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Josefina Pimenta Lobato Antropologia do amor Do Oriente ao Ocidente

Antropologia do amor – Do Oriente ao Ocidente

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Josefina Pimenta Lobato

Antropologia do amor Do Oriente ao Ocidente

Josefina Pimenta L

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Uma antropologia do amor requer um olhar distanciado e crítico em relação à

pressuposição de que as emoções e os sentimentos apaixonados mais requintados e refinados vinculam-se, necessariamente, às vivências e às manifestações do amor romântico, tal como ele tem sido concebido e idealizado no Ocidente. Com esse objetivo, a autora deste livro toma como campo de investigação os discursos amorosos produzidos em diferentes contextos culturais. A interação entre o amor cortês e a lírica árabe, assim como as diferenças e semelhanças entre a paixão amorosa expressa em Tristão e Isolda, em Layla e Majnum e em Krshna e Radha, são abordadas e utilizadas a fim de evidenciar a enorme variabilidade das formas de amar abertas aos seres humanos.

O original estudo de Josefina Pimenta Lobato sobre as variadas formas da relação entre o sentimen-to amoroso e o vínculo conjugal em diferentes civilizações tem uma virtude pouco usual nas produções acadêmicas de anos recentes no Brasil. A abrangência das fontes em que se apoia, que representam uma grande diversidade de tradições de pensamento, assim como uma im-pecável atualidade, faz desse estu-do uma contribuição que vai muito além do interesse meramente local para situar-se entre as obras de al-cance universal.

Se, de início, sua pergunta teve um claro cunho antropológico, pon-do em evidência a excepcionalidade do Ocidente moderno ao represen-tar a paixão amorosa como pivô da constituição familiar e, com isso, da organização social, os resultados da pesquisa em muito ultrapassam esse interesse acadêmico e ofere-cem uma orientação valiosa a todos aqueles que, mais dia, menos dia, são compelidos a indagar sobre a na-tureza da relação matrimonial.

Rita Laura SegatoPesquisadora do CNPq

Josefina Pimenta Lobato é professo-ra titular da Faculdade de Ciências Humanas da Fundação Mineira de Educação e Cultura (Universidade FUMEC) e professora aposentada da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui douto-rado em Antropologia Social pela Uni-versidade de Brasília (UnB) e mestrado em Filosofia pela UFMG.

Antropologia do amor – D

o Oriente ao O

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Antropologia do amor Do Oriente ao Ocidente

Josefina Pimenta Lobato

Antropologia do amor Do Oriente ao Ocidente

Copyright © 2012 Josefina Pimenta LobatoCopyright © 2012 Autêntica Editora

PROJETO GRÁFICO dE CAPA

Diogo Droschi

EdITORAçãO ELETRônICA

Christiane Morais de Oliveira

REvIsãO

Isadora Rodrigues Cecília Martins

EdITORA REsPOnsÁvEL

Rejane Dias

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lobato, Josefina Pimenta

Antropologia do amor : do Oriente ao Ocidente / Josefina Pimenta Lobato . – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2012.

IsBn 978-85-65381-29-1

1. Amor 2. Antropologia social I. Título.

11-14370 Cdd-128.4

Índices para catálogo sistemático:1. Amor : Antropologia social 128.4

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

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Revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde janeiro de 2009.

Esta é uma versão revisada e modificada de obra publicada anteriormente.

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Apresentação – Rita Laura Segato........................................

Introdução........................................................................

O debate sobre a origem do amor romântico.....................A reivindicação do amor romântico como uma invenção do Ocidente................................................................................

Proposições relativas à universalidade do amor romântico...........Polêmicas sobre a existência do amor romântico na China..........Uma abordagem alternativa: amores disciplinados e amores domesticados.................................................................

A celebração do amor no século XII...................................O amor cortês e a lírica árabe.....................................................Tristão e Isolda: a força irreprimível do amor no contexto europeu....Layla e Majnun: o amor “fora-do-mundo” na visão de mundo islâmica...........................................................................Krshna e Radha: o amor-divino na Índia hindu............................

O amor disciplinado no contexto indiano...........................A integração entre o corporal e o espiritual na expressão do amor disciplinado.......................................................................Erotismo, ascetismo e o amor disciplinado..................................Indisciplina destrutiva do amor conjugal apaixonado...................A destrutividade do amor adúltero..............................................devoção, autossacrifício e poder.................................................Construindo o amor disciplinado................................................

O amor domesticado no mundo dos indivíduos...................O amor como prelúdio ao casamento.........................................Romeu e Julieta e a subversão domesticada do amor..................A dupla domesticação do amor em Pamela................................O amor como fundamento do casamento..................................domesticação do amor adúltero.................................................

