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Aos leitores

De um lado, o direito à saúde, assegurado constitucionalmente. Do outro, a responsabilidade dos entes da Federação: União, Estado e Município, cada um com seus limites orçamentários, de garantir esse direito. Em meio a isso, processos demandados por cidadãos que só conseguem acessar o Sistema Único de Saúde (SUS) pela via judicial. A judicialização da saúde, tema que está sendo amplamente discutido pelo Sistema de Justiça em debates e seminários, é o assunto principal desta edição da Argumento, que ouviu pacientes, médicos, juízes e advogados públicos, partes nessa lide que visa à segurança de um bem maior: a vida.

Na reportagem, você vai ler casos como o de Weverton Fagner Gomes, 20, jovem que conseguiu um transplante de intestino nos Estados Unidos da América por meio de uma decisão liminar da Justiça Fe-deral em Pernambuco (JFPE). Mas, apesar do procedimento cirúrgico já realizado, a União recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a obrigatoriedade de custear tratamentos no exterior, entre outras coisas. O STF, por sua vez, já está buscando estabelecer parâmetros para a concessão judicial de procedimentos de saúde e uniformizar as decisões tomadas nas primeiras e segundas instâncias relativas a fornecimento de medicamentos de alto custo e sem registro na Anvisa.

Mas não só. A edição nº 16 da Argumento também traz importantes matérias sobre o tema Conciliação, tanto na seção Diálogo, em um rico debate entre os juízes federais Marco Bruno Miranda (JFRN) e Bruno Carrá (JFCE), quanto na Sociedade e Direitos, em uma reportagem sobre o Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Além dessas matérias, esta edição também reporta a vida de servidores que doam seu tempo e seu dinheiro para cuidar de animais de rua, na seção Extra-autos, e de magistrados que, em meio a processos e julgamentos, encontram espaço na agenda atribulada para criar laços de amizade e diversão nas redes sociais. A atual edição também contém uma matéria sobre corrupção nas estradas e o perfil do desembargador federal Cid Marconi, que ingressou no TRF5 em 2015, pelo Quinto Constitucional, em vaga reservada à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para deleite dos olhos e da alma, as seções À Luz dos Direitos, que traz um ensaio fotográfico sobre o man-gue da Ilha de Deus, de Roberta Mariz, e Sentir, com a crônica “Qual o enigma dos livros?”, do juiz federal Nagibe Melo de Jorge Neto.

Boa leitura e até a próxima!

Isabelle CâmaraEditora

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Expediente

Edição Isabelle Câmara

Projeto gráficoAndré Garcia

TextosChristine Matos,

João Bosco Coelho, Lorena Mascarenhas, Alessandro Moura, Cínthia Carvalho, Denise

Resende e Juliana Aguiar

Apoio à PesquisaGabinete da Revista

CapaAndré Garcia e Rachel Hopper

RevisãoJoana Carolina Lins Pereira

e Nivaldo Vasco

FotografiasJuliana Galvão e Roberta Mariz

EditoraçãoAndré Garcia e Rachel Hopper

ApoioFrancisco Macena e Alessa Lira

Jornalista ResponsávelIsabelle Câmara DRT/PE 2528

PresidenteDes Fed Manoel Erhardt

Vice-PresidenteDes Fed Cid Marconi

Corregedor-RegionalDes Fed Paulo Cordeiro

Desembargadores Federais

Lázaro GuimarãesPaulo Roberto de Oliveira Lima

Vladimir Carvalho Rogério Fialho Moreira

Edilson Pereira Nobre JúniorFernando Braga

Roberto MachadoCarlos Rebêlo Júnior

Rubens CanutoAlexandre Luna

Élio SiqueiraLeonardo Carvalho

@TRF5

Portal TRF5: www.trf5.jus.br

Twitter: http://twitter.com/trf5

Curta nossa fanpage: https://www.facebook.com/TRF5a

Instragram: trf5regiao

Fale conosco: [email protected]

Cartas à Redação

NecessáriaRecebi a revista Argumento. Edição muito bem feita, com matérias bem redigidas. Li todinha

e gostei muito. O Recife precisa de publicações como essa. Parabéns a toda equipe! Muito sucesso!

Lêda Rivas, Jornalista, escritora, professora universitária – Recife/PE

Espetáculo Prezados editores, quis, pessoalmente, redigir uma palavrinha para expressar minha enorme satisfação em conhecer a revista Argumento. Não sei se já haviam enviado, fato é que, retornando hoje de féria,s tomei contato pela vez primeira com a edição. Surpreendente. Bonita. Super atual, leve, enfim... um espetáculo! Recebam meus cumprimentos, extensivo ao Presidente e à Corte toda. Especialmente ao corpo de editores e criadores. Maravilha!

Nery Jr., desembargador federal - São Paulo/SP

Estudos Agradecemos imensamente pelo envio da publicação da revista “Argumento: direito e cida-

dania”. Será utilizada para fins de estudos dentro da faculdade.

Manuela Maranhão, Faculdade Santa Helena

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Sumário

Perfil

À Luz dos Direitos

Diálogo

Justiça Digital

30

8

16

44

Cid Marconi, um homem de múltiplas possibilidades

“Conciliação somos nós”. Confira o diálogo entre os juízes federais Marco Bruno Miranda e Bruno Carrá sobre a importância da solução consensual de conflitos

4 Extra-autos Servidores dividem seu tempo entre o trabalho e o cuidado com cães, gatos e outros bichos

12 Sociedade e Direitos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos são espaços privilegiados para a construção da cultura de paz

22 Capa Quando a Justiça vira o terminal do sistema de saúde

40 Ética & Cidadania Operações policiais aliadas à repressão social têm ajudado a inibir práticas corruptas nas estradas brasileiras

50 Sentir “Qual o enigma dos livros?”, por Nagibe Melo de Jorge Neto

52 Em dia com a Lei Panorama das decisões judiciais do TRF5

Com quantos gigabytes se faz um(a) magistrado(a)? Conheça desembargadores e juízes federais que armaram suas redes na internet!

“Rios, pontes e overdrives, impressionantes esculturas de lama”. O mangue a Ilha de Deus, sob o olhar da fotógrafa Roberta Mariz

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De rua, adotados ou silvestres. Servidores do TRF5 dão lições de amor e compaixão ao proteger e defender animais que, sem esses cuidados, poderiam não estar vivos

Lorena Mascarenhas

O servidor Silvio Ferreira, 56,

lotado na Divisão de Material e Pa-

trimônio do TRF5, tem duas grandes

paixões na vida: o rock das décadas

de 1960/1970 e os bichos. Com seu

teclado, companheiro nas horas

vagas e dos tempos em que toca-

va na noite recifense, Silvio celebra

seu amor à música. Ao lado de seu

cachorro de estimação, Bob Dylan,

cujo nome é uma homenagem ao

bardo da contracultura norte-ame-

ricana, ele celebra sua devoção e

dedicação em resgatar animais nas

ruas da cidade do Recife/PE.

Mas Bob Dylan é apenas um

dos mais de 80 cães e gatos – mui-

tos dos quais batizados com nomes

de roqueiros, como Ozzy Osbourne,

Janis Joplin, Joe Cocker –, salvos

pelo servidor ao longo dos anos. O

xodó de Silvio foi socorrido após ter ser sido esfaque-

ado por um homem que tentava arrombar algumas

residências abandonadas no bairro de San Martin,

Zona Oeste do Recife. Como Silvio era conhecido

na região, um colega entrou em contato e pediu sua

ajuda. Bob foi então levado a uma clínica especiali-

zada e terminou sendo adotado pelo servidor. “Não

sou veterinário, mas deixar um bicho morrer, eu não

deixo. Aplico remédio, dou vacina, faço tudo que for

preciso”, confessa.

A paixão de Silvio pelos animais começou por

volta dos oito anos de idade. Nessa época, ele aven-

turava-se com o pai a caçar passarinhos. Aquilo lhe

parecia cruel. “Não suportava ver meu pai caçando.

Chorava muito. Era como se os animais estivessem

olhando para mim e pedindo ajuda para não morrer”,

emociona-se.

A experiência traumática na infância ficou para

trás, mas deixou uma missão de vida. Já adulto, Sil-

vio começou a resgatar os primeiros animais de rua.

Chegou a criar, numa única casa, no Cabo de Santo

Ext

ra-a

utos

Entre cães, gatos e outros bichos

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Agostinho, três cachorros, duas preguiças e – acredi-

te – seis macacos. À exceção dos cães, todos foram

doados a instituições e ao Parque 13 de Maio, no cen-

tro do Recife.

O estilo de vida de Silvio também lhe rendeu al-

gumas dores de cabeça. “Já fui expulso de um apar-

tamento por criar oito cachorros”, conta. Longe das

reclamações dos vizinhos, ele cria atualmente pelo

menos 30 animais na casa onde mora, no Cordeiro.

Adquiriu, também, um terreno baldio em Jaboatão

dos Guararapes, onde mantém um abrigo com mais

de 50 bichos. Para monitorar e cuidar desses animais,

Silvio contratou um funcionário. Além do salário do

empregado, tem uma despesa fixa mensal de R$ 2,5

mil com rações e comida para os gatos e cachorros

que adotou. Nos meses em que necessita vaciná-los,

os gastos chegam a R$ 4 mil. “É aquela história: se

precisar, deixo de beber cerveja e tomo uma dose de

Pitú, porque o resto é dos ‘meninos’”, brinca Silvio.

Seu amor pelos bichos é inspirador, mas sua rela-

ção com o amado Bob Dylan renderia um bom roteiro

de filme. Adotado há cerca de cinco anos, o cão de

estimação já o livrou de um assalto na Av. Agamenon

Magalhães. “O menino se aproximou do carro com

uma gilete na mão. Não viu o

cachorro e levou uma mordida”,

relata Silvio. Até alguns meses

atrás, o servidor saía de casa

para trabalhar acompanhado de

Bob. “O pessoal brincava, dizen-

do que ele era funcionário do

Tribunal”, gargalha.

Os “causos” envolvendo o companheiro de todas

as horas não param por aí. Silvio conta que, certa vez,

enviou uma foto do cachorro para a produção de uma

casa de show da cidade quando surgiram boatos de

uma eventual apresentação de Bob Dylan. “Respon-

deram: espero que você não o traga”, conta, rindo.

Este ano, o servidor participou de um concurso pro-

movido por uma rádio local de melhor cover da banda

Dire Straits. Ficou em primeiro lugar, ganhando como

prêmio ingressos para assistir à apresentação do Dire

Straits Legacy, uma formação mais compacta do gru-

po original. “No dia do show, até levei Bob, mas não

deu para entrar com ele. Fui barrado e tive que voltar

para casa para deixá-lo”, relata.

O amor incondicional pelos animais é um estilo

de vida compartilhado pela também servidora Etelvina

Leite, lotada no Núcleo de Assistência à Saúde (NAS).

Junto com Silvio, eles não apenas criam animais, mas

ajudam a medicá-los e vaciná-los. “Sempre resgatei

animais. Minha mãe falava que, desde os cinco anos

de idade, eu resgatava pinto, passarinho, borboleta,

até barata! É um dom que acho que nasceu comigo”,

relembra.

Para Etelvina, os bichos não são escolhidos por

Silvio Ferreira cria cerca de 30 animais em casa e mantém um abrigo com mais de 50 bichos

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resultado humilhante para si. Já o filósofo Arthur Scho-

penhauer alegava que a compaixão pelos animais es-

taria ligada à bondade de caráter, e que um ser cruel

com os bichos não poderia ser um bom homem. É essa

compaixão que parece mover a servidora Fernanda

Santiago, 37, lotada na Subsecretaria de Precatórios.

Carioca, morando no Recife há quase duas dé-

cadas, ela diz ter sido tocada por uma reportagem a

que assistiu na televisão sobre uma associação que

acolhia animais de rua. “Foi quando eu comecei a ati-

nar que existem animais que precisam de ajuda. Até

então, nunca tinha me ligado. Se eu visse um animal

de rua, não me doía. Não me comovia. Aí, comecei a

tomar consciência do que acontece na realidade: os

animais não têm o que comer, não têm água, sofrem

maus-tratos dos homens. Ficam doentes e não têm

quem os trate”, comove-se a servidora, que cria, em

casa, três gatos e dois cães.

Atualmente, Fernanda se dedica a um projeto –

social e de vida – para ajudar na castração e vaci-

nação de gatos de ruas e de comunidades carentes.

Ela lamenta ter pouca ajuda financeira, mas diz fazer

o possível para salvar quantos animais puder. “Hoje

faço um trabalho pequeno, com outras servidoras do

TRF5 e familiares meus. Cada um doa um valor peque-

nininho. Eu junto tudo e, hoje, a gente faz um trabalho

de castração de gatos”, conta.

Com muito esforço, ela consegue arrecadar de

R$ 300 a R$ 400 por mês, quantia que considera irri-

sória para tocar um projeto maior. “Para mim, é muito

frustrante só castrar três animais por mês. Eu queria

castrar pelo menos dez. Mas, não tenho dinheiro, e

ainda tenho o custo com outros animais que mante-

nho. Se tivessem mais pessoas que pudessem parti-

raça ou porte. “Eu gosto de animais, independente-

mente de serem pets, cãezinhos, gatinhos, bonitinhos

ou não. Para mim, animal está no meu sangue. Eles têm

que ser cuidados, preservados. Tenho o maior carinho,

então, acolho e resgato todos eles”, relata a servidora,

que, hoje, cria, em média, 40 gatos e 40 cachorros.

Etelvina protagonizou algumas histórias curio-

sas. Além de resgatar cavalos, tartarugas, coelhos e

iguanas nas mais diversas situações, ela já ajudou a

resgatar duas garças que apareceram no terreno do

TRF5. Uma delas, infelizmente, muito abatida, faleceu

horas depois. “A outra garça foi entregue à Brigada

Ambiental do Recife. Na época, não existia a Secreta-

ria-Executiva dos Direitos dos Animais”, diz.

