O castigo será relegado

àqueles que conhecendo sua origem divina se desviaram de Deus. O que vemos no

último item do quadro 6 (Apóstatas) parece representar uma espécie de reclamação

acerca daqueles que tiveram conhecimento do ensinamentos mas desviaram-se da fé.

Não podemos dizer que tal reclamação se refira ao grupo representado pelo presbítero

35

Posteridade de Set. 36

Faz com que se reencarne em outro corpo material. 37

Ciclo de reencarnação.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

75

de 1 Jo, mas ao menos identifica que na tradição sob o Livro Secreto eles também se

consideram abandonados por crente que tiveram acesso a uma mesma tradição que a

deles.

O mito gnóstico de fundação do universo tem seu primeiro ato fora dos padrões

daquilo que era concebido no mundo judaico, não helenizado. Mas quando se volta a

criação do universo material estabelece muitos pontos de contatos, com inovações e

refutações frente à mensagem do Gênesis.

A Criação do Universo tem uma vaga semelhança com o que vemos em Gn 1: 1-

25, mas no Livro Secreto não há descrição de cada elemento criado na natureza. A

criação é descrita como “imagem dos éons originais” devido ao “poder dentro dele”. No

mais, todo o restante serve para estabelecer importantes contestações nos pontos de

contato como, por exemplo: A Criação do corpo material de Adão, A introdução no

Paraíso, A Árvore do conhecimento do Bem e do Mal, A Serpente, A Criação de Eva, A

Expulsão do Paraíso, O Nascimento de Caim e Abel, O Nascimento de Set, O Dilúvio e

a Corrupção da humanidade.

Colocar o universo material como criação de um produto imperfeito (Ialtabaöth),

gerado por um éon (Sabedoria) sem o consentimento de seu consorte, feito “de maneira

incorruptível”, mas incompleto, pois o governante não conhecia a totalidade é o

primeiro passo para uma nova interpretação do Gênesis. O único dado apresentado

sobre a pré-existência do universo é que “...o Espírito de Deus pairava sobre as águas”

(Gn 1: 2). O reino da luz ganha uma outra dimensão no Livro Secreto onde se

encontram caracteres que justificam os elementos da crença gnóstica.

A pré-existência do Ser Humano Perfeito em espírito, a Criação do Adão

animado e a presença da Sabedoria (pensamento posterior) no “corpo animado e

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

76

perceptível” de Adão antes de sua queda são subsídios que fomentam na crença gnóstica

o dualismo, a ascetismo, o sectarismo, definem a ética, a percepção do corpo como uma

prisão e o exercício da gnose como um movimento de retorno a origem.

A partir da projeção do protótipo do Ser Humano perfeito no reino das trevas é

que se inicia a criação do Adão animado, conforme a imagem refletida que as

autoridades que habitavam com Ialtabaöth tinham visto. Esta criação ainda sem corpo

material, embora chamado “animado”, paradoxalmente, existiu muito tempo inativo e

imóvel. A substância que compusera os membros do Adão animado foram regularizadas

como um corpo, mas sem matéria, sendo, por fim constituído de atributos como

recepção, reflexão, impulso para ação e percepção que são utilizados, segundo Layton

(1987: 49), no jargão da ética estóica. Então quando a Sabedoria (éon) quis recuperar o

poder que perdeu para o governante, logo após tê-lo lançado para fora de si, pediu a

autorização e interseção do Pensamento Anterior que enviou cinco luminares ao

encontro do Governante. Eles aconselharam-no a colocar um pouco de seu poder no

Adão animado e o poder deixou-o e entrou no corpo de Adão, ainda sem matéria.

Este é o produto final, um ser perfeito, sem matéria, feito a imagem do Ser

Humano perfeito e que provocou a inveja das autoridades do governante, pois ele estava

desprovido de imperfeição e sua inteligência era superior. Por isso lançaram-no a parte

mais baixa da matéria onde foi auxiliado pelo pensamento posterior que o despertou a

respeito de sua queda e do meio de ascender.