Referências.......................................................................

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Apresentação

Rita Laura Segato1

O original estudo de Josefina Pimenta Lobato sobre as variadas formas da relação entre o sentimento amoroso e o vínculo conjugal em diferentes civilizações tem uma virtude pouco usual nas pro-duções acadêmicas de anos recentes no Brasil. A abrangência das fontes em que se apoia, que representam uma grande diversidade de tradições de pensamento, assim como uma impecável atualidade, faz desse estudo uma contribuição que vai muito além do interesse meramente local para situar-se entre as obras de escopo universal.

Se, de início, sua pergunta teve um claro cunho antropológico, pondo em evidência a excepcionalidade do Ocidente moderno ao representar a paixão amorosa como pivô da constituição familiar e, com isso, da organização social, os resultados da sua pesquisa em muito ultrapassam esse interesse acadêmico e oferecem uma orienta-ção valiosa a todos aqueles que, mais dia, menos dia, são compelidos a indagar sobre a natureza da relação matrimonial.

Nada como o confronto com outras soluções humanas para dar-nos alívio em relação aos limites impostos pelo estreitamento do nosso próprio horizonte de cultura. Nada como o mergulho na variedade de respostas culturais para permitir-nos perceber com lucidez o caráter relativo e, portanto, circunstancial das respostas que nossa civilização oferece.

1 Rita Laura Segato é PhD em Antropologia Social pela Queen’s University of Belfast, Prof.ª no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília e pesquisadora do CNPq.

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Trabalhando com inspirados conceitos como selvageria, domesticação e disciplinamento do amor, a autora não nega a universalidade da experiência da paixão amorosa, mas demonstra, de forma definitiva, como diversas tradições elaboram e dão sentido a essa experiência, fazendo-a jogar um papel diverso nos arranjos institucionais das respectivas sociedades. Por tudo isso, o leitor tem em suas mãos uma obra de rara erudição e capaz de oferecer pistas para dilemas tanto de ordem acadêmica quanto existencial.

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introdução

Com efeito, a pesquisa de campo, por onde começa toda carreira etnológica, é mãe e ama da dúvida, atitude filosófica por excelência.

Essa dúvida antropológica não consiste unicamente em saber que não sabemos nada, mas em expor resolutamente o que

acreditávamos saber, e até mesmo a nossa própria ignorância, aos insultos e aos desmentidos infligidos aos hábitos e ideias

que nos são muito caros por aqueles hábitos e ideias que podem contradizê-los em seu mais alto grau.

Lévi-Strauss (1973, p. 37)

Até inícios da década de 1980, grande parte dos antropólogos acatava sem maiores objeções a concepção de que o amor romântico seria um sentimento requintado e raro, surgido em determinado momento da história do Ocidente. A partir dessa época, e de um ponto de vista diametralmente oposto, foram realizadas pesquisas que visavam averiguar a possível universalidade ou a quase universalidade desse tipo de amor. As posturas daí decorrentes são claramente an-tagônicas. A primeira, que pode ser designada particularista, afirma o caráter extraordinário das emoções associadas ao amor romântico, mas discerne apenas um vazio em sociedades em que existem ex-periências amorosas inegáveis, enquanto a segunda, que apresenta proposições universalistas generalizantes, reduz as manifestações de amor em diferentes culturas a um padrão único: o amor romântico.

A análise crítica desses dois posicionamentos evidenciou suas deficiências e expôs a necessidade de se construir um instrumental

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teórico que permitisse apreender as ideias, emoções e crenças pró-prias ao amor tal como ele se revela nas sociedades ocidentais e, ao mesmo tempo, realçar as que se ligam aos relacionamentos amoro-sos existentes em outros contextos culturais. Com esse propósito, construí dois conceitos: amor “domesticado” e amor “disciplinado”, e uma noção, a de “selvageria”, utilizada para qualificar o caráter arbitrário e irracional da paixão amorosa a ser disciplinada ou do-mesticada. Nesse sentido, amores disciplinados são aqueles nos quais a selvageria do amor passional é considerada inaceitável, devendo ser necessariamente contida para que a vida social se torne possí-vel e sejam cumpridas as responsabilidades a ela concernentes. Os amores domesticados, por sua vez, são aqueles nos quais a selvageria do amor passional é glorificada e tida como essencial à felicidade, à autorrealização e ao engrandecimento pessoal, mesmo que, para isso, seja preciso confrontar as constrições impostas pela moral e pelas lealdades político-familiares.

