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Universidade federal do Rio de Janeiro Introdução a Antropologia da música Nome: Paulo Ney Muniz da Cruz Dre: 107.403.064 Professor: José Alberto Salgado O repente na feira de São Cristóvão O repente é uma tradição nordestina que teve início em meados do século XIX pelos trovadores medievais dando o surgimento dos primeiros cantadores e repentistas. Um dos pioneiros dessa tradição foi Agostinho Nunes da Costa (1797-1852), o primeiro grande poeta repentista a dar início a tradição no Brasil. O repente é uma das mais conhecidas manifestações culturais do nordeste do Brasil, podendo ser definido como “poesia cantada”, onde a principal característica é o improviso nas palavras gerando rimas no qual é a execução de versos criados momentaneamente durante a apresentação, essa denominação veio da expressão “de repente”, que é tido como surpresa aos que presenciam as apresentações, os cantadores fazem o verso “de repente” como uma forma de desafiar o outro cantador, não importa a afinação ou a beleza da voz, mas sim a sua agilidade mental e ritmo que possa surpreender o “oponente” apenas com a força do discurso. A métrica do repente varia, bem como a organização dos versos. A seguir, dois exemplos dessa organização métrica: - Sextilha: Estrofe de seis versos, em que o primeiro, o terceiro e o quinto verso são livres, e o segundo, quarto e sexto vero são rimados (XAXAXA)

Antropologia Da Música

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Antropologia da música

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Universidade federal do Rio de Janeiro

Introdução a Antropologia da música

Nome: Paulo Ney Muniz da Cruz Dre: 107.403.064

Professor: José Alberto Salgado

O repente na feira de São Cristóvão

O repente é uma tradição nordestina que teve início em meados do século XIX pelos trovadores medievais dando o surgimento dos primeiros cantadores e repentistas. Um dos pioneiros dessa tradição foi Agostinho Nunes da Costa (1797-1852), o primeiro grande poeta repentista a dar início a tradição no Brasil.

O repente é uma das mais conhecidas manifestações culturais do nordeste do Brasil, podendo ser definido como “poesia cantada”, onde a principal característica é o improviso nas palavras gerando rimas no qual é a execução de versos criados momentaneamente durante a apresentação, essa denominação veio da expressão “de repente”, que é tido como surpresa aos que presenciam as apresentações, os cantadores fazem o verso “de repente” como uma forma de desafiar o outro cantador, não importa a afinação ou a beleza da voz, mas sim a sua agilidade mental e ritmo que possa surpreender o “oponente” apenas com a força do discurso.

A métrica do repente varia, bem como a organização dos versos. A seguir, dois exemplos dessa organização métrica:

- Sextilha: Estrofe de seis versos, em que o primeiro, o terceiro e o quinto verso são livres, e o segundo, quarto e sexto vero são rimados (XAXAXA)

“Eu aqui tenho vontade De fazer profundo estudoDespertar a Charles ChaplimGênio do Cinema MudoNão dizia uma palavraE o povo entendia tudo” (Daudeth Bandeira, repentista, cantado os gênios da humanidade)

- ASetilha: Estrofe de sete versos, apenas o primeiro e o terceiro verso são livres, o segundo verso rima com o quatro e o sétimo, e o quinto e sexto verso rimam entre si (XAXABBA).

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“Os seus filhos são heróis Nesse solo abençoadoOnde Leandro fez versoE nasceu Celso FurtadoAqui eu fiquei hilárioCom a festa do RosárioQue é a melhor do estado.” (Severino Feitosa, repentista, cantando as maravilhas da cidade de Pombal)

O instrumental desses improvisos cantados também possui suas variações, sendo chamados de coco de embolada, onde essa modalidade é mais visto nos estados do nordeste do país sendo especificamente mais popular, utiliza-se o pandeiro com seu enérgico som ritmado e dois desafiantes fazendo a “batalha” de improvisos. A viola caipira ou a Rabeca é também muito usada na execução dos repentistas, dando o nome de cantoria, e finalmente, quando não se faz o uso de qualquer tipo de acompanhamento é chamado de entoada ou aboio.

A pouca experiência que obtive em relação a esse gênero musical, foi através do meu pai, criado no Bairro de São Cristóvão, desde jovem ele frequentava a Feira de Tradições Nordestinas, popularmente chamada de Feira dos Paraíbas, um patrimônio histórico do Bairro e do Rio de Janeiro, fundado em 1945, no início, os retirantes nordestinos chegavam no pavilhão através de caminhões para trabalhar na área de construção civil, ao chegar no local acompanhados de parentes, os recém-chegados geravam festas regadas com muita música, comida e bebida, dando origem a feira, permanecendo ao redor do pavilhão durante quase 60 anos. Cheguei a frequentar a feira nos seus dois últimos anos na época em que ainda era ao redor do pavilhão com meu pai, um clima extremamente alegre, com muita música, foi uma das minhas primeiras aproximações com a modalidade do repente, um clima bastante descontraído e com provocações dos repentistas na “batalha”. Com o passar do tempo, já com a feira dentro do pavilhão, mesmo ela sendo mais organizada, não perdeu o seu clima festivo, continuei frequentando, quase sempre nos fins de semana na saída do colégio, estudava em frente ao Pavilhão, reunia com os amigos e sempre que podíamos estávamos a feira. Atualmente, quase sempre aos domingos, frequento com minha família a feira de São Cristóvão.