A partir deste ponto está lançada a base para uma nova leitura do Gênesis. São

vários paralelos com contestações formidáveis que expressam verdadeiros embates

entre dois modos de vida alternativos. Por exemplo, para o Gênesis o corpo material

representa uma obra da criação de Deus feito a sua imagem e semelhança e dotado com

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

77

sopro de vida, enquanto no Livro Secreto ele representa uma prisão para o Adão

animado que é perfeito e superior a seu próprio criador.

Caim e Abel representam a ascendência dos não-gnósticos e Set a ascendência

dos gnósticos. Os descendentes de Set teriam sua salvação garantida não fosse a ação do

Destino e a ação do Espírito de Dissimulação provocando o esquecimento.

A corrupção da humanidade e o dilúvio ocorrem em ordem invertida em cada

caso, pois se no Gênesis o dilúvio ocorre porque o criador se arrependeu de sua criação

que se corrompeu, no Livro Secreto o dilúvio ocorre como uma tentativa do governante

em acabar com a posteridade de Set que é a “raça perfeita” ou “raça inalterável”.

Diante da superioridade da posteridade de Set, Ialtabaöth se arrependeu de tudo

o que viera a existir por sua causa e provocou um dilúvio. Mas o pensamento anterior

instruiu a Noé e ele pregou a toda posteridade, isto é, aos descendentes de Set, e desta

forma não só Noé, mas muitas pessoas da raça inalterável se esconderam em uma

nuvem luminosa e salvaram-se através do poder absoluto do ser que pertencia a luz.

Então como a “raça perfeita” se corrompeu e esqueceu sua origem? Ialtabaöth

não desistiu e lançou mão de mais um plano para suscitar uma posteridade para si como

um conforto. Enviou seus anjos as filhas do gênero humano para tomá-las. Em principio

não teve sucesso, por isso seus anjos, após nova reunião fizeram um espírito de

dissimulação à imagem do espírito que descera e assim iriam macular as almas

enchendo-as com o espírito das trevas e com maldade. Assim seduziram as pessoas com

grandes ansiedades desencaminhando-as para muitos erros. Como conseqüência o

gênero humano envelheceu sem descanso, sem descobrir a verdade, geraram filhos das

trevas e a criação ficou escravizada, desde a fundação até o tempo presente.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

78

Deste modo estava novamente divida a humanidade e estabelecido os critérios

de seleção para pertencer ao círculo dos escolhidos do Senhor. Esta divisão e seleção

baseiam os outros critérios presentes no Livro Secreto (quadro 6).

O mito de fundação do universo que é encontrado no Livro Secreto é uma das

variadas formas do mito gnóstico clássico que pode ser encontrado com algumas

variações no Evangelho Egípcio e na narrativa de Irineu de Lião sobre Saturnino, por

exemplo (LAYTON, 1987: 14).

Provavelmente alimentou-se de interpretações platônicas do mito da criação

presente no Timeu de Platão associado ao Livro do Gênesis permeado pela perspectiva

gnóstica. Este tipo de associação é muito mais antiga que a versão do Livro Secreto

Segundo João. No período de Fílon (30 a.C. – 45) associações deste tipo eram populares

entre os judeus cultos da Alexandria.

Fílon e seus colegas tentaram mostrar que o Timeu dizia

substancialmente a mesma coisa que os primeiros capítulos do

Gênesis; isso poder ser visto no tratado de Fílon sobre a criação do

mundo(LAYTON, 1987: 16).

O levantamento de dados que efetivamos até aqui nos conduz a afirmar que

nosso objeto de pesquisa (os Eleitos Joaninos) é um segmento originário da comunidade

do discípulo amado que após um período de convivência comunitária rompeu com parte

dessa tradição. Os textos que avaliamos possibilitam distinguir um fator preponderante

na ruptura da comunidade: o Messianismo. Pois este fator se constituiu por meio de um

complexo processo de interação cultural o qual proporcionou a articulação de múltiplas

perspectivas acerca da libertação do povo Hebreu. Por causa dessa diversidade é que foi

possível identificar tantas esperanças messiânicas que por vezes soavam divergentes e

em outras complementares. A isso se soma o caráter gnóstico, anterior e exterior ao

cristianismo, que possibilitou uma nova leitura do messianismo: a Preexistência.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

79

Compreendemos que este aspecto tão peculiar à tradição joanina se deve ao fato

de sua origem samaritana, pois embora seu messianismo (TAHEB) não contemple a

divindade ou a preexistência avaliamos que o caráter de um messias Filho de José

proeminente pode ter facilitado a ruptura com a visão que privilegiava o messianismo

davídico. Isso significar dizer que a possibilidade de uma reintegração dos reinos de

Judá e Israel sob o Messias ben José pode ter alçado esta expectativa a uma nova

categoria que se não estava descomprometida com messianismo davídico ao menos

procurou subjugá-lo.