CompaixãoO escritor e humorista norte-americano Mark

Twain, ativista dos direitos dos animais e grande ad-

mirador de gatos, teria afirmado que, ao estudar as

características e a índole dos animais, encontrou um

Desde pequena, Etelvina Leite resgata animais. Cavalos, tartarugas, coelhos, iguanas e até garças já caíram nas graças dos seus cuidados

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cipar, faríamos um projeto de doação todo mês, apre-

sentando as ações, notas fiscais dos gastos. Seria

muito bom”, vibra.

Simpática à causa, a servidora Helena Moura,

também do TRF5, é uma das pessoas que ajudam fi-

nanceiramente o trabalho encabeçado por Fernanda.

Criadora de cachorros a vida toda, ela conta que não

suportava gatos. Os felinos, porém, caíram nas suas

graças meio por acaso, depois que dezenas deles co-

meçaram a invadir a casa de seus pais, no bairro de

Boa Viagem. “Entrei agora nesse mundo de animais

abandonados”, confessa. Hoje, quem se arriscar a fa-

zer uma visita à residência de Helena não ouvirá mais

latidos, somente miados de dois lindos gatinhos, am-

bos adotados, devidamente castrados e, claro, vira-

-latas. Com muito orgulho.

Ajuda especializadaO resgate de alguns animais silvestres deve ser

feito exclusivamente por profissionais. O alerta é do

biólogo Yuri Valença, do Centro de Triagem de Animais

Silvestres de Pernambuco (Cetas Tangara), da Agên-

cia Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Jacarés ou

raposas, por exemplo, oferecem riscos potenciais às

pessoas, portanto, o melhor procedimento é acionar

algum órgão competente que disponha de uma equi-

pe própria. “Não oferecendo risco, a pessoa pode le-

var o animal diretamente a alguma instituição, como o

Cetas”, informa Valença. Segundo ele, aves silvestres

não costumam deixar que pessoas se aproximem de-

las. “No caso de uma garça, se ela tiver machucada,

com dificuldade de andar, e se deixar alguém chegar

perto, é porque, provavelmente, o animal está com

algum problema ou doente”, alerta.

Em Pernambuco, instituições como a Companhia

Independente de Policiamento do Meio Ambiente (Ci-

poma), a Brigada Ambiental da Prefeitura do Recife e

o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-

sos Naturais Renováveis (Ibama) podem tanto auxi-

liar no resgate de animais silvestres quanto receber

denúncias sobre o comércio ilegal. Apesar de ser um

órgão de gestão da fauna e de reabilitação de animais

silvestres, e de não possuir um contingente próprio

para resgate, o Cetas também pode ser acionado.

Criado em 2016, no bairro da Guabiraba, o Ce-

tas Tangara é um dos principais órgãos em funciona-

mento no Estado que abriga animais resgatados. Só

nos primeiros sete meses deste ano, recebeu 6.073

animais de espécies diversas, a grande maioria aves,

muitas delas vítimas do tráfico.

(+) Serviços de resgate de animais silvestres ou denúncia de maus-tratos:

Brigada Ambiental do Recife:0800.720.4444 (denúncias) (81) 3355-0439 ou 0440Cetas Tangará - (81) 3182-8905Cipoma - (81) 3181-1700.Ibama (Linha Verde) - 0800-61-8080

Na dúvida sobre o que fazer com um animal ferido ou abandonado, procure um centro especializado, como o Centro de Triagem de Animais Silvestres de Pernambuco

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Isabelle Câmara e Cínthia Carvalho

verdade no que faziam. São exemplos de amor aos

pais, entre eles e aos filhos, eu e minhas irmãs, Mo-

nique e Geórgia”, afirma ele, enfatizando que o gosto

pelos estudos vem do empenho da mãe em acompa-

nhá-lo nas atividades escolares. “Eles se preocupa-

ram muito com a minha educação. Minha mãe, prin-

cipalmente, estudava muito comigo. Meu pai, com o

seu exemplo de vida de trabalho, ética e correção, me

ensinou a não deixar nada para depois. Em todos os

meus desafios, eles sempre estão ao meu lado”.

Não à toa, entrou no disputado Colégio Militar

do Ceará. “Acho que ele [o Colégio] mudou a minha

vida. Colaborou para me ensinar disciplina, hierarquia,

a vencer alguns desafios, a saber competir”, conta.

Serviu, também, para revelar o lado desportista de

Marconi, que integrou equipes de natação, da cavala-

ria e do grêmio (Associação Literária Brigadeiro Sam-

paio – ALBS), no qual foi diretor e vice-presidente.

Também nessa época de estudante, a vontade

de ajudar as pessoas despertou em Cid, levando-o a

participar de ações como SOS Seca e SOS Enchente,

além de outros eventos beneficentes da cidade na-

tal. “Tive a oportunidade de criar o movimento Natal

Cid Marconi é um homem

de múltiplas possibilidades. Filho,

marido, pai, amigo, engenheiro,

engajado socialmente, advogado,

político, desembargador federal.

Um obstinado. Sonhou, batalhou e

chegou aonde quis chegar. Para se

ter uma ideia de sua determinação,

comprou o primeiro terreno aos 16

anos de idade, com o fruto das au-

las particulares de matemática e

geografia que dava às pessoas que

queriam, assim como ele, ingressar

no Colégio Militar. Outra prova das

suas convicções é o casamento

com Joyce Marconi, “a mulher dos

seus sonhos”: bastaram 55 dias de

namoro para ele a pedir em casa-

mento. Mas do “sim” aos dias atu-

ais, já se vão mais 8.500 dias. E três

filhos.

Cid nasceu em 29 de março de

1963, em Fortaleza/CE, e é filho de

Marconi, 88, e Silvia, 76. Para ele,

pai e mãe são exemplos de vida.

“Eles me criaram com muito amor,

carinho, ética, bondade, caráter e

Cid Marconi

Um homem e quatro destinos

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tro acadêmico de engenharia mecânica. “Nós pres-

sionamos a Universidade a oferecer cadeiras, pois

queríamos estudar mesmo. Unimos-nos às outras

engenharias e estudávamos nas férias as disciplinas

em comum”, diz. Essa experiência o levou ao diretório

acadêmico. “Participei de uma chapa do DCE”.

O hoje desembargador federal conta que foram

cinco anos exercendo a Engenharia Mecânica, de

1987 a 1992. Após concluir a faculdade, adquiriu 50%

de cotas de uma indústria, a qual manteve por um

bom tempo. Mas mal sabia ele que a vivência no DCE

o levaria ao mundo da política.

VereadorEm 1988, durante a campanha eleitoral para a

Prefeitura de Fortaleza, surgiu um novo desafio: assu-

mir o cargo de diretor da Secretaria de Transporte e

Serviços Urbanos e coordenar uma equipe de enge-

nheiros numa megaoperação tapa-buracos na cidade,

num momento em que o município não tinha recursos

para adquirir máquinas. Convite aceito, Marconi come-

çou a pavimentar o caminho da gestão municipal. Por

seis meses, se comprometeu a melhorar a mobilidade

e a limpeza urbana da cidade. “Depois desse tempo, eu

saí. Todo mundo achou estranho, mas esse foi o combi-

nado. Seis meses apenas, pois o meu foco ainda era a

indústria”, conta. Contudo, começou a ouvir a seguinte

pergunta: “por que você não entra para a política?”.

Um novo destino foi vislumbrado. Cid Marconi se

candidatou a vereador, em 1992, e foi eleito, assu-

mindo o cargo em janeiro do ano seguinte. Criou a Co-

missão de Turismo, Indústria, Comércio e Emprego na

Câmara Municipal de Fortaleza e presidiu a tradicional

União dos Vereadores do Ceará (UVC) por dois man-

de Rua. A gente ia para os supermercados, recolhia

doações em alimentos, brinquedos para crianças, e

distribuía nos bairros mais necessitados. Isso foi mui-

to importante na minha vida”, acredita.

A rotina de Cid era bem movimentada, mas não

por atividades típicas de um adolescente de 14 anos:

enquanto alguns jovens estavam na praia, ele dava

aulas particulares. “Consegui ganhar bastante dinhei-

ro ensinando, principalmente nas férias”, diz. Aos 16,

investiu a renda obtida com as aulas em algo bem

incomum para a idade. “Comprei um terreno no Beach

Park, parcelei e fiquei pagando mensalmente”, con-

ta o desembargador, demonstrando que dedicação e

perseverança são palavras presentes no seu cotidiano

desde muito cedo.

Cid ainda dava aulas particulares quando prestou

vestibular. O saber compartilhado o fez ser aprovado

em Administração, Direito e Engenharia. Cursou um

período de Engenharia, mas decidiu trancar a ma-

trícula para fazer um intercâmbio em Londres, na

Inglaterra, onde morou por sete meses. No exterior,

segundo ele, pôde visualizar novos horizontes: “Tive

a oportunidade de conhecer praticamente toda a Eu-

ropa Ocidental e Marrocos, na África. Viajei de trem,

fiz mochilão. Isso me ajudou a enxergar o mundo e as

pessoas de outra forma”, garante. Mas era no Brasil

que estava a sua maior missão.

EngenheiroQuando voltou do intercâmbio em Londres, Cid

Marconi retomou o curso de Engenharia Mecânica na

Universidade Federal do Ceará (UFC). Com dificuldade

em conseguir disciplinas e deslocado da turma origi-

nal, ele teve uma ideia: sugeriu a criação de um cen-

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datos, onde incentivou os parlamentares a realizarem

cursos e treinamentos com órgãos governamentais.

“Eu achava que nós precisávamos de uma prepara-

ção maior, uma visão mais ampla de gestão”, afirma.

“Nessa época, dividimos o Ceará em regiões, fizemos

seminários em todas elas e vi a realidade do meu Es-

tado como de fato era”.

Um marco em sua trajetória como gestor pú-

blico foi a criação do Fortal, carnaval fora de época,

em 1992. Amante do Carnaval da Bahia, Cid Marconi

apostou na micareta e, com isso, ajudou a gerar em-

pregos, renda, turismo e lazer para a capital cearense.

“A responsabilidade era muito grande. Fizemos algu-

mas pessoas felizes e geramos oportunidade de tra-

balho para tantas outras”. O evento tornou-se o maior

do Ceará. “Virou um exemplo para o Brasil, pois se

iniciou a profissionalização das micaretas, reunindo,

inclusive, todos os órgãos dos governos municipal,

estadual e federal do Estado. Essa foi mais uma expe-

riência que me fez olhar a cidade e a sociedade com

outros olhos.”

Ainda como vereador, em 1994, Cid Marconi

concluiu a graduação em Direito, na Universidade de

Fortaleza (Unifor). Com 30 anos e algumas histórias

para contar, ele começou a escrever mais um capítulo

da sua vida.

Marido e paiFoi na faculdade de Direito que Cid conheceu

Joyce. “Amor à primeira vista”, revela. Namoraram por

45 dias e Cid precisou fazer uma viagem. Quando vol-

tou, dez dias depois, tomou uma decisão que mudaria

a vida dos dois: “Eu a pedi em casamento. Somando

o tempo entre namoro e o pedido de casamento, fo-

ram apenas 55 dias. A gente pode até planejar, mas

tudo acontece na hora que tem que acontecer, e Deus

sabe o que faz. Graças a Ele, até hoje estamos bem

casados e temos três filhos maravilhosos”.

Sarah, a filha mais velha do casal, tem 22 anos.

A caçula, Anike, tem 12. Já o único filho homem tem

21 e carrega o nome do pai. “São o sentido da minha

vida. Aprendo muito com cada um. Hoje, posso afir-

mar, com toda certeza, que não existe nada maior e

mais verdadeiro do que o amor dos pais para os filhos.

A gente aprende a amar com os filhos”, conclui.

Sobre a esposa Joyce, Cid afirma: “é namorada,

esposa, companheira, amiga há 23 anos. É quem di-

vide comigo todas as decisões, seja na educação de

nossos filhos ou nos caminhos e desafios profissio-

nais e sociais que preciso enfrentar. Desde que casa-

mos, me incentiva, torce, está sempre ao meu lado. É

exemplo de amor”.

Com a família, em razão das idades e gostos

diferentes, ele escuta de música erudita e MPB até

forró e o funk do momento. Voltou a estudar inglês e a

arriscar algumas notas no violão. No seu tempo livre,

o desembargador federal gosta de praticar esportes e

sair com a família para jantar, ir ao cinema ou teatro.

Sempre preserva suas amizades, hábito adquirido na

infância.

De advogado a desembargador“O Direito não é estático, é dinâmico. Toda hora

Cid Marconi cercado pela família: os pais (dir.),

a esposa e os três filhos

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está se desenvolvendo, de acordo com a sociedade.”

Dessa forma, Cid Marconi define a profissão que es-

colheu para a vida. Começou a advogar gratuitamente

e, em 1995, fundou seu escritório. Fez pós-graduação

em Direito Tributário e Processo Civil e mestrado em

Constitucional. Integrou o Conselho Administrativo Tri-

butário do Estado do Ceará (CONAT-CE) e o Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Ficou seis

anos no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) – dois como

suplente e quatro como titular. “Minhas passagens

por esses órgãos me abriram uma nova perspectiva

e, consequentemente, a vontade de integrar o Poder

Judiciário”, recorda.

Foi quando decidiu tentar uma vaga no Tribunal

de Justiça do Ceará (TJ-CE). “Fui bem votado pela

classe dos advogados e no Conselho [da OAB], mas

não fui indicado para lista tríplice do TJ, infelizmente.

Ou felizmente, porque eu poderia não estar hoje, aqui,

no Tribunal”, diz, satisfeito. Cid Marconi ingressou no

TRF5 em 2015, na vaga destinada à Ordem dos Ad-

vogados do Brasil (OAB) pelo Quinto Constitucional,

previsto no art. 94 da Constituição Federal. “Nesses

dois anos no TRF, tive a oportunidade de visitar todos

os estados da 5ª Região e as respectivas seções judi-

ciárias, assim como o interior dos Estados. Para mim,

está sendo uma experiência muito boa, inclusive de

observar a realidade do nosso País”.

Em abril de 2017, o desembargador federal Cid

Marconi tomou posse como vice-presidente do TRF5.