Trilhando esse caminho, tomei como referência inicial os poe-mas de amor elaborados pelos trovadores que, no decorrer do século XII, divulgaram por toda a Europa o que se convencionou chamar de “amor cortês”. Originários da região do Poitou e do Languedoc, sudoeste da França, esses poemas foram motivados e influenciados, em grande parte, pela lírica árabe, proveniente da Espanha mourisca e do Oriente Médio, já imbuída de influências iranianas e indianas. Ao me aprofundar na investigação das interconexões entre as pro-duções poéticas e literárias do Oriente e do Ocidente, deparei-me com uma coincidência que me pareceu extremamente instigante: a da produção, nessa mesma época, das versões clássicas de três histórias de amor − Tristão e Isolda, Layla e Majnun, e Gita Govinda − que exerceram e continuam a exercer influência considerável sobre o imaginário amoroso dos povos do Ocidente, do Oriente Médio e da Índia.

A descoberta dessa inesperada coincidência me induziu a pesquisar a atmosfera própria a essas narrativas mítico-amorosas, a fim de captar seu apelo transcultural e, ao mesmo tempo, sua espe-cificidade indiscutível. Por meio dessa investigação, pude constatar a existência de semelhanças na expressão do sentimento amoroso, apesar das diferenças consideráveis ligadas às condições e ao locus de

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introdução

sua manifestação. Se em Tristão e Isolda já se insinua a glorificação dos amores incontroláveis, transgressores, embora ainda marginais à vida social, a selvageria do amor em Layla e Majnun só encontra espaço “fora-do-mundo”. O amor de Krishna e Radha, tematizado no Gita Govinda, ganha expressão na esfera do divino, na qual as convenções da vida terrena se encontram suspensas. Tais amores, contudo, por estarem situados seja à margem da vida social, como ocorre em Tristão e Isolda, seja fora-do-mundo, como em Layla e Majnun, ou na esfera do divino, no Gita Govinda, não nos oferecem acesso ao modo como se dá a gestão do “amor-no-mundo” em termos de disciplina ou de domesticação, embora já indiquem a incompatibi-lidade entre os amores arbitrários, que surgem aleatoriamente, de forma incontrolável, e a vida em sociedades holistas (denominação conferida por Dumont às sociedades nas quais os valores grupais se sobrepõem aos interesses individuais).

Para apreender o modo como se dá a gestão disciplinada do amor-no-mundo, centrei minha análise em um texto mítico-religioso indiano, o Ramayana, cujos personagens centrais, Rama e Sita, corporificam o comportamento amoroso considerado exem-plar. Apesar de seus personagens serem divinizados, o amor que os une, ao contrário do de Krishna e Radha, no Gita Govinda, não se localiza na esfera do divino, mas em circunstâncias histórico-cultu-rais delimitadas por papéis e obrigações ligadas ao gênero, à casta, ao parentesco e a considerações político-religiosas, que o situam concretamente “dentro-do-mundo”. A esse amor disciplinado, paradigmático, opõem-se os amores “indisciplinados”, que são execrados e tidos como intrinsecamente destrutivos por colocarem o kama (o desejo e o amor) em uma posição superior ao dharma (o dever e a moral). No que se refere ao processo de inserção do amor disciplinado na vida cotidiana, utilizei como imagem mode-lar o depoimento de duas jovens mulheres bengalis das castas mais elevadas de Calcutá, a respeito das emoções por elas vivenciadas em relação aos futuros cônjuges durante o período que antecedeu ao “casamento arranjado”.

Por fim, procuro demonstrar a excepcionalidade e historicidade da noção de amor romântico, definida em função de um processo de domesticação, possível e viável apenas em contextos culturais

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dominados por valores “individualistas”. Através do aprofundamento analítico desse processo, a domesticação foi tendo desdobramentos inesperados. Em Romeu e Julieta, de Shakespeare, o amor dissolve as clivagens delimitadas pelas lealdades de parentesco e corporificadas nas lutas faccionais, servindo, assim, ao advento de uma nova forma de integração social. Em outra de suas vertentes, cuja imagem para-digmática é constituída por Pamela de Richardson, ele ultrapassa as fronteiras das classes sociais. Nessa obra, a domesticação atua dupla-mente: como princípio que legitima a seleção conjugal, desvinculada das barreiras concernentes aos direitos e deveres ligados à posição de classe, e como elemento propulsor da domesticação da virilidade masculina e de sua adaptação a relações afetivas, vividas no âmbito doméstico em um ambiente de intimidade cotidiana.

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