No entanto, o advento desta nova categoria de base gnóstica remeteu a existência

e o reino messiânicos ao patamar transcendental. Esta transcendentalidade não surge ao

acaso, pois ela cabe de maneira justa ao perfil deste grupo que se considera uma raça

inalterável e que nós resolvemos intitular de Eleitos.

Seletos por natureza, desprovidos de culpa e, conseqüentemente, perfeitos; a

esses atributos adicionamos sua provável riqueza material (1 Jo 2, 15-17) e a crença

gnóstica de que o homem pode se salvar graças a um conhecimento (gnosis) secreto e

pessoal. Para coroar estes aspectos de cunho elitista os Eleitos possuíam uma

escatologia realizada, ou seja, não esperavam uma era messiânica e nem um salvador.

Parece que esta vertente cristã já se sentia contemplada ou ao menos, satisfeita com sua

condição de existência.

Espero que a busca pela clareza e objetividade não tenham engessado a dinâmica

da hermenêutica do grupo. Pois através dos procedimentos adotados procuramos

interligar fatores que pudessem oferecer outra forma de explicação para a luta pela

liberdade dos povos que passaram tantos séculos sob o jugo alheio e mais

especificamente daqueles que se colocaram sob a tradição do discípulo amado.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

80

Entre estes fatores colocaria, por exemplo: o elevado intercâmbio cultural, a

gnosticismo, os judaísmos, o helenismo, os longos períodos de dominação política e

militar e o advento do cristianismo com suas várias vertentes. No cerne de todo este

conjunto de fatores está o agente humano que interfere e sofre interferência, que age e

reage procurando se articular entre os seus em conformidade com incontáveis elementos

dos quais muitos não podemos acessar por meio de fontes documentais, mas que

acabaram fazendo parte de suas vidas e discursos.

Nesta perspectiva procurei conectar de forma triangular os dados contidos no

Livro Secreto, ao qual se atribui a autoria a João filho de Zebedeu ou João Evangelista,

aos judaísmos que se representaram nesta pesquisa e a comunidade joanina representada

no Evangelho e na Primeira Carta.

Os seguidores do LSSJ mostram-se em uma tradição extremamente diferenciada

da tradição conhecida nos dias de hoje pelo cristianismo, mas a tentativa de esclarecer

esta diferenciação introduziu-nos em um universo multiforme em sua relação com o

poder divino constituído.

Existem muitas dessas relações que ainda não nos são claras e não foram

esgotadas, esperamos ter ao menos arranhado a superfície de seus aspectos ao menos

naquelas em que nos propusemos. Ficamos felizes pelo fato de constatar a

multiplicidade destas relações, nas quais muitas delas se deram no interior do que se

pensava ser uma única crença (judaísmo, cristianismo). O grau de articulação que pode

se dar entre o homem e o poder estabelecido; seja este divino, político ou militar,

adquire infinitas possibilidades para que se renove a compleição de cada grupo.

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem o

poder. A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a

múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder.

Cada sociedade tem seu regime, sua “política geral” de verdade: isto

é, os tipos de discursos que ela escolhe e faz funcionar como

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

81

verdadeiros, os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir

enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona a

obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o

que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 1969, pg 12)

Assim compreendemos cada vertente, cada esperança messiânica, cada lugar de

falar, seus supostos autores e a função de cada autoria. Procuramos colocar cada

discurso em condição de igualdade a fim de que pudéssemos avaliar como se produziu

estes “efeitos regulamentados de poder”. Esperamos ter deixado claro como se deram as

escolhas destas verdades e seus funcionamentos e o gradativo estabelecimento

institucional daquilo que devia funcionar como verdadeiro. Pois à medida que se

procurou distinguir aquilo que era canônico do não-canônico, nada mais se fez do que

interditar outras possibilidades de discursos. Esperamos ter contribuído para ampliar

estas restrições, como também, remetê-las ao vasto campo das possibilidades de escolha

que cada sociedade constitui.