“A responsabilidade é muito grande, mas me sinto re-

alizado. Meu objetivo é fazer um bom trabalho, tentar

tornar o trâmite dos processos mais célere, o que é

um desafio, dado o volume de processos que esta-

mos recebendo. E também quero adquirir cada vez

mais experiência para poder julgar melhor e devolver

à sociedade o que ela espera, que é a justiça”, com-

pleta.

Justiça que, segundo ele, pode ser um grande

dilema. “São decisões importantes para a vida das

pessoas e existe muita gente dependendo de você.

Isso, às vezes, deixa o julgador um pouco apreensi-

vo”, confessa. “Há casos em que o coração manda de

uma forma, mas a razão e a lei não permitem”. Para

Cid Marconi, o juiz não deve se manter distante da

sociedade. “No momento em que ele se afasta, ele

sai da realidade do cidadão e não vai poder julgar com

humanidade”.

Comprometido em manter a “Justiça Federal de

excelência”, Marconi conta com o apoio da sua fé em

Deus e nas pessoas. Aposta, sobretudo, no poder do

amor e no destino: “Uma coisa em que eu acredito é

que, se você trabalhar duro e fizer tudo com amor, o

resultado será positivo. Você pode até não conseguir

realizar do jeito que sonhou, mas, no fim, era aquilo

que tinha que acontecer. Deixei nas mãos de Deus e

o resultado foi esse. Ele guardou o melhor para mim”,

celebra o desembargador federal.

Na época do Colégio Militar, quando o então estudante integrava a equipe de cavalaria da escola

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Christine Matos e Juliana Rocha

Centros judiciários de solução de conflitos, instalados em toda a Justiça Federal na 5 ª Região, fazem crescer o número de acordos judiciais

Soci

edad

e e

Dire

itos

Conciliação um caminho para a paz

Passar pelo constrangimen-

to de ter seu nome negativado

indevidamente junto aos órgãos

de proteção ao crédito é uma

situação que tira o sossego da

maioria dos brasileiros. O ser-

vidor público José Cavalcante

Neto Dantas foi uma das vítimas

desse tipo de erro. “Eu fiz um

consignado no ano passado, pa-

guei todas as parcelas, descon-

tadas em contracheque, e no

começo deste ano, fui em uma

loja fazer um cartão de crédito

e soube que o banco me nega-

tivou”, revela.

Com a certeza de que havia ocorrido algum erro,

José procurou um advogado, que ajuizou uma ação

na Justiça Federal na Paraíba. Como seu caso tinha

potencial para conciliação, o processo foi redistribuí-

do da vara federal para o Centro Judiciário de Solução

de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), no edifício-sede

da Justiça Federal na Paraíba (JFPB), em João Pes-

soa.

Bastante consciente sobre os objetivos da audi-

ência de conciliação, após ser devidamente orientado

pela equipe de conciliadores do CEJUSC, José ficou

satisfeito em solucionar o problema de forma mais cé-

lere e objetiva. “A existência do Centro de Conciliação

é de suma importância, pois as partes conversam,

entram em um acordo, isso acelera o processo e fica

conveniente para todos. O diálogo é muito valoroso

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audiência conciliatória, firmamos um acordo e o valor

foi ajustado em R$ 12 mil”, comemorou.

Somente com a redução da dívida por meio da

conciliação, João Bosco teve condições de voltar

a ter uma vida financeira normal. “Era uma bola de

neve, um débito que todo dia crescia por causa dos

juros, era uma preocupação muito grande. Hoje me

sinto altamente aliviado, de peito lavado”, afirmou.

Mais de R$ 268 mil de créditos foram recuperados

pela Caixa no mutirão de que João Bosco participou.

De acordo com o coordenador do CEJUSC, juiz federal

Bruno Teixeira de Paiva, a divulgação da campanha

na mídia favoreceu para que muitos clientes da Caixa

pudessem comparecer diretamente à Justiça Federal

para negociação direta e quitação de suas dívidas em

condições mais favoráveis através da conciliação.

A solução célere de conflitos foi ampliada com a

criação de CEJUSCs nas seis seções judiciárias que

estão sob a jurisdição do Tribunal Regional Federal

da 5ª Região – TRF5. Responsável pelo Gabinete de

Conciliação do TRF5, o corregedor do TRF5, desem-

bargador federal Paulo Cordeiro, acredita que o novo

Código de Processo Civil, em vigor desde o dia 18 de

março de 2016, veio para estimular, cada vez mais, a

questão da resolução das demandas por meio da con-

ciliação. “A conciliação é um meio de se solucionarem

os litígios sociais, independente de uma solução au-

toritária, que é aquela alcançada por uma sentença

judicial. Em minha opinião, é um meio alternativo e

eficiente, que o Poder Judiciário deve a cada dia aper-

feiçoar”, ressaltou Paulo Cordeiro.

A Resolução nº 125 do

Conselho Nacional de Jus-

tiça (CNJ), de 29/11/2010,

para o entendimento e evita a espera por uma sen-

tença”, concluiu.

Outra demanda que chegou ao CEJUSC da Pa-

raíba foi a de João Bosco Cavalcanti. Assistindo ao

noticiário da televisão, em João Pessoa, o servidor

público foi informado de que a JFPB estava realizando

um mutirão de audiências de conciliação, com o obje-

tivo de facilitar a renegociação de dívidas em proces-

sos de execução promovidos pela Caixa Econômica

Federal (CEF), como débitos em contratos de pessoas

físicas e jurídicas.

Mesmo sem ter sido intimado, João Bosco pro-

curou o CEJUSC para tentar ser beneficiado com os

descontos, que variavam de 80% a 90%, objetivando

a quitação de sua dívida com aquele banco. Assim,

teve a sua audiência agendada para a semana seguin-

te, ainda dentro do período do mutirão, que ocorreu

entre os dias 10 e 28 de julho de 2017.

A dívida de João Bosco nasceu da facilidade de

apertar uma tecla, ao aderir a um empréstimo ofere-

cido automaticamente pelo banco. “Eu tinha um dé-

bito decorrente de ‘Crédito Pessoal Automático’, no

valor de R$ 24 mil, à época. Com juros e correção

monetária, já acumulava o montante de R$ 51 mil. Na

Os CEJUSCs se tornaram espaços de referência para a solução consensual de conflitos

FOTO: JULIANA ROCHA/JFPB

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Grande entusiasta da conciliação, a juíza federal Nilcéa Maggi acredita que a conciliação é um ganho jurisdicional e social

que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de

tratamento adequado dos conflitos de interesses no

âmbito do Poder Judiciário, tem como premissa que

os órgãos judiciários devem oferecer, além da solução

adjudicada mediante sentença, outros mecanismos de

soluções de controvérsias, em especial os chamados

meios consensuais, como a mediação e a concilia-

ção, bem como prestar atendimento e orientação ao

cidadão. O corregedor-regional é um incentivador dos

CEJUSCs. “Excelente ideia essa de fixar atribuição de

conciliação em cada seção judiciária, sob a coordena-

ção de um juiz e a execução de servidores. É importan-

te porque se inclui nas atividades dos juízes e servido-

res a prática da conciliação”, destacou Paulo Cordeiro.

Quem chega ao CEJUSC instalado no 10º andar

da sede da Justiça Federal em Pernambuco, no bairro

do Jiquiá, no Recife, vai presenciar uma cena corri-

queira: a juíza federal Nilcéa Maggi, titular da 5ª Vara

Federal e responsável pela coordenação da unidade

de conciliação da seccional de Pernambuco, conver-

sando com as partes que estão tentando entrar em

um acordo. Seu objetivo muitas vezes é alcançado,

com as partes conciliando, pondo um ponto final na

demanda que as angustia.

Ao observar a rodada

de conciliação é difícil não se

emocionar com o desabafo

e as lágrimas de quem vê na

conciliação um momento de

paz. “Sou uma grande entu-

siasta da conciliação, pelos

ganhos que ela proporciona.

De início, pode-se falar de

um ganho jurisdicional, pois

a conciliação consegue alterar o trâmite tradicional

de um processo, fugindo da austeridade dos ritos e

dogmas e rompendo com a cultura do litígio. Depois,

a conciliação ganha, por conta de sua idoneidade

em resolver o conflito instalado, sem a necessidade

de uma sentença de mérito. A conciliação encurta

o tempo processual, atendendo, assim, ao princípio

da duração razoável do processo, alçado, hoje, à ca-

tegoria de princípio constitucional”, afirmou Nilcéa

Maggi.

Para a juíza federal, também há um ganho social

com a conciliação, sobretudo nos processos que en-

volvem matéria referente ao Sistema Financeiro de

Habitação (SFH). “Costumo afirmar que a conciliação

acaba, com rapidez e efetividade, o ‘pesadelo’ da casa

própria. A conciliação dá pronta e eficaz tutela nes-

sa área de extremo relevo social, que é a habitação.

Todos sabem existir, nos processos que envolvem o

SFH, um grande complicador, pois são exigidas perí-

cias complexas, com laudos igualmente complexos, o

que faz um processo dessa espécie durar anos e anos

pela tramitação convencional. O complicador maior

não é a fase de conhecimento dessas demandas,

mas a fase de execução,

porque outras perícias e lau-

dos são exigidos, sem, por

fim, resolver o problema do

jurisdicionado. Isso porque

a letra fria do processo não

leva em consideração a real

situação do jurisdicionado.

Mas a conciliação resolve,

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porque as partes entram para a mesa de negociação

com o ânimo de fazer concessões recíprocas, a fim

de resolver, em definitivo, o conflito instalado, o que

não se pode fazer numa sentença e nas atividades da

execução. Quando se está diante do direito da mo-

radia, problema social de grande relevância, o efeito

da conciliação é muito relevante, pois, através dela,

consegue-se, com maior facilidade, uma grande recu-

peração de créditos e são evitados os desgastes eco-

nômicos e psicológicos, que naturalmente decorrem

do processo”, salientou Nilcéa Maggi.

Além de processos que envolvem o SFH, outras

demandas recorrentes são de créditos comerciais

de instituições financeiras e multas aplicadas por

autarquias federais cobradas pela Advocacia Geral

da União/PRF, todas elas com percentual de acordo

elevado.

Os dados do Gabinete de Conciliação do TRF5

apontam para um incremento de acordos por via da

conciliação nas seções judiciárias. No Rio Grande do

Norte, por exemplo, de janeiro a maio/2017, das 262

audiências processuais realizadas, foram homologa-

dos 29 acordos, sendo três extraprocessuais. Das 33

audiências pré-processuais, houve sucesso em 29

delas e 97 acordos extraprocessuais. Em Alagoas (ja-

neiro a junho/2017), das 75 audiências designadas no

mesmo período, foram homologados oito acordos. Na

Paraíba (janeiro a agosto/2017), os números revelam

726 acordos em audiências processuais e 137 nos

Juizados Especiais Federais. Outro número que cha-

ma atenção é o de acordos homologados nos JEFs de

Sergipe: foram 343, de janeiro a maio/2017. Também

no Ceará, os números são positivos: foram homolo-

gados 589 acordos na Vara Federal de Limoeiro do

Norte, de janeiro a maio/2017. Em Pernambuco, de

janeiro a maio, foram celebrados 57 acordos em audi-

ências processuais e 29 em pré-processuais.

Desde março deste ano, o Gabinete de Conciliação do TRF5 conta com a ferramenta “Quero Conciliar”, disponível no site do Tribunal (www.trf5.jus.br). Criado à época em que o desembargador federal Fernando Braga era o corregedor--regional, o canal, “apesar de ainda estar sendo utilizado de forma tímida pelo jurisdicionado, é um importante facilitador das práticas de conciliação”, acredita Paulo Cordeiro. “Por meio do ‘Quero Conciliar’, já foi requerida a realização de au-diência de conciliação em processos que se encontram nes-te TRF5”, informou o corregedor-regional. Ainda de acordo com Paulo Cordeiro, recentemente, a Secretaria Judiciária do TRF5 comunicou à Corregedoria a criação e a disponi-bilização para todas as Seções Judiciárias do ambiente de conciliação pré-processual no Processo Judicial Eletrônico (PJe). A criação da classe “reclamação pré-processual”, configurada conforme tabela de classes do CNJ, permitirá o levantamento de dados estatísticos confiáveis relativos à

Coordenadores Seccionais das Centrais de Conciliação das Seções Judiciárias da 5ª Região:

Alagoas - juiz federal Guilherme Masaiti Hirata YendoCeará - juiz federal Dartanhan Vercingetórix de Araújo e RochaParaíba - juiz federal Bruno Teixeira de PaivaPernambuco - juíza federal Nilcéa Maria Barbosa MaggiRio Grande do Norte - juíza federal Gisele Maria da Silva Araújo LeiteSergipe - juiz federal Jailsom Leandro de Sousa

Meta 3 do CNJ – fomentar o alcance do percentual mínimo de 2% na proporção dos processos conciliados em relação aos distribuídos.

“Estamos envidando esforços com a Caixa Econômica Federal, antes que a instituição financeira ajuíze ações na primeira instância, no sentido de haver uma tentativa de conciliação, por meio da audiência pré-processual”, revelou o desembargador federal Paulo Cordeiro. A prática, que vem evitando o aumento da demanda no Judiciário, vem ganhan-do espaço nas audiências dos CEJUSCs. “Os pré-proces-suais conseguem diminuir a judicialização das demandas, evitando distribuição de processos. Neste caso, resolve-se a situação dos jurisdicionados sem a necessidade de ajuiza-mento de qualquer demanda. Para essa atividade, existe um procedimento que vem sendo adotado no CEJUSC da Seção Judiciária de Pernambuco com muito sucesso e muita pro-cura pelos jurisdicionados”, concluiu Nilcéa Maggi.

“Quero Conciliar”

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Diá

logo

Entre o ano de 2016 e o início de 2017, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5

implantou Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) em

todas as seções judiciárias que compõem a Justiça Federal na 5ª Região – Alagoas, Ceará, Per-

namabuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe –, um investimento que, para além de criar

espaços privilegiados para a busca de soluções de conflitos por meio do diálogo e do consenso,

visa à promoção da cultura de paz. Em razão disso, a Argumento convidou os juízes federais

Marco Bruno de Miranda Clementino, diretor do Foro da Justiça Federal no Rio Grande do Norte

(JFRN), e Bruno Leonardo Câmara Carrá, diretor do Foro da Justiça Federal no Ceará (JFCE),

para debaterem o tema. Em pauta, política de conciliação, mediação, solução consensual de

conflitos, cultura de paz e educação.