A feira de São Cristóvão atualmente é muito bem estruturada, possuindo um mini parque de diversões no hall de entrada, uma estátua de bronze do mestre Luiz Gonzaga como um símbolo do nordeste, possui bilheteria e roletas que ao passar por ela, uma equipe revistam cada um com detectores de metais afim de garantir uma maior segurança aos seus frequentadores. No seu interior, possui diversas lojas onde se vendem instrumentos musicais, lojas de roupa, lojas de ferramentas para construção civil, lojas de cd’s e dvd’s, loja de jogos diversos, cachaçaria, diversos bares e restaurante com o melhor da culinária nordestina. Possui dois palcos nas suas extremidades com um toldo em formato de chapéu de cangaceiro, que é um dos símbolos de bastante representatividade

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nordestina, pois é onde acontecem os principais shows da feira. Localizados bem no meio do Pavilhão, no centro da feira e totalmente perceptível há uma praça chama de “Praça Catulé da Rocha”, ao meu entender, eles passam para nós frequentadores que o repente e a literatura de cordel, apesar de não ser apresentados nos palcos extremos da feira, sua localização no centro nos passa um ar de que o repente é uma tradição cultural de extrema importância do nordeste, a Praça possui um palco cercado de bancos, onde o público tem a liberdade de se assentar e assistir o espetáculo dos exímios repentistas e violeiros.

Vista do pavilhão de São Cristóvão.

Mas, apenas recentemente, fui me interessando por essa prática musical, não só pelo repente, mas também pelos demais estilos musicais do nordeste e artistas no interesse de aumentar o próprio repertório musical.

José João dos Santos, conhecido como “Mestre Azulão”, atualmente morador de Japeri, é um dos principais cordelistas em atividade no Brasil, autor de mais de 300 cordéis, cantador de viola e mestre de reisado, é um dos fundadores da feira de São Cristóvão, conhecido internacionalmente, é uma das figuras principais da Feira. Ele fica situado no centro da feira, onde se tem o aspecto de praça pública como já foi dito anteriormente, com bancos e um palco, onde o Mestre Azulão e seu companheiro executam os repentes, não é como o coco de embolada, eles não fazem batalhas, eles interagem com o público que é rotativo, os cantadores fazem sátiras conforme as características físicas do público.

A Feira de São Cristóvão é Frequentada por pessoas de todas as classes e é o principal centro de tradições nordestinas da cidade, um dos principais pontos positivos dessa feira é que o clima é voltado para a família, é um clima bem leve e ao mesmo tempo impactante pela cultura nordestina. Mestre Azulão, reconhece que foi uma das principais figuras para o desenvolvimento e amadurecimento da feira, quando o local era visto apenas como desembarque

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dos conterrâneos, ele obteve outras parcerias como Palmeirinha e Curió das Alagoas, época no qual também sofreu imensa repressão (década de 60), seus versos foram censurados pelos governantes da época. Sua obra está publicada em alguns países da Europa, tornando assim um dos principais cordelistas.

Umas das poesias do Mestre Azulão, publicado em um de seus folhetos:

“Foi no autódromo de Ímola

Grande Prêmio italiano

Dia primeiro de maio

De noventa e quatro o ano

Que trouxe tristeza e pena

Acabando Ayrton Senna

Neste desastre tirano” (Mestre Azulão, em homenagem a Ayrton Senna)

Estátua do mestre Gonzaguinha.

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O repente na feira de São Cristóvão são executadas por vários artistas, sempre executadas por dois repentistas, onde são auto-acompanhados por viola, como o caso da cantoria, e o pandeiro, no caso do coco de embolada, na praça Catulé da Rocha tem um palco chamado “Palco Pinto do Monteiro”, que foi um poeta e cantador nordestino na década e 60, há uma espécie de assessor, ele ajuda a vender os livretos com os cordéis escritos pelos próprios repentistas da feira. Na música dos repentistas, os versos são altamente valorizados muito mais que a melodia, em todas as vezes que eu fui, eles tocavam somente em tom de Lá maior, o grande destaque é que eles são muito ágeis nas palavras, eles olham para nós, conseguem enxergar em questão de segundos algo forte na nossa aparência física e começam a executar o repente de forma extraordinária e é uma característica muito em comum entre os repentistas.

Praça Catulé da Rocha.

O público sempre reage bem as brincadeiras dos repentistas, sempre rindo e se divertindo, eu procurei saber da opinião de alguns freqüentadores, a começar pelo meu pai, Paulo Francisco, que disse:

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“A feira de São Cristóvão é uma das atrações mais bacanas para a família e aqueles repentistas são tudo de bom, super engraçados e nos alegram, sempre freqüentei aquele local e você sabe disso, espero que mantenham essa tradição sempre viva.”

Uma amiga minha, Josie Belizário, de menor faixa etária, também mostrou satisfação ao responder sobre a feira e os repentistas:

“Acho muito legal esse palco no meio da feira, pois não tem como não parar e escutar eles cantando e tocando com muita criatividade, eles são muito bons, pensam rapidamente no que vão cantar, muito bacana mesmo.”

Assim como eles acima, reparando a reação do público, não vi um que não obteve uma opinião negativa dos repentistas da feira de São Cristóvão, pois eles são muito interativos, eles fazem com que o público de alguma forma fique a tendo a eles, levando a participar também do espetáculo.

A cultura nordestina deveria ser mais valorizada e respeitada, a feira se localiza em um bairro imperial historicamente rico.