Por isso alguns pontos se tornaram essenciais nesta pesquisa como, por exemplo:

os messianismos, o gnosticismo e sua importância histórica e historiográfica. Como

também, a ruptura com a visão homogeneizada da sociedade judaica a fim de se pudesse

fazer jus a sua complexa interatividade e reconhecer suas disputas internas

representadas no silêncio ou na contestação da documentação.

Através destes passos espero ter contribuído aproximando ao menos parte

daquela realidade à nossa. Afinal a salvação, a libertação, a busca da melhor conduta

ética estão presentes também em nosso cotidiano. Na Judéia onde a tradição pôde se

construir mesmo no período de dominação estrangeira não se aguardou a conquista da

liberdade política para procurar exercê-la, pois o exercício da liberdade se deu prestando

culto a Javé no Templo ao mesmo tempo em que se obedecia a dominação pagã

estrangeira. Mas é possível que nas demais áreas da Palestina a impossibilidade de

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

82

conquistar a tão sonhada liberdade política associada à ausência de uma tradição, de um

Templo e do elevado nível de influência cultural externa tenha conduzido a uma nova

percepção de liberdade e salvação e que pôde ser constatada por meio do LSSJ.

O elevado nível de transcendência que caracterizou o gnosticismo permitiu que

acreditassem que a alma continuasse seu exercício em busca da salvação e da liberdade,

embora o corpo material estivesse submetido à dominação.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

83

BIBLIOGRAFIA.

OBRAS DE REFERENCIA.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 4ª impressão, 2006.

DICIONÁRIO DA BÍBLIA. As Pessoas e os Lugares. Vol 1 METZGER, Bruce

Manning & COOGAN, Michael David. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

NOVUM TESTAMENTUM GRAECE. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 27ª ed.,

1993.

BIBLICAL ARCHAEOLOGY REVIEW. 2008 (Special News Report. Updated July 8, 2008).

A New Dead Sea Scroll in Stone? Disponível em: http://www.bib-arch.org/news/dss-in-

stone-news.asp

Manual para elaboração e normalização de Dissertações Teses. 2004. Org.: Elaine

Baptista de Matos Paula. 3ª. ed. Rio de Janeiro : SiBI, 2004

DOCUMENTAÇÃO.

A criação e o dilúvio: segundo os textos do Oriente Médio Antigo/ vários autores;

Trad Maria Cecília de M. Duprat. São Paulo: Paulus

Israel e Judá: textos do antigo Oriente Médio/ vários autores. Trad Benôni Lemos;

revisão Olga Fleury Lombard. São Paulo: Paulinas.

Livro do Gênesis, Evangelho de João, Carta de João, in BÍBLIA DE JERUSALÉM.

São Paulo: Paulus, 4ª impressão, 2006.

L’apocryphon De Jean (BG, 2) in: BARC, Bernard [online] Disponível na Internet via

WWW. URL: http://www.ftsr.ulaval.ca/bcnh/traductions/apocryph.asp?lng=.

Arquivo capturado em 25 de setembro de 2006.

Livro Secreto Segundo João, in: As Escrituras Gnósticas, São Paulo: Loyola, 2002.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

84

TRABALHOS ESPECÍFICOS.

BARBAGLIO, Giuseppe, FABRIS, Rinaldo & MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos -

Vol 1,Rio de Janeiro: Loyola, 1990.

BOISMARD, M-É e LAMOUILLE, A., 1977. Synopse des quatre évangile, Tome

III, L’évangile de Jean, Paris, Éditions du Cerf.

BROADUS, Jonh. Comentário de Mateus. Vol 1. Rio de Janeiro: Casa Publicadora

Batista, 1949.

BROWN, R. E.1999. A Comunidade do Discípulo Amado, São Paulo: Paulus, 4ª ed..

BULTMANN, R. 1952. Gnosis, London: University Press Aberdeen.