InstalaçãoMarco Bruno Miranda – A

conciliação na Justiça Federal no

Rio Grande do Norte (JFRN) co-

meçou pela conciliação da pró-

pria política de conciliação. Então,

“Conciliação

aprendemos fazendo. O que nós acertamos? Primeiro,

acertamos que, na nossa política de tratamento ade-

quado dos conflitos, nem todos os processos iriam

para a conciliação, porque a gente entendia que, pelo

perfil da demanda, alguns processos não comporta-

somos nós”

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pontapé, em termos de conciliação concreta no dia

a dia, foram nos Juizados Especiais Federais [JEFs].

Antigamente, em uma ação de previdência, de uma

aposentadoria rural, a parte perguntava ao procurador

do INSS se ele poderia fazer conciliação, e ele preci-

saria da autorização do procurador-geral para poder

fazer. O Juizado trouxe justamente a possibilidade de

se fazer logo essa conciliação.

Mudança de paradigmaMB – Logo nas primeiras audiências, tivemos

acordos históricos. Por exemplo, com a União, em um

caso envolvendo a Polícia Rodoviária Federal (PRF),

algo que não existia no País. Algumas das iniciativas

do nosso Centro de Conciliação, que é coordenado

pela juíza federal Gisele Leite, terminaram servindo de

modelo, seja para outras seções judiciárias, seja para

a política de conciliação nacional. A conciliação pré-

-processual, que, hoje, é uma iniciativa forte na Pro-

curadoria Federal, em âmbito nacional, foi construída

entre Gisele e o Procurador Federal Murilo Brandão,

que, atualmente, é chefe nacional da cobrança da dí-

vida ativa da Procuradoria Federal. Por conta desse

trabalho, a Advocacia-Geral da União (AGU) na Pro-

curadoria Federal unificou toda a cobrança da dívida

ativa, como forma de estabelecer um padrão de co-

brança no País inteiro e uma política de conciliação

pré-processual. Isso é um trabalho do nosso centro de

conciliação que acabou sendo disseminado.

BC – O nosso primeiro passo foi entender que era

necessária uma mudança de paradigma na visão da

comunidade jurídica. Você tinha um perfil de um juiz

que, por exemplo, gostava mais de sentenciar. Você

vam conciliação. Ou seja, não conseguiríamos, efe-

tivamente, resolver certos tipos de conflitos, porque

alguns conflitos não recomendam uma audiência de

conciliação. Por exemplo, quando se trata de deman-

das repetitivas, entendemos que a conciliação não é

um importante instrumento, porque você atrai deman-

da para que se concilie em juízo. O correto seria iniciar

uma espécie de grande mediação interinstitucional,

de modo a resolver o problema que está atingindo mi-

lhões de pessoas, e não conciliar cada um dos casos

que pode se converter em processos.

Bruno Carrá – Na Seção Judiciária do Ceará

(SJCE), começou a se falar mais fortemente de conci-

liação por se perceber que a gente devia mudar a men-

talidade social, que é uma mentalidade de extrema li-

tigância. No Direito, as disciplinas são só de processo

1, 2, 3, 4... 10. São disciplinas que visam a tornar o

profissional do Direito em um técnico em litigiosida-

de, e não um técnico em tentar realmente solucionar

conflitos. O primeiro passo da gente foi começar uma

série de campanhas, de eventos, para difundir a ideia

de conciliação como algo possível e vantajoso para

ambas as partes. No âmbito do processo no Juizado

Especial Federal, se abriu, historicamente, a possibili-

dade de o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]

fazer grandes acordos. Tem juizado com índices ele-

vados de acordos, cerca de 40% ou até mais. Come-

çamos a focar nisso. É vantajoso para quem é autor, é

vantajoso para quem é réu, tentar chegar a um acordo

que não dependa da solução ditada pelo Poder Ju-

diciário. Isso eu falo da conciliação tradicional, nem

falo da pré-processual, que realmente foi uma fantás-

tica iniciativa do Rio Grande do Norte. Nosso primeiro

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A política de conciliação é a nossa espécie de revolução contra esse fenômeno [da violência], é a nossa reação institucional.Marco Bruno

“ ”

sentencia em cinco minutos e, para poder conciliar,

gastaria 30 minutos. Então, não é só um número, é a

própria mudança de visão de cultura jurídica. O con-

ciliador tem que ter uma visão bem mais ampla, tem

que estar bem mais afinado, com a sensibilidade mais

elevada. Porque, às vezes, é no olhar que ele sente

que a pessoa pode caminhar naquele rumo. Portanto,

a nossa primeira providência foi dar essa capacitação

aos nossos conciliadores, dar essa formação através

de cursos, de oficinas de conciliação. Formar e capaci-

tar conciliadores com a ins-

trumentação necessária, já

que temos um mestrado em

Fortaleza/CE sobre concilia-

ção, que, inclusive, trabalha

junto com a Universidade da

Columbia, nos EUA. Depois,

inspirado no Rio Grande do

Norte, demos um local adequado para a conciliação,

um centro alegre, sem aquela coisa pesada.

MB – Com a coordenação do juiz federal Carlos

Wagner Dias Ferreira, foi criado o programa de media-

ção da JFRN, que foi o primeiro da Justiça Federal de

todo o País, antes mesmo da própria lei de mediação.

Esse projeto funciona dentro do Centro de Concilia-

ção. Em relação à mediação, aproveitamos uma sala

um pouco maior e nessa sala colocamos uma mesa

oval, que serve à mediação. Para a nossa felicidade,

alguns exemplos interessantes já têm surgido desse

projeto de mediação. Recentemente, por exemplo,

numa ação que envolvia problema ambiental, miné-

rio, saiu um acordo magnífico com a participação do

MPF (Ministério Público Federal). No caso específico,

em vez de uma determinação judicial que implicaria

cobrança de multa ou restrição de direitos para a

parte que havia violado e agredido, supostamente, o

meio ambiente, se entendeu que a punição não se-

ria a melhor alternativa. Aí o programa de mediação

conseguiu criar um projeto de educação ambiental

naquela comunidade, pois uma das partes era um

pastor evangélico, uma pessoa influente; a conclusão

foi de que era melhor que ele usasse a sua influência

comunitária para disseminar a educação ambiental

entre as crianças daquela

comunidade.

BC – O que eu acho

muito interessante nessa

política de conciliação é

a gente ver a democrati-

zação se introduzindo no

Poder Judiciário, a implantação da lógica participati-

va nos projetos da Justiça, como se fossem projetos

comuns. Certamente, fortalece o comprometimento

institucional em torno daquilo. Conciliação é assim: se

a gente não tem a fé de que a conciliação somos nós,

resolvendo em uma linha horizontal nossos proble-

mas, não adianta. Eu queria só destacar uma iniciati-

va, embora não tenha sido da Central de Conciliação,

mas que foi muito importante para nós. A juíza federal

Cíntia Brunetta (SJCE), que tem uma atuação muito

forte na área de saúde, conseguiu, a partir dessa ini-

ciativa de mediação, fazer com que os poderes [públi-

cos] dialogassem. Hoje, há um aplicativo que resulta

dessa iniciativa dela, de agendamento e controle de

cirurgias ortopédicas no Estado no Ceará. Depois des-

sa iniciativa, estamos nessa linha de mediação. As-

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A ideia é tentar mudar a visão de que a Justiça só age na imposição, no litígio. Ela, muitas vezes, previne os próprios litígios.Bruno Carrá

“ ”

sinamos um convênio com a Cáritas Diocesana, uma

instituição que tradicionalmente trabalha com pesso-

as em situação de risco etc. Queremos buscar con-

vênios não só com instituições religiosas, mas com

as que tenham essa mesma atuação social. A ideia é

tentar mudar a visão de que a Justiça só age na impo-

sição, no litígio. Ela, muitas vezes, previne os próprios

litígios. Até, sinceramente, chegar a um momento

em que a própria sociedade tenha essa percepção,

o próprio escritório de advocacia vá diretamente ao

Poder Público e este saiba

que tem que conciliar. Es-

tamos, também, com um

projeto de juntar todos os

advogados previdenciários

do Ceará, para que, no

procedimento administra-

tivo lá do INSS, haja cam-

po para o advogado propor solução processual entre

eles. Esse tipo de atitude é a mediação. Com isso,

ganha você, o INSS, pois é um processo a menos, o

advogado, ganha a Justiça, porque pode dar atenção

e se dedicar a outro processo.

Audiências virtuaisMB – A gente já sente resultado prático. Temos

visto muito e, inclusive, incentivando a chamada

e-audiência, que é a possibilidade de cada um fazer

audiência estando no seu lugar de trabalho. Você

nem precisaria da videoconferência em si. Cria-se

uma sala de audiência virtual em um aplicativo e se

realiza a audiência. Algo que não é novidade. Eu to-

mei conhecimento, no doutorado, de que a Austrália,

por exemplo, já fazia isso desde 2007. Por isso que

chamamos aqui de e-audiência, pois lá eles chamam

de e-courtroom. A Caixa [Econômica Federal] op-

tou por entrar nesse projeto. O INSS já tinha optado

também. Nós temos feito grandes acordos através

do sistema de audiência virtual. Rapidamente, cria-

mos centros de conciliações nas demais subseções.

Temos em Mossoró, Ceará-Mirim e Caicó. Desde o

princípio, nós criamos a política de que seria possí-

vel a marcação de audiências por videoconferência,

sem onerar o erário. Temos os aparelhos em Natal/

RN e no interior. Foram

realizados diversos mu-

tirões, além da criação

do sistema Avis, que

é um sistema criado

para gerenciar o centro

de conciliação e que

foi premiado, logo no

primeiro ano de vigência do Centro, com o prêmio

“Conciliar é Legal”, do Conselho Nacional de Justiça

(CNJ).

BC – A gente tem investido pesado para favo-

recer a audiência por videoconferência, ou por am-

biente virtual, inclusive no interior, onde nós temos

dois centros, um em Juazeiro do Norte e outro, em

Limoeiro do Norte. O de Sobral deve abrir em breve.

Vale salientar que foi uma iniciativa de Rogério Fialho

[então presidente do TRF5]. Na gestão passada, ele

nos ajudou muito a disseminar para o interior a conci-

liação, porque a gente fala de conciliação, mas existia

apenas nas capitais e, agora, chegamos ao interior.

Algo interessante e que precisa ser reconhecida é a

administração do Tribunal, porque, a princípio, quando

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se trata de algo novo, poderia haver alguma resistên-

cia da administração do Tribunal e, pelo contrário, a

gente recebeu estímulos. Tanto que o próprio desem-

bargador Rogério, quando criou o Comitê de Gestão

Estratégica do Tribunal, escolheu os diretores de Foro

para a composição desse Comitê, a partir daqueles

que tinham sido os primeiros a implantar os CEJUSCs

em suas seções judiciárias. Isso é uma sinalização

inequívoca de que o Tribunal apoia e reconhece a ini-

ciativa.

MB – Convém lembrar uma iniciativa importan-

tíssima, que foi a instalação de brinquedotecas [nos

CEJUSCs]. Isso se multiplicou pelo Estado afora. Nos

preocupávamos com a quantidade de crianças cada

vez maior nos fóruns, cujos pais não tinham com

quem deixá-las quando iam à Justiça, e a gente não

oferecia nenhuma alternativa de conforto a essas

crianças. Por isso, foram instaladas as brinquedote-

cas. Isso começou especificamente em Natal, mas

resolvemos colocar brinquedotecas, também, nos

outros centros de conciliação. Se o nosso objetivo é

formar gerações de pessoas que acreditam na nego-

ciação, a gente tem que colocar as crianças dentro do

ambiente propício para que eles, de alguma forma, já

entrem no processo formativo sob a lógica da cultura

de paz. Para a minha alegria, fiz um curso recente-

mente, em Brasília, de gestão e inovação e eu termi-

nei contando essa iniciativa, porque foi apresentado

um case norte-americano que envolvia crianças numa

brinquedoteca. Recebi um email dessa professora, a

quem contei a iniciativa pedindo que o case seja usa-

do como referência curricular das aulas de gestão em

Harvard.

Litigiosidade BC – Outra iniciativa que temos no Ceará é o

fórum interinstitucional em matéria previdenciária. O

legal é que isso previne tanta coisa! Exemplo de uma

situação: os advogados identificaram que os quesitos

das perícias judiciais não colocaram umas perguntas

que seriam importantes para eles, para a concessão

do auxílio-acidente, num caso que se consolidou em

uma lesão. Não tinha nos laudos, mas a gente conver-

sa com um colega e questiona: “será que nos laudos

não existe uma pergunta assim?”. Porque se aprovei-

ta para já conceder o benefício. É uma situação que

instrumentaliza a possibilidade de realizar uma conci-

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liação no curso do processo, por meio de um fórum

que permite uma mediação entre os atores desse

processo de julgamento: a Justiça, os advogados e

o INSS. Isso é fundamental para mudar a cultura de

litigiosidade. Estamos fazendo nossa parte, estamos

caminhando em passos, até expressivos, para mudar

essa cultura, mas é preciso, nesse processo, a gente

engajar toda a sociedade. Esses fóruns, o previdenci-

ário e o interinstitucional, promovem a igualdade en-

tre as instituições. Não é a Justiça que tem mais voz,

cada instituição tem um voto, cada instituição tem

a mesma voz. Isso permite uma visão democrática.

Tudo isso torna o Poder Judiciário mais próximo da

população, já que se preocupa efetivamente em re-

solver conflitos e não ditar a solução de litígios. Num

País como o nosso, que é imenso e tem grandes de-

sigualdades, têm-se grandes fatores de litigiosidade.

A gente tentar adiantar isso e não promover litigio-

sidade, tentar conciliar e gerar uma cultura de paz,

socialmente de harmonia, é o caminho que temos que

trilhar nos próximos anos.

MB – O Brasil é, hoje, o País com o maior índice

de litigiosidade judiciária. Há mais de 150 milhões de

processos. Não é normal que se mantenha um sis-

tema judiciário nesse formato, estimulando que as

pessoas litiguem. Quando a gente vê, por exemplo, a

violência se acentuando no País, na verdade, o nosso

padrão de litigiosidade é um indicativo do nível de vio-

lência da nossa sociedade. São estímulos que o pró-

prio sistema jurídico oferece à violência, em um sen-

tido mais amplo. Então, essa política de conciliação é

a nossa espécie de revolução contra esse fenômeno,

é a nossa reação institucional. É importante a gente

perceber que ela tem sido criativa, impulsionada pela

conciliação, e criado outras tipologias de índole nego-

ciativa, como foi o caso da negociação e do fórum ins-

titucional previdenciário. Se nós não iniciarmos essa

reação, eu penso que teremos problemas ainda mais

graves no futuro. Acredito que só vamos mobilizar a

sociedade de verdade a partir do ensino, começan-

do pelo ensino jurídico e, nesse sentido, teremos que

consolidar essa política.

Os juízes federais Bruno Carrá (esq.) e Marco Bruno Miranda conversaram sobre conciliação durante o III Fonacom - Fórum Nacional Conciliação e Mediação, realizado em agosto deste ano, em João Pessoa

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Alessandro Vieira

Cap

a

A judicialização da saúde no banco dos réusUm medicamento de alto custo, um transplante no exterior, uma prótese vital. Nos últimos anos, a Justiça tem se tornado a última al-ternativa de pacientes que necessitam de receitas e procedimentos médicos, mas não os conseguem pelas vias comuns

Weverton Fagner Gomes, 20,

retornou ao Brasil em junho des-

te ano, depois de quase dois anos

em tratamento no Hospital Jackson

Memorial Medical, em Miami, nos

Estados Unidos, onde foi submeti-

do a uma cirurgia de transplante de

intestino. No Aeroporto dos Gua-

rarapes, no Recife-PE, foi recebido

pelos amigos e familiares com abraços e lágrimas.

O transplante do estudante foi feito depois que a

Justiça Federal em Pernambuco autorizou o procedi-

mento, considerando o alto custo da cirurgia, quase

R$ 4 milhões, que não podiam ser pagos pela família.

De acordo com a decisão liminar, o Governo Federal

deveria custear todo o tratamento, inclusive as despe-

sas dos pais com passagens, moradia e alimentação

durante todo o período em que o jovem precisasse

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ficar no exterior.

A Advo-

cacia-Geral da

União (AGU) in-

gressou, então, com

um recurso de agravo de instrumen-

to no Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5.

A primeira alegação foi de que a União não deveria

pagar o transplante de intestino nos Estados Unidos,

porque não era um procedimento previsto na lista do

Sistema Único de Saúde (SUS) e existem hospitais

no Brasil que já realizam esse tipo de transplante. Em

seguida, a AGU solicitou que Weverton fosse avalia-

do por uma equipe de especialistas no Brasil, mas o

pedido também foi indeferido.

A advogada da União Karla Dantas, que atuou no

caso, conta que foi pedido, ainda, que o Estado de

Pernambuco e o município de Vitória de Santo Antão

fossem incluídos no polo passivo da demanda, já que

o argumento é que existia um erro médico na condu-

ção de outro problema de saúde do paciente.

“Esses argumentos da União, infelizmente, não

foram acatados, mas o TRF5 acatou parcialmente. A

família tinha feito uma campanha para arrecadar di-

nheiro para custear esse tratamento antes de entrar

com essa ação em juízo. Então, a gente pediu que

fosse solicitado o extrato dessa conta, que passava

dos R$ 500 mil, e o TRF entendeu que as despesas

dos familiares deveriam ser arcadas com o valor da

campanha”, conta Karla Dantas.

Mesmo com o retorno de Weverton e o fim dos

gastos, a União recorreu ao Supremo Tribunal Fede-

ral (STF). “Nós questionamos nesse recurso a obri-

gatoriedade de custear tratamentos no exterior e a

solidariedade desse procedimento com o Estado e o

município”, ressalta.

O argumento levantado nesse processo tem

gerado polêmica, tanto entre os entes da Federação

quanto entre aqueles que esperam pela realização de

um procedimento na área da saúde: a judicialização

da saúde fura a fila do SUS. “A vida não tem preço,

mas a gente defende a universalidade do SUS e é

preciso fazer escolhas. Escolhas que são baseadas

em protocolos clínicos, na medicina em evidência,

na medicação que tenha o melhor custo e o melhor

benefício, para que a maior parte da população possa

ser atendida”, avalia Karla Dantas.

Com acompanhamento médico constante, o au-

ditor David Nilo da Silva, 35, teve a mesma indicação

médica de Weverton. David se alimenta com ajuda

de uma sonda, apenas de líquidos claros, nada de co-

mida. A rotina da família, que era acostumada com o

passar rápido das horas do cotidiano, se transformou

de forma brusca nos últimos meses.

O jovem Weverton Gomes conseguiu realizar um transplante de intestino nos Estados Unidos após a autorização para o procedimento ser concedida pela Justiça Federal em Pernambuco

FOTO: FACEBOOK/FORCAWEVERTON

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David Nilo também pleiteia na Justiça Federal um transplante de intestino nos Estados Unidos. Até o fechamento desta edição, ele aguardava avaliação médica feita por especialistas credenciados ao Ministério da Saúde, determinada pelo TRF5

“No dia 21 de junho deste ano, eu senti uma dor

no estômago. A dor foi aumentando, aumentando e

ficou insuportável. Eu fui direto para o hospital, tomei

várias doses de morfina, e as dores não passavam de

jeito nenhum. Foram feitos vários exames e no último

foi visto que meu intestino tinha necrosado”, conta

David.

Os médicos suspeitam de que o órgão necrosou

em razão de uma cirurgia bariátrica que o auditor fez,

há três anos. De acordo com ele, se trata de um caso

raro que intrigou especialistas. “Com isso, foi feita

uma cirurgia e foi retirado todo o meu intestino del-

gado e parte do grosso, para salvar a minha vida.”,

relembra.

Mas os momentos de dor ainda não haviam aca-

bado. A família foi informada de que era preciso fazer

um transplante de intestino. “É aconselhável que seja

feito no Hospital Jackson Memorial Medical (EUA),

pela taxa de êxito. Aqui no Brasil, dados reais mos-

tram que foram feitos seis vezes em São Paulo, quatro

por um hospital e dois, por outro. Todos os pacientes

só tiveram uma sobrevida de seis meses após o trans-

plante. Em Miami, a taxa de êxito é de 100%.”, afirma

o auditor.

E foi com essa justificativa que David decidiu en-

trar na Justiça Federal e requerer que a União cus-

teie o transplante de intestino e todo o tratamento

no hospital norte-americano. Na 12ª Vara da Justiça

Federal em Pernambuco (JFPE), a resposta para David

foi positiva. De acordo com a decisão do juiz federal

Augusto Cesar de Carvalho Leal, a União teria que

providenciar o custeio integral de todas as despesas

médicas e hospitalares, como nutrição, medicamen-

tos, instalação e alojamento durante o tempo que for

recomendado pelo Jackson Memorial Medical como

necessário. No entanto, a União recorreu ao Tribunal

Regional Federal da 5ª Região, que deferiu a liminar.

No entendimento do desembargador federal Élio Si-

queira, relator do agravo de instrumento, é necessário

que David primeiro passe por avaliação médica feita

por uma equipe especializada em transplante e cre-

denciada ao Ministério da Saúde. A autorização do

procedimento dependerá, portanto, do resultado des-

sa avaliação.

Última portaO Judiciário tem se tornado a última alternativa

para quem quer conseguir um medicamento que não

consta na lista da Agência Nacional de Saúde (Anvi-

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Para a advogada da União Karla Dantas, a judicialização da saúde prejudica a universalidade do SUS

sa), uma cirurgia que foi negada pelo SUS, um exa-

me ou um tratamento. Não à toa, a judicialização da

saúde cresce em ritmo acelerado. Segundo dados do

Ministério da Saúde, até 2016, o número de ações

judiciais envolvendo exames e medicamentos prati-

camente dobrou em alguns estados.

Foi pela via judicial que o caminhoneiro Pedro

Gonçalves, 38, conseguiu o medicamento de que pre-

cisava, Velcade, para tratar um tipo de câncer, cha-

mado mieloma múltiplo. O remédio custa cerca de R$

2 mil. A doença ainda não tem cura, mas o medica-

mento garante sobrevida ao paciente. “Começou com

uma dor na coluna na região lombar. Como eu sou

caminheiro, aí tomava um comprimidozinho, uma coi-

sa e outra, e ia melhorando. Depois, voltava de novo e

eu não dava muita importância, pensando que era só

motivo de trabalho. Chegou a um ponto que eu fiquei

sem andar, sem me mexer”, recorda.

Micelene Monteiro seguiu o mesmo caminho de

Pedro para conseguir o Elaprase, medicamento indi-

cado para tratar seu filho, Deyvison, 13, portador de

uma doença rara, a síndrome de Hunter. “Ele era um

menino molinho e tinha os dedos atrofiados. Não ti-

nha força. A cabeça maior do que o corpo. Tinha difi-

culdades para correr, se engasgava. Eu sabia que ele

tava com um problema. Ele fez todos os exames e

descobriu que tinha mucopolissacaridose estomato-

logista”, conta a mãe do garoto.

A maioria dos gastos com decisões da Justiça é

com medicações de alto custo para doenças genéti-

cas. Na lista dos dez medicamentos mais judicializa-

dos no ano passado, oito não possuem tratamento

correspondente no SUS, ou seja, a via judicial é a

única opção para tratar doenças raras e adquirir re-

médios de alto custo. De acordo com o Ministério da

Saúde, em sete anos, foram destinados pela União

R$ 4,5 bilhões para atender a determinações judiciais

de compra de medicamentos, além de depósitos judi-

ciais. Isso significa um aumento nas contas públicas

de 1.010%, entre 2010 e 2016. A perspectiva é de

que o gasto com determinações judiciais, em 2017,

chegue a R$ 7 bilhões.

Para a defensora pública da União Maíra de

Carvalho, que atuou no caso de Deyvison, garantir a

saúde é um dever dos entes da federação. “A gente

entende que garantir a saúde, um tratamento adequa-

do às pessoas, quer seja para a cura, manutenção ou

melhora da qualidade de vida, é essencial. Esse é um

dever do Estado, previsto na Constituição”, explica a

defensora.

Na fila do SUSUma decisão da Justiça Federal no Rio Grande do

Norte (JFRN) também deu novo fôlego a José Dias,

67. Morador da cidade de Santo Antônio-RN, o apo-

sentado sobrevive, há 13 anos, com um problema de

coração que o impede de fazer atividades simples. “É

uma dor, um cansaço... Vou daqui para a cozinha e

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O juiz federal Clenio Schulze acredita que os casos devem ser analisados à luz do princípio da isonomia, para que interesses individuais não se sobreponham aos coletivos

eu canso. Eu não posso nem caminhar, que canso”,

desabafou o aposentado.

José Dias precisava de uma prótese valvar, que

substitui as válvulas nativas do coração. O SUS até

oferece uma, mas a peça tem vida útil de oito anos.

Por conta da idade do paciente, o médico indicou uma

que dura 20 anos.

O pedido acabou sendo negado e a família pro-

cirurgia em que o custo inicial seja maior, mas que

não haja necessidade de outras cirurgias?”, ponderou

o magistrado.

Mas como evitar que o interesse individual se

sobreponha ao coletivo? Para o juiz federal Clenio Jair

Schulze, lotado na Subseção Judiciária de Brusque

(SC), mestre em Ciência Jurídica e que já foi juiz auxi-

liar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esse pon-

to é a principal discussão da judicialização da saúde.

“É sabido que muitos medicamentos obtidos na via

judicial não serão fornecidos a outros cidadãos com

a mesma patologia que não acessarem o Judiciário.

Assim, haveria duas portas do SUS, uma com atendi-

mento pleno – àqueles que ingressaram judicialmen-

te, e outra porta, que é aquela da via administrativa,

e que não vai entregar o medicamento prescrito”,

explica.

De acordo com o magistrado, cabe ao Judiciá-

rio também avaliar os casos à luz do princípio da iso-

nomia, sob pena de resolver o problema de algumas

pessoas, mas não proteger toda a coletividade. “Por

isso é necessário ampliar as ações judiciais coletivas

e estruturais e reduzir as ações individuais”, afirma.

Outro ponto que provoca polêmica, destaca

Schulze, é como o juiz pode escolher quem terá aces-

so a determinado tratamento. Segundo o juiz federal,

existem muitas questões que são específicas do sis-

tema de saúde, e os juízes, defensores, advogados,

promotores, não possuem o conhecimento técnico

sobre a área médica e farmacêutica. “É importante a

aproximação entre o sistema de Justiça e o sistema

de Saúde para facilitar o fluxo de informações, escla-

recimentos e também o cumprimento das decisões

judiciais. O magistrado pode, por exemplo, antes de

curou a Defensoria Pública da União. O caso chegou

à Justiça Federal, que determinou o fornecimento da

prótese e a realização da cirurgia. Para o juiz federal

Carlos Wagner Dias Ferreira, o caso chama atenção

porque apresenta peculiaridades. “Se o SUS fosse

fornecer aquela prótese, ele muito possivelmente te-

ria que se submeter a outra ou outras intervenções

cirúrgicas, com a idade extremamente mais avan-

çada, e, naturalmente, com um risco cirúrgico mui-

to elevado. Será que é melhor a realização de várias

cirurgias, com um custo maior no final, ou uma única

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decidir sobre um pedido de internação na UTI, solici-

tar esclarecimentos ou até mesmo telefonar para o

diretor do hospital ou regulador para obter informa-

ções sobre a situação dos leitos. O mesmo se dá em

outros casos graves e urgentes”, sugere.

Schulze afirma, ainda, que os juízes não podem

decidir apenas com base na ciência jurídica e na teo-

ria do Direito. “É preciso que haja no processo judicial

evidências científicas sobre a eficácia, a efetividade,

a segurança e, acima de tudo, de sucesso – resul-

tado útil – do tratamento postulado na via judicial”,

ressalta.