CABECEIRAS, M. 1987. O mito e suas leituras: uma tentativa de classificação. In

Anais da VI Reunião da Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica. São Paulo,

pp: 59-61.

CHEVITARESE, A. L. 2004. Fronteiras, Culturais no Mediterrâneo Antigo: Gregos e

Judeus nos Períodos Arcaicos, Clássico e Helenísticos, in: Politéia (História e

Sociedade – UESB), pp 69-82.

_______________, 2006. Cristianismo e Império Romano in: Repensando o Império

Romano. Perspecitva Socioecônomica, Política e Cultural. Rio de Janeiro:

Muad, pp:161-173.

_____________ & CORNELLI, G., Judaísmo, Cristianismo, Helenismo, São Paulo:

Otonni, 2003.

CHOURAQUI, André. A Bíblia. Lucas. O Evangelho Segundo Lucas. Rio de Janeiro:

Imago, 1996.

EHRMAN, B. D. 2006. O que Jesus disse? O que Jesus não disse, Quem mudou a

bíblia e o por quê, Rio de Janeiro: Prestígio.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

85

EVANS, Craic A. Lucas. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, São Paulo:

Vozes, 1996.

EUSÉBIO. 2000. História Eclesiástica, São Paulo: Paulus.

FABRIS, Rinaldo & MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos - Vol 2,Rio de Janeiro:

Loyola, 1992.

FOHRER G. & SELLIN E. 2007. Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo:

Paulus.

FOUCAULT, M. 2006. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro: Graal, 22ª Ed.

____________ 2007. A ordem do discurso, São Paulo: Loyola.

_____________ 1969. A Arqueologia do Saber, Rio de Janeiro: Forense Universitária,

7ª edição/2ª impressão.

FREYNE, S. 1998. A Galiléia, Jesus e os Evangelhos, Rio de Janeiro: Vozes.

GAY, P. 1989. Freud para Historiadores, São Paulo: Paz e Terra.

GINZBURG, C. 1976. O queijo e o vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro

perseguido pela inquisição, São Paulo: Companhia das Letras, 10ª impressão.

GRELOT, P. 1996. Esperança judaica no tempo de Jesus, São Paulo: Loyola, pg 117-

122.

HENDRIKSEN, William. Lucas 1. Comentário do Novo Testamento, São Paulo:

Cultura Cristã. 2003.

____________________. Marcos. Comentário do Novo Testamento, São Paulo:

Cultura Cristã. 2003.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

86

____________________. Mateus 1. Comentário do Novo Testamento, São Paulo:

Cultura Cristã. 2003.

HILL A. H., WALTON J. H. 2006. Panorama do Antigo Testamento, São Paulo: Ed.

Vida.

HORLEY, R. A. 2000. Arqueologia, História e Sociedade na Galiléia, São Paulo:

Paulus.

HURTADO, Larry W. Marcos. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São

Paulo: Vida, 1989.

IRINEU. 1995 Contra as Heresias, São Paulo: Paulus.

IZIDORO, J. L.; LOPES, M. A recepção da expressão Filho do Homem no Novo

testamento: “do Jesus Histórico à expressão Filho do Homem. RJHR., v.2, 2009.

Disponível em:

<http://www.revistajesushistorico.ifcs.ufrj.br/arquivos2/jose.luis.isidoro.com.merce

des.lopes.pdf>. Acesso em 09/03/2009.

KNOHL, Israel. 2001.O Messias antes de Jesus. Rio de Janeiro; Imago.

LANCELLOTTI, Ângelo. Comentário ao Evangelho de S. Mateus. Petrópolis: Vozes,

1985.

LANCELLOTTI, Bocali, Comentário do Evangelho de Lucas. Petrópolis: Vozes,

1972.

LAYTON, B. 2002. Escrituras Gnósticas, São Paulo: Loyola.

LASOR W. S.,HUBBARD D. A., BUSH F. W. 1999. Introdução ao Antigo

Testamento, São Paulo: Ed Vida Nova.

LEITE, E. 2006. Pentateuco: Uma introdução, Rio de Janeiro: Imago.