Polêmica em pautaEntre laudos médicos, pedidos de medicamentos

e procedimentos cirúrgicos, os magistrados seguem

enfrentando desafios na hora de bater o martelo em

questões que envolvem demandas de saúde. Mas,

afinal de contas, como devem decidir os magistrados

em procedimentos na área de saúde? A questão virou

tema de um seminário que foi realizado no Tribunal

Regional Federal da 5ª Região – TRF5.

O evento, promovido pela Escola de Magistratu-

ra Federal da 5ª Região (Esmafe), em parceria com

a Escola da Advocacia-Geral da União, foi realizado

nos dias 19 e 20 de setembro deste ano. Na

plateia, magistrados, médicos,

advogados públicos, servi-

dores da AGU e do Po-

der Judiciário. Todos

atentos a uma lide

que tem muitas par-

tes e cerca de 1,3

milhão de processos,

de acordo com o Relatório Justiça em Números 2017

(ano-base 2016), produzido pelo Conselho Nacional

de Justiça.

Os juízes federais Jorge André Mendonça (JFPE)

e Francisco Glauber Alves (JFRN) abordaram os cri-

térios que devem ser levados em consideração nas

decisões, como dados do Sistema Único de Saúde

(SUS), informações técnicas e prova pericial.

Jorge André afirmou que, em muitos casos, as

perícias médicas revelam improcedências, destacan-

do a importância das informações técnicas, a prova

pericial e os aspectos procedimentais. Já Francisco

Glauber Alves acredita que a petição inicial deve ser

composta de subsídios específicos, para a melhor

instrução de causas “tão sensíveis”. Ele afirmou que

na Justiça Federal no Rio Grande do Norte (JFRN) os

magistrados seguem um roteiro decisório baseado

em questionário, no qual devem constar documentos

que provem a ineficácia do tratamento oferecido pelo

SUS.

Os desafios e reflexos da judicialização da saúde

são muitos. Renato Dresch, desembargador do Tribu-

nal de Justiça de Minas Gerais – TJMG e membro do

Comitê Executivo Nacional da Saúde do CNJ, acredita

que é preciso ter parâmetros decisórios. “Precisamos

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Em setembro deste ano, magistrados, médicos, procuradores e advogados públicos se reuniram no TRF5, durante o seminário Judicialização da Saúde no Brasil, para debater o tema

criar meios de apoio técnico ao magistrado, que tem

dificuldade de entender a técnica médica, a demanda

de saúde. É preciso saber o que a gestão oferece, os

medicamentos, se é eficaz. Essa é a principal dúvida.

A dúvida do magistrado não é jurídica; é técnica e é

preciso ter apoio”.

De acordo com Dresch, de dezembro de 2016 a

agosto deste ano, houve um aumento de 10,73% no

número de novas ações no TJMG, referentes a deman-

das na área de saúde pública, o que representa 3.116

processos. Entre as medidas adotadas, foi firmado um

Termo de Cooperação Técnica entre o TJMG e o Co-

mitê de Saúde para instituir câmaras de conciliação

e de apoio técnico em todo o estado. Além disso, o

TJMG mantém um banco de dados com informações

acessíveis para o público interessado, como parece-

res, notas e respostas técnicas.

Em sua fala, o diretor da Esmafe, desembargador

federal Edilson Nobre, afirmou que é preciso se pre-

ocupar com o controle judicial em áreas técnicas, a

exemplo da medicina. “Eu acho que o juiz deve saber

aplicar a lei com sabedoria. Sou um crítico da judiciali-

zação em diversas áreas. Nós temos que deixar que a

administração execute a política pública. Precisamos

repensar a atuação do Judiciário. O Governo precisa

estabelecer políticas públicas para garantir saúde à

sociedade”, enfatizou.

O desembargador federal Rubens Canuto (TRF5)

falou sobre as dificuldades no momento de decidir

demandas na área de saúde. “O juiz, assim como os

operadores do Direito, de um modo geral, não estão

preparados para decidir questões de ordem técnica.

Nós, no processo judicial, somos, praticamente, re-

féns do que nos dizem os especialistas na área, seja

o Ministério da Saúde, ao dar subsídios para a defesa

a ser apresentada pela União em Juízo, sejam os pe-

ritos judiciais ou os médicos assistentes das partes,

que emitem laudos e atestados para subsidiar seus

pleitos judiciais ou administrativos. É muito difícil para

qualquer profissional do Direito - que não tem conhe-

cimento e não precisa ter, para isso existe o perito

- deliberar contra atestados, requisições ou laudos

médicos que sinalizam para a adequação e eficácia de

determinado tratamento médico”, destacou Canuto.

Rubens Canuto salientou, ainda, que cada caso

é um caso, a ser analisado individualmente. “Eu me

preocupo em analisar cada caso concreto, porque

cada demanda de fornecimento de medicamento é

um caso diferente e merece análise específica. Em

cada um deles eu faço uma análise ponderada dos

bens jurídicos em disputa e, constatando que naquele

caso concreto deve prevalecer o direito à vida e há

uma determinação de fornecimento de medicamento

não constante na relação do SUS, eu concedo”.

Se de um lado estão os magistrados,

do outro, os advogados da União, que apon-

tam para os riscos da intervenção judicial

nas políticas públicas O advogado da União

José Salvador mostrou números de uma

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Em razão dos mais de 1,3 milhões de processos que tratam de questões de saúde, os tribunais superiores já estão definindo parâmetros para as decisões tomadas pelas primeira e segunda instâncias

pesquisa de 2013, realizada pelo

IBGE com 80 mil famílias, além de

dados atualizados, incluindo números de internações

e atendimentos laboratoriais realizados pelo Sistema

Único de Saúde. Ele ressaltou que o operador do di-

reito não tem ideia do prejuízo que o deslocamento

de recursos da saúde para atender casos particulares

pode provocar aos mais necessitados. “Existem pes-

soas morrendo por causa da judicialização da saúde,

justamente por conta desse deslocamento para aten-

der casos individualizados. Quem mais perde com

essa história são as pessoas mais carentes”, comen-

tou.

Já a advogada da União Flávia Lima apresentou

dados que indicam que o Ministério da Saúde gas-

tou, nos últimos sete anos, mais de R$ 4 bilhões

para cumprir determinações judiciais, como compra

de medicamentos, realização de tratamentos, entre

outros. E, finalizando o seminário, a procuradora do

Estado de Pernambuco, Catarina Ribeiro, citou núme-

ros referentes aos gastos do Estado com a saúde. “Só

em 2015, o estado de Pernambuco gastou R$ 120 mi-

lhões com a judicialização, enquanto o investimento

na assistência farmacêutica atingiu o valor de R$ 39

milhões”, concluiu, sugerindo que é preciso observar

a razoabilidade nas decisões.

Em busca da JurisprudênciaEm razão do embate entre os poderes públicos

constituídos, os tribunais superiores estão sendo obri-

gados a criar padrões para as decisões tomadas nas

primeira e segunda instâncias. O Supremo Tribunal Fe-

deral (STF) iniciou, em 2016, um julgamento de dois

processos que podem alterar a posição da Corte sobre

dois temas correlatos: fornecimento de medicamen-

tos de alto custo (alta complexidade) e fornecimento

de medicamentos sem registro na Anvisa. Trata-se

dos Recursos Extraordinários 566471 e 657718. Ain-

da não há data para a conclusão do julgamento. Até o

momento, três dos 11 ministros votaram.

Relator do processo, o ministro Marco Aurélio

Mello votou a favor do pagamento dos remédios de

alto custo, mesmo se não estiverem disponíveis na lis-

ta do SUS para os casos em que o paciente ou a famí-

lia não tiverem condições de arcar com as despesas.

Também votou a favor de remédios não registrados

na Anvisa, quando eles tiverem eficácia comprovada,

mas forem registrados em outros países, contanto

que não haja substitutos disponíveis no Brasil.

O ministro Luis Roberto Barroso votou a favor da

concessão de remédios de alto custo que estejam

na lista do SUS, mas alguns requisitos precisam ser

provados pelo paciente e a família, como não ter con-

dições de arcar com as despesas e a inexistência de

terapia substituta oferecida pelo SUS. Barroso votou

contra o fornecimento de remédios sem registro. Já

o ministro Edson Fachin votou a favor do fornecimen-

to de remédios de alto custo que estejam na lista

do SUS. De acordo com a avaliação dele, o Estado

também pode suprir medicamentos que não estejam

nessa lista. O ministro votou de forma contrária à

concessão pelo Estado de remédios sem registro na

Anvisa.

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Ilha de DeusFotos: Roberta Mariz

Texto: Alessandro Vieira

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Eu sou a terra. Eu sou o chão. O lavrador de todos os dias e a mãe daqueles que em

mim habitam. Sou ilha, eu sou de Deus. Em minhas correntes brotam as águas doces que me cercam. Me vejo em um

manguezal inteiro que se faz flor. Raízes, veias que percorrem cada parte de mim.

Rios que me banham.

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Pina, Jordão e Tejipió. Reduto dos sururus, siris, caranguejos e camarões. Da lama te ofereço o alimento desta e das gerações que hão de vir. Eu sou a terra. Eu sou o chão.

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É aqui que vive e não te peço nada em troca. Apenas que cuide de mim e daqueles que me cercam. Meu mato, meus peixes, meus bichos e dessa terra. Eu sou o chão.

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Eu te vejo despertar todos os dias. Te percebo sair depois do café preto. A lua mal se deitou e você já está lá. Os pés descalços no chão. Na terra, nem sempre firme.

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Te vejo, te sinto e te percebo. E a cada momento me acaricia com as mãos e pés. Te presenteio com os filhos do meu mangue. Das minhas entranhas. Me traz de volta o sorriso de menino ao encontrar o caranguejo que te entrego entre os dedos.

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Homem da terra e mulher do chão. Vidas que se cruzam nesse mangue. Vi cada engatinhar e cada passo está marcado na história dos meus dias. Eu sou a terra. Eu sou o chão. Sou a vida. Sou a ilha que te alimenta. Que te acolhe e te encanta. Eu sou um pedaço de Deus.

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Cinthia Carvalho

Numa manhã como outra qual-

quer, de trabalho intenso, Josenildo

conduz seu caminhão vermelho,

cortando o município de Ouricuri,

no Sertão de Pernambuco. O mo-

torista dirige com atenção e certa

apreensão: a licença do tacógrafo,

equipamento obrigatório, está ven-

cida. Ao passar no posto da Polícia

Rodoviária Federal (PRF) daquela

cidade, ele é parado numa blitz. O

agente Alencar faz a vistoria, leva

Na contramão da corrupção

Josenildo à unidade, onde eles permanecem por al-

guns minutos. Depois, o caminhoneiro é liberado sem

autuação e segue seu destino. Logo mais à frente da

rodovia, a surpresa: outra blitz e uma nova inspeção.

Os policiais questionaram e Josenildo acabou confes-

sando: sob ameaça de ter seus documentos apreen-

didos, ele teve que repassar os R$ 50 exigidos pelo

agente Alencar.

Josenildo e Alencar não são personagens fictí-

cios e histórias como essa são comuns nas rodovias

federais brasileiras. O flagrante foi feito em junho des-

te ano, após a Corregedoria Regional da Polícia Ro-

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ia

Operações policiais aliadas à repressão da própria sociedade podem ajudar a inibir as práticas corruptas de agentes públicos e motoristas nas estradas brasileiras

FOTO: ELISSA URQUIZA/COMUNICAÇÃO PRF-PE

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e documentos que foram encontrados em seu poder,

apontando para a prática de diversas outras fraudes.

“A prisão preventiva se encontra alicerçada em razo-

áveis indícios de autoria e materialidade”, concluiu.

Bom sinal Dados da Corregedoria Regional da PRF-PE reve-

lam que condutas como a do policial Alencar estão se

tornando cada vez menos frequentes nas estradas do

Estado. De 2008 a 2010, foram realizadas três gran-

des operações de combate à corrupção destes agen-

tes públicos, resultando em cerca de 40 policiais que

tiveram que responder a processos.

Uma das ações mais importantes foi batizada

de Operação Boa Viagem e contou com a parceria da

Polícia Federal (PF). Nela, foi desarticulada uma qua-

drilha que envolvia empresas e ex-policiais. “Era um

esquema grande e bem articulado. Os empresários

pagavam aos ex-policiais para que os caminhões de

suas empresas pudessem trafegar pelas rodovias ir-

regularmente e sem a devida fiscalização. A operação

teve um ótimo resultado e foi fundamental para inibir

doviária Federal em Pernambuco (PRF-PE) descortinar

um esquema criminoso de recebimento de propina

por parte dos agentes do posto rodoviário de Ouricuri.

No mesmo dia, os corregedores revistaram os perten-

ces do agente suspeito e descobriram notas de R$ 50

e R$ 100 (que totalizavam R$ 500), cartões de Bolsa

Família, cheques e diversos documentos no nome de

terceiros. O policial rodoviário federal foi preso em fla-

grante acusado do crime de concussão, previsto no

artigo 316 do Código Penal.

De acordo com o corregedor regional da PRF-PE,

Alfredo Ferreira, o caminhoneiro teria sido pressiona-

do pelo agente. “Se ele não desse o dinheiro, leva-

ria a multa. O Alencar ainda ameaçou procurar mais

irregularidades no caminhão. Isso é tipificado como

crime de concussão. O delegado entendeu da mesma

forma, então, o caminhoneiro foi considerado vítima

e, por isso, liberado”, afirma. Ainda segundo Ferreira,

havia dois anos que a Corregedoria estava no encalço

do policial.

A defesa do agente Nelson de Oliveira Alencar

Neto entrou com recurso de habeas corpus no Tribu-

nal Regional Federal da 5ª Região - TRF5,

mas teve o pedido negado pela 2ª Turma.

Ao indeferir o pedido liminar para o alva-

rá de soltura, o desembargador federal

convocado Gustavo de Paiva Gadelha

destacou que há elementos indicativos

de que o agente, possivelmente, parti-

cipe de um esquema maior, tendo em

vista a elevada quantidade de objetos

Operações da Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, em parceria com a Polícia Federal, têm

combatido a corrupção nas estradas

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esse tipo de conduta aqui no Estado”, conta o asses-

sor da PF em Pernambuco, Giovani Santoro.

Para o corregedor regional da PRF-PE o saldo

positivo é resultado de um trabalho preventivo e re-

pressivo dos órgãos de fiscalização. “O período de

2008 a 2010 foi considerado o triênio da mudança de

comportamento nas estradas. Após 2010, por exem-

plo, só registramos um caso de corrupção, que foi em

2015, no município de Floresta”, garante Alfredo.

Muito chão pela frenteQuem trafega todos os dias pelas rodovias fede-

rais em Pernambuco notou a diferença. “Eu rodo pelo

Recife e não vejo isso aqui, é zero”, conta o cami-

nhoneiro Sizino Euzébio dos Santos. Mas completa:

“Nas rodovias estaduais ainda acontece. Pedem dez,

vinte ‘conto’. Na última viagem que fiz, me tomaram

cinquenta”.

O motorista Lindemberg Galindo conta que sem-

pre enfrenta problemas nas blitze. “Eles não querem

documento, querem dinheiro. Dez, vinte, trinta reais.

Já tem que ir com o dinheirinho deles pronto. Em

Pernambuco é de boa, tranquilo, mas na Bahia, por

exemplo, está fora de série”, revela.

Para Nivaldo de Paula, que trabalha como agen-

ciador de cargas entre a Paraíba e Alagoas, muitos

agentes se aproveitam das leis para cobrar propina.

“Para que obrigar a andar com farol aceso de dia, por

exemplo? Algumas leis foram criadas com um propó-

sito, mas estão existindo só para tomar o dinheiro da

gente. Tem lombada eletrônica em toda esquina, mas

a estrada está cheia de buracos. Por que a lombada

recolhe dinheiro para o governo e consertar o buraco,

gasta”, critica.

O caminhoneiro Aloísio Luiz Aquino, que costuma

fazer o trajeto Recife - São Paulo, também observou

uma mudança pelas estradas da região. “Aqui no Nor-

deste, pelo que a gente tem visto, a PRF não está pe-

Aloísio Aquino, caminhoneiro, já observa mudanças nas estradas, mas alerta que, em alguns casos, ainda tem que “jogar o jogo”

gando dinheiro. Eles param, conversam e multam, se

estiver errado. Se for caso de apreensão, apreende.

Ultimamente, para ser sincero, não tenho visto nada

de ilegal por aqui. Mas lá para o Sudeste, a gente

ainda tem que jogar o jogo”, avisa.

“Jogar o jogo”, em alguns casos, pode custar

caro para o motorista. Quem aceita a oferta de pro-

pina de agente público (seja policial rodoviário federal

ou até mesmo um guarda de trânsito) também está

cometendo um ato ilícito. O crime de corrupção pas-

siva é configurado pelo simples ato de solicitar ou re-

ceber vantagem indevida, sem que seja necessário a

pessoa atender ao pedido. A pena pode variar de dois

a 12 anos de prisão, mais multa.

Já o ato de oferecer um trocado, um “guaraná”

ou um “lanche” para ser liberado sem autuação con-

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figura como a forma ativa do crime

de corrupção, previsto no artigo

333 do Código Penal. Acontece

quando é sugerida alguma forma

de compensação (dinheiro ou bens)

para que o agente público faça algo

que, dentro de suas funções, não é

permitido. Em outras palavras, su-

bornar o policial. A pena é de dois a

12 anos de prisão, além de multa.

“De maneira simples, quem

oferece a vantagem ilícita é o agen-

te ativo. O destinatário é o passivo. Não há uma cor-

rupção passiva sem que haja um agente que oferte

essa proposta. É uma via de mão dupla. E ambos

estão igualmente sujeitos à aplicação da lei”, afirma

o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em

Pernambuco (OAB-PE), Ronnie Preuss Duarte.

O crime de concussão – no qual o PRF Alencar

foi enquadrado – se assemelha bastante à corrupção

passiva. A diferença é sutil: o agente público não ape-

nas solicita ou recebe a compensação: ele a exige.

De 2008 a 2010, a Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal realizou três grandes operações de combate à corrupção de

agentes públicos

Para o presidente da OAB-PE, Ronnie Preuss Duarte, a cultura da corrupção é possível, sim, de

ser transformada – e vem se transformando. “Essa mudança é evidente em nosso país. Se nós retroagirmos

uma ou duas décadas, vamos, com certeza, constatar que ha-via uma frequência maior dessas pequenas delinquências. As pessoas,

inclusive, contavam vantagens com orgulho na frente das outras. Hoje existe uma repressão social muito maior contra as práticas corruptas. A sociedade não tolera mais”, observa.

O famoso “jeitinho brasileiro”, segundo ele, não deve ser exaltado, e sim, desestimulado: “Afinal, esse é um nome simpático que a gente acostumou, infelizmente, a chamar a prática de um crime de corrupção”.

Jeitinho brasileiro

Deixa de ser apenas uma proposta e se torna uma

imposição. A pena para o crime de concussão varia

de dois a oito anos de prisão, além de multa.

Quem se sentir pressionado por um policial ro-

doviário federal nas estradas deve formalizar uma de-

núncia na Corregedoria da PRF no estado. “Em caso

de uma tentativa de pedido por parte do agente, o

cidadão deve vir à Corregedoria, passar as informa-

ções e confiar que não ficará impune, pois o trabalho

é muito sério”, orienta Alfredo Ferreira.

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

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Just

iça

Dig

ital

Imagine a cena: um cachor-

ro com a pata no rosto da dona,

como se estivesse impedindo-a

de falar. Agora, imagine a cena

acompanhada da seguinte legen-

da: “Quando o réu não quer que

a sua testemunha diga mais nada,

pois já o prejudicou o suficiente”.

Assim é o perfil administrado pela

juíza federal Carolina Malta, da

36ª Vara Federal de Pernambuco,

na rede social Twitter. Em até 140

caracteres, ela faz postagens quase que diárias sobre

Direito Penal, usando vídeos, GIFS e fotos de animais

em situações engraçadas e inusitadas. A fórmula deu

tão certo que ela já contabiliza mais de 20 mil segui-

dores e um destacado reconhecimento na rede e fora

dela.

O formato impessoal, informativo e objetivo das

publicações do Twitter foi o que atraiu a juíza federal a

utilizar o microblog com mais frequência. “Comecei a

usar as redes sociais há muitos anos, desde o Orkut.

Cheguei a usar com frequência, também, o Facebook

e o Instagram, mas, atualmente, sobretudo após as-

Caiu na rede...é magistrado!

Denise Resende, Juliana Aguiar e Thaís Câmara

Eles ‘criaram seus websistes’, ‘fizeram suas homepages’. E mais que conquistar seguidores e likes, magistrados influenciam pessoas e lançam tendências nas redes sociais

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sumir a titularidade de uma Vara Criminal, prefiro utili-

zar o Twitter”, explica Carolina Malta.

A conta foi criada há cinco anos para divulgar

o site da magistrada, o Rehab Jurídico, no qual ela

publicava textos jurídicos e motivacionais para quem

se interessava em fazer concursos para magistratu-

ra. Contudo, quando passou a atuar com processos

criminais há três anos, a juíza se deparou com um

ambiente mais pesado e uma realidade mais dura.

No Twitter, ela encontrou uma forma de tratar dos as-

Usando imagens de animais

para falar sobre Direito Penal, posts da juíza

federal Carolina Malta caíram no gosto popular e viralizaram nas

redes sociais

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suntos do Direito Penal e

Processual Penal de ma-

neira instrutiva e bem

humorada. “Era uma for-

ma de falar de situações

reais, inclusive fatos

engraçados do cotidia-

no forense, sem agredir

pessoas. As informa-

ções e associações são

transmitidas de forma

sutil, sem proporcionar

ofensas e sem qualquer

associação com os ca-

sos concretos que julgo

e analiso”, afirma.

Quem pensa que a juíza elabora previamente o

conteúdo dos tweets está enganado. O procedimento

é bem simples. Os vídeos e fotos de animais são reti-

rados das páginas de humor e de animais que a ma-

gistrada segue e ficam guardados até que surja uma

oportunidade – e uma legenda legal - para postá-los.

“É apenas uma forma bem humorada de demonstrar

que os exemplos jurídicos estão no mundo, em toda

parte, e que os estudantes/operadores do Direito po-

dem identificá-los o tempo inteiro, aprendendo e se

divertindo com isso”, conta.

A interação com os seguidores é parte importan-

te no alcance das publicações, afirma Carolina, que

faz questão de conversar e responder às mensagens

enviadas, criando um vínculo com o público, além

de atrair novos seguidores. “No geral, as pessoas

acabam achando didático e seguindo o perfil, numa

proporção muito maior do que eu esperava quando

comecei, e eu me divirto mui-

to com os seguidores, que

também me marcam em vá-

rios outros vídeos e fotos. Eu

percebo que as pessoas tam-

bém descobriram que o Direi-

to pode ser leve e divertido”.

Entre os seguidores do perfil,

há ministros do Superior Tri-

bunal de Justiça (STJ), pro-

curadores da República, de-

sembargadores, promotores,

defensores públicos, advoga-

dos, professores de Direito,

juízes, estudantes de Direito e

pessoas que nunca pensaram

em seguir carreira jurídica.

A estudante de Direito da Universidade Federal

de Pernambuco, Gabriela Borella, foi uma das pesso-

as atingidas pelas postagens da juíza Carolina Malta.

“Conheci a Dra. Carolina através de um colega da sala.

Desde então comecei a segui-la no Twitter e me di-

virto com as postagens”. Para ela, os tweets da juíza

funcionam como ferramenta de tradução dos dogmas

do Direito, com aplicações práticas e cômicas, usan-

do imagens engraçadas. Ela acredita também que,

por ser da área jurídica, é muito interessante perceber

o trabalho dela em tornar próximo do público, prin-

cipalmente para os jovens que estão presentes em

maioria na rede social. “A população tem a tendência

de achar que o Direito está distante, com linguagem

e posturas inacessíveis, e assim ajuda a tornar tudo

mais simples”.

Carolina Malta ressalta, contudo, que o ensina-

Adepto e usuário de várias redes sociais, o juiz federal Ivan Lira tem preferido usar o Facebook

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mento jurídico é muito mais complexo e seria im-

possível transmiti-lo em apenas em 140 caracteres.

“Desde que tenho essa conta no Twitter, nunca tive

qualquer questionamento, justamente porque não sou

professora, não dou aulas de Direito usando vídeos ou

gifs, não dou palestras, não publiquei qualquer livro

e não faço qualquer referência a casos julgados por

mim, em absoluto”, afirma. As redes sociais permi-

tem que uma mensagem alcance um número maior

de pessoas, quando a linguagem é adaptada ao meio.

No caso do Twitter da juíza Carolina Malta, a leve-

za observada em suas postagens não significa que o

tema não seja tratado de maneira séria e coerente. “O

Direito em si, sem dúvida alguma, deve ser sério e a

sua aplicação, também. A rotina de um aplicador do

Direito, porém, daquele que se depara com os casos

no dia a dia, nem sempre é séria, existindo inúmeras

situações engraçadas e leves”, conclui.

Acompanhando as mudanças e crescimento tec-

nológico do passar dos anos, a figura do juiz não se

mantém mais distante das pessoas e a da vida social

como antes, quando ir ao centro

da cidade ou beber em público já

rendia nota em jornal. Da mesma

forma, o uso contínuo das redes

sociais acompanha o fluxo natu-

ral do desenvolvimento global. De

acordo com o levantamento mais

recente do eMarketer, 2,46 bi-

lhões de pessoas usam as redes

sociais no dia a dia. A previsão é

de que 3,02 bilhões de pessoas

em todo o mundo utilizem as redes sociais em 2020.

Naturalmente ou através de artifícios, o uso na vida

pública e privada da sociedade provoca reflexos dire-

tos nas mais variadas profissões. No âmbito jurídico,

entretanto, essa presença é polêmica e esbarra no

princípio da imparcialidade do profissional da magis-

tratura. Contudo, o uso das redes traz alguns questio-

namentos: poderiam os responsáveis pelo julgamento

de leis fazer uso da tecnologia para compartilhamento

de informações e posicionamento pessoal?

O desembargador federal Rogério de Meneses

Moreira Fialho, do Tribunal Regional Federal 5ª Região

– TRF5, acredita que hoje em dia os magistrados têm

mais liberdade social, além de contar com uso direto

de recursos digitais para o desempenho do trabalho.

Para explicar isso, Fialho lembra o Princípio da Cone-

xão. “Com o processo judicial eletrônico (PJe) e as

redes de compartilhamento, as fronteiras entre o que

é real e virtual foram diluídas, fazendo com que os au-

tos se conectem com o mundo”. Segundo o princípio,

o juiz passa a ser muito mais atuante, na medida em

que pode obter informações em outras fontes fora do

processo, como nas redes sociais, na busca da verda-

Com posts sobre o Judiciário e com as filhas – “Foto de domingo!” -, o juiz federal Marco Bruno busca mostrar

uma feição mais humanizada da Justiça

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a utilização do aplicativo WhatsApp para intimações judiciais. A decisão, unânime, se deu a partir de um julgamento que contestava a decisão da corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que proibiu a utilização do aplicativo no Juizado Civil e Criminal da Comarca de Piracanjuba (GO). Conforme o CNJ, a comunicação de atos processuais via Whatsapp começou em 2015 e rendeu ao juiz da comarca de Piracanjuba, Gabriel Consigliero Lessa, destaque no Prêmio Innovare daquele ano.

Vale lembrar que o uso do aplicativo é facultativo e cabe às partes voluntariamente aderirem ou não aos termos de uso. De acordo com o CNJ, a norma prevê que a ferramenta seja utilizada apenas para fins de intimação e exige a confirmação do recebimento da mensagem no

de real e de uma decisão mais justa.

Porém, Fialho alerta sobre os riscos de ter a vida

privada exposta a um número indefinido de pessoas

por meio das redes sociais e pede por serenidade e

cautela. “Para que seja mantido o respeito pelo Poder

Judiciário, é preciso que o magistrado se comporte

e se conduza na vida pública e na vida privada, de

maneira adequada e compatível com as responsabi-

lidades e a seriedade do cargo que ocupa, sob pena

de comprometer não só a sua própria imagem, mas

também a imagem da magistratura”, alerta.

O juiz federal Marco Bruno Miranda, diretor

do Foro da Justiça Federal no Rio Grande do Norte

(JFRN), é um dos magistrados que costuma utilizar as

redes sociais, principalmente Instagram e Facebook.

Ele compartilha e posta assuntos de interesse do Po-

der Judiciário, da magistratura e do ensino jurídico, já

que também exerce a função de professor da Univer-

sidade Federal do Rio Grande do Norte.

No Instagram, além de trazer notícias positivas

relativas à JFRN, o magistrado também tenta fazer

algumas postagens mais divertidas ou com dicas para

os seguidores. “A ideia é mostrar uma feição mais hu-

manizada, pelo menos no Instagram”, afirma. É na

rede social de compartilhamento de imagens que,

semanalmente, o juiz Marco Bruno Miranda posta a

“foto de domingo”. “Nessa foto, sempre saio com

minhas três lindas filhas, com a indicação do valor da

semana, que de alguma forma foi debatido na família

como instrumento de educação. Com essa foto, pro-

curo enfatizar aquilo que mais me gratifica na vida: ser

pai e esposo, alguém que nutre a família como maior

porto seguro”, explica.

Para o juiz, o uso das redes sociais é sempre ar-

riscado, devido à exposição que o acompanha, mas

acaba sendo compensado, pois proporciona uma

maior interação e transparência entre o Poder Judici-

ário e a população. Ainda de acordo com ele, o magis-

mesmo dia. Caso isso não ocorra, a intimação da parte deve acontecer de forma convencional, através de cartas ou de um oficial da justiça.

No âmbito da 5ª região, a Justiça Federal da Paraíba decidiu aderir à intimação feita pelo aplicativo, como forma de acelerar os processos, reduzir despesas e estimular o Judiciário a se adaptar às novas tecnologias de comunicação. A intimação através do WhatsApp está prevista na Lei 11.419/2006 e é regulamentada pelo CNJ, através da Resolução nº 185/2013, e na decisão proferida pelo mesmo órgão no Procedimento de Controle Administrativo nº 0003251.94.2016.2000000, que entendeu pela validade da sua utilização para a comunicação de atos processuais às partes que assim optarem.

Intimação por WhatsApp

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trado deve apresentar a mesma postura discreta que

deve pautar o seu comportamento público, sem su-

perexposição. “Deve evitar a autopromoção, a expo-

sição de fatos conhecidos nos processos submetidos

à sua jurisdição e o envolvimento no debate público.

Deve manter uma postura sempre positiva e crítica,

em defesa dos valores republicanos e democráticos”,

afirma.

Com participantes mais ativos, respostas rápi-

das e uma maior rede de contatos, o Facebook tem

se tornado a rede social preferida do juiz federal Ivan

Lira de Carvalho. O Instagram também é usado com

frequência por ele, enquanto o Twitter é consumido

de forma mais moderada. Ele acredita, portanto, que

cada rede social tem um público específico que pode

ser atingido com as postagens, respeitando as poten-

cialidades das ferramentas e objetivando um determi-

nado retorno.

Ao usar, Ivan Lira vai além do bate-papo, buscan-

do interagir com um público mais eclético, compar-

tilhando música, mantendo contato com amigos de

infância e debatendo temas do Direito. Nos compar-

tilhamentos, o magistrado é mais econômico, dando

mais espaços à criação de mensagens que imprimem

sua personalidade e estilo.

O juiz conta que a motivação para entrar nas re-

des partiu da necessidade pessoal de se manter em

constante contato com o desenvolvimento tecnológi-

co e, por agora, acompanhar a demanda do tipo de

sociedade de reações rápidas. “O primeiro caminho

que tomei foi o das listas de email, contemporâneas à

chegada da Internet no Brasil, por volta de 1995. Em

seguida, de forma mais estruturada, com interface

mais cativante e permitindo o contato com um núme-

ro infinito de pessoas, veio o Orkut (hoje extinto), cria-

do no início do corrente século.” O motivo, para ele,

sempre foi o mesmo: ampliar relações interpessoais

e facilitar o intercâmbio de conhecimentos, na área

jurídica ou em outras até bem distantes desse campo.

Para Ivan, as redes sociais facilitam as comuni-

cações entre pessoas de interesse comum, mas é

necessário critério. “É preciso moderação, tanto no

volume de informações veiculadas, quanto na quali-

dade do que é postado. Como sou magistrado e pro-

fessor, uso o Facebook para interagir com alunos e

comunidades da área jurídica”, destaca. E da mesma

forma que é recomendável moderação do juiz na vida

privada, também funciona no mundo virtual. Mas,

sem censuras.

O crescimento da adesão às redes sociais está

entre os resultados da expansão da cobertura da in-

ternet móvel, além do aumento do uso de smartpho-

nes em todo o mundo. A internet cria um espaço em

que a evolução tecnológica permite a comunicação

descentralizada, portanto, direta, sem barreiras e em

qualquer circunstância. Em 2017, 81,8% dos usuários

das redes sociais fazem o acesso por meio de smar-

tphones, e, em 2021, esse percentual deve subir para

86,7%.

Carolina Malta assegura que seus posts não são ofensivos nem fazem qualquer associação

com os casos concretos que julga

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Sent

ir

Cortei na carne. Acho que descartei mais de duzentos, talvez trezentos. Não sei, desisti de contar. Comecei fazendo uma faxina. Não uma simples faxina. Uma senhora faxina. As aranhas estavam dominando tudo, apareciam com suas teias por todos os lados. No começo foram bem vindas. Estavam comendo as traças e as traças estavam comendo os livros. Depois saiu tudo do controle. Parecia haver espaço e comi-da para as traças e para as aranhas e quanto mais traças, mais aranhas. Chamei uma especialista. Especialista em faxinas, não em traças ou em ara-nhas. Seria simples. Era retirar os livros das estantes, limpar um a um, limpar as prateleiras e recolocar os livros. Não podia ser mais simples. Ela chegou com ânimo. Demorou um dia inteiro na limpeza. Ficou ótimo; ou melhor, ficaria ótimo se eu não tivesse tido a péssima ideia de espalhar naftalina entre os li-

livros?Nagibe Jorge Neto

vros com o fim de repelir as aranhas e as traças. Ninguém poderia aguentar aquele cheiro. Era simplesmente insupor-tável. Eu não podia mais trabalhar, usar o gabinete, estar nele, ler, passar o tempo. Era como estar em uma nuvem de naftalina. Pesquisei na internet meio displicentemente sobre o naftaleno, falta do que fazer. Quem procura o que quer, acha o que não quer. Naftaleno: um derivado do pe-tróleo que pode ser tóxico, talvez cancerígeno. Foi o bas-tante. Eu não estava disposto a correr o risco. Era preciso retirar todas as bolinhas de naftalina escondidas naquele amontoado de livros. Rápido!A especialista havia sido hábil em escondê-las. Como um jogo de caça ao tesouro às avessas, saí farejando as pra-teleiras, retirando os livros recém-limpos, bagunçando o que depois de muito tempo estava organizado com certa ordem. Todo o processo demorou alguns dias. No primeiro dia consegui achar e dei fim a cerca de quatorze bolinhas de naftalina, mas o cheiro continuava. Passava na porta do gabinete e lembrava do guarda-roupa da minha avó, das gaveta da minha tia e de baratas. Naftalina me lembra ba-ratas. Continuei a busca durante muitos dias, sempre nas horas vagas. Como um perdigueiro, continuei farejando as gavetas, os armários, os papéis, achei mais sete ou oito

Qual o enigma dos

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bolinhas a razão de duas ou três por dia. Depois de mais uns dias, tudo parecia ter chegado ao fim. Acho que não havia mais naftalina. Finalmente o gabinete seria declarado naftalina free, mas os livros estavam um pandemônio, espalhados pelo chão, fora de ordem, empi-lhados por todos os lados, por todos os cantos, tudo virou prateleira, eu não conseguia mais achar minha mesa de estudo. Além disso, descobri que a especialista estava mais empenhada em limpar os móveis que propriamente os livros ou em acabar com as aranhas, com os cupins ou com as traças. Os livros ainda estavam empoeirados. Talvez tudo aquilo fosse, afinal, um grande trabalho de Sí-sifo. Alguns dias depois da limpeza, as aranhas estavam de volta e havia pequenas asas por todos os cantos. Na época das chuvas, os cupins se transformam em formigas de asas, saem não sei de onde e caem nas teias, algumas conseguem escapam por entre os livros. Foi quando bateu a crise. A verdade é que estava cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a limpar os livros, enquanto eu estava cada vez mais disposto a comprá-los. Comprá-los sem garantias que serão lidos um dia. É que há livros que me deixam menos ansioso só de tê-los por perto. Vejo-os na estante e acredito, por um instante, que algum dia poderei lê-los, conversar com eles, conhecê-los melhor. O conhecimento ali guardado, de algum modo, es-taria acessível e protegido por mim.Tenho certeza, como toda pessoa sensata, que morrerei sem ter lido nem a dé-cima parte do que gostaria. Como também é certo que às portas da morte terei esquecido de quase tudo que li, das melhores conversas com os melhores amigos e de muitos bons momentos. O que me leva a crer que não lemos para lembrar, assim como não vivemos para a memória, lemos e vivemos pelo momento, pelo instante fugidio em que al-guém ou alguma coisa nos comunica algo, nos emociona e temos a certeza de que não estamos sozinhos, alguém é

capaz de nos compreender e sentir igual a nós. Nos piores momentos chego a pensar que os livros me engolirão, como a Esfinge. Decifra-me ou te devoro. E sou incapaz de decifrar esse enigma dos livros, do amor por eles, da angustia daquelas milhões de palavras fechadas entre as capas que querem todas gritar ao mesmo tem-po, da urgência de ler algum outro livro quando temos qualquer um nas mãos, da tranquilidade de tê-los perto. Precisava dominá-los ou seria dominado por eles. Quantos livros são necessários a um homem? Resolvi limpá-los e organizá-los eu mesmo. Nada de especialistas. Não de-legaria nada. Catalogar. Remover a poeira de um por um. Surpreendi-me com muitos grifados e marcados. Teriam sido lidos? Onde estava a memória sobre aquelas folhas? A que pensamentos e reflexões teriam servido? Com alguns, o contato direto me fazia reviver as mesmas impressões e emoções que me despertaram algum dia. Seriam as mes-mas? A memória nos engana. Lembro a fisionomia, a per-sonalidade, o jeito de andar de um ou outra personagem, mas me escapa o nome. Lembro vagamente uma teoria ou argumento, mas me escapa o filósofo, o jurista, o autor, a própria obra.À medida que os organizava, precisava encontrar uma res-posta satisfatória para a pergunta acusatória: por que acu-mular tantos livros? Não fazia sentido. Resolvi descartar o maior número possível. Jogava-os em uma grande pilha, como se fosse para serem queimados. Já havia feito isso antes. Mas agora não seriam apenas os ruins, os fracos, os inúteis, os imprestáveis. Era preciso cortar na carne. Encontrar espaço. Jogar fora, doar, vender tudo que não fosse absolutamente essencial. A Esfinge a espreita pronta para me devorar. Terminei exausto. No dia seguinte ainda salvei muitos da pilha do descarte. Muitos que eu ainda preciso ter por perto. Qual o enigma dos livros?

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CombustívelEm 2 de agosto, o desembar-

gador federal Cid Marconi, vice-pre-sidente do TRF5, suspendeu a limi-nar do Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba (SJPB), que impedia os efeitos do Decreto Presidencial nº 9.101/2017, que elevou as alíquotas PIS/Pasep e Co-fins sobre os combustíveis, exclu-sivamente no estado da Paraíba. O pedido de suspensão de liminar foi interposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O mandado de segurança coletivo foi impetra-do pelo Sindicato do Comércio Va-rejista de Derivados de Petróleo no Estado da Paraíba (Sindipetro-PB). O desembargador que, na ocasião, desempenhava a função de presi-dente em exercício, ressaltou que a liminar ora suspensa poderia gerar um efeito multiplicador, provocando riscos à ordem e economia públicas e afetando o cumprimento da lei or-çamentária.

Aposentadoria de professor O Pleno do Tribunal Regional

Federal da 5ª Região – TRF5 aco-lheu, por unanimidade, no dia 5 de julho, Incidente de Resolução de De-mandas Repetitivas (IRDR), fixando a tese jurídica de que o fator pre-videnciário incide na aposentadoria

por tempo de contribuição diferenciada do professor, salvo em relação ao beneficiário que tenha adquirido o direito à aposentadoria antes da edição da Lei nº 9.876/99, e dando provimento à remessa oficial e à apelação do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). No caso, um professor aposentado ajuizou ação na Justiça Federal em Pernambuco, objetivando a condenação do INSS a excluir o fator previdenciário da base de cálculo da sua aposentadoria. O pedido foi julgado procedente e o INSS apelou ao TRF5. A Quar-ta Turma do TRF5 entendeu se tratar de hipótese de instauração de IRDR e determinou a expedição de ofí-cio à Presidência do Tribunal. Considerando, em tese, que havia os pressupostos legais para a instauração do IRDR, a Presidência determinou a distribuição e o desembargador federal Élio Siqueira passou a ser o relator do incidente.

Habeas Corpus negadoEm junho, a Primeira Turma do TRF5, por maioria,

negou os pedidos de habeas corpus impetrados pelas defesas do ex-ministro do Turismo, Henrique Eduardo Lyra Alves, e do ex-presidente da Câmara dos Depu-tados, Eduardo Cosentino da Cunha. Os dois pediram a revogação da prisão preventiva, decretada pela Jus-tiça Federal no Rio Grande do Norte (JFRN), a pedido do Ministério Público Federal (MPF) naquele estado. Eles são acusados de receber propina para favorecer empresas de construção civil na obra do estádio Are-na das Dunas, em Natal (RN). No dia 6 de junho, o juiz da 14ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, Francisco Eduardo Guimarães Farias, decretou a prisão preven-tiva de Henrique Alves, como parte da operação Ma-nus, desdobramento da Lava Jato.

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