__________ 2002. História, Religião e Verdade, Rio de Janeiro: (NEA) Núcleo de

Estudos da Antigüidade – UERJ.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

87

LEITE, E., Os Manuscritos de Qumran e a Teologia do Cristianismo Antigo. RJHR.,

2009. Disponível em:

<http://www.revistajesushistorico.ifcs.ufrj.br/arquivos1/edgar.leite.pdf>. Acesso

em 09/03/2009.

LOHSE, E. 2000. Contexto e Ambiente do Novo Testamento, São Paulo: Ed.

Paulinas.

MAZZAROLO, I. 2003. Gênesis 1-11 E assim tudo começou..., Rio de Janeiro:

Mazzarolo, editor.

MEIER, J. P. 1992. Um judeu Marginal: Repesando o Jesus Histórico, vol 1, Rio de

Janeiro: Imago, 3ª ed.

MITCHELL, David C. 2005. Rabbi dosa and the rabbis differ: Messiah bem Joseph in

the Babylonian Talmud. In: the Review of Rabbinic Judaismo, Ancient,

Medieval and Modern. Volume 8.

MONASTÉRIO, Rafael Aguirre & CARMONA, Antonio Rodriguez. Os Evangelhos

Sinóticos e Atos dos Apóstolos, São Paulo: Ave-Maria, 1994

MOUNCE, Robert H. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo - Mateus. São Paulo:

Vida. 1991

ORLANDI E. P. 2003., Análise do Discurso. Princípios e Procedimentos. Campinas,

Sp: Pontes.

__________ 1996. A linguagem e seu Funcionamento. As Formas do Discurso.

Campinas, Sp: Pontes.

PAGELS, E. 2002. Os Evangelhos Gnósticos, Porto: Via Optima.

____________ 1992. Adão, Eva e a Serpente, Rio de Janeiro: Rocco.

___________ 2003, Além de toda Crença: O Evangelho Secreto de Tomé, Rio de

Janeiro: Objetiva.

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

88

PAINCHAUD, L., 2006. Identidade cristã e pureza ritual no Apocalipse de João de

Patmos: o emprego do termo Koinon em Apocalipse 21, 27. Estudos de Religião.

n. 31, pg 58-73.

PUECH, H-C. 1982. En torno a la Gnosis I, Madrid: Taurus, 1982.

ROBINSON, J. M. 2006. A Biblioteca de Nag Hammadi, São Paulo: Madras, 2006.

SIMIAN-YOFRE H. GARGANO I., SKA J. L., PISANO S. 2000. Metodologia do

Antigo Testamento, São Paulo: Loyola.

SCARDELAI, D. 1998. Movimentos Messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros

messias, São Paulo: Paulus.

SHIMIDT W. H. 1994. Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo: Ed.

Sinodal.

VASCONCELOS, P. L. 2002. O caminho é estreito: Idas e vindas na incorporação (de

parte) da tradição joanina ao cânon do Novo Testamento. Revista de

Interpretação Bíblica Latino-Americana, nº 42/43, Ed. Vozes, pg 121-144.

VIERA LIMA JUNIOR, F.C., 2009, MASHIACH BEN EFRAIM: As Raízes

Catastróficas do Imaginário Messiânico Cristão Primitivo. Webartigos.com.

Disponível em:<http://www.webartigos.com/articles/14010/1/mashiach-ben-

efraim-as-raizes-catastroficas-do-imaginario-messianico-cristao-

primitivo/pagina1.html> Acesso em 22/03/2009

YARDENI, ADA. 2008. A New Dead Sea Scroll in Stone? Bible-like Prophecy Was Mounted

in a Wall 2,000 Years Ago. Biblical Archaeology Review, Diponível em:

<http://www.bib-

arch.org/archive.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=1&ArticleID=16&extraID=14>

Acesso em 20/03/2009.

____________. “A New Dead Sea Scroll in Stone?.” Biblical Archaeology Review, Jan/Feb

2008. http://members.bib-

arch.org/publication.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=1&ArticleID=16&UserID=4

582 Acesso em: 21/03/2009)

OS ELEITOS JOANINOS Antonio Carlos Higino da Silva

89

WEISER , Afonso. O Que E Milagre Na Bíblia. São Paulo: Paulinas,1978.

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo