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1 – APRESENTAÇÃO
Em face da retomada do debate e de proposições legislativas sobre as
restrições ao direito de registro e porte de armas de fogo por parte dos
cidadãos civis, impõe-se a necessidade de uma reflexão mais aprofundada
sobre a eficácia do “Estatuto do Desarmamento”.
Os argumentos aqui expostos são fruto de anos de pesquisas e
provém das mais diversas fontes. A intenção é promover um debate sério e o
mais distante possível do sensacionalismo e do teor emocional que, na maioria
das vezes, cercam esse tema. Eleger as armas de fogo legais como as
principais responsáveis pelos índices de homicídios no Brasil é um engano. “A
medida tem efeito semelhante à do marido traído que tira o sofá da sala para
evitar o adultério da esposa”, como ilustrou a jornalista Ana Amélia Lemos,
antes mesmo da lei ser sancionada pelo Presidente da República. A
criminalidade não vai diminuir enquanto as instituições responsáveis pela
segurança do cidadão continuarem despreparadas e desaparelhadas. As
polícias estão longe de corresponder ao que delas espera a sociedade. O
Judiciário continua moroso. A fiscalização da Receita Federal para controlar o
contrabando é ineficiente nas fronteiras e aeroportos. Enfim, o cenário não é
nada animador.
Porém, mesmo com inúmeras evidências de que o impacto da restrição
do porte e da venda de armas sobre a criminalidade será nulo, ainda há quem
defenda estas idéias. Exemplo são entidades “sem fins lucrativos”, as
chamadas ONGs, como a Viva Rio e o Instituto Sou da Paz. Ambas
organizações enviaram ao Supremo Tribunal Federal, no dia 09 de fevereiro
desse ano, um sumário de argumentos, que acompanham o pedido de “Ação
Direta de Inconstitucionalidade 3112”, com pedido de medida cautelar da Lei
10.826 (Estatuto do Desarmamento). Listamos os principais argumentos já no
3
início, e comentamos um a um, justificando o contraponto e acrescentando
novos dados.
Logo a seguir, apresentamos outros cinco capítulos. Neles, estão
subsídios vitais para enriquecer o debate e contribuir de forma efetiva para um
assunto que influenciará diretamente a vida de todos os brasileiros.
4
ÍNDICE
1 - ANÁLISE DOS ARGUMENTOS...........................................................................5
2 - ARMAS E CRIMINALIDADE NO BRASIL .......................................................28
Não há relações entre venda de armas legais e crimes letais ......................32
Diminui a venda de armas e aumentam os homicídios ..................................33
3 - A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL NO CONTROLE DE ARMAS ..........36
Estados Unidos......................................................................................................37
Queda dos crimes com armas de fogo .............................................................39
Armas x crimes ......................................................................................................40
As armas e a autoproteção ..................................................................................41
A (i)lógica do desarmamento ...............................................................................42
O estudo de Kellerman.........................................................................................47
Mais armas, menos crimes ..................................................................................50
Inglaterra .................................................................................................................57
Contradições históricas ........................................................................................59
Por que a criminalidade caiu nos EUA? ............................................................60
Modernização.........................................................................................................63
O atraso brasileiro ................................................................................................65
Falhas no sistema prisional ................................................................................67
Penas alternativas: solução mágica?.................................................................68
“Somos todos reféns” ........................................................................................68
Justiça Criminal......................................................................................................69
Buy-back – programas de recompra de armas funcionam? ..........................70
4 - TRÁFICO DE DROGAS E CRIMINALIDADE:
UMA ESTREITA RELAÇÃO ....................................................................................72
Estudos evidenciam relação ................................................................................73
Drogas estão por trás dos crimes contra jovens .............................................74
A força do império das drogas ............................................................................75
5
5 - MITOS SOBRE ARMAS DE FOGO...................................................................80
Mito 1: O cidadão não pode ter uma arma porque a
segurança é dever do Estado. ............................................................................80
Mito 2: As armas legais em posse de cidadãos de
bem são a principal causa da criminalidade.....................................................82
Mito 3: No Brasil, qualquer um pode comprar uma arma de fogo.................83
Mito 4: A venda de armas tem crescido de
modo significativo, e isso tem gerado mais violência......................................84
Mito 5: O Brasil é um país armado.
Existem 20 milhões de armas de fogo no Brasil. ............................................85
Mito 6: Cerca da metade dos assassinatos são cometidos por
pessoas sem antecedentes criminais; 90% dos homicídios
são cometidos por pessoas de bem. ................................................................86
Mito 7: Os países que adotaram o “desarmamento civil”
zeraram a criminalidade. .....................................................................................87
6 - ARTIGOS ................................................................................................................89
O crime e o Senador – Carlos Murgel................................................................89
Violência - Causas e soluções – Luiz Pazos ....................................................93
Aniam contesta números do Iser e do Viva Rio publicados no O Globo......95
A mídia e o lobby do desarmamento – Raimundo Nicioli ...............................98
“Impunidade é o principal problema” – entrevista com o
Senador Iris Resende ........................................................................................105
Quando os liberais mentem sobre armas – Cathy Young ............................107
Nossa luta por um direito básico – Luis Afonso dos Santos ........................114
Posse e porte de arma – Marcos Coimbra......................................................116
Restringir o uso de armas de fogo é dar
um tiro no próprio pé – Erik Sosdelli Camarano.............................................120
Armas e revolução passiva – Olavo de Carvalho ..........................................128
7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................132 2 - ANÁLISE DE ARGUMENTOS
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“Entre os anos de 1980 e 2000, o número de homicídios
subiu de 12 por cada 100 mil habitantes para 27 por 100 mil
habitantes, havendo um aumento superior a 200% (...) Devemos
adotar resoluções que possam surtir efeitos imediatos,
principalmente aquelas capazes de reduzir com mais
intensidade os fatores que potencializam a violência, dentre os
quais as armas”.
(pág. 8)
O desarmamento civil é citado como medida fundamental para reduzir
a criminalidade, enfim, salvar vidas. Devemos, em primeiro lugar, dizer que
dificilmente vamos encontrar um cidadão honesto e cumpridor das leis que não
queira reduzir a criminalidade e viver num ambiente de maior segurança e paz.
O problema é que ao dizer que a arma de fogo legalmente adquirida é a
principal causa da criminalidade, os defensores do desarmamento incorrem
num grave e perigoso equívoco que poderá, ao invés de diminuir, agravar
ainda mais a criminalidade letal no Brasil. Afinal, controle de armas é a mesma
coisa que controle da criminalidade?
A resposta é evidentemente não. Podemos ver a questão pelo menos
sob três ângulos. Primeiramente, os defensores do desarmamento civil não
apresentam uma evidência sequer que mostre claramente uma correlação
entre os dois fenômenos, o aumento da circulação de armas legais e aumento
da criminalidade letal; isto por si só serviria para comprometer a seriedade da
tese, pois se a arma legal não é causa do crime, elimina-la não vai ajudar a
reduzir o crime letal.
Em segundo lugar, ao eleger a arma como a causadora dos crimes
letais, os defensores do desarmamento acham uma resposta fácil e
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sensacionalista; presumivelmente ficam mais confortáveis e com a consciência
tranqüila, uma vez que não estão muito preocupados em investigar as
verdadeiras causas dos crimes, abdicando assim de lutar por políticas de
combate e controle efetivo da criminalidade. Ainda que pequem pela
ingenuidade e pelo simplismo, é muito mais cômodo atribuir a culpa a objetos
inanimados do que admitir que os crimes são cometidos por pessoas. E que
essas pessoas são educadas por famílias, que essas famílias vivem em
sociedade, que essa sociedade tem um Estado responsável pela aplicação das
leis e, por conseguinte, pela segurança pública. Ou seja, que o crime tem
outras causas bem mais complexas que envolvem uma ampla rede de fatores
de natureza social, educacional, moral, cultural e até mesmo patológica. E que
essas causas são de natureza humana, produzidas pelos homens.
Finalmente, um terceiro aspecto a ser analisado refere-se ao enorme
preconceito que está por trás da tese do desarmamento civil; o cidadão
honesto e cumpridor das leis que deseja adquirir uma arma legal para a sua
proteção é tido como incapaz de fazê-lo. A suposição é de que os cidadãos
honestos não são suficientemente inteligentes e preparados para a posse legal
de uma arma, mesmo que cumpram com todas as formalidades legais exigidas
para a sua aquisição. Ora, a evolução política das sociedades democráticas ao
longo da história aponta justamente noutro sentido, o do fortalecimento da
noção de responsabilidade civil, com vistas a tornar todos os cidadãos iguais
em direito e em face da lei. Como então podemos admitir que uns julguem
outros como mais ou menos aptos a fazer alguma coisa?
A pertinência da tese do desarmamento civil choca-se de forma
inequívoca com a realidade. Tanto as pesquisas realizadas nos EUA pelo Dr.
John Lott, da Universidade de Chicago, como a experiência concreta da
Inglaterra, França e Austrália, que adotaram o desarmamento civil nos anos 90,
mostram de forma inequívoca que banir as armas não reduz a criminalidade.
Ao contrário, nestes países tivemos no final dos anos 90 e nos primeiros dois
anos do novo milênio uma verdadeira explosão da criminalidade,
8
especialmente a juvenil. Nos Estados Unidos, ao contrário, onde foram
adotadas leis menos restritivas, a criminalidade diminuiu de forma acentuada.
A experiência internacional evidencia também que as políticas de
combate à posse e ao uso ilegal de armas produzem resultados altamente
positivos. Essa política tem dois aspectos essenciais: ao retirar armas ilegais
das mãos de pessoas inabilitadas, é bastante provável que menos crimes
sejam cometidos com o uso ilegal de armas, reduzindo-se, desta forma, a
volume das ações criminosas como também sua letalidade. Um segundo ponto
altamente positivo é que ao combater o uso ilegal, estamos ao mesmo tempo
reforçando o poder das leis, uma vez que apenas as pessoas que as cumprem
estão habilitadas a fazê-lo. Com isso, reforçamos a idéia e a prática da
responsabilidade civil, ao invés de discriminarmos os cidadãos de bem,
permitindo apenas que os marginais tenham acesso a uma arma de fogo –
através do contrabando ou outro meio – ao arrepio da lei.
Há uma forte carência, em nosso país, em expor com precisão a
relação entre armas de fogo e esse extraordinário aumento no número de
homicídios. Isso ocorreu devido a uma combinação de fatores – sobretudo à
falência do Estado em combater a expansão do crime organizado e do tráfico
de drogas. Combinando isso à falta de oportunidades de emprego, ao caos no
sistema prisional e judiciário, entre outros, teremos um ambiente propício aos
criminosos, que colabora e até estimula a prática de delitos.
O crescimento da criminalidade e seu avanço para todas as classes
sociais são problemas que, sabidamente, não possuem uma causa isolada ou
única; tampouco o argumento de que armas é sinônimo de mais crimes foi
comprovado. Outros países que enfrentam ou enfrentaram situações similares
tentaram, sem êxito, desarmar a população na esperança de ver o número de
crimes baixar. Na maioria dos casos – vide Inglaterra, Austrália, Canadá,
França, entre outros –, o efeito foi contrário, ou seja, os índices subiram ainda
mais.
9
“O Brasil é, conforme dados da Organização das Nações
Unidas (ONU), o país número 1 em homicídios praticados por
armas de fogo no mundo. São ao todo 46 mil mortes por ano,
sendo uma a cada 13 minutos. O Brasil é responsável por 11%
das mortes por arma de fogo no mundo, possuindo 2,8% da
população mundial”. (pág. 9)
O lobby antiarmas cita freqüentemente a ONU, que atribuiu ao Brasil o
título de “país que mais mata com armas de fogo”. Curiosamente, esquecem
de citar que o Brasil detém ainda vários outros “títulos” que, em conjunto,
explicam porque a violência cresce de forma acelerada em nosso país. Agora,
em 2004, a mesma ONU admitiu a danosa combinação entre o tráfico de
drogas e a criminalidade, que, no Brasil, estão intimamente relacionados e
exercem um papel crucial para o atual contexto. A notícia foi divulgada pela Jife
(Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), entidade ligada à ONU,
que incluiu o Brasil entre os países onde há relação estreita entre as drogas e
as altas incidências de crimes. De acordo com o documento, que foi divulgado
no dia 03 de março em Viena, “grande parte dos 30 mil homicídios registrados
anualmente no país pode ser atribuída ao tráfico”.
A íntima relação entre as drogas e a criminalidade é explícita. E nesse
contexto de marginalidade surge grande parte das causas da explosão da
violência, especialmente em grandes cidades, como São Paulo e Rio de
Janeiro.
Para se ter uma idéia, o Brasil já é o segundo maior consumidor de
cocaína do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos. A informação,
que havia sido publicada no jornal Washington Post em 14 de julho de 2001 e
10
em 04 de julho pela Agência Reuters, foi reafirmada em março de 2002 pelo
analista do Centro Contra Crimes e Narcóticos dos EUA, Kerry Halpin. A
Agência da ONU para o Controle de Drogas e a Prevenção do Crime (UNCPD)
estima que, em 2001, 900 mil brasileiros usaram cocaína e 100 toneladas da
substância em estado puro (15% da produção mundial) passa pelo Brasil.
Desse montante, aproximadamente 40 toneladas são consumidas
internamente. Somado a isso, outro estudo elaborado pela ONU agora, em
2004, confirma a tendência: segundo cálculos da organização, cerca de 30 mil
homicídios cometidos no País anualmente têm a ver com o tráfico de
entorpecentes.
Um relatório elaborado durante a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) em 2000 apontou que o narcotráfico movimenta valores
superiores a R$ 400 bilhões anualmente. As conexões do tráfico com a
sociedade em geral, segundo o documento, ficam mais claras “quando se
levam em conta todas as conseqüências diretas e indiretas. Mesmo pessoas
que nunca consumiram drogas tornam-se vítimas delas quando são assaltadas
por bandidos drogados ou que roubam para comprar drogas”, e conclui que “o
sistema causa mais vítimas do que parece à primeira vista”.
O negócio bilionário transforma favelas em zonas de guerra, corrompe
autoridades e continua destruindo milhares de famílias. No Rio de Janeiro,
segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, cerca de 80% dos
detentos com menos de 23 anos foram condenados por tráfico de drogas.
O relatório da Jife também expõe a situação dos meninos de rua e dos
jovens moradores da periferia que são cooptados pelos traficantes. Eles
morrem cedo, seja porque sabem demais, roubaram drogas para usar ou
caíram nas mãos de quadrilhas rivais. "Dizem que eles são como moscas,
porque têm vida curta", explica o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Menor.
Os garotos são vítimas, mas também fazem vítimas, num ciclo de violência.
"Furto, roubo e assalto à mão armada estão muito ligados à droga." A solução,
11
para ele, depende de ação preventiva e políticas públicas sérias, que evitem a
entrada do jovem no mundo do crime. Para a Jife, os países não devem pensar
apenas em repressão, mas em adotar medidas multidisciplinares, que vão
desde prevenção ao consumo de drogas e mudanças na legislação para quem
usa entorpecentes até a criação de oportunidades de empregos.
Como se vê, a própria ONU reconhece, dando foco a essa questão,
que combater o narcotráfico é uma das medidas mais urgentes. Simplesmente
recolher as armas de fogo dos cidadãos que nada contribuem para esse
cenário chega a ser patético.
Outros fatores que contribuem para a posição número 1 do Brasil no
“ranking da criminalidade” traçado pela ONU devem ser lembrados, como
fazemos a seguir.
??Desigualdade de renda: o Brasil é campeão mundial de
desigualdade na distribuição de renda. Com 21 milhões de pessoas
(14 por cento da população) vivendo em indigência e 50 milhões ( 33
por cento da população) abaixo da linha de pobreza, o Brasil ocupa
esta vergonhosa posição ao lado de Serra Leoa, Jamaica, República
Centro Africana, Guatemala e Paraguai.
??Impunidade: o Brasil é certamente o campeão absoluto de
impunidade. Pesquisa do Professor norte-americano Steve Levitt,
mostra que somente dois em cada 100 assassinos são presos no
Brasil, enquanto que nos Estados Unidos, de cada 100 assassinos,
98,5 são condenados. A revista Veja, ao comentar a crescente
participação de menores envolvidos em crimes graves é taxativa: “a
razão mais forte para o fenômeno é a relativa impunidade de que
gozam os menores no Brasil, graças a uma legislação que contempla
mais a sociologia do que a criminologia – O Estatuto da Criança e do
Adolescente. Quando um jovem desses é preso por ter cometido um
delito pesado, já sabe que dificilmente permanecerá mais do que três
12
anos detido. Aliás – continua a revista –, o termo ”preso”, a rigor nem
poderia ser utilizado. Menores infratores são julgados em cortes
especiais e internados em instituições como a Febem, das quais é
facílimo fugir. Essa perspectiva de uma pena branda representa um
estímulo e tanto para que eles ousem cada vez mais. E conclui que
“a maioria desses adolescentes não age de forma autônoma, mas a
mando de bandidos adultos, que os usam para fazer o trabalho mais
sujo. Afinal de contas, ao contrário dos marmanjos, a molecada está
praticamente acima da lei. É o estatuto da malandragem“.
??Desemprego: o Brasil ocupa uma das mais destacadas posições
entre os países que apresentam maiores taxas de desemprego
aberto e também desemprego estrutural no mundo. Cerca de 19 por
cento de sua força de trabalho está desempregada atualmente; 53
por cento dos jovens brasileiros estão fora do mercado de trabalho.
Isso sem falar nos milhões de brasileiros que desistirem de procurar
emprego no mercado formal e caíram na informalidade, onde as
remunerações são ainda menores do que no mercado formal e os
direitos sociais inexistentes.
Acidentes de Trânsito: o Brasil é campeão mundial de acidentes de
trânsito, batendo o recorde de 25.513 mortes apenas em 1998. Em 1999,
20.178 mil, em 2000, 20.049 e em 2001, 20.030. Ou seja, em cinco anos,
segundo o Denatran (há cálculos mais pessimistas que estendem esse número
para 35 mil/ano), 85.770 pessoas foram vitimadas nas ruas e estradas do país,
e ninguém cogita – porque dificilmente seria viável – que apenas motoristas
profissionais possam guiar um veículo, ou mesmo a hipótese de proibir o
acesso dos cidadãos aos automóveis. Mesmo com o novo Código de Trânsito,
em vigor desde 1998 com normas mais severas, as estatísticas assustam.
Nesse ano, como se vê, as mortes no trânsito decresceram 24,7%. Porém,
essa redução está diretamente vinculada com a massiva fiscalização que foi
feita naquele ano. Na medida em que vai se relaxando na fiscalização, os
13
números estarrecedores de mortes vão subindo (na mesma proporção).
Estamos voltando aos mesmos números de 1997 e perdendo a cada dia todas
as conquistas obtidas com o novo Código, como a obrigatoriedade do uso de
cinto de segurança. Imagine com leis impostas a criminosos.
??Álcool e Trânsito: o Brasil é também campeão na ocorrência de
acidentes de trânsito cujo motivo é o uso indevido de álcool.
Segundo o Programa Nacional de Ação Antidrogas do Ministério da
Justiça, o álcool é responsável por 76.000 acidentes de trânsito a
cada ano; informa ainda que o álcool é responsável direto pela morte
de 3.000 adolescentes brasileiros a cada ano.
??Mortalidade Infantil: o Brasil é ainda um dos campeões mundiais de
mortalidade infantil: a cada hora morreu uma criança com menos de
um ano de idade por falta de cuidados no pré-natal; a cada 7 horas
três crianças morrem por desnutrição infantil; a cada 7 horas morrem
71 brasileiros por falta de assistência médica adequada.
??Êxodo Rural e marginalidade urbana: o Brasil foi também um dos
grandes campeões no exodo rural e do crescimento desordenado
das cidades. Nos últimos trinta anos, as grandes cidades se
tornaram depósitos de pobres e miseráveis, sem emprego ou em
empregos precários, sem saneamento, saúde pública, remédios e
habitação. Hoje, 80 por cento da população vive e sobrevive nas
cidades que, despreparadas para receber a enorme demanda social
por serviços públicos, são um estímulo adicional à criminalidade.
Neste contexto econômico e social, de nada adianta reclamar que a
criminalidade violenta cresce gravemente no Brasil. De fato, ninguém discorda
que os números são graves. É preciso reconhecer, no entanto, que
necessitamos de soluções que enfrentem as verdadeiras causas do aumento
da criminalidade no Brasil.
14
“A presença da arma de fogo é fator catalisador da
violência, como demonstra o quadro a seguir.(Homicídios no
Brasil por Estado – 2000/Porcentagem de Homicídios com Uso
de Arma de Fogo, fonte Datasus, com análise do Iser)”
(págs.11 e 12)
A criminalidade aumentou gravemente no Brasil, coincidentemente, a
partir dos anos 90. Este fenômeno não pode ser entendido a partir de um
diagnóstico simplista, que elege, sem nenhuma comprovação, a arma de fogo
como causa determinante dos homicídios.A arma de fogo, em mãos do
cidadão, tem sido vista pela moderna criminologia norte-americana como um
importante instrumento de dissuasão, e, portanto, de defesa, através do qual o
cidadão de bem inibe a ação dos criminosos. Esta tese já está amplamente
comprovada pela queda dos crimes violentos em todos os 32 estados norte-
americanos que estimularam seus habitantes aptos a portarem armas.
Não existe relação entre armas legais, ou seja, armas devidamente
registradas, e os índices de criminalidade. O que existe é uma relação entre
crime organizado, tráfico de drogas e crimes violentos. Exemplo disso é que
um dos Estados legalmente mais armados do País, o Rio Grande do Sul, não
possui taxas de crimes mais altas em relação a Estados como São Paulo e Rio
de Janeiro.
Com sete vezes mais armas legais que São Paulo, o RS apresenta
uma taxa de homicídios 3,8 vezes menor. Basta conferir as tabelas abaixo. A
primeira compara os três Estados mencionados quanto às taxas de homicídios
por 100 mil habitantes. Já a segunda compara o número de armas e de
habitantes/arma legal.
15
“Ao contrário do que muitos pensam, grande parte dos
homicídios em território nacional não é cometido por
“bandidos”, mas por pessoas “de bem”, na maioria derivados
de motivos fúteis. Em São Paulo, segundo dados da Secretaria
de Segurança Pública, quase 50% dos homicídios são
cometidos por pessoas sem histórico e por razões banais”.
(pág. 13)
Ao contrário do que afirma o lobby antiarmas, a criminalidade cresce no
Brasil pela ação cada vez mais desinibida do crime organizado, especialmente
das redes de narcotraficantes. Pesquisa realizada pelo Professor José Pastore,
da Universidade de São Paulo, demonstra que 82,6 por cento dos crimes
16
cometidos no Estado são praticados por reincidentes, ou seja, por pessoas
com antecedentes criminais. A crescente participação de adolescentes presos
por participarem de assaltos, tentativas de homicídios e homicídios (como já foi
comprovado por vários especialistas e conforme já evidenciou a revista Veja,
em 8 de novembro de 2000) mostra que “a maioria desses adolescentes não
age de forma autônoma, mas a mando de bandidos adultos, que os usam para
fazer o trabalho mais sujo”. Esses menores são presos, em seguida internados
na Febem e, logo adiante, estão novamente nas ruas. O que não se entende é
que, apesar da forma gritante com que esta realidade se apresenta ante
nossos olhos, o lobby antiarmas insiste em colocar o crime organizado e o
banditismo urbano num plano altamente secundário na explicação do crime nas
grandes cidades. Quais os interesses que estão por trás desta curiosa visão?
Mas o erro primário que está por trás da afirmação dos lobbies
antiarmas, como esclarece Luiz Afonso Santos, em seu livro Armas de Fogo,
Cidadania e Banditismo, “consiste em confundir, maliciosamente, homicídios
cometidos com homicídios esclarecidos, que são apenas 50 por cento do total
investigado”. Santos esclarece que “na investigação dos crimes por motivos
fúteis, a polícia tem mais elementos em mãos para trabalhar, por se tratar de
protagonistas, vítimas e autores, com relacionamento conhecido, quando as
informações chegam com maior facilidade”. O mesmo não ocorre com a quase
totalidade dos crimes não apurados – e que por isso não entram na estatística
– “pela falta total de informações pelos mais diversos motivos, e o principal
deles é que são cometidos por bandidos que ou intimidam testemunhas ou
então fazem o serviço sem deixar pistas”.
No Brasil, de acordo com Santos, existe ainda outro agravante: a
legislação brasileira prevê que uma pessoa somente pode ser considerada
como tendo antecedentes criminais após uma condenação definitiva. Ora, no
Brasil, não raro isso demora anos, em razão dos inúmeros recursos cabíveis, o
que não raro faz com que “o indivíduo que praticou dezenas de crimes seja
considerado sem antecedentes criminais”. Não possuímos dados seguros e
17
confiáveis de crimes praticados por pessoas com antecedentes criminais, mas
a realidade norte-americana oferece uma boa pista: em 1988, nas 75 maiores
cidades americanas, mais de 89 por cento dos homicidas tinham registros
criminais como adultos.
Outra mentira repetida insistentemente pelo lobby antiarmas (sem a
correspondente apresentação da base de dados de suas “estatísticas) é de que
a ”facilidade com que as pessoas obtêm uma arma de fogo nas grandes
cidades tem transformado brigas em assassinatos, feridos em mortos,
discussões em tragédias, todos os dias”. Não é verdade que é fácil obter
armas legais nas grandes cidades. Para adquiri-las é preciso cumprir a lei, que
é muito rigorosa em suas exigências. Por exemplo, para adquirir uma arma os
candidatos devem apresentar bons antecedentes e ainda comprovar
comportamento social produtivo, de justificar perante a autoridade policial a
necessidade de fazê-lo! Como então, diante disso, afirmar que é “fácil” adquirir
uma arma! A não ser que estejam se referindo ao mercado ilegal. Neste trata-
se de repressão policial e não de desarmar o cidadão de bem que obtém sua
arma por meios legais. Mas, o que mostra que a afirmação do lobby antiarmas
é falaciosa, é o fato de que regiões do país que possuem o maior número de
registro e portes de armas – como o Rio Grande do Sul, com a relação de 10,
86 armas por habitante –, ou seja, onde a população está mais armada,
apresentam os menores índices de criminalidade.
“A auto-defesa, defendida pelas pessoas comuns que
adquirem um revolver legalmente, com a finalidade de se
proteger dos criminosos, é na maioria das vezes um tiro que sai
pela culatra”. (pág.14)
Ao contrário: o cidadão desarmado sempre se insere num contexto de
maior exposição ao crime, decorrente de os bandidos passam a ter a certeza
18
de que suas vítimas estão desarmadas e indefesas. A Inglaterra, um exemplo
isolado e fracassado de desarmamento civil, está experimentando o
crescimento acelerado dos crimes violentos de proibir a posse e o porte de
armas em seu território: a ocorrência de roubos e assaltos aumentou em 117
por cento, especialmente os assaltos a residências e, por outro lado, hoje o
numero de armas clandestinas é estimado pela polícia em três milhões, contra
as 200 mil vendidas compulsoriamente pelos cidadãos ingleses ao governo. A
situação atingiu tal gravidade, que em várias cidades a polícia inglesa,
quebrando uma longa tradição histórica, passou a utilizar armas no
patrulhamento a pé.
Segundo a notícia da agência Reuters, de outubro de 1998: “Você
corre maior risco de ser atacado na Inglaterra do que nos Estados Unidos,
segundo um novo estudo sobre criminalidade apresentado com alguma
consternação na Inglaterra no domingo passado. O trabalho conduzido por um
professor da Universidade de Cambridge e um estatístico do Departamento de
Justiça norte-americano mostra que os índices para crimes sérios, tais como
assaltos, roubos, invasão de domicílios e roubo de automóveis, são todos mais
altos na Inglaterra e País de Gales do que nos EUA” Mais adiante, informa que
“em 1995 – último ano para o qual existem estatísticas completas -
aconteceram 20 assaltos para cada 1000 pessoas na Inglaterra e País de
Gales contra apenas 8,8 nos Estados Unidos. O índice de roubos é hoje 1,4
vezes maior na Inglaterra e País de Gales do que nos EUA e a taxa de
arrombamentos em residências é quase o dobro da americana”. Esse é o
resultado das políticas de desarmamento dos cidadãos que cumprem as leis.
“Não há direito constitucional de portar uma arma”.
(pág. 19)
19
O Código Penal nos garante a legítima defesa e a Lei nº 9.437/97, a
posse e o porte de armas de fogo. Legalmente podemos possuir e portar armas
e usá-las contra atacantes, respeitados os limites da lei. A legislação não
impede que nos defendamos. Esta parece ser uma questão clara, mas não é. A
reação da vítima ao agressor não está sendo bem vista pela estratégia do atual
governo no combate à violência.
Como atualmente tudo o que se faz no país passa por uma discussão
sobre os Direitos Humanos, vamos pensar a questão da legítima defesa por
esse aspecto, procurando ver alguma contradição entre a legislação vigente e
a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Vejamos o que dizem alguns
artigos deste documento:
Artigo I – “Todas as pessoas nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação uma às outras com espírito de
fraternidade”.
Artigo III – “Toda a pessoa tem direito à vida, à
liberdade e à segurança pessoal”.
Artigo XVII – “Toda pessoa tem direito à propriedade,
só ou em sociedade com os outros. Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade”.
Artigo XXX – “Nenhuma disposição da presente
Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a
qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer
qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à
destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui
estabelecidos”.
20
Se formos analisar a fundo nossa realidade e compará-la ao que prevê
essa Declaração, constataremos que, ao permitir a existência de um
banditismo desenfreado no país e a ocorrência de uma imensa e crescente
quantidade de crimes contra a pessoa, o Estado está violando, com a sua
omissão, o Artigo III. Ao impedir que o cidadão se arme, para garantir sua
defesa, o Estado também está violando artigo XXX, e colaborando para que os
criminosos obtenham êxito na violação dos artigos I e XVII.
Para quem comete crimes, as leis de desarmamento são totalmente
ignoradas. Se analisarmos a questão da violência com objetividade, veremos
que é o banditismo o responsável pela imensa maioria das violações dos
Direitos Humanos da população. E não há como se defender estando
desarmado. Está mais do que provado que os países que permitem aos seus
cidadãos de bem um maior acesso às armas de fogo convive com as menores
taxas de homicídios, preservando assim a vida de milhares de inocentes.
“75% dos crimes são cometidos por armas brasileiras e
de calibre permitido, ou seja, proveniente de nossas fábricas”.
(pág. 15)
O estudo citado para sustentar a afirmação falsa acima enunciada
jamais foi apresentado publicamente. É um estudo fantasma. Todos sabemos
que bandido não compra arma em loja. O jornal O Estado de são Paulo, em 22
de junho de 2000, publicou matéria com o seguinte título: “Venda de armas no
País caí, mas violência cresce”. E afirma categoricamente: “Nos últimos seis
anos, apesar de a violência vir apresentando crescimento visível em capitais e
grandes cidades, a venda de armas de porte (categoria que incluir revolveres e
pistolas) no País caiu 59 por cento, segundo o Exército, que acompanha esse
comércio nos Estados. Essa estatística joga por terra a premissa do governo
federal de que, suspendendo a venda legal de armas por seis meses, como foi
21
anunciado no Plano Nacional de Segurança Pública, a criminalidade será
reduzida”. Em seguida, informa que o número de assassinatos cresceu, entre
1979 e 1998, em 273 por cento!
Estudo encomendado pelo Ministério da Justiça e realizado pelo IBGE
em 1999, que leva o título de “Mortes Violentas – um panorama dos homicídios
no Brasil”, reconhece que é “consensual a escassez de estudos empíricos e de
informações estatísticas que permitam analisar a magnitude e a incidência da
criminalidade no país”, para mais a frente reconhecer que os “registros de
ocorrência apresentam falhas em seu preenchimento”, além de “não serem
padronizados”, o que impedem “qualquer comparação nacional”.
Mas, se como afirma o lobby antiarmas, as armas legais são
“desviadas por empresas de segurança ou até pela polícia”, trata-se de coibir
estas práticas ilegais, jamais penalizar o cidadão de bem que adquire sua arma
legalmente pela prática de um crime – o desvio – praticado por delinqüentes.
“Além de restringir a comercialização e o porte de
armas, a Lei 10.826/03 estabelece uma série de mecanismos de
identificação das armas de fogo e de sua munição, que
viabilizam o rastreamento do seu caminho, permitindo a
localização dos desvios e do tráfico ilegal de armas.” (pág. 17)
Buscando informações técnicas a respeito desse tópico, veremos que,
na prática, de nada adiantará os “mecanismos de identificação” para que armas
ilegais continuem a ser utilizadas por criminosos. Isso porque nos processos
tradicionais de fabricação de canos, a operação de raiamento é realizada por
corte de material utilizando uma ferramenta especial com o perfil das raias que
se pretende obter. Cada ferramenta produz uma certa quantidade de peças
(poucas centenas de canos), tornando-se necessário reafiá-la, num processo
22
executado em retíficas. A reafiação faz com que entre um lote e outro de
canos possam ser identificadas pequenas diferenças, do ponto de vista
microscópico, provocadas por pequenas marcas deixadas no processo de
retífica na ferramenta de raiar. Além disso, eventualmente, ocorre que
pequenos cavacos, produzidos na operação de raiar, sejam arrastados ao
longo do cano gerando as diferentes impressões que diferenciam este canos
dos demais produzidos em um lote.
Estas diferentes impressões de raiamento, quando ocorrem, podem
ajudar um perito, devidamente equipado com um microscópio, a associar um
cano ao projétil por ele disparado. No entanto, deve ser ressaltado que, dentro
de um mesmo lote de canos feitos pela mesma ferramenta, quando não ocorrer
o arraste de cavacos, o que na realidade é um fato acidental do processo, será
gerada uma quantidade de canos absolutamente iguais.
Em processos mais modernos de fabricação, o raiamento é obtido por
deformação a frio num processo chamado de bilhamento. Neste processo uma
ferramenta de metal duro, extremamente polida e com o perfil do raiamento
que se pretende obter, é arrastada ao longo do furo do cano. A ferramenta, por
ser de metal duro, não sofre desgaste perceptível na fabricação de uma série
de canos. Além disso, como não envolve a retirada de material, não gera
cavacos e, conseqüentemente, não há marcas para diferenciar um cano do
outro. Assim sendo, canos de mesmo lote e materiais produzidos pela mesma
ferramenta são absolutamente iguais.
Desta maneira, podemos concluir que, tanto em um processo de
fabricação quanto no outro, serão sempre gerados grupos de canos que irão
produzir impressões nos projéteis, mas que não poderão ser distinguidas umas
das outras, inviabilizando assim completamente o trabalho do perito.
Deve-se levar em conta, ainda, que o fato do fabricante arquivar um
projétil com a impressão do raiamento de cada arma produzida, devido aos
problemas descritos acima, não terá nenhuma utilidade para a perícia, pois um
23
projétil recolhido no ambiente do crime não poderá definir a arma correta que o
disparou. Se a perícia estiver de posse da arma suspeita, então será possível
fazer uma comparação entre o projétil recolhido e um novo projétil a ser
disparado por esta arma, não sendo necessário comparar com o projétil
arquivado no Sinarm. A única situação em que o arquivamento de projéteis
pelo fabricante terá alguma utilidade será na comparação do projétil disparado
pela arma suspeita com o projétil correspondente à esta arma no arquivo do
fabricante. Neste caso, o arquivo do fabricante servirá para comprovar se
houve ou não a troca do cano da arma.
Por todas essas razões, o artigo acima citado não possui nenhuma
utilidade.
“As armas apenas potencializam desfechos fatais a
conflitos necessariamente existentes dentro de qualquer
comunidade”. (pág. 23) – “a restrição ao porte de arma por
pessoas comuns também reduz o risco de morte do próprio
portador e daqueles que estão ao seu lado”. (pág. 30)
No Brasil, não existe estudos de análise de risco que comprovem esta
afirmação. Na experiência internacional, o único estudo existente, realizado nos
Estados Unidos, mostra que as armas salvam inúmeras vezes mais vidas do
que tiram. Ambas afirmações acima, portanto, jamais foram constatadas; são
apenas suposições.
As pessoas acreditam que possuir uma arma lhes assegura melhores
condições para defender suas vidas porque a realidade mostra que isso é
absolutamente verdadeiro. O lobby antiarmas cita uma suposta pesquisa
elaborada pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que nega sua
autoria, para concluir que “um cidadão que possui arma de fogo têm 57 por
cento mais chance de morrer em um assalto do que os cidadãos desarmados”.
24
Não explicam como chegaram a esta conclusão, quais dados foram usados,
como foram coletados, a qual períodos se referem. É mais um estudo
fantasma!
A experiência concreta e os dados e estudos disponíveis mostram o
contrário. Basta lembrarmos a relação entre registros de armas e porte e
número de homicídios, na região Sul, e do Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
em particular. Nesta região, temos a maior taxa de registros de armas e portes
do país e um dos menores índices de criminalidade!
No plano internacional temos dois exemplos gritantes: na Inglaterra,
depois do desarmamento, aumentou em 117 por cento o número de assaltos e
roubo à residências, sabidamente desprotegidas. Nos Estados Unidos, estudo
realizado pelo Professor Gary Kleck, da Universidade da Flórida, juntamente
como os criminologistas Don B. Kates e David Kopel, denominado Guns and
Violence in América, comprovou que para cada uma vida perdida são salvas
entre 25 e 75 vidas por uso de armas de fogo.
Outro estudo realizado pelos professores James Wright e Peter Rossi,
denominado Armed and Considered Dangerous: A Survey of Felows and Their
Firearms, patrocinado pelo Departamento de Justiça americano, apontou “o
cidadão armado como o mais efetivo meio de impedimento do crime na nação”.
A pesquisa realizada com mais de 1800 criminosos mostrou que:
??81% afirmaram que procuram saber antes se a vítima está armada;
??74% dos bandidos afirmaram evitar entrar em residências onde
sabem morar cidadãos armados;
??40% disseram que deixaram de cometer crimes por medo de que a
vítima estivesse armada;
??57% afirmaram temer mais o cidadão armado do que a própria
Polícia;
25
?? 56% disseram não abordar vítimas que desconfiem estar armadas.
A razão para este comportamento é simples: a arma na mão de um
cidadão de bem funciona como decisivo instrumento de dissuasão contra o
crime.
Um outro estudo, uma das mais interessantes pesquisas de vitimização
realizadas no Brasil, divulgada pelo Banco Mundial (World Bank) em 2002, é de
autoria de uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo – USP,
sob coordenação do professor do Departamento de Ciência Política, Leandro
Piquet Carneiro. Os dados abrangem a Região Metropolitana de São Paulo e
contrastam com levantamentos e conclusões sensacionalistas que apontam
para um quadro de grave “pavor” da população em relação à criminalidade em
todo o país.Dentre as conclusões, está a de que o que predomina de forma
destacada no Brasil o chamado “street crime” e “house crime”. No primeiro
caso, combatê-lo requer a presença mais ostensiva da polícia, ações sociais
preventivas e o exercício da autoridade efetiva e simbólica da justiça criminal;
no segundo, além dos efeitos positivos da maior efetividade da ação policial, é
preciso contar com a possibilidade da dissuasão através da autodefesa. Por
isso, é inimaginável retirar do cidadão o direito de defesa de sua residência e
de sua família.
Ao contrário do que insistem em afirmar os defensores do
desarmamento, os crimes no Brasil não são majoritariamente provocados por
motivos fúteis: 75% deles são “economicamente motivados”, ou seja,
objetivavam alguma vantagem material. Os que possuem outro tipo de
motivação, passionais ou desavenças interpessoais, representam apenas 15 %
dos casos.
A pesquisa também desmente de forma categórica a tese dos
defensores do desarmamento que afirmam ser a arma de fogo a principal
causa da criminalidade no Brasil. Pelos dados, percebe-se que o emprego de
arma de fogo – a pesquisa não detecta se a arma é legal ou não – limita-se a
26
apenas 14,85% dos casos. Se a questão é combater a criminalidade através da
eliminação de objetos usados nos episódios que resultam em crimes, será
preciso antes proibir golpes, tapas, socos, facas, etc.
“O Estatuto terá impacto direto no mercado ilegal de
armas. Diferentemente do mercado de drogas, as armas sempre
têm uma origem legal”. (pág; 32)
Armas legais não fabricam criminosos. É absurda a afirmação de que o
cidadão de bem indireta ou involuntariamente ajuda os criminosos ao comprar
uma arma legal. Essa é uma tese sobretudo preconceituosa, pois supõe que
todos os cidadãos agem sem a plena consciência de suas responsabilidades
civis e legais. Dizer que eles se iludem é chamá-los, no mínimo, de ingênuos
ou irresponsáveis, o que representa uma ofensa inaceitável para uma proposta
que prega a democracia e a participação social.
A venda legal de armas, como já mencionamos, caiu de forma
significativa no Brasil e nem por isso a criminalidade diminuiu. O mercado
ilegal, ao mesmo tempo, tem crescido assustadoramente. Quase diariamente
lemos vemos no noticiário armas de grossos calibres, dignas de guerra, como
também de uso restrito das Polícias e Forças Armadas, em poder dos
criminosos. Para encarar esse problema, são cruciais medidas repressivas por
parte do governo em nossas fronteiras e também internamente. Até porque é
através do mercado ilegal – de armas produzidas no exterior – que o
narcotráfico se abastece de armamento pesado. A maioria dos crimes
esclarecidos é cometida por bandidos reincidentes, que compram armas,
obviamente, no mercado clandestino. Hoje, eles são os maiores responsáveis
pelo aumento de assaltos, seqüestros e outros crimes violentos com armas de
fogo.
27
Existe um mito que o Brasil é um país onde a armas de fogo esta
banalizada. Não é verdade. Os Estados Unidos, a Noruega, o Canadá, a
Finlândia, França, Nova Zelãndia, Austrália, Belgica, Suiça, Itália, Suécia,
Espanha e Irlanda são países mais armados do que o Brasil e possuem taxas
dez ou vinte vezes menores de crimes. Como explicar a diferença? Neles não
existe mercado ilegal? Não existe a possibilidade de que um proprietário de
uma arma legal ser assaltado e sua arma parar na mão de um bandido?
Todos esses países são desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Possuem polícias mais eficientes. A impunidade é menor e as comunidades
são mais organizadas e atuantes. Essa é a diferença fundamental. Por
exemplo, a Inglaterra proibiu a venda de armas de fogo em 1997 e existem
hoje no país um mercado ilegal estimado em 3 milhões de armas, como
noticiou o jornal The Guardian.
A lógica é: proibir estimula o mercado ilegal. A opção é: legalizar,
regular e controlar. É preferível o controle do que a ilegalidade.
A maior fabricante de armas curtas do Brasil, a Forjas Taurus, numa
decisão cautelar, não exporta armas para o comércio (mercado civil) do
Paraguai desde outubro de 1999, quando descobriu que esse país estava no
centro das operações do tráfico de armas e de drogas.
Outra medida que, evidentemente, surtiria efeito, é a melhoria no
controle do estoque de armas apreendidas e das adquiridas por empresas de
segurança. Há casos relatados pela Polícia de armas que foram apreendidas e
depois voltaram às ruas várias vezes.
O controle das armas apreendidas pelas forças policiais são deficientes
e não há como responsabilizar o cidadão honesto ou a indústria de armas pela
inépcia ou por falhas na guarda dessas armas pela polícia ou pela falta de
segurança das empresas de segurança privada. A responsabilidade é da
conduta humana e atribuir às armas legais essa responsabilidade é uma
28
acusação leviana. É a mesma lógica hipócrita de querer reduzir os acidentes
de trânsito proibindo a fabricação de automóveis.
Basta analisar cuidadosamente a veracidade das informações
apresentadas pelos defensores do desarmamento civil. Segundo a ONG Viva
Rio, o “número de armas clandestinas fabricadas no País chega a 20 milhões”.
Conforme dados da Forjas Taurus, em 40 anos, foram fabricadas 10
milhões de armas, sendo que 50% dessa produção foi exportada e outros 50%
foram comercializados para as Polícias Civil, Militar e Forças Armadas, como
também para empresas de segurança pública. Ou seja: se essa conta está
correta, 10 milhões de armas a mais foram colocadas no mercado ilegal, o que
é um absurdo.
Dados obtidos através do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) indicam
que, em 2002, foram apreendidas 73 vezes mais armas do que no ano de
1990. Existem cálculos da Polícia Federal que apontam a presença de cerca de
47 mil armas somente nas favelas cariocas. Os bandidos do Rio, como já foi
conferido in loco por vários policiais, têm hoje arsenais dignos de guerra.
A pesquisa do Iser que concluiu pela existência de um alto percentual
de armas de fabricação nacional entre as armas apreendidas pela polícia no
Rio de Janeiro é falha. Ela não indica o motivo pelo qual a arma foi apreendida:
uma arma pode ser recolhida por ter registro vencido, porte vencido, não ter
registro ou não ter porte. Estão misturadas nesse lote escolhido pela pesquisa
armas usadas em crimes e armas apreendidas por motivos burocráticos. Além
do mais, se no Brasil são apurados em média apenas 8 % dos crimes
violentos, como dizer que a armas de fabricação nacional está presente nos
demais 92% dos crimes não apurados?
29
2 - ARMAS E CRIMINALIDADE NO BRASIL
A análise da relação entre armas de fogo legais e crimes violentos
enfrenta, conforme já salientamos, uma série de dificuldades, principalmente
resultantes da ausência de informações precisas sobre o envolvimento de
armas de fogo nos crimes. Os dados que dão amparo para a afirmação de que
65% dos casos de homicídios foram cometidos por arma de fogo é proveniente
das informação do Sistema de Informações sobre a Mortalidade (SIM), do
Datasus, do Ministério da Saúde.
Por ser um indicador de saúde, naturalmente não traz mais nenhuma
informação sobre a situação da arma, do agente e sobre as circunstâncias dos
crimes. A primeira dificuldade, portanto, reside no fato de que não sabemos se
as armas empregadas nesses crimes estão em situação regular, são legais,
ou estão em situação irregular. Ou, até mesmo, se são armas de calibre cuja a
venda é permitida para civis no Brasil, ou se são armas com calibres
proibidos.
Por sua vez, os registros efetuados pelas polícias, no caso dos
homicídios, fornecem apenas dados completos sobre um universo muito
pequeno dos crimes, pois se restringem, por razões óbvias, aos crimes
apurados. Segundo estimativas, abrangem apenas 8% do total, uma amostra
muito pequena para qualquer generalização segura sobre um padrão
observável na totalidade dos crimes de homicídio.
Basicamente por causa dessas duas razões, as análises sobre a
possível relação entre armas legais e crimes deve se valer de outras
metodologias, com base em dados agregados.
30
Antes de apresentarmos a análise que aponta a dificuldade de
correlacionar positivamente as armas legais e os crimes violentos, é importante
citar um importante estudo que lança novas luzes sobre a dinâmica dos
homicídios no Brasil. Trata-se da pesquisa “Homicidas e Homicídios:
reflexões sobre a atualidade urbana de São Paulo“, de autoria do jornalista
Bruno Manso.
Ele analisou dados de 876 inquéritos policiais na Região Metropolitana
de São Paulo, entre 1998 e 2000. Segundo o autor, ao contrário do que afirma
o Senador Renan Calheiros, que os homicídios são perpretados por pessoas
de bem por motivos “fúteis”, 76% dos homicídios são “assassinatos”
planejados, portanto, premeditados e envolvem “acertos de contas” entre
bandidos.
Assim, ao contrário do que supõe também o “discurso dos
desarmamentistas”, a maior parte dos homicídios ocorre como uma forma de
os “criminosos” resolverem suas desavenças. De acordo com o estudo, a
premeditação explica-se pelo fato óbvio de que, num ambiente criminoso, onde
não existe a intermediação do Estado, o homicídio planejado se torna a única
forma de resolver as disputas entre os criminosos.
Outra conclusão importante desse estudo, compatível com outras
pesquisas, é que, na dinâmica dos homicídios, atua fortemente o fator drogas.
Ele aponta o envolvimento das drogas em nada menos do que 67% dos casos
analisados.
A seguir, apresentamos as conclusões da análise sobre a relação entre
estoque de armas legais e índices de crimes com base em três metodologias
diferentes.
A primeira delas compara a evolução da venda de armas legais em
São Paulo (capital) e a emissão de portes com as tendências dos crimes de
roubos e furtos. Em seguida, é feito um outro exercício, comparando-se os
31
dados de armas apreendidas pela polícia com as mesmas tendências de
crimes (roubos e furtos).
Os dados da Tabela 1 mostram que a venda de armas legais vem
decrescendo de forma sistemática e consistente em todos os anos da série,
desde 1994. Observando-se os anos extremos da série, vê-se que, em 2002, a
venda correspondeu a um quarto do volume vendido em 1994.
A emissão de portes de armas também teve uma queda expressiva,
conforme podemos verificar nos dados da Tabela 1. Em 2002, foram emitidos
17 vezes menos portes do que em 1994. Em 2002, apenas 3.900 portes foram
autorizados.
Enquanto isso, o volume dos roubos e homicídios apresentou
comportamento ascendente, e, no caso dos homicídios, houve persistência das
ocorrências num patamar elevadíssimo. A taxa de homicídios na Região
Metropolitana de São Paulo é mais do que o dobro da taxa média nacional,
alcançando 65 casos por 100 mil habitantes a cada ano.
32
Em outras palavras, enquanto as vendas de armas legais caíram 76%
e a emissão de portes decresceu 94%, quando comparados os anos 1994 e
2002, os crimes de roubos aumentaram 73% e os homicídios permaneceram
no mesmo patamar, de 50,7 casos por 100 mil habitantes.
A redução da venda de armas e a da emissão de portes não tiveram
nenhuma influência positiva na redução dessas duas modalidades graves de
crimes.
Quando acrescentamos a esse quadro o volume de armas apreendidas
pela polícia – supõe-se em situação irregular – o mesmo fica ainda mais
dramático. Conforme podemos observar, foram apreendidas, entre 1996 e
2002, no Estado de São Paulo, segundo dados da própria polícia, nada menos
do que 244 mil armas de fogo.
Para termos uma idéia da magnitude das apreensões, basta lembrar
que o estoque de armas legais, em São Paulo, no ano 2000, era de exatas 495
mil armas. As apreensões retiraram o equivalente a mais da metade do
estoque de armas legais, e nem por isso a criminalidade (roubos e homicídios)
baixou, ao contrário.
Ou seja, São Paulo vem promovendo uma severa política de
desarmamento civil – através da redução da emissão de registros e de portes e
da imposição de barreiras financeiras através do alto preço desses documentos
– sem afetar a criminalidade. Reduziu drasticamente o estoque de armas em
situação irregular, sem que, da mesma forma, houvesse efeito positivo nos
índices de crimes.
A mesma assimetria na comparação entre a densidade de armas de
fogo e crimes ocorre também no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro vem
implementando uma política de desarmamento há mais de oito anos, tendo,
nesse período, apreendido aproximadamente 80 mil armas. Segundo o Viva
Rio, a média de apreensões/ano é de 10 mil armas.
33
Complementando esse quadro, foi praticamente cessada a emissão
de portes desde 1994 – o total de portes emitidos no Estado alcança pouco
mais de uma centena. Ou seja, a totalidade do estoque de armas em mãos de
civis pode apenas ser mantida nas residências e nos locais de trabalho. As
vendas de armas para o mercado civil, por sua vez, vêm se reduzindo a cada
ano. Entre 1996 e 2002, foram vendidas não mais do que 25 mil armas.
Em resumo, a verdade é que o Rio de Janeiro está se desarmando, e a
criminalidade aumentou nos últimos anos.
Não há relação entre venda de armas legais e crimes letais
Uma outra possibilidade de se avaliar a relação possível entre a
densidade da presença de armas de fogo na sociedade e os crimes é fazer
uma comparação entre a realidade dos estados. É o que fazemos a seguir,
comparando a presença de armas de fogo e os índices de homicídios nos
Estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul.
O objetivo desta análise é testar a afirmação dos defensores do
“desarmamento” civil no sentido de que a simples presença de mais armas de
fogo em circulação é um bom predicador de crimes violentos. Por esse
argumento, onde existem mais armas, deve haver maior número de crimes.
34
Assim, quando examinamos os dados, observamos uma realidade
bastante diferenciada em termos de estoque de armas legais perante a
ocorrências de homicídios.
No Rio Grande do Sul, estado mais armado do País, temos uma média
de uma arma de fogo para cada 10,86 habitantes. Em São Paulo, uma arma
para cada 29 pessoas, e, no Rio de Janeiro, a menor densidade, uma arma
para cada 74 pessoas.
Isto é, o Rio Grande do Sul tem sete vezes mais armas per capita do
que o Rio de Janeiro e três vezes mais do que São Paulo. Mas, com relação
aos homicídios, possui uma taxa quase quatro vezes menor do que o Rio de
Janeiro e de quatro vezes menor do que São Paulo.
Diminui a venda de armas e aumentam os homicídios
Finalmente, uma última possibilidade de se examinar a correlação
entre armas de fogo e a criminalidade letal é colocar os indicadores num
horizonte temporal mais longo, para que possamos observar uma tendência
histórica.
No Gráfico 1 podemos observar o comportamento das vendas de
armas de fogo leves para o mercado civil (exclui as vendas para as Polícias
Civil e Militar), comparativamente ao comportamento do volume de homicídios
ocorridos no mesmo período.
35
Em 20 anos, os homicídios aumentaram de 10 mil para 40 mil por ano,
enquanto a venda de armas caiu, em média, de 51 mil para 23 mil no mercado
civil.
A análise feita acima evidencia, de forma bastante sólida, a dificuldade
de se fazer uma relação simplista, como é feita pelos adeptos do
desarmamento, entre armas legais e crimes. Não se pode dizer que maior
densidade de armas legais na população significa, necessariamente, maior
volume de crimes.
Igualmente, não se pode afirmar que a simples redução da venda de
armas legais é importante para reduzir os homicídios.
Os dados mostram que a premissa fundamental do “desarmamento” é
falha. Na realidade, conforme evidencia a situação observada no Rio Grande
36
do Sul, a presença de armas pode conviver — e alguns até acreditam explicar
— com baixos índices de crimes letais, comparativamente à realidade nacional.
Uma análise isenta e objetiva das razões que motivam a explosão dos
crimes nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas também em várias
capitais do País, deve levar em conta outros fatores sociais, legais e
econômicos. E, principalmente, o desenvolvimento do crime organizado, que
explora o tráfico e o consumo de drogas, responsável por um novo fenômeno:
o banditismo urbano e as “carreiras criminosas”.
No tocante às armas de fogo, é evidente que o Governo deve possuir
um sistema de controle dos registros e dos portes, como, aliás, prevê a Lei nº
9.437 e o Decreto 2.222., em vigor. As leis brasileiras já são suficientemente
severas. Podem, evidentemente, ser melhoradas, mas é preciso ter o cuidado
necessário para que o princípio da legítima defesa não seja afetado.
O famoso Criminologista David Bayley, na abertura de seu livro Police
for the Future, diz com todas as letras: “(...) polícia não consegue prevenir o
crime”. Pela simples razão de que, por mais eficiente que seja, ela não pode
estar, ao mesmo tempo, em todos os lugares. A proteção policial total é um
mito, que vem custando muitas vidas em todo o mundo.
A sociedade e os cidadãos, de várias formas, são vistos hoje pelas
modernas técnicas de prevenção como elementos complementares ao trabalho
da polícia. Através de duas formas básicas: participando na formulação das
estratégias de prevenção e reduzindo as oportunidades de crimes. Mas,em
última instância, quando eles são iminentes, ninguém pode negar-nos o direito
de defesa. Não existe direito de defesa sem os instrumentos para torná-lo uma
possibilidade real.
37
4 - A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL NO CONTROLE
DE ARMAS
No debate sobre o desarmamento no Brasil, com muita freqüência se
recorre aos exemplos dos Estados Unidos e da Inglaterra. A realidade desses
países é evocada tanto como algo que deve ser evitado ou como exemplo a
ser imitado. Em análises comparativas, quando citamos o exemplo de um ou
outro país, precisamos nos cercar de cuidados, para não imaginar que as leis
ou situações existentes em outros contextos legais, sociais, econômicos e
culturais possam ser simplesmente copiadas para o nosso. Por isso,
precisamos sempre levar em conta as diferenças e peculiaridades presentes
nos contextos e cenários que estão sendo cotejados.
Por exemplo, quando se comparam as taxas de crimes violentos e
mesmo de homicídios de vários países com as do Brasil, nota-se que os que
apresentam as menores taxas de crimes violentos são, invariavelmente, e não
por coincidência, os países desenvolvidos. Países que, em relação ao nosso,
apresentam enormes vantagens em termos de crescimento econômico,
distribuição de renda, mercado de trabalho, educação e serviços públicos e,
por último, sistemas de Justiça Criminal – a polícia, a Justiça e o Sistema
Prisional - melhor equipados e mais eficazes.
Este último aspecto é muito importante, pois a eficácia da polícia e da
Justiça está intimamente relacionada com a punição dos crimes e, através do
exemplo, com a disseminação da certeza da punição como elemento de
educação e dissuasão de delitos, mesmo os de baixo poder ofensivo.
A ocorrência de baixo nível de crimes nos países desenvolvidos, como
se verá neste estudo, não se deve à inexistência de armas de fogo (armas
38
leves) em circulação na sociedade, mas à eficácia da imposição da lei e da
ordem, à eficácia da ação do Estado.
Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram uma forte ascensão da
criminalidade violenta nos anos 70 e 80, provocada, em larga medida, pelo
crescimento do tráfico de drogas (a cocaína e, mais tarde, o crack).
Qual foi a resposta dos norte-americanos?
Basicamente, uma ampla e radical reforma de suas instituições
policiais, através da inovação nos conceitos e as táticas das polícias, do
policiamento comunitário, da implementação de políticas rigorosas de
recuperação da ordem pública (Tolerância Zero), da prevenção situacional do
crime (envolvimento com a comunidade e táticas preventivas), além de
medidas penais mais rigorosas. Os EUA experimentaram, é verdade, um
crescimento importante de sua população prisional, mas estão vencendo a
criminalidade. Paralelamente a todo esse esforço, já são 35 os estados onde é
permitido ao cidadão de bem portar uma arma para sua defesa pessoal.
Faremos, inicialmente, alguns comentários sobre a realidade dos
Estados Unidos e, em seguida, algumas observações sobre a Inglaterra.
Finalmente, para subsidiar ainda mais o debate, transcrevemos um capítulo do
livro Democídio: Criminalidade e Democracia no Brasil, onde a realidade
desses países é debatida em maior profundidade.
Estados Unidos
Quando citamos o exemplo da política dos norte-americanos com
relação às armas de fogo e também seus exemplos de sucesso no combate à
criminalidade, isso não significa que estamos advogando a adoção de tais
políticas no Brasil. Estamos, apenas, utilizando os exemplos concretos para
questionar nossas propostas e testar muitos de seus fundamentos e
promessas.
39
Assim, no caso específico das armas de fogo, o exemplo das políticas
adotadas na maior parte dos estados dos EUA, que permitem a venda e o
porte de armas leves por cidadãos honestos, é muito interessante e ilustrativo.
Hoje, em mais de 35 estados daquele país, um cidadão pode comprar uma
arma de fogo e portá-la em determinadas circunstâncias e locais. São as
chamadas leis não arbitrárias de porte de armas.
Armas e queda dos crimes
Um estudo realizado pelo Economista John Lott da Universidade de
Chicago, já citado, mostrou que, nesses estados, os índices de crimes
violentos são menores do que nos estados que proíbem ou praticam restrições
à venda e ao porte das armas de fogo. Daí o sugestivo título de seu livro: “Mais
armas Menos crimes”. Lott coletou e analisou indicadores em 3054 distritos do
país durante 18 anos e chegou à conclusão de que há uma relação assimétrica
entre armas e crimes.
Os Estados Unidos são provavelmente um dos países onde existe o
maior volume de armas em mãos de cidadãos civis. Existem estimativas que
indicam a existência de um estoque de mais de 200 milhões de armas em
circulação no país, e nem por isso a criminalidade violenta está aumentando.
Ao contrário, desde 1993, todas as taxas de crimes estão em queda:
homicídios, roubos e assaltos com ferimentos, conforme podemos ver na
Tabela 4.
Depois de atingir o pico, em 1980, quando alcançou 10,2 casos por 100
mil habitantes, e manter-se nesse patamar durante toda a década, nos anos
90 a taxa de homicídios apresentou uma trajetória declinante até alcançar, em
2000, 5,6 casos por 100 mil, o mesmo patamar do início dos anos 60.
40
Mais ou menos o mesmo comportamento pode ser observado com
relação às taxas de roubos e de assaltos com agravantes. Os roubos
mantiveram-se entre 208 e 257 casos por 100 mil ao longo dos anos 80; nos
anos 90, começaram a declinar, até alcançar 147 casos por 100 mil; em 2000,
tiveram o menor indicador desde 1969. O mesmo ocorreu com os assaltos com
agravantes: em 2000, a taxa de 329 casos por 100 mil era a menor desde
1985.
Queda dos crimes com armas de fogo
Juntamente com a queda dos homicídios observada ao longo de toda a
década de 90, constatou-se também a diminuição dos homicídios com o
emprego de armas de fogo.
Em 1990, havia 4,7 casos de homicídio com o emprego de arma de
fogo para cada 100 mil habitantes, percentual que caiu para 2,9 casos no final
41
da década, de acordo com o Supplementary Homicide Reports, editado pelo
FBI.
Armas x crimes
O que estes números comprovam? Basicamente que, enquanto
aumentou o estoque de armas de fogo nos Estados Unidos — um crescimento
estimado por certos estudiosos em 3 millhões de novas armas por ano, até
atingir um estoque estimado em mais de 200 milhões de armas em circulação
— a criminalidade caiu.
Essa relação assimétrica entre o volume de armas e os índices de
crimes coloca em dúvida, senão em total descrédito, um dos mais importantes
argumentos dos segmentos que defendem o “desarmamento civil” como
estratégia de controle e de redução dos crimes.
42
Seguindo a lógica do argumento que utiliza a quantidade de armas em
mãos de civis como fator predicador de crimes, teríamos de estar diante de
um crescimento contínuo da criminalidade nos Estados Unidos, ao contrário do
que vem ocorrendo naquele país desde o início dos anos 90. A quantidade de
armas aumenta nos Estados Unidos, a cada ano, enquanto os crimes estão em
queda.
As armas e a autoproteção
Os norte-amercianos compram armas por duas razões básicas: para a
prática de esportes e de caça e, em segudo lugar, para a proteção de suas
casas e famílias. Estima-se que 60% dos proprietários de armas de fogo
praticam caça todos os anos.
Existem estatísticas que mostram o uso defensivo de armas de fogo —
Defensive Use Guns (DGU). Uma delas resulta de pesquisa realizada pelo
Professores Kleck e Gerts, que mostram um uso defensivo de armas entre 1,5
e 4,7 milhões de vezes a cada ano. São situações em que a posse de uma
arma permitiu ao seu portador evitar a ocorrência de um crime. Os críticos da
pesquisa de Kleck e Gerts, como o Professor J. Cook, da Universidade de
Duke (USA), discordam dessa estimativa, admitindo um número menor, de
apenas 570 mil situações.
De qualquer forma, seja qual for o número, é preciso reconhecer que a
posse de uma arma pode ser um fator efetivo de dissuasão de crimes. Esse
aspecto pode ser visto de uma outra forma, através da relação dos criminosos
com seus “alvos”. É o que indica uma pesquisa feita com presos norte-
americanos, que admitiram “preferir” atacar alvos desarmados (pessoas ou
residências).
A seguir, transcrevemos alguns trechos de um dos capítulos do livro
Democídio: Criminalidade e Democracia no Brasil, do economista Luiz
Tadeu Viapiana (2003), onde o autor apresenta uma análise crítica dos
43
pressupostos da tese do desarmamento, das promessas e resultados
concretos dessa política.
A (i)lógica do desarmamento
A relação entre armas e crimes envolve um longo, antigo e complexo
debate. As posições estão, em geral, polarizadas entre os que afirmam haver
uma relação de causa e efeito entre a disponibilidade de armas de fogo e
índices de criminalidade e os que, no outro extremo, dizem que mais armas
representam menos crimes.
Ambas as posições recorrem às estatísticas para comprovar suas
teses, em que pese às dificuldades metodológicas existentes. A mais comum
delas é a comparação entre o número de armas e o número de homicídios por
país (Killias, 1993), embora se saiba que essas estatísticas são muito
imprecisas. Por exemplo, certos países estimam o número de armas supondo
que existe apenas uma arma por residência, quando, na verdade, essa
premissa é mera suposição. Outra dificuldade enfrentada por esse tipo de
levantamento é que as pessoas temem revelar a quantidade de armas em suas
residências. O problema acentua-se nos países que possuem leis restritivas,
pois as pessoas receiam que o governo, de posse das informações, recolha
suas armas. Mas, de qualquer modo, apesar da imprecisão das estimativas
com relação ao estoque de armas, é a comparação entre a quantidade de
armas legais e o número de homicídios o principal argumento utilizado pelos
que se opõem à supressão do direito do cidadão civil de comprar e portar uma
arma de fogo.
Um desses estudos foi elaborado por Martin Killias e compara a
quantidade de armas e a taxa de homicídio em 18 países desenvolvidos,
dentre os quais os Estados Unidos, a Suíça, a Nova Zelândia, o Canadá, a
Austrália, a Inglaterra, o Japão e a França. Os Estados Unidos lideram a lista,
com um estoque de 85 milhões de armas e uma taxa de homicídio de 9,3
44
casos por milhão; seguidos da Suíça, com 43 milhões de armas e apenas 1,5
caso de homicídio por milhão; logo depois vem a Nova Zelândia, com 29
milhões de armas e 2,6 homicídios; em quarto lugar, está o Canadá, com 24
milhões de armas e somente 2,2 homicídios, seguida pela França, com 23
milhões de armas e 4,9 homicídios.
Se adotarmos, na lógica do argumento dos que defendem o
desarmamento civil, a quantidade de armas como predicador da ocorrência de
homicídios, a comparação da quantidade de armas com o número de
homicídios nos vários países mostra uma relação, para dizer o mínimo,
largamente desproporcional.
Diante de tal situação, é muito difícil sustentar a existência de uma
relação direta entre as duas variáveis. A Suíça, por exemplo, possui a metade
das armas existentes nos Estados Unidos e apenas um quinto dos homicídios.
45
A Nova Zelândia possui um estoque mais elevado do que a França (29 milhões
contra 23 milhões) e uma taxa de homicídios quase 50% inferior (2,6 contra
4,9).
Quando os números se referem exclusivamente aos Estados Unidos, a
discrepância é ainda maior, embora muitos dos estudos apresentem também
dificuldades metodológicas. É o caso das comparações que se limitam a
cotejar dados de apenas poucas cidades, ou ainda dos estudos cujos dados
referentes ao estoque de armas disponíveis são insuficientes e requerem
estimativas e, por fim, o fato de que os dados agregados escondem diferenças
marcantes entre os diversos estados e regiões do país. Tal fato é importante
porque as regulamentações existentes em determinados estados podem ser
tangenciadas através da aquisição de armas onde as leis são menos
restritivas.
Nos Estados Unidos, por exemplo, se compararmos o estoque de
armas e as taxas de homicídios em 1973 e 1992, veremos que, enquanto a
quantidade de armas aumentou 110%, a taxa de homicídios diminuiu de 9,4
casos por 100 mil habitantes para 8,5 casos. De acordo com outras fontes, em
1992, havia em todos os EUA, um estoque total de 221,9 milhões de armas
(Kates; Shaffer; Lattimer; Murray; Cassem, 1994). Em 1973, armas eram
empregadas em 68% dos homicídios; em 1992, em 62% dos casos; e, em
2000, em 66% deles. Note-se que, em 2002, segundo o National Crime
Victimization Survey, a taxa de homicídios havia caído para 5,5 casos para
100 mil habitantes, não obstante haver, em relação a 1992, um estoque de
armas ainda maior.
Se incluirmos o Brasil na tabela elaborada por Killias, o resultado será
surpreendente. Vejamos: em 1993, o Brasil apresentava uma taxa de 20,18
casos de homicídio por 100 mil habitantes, sendo que, em 13,8 casos,
tínhamos a presença de uma arma de fogo. Consideremos, ainda, que, em
11,9% das residências, havia uma arma de fogo. Esse percentual, na verdade,
46
refere-se ao estoque de armas registradas no Sinarm em 2002 e estima que
existe uma arma por residência. O percentual final é obtido dividindo-se o
estoque de armas pelo número de famílias brasileiras, considerando uma
média de 4 pessoas por família.
Por esse critério, o Brasil seria, em 1993, um país com menos armas
do que Estados Unidos, Noruega, Canadá, Finlândia, França, Nova Zelândia,
Austrália, Bélgica, Suiça, Itália, Suécia e Espanha, sendo que todos esses
países apresentavam, na mesma época, taxas de homicídios bem inferiores à
brasileira.
Os dados acima mostram ainda a falácia de que o Brasil é um país
onde a posse das armas foi “banalizada” e a de que a criminalidade letal no
nosso país está relacionada com a “grande” ou “enorme” disponibilidade de
armas legais em circulação. O problema entre nós parece estar relacionado
com o tráfico de armas, portanto, com as armas ilegais. Para aprimorar os
controles dos mercados ilegais não são necessários novas leis, mas a
aplicação das leis existentes, já suficientemente drásticas.
Se hoje o Estado não consegue fazer cumprir a Lei, o que nos garante
que uma lei impondo maiores restrições ao registro e ao porte vai ser
obedecida?
Mais do que isso, os bandidos irão cumprir a lei e entregar suas
armas?
A Professora Susan Baker introduziu uma importante novidade na
forma de analisar os dados estatísticos, ao agrupar os dados relativos aos
homicídios e suicídios na comparação entre os países. Ela criou uma
classificação denominada Internacional Intentional Homicide Table,
utilizando os dados de Killias dos anos 1983-86, complementando-os com
indicadores do United Nations Demographic Yearbooks para 1985-95
(Kates; Shaffer; Lattimer; Murray; Cassem, 1994).
47
O resultado de suas comparações mostra que, quando são agrupados
homicídios e suicídios, os Estados Unidos ficam numa posição intermediária na
grade dos 19 países estudados, com uma média de 20,8 casos para cada 100
mil habitantes.
Na frente dos EUA, com médias maiores, estão Romênia, Hungria,
Finlândia, Dinamarca, França, Austrália, Suíça, Bélgica e Alemanha
(Ocidental). Note-se que a maior parte desses países possuem leis de
restrições às armas de fogo para a população civil. Os EUA possuem uma taxa
média equivalente um terço da líder Romênia, onde as armas foram banidas
durante o regime socialista, e à metade da taxa verificada na Hungria, que
também possui leis anti-armas. Na melhor colocação, está o Estado de Israel,
com apenas 9,0 casos por 100 mil habitantes, onde praticamente cada família
possui uma arma em sua residência.
Ora, se a presença de armas de fogo em residências é causa primária
de homicídios e suicídios (mortes intencionais), como acreditam os adeptos do
desarmamento civil, como explicar que, justamente em países europeus onde
existem restrições às armas, as taxas são mais altas?
Diante dessas comparações, em nível internacional e também em nível
interno, não há como se sustentar a existência de uma relação direta entre o
estoque de armas e os índices de homicídios.
Os argumentos “anti-gun” prosseguem com duas outras afirmações-
chave: (a) muitos dos que praticam homicídios são cidadãos honestos e; (b)
muitos dos disparos que resultam em homicídios não são praticados por
bandidos ou doentes mentais mas decorrem de atos passionais que são
cometidos utilizando-se uma arma de fogo destinada originalmente à proteção
da residência. Ou seja, ambas as afirmações dizem respeito à natureza do
crime de homicídio, à motivação e à característica psicológica de seus
agentes. A arma de fogo é apresentada, assim, como sendo uma das “causas
primárias” do homicídio.
48
Esse raciocínio é contestado fortemente por vários estudos realizados
nos Estados Unidos, que se valem de informações recolhidas nos registros do
FBI sobre os homicídios. Eles indicam que 75% dos que cometem homicídio
possuem algum tipo de antecedente criminal. Mais, dados do Bureau of
Criminal Statistics mostram que 76,7% dos presos por homicídio já possuíam
histórico criminal, e, o mais grave, 78% deles estavam sendo processados pelo
mesmo tipo de crime.
Ao contrário do que sugere o argumento “anti-gun”, pelo menos nos
Estados Unidos, a realidade mostra um quadro diverso, no qual a maioria dos
crimes de homicídio parecem resultar ou estar associada a um histórico de
crimes: “...,em 90% dos homicídios domésticos, a polícia tem sido chamada ao
mesmo endereço no mínimo uma vez nos dois anos que precedem o crime”
(Kates; Shaffer; Lattimer; Murray; Cassem, 1994). Outro pesquisador, Murray
Straus, citado por esses autores, afirma taxativamente: “..., a realidade do dia-
a-dia é que cada vez mais os homicídios nas famílias são precedidos por uma
longa história de agressões”.
O estudo de Kellerman
Um dos mais importantes estudos a sustentar as teses “anti-gun” foi
elaborado por um grupo de pesquisadores liderados por Arthur Kellerman,
denominado Gun Ownership as a Risk for Homicide in the Home e
publicado originalmente no New England Journal Medicine, em 1993. É, com
certeza, um dos documentos mais citados em apoio às teses favoráveis ao
desarmamento civil.
O objetivo central do estudo é mostrar que a presença de armas nas
residências, ao invés de oferecer proteção aos que nela residem, aumenta o
risco de crimes violentos. Os autores concluem que “... manter uma arma de
fogo em casa está associado de forma sólida e independente a maiores riscos
de homicídio”. O estudo teve como base uma amostra composta de apenas
49
444 situações de homicídios ocorridos nos lares das vítimas. Além disso,
contou com um grupo de controle de 388 residências próximas, do mesmo
sexo, raça e faixa de idade. O estudo valeu-se das informações de parentes
das vítimas e das famílias “de controle” para checar se as pessoas possuíam
armas em suas casas e se apresentavam problemas com álcool ou drogas.
Depois dessa checagem, concentra-se em demonstrar que os homicídios
estavam associados à posse de armas de fogo.
A crítica desferida contra o estudo de Kelermann et alii foi dura e
certeira. John Lott, o autor de More Guns Less Crimes afirmou que havia dois
problemas metodológicos que comprometiam definitivamente as conclusões do
estudo: foi omitido o dado decisivo de que, em apenas oito dos 444 casos,
foi possível esclarecer que a arma envolvida no crime era mantida dentro
da residência. Pode-se presumir, portanto, que a quase-totalidade das armas
utilizadas provinham de outros lugares, prejudicando diretamente a correlação
defendida pelos autores. A outra crítica desferida por Lott diz respeito à
metodologia utilizada na pesquisa, que desconsiderou o motivo pelos quais as
pessoas compraram armas, presumivelmente para se proteger. Pode-se supor
que essas pessoas já se sentiam submetidas a uma situação de maior risco,
na iminência de sofrerem algum tipo de ataque. Ele conjectura que essa
propensão pode ter como como origem o envolvimento das pessoas da
amostra com atividades ilegais desconhecidas do grupo de controle.
O fato, conclui Lott, “(...) de que todas ou praticamente todas as
vítimas de homicídio foram mortas por armas de fogo levadas para dentro de
seus lares pelas mãos de um intruso faz com que tudo isso fique mais
plausível”, alertando para o defeito fortemente comprometedor do resultado a
que chegaram Kellerman et alii. Na mesma linha de Lott, é direcionada a crítica
da Historiadora Joyce Lee Malcolm, em Guns and Violence.
É importante mencionar ainda uma outra crítica feita à amostra do
estudo de Kellerman et alii por Kates; Shaffer; Lattimer; Murray; Cassem
50
(1994). Eles alertam para o fato de que a amostra final utilizada na análise
correspondia a apenas 71,2% do total dos 444 casos inicialmente agrupados.
Segundo eles, a maior parte dos homicídios nos Estados Unidos são
praticados por pessoas com antecendentes criminais, grande parte delas
respondendo por crime idêntico, e grande parte dos crimes ocorrem em
famílias que apresentam histórico de agressões ou de envolvimento com
atividades ilegais, drogas ou álcool. Se essas afirmações estão corretas,
estamos mais próximos de uma relação direta entre homicídios e “carreiras
criminosas” do que propriamente entre homicídios e cidadãos honestos
armados, como sugere o argumento “anti-gun”. Fica difícil chegar a uma
conclusão definitiva sobre esse tema devido à inexistência de estudos
específicos sobre a natureza e o perfil dos homicídios em uma amostra
representativa do conjunto do país. Os estudos de caso são restritos a uma
cidade ou a um grupo de cidades ou condados e estão longe de fornecer uma
amostra que espelhe a realidade nacional.
Em seu livro, Malcolm sugere duas formas bastante simples de
verificar o impacto das armas de fogo na criminalidade. A primeira delas é
observar o crescimento do estoque de armas e compará-lo com os indicadores
de crimes letais. Se a suposição de que as armas são “causas primárias” de
crimes, mais armas necessariamente significaria mais crimes. Não é, todavia, o
que ocorre nos Estados Unidos. Ela informa que entre os anos de 1973 e 1992,
o volume de armas dobrou nos lares norte-americanos, um aumento de 102%,
enquanto a taxa de homicídios, que era de 9,4 casos por 100 mil habitantes em
1973, diminuiu para 8,3 casos em 1992. O número de homicídios cometidos
com o uso de armas de fogo permaneceu estável. O argumento de Malcolm é
corroborado integralmente por estatísticas mais recentes, que mostram uma
queda ainda maior dos homicídios no país; em 1999, os homicídios com o
emprego de armas de fogo (handguns) foram de 2,9 casos por 100 mil
habitantes, a menor taxa desde 1976.
51
A outra forma de diagnosticar o impacto das armas de fogo na
criminalidade é verificar o efeito das leis que permitem o porte discreto nos 34
estados norte-americanos onde são praticadas, comparativamente aos estados
que adotam restrições. Isso é o que fez o Economista John Lott em seu livro
More Guns Less Crimes.
Mais armas menos crimes
O livro de Lott foi, sem dúvida, o mais duro golpe contra a tese que
iguala armas legais a mais crimes. Até hoje, poucas e esparsas foram as
contestações às suas principais conclusões. A reação, em geral, foi a de
ignorar a interessante análise elaborada pelo professor da Universidade de
Chicago. O que se explica, em grande parte, pelo sectarismo que domina o
debate sobre o papel das armas de fogo na sociedade. O fato é que,
decorridos alguns anos da publicação original de seu livro, suas principais
teses resistem sólidas.
Lott coletou dados sobre os crimes violentos em 3054 distritos de
vários estados norte-americanos para um período de 18 anos, de 1977 a 1995.
Numa primeira fase, Lott agrupou os dados sobre crimes do período 1977-92 e
verificou qual o impacto que teve a adoção de leis que permitiam o uso discreto
de armas de fogo em 31 estados, comparando-os com os índices observados
nos estados que proibiam o porte de armas. O objetivo era medir o impacto das
leis de direito ao porte sobre a criminalidade. É importante esclarecer que, em
geral, as leis que autorizam o porte contêm exigências a serem cumpridas
pelos candidatos, tais como não apresentar antecedentes criminais, restrições
de idade de 18 ou 21 anos, diversas taxas, treinamento e ausência de doenças
mentais. Nos Estados de Vermont e Idaho, não são exigidas licenças, mas leis
criminalizam o porte de armas por adolescentes.
A pesquisa de Lott cercou-se de vários cuidados metodológicos a fim
de evitar a distorção dos resultados em suas comparações. Ele adotou várias
52
estratégias de “controle”, procurando evitar que diferenças demográficas,
econômicas e sociais interferissem em seu modelo. Isto porque o que lhe
interessava era determinar especificamente em que medida as leis de direito
ao porte discreto influenciam a criminalidade.
Da mesma forma, contornou o fato de que dados classificados por
estados escondem diferenças importantes, quando coletados por distritos.
Esse ponto é extremamente relevante, pois existem estados com distritos que
possuem altas taxas de homicídios ao lado de distritos com taxas próximas ou
mesmo de índice de homicídios zero. Se tomasse os indicadores agregados
por estados, essas diferenças ficariam diluídas nas médias, contaminando suas
conclusões. Lott também se preocupou em isolar das variações nos crimes os
efeitos provocados pelo índice de prisões e condenações. Enfim, ele adotou
uma série de procedimentos metodológicos que lhe permitissem
“descontaminar” sua comparação fundamental – o efeito das leis de porte de
armas sobre os crimes – da influência de outras variáveis.
Sua conclusão é contundente: “(...) os índices de crimes violentos
foram mais altos nos estados que apresentavam leis mais rígidas, seguidos
pelos estados que permitiam às autoridades locais um discernimento nas
permissões de porte de armas, e mais baixos nos estados que não
apresentavam leis não arbitrárias”, ou seja, onde o porte é automático,
independentemente de autorização da autoridade local.
Em termos percentuais, os crimes violentos são 81% mais altos nos
estados que possuem leis arbitrárias. No caso dos homicídios, os estados que
repudiam o porte de armas de fogo de uso discreto possuíam índices 127%
mais altos que os estados com leis mais liberais quanto ao porte de armas de
uso discreto. A diferença cai para os casos de crimes contra a propriedade:
24%. A explicação para essa pequena diferença é que restrições às armas
incidiriam mais sobre o universo de crimes violentos, tanto do ponto de vista da
consumação do crime, quanto nos casos em que é evitado.
53
O resultado do estudo de Lott coloca por terra pelo menos dois dos
argumentos mais importantes dos adeptos do desarmamento civil: a tese mais
genérica de que mais armas significam maiores riscos e maiores índices de
crimes, especialmente de crimes violentos, como também a tese mais
específica de que a simples posse de uma arma submete seu proprietário a
uma maior probabilidade de ser vítima de um crime letal.
Ao contrário, a posse de uma arma por um cidadão habilitado pode re-
presentar um poderoso efeito de dissuasão de crimes. Ele lembra que
“(...) criminosos, na maioria homens jovens, preferem alvos que darão menor
trabalho”. E surpreende novamente com outro dado intrigante: embora o uso
defensivo de armas seja quase totalmente ignorado pela mídia, os norte-
americanos usam armas defensivamente cerca de dois milhões de vezes por
ano, cinco vezes mais que o uso de armas para cometer crimes.
Uma explicação para a ignorância desses fatos pela população,
segundo John Lott, provém da má qualidade das informações divulgadas pela
mídia. “Esse menosprezo ocorre porque o assassinato de uma pessoa inocente
é mais notícia do que uma vítima empunhar uma arma e fazer o atacante fugir,
evitando o crime. Ao contrário das investidas que não se consumam, os
acontecimentos ruins proporcionam fotografias emocionalmente eletrizantes”.
Munido de pesquisas, cita que, em 98% dos casos, o simples brandir
de uma arma é suficiente para abortar um crime. “Menos de um em mil usos
defensivos de armas resulta na morte do atacante. No noticiário mundial,
ficamos sabendo de crimes como esses tiroteios em escolas públicas. Jamais
ouvimos – e deveríamos – comentários sobre o número muito maior de vidas
salvas”.
A propósito, em artigo publicado no Wall Strett Journal (27.03.98),
Lott apresenta um surpreendente e desconcertante argumento: “(...) desde que
os conhecidos tiroteios públicos começaram, no outono de 1997, 32 alunos e
três professores foram mortos em algum tipo de tiroteio em escolas primárias
54
ou secundárias, representando a taxa anual de uma morte para cada quatro
milhões de estudantes, incluindo mortes por gangues, roubos, acidentes, bem
como ataques iguais àquele de Columbine”, escreve, alertando, porém, para a
necessidade de termos algum senso de proporção. “Durante esse mesmo
período, 53 estudantes morreram jogando futebol na escola.”
Além dos argumentos apresentados por Lott, outros pesquisadores têm
sustentado objeções quanto aos possíveis efeitos do controle de armas sobre a
criminalidade. É o caso do Promotor do Colorado, David B. Kopel, que
publicou o estudo Trust the People: the case against gun control, através do
Instituto Cato. No trabalho, toca em dois pontos muito interessantes e que
deveriam merecer a reflexão de todos os que se dedicam ao tema da
criminalidade. Um deles se refere à falsidade da presunção de que proibir as
armas legais reduz a possibilidade de os criminosos obterem armas. Na
verdade, esse argumento repousa numa suposição irreal, pois subentende que
existe uma relação automática entre a edição de leis e o comportamento social
de adesão a elas. O cumprimento das leis depende, em primeiro lugar, da
capacidade de fiscalização por parte das autoridades e, em segundo lugar, da
adesão das pessoas que, por ela provocadas, modificam o seu
comportamento. Pergunta-se: é possível esperar que delinqüentes ajam dessa
forma? É possível imaginar que a polícia tenha capacidade de fiscalizar de
forma adequada o cumprimento de leis desse tipo?
A segunda objeção de Kopel está relacionada à falácia da supressão
dos mercados ilegais. Para corroborar sua opinião de que leis restritivas não
impedem o acesso dos criminosos às armas, ele cita uma pesquisa do National
Institute of Justice (EUA), realizada entre uma amostra de presos: 90% deles
declararam ser capazes de obter uma arma ilegal; muitos disseram ter
condições de fazê-lo em apenas algumas horas; três quartos dos homens
entrevistados disseram não haver “nenhum problema” ou “somente um
pequeno problema” para obter uma arma a despeito de eventuais barreiras
legais.
55
No mesmo sentido, o Professor de Stanford John Kaplan afirma que
“(...) no momento em que os cidadão de bem não puderem ter armas, somente
os bandidos terão armas” (Kopel, 1988). Ele lembra que, nos casos de
criminalização de comportamentos que as pessoas não consideram como
impróprios, as leis perdem o respeito da sociedade. É o caso das leis que
restringem o consumo de álcool, de maconha e de controle de armas. A
despeito delas, muitas pessoas desrespeitam-nas, uns porque são criminosos,
e outros porque acham que elas não se coadunam com seu comportamento,
gosto ou estilo de vida.
Independentemente do mérito da questão, pois o tipo de
comportamento social citado sempre envolve critérios subjetivos de avaliação,
não podemos deixar de reconhecer a lógica do argumento de Kaplan. No caso,
uma lei de desarmamento poderia criar dezenas de milhares de “foras da lei”,
na realidade cidadãos honestos que se recusam a entregar suas armas às
autoridades. Qual o poder que teria o Estado de forçá-los a adotar tal atitude?
Foi exatamente isso que ocorreu em Illinois e em Nova Iorque. Em Illinois, uma
pesquisa feita em 1979 mostrou que 73% dos proprietários de armas não
cumpriram a lei que as proibiu em seu território. Em Nova Iorque, o número de
armas que foram colocadas na ilegalidade é estimado em 2 milhões. Uma
reduzidíssima parte delas foi entregue às autoridades, não mais do que 10%.
O temor dos norte-americanos com as leis de regulação de armas de
fogo decorre dos múltiplos exemplos de criação de leis obrigando o registro de
armas e que, mais tarde, serviram para a prática de confisco. Foi o que
ocorreu, conforme lembra Kates, na Grécia, na Irlanda, na Jamaica e em
Washington. O mesmo ocorre com as leis que conferem às autoridades a
decisão de emitir a licença (licensing) para que o cidadão possa portar uma
arma. Kopel lembra pesquisas que revelam a oposição dos norte-americanos a
esse tipo de lei (69%), pois não concordam que a polícia decida quem pode e
quem não pode possuir uma arma. Segundo eles, esse tipo de lei favorece as
56
discriminações, como ocorreu, por exemplo, em Saint Louis, onde o direito de
porte é negado aos homossexuais, aos que não votam e às esposas sem
autorização de seus maridos. Outras polícias adotam critérios discricionários
com base em raça, sexo, filiação política ou ainda juízos subjetivos sobre
armas destinadas à caça. Em Nova Iorque, a polícia não concede licença para
motoristas de táxi a menos que eles carreguem U$ 2.000 em dinheiro vivo
(cash).
Na realidade, não se pode dizer que os estudos acima citados ou as
conclusões da pesquisa de John Lott conduzem à formulação de uma teoria
sobre a relação entre armas e crimes; ao contrário de certos estudiosos
brasileiros que acreditam na existência de uma relação causal entre os dois
fenômenos (Cano, 2002). Enquanto Lott faria o que se conhece como
“metodologia descritiva”, no Brasil os “anti-guns” buscam construir uma
“metodologia prescritiva”. Ou seja, a partir de suas conclusões para uma
determinada amostra, procuram estabelecer “leis” ou “comportamentos”
universais, válidos para qualquer situação. Na sua visão, para evitar que suas
“prescrições” se transformem em realidade, é preciso “proibir as armas”.
No Brasil, com freqüência, cometem-se erros grosseiros, como é o
caso do argumento de que as armas apreendidas pela polícia no Rio de
Janeiro são de procedência nacional e seriam, por isso, as mais utilizadas nos
crimes. A partir desse pressuposto, infere-se que o meio principal de
abastecimento de armas dos criminosos seria uma conexão entre o mercado
legal e o ilegal. Independentemente da qualidade questionável dos dados
(amostra aleatória, sem especificação dos critérios), existem vários erros
lógicos nessas conclusões.
Primeiro: não fica claro se as armas apreendidas estavam envolvidas
em crimes, ou se estavam apenas em situação irregular (falta de registro, porte
sem validade, etc.); segundo, se estavam em posse de criminosos e/ou
envolvidas em crimes, como foram parar em tais mãos? Os criminosos não as
57
teriam apropriado através de assaltos? Nesse caso, o próprio crime seria o
elemento de conexão entre o mercado legal e o ilegal, e não a simples posse
de uma arma legal. Finalmente, como podemos afirmar que existe uma
conexão de caráter geral – as armas apreendidas com histórico legal e o crime
– sobre uma base ínfima de apuração de crimes. E os crimes não apurados,
com que armas foram cometidos?
Mais grave, a teoria com base nesse tipo “amostra” não tem como ser
“falseada”, ou seja, testada através de uma comparação com um grupo
homogêneo de proprietários de armas legais, cujas armas não foram parar em
mãos de criminosos, uma vez que, no estudo de Cano, tal amostra e estratégia
de controle inexiste. Como é possível afirmar, então, que uma amostra com tais
características teria, num determinado tempo, o mesmo desfecho do observado
na amostra de armas apreendidas?
Sem o teste de “falseabilidade”, conforme ensina Popper, não existe
teoria científica. Como lembra Blaug, “(...) uma teoria científica somente é
testada quando um cientista especifica com antecedência as condições
observáveis que poderiam falsear a teoria”. Mais adiante, complementa: “(...)
se a teoria for bem-sucedida ao resistir à falsificação e se conseguir prever os
resultados com sucesso (...) será considerada altamente confirmada (...) ou
seja, como Popper prefere, ‘bem corroborada’” (Blaug, 1999). Nenhum desses
requisitos é observado no estudo de Cano acima citado.
Esse é apenas um exemplo das imprecisões presentes em muitas
pesquisas feitas no Brasil, que pecam invariavelmente pela ambigüidade e por
permitirem um amplo número de explicações alternativas, não raro conflitantes.
É basicamente por essa razão que, entre nós, esse debate tende a se
perpetuar sem a possibilidade de acordo entre as partes envolvidas. O que
pode-se esperar é que novas pesquisas sejam feitas e que maiores cuidados
sejam adotados, para evitar a construção de “teorias” com base em análise de
amostras restritas e indicadores de pouca confiabilidade.
58
Inglaterra
A Inglaterra é um dos países mais lembrados, pelos defensores do
desarmamento, como um exemplo de sucesso dessa política. Pelos críticos, é
citada como exemplo do fracasso do desarmamento. Afinal, quem está com a
razão? A experiência dos britânicos é positiva ou negativa?
Para analisar com isenção o resultado do desarmento civil na
Inglaterra, é preciso, em primeiro lugar, levar em conta que, historicamente, a
taxa de homicídios é baixa nesse país, uma das menores do mundo, em torno
de 1 ou 1,5 caso de homicídio por 100 mil habitantes. Ao contrário de outros
tipos de crimes, como assaltos e roubos, que vêm aumentando de forma
dramática nos últimos anos.
Ter em mente essa premisa é fundamental para que não se atribua
essa realidade histórica ao “desarmamento”. Os homicídios eram baixos antes
do desarmamento civil e continuaram baixos, como mostra, exaustivamente,
em seu livro Guns and Violence, a Historiadora Joyce Malcolmm.
Feito esse esclarecimento, podemos ir adiante e analisar a evolução
dos outros tipos de crimes.
Comparativamente, você corre maior risco de ser atacado na Inglaterra
do que nos Estados Unidos, onde existem mais armas nas mãos dos cidadãos
de bem. Essa situação vem sendo constatada há pelo menos uma década.
Coincidentemente, ao mesmo tempo em que as leis restritivas às armas de
fogo pelo Governo britânico entraram em vigor. Diversos trabalhos foram
elaborados para evidenciar o erro de desarmar a população.
Segundo o estudo da Professora da Universidade de Harvard Joyce
Lee Malcolmm “(...) os governantes criam cidadãos passivos e abandonados,
logo em seguida retira deles a possibilidade de se defenderem. Esta falha não
59
pode ser mais flagrante”. Segundo ela, em vários séculos de civilização, jamais
os homicídios com armas de fogo aumentaram tanto quanto no final do século
20.
Malcolm também faz comparações que nos fazem pensar sobre outros
aspectos dessa discussão. “Você sabia que a água é 19 vezes mais perigosa
para uma criança do que uma arma? Em 1996, 805 crianças morreram
acidentalmente afogadas e 42 morreram em acidentes envolvendo armas de
fogo”. Os acidentes de carro, segundo seus estudos, também são 57 vezes
mais perigosos para uma pessoa do que a simples presença das armas de
fogo.
Em comparação aos Estados Unidos, a acadêmica de Harvard não
poupa estatísticas. “Nos EUA, onde em mais de 50% das casa há armas,
apenas 13% dos ladrões agem quando os residentes estão em casa. Em
comparação, na Inglaterra, onde os cidadãos estão desarmados, 50% dos
ladrões entram nas casas enquanto os moradores estão dentro.”
Outro ponto crucial nesse debate diz respeito aos elementos que cada
pessoa dispõe quando parte para a discussão sobre esse delicado tema.
Fornecer essas “ferramentas” é o que se propõe o site Guns and Crime
(www.gunsandcrime.org). A justificativa dos idealizadoras do projeto é que,
sem informação, não há condições de um debate sério e competente. Veja-se,
abaixo, um trecho do conteúdo divulgado no site:
“Armas tornam mais fácil matar e ferir pessoas. Portanto, é óbvio que
para um observador desavisado, a redução de armas irá reduzir a
predominância de mortes e ferimentos. Entretanto, se a pessoa faz um esforço
para considerar todos os fatos relevantes sobre a questão das armas, as
coisas não são tão óbvias. E existem muitos fatos técnicos relacionados aos
custos e benefícios, como tantos outros, no que diz respeito ao porte de armas
pelos cidadãos.”
60
Contradições históricas
Ao longo da história, encontramos muitas evidências de que o controle
de armas não é nenhuma garantia para que os crimes diminuam. “Entre 1900
e 1930, o número de porte de armas permaneceu estável, e os assassinatos
diminuíram; entre 1937 e 1963, quando o número de portes aumentou em
250%, as ocorrências de homicídios caíram 35,7%; entre 1968 e 1985, os
portes aumentaram novamente em 250%, e os homicídios diminuíram em
cerca de 10%”, garante Sean Gabb, em artigo para a revista Free Life de
novembro de 1991. Para ele, “(...) nenhum estudo ou experiência comprova
que o livre acesso às armas e o aumento de crimes não estão
necessariamente relacionados”. Conclui que, no máximo, “(...) a lei pode
apenas controlar as armas que a polícia sabe que existem”.
61
Homicídos e estupros estão em ascensão na Grã-Bretanha, informou o
jornal The Sunday Times em 11 outubro de 1998, que divulgou o estudo em
uma manchete na primeira página. A reportagem diz que a Inglaterra pode ter
leis sobre armas mais severas, mas os EUA têm sentenças de prisão mais
rigorosas.
“É opinião corrente que o crime nos EUA é o maior do mundo,
enquanto a Inglaterra é um oásis de paz e tranqüilidade. Bem, essa opinião
está errada” disse o The Sunday Times em editorial. “Precisamos
urgentemente rever nossas premissas sobre lei e ordem”. Em 1995, por
exemplo, aconteceram 20 assaltos para cada 1.000 pessoas na Inglaterra e no
País de Gales contra apenas 8,8 nos Estados Unidos. O índice de roubos é
hoje 1,4 ve maior na Inglaterra e no País de Gales do que nos EUA e a taxa de
arrombamentos em residências é quase o dobro da norte-americana.
Por que a criminalidade caiu nos EUA?
Esse é um tema também muito controverso. No entanto, vários
especialistas concordam em apontar três fatores que desempenharam um
papel muito importante na redução da criminalidade do país. Eles dividem
esses fatores em dois grandes grupos: os contextuais e as políticas
adotadas.
No primeiro grupo, estão:
— transformações demográficas — as tendências demográficas
recentes aparecem como uma das explicações para a redução dos
crimes. A queda dos crimes estaria associada, ainda que parcialmente,
à diminuição da população entre 18 e 24 anos no conjunto da
população. Ao mesmo tempo, estaria também relacionada com o
crescimento do grupo formado por adultos e “sêniors” no conjunto da
população;
62
— cultura da droga — todos concordam que o crescimento do
mercado das drogas, primeiro a cocaína e depois o crack, teve um
papel relevante na disseminação de crimes violentos, especialmente
entre jovens e nas grandes cidades do país. Gangues envolvidas com
drogas resolviam suas desavenças — controle de mercados e
pagamentos — através da violência. O combate às gangues ligadas às
drogas, nas grandes cidades, pela polícia e a percepção de que as
drogas, especialmente o crack, impunha conseqüência devastadoras
para a saúde dos usuários, foram dois fatores fundamentais para o
controle da situação, contribuindo para a queda dos homicídios;
— mercado de trabalho — a melhora na situação econômica do país,
particularmente no mercado de trabalho, é apontada como uma das
causas da redução dos crimes, principalmente os crimes contra a
propriedade. O que teria influenciado as taxas de crimes seria a
melhora nos níveis salariais, tornando menos atrativo o engajamento
nos chamados “crimes economicamente motivados”. O Economista
Jeffrey Grogger, da Universidade da Califórnia, estima que a cada 10%
de incremento no salário real obtém-se uma redução de 10% nos
crimes economicamente motivados.
No segundo grupo, estão os fatores relacionados com as políticas
implementadas principalmente pela polícia e pela Justiça:
— mais prisões — desde 1980, a população prisional dos EUA mais
do que dobrou. Embora polêmica, especialmente devido ao alto custo
das prisões (U$ 40 bilhões/ano), a verdade é que a maioria dos
especialistas concorda que a detenção de criminosos tem um efeito
direto nas taxas de crimes. Richard Rosenfeld, da Universidade de
Missouri, calcula que um quarto da queda nos crimes violentos pode
ser atribuída ao fato de que há mais gente nas prisões;
63
— combate às armas ilegais — foi desenvolvido um grande esforço
envolvendo várias esferas de governo, a polícia e a própria
comunidade no sentido de combate à circulação de armas ilegais e
maior controle, mediante uma licença especial, dos dealers de armas.
Hoje, existem 35 estados norte-americanos onde vigoram leis que
permitem a propriedade e o porte de armas; isso não significa,
entretanto, que qualquer pessoa possa comprar ou portar uma arma.
Como vimos, em graus variados, vigoram nesses estados várias
exigências para a expedição do registro e do porte, tais como idade
mínima, inexistência de antecedentes criminais e treinamento teórico e
prático;
— mudanças na polícia — as mudanças nas polícias norte-
americanas talvez tenham sido a mais importante mudança nas
políticas de combate ao crime implementadas no país. Três mudanças
têm sido apontadas como fundamentais: o aumento do número de
policiais, estratégias mais agressivas e “policiamento comunitário”.
De um modo geral, concorda-se que estratégias mais agressivas, como
a Tolerância Zero ou Broken Windows, resultam na imposição mais severa de
sanções aos pequenos crimes, que, uma vez não combatidos, podem evoluir
para crimes mais graves. As estatísticas mostram que os crimes declinaram de
forma mais expressiva nas cidades que adotaram tal estratégia, e menos nas
demais. O exemplo mais notório dessa política é a Cidade de Nova Iorque,
onde, em 10 anos, os crimes violentos sofreram uma queda de 70%.
Uma outra estratégia largamente usada no país é o policiamento
comunitário. Ele consiste basicamente na aproximação e na integração da
polícia com a comunidade e na adoção da metodologia do Problem Solving,
ou seja, na orientação do trabalho dos policiais a partir das necessidades e dos
problemas da comunidade. A diminuição dos crimes, nesse caso, seria
resultado da construção de comunidades mais seguras e mais integradas.
64
Modernização
Juntamente com a adoção de novas práticas, conceitos e táticas, a
mudança na polícia norte-americana envolveu um amplo processo de
modernização tecnológica. Hoje, como informa o estudo Police Departments
in Large Cities 1990-2000, coordenado por Brian Reaves e Matthew Hicjman,
estatísticos do BJS, a quantidade de policiais que utilizam computadores no
trabalho de campo aumentou de 73% para 92% no país, durante a década. Os
sistemas de identificação digital, usados para identificar as pessoas durante
uma batida policial, por exemplo, alcançam hoje 97% dos departamentos de
polícia das cidades com mais de 250 mil habitantes.O atendimento de
emergência pelo 911, por sua vez, está disponível para 97% das áreas
cobertas por esses departamentos de polícia. A qualificação não ocorreu
apenas nos suportes tecnológicos, mas envolveu também programas e
medidas de estímulo à educação formal dos policiais. O resultado é que, em
2000, 37% dos policiais dessas cidades possuíam curso superior, contra
apenas 19% em 1990.
Informações sobre os crimes
Um dos principais aspectos das mudanças
implementadas no sistema de segurança nos Estados
Unidos, desde os anos 70, refere-se ao estudo dos
padrões e das tendências dos crimes. A produção de
informações detalhadas sobre os crimes e a análise do
comportamento da criminalidade têm sido uma poderosa
ferramenta no planejamento de ações e táticas
preventivas. O mais sofisticado desses sistemas é o
Compstat, da Cidade de Nova Iorque, onde as
informações sobre os delitos são atualizadas
65
praticamente todos os dias, permitindo um
acompanhamento quase em tempo real das tendências
dos delitos.
Nos EUA, todos os anos, são elaborados dois
grandes relatórios contendo informações sobre os crimes
cometidos no país.
O Uniform Crime Reports (UCR), do Federal
Bureau of Investigations (FBI). O UCR foi criado em 1929
e coleta informações reportadas à polícia, cobrindo um
amplo leque de crimes, dentre os quais homicídios,
roubos, assaltos com agravantes, furtos e roubos de
veículo. As agência policiais usadas como fonte das
informações incluidas no Relatório cobriam, em 1994, a
quase-totalidade da população norte-americana (96% do
total). As informações sobre os crimes são distribuídas
pelo total do país, estado, cidade e bairro, permitindo, a
partir dessa desagregação, a confecção de mapas de
crimes, através dos quais podem-se detectar tendências e
padrões. Recentemente, o UCR conta com o suporte de
um banco de dados, chamado de National Incident-Based
Reporting System (NIBRS), que fornece informações
detalhadas sobre 22 categorias diferentes de crimes.
Desde 1973, existe uma outra importante fonte de
informações sobre os delitos cometidos no país. Trata-se
da National Crime Victimization Survey (NCVS), uma
pesquisa de abrangência nacional realizada todos os
anos e que coleta, através de entrevistas, informações
detalhadas sobre a incidência dos crimes, como estupro,
violência sexual, roubos, assaltos graves ou simples (sem
66
violência), roubos em residências, furtos e furto de
veículos. A NCVS não faz levantamentos sobre
homicídios e commercial crimes, até porque, no caso dos
homicídios, este é um tipo de crime com pouca
subnotificação. O objetivo principal desse programa de
pesquisas de vitimização é detectar os delitos não
registrados na polícia e que, portanto, não são incluídos
nos relatórios provenientes da polícia. Duas vezes por
ano, são realizadas entrevistas em aproximadamente 45
mil residências, envolvendo um total de 160 mil
entrevistados com mais de 12 anos de idade. A NCVS é
um programa do Bureau of Justice Statistics (BJS). Na
Inglaterra, existe um programa similar denominado British
Crime Survey (BCS).
Com base nas estatísticas produzidas por esses
dois programas de abrangência nacional e
complementares, os analistas e pesquisadores têm
disponível uma série de dados que lher permitem
observar detalhadamente o comportamento das taxas dos
crimes, bem como suas principais características e
padrões. Os estudos produzidos com base nesses
documentos oficiais fornecem uma base mais sólida para
a formulação de políticas e estratégias preventivas.
O atraso brasileiro
No Brasil, infelizmente, a realidade é bastente diversa. Para se ter uma
idéia do nosso atraso em relação à coleta e a análise de informações, basta
lembrar que se estima que metade de nossas delegacias ainda não possuem
computadores instalados, e ainda não temos disponível nenhuma base de
67
dados que reúna todas as informações sobre os crimes cometidos no País. Os
dados informados pelo Ministério da Justiça, recolhidos nos estados, referem-
se apenas às capitais e são estruturados com base em metodologias e critérios
diferentes entre si, portanto, imprestáveis sequer para uma simples
comparação.
Se os dados provenientes da polícia são precários, as informações
provenientes das pesquisas de vitimização são igualmente problemáticos. As
únicas nove pesquisas de vitimização feitas no Brasil contemplam realidades
locais, regionais ou apenas se restringem a algumas capitais, onde a
criminalidade é, como se sabe, bastante diferenciada. O resultado é que não
temos ainda entre nós uma base de dados que nos permita analisar e
diagnosticar, com segurança, a real presença do crime na sociedade. Não
tendo esse quadro claro, é evidente que, em muitos casos, nos deixamos
influenciar por análises parciais ou incompletas.
Na ausência de análises com base em dados confiáveis, abre-se um
enorme espaço para o sensacionalismo e a demagogia. E, mais grave de tudo,
a polícia e as políticas públicas continuam a ser pensadas com base em dados
ruins ou na base do feeling da autoridade de plantão. Sequer temos condições
de avaliar a eficácia das poucas iniciativas adotadas na área. Apenas um
exemplo: nos últimos dois anos do Governo FHC foram gastos
aproximadamente R$ 1 bilhão de reais no sistema de segurança pública
através do Fundo Nacional de Segurança Pública. Qual são os resultados
concretos de tal política? Produziram melhorias nos indicadores de crimes ou
não?
Para encarar com realismo e eficácia a estruturação de políticas
consistentes de combate ao crime e melhoria das condições de segurança
pública no Brasil, é preciso começar por fazer corretamente o dever de casa:
criar um programa nacional de informações sobre os crimes, reunindo, num
sistema de abrangência nacional, tanto os crimes registrados na polícia como
68
os crimes relatados pela sociedade através de pesquisas de vitimização. Sem
um programa desse porte, os recursos públicos alocados na segurança pública
não poderão passar por uma avaliação criteriosa de custo/benefício, assim
como não poderemos analisar, com segurança, a eficácia das políticas públicas
nesse setor.
Falhas no sistema prisional
O sistema prisional brasileiro passa por uma situação dramática:
faltam vagas, tecnologia e recursos humanos adequados às necessidades de
segurança. Para os presos, as condições quanto à higiene, alimentação e
assistência médica são péssimas, motivo de freqüentes rebeliões e mortes
dentro das cadeias. Para qualquer padrão civilizado de aplicação da Justiça, é
necessário investimentos para oferecer um mínimo de condições para evitar
que a aplicação da pena de privação de liberdade seja transformada em tortura
permanente, ou que os presos fujam das prisões.
É equivocada a idéia de que temos uma superpopulação carcerária
porque no Brasil há muitos presos. A média de presos no País é 115 para cada
69
100 mil habitantes, uma taxa abaixo da do Chile (205/100 mil), do Uruguai
(190/100 mil) e do Reino Unido (125/100 mil). Nos Estados Unidos, essa
relação é de 680 presos para cada 100 mil habitantes.
O que falta no Brasil é uma política constante de investimento na
ampliação e na modernização das prisões.
Penas alternativas: solução mágica?
Sempre que debatemos a crise do sistema prisional, a idéia de aplicar
penas alternativas para crimes mais leves é proposta como solução mágica
para o problema. Mas a análise do público-alvo dessas penas mostra que sua
adoção dificilmente diminuiria a pressão sobre o sistema prisional.
Em São Paulo, por exemplo, que tem a maior população de presos do
País, apenas 13% da população carcerária (6.200 presos aproximadamente)
teria chance de ser contemplada. São os condenados por furto, estelionato,
porte ilegal de arma e uso de drogas. Muitos foram condenados por mais de
um crime ou usaram violência em suas ações criminosas – e isso os excluiria
dos benefícios das penas alternativas, restringindo ainda mais o número de
beneficiados pela medida. Segundo a Coordenadoria dos Estabelecimentos
Penitenciários de São Paulo, há 14.901 presos sem incidência penal
conhecida. Assim, pode-se supor que as penas alternativas teriam baixo
impacto na população carcerária.
“Somos todos reféns”
No dia 07 de fevereiro de 2001, a revista Veja publicou uma
reportagem especial intitulada Somos todos reféns, assinada pelos
Jornalistas Alexandre Secco e Sérgio Ruiz Luz. O tema central, a impunidade
no Brasil, é exemplificado através de casos de seqüestradores, homicidas,
traficantes e outros bandidos que estão soltos “em razão da inépcia da polícia e
da Justiça”.
70
“Se o risco de ser preso for alto, o bandido pensa duas vezes antes de
agir. Quando o risco é baixo, a audácia e a violência aumentam”, declarou aos
repórteres o Coronel Reformado da Polícia Militar de São Paulo José Vicente
da Silva Filho, um dos mais conceituados estudiosos brasileiros de temas
ligados à criminalidade. A conclusão é que, no País, as “operações” dos
bandidos têm sido altamente lucrativas.
O Quadro 1, mostra a diferença entre as taxas de solução de crimes
violentos no Brasil e nos Estados Unidos, fato que explicaria o por quê do
avanço da criminalidade nas grandes cidades brasileiras. Observe-se a
seguinte conta: para cada 100 crimes violentos cometidos, apenas um
criminoso ficará atrás das grades pelo tempo integral da pena. “Essa
impunidade estimula a delinqüência” admitiu, na época, o Ministro Celso de
Mello, do Supremo Tribunal Federal. “E o cidadão honesto fica perplexo e
indignado diante da indiferença do Estado, incapaz de punir os que transgridem
as leis.”
O Quadro 2, compara as sanções mais comuns para as infrações
praticadas no Brasil e nos Estados Unidos. Elas levam em conta os desvios de
conduta do cidadão comum.
71
Examinando a lista das punições efetivamente aplicadas nos dois
países, vê-se que ambas as leis prevêem sanções muito severas para essas
infrações, porém, na prática, as punições aplicadas são mais suaves nos EUA
e muito mais suaves ainda no Brasil.
Justiça Criminal
O Brasil necessita de uma ampla e profunda reforma do Judiciário,
para torná-lo mais ágil em suas decisões e um fator de redução da impunidade.
Pelo menos dois problemas têm influência negativa no desempenho da
Justiça Criminal. O primeiro deles: o Brasil é um dos campeões mundiais de
recursos judiciais. Das sentenças criminais de primeira instância em São Paulo,
por exemplo, 95% sofrem recursos a tribunais superiores. Recorrer de decisões
é um direito constitucional, mas o sistema brasileiro contribui para que os
recursos tornem o julgamento definitivo ainda mais demorado. O segundo,
mais grave, é a incapacidade do sistema de cumprir decisões judiciais e
prender criminosos condenados. Em São Paulo, 127 mil mandados de prisão
esperam cumprimento. Como o estado tem cerca de 100 mil presos nas
penitenciárias, distritos e “cadeiões”, há mais condenados na rua do que nas
prisões.
72
Buy-back – programas de recompra de armas funcionam?
Essa idéia não é nova. Contando com recursos federais de U$ 15
milhões ( quinze milhões de dólares), durante a Administração Clinton, foram
feitas várias experiências de buy-back em várias cidades, dentre as quais
Boston.
Uma avaliação feita pelo Professor e Criminologista David Kennedy, da
Universidade de Harvard, mostrou o fracasso do programa.
No total, foram recompradas apenas 21 mil armas, sendo que 75% do
total eram armas fabricadas antes de 1968, “(...) podendo ser
classificadas como peças de museu”.
Por causa de fracassos, é assim que o famoso criminologista Lawrence
Shermann classifica os programas de recompra de armas de fogo: “a maneira
menos eficiente de gastar dinheiro em segurança.”
Leia, a seguir, a notícia divulgada no The Boston Globe.
73
4 - TRÁFICO DE DROGAS E CRIMINALIDADE:
UMA ESTREITA RELAÇÃO
Um elemento decisivo no contexto e nos fatores que estimulam a
criminalidade reside na proliferação da distribuição e do consumo de drogas
ilícitas, principalmente da maconha e da cocaína, mais disseminadas no Brasil
do que outras drogas. Uma pesquisa recente do Governo Federal, feita através
de levantamento domiciliar, revela que 19,4% da população — o que significa
um em cada cinco brasileiros — já consumiu drogas psicotrópicas uma vez na
vida. São 32 milhões de pessoas. A pesquisa indicou que a maconha é a
terceira droga mais consumida no País, com 6,9%, perdendo apenas para o
álcool (68,7%) e o tabaco (41,2%). A cocaína foi usada por 2,3% dos
entrevistados (O Estado de S. Paulo, 20.06.2002). Uma reportagem da Agência
Reuters, em abril de 2001, chamou atenção para a situação de consumo de
cocaína no Brasil, estimando que o Brasil é o segundo maior consumidor do
produto no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Vale lembrar que, há uma década, o Brasil era um mero ponto de
passagem da trilha da droga que ia dos Andes para os apartamentos de luxo
de Nova Iorque e Londres. Agora, tornou-se também um dos principais
consumidores. O tráfico transformou periferias e favelas em zonas de guerra,
corrompeu autoridades e destruiu famílias. No Rio de Janeiro, 80% dos presos
com menos de 23 anos eram ligados ao tráfico. Para estudiosos, um número
ainda maior morre em conseqüência desse conflito.
Há escassez de estudos no Brasil sobre a relação entre drogas e
criminalidade. Porém, com base na literatura internacional, especialmente nos
estudos realizados nos Estados Unidos, podemos dizer que essa relação é
íntima e que impõe elevados custos sociais nas relações de vizinhança e nas
comunidades, criando ambientes onde as atividades criminosas afetam
74
diretamente os não-usuários. As drogas ainda são responsáveis por acidentes
provocados por “overdoses”, acidentes de trânsito e pela baixa produtividade
dos trabalhadores usuários e pelo absenteísmo, pelo abuso e pela violência
doméstica contra crianças, dentre outros.
Estudos evidenciam relação
O número de homicídios envolvendo jovens delinqüentes e suas
experiências com drogas, atividades ilegais, gangues e armas ilegais foram
objeto de estudo de Henry Borwnstein, Professor da Universidade de Baltimore
e membro do Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa Nacional de Nova York,
em conjunto com três pesquisadoras do mesmo Instituto (Susan M. Crimmins,
Judith A. Ryder e Raquel Marie Warley) e Barry J. Spunt, Acadêmico da John
Jay College, da City University of New York.
Baseado em 414 entrevistas com pessoas de idades que variaram de
12 a 21 anos, nos anos de 1995 e 1996, o estudo chegou a importantes
conclusões. Dentre elas, a de que 60% dos entrevistados envolvidos em
homicídios (83 jovens no total) estavam envolvidos com o tráfico de drogas;
78% dessa amostra bebiam freqüentemente, e 75% fumavam maconha. Entre
os envolvidos com roubos e assaltos, não foi diferente: das 260 pessoas que já
haviam praticado algum ou ambos delitos, cerca de 80% bebiam e entre 61% e
70% colaboravam para o tráfico de drogas.
Quando em grupos, 67% dos jovens homicidas ouvidos pelos
pesquisadores vendiam drogas em conjunto e 88% faziam uso das mesmas.
Entre os 115 assaltantes, 71%, paralelamente, comercializavam substâncias
ilícitas.
A pesquisa confirma, mais uma vez, a estreita relação entre drogas e
criminalidade, seja no Brasil, seja em Nova York, seja em qualquer outra parte
do mundo. Armas ilegais, no caso, funcionam apenas como instrumentos que
aumentam o sucesso de delitos, quando na mão de marginais.
75
Drogas estão por trás dos crimes contra jovens
Veja o que revela O Estado de S. Paulo (03.10.2002):
“Dezenas de casos envolvendo jovens são atendidos
todos os meses pela Terceira Equipe Especial de Investigações
de Crimes contra a Criança e o Adolescente do Departamento
de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo, que
engloba 29 delegacias da zona sul. A maioria é de homicídios
e, segundo o Delegado Paulo de Tarso Roggiero, cerca de
90% relacionam-se às drogas.” “O resto são casos de
vingança, ciúme, traição”, diz, destacando que a banalização
das armas faz com que “(...) se resolva com tiros o que
antigamente se resolvia no braço”.
O delegado revela que as mortes de jovens em São Paulo são
praticamente diárias, e há dias em que há três ou quatro assassinatos. “Tem
mês que temos 40, 50 casos. Parece relação de contabilidade” afirma. Ele
lembra que há um código moral paralelo ao Estado. “Como no mundo do crime
você não pode cobrar as dívidas ilegais na Justiça, você cobra com a vida.” O
drama aumenta levando-se em conta a conclusão da OMS de que, para cada
jovem morto pela violência, 20 a 40 têm ferimentos que requerem tratamento
hospitalar.
A solução para o problema, segundo de Roggiero, é dar mais
educação, emprego, lazer e perspectivas de vida para as pessoas,
principalmente as que vivem na periferia. O Promotor de Justiça da Infância e
da Juventude Wilson Tafner concorda com a necessidade de investimentos em
políticas públicas na periferia. “Números da Febem mostram que 21% dos
internos com endereço na capital vinham de cinco bairros da capital: Cidade
Ademar, Jardim Ângela, Jabaquara, Sapopemba e Itaquera, que estão entre os
que têm níveis de políticas públicas primárias mais baixos.”
76
Drogas, desagregação familiar e consumismo são outros fatores
citados pelo promotor como combustíveis para a delinqüência juvenil. “Há duas
circunstâncias muito flagrantes: a idade dos garotos assassinados está cada
vez mais baixa, assim como são cada vez menores as faixas etárias envolvidas
em atividades criminosas.”
Infanticídio
A violência contra crianças também assusta. Além das mortes, muitas
vezes nem sequer computadas, milhões delas são vítimas de abusos e
negligência, sem contar que mais de 130 milhões – 60% meninas – com idade
entre 6 e 11 anos, ainda não estão na escola.
Um exemplo é o caso de uma tentativa de infanticídio ocorrida em
Santo André, no mês passado. Logo após dar à luz, a mãe, de 16 anos, que
tinha escondido a gravidez, tentou afogar o bebê num vaso sanitário da
maternidade.
Segundo o Conselho Tutelar, os médicos só descobriram que a criança
ainda estava viva no necrotério, pois ela estava com hipotermia. A mãe
responde a inquérito policial e a recém-nascida está num abrigo, com seqüelas
causadas pela falta de oxigênio no cérebro.
A força do império das drogas
A explosão da criminalidade violenta no País segue a trajetória de
crescimento das operações do tráfico de drogas, da disputa por territórios e
pontos de venda e do uso da violência na disputa de poder entre as quadrilhas.
No entanto, apesar da insistência das denúncias, da eloqüência dos
números e da manifesta impotência do Estado para conter a escalada de
violência que acompanha a proliferação das drogas, somente agora é que o
Brasil parece ter acordado para a gravidade do problema.
77
Leia a seguir os principais trechos da reportagem especial da revista
Veja (28.04.2002):
— tráfico e mortes
“No fim dos anos 70, o Brasil só ouvia falar de
narcotráfico quando desviava o olhar para a vizinha Colômbia,
então sob o império dos cartéis das drogas. Nesse época, a
cada 24 horas treze pessoas eram mortas por arma de fogo no
Brasil. Hoje, entre o raiar do sol e as primeiras luzes do dia
seguinte, 85 pessoas são assassinadas a tiros. É possível
afirmar com segurança que sessenta dessas mortes estão, de
algum modo, associadas ao comércio de drogas, que
movimenta 400 bilhões de dólares no mundo, dos quais 15
bilhões no Brasil”;
— drogas e contrabando de armas
“Hoje, o Brasil é o maior importador mundial da cocaína
produzida na Bolívia e um dos pólos do contrabando de armas
fabricadas na China, Estados Unidos, Israel, Áustria, Bélgica e
outros países. Drogas, armas e o alto grau de letalidade
decorrente dessa equação têm feito a diferença nas
estatísticas de violência no Brasil”;
— mortes nas favelas
“A incidência de mortes intencionais nas favelas das
mais violentas capitais brasileiras é seis vezes maior que a de
outras regiões dessas cidades. Um dos grandes desafios do
combate ao tráfico é, por isso, cortar os canais de entrada de
drogas e armas no país”;
78
— armas de grosso calibre
“Ou seja, em doze anos, o índice de armamento ilegal
encontrado pelas polícias estaduais e pela Polícia Federal
aumentou 73 vezes”. “(...) Hoje, estima-se que, só nas favelas
do Rio, existam 47 mil armas em poder dos soldados do tráfico,
sendo que 30% — cerca de 14.000 — são fuzis, metralhadoras
e submetralhadoras, material mais que suficiente para
abastecer duas brigadas de exército”;
— reflexão
“(...) é unanimidade nacional a exigência de um
combate implacável ao crime organizado, que, como se viu, é
um dos mais importantes vetores da expansão do crime
violento no Brasil. Combatê-lo exige uma ação em várias
frentes: controle das fronteiras, na melhoria das leis penais, no
combate à lavagem de dinheiro, na apreensão de armas ilegais
e na identificação e prisão das quadrilhas do tráfico de drogas”.
A limitação do direito de porte de uma arma para o cidadão honesto e
de bem não terá efeito algum sobre o crime organizado. Apenas tornará esse
cidadão ainda mais vulnerável à ação dos criminosos. Como diz o ditado:
“Quando o cidadão de bem não tiver mais o direito de ter uma arma, apenas os
bandidos terão armas”.
A notícia a seguir, publicada em Zero Hora (24.06.2003), traduz
perfeitamente as raízes do problema no País. Na maioria das vezes, a iniciação
dos jovens no mundo das drogas ocorre na faixa dos 10 anos de idade, quando
deveriam estar estudando e em fase de formação de caráter. O que esperar
dessa geração?
79
“Usuário de entorpecentes é cada vez mais
jovem”
“De acordo com dados divulgados no dia 23 de
junho de 2003 pela Secretaria Nacional Antidrogas,
crianças começam a consumir entorpecentes por volta de
nove a 10 anos. Os especialistas também estão
alarmados com o consumo de bebidas alcóolicas.
“ ‘Antes, a nossa preocupação era com jovens de
16 a 21 anos. Hoje, infelizmente, crianças com 10 anos já
bebem’, disse a Presidente do Conselho de
Entorpecentes do Distrito Federal, Cândida Rosilda de
Melo Oliveira, durante evento que abriu a Semana
Nacional Antidrogas ontem no Palácio do Planalto.
“Dados da Escola Paulista de Medicina mostram
que 25% dos jovens brasileiros já experimentaram algum
tipo de droga. O problema tem mobilizado setores do
governo, como a Secretaria Nacional de Direitos
Humanos.
“O Secretário Nilmário Miranda defende medidas
inclusive contra as chamadas drogas lícitas, com controle
mais rígido sobre a propaganda nos meios de
comunicação. Para ele, é preciso deixar de associar
bebida a comportamentos positivos e sadios, como ocorre
nas atuais propagandas exibidas na TV.
“Nilmário Miranda explica que somente programas
de geração de renda, inclusão social e educação podem
contribuir para reduzir o número de usuários.
80
“De acordo com a Diretora de Prevenção e
Tratamento da Secretaria Antidrogas, Paulina Vieira,
dados comprovam que o consumo de drogas no Brasil,
em comparação com outros países, é relativamente baixo.
Mas, segundo ela, enquanto nos outros países o consumo
tende a baixar, no Brasil existe uma tendência de
crescimento e precocidade de consumo.
“O Chefe do Gabinete de Segurança Institucional
da Presidência da República, Ministro Jorge Armando
Félix, destacou o papel da família no combate ao
problema, tema da Semana Antidrogas (‘Quando a família
chega perto, a droga fica longe’).
“ ‘As famílias precisam vencer o preconceito e
buscar informação, evitar castigar e condenar e procurar
saber o nível de compromisso do filho com as drogas.
Depois, é preciso buscar especialistas’, disse Miranda.”
81
5 - MITOS SOBRE ARMAS DE FOGO
Mito 1: O cidadão não pode ter uma arma porque a segurança é
dever do Estado.
Desde a fundação do Estado Moderno, conforme lembra um de seus
principais teóricos e formuladores, o inglês John Locke, o homem delegou
poderes ao Estado, para, em seu nome, fazer as leis e zelar pelo seu
cumprimento. Desde então, com poucas exceções, vem se consolidando no
Ocidente a idéia de que cabe ao Estado promover a segurança dos cidadãos.
Ela é vista não apenas como um direito fundamental da cidadania, mas como
uma liberdade essencial ao desenvolvimento humano: a primeira das
liberdades, a de viver em paz.
Ao delegar ao Estado o poder para zelar pela segurança, entretanto, o
homem não o fez de forma absoluta. Tratou de preservar seu direito de legítima
defesa, porque o Estado, por razões várias, não lhe garante a plena segurança.
Por essa razão básica, ninguém discorda desse preceito filosófico e de Direito,
presente nas leis de praticamente todas as nações do planeta, inclusive no art.
5º da nossa Constituição Federal. O cidadão tem o direito de se defender, por
todos os meios, quando sua vida está ameaçada. Essa é a função essencial de
uma arma de fogo: um meio de defesa contra agressões externas e de
dissuadir a prática de ações criminosas.
Pode-se ainda evocar um argumento muito simples contra a falácia de
que todos os cidadãos devem entregar sua segurança pessoal exclusivamente
ao Estado. Hoje, é consenso entre os criminalistas que a polícia não consegue
sozinha nem prevenir nem mesmo apurar todos os crimes cometidos. Existem
estudos que questionam até mesmo a eficácia dos métodos tradicionais de
promover a segurança pública, como o patrulhamento das ruas, as respostas
82
dos chamados de emergência e as várias práticas de policiamento comunitário
(Bayley; David, 1994).
No Brasil, a polícia esclarece muito pouco dos crimes. Apenas 8% dos
homicídios e um índices ainda menor para os roubos e furtos. Grande parte
dos crimes sequer é notificado, conforme mostram as pesquisas de
vitimização. Nos Estados Unidos, 67% dos homicídios e 45% dos crimes mais
graves contra as pessoas são esclarecidos; na Inglaterra, 35%; no Canadá,
45% e na Austrália, 30% (Bayley; David, 1994).
Além de não conseguir prevenir os crimes, a polícia dos países
desenvolvidos, e de forma muito mais acentuada a polícia brasileira, não
consegue apurar os crimes cometidos.
Como é possível imaginar que a segurança da cidadania deve ser
entregue exclusivamente à polícia?
Na verdade, a comunidade vem sendo crescentemente incorporada
como agente ativo na construção de um ambiente mais seguro, através da
participação direta nos programas de policiamento comunitário, na adoção de
comportamentos defensivos e de redução de riscos, programas educativos
contra as drogas, etc. A participação dos cidadãos tem a finalidade de reforçar
e aumentar a capacidade de atuação da polícia e de prevenção dos crimes.
Quando se defende o direito de auto-proteção não se está,
obviamente, dizendo que as pessoas devem fazer justiça com as próprias
mãos, substituindo o papel das instituições e da lei. O que se prega é que em
situações extremas, nas quais a polícia e o Estado estão ausentes, a auto-
proteção é um direito inalienável do cidadão. Um direito natural, que nem
mesmo o Estado pode retirar-lhe.
83
Mito 2: As armas legais em posse de cidadãos de bem são a principal causa da criminalidade.
Atribuir às armas a causa da criminalidade é um grave erro. Os crimes
são praticados em conseqüência de decisões humanas. Decorrem de
desequilíbrios entre os fatores que incentivam um comportamento social de
respeito à lei e à ordem e os fatores que estimulam os delitos. Entre os últimos
estão a impunidade, a vulnerabilidade das populações urbanas que vivem nas
favelas e periferias, a disseminação das drogas, a falta de oportunidades de
emprego, baixos salários e mercado informal, a subcultura de consumo e o
reduzido capital social das comunidades pobres e abandonadas pelo poder
público. Essas são algumas das causas estruturais da criminalidade urbana no
Brasil.
Uma outra causa muito importante é a baixa eficácia do sistema de
Justiça Criminal formado pela polícia, pela Justiça e pelo sistema prisional.
Baixa eficácia significa fraca capacidade de prevenir, de apurar, de punir e de
manter os responsáveis pelos crimes detidos. A baixa eficácia dos agentes
responsáveis por zelar e fazer cumprir as leis é, seguramente, um dos mais
poderosos incentivos à prática de crimes no Brasil.
A arma é apenas um objeto, como é um automóvel. E não passa pela
cabeça de alguém culpar o automóvel pelos acidentes. Ou responsabilizar a
bebida porque pessoas abusam no consumo e colaboram para a ocorrência de
acidentes. Seria hipocrisia, para dizer o mínimo, advogar que para reduzir os
acidentes de trânsito, devêssemos proibir a fabricação de automóveis.
Aliás, no final dos anos 20, os Estados Unidos proibiram a bebida — a
Lei Seca — e o resultado foi o aumento do consumo, o contrabando e o
crescimento do crime organizado!
Imputar às armas de fogo a responsabilidade pelo aumento da
criminalidade no Brasil, além de implicar a supressão do direito fundamental da
legítima defesa, nos conduzirá ao caminho trágico da permissividade social,
84
onde as pessoas deixam de ser responsáveis por seus atos, que passam a ser
atribuídos a objetos inanimados, como se os mesmos tivessem o dom da ação
própria.
Mito 3: No Brasil, qualquer um pode comprar uma arma de fogo.
Não é verdade. Como vimos neste trabalho, o Brasil possui uma das
leis mais restritivas do mundo, a Lei nº 9.437, regulamentada pelo Decreto Lei
nº 2.222, que criou o Sistema Nacional de Armas e Munições.
Por essa lei, para obter o porte de uma arma de fogo o cidadão deve
comprovar idoneidade, através de certidões de antecedentes criminais
fornecidas pelas Justiças Federal, Estadual, Militar e Eleitoral; não pode estar
respondendo a inquérito policial ou a processo criminal por infrações penais
cometidas com violência, ameaça ou contra incolumidade pública; comprovar
comportamento social produtivo; comprovar efetiva necessidade, em razão de
atividades profissionais cuja natureza lhe exponha a risco; comprovar
capacidade técnica para manuseio de arma e aptidão psicológica atestadas por
instrutor da Polícia Federal ou Civil.
Antes de tudo isso, o pedido do registro será liminarmente negado,
caso o candidato tiver qualquer assentamento nos registros de ocorrências
policiais ou antecedentes criminais.
Por tudo isso, constitui desinformação ou leviandade afirmar que, em
nosso país, a venda legal ocorre sem controle rigoroso.
Mito 4: A venda de armas tem crescido de modo significativo, e isso tem gerado mais violência.
Na verdade, a venda legal de armas tem caído de forma significativa no
nosso país. De 1994 até 2002, a queda foi de aproximadamente 80%.
Enquanto isso, a taxa de homicídios tem crescido de forma continuada,
especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, os estados mais violentos do
85
País, coincidentemente, os estados onde crescem também de forma dramática
a disseminação das drogas, a segregação urbana e a violência juvenil.
O Rio de Janeiro ostenta a vergonhosa taxa de ao redor de 50
homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes e têm apenas 104 portes de
armas concedidos, isto mesmo, 104. Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, que
têm uma das menores taxas de homicídios do Brasil, 13/100 mil habitantes,
tem mais de 40 mil portes concedidos.
Se a arma legal é o problema, como explicar a diferença entre as duas
realidades?
Os norte-americanos tem mais de 200 milhões de armas de fogo,
compram anualmente mais 2 milhões e possuem um das menores taxas de
homicídio do mundo, de 5,5 casos por cada 100 mil habitantes.
Como afirmar então que a arma é a causa da criminalidade?
Nessa questão, o que diferencia essencialmente o Brasil dos EUA é a
impunidade que grassa em nosso país.
Steven Levitt e Rodrigo Reis Soares, da Universidade de Harvard,
afirmam que:
“(...) em termos de instrumentos ao alcance das
autoridades, a falta de punição, corrente no atual sistema de
Justiça Criminal, é provavelmente o fator mais importante na
explicação do elevado nível de criminalidade no Brasil. A idéia
popular de que o criminoso comum não responde a incentivos
racionais, e, portanto, o efeito da punição sobre a criminalidade
é relativamente pequeno, é categoricamente falsa”.
Segundo os economistas, estudos feitos nos Estados Unidos mostram
que cada prisioneiro a mais no sistema leva à diminuição de 15 crimes sérios
86
ao ano, enquanto cada policial adicional elimina entre 20 e 30 crimes sérios. E
concluem que o criminoso reage à probabilidade da severidade do castigo. Mas
qual é a realidade do Brasil? Em São Paulo, por exemplo, apenas 1,7% dos
homicídios leva a alguma condenação. Os professores concluem que “(...)
praticamente toda a distância entre os níveis de criminalidade observados em
São Paulo e nos Estados Unidos pode ser explicada por diferenças no nível e
na probabilidade da punição”.
Mito 5: O Brasil é um país armado. Existem 20 milhões de armas de fogo no Brasil.
Existem hoje registrada no Sinarm aproximadamente 5 milhões de
armas legais. Essa é uma informação pública. Para obtê-la basta telefonar para
o órgão. Logo, a afirmação de que existem, no País, 20 milhões de armas ou é
uma estimativa, ou é um mero palpite. Se for uma estimativa, é preciso que
sejam apresentadas as bases de sua formulação, quais os números que a
sustentam.
A inconsistência desse número salta aos olhos. O Brasil possui hoje
cerca de 170 milhões de habitantes, aproximadamente 40 milhões de famílias.
Se tivéssemos um estoque de 20 milhões de armas, teríamos uma arma para
cada duas famílias, em média. Todavia pesquisas de vitimização realizadas em
São Paulo e em outras capitais mostram que a presença de armas não passa
de 6% (ILANUD-GSI –Presidência da República). O que resulta em número
muito distantes dos 20 milhões, citados pelos “desarmamentistas”.
Outro estudo, elaborado pelo Professor Martin Killias, que busca apurar
o ranking dos países com maior número de armas leves em circulação, coloca
o Brasil numa posição intermediária, atrás dos Estados Unidos, da Noruega, do
Canadá, da Finlândia, da França, da Nova Zelândia, da Austrália, da Bélgica,
da Suiça, da Itália, da Suécia e da Espanha. Todos esses países, com mais
armas, apresentavam, em 1993, taxas bem menores do que a brasileira.
87
Na realidade, nimguém pode dizer ao certo quantas armas ilegais
existem no Brasil. De qualquer forma, seja qual for o tamanho do mercado
ilegal, somente o controle do contrabando e a aplicação efetiva das leis no País
podem evitar que a presença das armas de fogo ilegais aumente.
Mito 6: Cerca da metade dos assassinatos são cometidos por pessoas sem antecedentes criminais; 90% dos homicídios são cometidos por pessoas de bem.
Essa frase, insistentemente repetida pelo Senador Renan Calheiros, é
uma acusação direta ao povo brasileiro. Por ela, o problema não são os
bandidos, os criminosos e os narcotraficantes, mas os homens de bem, que
cumprem as leis e que, em acessos de fúria, resolvem matar-se uns aos
outros.
Diz mais o Senador Calheiros: que a maior parte dos crimes de morte
são cometidos em brigas de bares e acidentes de trânsito por motivos fúteis.
Essa afirmação é uma agressão à inteligência, uma vez que todas as
evidências jornalísticas apontam uma dinâmica dos crimes violentos marcada
pela presença do banditismo urbano e pelo crime organizado das drogas.
Além do mais, o argumento não resiste a um simples questionamento
lógico: como explicar as diferenças entre as taxas de homicídios entre estados,
cidades, bairros e ruas? Não existem bares nos estados que apresentam
baixos índices de homicídios? Não ocorrem acidentes de trânsito nesses
lugares?
Um estudo recente, realizado com dados de homicídios ocorridos na
capital paulista, mostra que 76% dos homicídios são “planejados”, isto é,
premeditados e ocorrem entre “criminosos”. É a forma que o crime encontra
para acertar suas “desavenças”.
88
Outra pesquisa, feita pelo Professor José Pastore, da Universidade de
São Paulo, apurou que 82,6% dos crimes cometidos no estado foram
praticados por reincidentes. O mesmo estudo mostra que os crimes estão
tomando um caráter sofisticado e aperfeiçoado, pois, em cada 10 homicídios,
quatro são decorrentes de roubos a banco, e três por seqüestro ou de caráter
proposital.
Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 29 de março de
1999, o então Comandante da PM, Coronel Rui César Melo, já afirmava que
“(...) o Estado está refém de 200 mil bandidos” e que “(...) a polícia e a Justiça
sabem quem são essas pessoas, das quais apenas 70 mil estão presas”.
Como culpar os cidadãos de bem por essa realidade?
Mito 7: Os países que adotaram o “desarmamento civil” zeraram a
criminalidade.
O mito de que o “desarmamento civil” zerou a criminalidade onde foi
aplicado é um dos principais argumentos, repetidos à exaustão na mídia pelos
defensores dessa política, sem maiores questionamentos. Com ele, tenta-se
convencer a opinião pública de que retirar armas legais é medida fundamental
para reduzir a criminalidade.
Entretanto, quando deixamos de lado as intenções políticas e os
preconceitos e observamos a experiência concreta, a realidade é bem outra.
Vamos citar apenas três referências. A primeira delas, já referida neste estudo,
é o trabalho do Economista John Lott, que revelou a existência de taxas
menores de crimes nos estados norte-americanos que adotam leis menos
restritivas de porte de armas e taxas mais altas nos estados que adotam
restrições. Uma relação inversa entre armas e crimes.
A segunda referência importante é o estudo da Historiadora Joyce
Malcommem Guns and Violence. Ela mostra que, na Inglaterra, ao longo da
89
história, a criminalidade vem aumentando ao lado da adoção de crescentes
controles na venda e no porte de armas. Desde a década de 20 do século
passado, a trajetória do crime, salvo pequenas interregnos, é ascendente, em
paralelo à adoção de restrições, até a proibição da venda de armas em 1997.
Finalmente, a pá de cal veio com a revelação, publicada pela BBC, de
Londres, dos dados comparativos entre o biênio 1997-98 e 2001-02. No país
do desamamento civil, após a medida, os crimes com armas de fogo
cresceram de exatos 4.903 para 9.974. Ou seja, duplicaram.
O ex-policial Colin Greenwood, autor de um livro sobre o tema, disse
que o desarmamento “é irrelevante”. Segundo ele, a medida é “(...) tão
infeciente que o crime hoje atingiu o nível mais alto jamais atingido desde que
se começou a registrá-lo”. E conclui: “(...) o crime com armas de mão explodiu
desde que elas foram proibidas”.
Para o especialista, o Brasil vai “(...) perder tempo se aprovar leis mais
rígidas sobre armas”.
90
6 - ARTIGOS
Os artigos reproduzidos neste capítulo foram escritos e publicados em
vários veículos desde 1999. São uma pequena amostra da riqueza e
diversidade de argumentos evocados na defesa do direito dos cidadãos
honestos à auto-proteção.
No debate sobre o direito de acesso às armas de fogo legais envolve
um conjunto de temas correlatos, tais como o arcabouço institucional
regulatório, as dinâmicas e causas da criminalidade violenta e a crise do
sistema de segurança pública no Brasil. É natural, pois, que nesses artigos,
esses temas compareçam com assídua freqüência.
Através do artigo de Cathy Young, publicado originalmente no site
www.saloon.com, podemos ver que a demagogia e o exagero sobre o papel
das armas de fogo não é um privilégio do Brasil. Também nos EUA, certos
setores da mídia contribuem para amplificar o medo e o suposto mal
proveniente das armas, sem tratar com igual cuidado e destaque o pepelo que
exercem na dissuasão dos crimes.
O crime e o Senador
*Carlos Murgel
No dia último dia 29, o Jornal do Brasil publicou um longo artigo do
senador Renan Calheiros intitulado O perigo que nos ronda, para expor sua
posição sobre projeto-de-lei que trata do registro e porte de armas de fogo em
tramitação no Senado Federal. Com todo o respeito que merece o ilustre
senador e ex-ministro da Justiça, não podemos deixar de registrar nossa
91
discordância de seus argumentos e suas críticas à indústria brasileira de
armas.
Devemos, inicialmente, esclarecer que a indústria de armas, como os
demais segmentos sociais envolvidos, foi convidada oficialmente para
participar de audiências públicas no Senado Federal, que contaram inclusive
com a sua participação. Nestas ocasiões, manifestamos nossas posições com
absoluta clareza e transparência. Estamos participando ativamente do debate
público sobre este importante tema através dos jornais e publicações
especializadas, como é aliás nosso dever como cidadãos. Nessa atitude
participativa nada há que possa merecer qualquer censura, a não ser de quem
imagine seja possível fazer um debate democrático e produtivo sem a
controvérsia e a livre manifestação de todas as opiniões existentes. Ficamos
surpresos quando um eminente senador, de inegável formação democrática,
busque desqualificar uma opinião contrária à sua como ilegítima e viciada do
lobby.
Dito isto, vamos à essência de seus argumentos. O primeiro reparo diz
respeito à afirmação de que o “substitutivo liberalizante aprovado no Senado
representa “um retrocesso inaceitável” e que ele “regulariza 20 milhões de
armas ilegais”. Retrocesso em relação a quê? À lei atualmente em vigor ou ao
projeto-de-lei em tramitação cuja autoria é do ex-senador José Arruda? É
preciso lembrar que o Brasil já possui uma lei que regula o registro e o porte de
armas, aliás, uma das mais rigorosas do mundo. A lei 9.437, regulamentada
pelo decreto 2.222, ambos de 1977, estabelece criteriosamente várias e
severas exigências para a obtenção do registro e do porte. Quando
promulgada, ela previu um prazo de seis meses para que o proprietário de uma
arma não registrada fizesse o devido registro. Infelizmente esta lei não foi e
não está sendo aplicada como deveria, tendo o senador inclusive, enquanto
ministro, tido a oportunidade de assim fazê-lo e não o fez. O substitutivo
aprovado na Comissão de Relações Exteriores, ao contrário do que afirma o
92
ilustre senador Renan Calheiros, é bem mais severo, pois amplia as restrições
atuais através da proibição do porte.
Quanto à alegação de que o substitutivo do senador Pedro Piva vai
“legalizar 20 milhões de armas ilegais”, gostaríamos de indagar de onde o
senador Calheiros tirou este número, a nosso juízo, completamente irreal.
Basta lembrar de que em mais de 60 anos de existência, as duas maiores
fábricas de armas curtas do Brasil – Taurus e Rossi – produziram não mais do
que 5 milhões de armas destinadas às polícias estaduais, civis e militares, à
polícia federal e rodoviária, ao exército, às empresas de segurança privada e
aos cidadãos. De onde vieram então as outras 15 milhões de armas? Do
contrabando? Se isto é verdade, teríamos no Brasil uma família armada em
cada cinco, o que é um exagero que não encontra qualquer respaldo em
estudos ou estatísticas até hoje conhecidos. Além do mais, seja qual for o
número de armas ilegais, não entendemos como alguém possa defender que
elas não sejam legalizadas. O que se deseja então é mantê-las ilegais?
A exemplo deste número fantasioso, o senador Calheiros comete outro
grave deslize quando afirma, como fez na reunião da Comissão de Relações
Exteriores do Senado Federal, que anualmente morrem 3 milhões de pessoas
por arma de fogo, sem dizer que neste número, retirado de um estudo da ONU,
incluem-se como small arms, fuzis de assalto, metralhadoras, morteiros,
granadas de mão, armas anti-aéreas e anti-tanques e mísseis portáteis. A lei
que estamos debatendo nada tem a ver com este tipo de arma. Não é correto
induzir a opinião pública a imaginar que as armas curtas de calibre permitido
pela legislação em vigor em nosso país, sejam semelhantes às envolvidas em
conflitos e guerras de larga escala.
O senador voltou a repetir em seu artigo o argumento de que a arma
está na “raiz do crime sem causa”. A tentativa de colocar a arma legal como
sendo a principal causa da criminalidade no Brasil não resiste a um exame
mais acurado. Como explicar que o Rio Grande do Sul, onde tem-se o maior
93
número de portes de arma do país, 40 mil, detenha uma das menores taxas de
homicídio, 14 por 100 mil habitantes, enquanto o Rio de Janeiro tenha apenas
104 portes concedidos e uma das maiores taxas de homicídio do mundo, 47
por 100 mil habitantes? Quem mais mata no Rio de Janeiro e em São Paulo,
onde é mais grave o avanço da criminalidade violenta, é o crime e o banditismo
profissional, organizado em torno do núcleo propagador da violência formado
pelas quadrilhas de narcotraficantes. Tal é a gravidade da situação que a
revista Newsweek (28/05), revela que o volume de drogas apreendidas no
Brasil elevou-se de 10 milhões de gramas em 1995 para 170 milhões em 1999.
A revista informou ainda que “70 por cento da violência é creditada à posse ou
uso de drogas”. Estamos vivendo, em nosso país um dramático crescimento
das ações do narcotráfico, que já se fala em “colombianização” do Brasil. Uma
pesquisa, realizada durante o último Rock in Rio revelou o lado mais dramático
deste processo: 47 por cento dos jovens disseram ter experimentado algum
tipo de droga e 16 por cento admitiram já ter usado cocaína.
Mas, se o senador quiser ir além de nossas fronteiras, podemos citar o
exemplo dos EUA, onde os estados mais liberais com relação ao registro e
porte apresentam 23 por cento menos crimes do que os estados que praticam
restrições. Podemos também citar a Inglaterra, onde ao contrário do que afirma
o ilustre senador, temos uma indesmentível evidência da ineficácia do
desarmamento civil. O crime aumentou 80 por cento após o desarmamento.
Hoje a polícia inglesa voltou a utilizar armas e as autoridades estudam rever as
leis restritivas.
O problema da criminalidade no Brasil é grave e precisamos de
medidas firmes para combatê-lo. No entanto, não podemos confundir combate
ao crime com a extinção do direito de defesa da cidadania A vingar a proposta
do senador Calheiros teremos, em breve, duas classes de pessoas: os ricos
que poderão pagar pela segurança privada e os pobres e desarmados que
contarão apenas com a ação do estado para se defender dos criminosos.
Depois disso tudo, temos a obrigação de indagar: a quem interessa desarmar o
94
povo brasileiro? Aos que desejam a privatização da segurança? Aos que
desejam entronizar em nosso país as armas produzidas no exterior? Aos que
desejam tornar o cidadão dócil e receptivo á dominação totalitária?
*Carlos Murgel é Diretor-presidente da Forjas Taurus e Presidente da Associação Nacional de Armas e Munições-ANIAM.
Violência - Causas e soluções
Luiz Pazos*
Não existem povos violentos, mas sim entornos econômicos e jurídicos
que promovem ou inibem a violência. Entre os principais incentivos à violência
estão:
1 - Ausência de títulos de propriedade. É difícil fazer justiça quando não
se sabe quem é o dono.
2 - Políticas governamentais que expropriam e dividem a riqueza dos
que trabalham e produzem. Quando os governos são os primeiros a
violar a propriedade, os cidadãos seguem o exemplo.
3 - Doutrinas que justificam tirar a propriedade de quem possui muito.
Quando um sacerdote ou um político culpa aos ricos pela pobreza e
pede para dividir ou expropriar, se está promovendo e justificando a
violência. País nenhum tem reduzido a pobreza através de
expropriações de terras, de fábricas ou de dinheiro contra os ricos.
4.- Impunidade dos violentos. No Japão, 90% dos delinqüentes são
arrestados e julgados, e. obrigados a devolver o que roubaram. No
México são menos de 10%.
95
Sempre haverá violência. O objetivo deve ser sua redução para sua
mínima expressão. Para isso é necessário:
1 - Títulos de propriedade que permitam identificar o que é de cada um
e um governo que garanta o pouco dos pobres e o muito dos ricos.
2 - Punição dos delinqüentes. O mais importante não é que existam
penas altas, mas sim que sejam cumpridas. Os altos índices de
violência no México são uma conseqüência do alto grau de
impunidade.
3 - Direitos humanos das vítimas. As leis e os órgãos estatais devem
proteger os direitos humanos das vítimas, antes do que os dos
delinqüentes.
4 - Justiça rápida. Os governos se orgulham por propor uma justiça
gratuita. Falso, no México é oficialmente gratuita, mas se você quiser
uma justiça gratuita e rápida, muitas vezes será necessário dar
dinheiro aos funcionários.
5 - Reorientar os fins do Estado. Os governos devem reduzir sua
ingerência na economia e aumentá-la na prevenção do crime e na
administração da justiça. A pobreza diminui onde há paz, justiça e
respeito dos direitos de propriedade.
6 - Premiar o trabalho e a honestidade. A violência e a insegurança
aumentam quando é mais difícil ser honesto do que delinqüente.
Custa mais cumprir a lei do que violá-la.
7 - Facilitar a criação de empresas para criar mais opções de emprego.
A economia cresce quando tornar-se um empreendedor é dado a
todos. Deve gratificar mais criar riqueza do que tirá-la de outrem. Não
só a poupança e o investimento são fundamentais para o
crescimento, mas também o são a paz e a segurança. Se um
96
governo não garante o patrimônio de seus habitantes, não há
crescimento econômico.
* Professor de Economia Política no México.
Aniam contesta números do Iser e do Viva Rio publicados no O
Globo
A Associação Nacional das Indústrias de Armas e Munições (Aniam)
associa-se a todos os setores da sociedade brasileira que combatem o
contrabando, um dos mais graves problemas da economia ilegal. Cada produto
ilegalmente vendido no nosso país significa menos empregos e impostos.
A ação mais severa de nossas autoridades no combate ao
contrabando, à fraude, ao roubo de cargas e comércio ilegal, sem dúvida,
ajudaria a reduzir seus efeitos nocivos sobre a economia nacional. Neste
sentido, a matéria publicada no jornal O Globo no último domingo (18 de
novembro), sob o título “Efeito bumerangue alimenta violência na cidade”,
alerta para um aspecto importante: o contrabando, no caso, de armas e
munições.
Para esclarecer melhor a questão abordada na matéria – a exportação
de armas para o Paraguai, seu retorno ilegal para o Brasil e as taxas de
criminalidade no Rio de Janeiro – nos permitimos fazer as seguintes
observações sobre o conteúdo da reportagem e omissões que podem induzir o
leitor a uma compreensão equivocada da realidade:
1. A tese sustentada pela matéria, de que existe uma correlação entre
exportações de armas de fogo para o Paraguai e o aumento das
97
taxas de homicídios no Rio de Janeiro, não é verdadeira. E isto pode
ser comprovado ao observarmos com atenção os números
publicados: em 1995, segundo o jornal, a taxa de homicídios no Rio
de Janeiro era de 55 por 100 mil habitantes, ao mesmo tempo em
que as exportações para o Paraguai alcançaram a cifra de US$
2,740 mil (dois milhões e setecentos e quarenta mil dólares). Em
1995, a taxa de homicídios elevou-se para 59 por 100 mil habitantes,
uma elevação de apenas 7,2% na taxa, enquanto que as
exportações aumentaram aproximadamente cinco vezes, alcançando
US$ 9.460 (nove milhões e quatrocentos e sessenta mil dólares)!
Para que a tese seja verdadeira, o mesmo comportamento deveria ser
observado no período seguinte, de 1995 a 2000. No entanto, não é o que
ocorre: as exportações foram 90 vezes menores em 2000 do que em 1995,
enquanto que a taxa de homicídios caiu apenas 16%.
E o mais grave: entre 1998 e 2000, o valor das exportações caiu 13
vezes, reduzindo-se de US$ 1,407 mil (um milhão e quatrocentos e sete mil
dólares) para US$ 105 mil (cento e cinco mil dólares), sendo que a taxa de
homicídios permaneceu estacionada em 40 por 100 mil habitantes nos três
anos considerados.
Ora, como podemos levar a sério esta tese, se não existe um
comportamento padrão, ou no mínimo, relativamente uniforme entre as duas
variáveis consideradas – exportações para o Paraguai e taxa de homicídios no
Rio de Janeiro? Se alguma tendência existisse, essa regularidade não valeria
para os últimos três anos da amostra. Realmente, isso pode ser qualquer coisa,
menos seriedade e honestidade intelectual no tratamento da informação.
Além dos fatos acima citados, deve-se lembrar que a “tese” exposta
pela matéria desconsidera completamente outros fatores que sabidamente
interferem nas taxas de criminalidade, que já foram repetidas à exaustão:
98
efetividade da ação policial, impunidade, intensificação da ação do crime
organizado e do tráfico de drogas, deterioração e segregação social, etc.
2. A informação de que a indústria brasileira de armas exportou US$ 1
bilhão (um bilhão de dólares) entre 1989 e 2000, refere-se
provavelmente ao total das exportações, incluindo neste número as
vendas de tanques, foguetes e outros armamentos pesados, sem
relação com as armas leves e munições produzidas pela Taurus e
CBC, as duas empresas líderes destes segmentos e as mais
representativas em vendas para o exterior. A omissão é grave
porque dá ao leitor a falsa idéia de que a venda de armas curtas e
munições atingiu esta expressiva cifra.
3. A matéria deixa de informar que a Taurus e a CBC, as duas maiores
fabricantes de armas leves e de munições, respectivamente – por
decisão das próprias empresas – deixaram de exportar para o
comércio do Paraguai desde agosto de 1999. Atualmente, as vendas
para aquele país estão restritas aos órgãos governamentais.
4. Mas, afinal, cabe indagar: o que deseja o jornal O Globo com este
tipo de matéria que utiliza números contestáveis e contém graves
omissões? São duas as possibilidades, ambas graves: a primeira é
desviar a atenção para as armas legais, ao invés de focá-la nas
verdadeiras causas da criminalidade. Sabemos que os cidadãos que
compram armas legais não são os responsáveis pela altas taxas do
crime no Rio de Janeiro. Esta é uma inversão que transforma a
vítima em culpado e o verdadeiro culpado, o bandido, em inocente.
O segundo propósito é “requentar” o tema do desarmamento civil com o
objetivo de dar-lhe importância na agenda política nacional, no momento
em que assume o novo ministro da Justiça. O Congresso Nacional vem
dando demonstrações inequívocas de que esta tese não será acolhida,
porque os parlamentares, majoritariamente, não aceitam subtrair do
99
cidadão brasileiro honesto e cumpridor das leis o direito de exercer a
legítima defesa, direito esse consagrado na Constituição Federal e na
tradição jurídica do país.
5. Sobre a legislação estadual recentemente aprovada no Rio de
Janeiro, trata-se de mera cópia da Lei Federal, com o acréscimo de
exigências para o registro e porte. É mais uma lei inócua, porque
inconstitucional. A referida lei contém alguns dispositivos que beiram
ao ridículo, entre os quais “a exigência de que o interessado em
comprar uma arma apresente uma declaração de três vizinhos de
que ele tem boa conduta e ainda justifique a necessidade de possuir
uma arma”. Ou seja, quem vai dizer como você deve se defender é o
seu vizinho!
Essa carta foi enviada para a redação do jornal O Globo no dia 20/11/2002.
A mídia e o lobby do desarmamento
Por Raimundo Nicioli
O projeto de desarmamento civil levado adiante pelo Viva Rio, ISER,
Instituto Sou da Paz e determinadas lideranças políticas tem hoje penetração
cada vez maior dentro do imaginário da sociedade.Mas será que tal quadro
reflete a realidade das coisas? Será que as recentes campanhas dos
campeões do desarmamento espelham uma luta destemida contra o “terrível”
lobby das armas? Será prudente confiar nossa segurança em suas teorias,
disseminadas aos quatro ventos por jornais,rádios e televisões? Este pequeno
ensaio,que pretende explorar estas questões,manifesta perplexidades,e sem
querer dar a palavra final, visa dar partida a um sadio embate de idéias.
100
Antes de ir adiante porem, uma explicação : não se trata aqui de
converter outros ao gosto ou uso de armas, visto que muitos não tem por elas
atração alguma,mas sim alertar para a presença de manipuladores
profissionais que planejam fazer mudanças drásticas na sociedade sem o
devido aval; e não menos importante, para a maneira subreptícia como age a
imprensa em geral,alijando às sombras, e portanto para fora do quadro de
referência,dados que contrariam as teses desarmamentistas,modus operandi
notável também em outros tópicos freqüentemente ocupando as notícias,como
por exemplo o ambientalismo,o tratado de Kyoto e o aquecimento global.
O plano para o controle de armas leves (revólveres, pistolas,
espingardas e carabinas), small arms em inglês, que vem ganhando ímpeto
desde 1995 é fruto de um esforço conjunto da ONU, do governo japonês e do
governo canadense. A partir daí, organizações satélites como a UNESCO, o
ILANUD e a específica IANSA sediada em Londres vem fazendo continuados
esforços no sentido de promover o controle absoluto de armas leves no mundo.
Em atividade no Brasil temos representando a UNESCO o Sr. Jorge Werthein e
o ILANUD o Sr. Túlio Kahn. No Rio de Janeiro respondem pelo Viva Rio os Srs.
Rubem Cesar Fernandes e Antonio Rangel Bandeira, e pelo ISER o Sr. Ignacio
Cano. Em São Paulo pontifica o Instituto Sou da Paz do Sr. Denis Mizne. No
Brasil este projeto vem sendo cumprido à risca por estas entidades, que com o
concurso da mídia, tem conseguindo impor suas agendas e interpretações sem
oposição ou questionamento. Praticamente estas pessoas respondem pela
quase totalidade dos artigos escritos sobre o assunto na imprensa brasileira.
No campo político o Deputado Carlos Minc é um dos principais
defensores da idéia, e o sociólogo Luis Eduardo Soares representa mais do
que ninguém a mentalidade fortemente anti armas presente no meio
intelectual/universitário.
Mas uma contradição central se impõe: um projeto desta
magnitude,que visa extinguir a posse privada de armas de fogo por civis no
101
País,não deveria ser efetuado sem que antes fosse debatido profundamente
pela sociedade. E esta não tem condições para se posicionar com coerência
sem antes ter sido informada dos pormenores da questão, seus
desdobramentos e possíveis conseqüências. No Rio de Janeiro vigora já uma
lei do Deputado Carlos Minc que coloca, alem dos entraves burocráticos de
praxe, outros de natureza fiscal (taxas) e até social,como o insólito atestado de
boa conduta do proponente à compra de armas firmado por três vizinhos, lei
essa proposta, votada, aprovada e sancionada sem que nenhuma discussão
mais ampla tivesse ocorrido.
Concorre para o sucesso da empreitada, a recorrente manifestação de
“preocupação” com o bem estar das pessoas e a menção de determinadas
“estatísticas”,que os marqueteiros do desarmamento,rápidos qual um raio
sacam do bolso assim que avistam um microfone e uma camera,
transmutando-se no ato em “experts” a discorrer para incautos e crédulos
ouvintes sobre o perigo das armas,e estimulando-os ao mesmo tempo a se
desfazer delas, no que são providencialmente ajudados por um exército de
formadores de opinião, presentes nos mais variados setores de atividade —
jornais, programas de rádio, cadernos culturais,novelas,talk shows,
noticiários,programas de auditório e principalmente campanhas publicitárias
específicas, como a relativamente recente “Arma - ou ela ou eu “ da W Brasil,
estrelada por Fernanda Torres e Malu Mader.
Para um observador atento, tal unanimidade nelsonrodrigueana deveria
soar mal, motivar descrença ,indagações e criticas,mas tais manifestações
aparentemente são raras, se comparadas à avalanche de
editoriais,declarações e artigos pró-desarmamento. Por sua vez, a classe
intelectual nas universidades e demais instituições de ensino ao invés de
procurar analisar dados e fatos com isenção e objetividade científica, renega
seu papel esclarecedor e parte para a mais descarada propaganda anti-armas.
102
O que se vê hoje portanto é uma militância antiarmas trabalhando sob
orientação expressa de corporações burocráticas transnacionais,apoiada por
uma imprensa que, com raras exceções parece ter se esquecido de seu
papel,e um corpo intelectual que nada acrescenta de significativo.
Completando o quadro, para o cidadão que decida contribuir no affaire,
simplesmente não há canais de expressão disponíveis, à exceção de umas
poucas e editadas cartas que os jornais,de vez em quando consentem em
publicar.
O Viva Rio é uma das organizações integrantes do vasto cartel de
ONGs denominado IANSA - International Action Network on Small Arms, que
congrega mais de 150 organizações não governamentais trabalhando sob a
batuta da ONU, todas voltadas ao mesmo propósito,o controle( proibição) de
armas leves. É significante notar aqui a presença do admirável mundo novo, no
qual burocracias não eleitas passam a interferir na vida de milhões de pessoas,
sem que se possa responsabilizá-las pelas conseqüências de suas ações, pois
que se colocam fora de alcance, ao largo de qualquer controle possível.
Entrando na página da IANSA www.iansa.org pode-se verificar seus programas
e intenções e também notícias sobre as campanhas levadas a cabo aqui pelo
Viva Rio.
No trabalho de Rubem Cesar Fernandes “Urban Violence and Civic
Action- The Experience of Viva Rio” disponível na Web em PDF (em inglês) lê-
se à página 17 sob o título “Wide Visibility”: — “O Viva Rio seria impensável
sem a mídia. De 1994 a 1997 foram publicados milhares de artigos, uma média
de mais de três por dia. Diretores dos quatro maiores jornais do Rio de Janeiro
- A Gazeta Mercantil , O Dia , O Jornal do Brasil e O Globo fazem parte do
conselho administrativo da entidade. Um almoço mensal com os editores e
colunistas de várias representações da imprensa nacional e estrangeira
trabalhando no Rio de Janeiro, aproximadamente 25 pessoas, criaram o hábito
de discutir o background para os artigos que são assuntos de imprensa na
cidade (sic). Com este almoço, oferecido pelo dono de um restaurante que é
103
membro do Conselho, importantes personalidades são colocadas em contato
direto com os intermediários da imprensa, aqueles que escrevem as notícias
diárias. Assim, através de um processo de repetição, é criado um circuito
qualificado para o diálogo, o que, no final das contas estabelece uma certa
familiaridade interpretativa com as editorias de notícia”.
Não é de admirar portanto a evidência freqüente , para não dizer
permanente do Viva Rio na mídia .
Este relato, vindo de dentro da organização, deveria por si só fornecer
motivo mais do que suficiente para abalar a credibilidade do movimento, que
através uma facilitada e constante presença nos meios de comunicação é
capaz de bloquear criticas e arrefecer desconfianças. O processo natural de
expressão na imprensa livre, que é proporcionar à diferentes pessoas a chance
de manifestar diversos pontos de vista é substituído por outro,unanimista e
artificial, o que por sua vez cria perfeitas condições para o completo domínio
daqueles mesmos que a imprensa professa informar. Vez por outra aparece
uma carta ou artigo divergente, mas isto é estrategicamente calculado para dar
aparência de pluralismo ao processo, que na realidade se distingue por ser de
um dirigismo atroz. Poucas são as notas destoantes na sinfonia do
desarmamento e os exemplos podem ser encontrados em profusão.
Quinta feira, 9 de Julho de 2002 aproximadamente 22:15 h. A CBN
realizava uma entrevista com uma certa Sra. Jessica,do Viva Rio. Falava-se
sobre a cerimonia de destruição de armas que tinha tido lugar horas antes no
Palácio Guanabara.Um ancora extremamente gentil e solicito, que segundo
suas próprias palavras, fazia o papel de advogado do diabo, colocava a
entrevistada no melhor dos mundos,fazendo as perguntas certas para o seu
melhor desempenho. Evidentemente o que era para lhe ser perguntado não
foi, numa entrevista de quase 15 minutos de duração.
Sexta feira, 10 de Julho, dia seguinte ao exorcismo programado pela
ONU - O GLOBO funcionando com a precisão de uma máquina bem regulada
104
faz publicar o artigo “Destruindo Armas”,do Sr. Antônio Rangel Bandeira,
também do Viva Rio,discorrendo sobre o citado evento e procurando
substancia-lo com argumentações variadas. Em um dado momento porem,eis
que o articulista cai do cavalo ao comandar em seu auxílio ninguém menos do
que o Dr. Arthur Kellerman, autor de um dos trabalhos mais criticados sobre o
assunto nos Estados Unidos.
Os membros da classe acadêmica sabem que todo o trabalho científico
para ser considerado válido para publicação num jornal ou revista
especializada, tem de passar pelo processo de “peer review”, no qual outros
membros da comunidade científica avaliam a metodologia,as fontes e
estatísticas utilizadas.Neste caso, o Dr. Kellerman se recusou a fornecer as
credenciais solicitadas, mas seu trabalho, não revisto por seus pares da
comunidade científica foi mesmo assim publicado no New England Journal of
Medicine.Verificou-se depois, que era uma peça de propaganda anti-armas
travestida de monografia científica, o que deixou o CDC - Centers for Disease
Control, órgão governamental financiador do trabalho em maus lençóis, em
virtude do que a cessão de “grants” para trabalhos de engenharia social e
comportamental disfarçados de literatura médica foram suspensos pelo
congresso. Mas o Sr. A troca de correspondencias que se seguiu vai anexada
como um mini dossiê, para que se tenha idéia de quem “observa” a imprensa...
Na verdade, temos configurado aqui um verdadeiro estelionato. Uma
espécie de estelionato intelectual — Insiste-se em oferecer algo que não pode
ser garantido com certeza absoluta — a proteção policial, em troca da
desistência da auto defesa pela ausência forçada dos meios para concretiza-la,
e da supressão de informações que a provam possível, e segundo atestam
vários trabalhos de eminentes scholars americanos,eficaz em um grande
numero de casos.
Trabalhos que, ao contrário do do Dr. Kellerman são devidamente
“peer reviwed”, mas infelizmente tornados indisponíveis ao publico pela
105
omissão de nossa imprensa. Assim ,autores como Don Kates, John Lott, Daniel
Polsby e outros quedam suprimidos do horizonte visível.
Um exemplo mais recente é o livro da professora americana de História
do Bentley College, Massachussets, E. Unidos Joyce Lee Malcolm,”Guns and
Violence — The English Experience “ - Harvard University Press, onde é
descrita e analisada a situação na Inglaterra após o desarmamento.
Em função do desconhecimento destas obras é praticamente
impossível que o grande publico possa compreender o que se passa diante de
seus olhos. Na medida em que um vasto e complexo conglomerado de fatos e
números é substituído por outro de recorte simplificado,vemos então subir ao
pódio aqueles que de súbito ganharam o privilegio de disseminar suas
teorias,passando a representar a “verdade”.
Mais ainda, alia-se a isto algo mais sutil — a indução à baixa da guarda
defensiva pela confusão de duas situações ou conceitos diferentes: o da não
agressão,benéfico, salutar e em sintonia com valores civilizatorios mais
elevados, e o da submissão,negativo e potencialmente letal, o que deixa
inevitavelmente os proponentes do desarmamento civil completo bem perto da
divisa do moralmente condenável.
Em função do fato notório que, desde o início do período de influencia
dessas pessoas e organizações na segurança publica,a taxa de criminalidade e
a sensação de insegurança só fizeram aumentar, pergunto se não seria
plausível considera-las antes parte do problema do que da solução.
Para concluir, penso que a reversão deste quadro só será possível se
os políticos, intelectuais e organizadores das entidades envolvidas derem
passos objetivos no sentido de realmente dialogar com toda a sociedade num
cenário de absoluta transparência, no qual todos esses segmentos em conjunto
com a mídia em todas as suas expressões, fixem como meta a busca da
verdade, e acima de tudo que, sondando seus corações verifiquem se, diante
106
de tudo o que foi dito aqui, ainda se consideram moral e eticamente
respaldados para propor à sociedade mudanças tão radicais, com
conseqüências tão imprevisíveis quanto perigosas.
Publicado originalmente no site www.midiasemmascara.com.br.
“Impunidade é o principal problema”
“Bom Dia Brasil: O senhor é a favor de que o cidadão comum tenha
direito a portar uma arma?
Íris Rezende: A comissão não foi constituída para discutir um item,
mas para discutir uma política nacional de segurança pública, que envolve a
questão de armas. Muitas vezes voltamos nossa atenção para a questão das
armas e esquecemos o instrumento principal da segurança pública, que é o
policial. Este está esquecido, mal remunerado, sem condições de trabalho.
Podemos proibir armas, podemos aprovar leis e mais leis, mas nada adiantará
se não investirmos, com recursos dos governos federal, estadual e municipal,
no policial, para que ele tenha condições de trabalho e condições dignas de
vida. O policial hoje não tem condições de manter um filho na universidade.
Este homem, em determinado momento, desesperado, parte para a corrupção.
Bom Dia Brasil: Vai dar tempo de votar tudo antes que os
parlamentares saiam para as eleições?
Íris Rezende: Sim. Pela primeira vez, todas as lideranças do
Congresso se reuniram e criaram uma comissão para cuidar da segurança
pública. Foi um grande passo. Em 60 dias, essa comissão levará a apreciação
do Congresso, porque é constituída de profundos conhecedores do assunto.
Bom Dia Brasil: E existe uma urgência também, não é?
107
Íris Rezende: Essas propostas serão, sim, colocadas em regime de
urgência. Logo, elas serão aprovadas antes que outras matérias sejam
apreciadas pelo Congresso.
Bom Dia Brasil: Voltando à questão do controle de armas, o senhor é
a favor de que se mantenham armas em casa e do porte de armas?
Íris Rezende: Sou a favor que ser proíba a posse de armas por parte
de quem quer que seja, quando o estado conseguir desarmar o bandido. Não é
justo que se preocupe com o pai de família que tem uma arma em casa,
enquanto o bandido continua por aí desafiando o governo com armas muito
mais sofisticadas. Primeiramente, precisamos desarmar os bandidos e depois
se preocupar com quem tem uma arma em casa, e punir o pai que, por
negligência, deixa a arma ao alcance de crianças.
Bom Dia Brasil: O senhor tem arma?
Íris Rezende: Tenho, porque me sinto inseguro diante da fragilidade do
poder público ao oferecer a segurança ao cidadão hoje no Brasil. Mas nunca a
usei. Nem porte de arma eu tenho. O ladrão muitas vezes não entra na sua
casa por temer que ali haja uma arma. No dia em que desarmarem o bandido,
não haverá motivo para permitirem a posse de arma. Mas essa comissão vai
cuidar de tudo: de arma, contrabando, reformas de alguns itens do código
penal. A impunidade é a principal causa da criminalidade no Brasil.”
A entrevista com o senador Íris Rezende foi ao ar no programa “Bom Dia Brasil”, da emissora Rede Globo, em janeiro de 2002, época em
que estava sendo implantada a Comissão Especial para discutir a questão da segurança pública no Congresso Nacional. Íris presidiu a
comissão.
108
Quando os liberais mentem sobre armas
Cathy Young
O assassinato, a tiros, da pequena Kayla Rolland, de 6 anos, por um
colega da primeira série no distrito de Mount Morris, Michigan, em fevereiro de
2000, trouxe uma série de reclamações sobre o flagelo das armas, revivendo a
choradeira de “quantas crianças ainda precisam morrer?”. Na versão-padrão
que chega à mídia, o debate sobre as armas torna-se uma questão puramente
de moralidade. As forças do bem tentam proteger a nós, e especialmente às
crianças, de uma pestilência criada pelo homem, que cobra um cruel tributo de
nossa terra; as forças do mal exploram o caso atávico de amor que os
americanos têm com as armas, meramente por interesse político e/ou
monetário. Mas será que é assim tão simples?
Há poucas dúvidas de que o tão criticado lobby das armas tenha
adotado uma retórica extrema, se opondo a restrições sensíveis para a maioria
dos americanos (incluindo donos de armas), como prazos de espera e
verificações obrigatórias dos antecedentes de quem quer comprar armas. Mas
é igualmente verdadeiro que muitos membros das classes falantes sentem uma
aversão tão visceral pelas armas que estão inclinados a aceitar argumentos
duvidosos contra as armas e a descartar qualquer evidência de que, vire essa
boca pra lá, Charlton Heston [NT: o Moisés de “Os Dez Mandamentos” é um
dos mais ativos líderes da National Rifle Association] possa às vezes ter
alguma razão.
Apenas para registro, não faço parte da National Rifle Association e a
única arma que tive na vida era de brinquedo. Apesar de meu lado político
tender, geralmente, para o lado libertário, não compro o peixe que defende que
cidadãos armados são uma salvaguarda contra governos tirânicos. Nem tenho
problemas com algumas das leis sobre armas defendidas pelo presidente
Clinton.
109
Certamente parece fazer sentido querer fechar as brechas que
permitem que os compradores que vão a mostras de armas escapem de ter
seus antecedentes verificados. Obrigar os fabricantes de armas a colocar
travas para segurança de crianças nos gatilhos de novas armas pode ser uma
boa idéia (dependendo de quanto essas travas possam atrapalhar um adulto se
for necessário usar a arma para auto-defesa em uma situação de emergência),
apesar de não resolver o problema dos milhões de armas mais antigas que já
existem. Mas é claro que o movimento anti-armas vai muito além da defesa
dessas medidas tão modestas, e muitas vezes coloca a histeria e a vontade de
impor sua razão no lugar de uma discussão séria e razoável.
Dito assim, parece que ninguém em seu perfeito juízo poderia
questionar o massacre causado pelas armas nos EUA e que nenhuma
sociedade em seu perfeito juízo poderia tolerá-lo. Em 1997, houve 21.259
mortes causadas por pistolas e 11.177 mortes com outras armas de fogo nos
Estados Unidos; as taxas de homicídios por aqui são entre três e 12 vezes
maiores do que em países industrializados que aplicam controles severos às
armas. Caso encerrado? Nem tanto.
Considere, por exemplo, o fato de que nossas taxas de homicídios sem
armas são maiores que as taxas de homicídio em muitas nações. Em 1990, a
taxa de assassinatos e de homicídios culposos nos EUA foi de 9,3 mortes a
cada 100 mil habitantes, e as armas de fogo foram usadas em algo como dois
terços dessas mortes. Mesmo se tivéssemos de alguma forma nos livrado não
só das pistolas, mas de todas as armas de fogo, e mesmo que,
improvavelmente, nenhum dos assassinos que usaram armas de fogo tivesse
usado outro tipo de instrumento, ainda assim teríamos 3,1 assassinatos para
cada 100 mil habitantes –maior que a taxa de homicídios naquele ano no
Canadá (2,1 por 100 mil), na Suécia (1,4) ou no Japão (0,5). Obviamente, há
algo errado além do acesso às armas. Além disso, mais de três quartos dos
crimes violentos que não o homicídio nos EUA são cometidos sem armas de
fogo.
110
Considere, também, países onde as armas são comuns e o crime é
raro. Os gurus anti-armas costumam ignorar a Suíça, que ostenta a população
mais pesadamente armada do mundo, bem como uma cultura florescente de
armas (campeonatos de tiro para crianças entre 12 e 16 anos de idade são por
lá uma tradição popular) e uma das menores taxas de crime no mundo inteiro.
Em 1997, a Suíça teve 1,2 assassinatos para cada 100 mil habitantes –quase o
mesmo que a Grã-Bretanha, muitas vezes incensada como um caso de
sucesso no controle de armas. Israel, onde a maior parte dos adultos ou está
em serviço militar ativo ou está na reserva, e onde quase todas as casas têm
armas, também tem uma taxa baixa de assassinatos [NT: fora de tempos de
guerra; o artigo foi escrito antes da atual Intifada, iniciada no final de 2000] ,
parelha com as da maior parte da Europa Ocidental.
Mas isso não é tudo. Mais da metade das mortes com armas de fogo
nos EUA (coisa de 55%, segundo as últimas estatísticas) não é homicídio, mas
suicídio. Então, por isso, não precisamos nos preocupar se as pessoas
meramente atiram em si próprias ao invés de atirar nos outros? Não é isso.
Mas, neste caso, culpar as armas pelas mortes é algo especialmente dúbio.
Curiosamente, quando se fala em suicídios, não vemos muitas comparações
com todos aqueles países que tão sabiamente mantêm as armas fora das
mãos dos habitantes –talvez porque os EUA, loucos por armas, não
apareceriam assim tão mal na comparação. Em 1996, a taxa de suicídios por
100 mil habitantes era de 11,8 nos EUA, 13,4 no Canadá, 17,9 no Japão, 20,9
na França e 25 na Finlândia.
A bobagem em que muita gente inteligente afunda quando fala sobre
armas é resumida em um relato recente publicado no New England Journal of
Medicine, que liga a compra de armas ao risco elevado de suicídio. Na primeira
semana após a compra, descobriu o estudo, compradores de armas atiraram
em si próprios a 57 vezes a taxa da população em geral.
111
“Essas descobertas são horripilantes, e devem levar mesmo os mais
ardentes inimigos do controle de armas a pensar duas vezes”, pregou o
Minneapolis Star-Tribune. Queria saber como é que os editores e
pesquisadores pensam que funciona a relação de causa-efeito: o sujeito sai,
compra uma arma, e daí uns dias depois ele se chateia com alguma coisa e
mete uma bala na cabeça? Não precisa ser formado em medicina, nem em
jornalismo, para descobrir que a maior parte dessas pessoas provavelmente
compra uma arma porque já pretende se matar. Claro, pode-se argumentar que
a disponibilidade de poder de fogo dá meios perigosamente convenientes para
autodestruição, mas como se pode ver pelas comparações com outros países,
a falta de acesso não é impedimento.
Então vem a demagogia sobre as crianças, para a qual a morte sem
sentido de Kayla deu amplas oportunidades. “Armas de fogo mataram 4.223
crianças americanas com menos de 19 anos em 1997”, escreveu Clarence
Page no Chicago Tribune, esquecendo de mencionar que menos de 700
dessas vítimas eram menores de 17 anos. Claro que o número ainda é trágico
–apesar de ser tão trágico quanto saber que, no mesmo ano, cerca de 700
outras crianças foram massacrados com facas, objetos sem ponta ou mesmo
com as mãos, enquanto mais de 2.000 crianças com menos de 15 anos
morreram em batidas de automóvel e quase 1.000 se afogaram. E, claro, não
devemos ser indiferentes ao assassinato ou suicídio entre adolescentes mais
velhos. Mas por que tentar igualar tiroteios entre membros de gangue com 18
anos de idade ao assassinato de uma criança de 6 anos?
Apesar de as declarações exageradas sobre os males das armas
serem tratadas com respeito, a mesma atenção não é dispensada aos
incômodos fatos que sugerem que o argumento das armas como um meio de
autodefesa e prevenção de crimes pode ser mais do que um mito da NRA.
John R. Lott, economista e pesquisador-sênior da Escola de Direito de Yale,
publicou estudos segundo os quais as leis estaduais que deixam cidadãos sem
registro criminal obterem licença velada levam a menores taxas de crimes
112
violentos –inclusive assassinato. [NT: a pesquisa foi publicada no Brasil no livro
“Mais armas, menos crimes? – Entendendo o Crime e as Leis de Controle de
Armas de Fogo” –Makron Books, 1999]
A pesquisa de Lott pode ter falhas, mas seus críticos ainda estão por
apontá-las; ao invés disso, eles recorrem a ataques ad hominem, focalizados
nas bolsas que Lott recebeu de fundações ligadas à direita política e a falsas
insinuações de laços financeiros com fabricantes de armas. A maior parte da
mídia comercial e dos gurus do assunto, enquanto isso, simplesmente ignora
Lott e zomba da idéia de que armas podem ter benefícios.
Os defensores do controle de armas afirmam que mais de 2% dos
homicídios usando armas são em defesa própria, e citam estudos que
pretendem mostrar que ter uma arma em casa é mais perigoso para o dono do
que para o intruso. Os que apóiam o direito de ter armas respondem que esses
estudos omitem casos em que um civil impede um crime, e talvez escapa da
morte ou de ferimentos graves, atirando para cima ou meramente sacando uma
arma (certamente, seria um pouco cruel exigir um bandido morto como prova
de efetiva proteção pessoal). As estimativas sobre a freqüência de tais
incidentes variam muito, entre 84 mil e 3,6 milhões por ano. Obviamente, os
grupos pró-armas preferem os números maiores, e suas declarações merecem
ser tratadas com cautela. Mas o outro lado deve ser tratado da mesma forma.
Lott afirma que o viés anti-armas faz com que a mídia subvalorize
evidências dramáticas de que as armas podem salvar vidas. Seu exemplo mais
surpreendente vem, dentre todos os possíveis, de duas das ondas de tiroteios
em escolas de segundo grau nos últimos anos. Em Pearl, Missouri, e em
Edinboro, Pennsylvannia, cidadãos armados –o diretor assistente Joel Myrick e
o dono de restaurante James Strand– desarmaram os atiradores apontando a
arma para eles antes que a polícia chegasse; ainda assim, as poucas
reportagens que mencionaram seu papel normalmente deixavam de mencionar
113
seu uso de armas, dizendo simplesmente que eles “subjugaram” os atacantes
ou os “persuadiram” a se render.
Pode-se achar que dar crédito às armas por salvar vidas nesses casos
é como recompensar um incendiário por ajudar a apagar o fogo. Afinal, se não
fosse pelas armas, não haveria tiroteios e nem necessidade para o heroísmo
de Myrick e Strand. Mas esse tipo de resposta presume que podemos chegar a
uma situação em que não haja mais armas.
Vamos supor que uma proibição completa das armas de fogo,
defendida por alguns grupos de controle das armas como o Violence Policy
Center, tenha chance de ser aprovada. Atualmente, ela tem virtualmente
nenhum apoio político e sofre a oposição de uma sólida maioria do público em
pesquisas de opinião, mas vamos imaginar que uma onda de sérios crimes à
mão armada mude o debate político. O que ocorreria com as 65 milhões de
armas que os americanos já têm? Alguns donos de armas respeitadores da lei
iriam, sem dúvida, entregar as suas, mas muitos ou a maioria não iriam. Os
defensores da proibição das armas apoiariam, então, batidas de casa em casa
para confiscar armas de cidadãos que não quisessem entregá-las? Mesmo
muitos dos que são contra as armas teriam calafrios com a idéia.
Além disso, a sociedade americana não é muito boa nessa história de
manter seus habitantes longe de coisas ilegais. Pense na proibição das drogas.
A proibição das armas pode acabar sendo ainda mais difícil de cumprir, já que
grande parte da população seria filosoficamente contra ela. Uma Guerra às
Armas provavelmente seria um desastre de liberdades civis como a Guerra às
Drogas, sem ser muito mais eficiente.
Alguém duvida que, numa era em que os adolescentes podem
encontrar instruções detalhadas na internet sobre como fazer bombas, a
fabricação subterrânea de armas rapidamente surgiria? Ou que alguns oficiais
de polícia e militares ficariam tentados a vender suas armas no mercado
negro? Ou que parte das outras 130 milhões de armas de propriedade privada
114
iam passar a ser procuradas? Ou que os mesmos cidadãos em cujas mãos as
armas são mais perigosas iam muito provavelmente ignorar a proibição?
Slogans da NRA como “Armas não matam pessoas, pessoas matam
pessoas” e “Se as armas forem proibidas por lei, só os foras-da-lei terão
armas” podem ser vistos como piada, mas há alguma verdade neles também –
como a tragédia da morte de Kayla Rolland deve nos lembrar. O menino que
atirou em Kayla, como sabemos, havia sido jogado por sua mãe, uma usuária
de drogas, em uma pensão onde armas eram rotineiramente trocadas por
drogas. Sendo uma criança raivosa e negligenciada, ele havia antes
apunhalado outro coleguinha com um lápis. (Quem pode dizer que Kayla
poderia estar viva se ele tivesse achado um canivete em casa, em vez de uma
arma roubada?) Apesar das leis draconianas sobre drogas, a casa onde o
menino vivia estava inundada de drogas ilegais. Não vejo nenhuma razão para
acreditar que alguma lei sobre armas impediria as armas ilegais.
Sem minimizar o horror de cada morte violenta, é útil lembrar que as
fatalidades com armas de fogo têm em geral caído rapidamente, apesar de o
noticiário alimentar a percepção de uma crise cada vez mais grave. Essa
queda pode ter ocorrido em parte por causa das leis mais severas sobre
armas, como as verificações de antecedentes que evitaram que milhares de
criminosos condenados comprassem armas – apesar de isso provavelmente
ter tido muito mais a ver com o declínio geral na ocorrência de crimes violentos.
Algumas novas medidas, particularmente as relacionadas à segurança
das armas, podem salvar mais vidas. Mas essas medidas devem ser
abordadas com humildade, sem nenhuma ilusão de que podemos resolver o
problema da violência nos EUA só com a vontade de agir em conjunto contra
as armas – e sem demonizar as armas de fogo ou seus donos.
Originalmente publicado em 13 de março de 2000. Tradução: Marcelo Soares
115
NT: O termo liberal possui, nos Estados Unidos, um significado político diferente daquele normalmente utilizado no Brasil. Naquele país, os liberais são, em geral, identificados com o pensamento dos democratas e com uma visão alinhada à esquerda do espectro político.
Nossa luta por um direito básico
Luis Afonso dos Santos
Quem não é dado ao exercício da futurologia, dificilmente poderia
imaginar, digamos, em 1994, que estaríamos hoje numa encarniçada luta pela
preservação do elementar direito de podermos possuir e portar uma arma para
nos defender e à nossa família. Pode parecer um pesadelo, mas é a crua
realidade que os cidadãos brasileiros enfrentam no governo FHC.
Sob o pretexto de um utópico “monopólio da violência” pelo Estado e
de uma delirante “cultura da paz”, estamos sob a permanente ameaça da
cassação de um direito que é garantido milenarmente aos seres humanos, pelo
simples fato de ser algo natural e inerente a todas as espécies animais, o
instinto de autopreservação, e isso ocorre, paradoxalmente, no momento em
que o pretenso monopólio da violência no país está sendo assumido, não pelo
Estado legal, mas pelo banditismo desenfreado que nos ataca em cada
esquina. “...as leis que proíbem o porte de armas, (...) apenas desarmam o
cidadão pacifico, enquanto que deixam a arma nas mãos do criminoso, muito
habituado a violar as convenções mais sacras para respeitar aquelas que são
somente arbitrárias.
”A proibição da posse e do porte de armas de fogo por cidadãos é algo
que se insere no campo das leis tirânicas de Estados absolutistas e
coletivistas, nos quais os direitos e as liberdades individuais contam pouco ou
nada. A disposição de governantes autoritários para a proibição de armas
ressurge de quando em quando, conforme preocupação demonstrada já em
1794 pelo grande filósofo do Direito, Cesare Beccaria, no clássico Dos Delitos
e das Penas. O raciocínio do filósofo é o mesmo que o de qualquer cidadão
116
brasileiro aturdido como o disparate oficial: “as leis que proíbem o porte de
armas, (...) apenas desarmam o cidadão pacifico, enquanto que deixam a arma
nas mãos do criminoso, muito habituado a violar as convenções mais sacras
para respeitar aquelas que são somente arbitrárias”.
Usando como cenário a insegurança da população, causada,
ironicamente, por sua própria inércia, o Governo preparou o terreno para a
proibição da venda e para o confisco, através de um marketing elaborado de
modo que a brutal violência contra os direitos individuais fosse entendida pela
opinião pública como benévola, e alicerçou sua propaganda em duas mentiras
básicas: 1) a desqualificação das armas como instrumento de defesa, pela
afirmação de que o cidadão não sabe usa-las e 2) a desqualificação da
cidadania, acusando, de forma torpe e injuriosa, o cidadão, e não o bandido,
como o responsável pela grande maioria dos homicídios cometidos no país”.
Nos EUA, onde há cerca de 7,6 armas por cada 10 habitantes e, a
partir de 87, em 32 dos 50 estados norte-americanos, adotou-se o porte não
discricionário, estimulando o cidadão a portar armas nas ruas, houve uma
redução dos homicídios pela metade, em oposição, na Inglaterra, onde as
armas da população foram banidas em 96, através da proibição da posse, do
porte e ainda pela compra pelo governo do arsenal em poder da população
(200.000 armas), existem atualmente, cerca de três milhões de armas
clandestinas, fazendo com que pela primeira vez neste século, em virtude do
aumento da criminalidade e dos ataques armados, o patrulhamento a pé
passasse a ser feito por policiais armados em diversas cidades inglesas”.
Para desmenti-lo existem dois exemplos externos, diametralmente
opostos, os EUA e a Inglaterra. No primeiro país, onde há cerca de 7,6 armas
por cada 10 habitantes e, a partir de 87, em 32 dos 50 estados norte-
americanos, adotou-se o porte não discricionário, estimulando o cidadão a
portar armas nas ruas, houve uma redução dos homicídios pela metade, em
oposição, na Inglaterra, onde as armas da população foram banidas em 96,
117
através da proibição da posse, do porte e ainda pela compra pelo governo do
arsenal em poder da população (200.000 armas), existem atualmente, cerca de
três milhões de armas clandestinas, fazendo com que pela primeira vez neste
século, em virtude do aumento da criminalidade e dos ataques armados, o
patrulhamento a pé passasse a ser feito por policiais armados em diversas
cidades inglesas.
Estes dois exemplos, mais o do Estado de São Paulo, onde a emissão
de portes de armas caiu de 69 mil em 94 para cerca de 1.000 em 99,
corroboram não somente tese tricentenária de Cesare Beccaria, de que a
proibição do porte só é respeitada por quem não comete crimes, como a mais
recente, de John Lott, “Mais armas, menos crimes” (sem a interrogação
“politicamente correta” da edição brasileira).
Posse e porte de arma
Marcos Coimbra
Mais uma cerimônia de cunho fascista foi realizada no Aterro do
Flamengo, sob o comando do Sr. Rubem César Fernandes, responsável
aparente pela ONG Viva Rio, com a participação do ex-governador Garotinho,
quando teriam sido incineradas cerca de 4.000 armas de fogo. Como fiéis
hoplófobos (pessoas possuidoras de aversão a armas de fogo), tentam iludir a
opinião pública do Estado e do País, procurando fazer crer que a
responsabilidade pela violência vivenciada atualmente é do objeto e não dos
corações e mentes de marginais.
É necessário estabelecer a diferenciação entre posse e porte legal de
arma. Foi recentemente aprovado anteprojeto pelo Senado que caracteriza
como crime hediondo a posse ilegal de arma de fogo, tornando o crime
inafiançável. É oportuno lembrar que, se um cidadão matar alguém, poderá ser
118
solto e aguardar o julgamento em liberdade, enquanto aquele que for apanhado
com uma arma de fogo, talvez a caminho do conserto, a critério da autoridade
repressora, ficará preso. Convenhamos que é algo desproporcional. Os
narcotraficantes vão morrer de rir com mais uma acusação contra eles, que
cometem o mais hediondo dos crimes, qual seja o de tentar viciar nossos filhos.
O cidadão honesto, cumpridor das leis, terá receio de portar arma e ficará sem
condições de defender sua família, a mercê da quantidade de drogas ingerida
pelo assaltante e do seu humor.
O porte de arma de fogo pressupõe a premissa de ser legal. Isto é, o
cidadão possui o direito de portá-la. Encontramos inúmeras profissões que
garantem o direito ao porte, como magistrados, militares, policiais, promotores,
procuradores, defensores públicos e outros, em serviço ou não. Outras
profissões, como a de vigilante, permitem o porte em serviço. E ainda existem
os seguranças de empresas particulares, contratados por clientes de alto poder
aquisitivo, que também têm o direito de andar armados, com espingardas
Puma 38, metralhadoras UZI, revólveres Magnum, pistolas Glock e outros
artefatos pesados, fazendo a segurança, por exemplo, dos proprietários da
rede de comunicação que é a inimiga número um das armas de fogo no país.
Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Muitos dos próprios
hoplófobos, em surdina, interditam “stands” e praticam o tiro de defesa,
escondidos, com instrutores estrangeiros. Além disto, sua segurança é oficial,
possuindo vários guarda-costas até para os filhos e netos, andando em carros
oficiais, com placa fria, às nossas expensas.
Assim, existem no Brasil milhões de cidadãos que possuem o direito
legal deportar armas de fogo e vão continuar a usá-las. Além disto, na exceção,
há algumas pessoas que solicitam a autorização para portar arma legalmente e
são submetidos a um verdadeiro 13º trabalho de Hércules para conseguí-lo. Há
necessidade de possuir domicílio fixo, certidões negativas até da Justiça Militar
e da Justiça Eleitoral, além das corriqueiras, investigação social, aprovação em
teste psicotécnico, prova de tiro, segurança no “stand”, conhecimento do
119
manuseio e necessidade comprovada. Será que os hoplófobos já viram,
alguma vez, o estrago provocado por uma navalha ou pela popular “peixeira”,
utilizada normalmente no Nordeste? É melhor não divulgar, pois algum
tresloucado sicário a serviço da IANSA-International Action Network of Small
Arms, uma rede de 186 ONGs criada para atuar como uma central de
coordenação da campanha internacional de desarmamento, pode também
querer a proibição da utilização de facas e outros perigosos “vetores de
violência” pelos “irresponsáveis” cidadãos brasileiros.
Outra falácia é a de que o “clamor público” exige a proibição da
propriedade e do porte pelos cidadãos. Em todas as recentes pesquisas, o
povo brasileiro pronunciou-se maciçamente contra o desarmamento civil,
apesar da verdadeira “lavagem cerebral” e da rica propaganda feita pelos
hoplófobos, com a conivência de algumas pessoas de boa fé e de outras, nem
tanto, mais interessadas em faturar um bom dinheiro na campanha mentirosa.
Até o programa de TV de um popular apresentador, numa pesquisa em que se
votava em um número a favor do desarmamento e em outro contra, apesar da
histérica propaganda do hoplófobo e da “dificuldade” em conseguir acesso ao
telefone a favor do direito natural de o cidadão possuir arma de fogo,
apresentou um empate técnico, fato que provocou a ira do cidadão, que,
apesar de seu discurso, saiu do seu programa em um carro blindado, protegido
por seguranças armados até os dentes. Faça o que eu digo...
Outro argumento falacioso é o de que o desarmamento civil diminuiria
a violência. No Brasil, a deputada federal e juíza Denise Frossard já desmentiu
a falsa tese. Estudos realizados nos EUA(FBI- Uniform Crime Report) mostram
que apenas 0,2% das armas produzidas e vendidas legalmente acabam sendo
usadas em algum tipo de crime, durante sua vida útil. Segundo o porta voz do
FBI, Sr. Paul Bresson: “muitas vezes o emprego defensivo das armas de fogo
não é crime e, por isso, não são levados a nosso conhecimento, nem entram
em nossos relatórios”. Na maior parte dos casos, o portador, quando atacado,
ameaça, engatilha ou apenas mostra a arma e o marginal foge. Se o portador
120
agiu legalmente, nenhum crime foi cometido. Assim, a polícia registra
homicídios, estupros, roubos e assaltos, não o morador que afugentou um
marginal. Outras pesquisas do Prof. Gary Kleck, da Universidade da Flórida,
mostram cerca de 2,5 milhões de usos defensivos a cada ano nos EUA. Esses
dados reforçam o argumento de que o valor de proteção das armas de fogo, de
longe ultrapassa o número de crimes com armas (232 mil, em 1997), segundo
dados do Departamento de Justiça. Os grupos de direitos civis que apoiam o
uso de armas nos EUA utilizam esses números para mostrar que mais
restrições à posse de armas podem reduzir o número de vezes em que uma
vida é salva ou um crime evitado.
No Reino Unido, após o banimento das armas curtas, a própria polícia
reconhece que isto em nada contribuiu para melhorar a situação, existindo
ainda de 400 mil a 1 milhão de armas de fogo ilegais. O próprio Comitê de
Assuntos Internos está planejando uma revisão na legislação de armas de
fogo, em futuro próximo e o Sr. Bill Harriman, membro do Comitê Consultivo
em armas de fogo afirma que: “a legislação focou o cidadão honesto que
participa de clubes de tiro, quando deveria ser direcionada a armas possuídas
ilegalmente”.
Ninguém tem moral, capacidade, direito ou legitimidade para rasgar a
Constituição, impedindo o direito natural à autodefesa do cidadão.
Email: [email protected] Site: www.brasilsoberano.com.br
Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.
121
Restringir o uso de armas de fogo é dar um tiro no próprio pé
Erik Sosdelli Camarano
As manifestações do Presidente da República sobre a necessidade de
desarmar a população brasileira — em entrevista no programa Roda Viva, no
final de abril passado — deram início a uma seqüência equivocada de eventos
que pode ter efeitos exatamente opostos aos que se deseja obter.
Na volta de sua viagem à Inglaterra, Fernando Henrique declarou ser
possível pensar em proibir a venda de armas para porte civil no Brasil,
seguindo o exemplo britânico. Em Brasília, o governador Joaquim Roriz
(PMDB) sancionou no início de maio a lei que proíbe a venda de armas de fogo
no Distrito Federal. O deputado federal Luiz Antônio de Medeiros (PFL-SP), por
sua vez, enviou em fins de abril à Câmara dos Deputados um projeto de lei
restringindo a comercialização de armas de fogo no país. O ministro da Justiça,
Renan Calheiros, já encaminhou ao presidente uma minuta, ao que tudo indica
elaborada com a Casa Militar da Presidência, proibindo a venda de armas em
todo o país.
O senso comum acredita, de boa fé, que a restrição da comercialização
e do porte de armas de fogo terá o efeito de diminuir a criminalidade no Brasil.
Nas palavras do próprio deputado Medeiros: “È preciso desarmar as pessoas
que estão morrendo atingidas por armas de fogo por causa de assuntos
banais, como por exemplo, uma briga de trânsito”. Com a aprovação de uma
medida como a que está sendo proposta, de acordo com Medeiros, “com
certeza o índice de criminalidade vai diminuir bastante no Brasil”.
Na verdade, toda a discussão a respeito da relação entre o
desarmamento da população e os índices de criminalidade é recheada de
preconceitos de ambas as partes. De um lado, os produtores de armas e
munições se defendem com argumentos baseados na liberdade do cidadão e
no efeito danoso da proibição sobre os empregos no setor. De outro lado,
122
setores ligados aos direitos civis, grupos humanitários e a imprensa em geral,
via de regra, defendem a idéia de que uma população armada agrava a
criminalidade, com citações de casos anedóticos como aqueles mencionados
pelo deputado.
No entanto, qualquer argumento consistente contra ou a favor do
desarmamento deve estar baseado em um mínimo de estatísticas com
qualidade necessária para colocar a discussão em bases nacionais.
Precisamos fazer um esforço sério para desvencilhar-nos dos preconceitos
sobre o assunto e investir um mínimo de tempo no estudo dos argumentos pró
e contra a legislação rígida de controle às armas no país.
Em primeiro lugar, o argumento do impacto nos empregos. Na medida
em que há uma indústria de armamentos instalada no país (representada por
cinco fábricas: Taurus, Imbel, Rossi, CBC e Boito), a eliminação da
possibilidade de comercialização teria um impacto dramático sobre o setor,
com o possível fechamento destas fábricas e de toda a rede de
comercialização de armamentos e munições hoje existente no país. Em um
momento de crise conjuntural da economia, medidas governamentais que
impliquem a destruição de empregos deveriam, pelo menos, ser evitadas.
O Estado do Rio Grande do Sul é um dos maiores perdedores, na
medida em que concentra as atividades no setor. Segundo dados atualizados
do Cadastro Industrial da Fiergs, há cerca de 1,6 mil empregos diretos na
indústria de armas gaúcha, o que daria, em uma estimativa conservadora,
cerca de 6 a 7 mil empregos indiretos no conjunto da cadeia — vale lembrar
que esta indústria, por ser muito especializada, tem um grau de multiplicação
de empregos mais baixo do que as coqueluches do momento, como as
montadoras de automóveis. Mesmo assim, a destruição de empregos que
resultaria de uma medida como a que está sendo proposta justifica a
preocupação do ponto de vista econômico e social, No entanto, a decisão final
só deve ser tomada a partir de uma análise comparativa dos custos (em termos
123
da perda de empregos) e benefícios (medidos pela redução da criminalidade)
resultantes da legislação. Vamos então ao segundo ponto.
A questão central que deve ser colocada é a seguinte: a
comercialização e a concessão de porte de armas impedem os crimes
violentos? Ou simplesmente aumentam as chances de os cidadãos causarem
danos uns aos outros, como no argumento do deputado Medeiros? O uso de
um pouco de racionalidade econômica pode contribuir para situar o debate,
permitindo assim que passemos além das motivações de fundo emocional,
político ou religioso, e possamos pelo menos organizar as idéias sobre o tema.
Uma maneira de tornar os argumentos ainda mais interessantes
consiste em observar a sociedade mais armada do mundo, os Estados Unidos,
duramente criticada na comunidade internacional por seu perfil cowboy no que
diz respeito a armas e munições. Entretanto, como o exame dos dados
mostrará a evidência empírica norte-americana lança luz neste debate e
permite conclusões que seriam consideradas no mínimo improváveis pelo
senso comum. Vamos aos números.
Primeiro argumento fundamental: a noção de dissuasão. Os
criminosos se comportam racionalmente. O “cálculo econômico do bandido”
deve comparar o ganho esperado de sua investida aos custos de ser pego em
flagrante, medidos pela probabilidade de ser preso e pelo tamanho da pena em
caso de condenação. Em seu raciocínio, o ganho potencial de um ataque deve
ser ponderado ainda pela probabilidade de a vítima reagir ao assalto e, ao
faze-lo, portar uma arma de fogo. Os criminosos procuram presas mais
vulneráveis. Os economistas chamam isto, adequadamente, de “efeito
substituição”. Maiores taxas de capturas e condenações diminuem os crimes
embora haja evidências de que o efeito é muito pequeno. Além disso, os
criminosos também se mudam de locais nos quais a taxa de dissuasão
aumenta.
124
Mas os criminosos respondem a algo além das ações da polícia e dos
tribunais: à ação privada dos cidadãos. Permitir o porte de arma a pessoas
comuns reduz os crimes violentos; no caso americano, o número de reduções
coincide muito com o número de licenças emitidas. Assassinatos em massa por
franco-atiradores em lugares públicos também diminuem quando cidadãos de
bem podem portar armas de fogo.
Os criminosos são motivados pela autopreservação. Logo, a posse de
armas pode ser uma barreira ao crime. Dados do Canadá e da Inglaterra, no
quais a legislação de controle de armas é muito rígida, mostram uma incidência
de 50% de hot burglaires (invasão de residência com os moradores dentro), ao
passo que, nos Estados Unidos, esta taxa é de apenas 13%. A diferença não é
acidental.
Claro que, entre os diversos fatores influenciando a criminalidade, as
taxas de captura e condenação são os mais importantes. No entanto, a
concessão não discricionária de porte de armas de fogo também é importante,
sendo ainda o método mais efetivo em termos de custo. Os custos de contratar
mais policiais para combater o crime são muito mais elevados e, no caso
americano, os benefícios líquidos por dólar gasto são quatro vezes menores do
que os benefícios da legislação que concede porte de armas. Permitir que
cidadãos sem incidentes criminais em sua ficha policial e mentalmente
capacitados portem armas dissuade a prática de crimes violentos e tem apenas
um efeito estatisticamente insignificante na taxa de mortes acidentais. Nas
estimativas de John R. Lott Jr., professor de direito e economia na
Universidade de Chicago, se todos os estados norte-americanos tivessem
adotado medidas autorizando o porte de armas, cerca de 1,5 mil assassinatos
e 4 mil estupros poderiam ter sido evitados no período 1992-1998.
De todos os métodos estudados por economistas até o momento, o
porte legal de armas parece ser a alternativa mais eficiente em termos de
125
custo-benefício. Além do mais, os acidentes e os suicídios não são alterados
pela existência de licenças para porte de armas.
Segundo argumento fundamental: a ocorrência de acidentes. Um
forte argumento dos que são contra a comercialização e porte de armas de
fogo é a possibilidade de acidentes causados pelo uso indevido destas armas,
especialmente por crianças, como no dramático caso recente da Columbine
High School, do Colorado. Apesar do destaque na mídia, este tipo de evento é
a exceção e não a regra. Nos Estados Unidos, em 1995, houve 1,4 mil
acidentes fatais com armas de fogo. Uma parcela pequena destes casos
envolveu crianças: 30 com menos de 4 anos e outro 170 na faixa de 5 a14
anos de idade. Comparativamente, 2,9 mil crianças morreram em acidentes de
carro, 950 morreram afogadas e mais de 1 mil por queimaduras e incêndio.
Mais crianças morrem por ano em acidentes de bicicleta do que de todos os
tipos de acidentes com armas de fogo.
O medo de que os cidadãos passem a resolver discussões de trânsito
e outras disputas corriqueiras a bala também não tem fundamento: no 31
estados americanos que têm leis ditas “não discricionárias” de porte de armas,
algumas delas com décadas de vigência, há apenas um incidente
documentado de tiroteio após o acidente de carro com uma arma legalmente
portada, e mesmo assim envolvendo legítima defesa.
Na Flórida, entre 1/10/1987, quando entrou em vigor a lei do porte de
armas, e o final de 1996, mais de 380 mil licenças haviam sido emitidas e
somente 78 haviam sido revogadas por causa de crimes cometidos por seus
proprietários (a maioria não envolvia a arma sob a licença). No Oregon, o
condado de Multnomah emitiu 11.140 licenças entre janeiro de 1990 e outubro
de 1994, tendo apenas 5 licenciados envolvidos em tiroteios, nenhum deles
fatal. Fatos semelhantes ocorreram nos estados, de Nevada, Virgínia e Texas.
As estatísticas mostram que, em 98% das vezes nas quais uma arma é
utilizada defensivamente, basta brandi-la no ar para espantar a agressão:
126
entregadores de pizza se livram de assaltantes, taxistas se protegem de roubos
na madrugada, lojas são protegidas contra assaltantes; mas estes eventos não
chegam aos jornais. A mídia se concentra em eventos dramáticos, que são por
si atípicos e, em geral, envolvem mortes.
O debate não se resume ao ponto de salvar ou não vidas. A questão
consiste em saber quantas das mortes acidentais poderiam ser evitadas sob
um conjunto diferente de regras, comparativamente ao que a população
perderia em termos de sua capacidade de se defender por conta própria.
Terceiro argumento fundamental: externalidade. Há um efeito sobre
terceiros — uma externalidade — decorrente do porte de armas: do mesmo
modo que os moradores armados desencorajam a atividade noturna do
arrombamento de residências, a possibilidade do porte discreto de armas de
fogo cria uma situação de risco potencia para os criminosos que tende a
reduzir os ataques aos cidadãos. Por isso é importante o porte discreto de
armas, pois isso impede que os criminosos discriminem entre quem usa e
quem não usa armas de fogo, diminuindo a rentabilidade dos assaltos. Em dez
penitenciárias estaduais norte-americanas, 56% dos criminosos declararam
que prefeririam não atacar vítimas que soubessem estarem armadas.
Este é o chamado “efeito-auréola”: mesmo cidadãos que não têm
qualquer intenção de um dia portar armas de fogo são beneficiados pelo porte
de seus vizinhos, na medida em que isso cria um efeito de reduzir a
rentabilidade dos crimes cometidos na área, afastando os criminosos. O “efeito-
auréola” se estende mesmo àqueles que não têm o perfil de um potencial
usuário de arma de fogo: permitir que os mais velhos usem armas de fogo
aumenta a segurança das crianças na área e espanta os criminosos para
outras localidades.
A evidência empírica norte-americana também reforça o fato de que a
criminalidade diminui mais depressa se estados vizinhos também adotam a lei
de porte de armas, ao mesmo tempo que os benefícios são maiores quanto
127
maior o número de armas no estado. As taxas nacionais de criminalidade têm
caído na mesma proporção que a expansão da posse de armas. Além disso, os
estados nos quais a taxa de criminalidade caiu mais depressa são também
aqueles nos quais a posse de armas cresceu mais rápido.
Muitas noções do senso comum caem com os argumentos levantados.
Nas áreas urbanas, que têm menor taxa de armamento de população, a
criminalidade é mais elevada. Os centros urbanos são potencialmente os
maiores beneficiários de uma legislação pró-armas de fogo, mas se opõem
sistematicamente a ela. A redução da criminalidade tende a ser tanto maior
quanto mais violenta a cidade, maior e mais concentrada sua população, além
da presença de grupos minoritários. O motivo é claro: é nestas áreas que o
cidadão depende mais de si mesmo para sua segurança. Outro resultado
importante: um pequeno número de pessoas usará a licença para o porte de
armas de modo inadequado, mas os ganhos são muito maiores do que estas
preocupações.
Quarto argumento fundamental: ineficácia da legislação. A lei
federal norte-americana que restringe a venda de armas, batizada de lei Brady,
não exerceu nenhum efeito perceptível sobre a criminalidade. Na verdade, a
redução da criminalidade começou em 1991, período que coincide com a
aprovação de legislação autorizando o porte discreto de armas em diversos
estados norte-americanos, ao passo que a lei federal foi aprovada somente em
março de 1994.
Pior ainda, os dados do Relatório Padronizado de Criminalidade dos
EUA mostram que não houve qualquer avanço estatisticamente perceptível na
redução da criminalidade como efeito da lei Brady, mas houve
demonstravelmente, uma elevação de 4% nas taxas de estupro e assaltos com
agressão das vítimas, comparativamente ao que seria verificado na ausência
da lei. Além do mais, logo antes da aprovação da lei, a venda de armas
cresceu exponencialmente, tal qual a fila em posto de gasolina antes do
128
aumento do combustível. Além da reduzida eficácia da lei Brady, também há
pouco benefício de restrições adicionais, tais como exigência de treinamento
ou de limites de idade na concessão do porte de armas.
A questão do porte de armas remete ao ponto crucial que consiste em
determinar até que ponto, dada a absoluta inépcia do governo em eliminar
outras formas genéricas de contrabando, uma lei que elimine a venda de armas
no país, ou que impeça o porte legal de armas por cidadãos que respeitam as
leis, teria simplesmente o efeito de mudar o equilíbrio relativo de forças entre
criminosos e a população em geral, a favor dos primeiros.
Conclusões. O banimento completo de armas de fogo a partir de uma
situação n qual a venda já era permitida, como é o caso do Brasil, terá
certamente o efeito de elevar a taxa de criminalidade no curto prazo, porque o
fim do porte legal de armas terá um efeito apenas de impedir a posse
legalizada por cidadãos que respeitam as leis, mudando a correlação de forças
a favor dos criminosos.
Além do mais, a abolição da comercialização de armas de fogo terá
efeitos desiguais sobre diferentes camadas da população, já que as taxas de
criminalidade são também diferentes: os criminosos têm maior vantagem no
uso da força contra vítimas mais frágeis, como as mulheres e os idosos. As
diferenças entre homens e mulheres são evidentes pelos dados da Resenha
Nacional de Vitimização pelo Crime do Departamento de Justiça americano
(1979-87); a probabilidade de danos sérios causados a mulheres como
resultado de um ataque é 2,5 vezes maior para mulheres que não oferecem
resistência do que para aquelas que resistem com uma arma. Para os homens,
a chance de serem feridos é quatro vezes maior ao resistirem a ataques sem
arma do que com uma arma de fogo. Resumo: o melhor conselho é resistir com
uma arma, mas, se não houver arma, é melhor não resistir do que tentar faze-
lo desarmado.
129
Ao que tudo indica, impedir o porte de armas por cidadãos que
respeitam as leis não diminui a violência e a criminalidade, apenas deixa as
vítimas mais vulneráveis ao ataques dos criminosos. Mas as pessoas têm
visões pré-estabelecidas de ambos os lados do debate e é apenas através do
estudo dos resultados empíricos sobre a capacidade de dissuasão e a partir da
falta de evidência de que os detentores de porte legal de arma cometam crimes
que podemos, pelo menos, diminuir o ímpeto daqueles que são contra o porte
de armas.
A pergunta final é uma só: será que permitir a posse de armas por
cidadãos que respeitam as leis salvará vidas na população? A resposta é sim,
salvará. O governo federal embarcou, assim, em um discurso populista,
balizado pelo senso comum, cujo efeito prático será o mesmo de dar um tiro no
próprio pé. Tomara que eu esteja errado.
Erik Sosdelli Camarano, Diretor de Pesquisa e Informação da Pólo RS Agência de Desenvolvimento.
Armas e revolução passiva
Olavo de Carvalho
Se os meios de produção constituem o critério econômico da divisão de
classes, o fator que assegura a uma classe o seu papel dominante na
sociedade não é a posse deles, e sim a dos meios de destruição. Eis porque as
revoluções que têm por meta nominal a mudança da estrutura econômica não
tomam nunca por alvo prioritário a conquista das fábricas e dos bancos, mas
sim a das instalações militares. Não a da riqueza, mas a das armas que as
garantem. Nenhum materialista histórico esteve jamais embriagado de
economicismo a ponto de negar essa obviedade.
130
Se nos períodos de paz e normalidade a riqueza financeira é um meio
importante de conquistar e conservar o poder, nos de desordem e violência só
um tipo de riqueza importa: a posse das armas. Nessas horas, mais pode o
pobre armado do que o rico desarmado.
A lei confere o monopólio da posse de armas a certas categorias de
cidadãos representa, portanto, nada menos que uma revolução, o
estabelecimento de um novo critério de estratificação social, de uma nova
divisão de classes. Doravante, o povo brasileiro estará dividido em duas castas
— os armados e os desarmados. Ao mais mínimo abalo da ordem cotidiana,
essa distinção se mostrará decisiva, na prática, do que aquela que separa os
pobres e os ricos, os letrados e os iletrados, os famosos e os anônimos.
Eis porque nenhuma inteligência sã pode aceitar discutir, a sério, se a
lei de proibição da venda de armas ajudará ou não a reduzir a criminalidade.
Ela não tem rigorosamente nada a ver com a diminuição da criminalidade, e é
impossível que seus autores, todos versados em Marx, Gramsci e até Weber,
não saibam disso. O combate à criminalidade é apenas o pretexto publicitário
para fazer o povo aceitar, com plena inconsciência de seus efeitos, a mutação
mais profunda e violenta que a sociedade brasileira já sofreu ao longo de toda
sua história. Que transformação tão drástica possa ser impingida pacificamente
ao país enquanto os olhos da opinião pública estão desviados para discussões
laterais — eis a manifestação vivente da “revolução passiva” preconizada por
Gramsci, entre cujos seguidores se encontram o governador Anthony
Garotinho, o Dr. Carlos Minc, os próceres todos da campanha “Rio Desarme-
se” e, “last but not least”, o Sr. Presidente da República.
E, se coisa de tal monta não foi assinalada por nenhum observador
num país que detém o recorde mundial de cientistas sociais “per capita”, é
porque estes se dividem em duas categorias: os que são capazes de percebe-
la e os que, por deseja-la ardentemente, torcem para que ninguém mais. A
revolução passiva é dita passiva precisamente porque não dói nem chama a
131
atenção, mas vai penetrando insensivelmente, centímetro a centímetro, como a
lâmina num tecido previamente anestesiado. A divisão do país entre os
armados e os desarmados pressupõe uma outra, anterior, que a condiciona: a
divisão dos brasileiros entre os gramscianos e os otários.
Entre os primeiros, o mais “soft” e, portanto, o menos desonesto é o Sr.
Presidente da República, o qual, numa mensagem para os raros entendedores,
reconheceu, como instrumento para combate ao banditismo, a nova lei é
apenas “simbólica”. Evidentemente, não ocorreu a nenhum dos demais lhe
perguntar porque uma lei simbólica tinha sido encaminhada ao Congresso em
regime de urgência nem se, considerada como instrumento para alguma
finalidade totalmente diversa, a nova lei não teria algum efeito menos simbólico
e mais direto.
Que essa finalidade nada tem a ver com o controle do banditismo é a
coisa mais óbvia do mundo. Cassar uma autorização só afeta quem precisa
dela, e nenhum quadrilheiro esperou jamais autorização do Estado para usar
armas. Ademais, todas as armas em posse do crime organizado já são ilegais,
sendo inócuo colocar fora da lei o que nunca esteve dentro dela. Mas o efeito
nulo que a proibição terá sobre todos os grupos que, por sua natureza, já
atuam fora da lei (inclusive os bandos de guerrilheiros rurais) contrasta
dramaticamente com a profundidade e a amplitude da mudança que ela
desencadeará sobre a vida de todos os demais brasileiros, de todos os
brasileiros que querem viver dentro da lei.
Essa maneira pode-se enunciar da maneira mais simples: aprovada a
nova lei, haverá uma nova sociedade no Brasil, com novos dominadores e
novos dominados. O mais rico dos brasileiros poderá contratar um segurança,
mas não se defender dele se ele decidir, de repente, passar para o lado dos
seqüestradores. O dinheiro será impotente, o prestígio será indefeso, a
autoridade moral se tornará o discurso risivelmente inofensivo dos profetas
132
desarmados: o único meio de acesso ao poder será ingressar na polícia, nas
Forças Armadas ou numa quadrilha de traficantes.
E a nova classe dominante não terá somente o monopólio dos meios
de matar, mas o também da seleção de seus próprios membros: quem aceita
ou rejeita um candidato a policial é a polícia; um candidato a quadrilheiro, a
quadrilha. Por sua constituição mesma como monopolista (e monopolista da
única força decisiva), a classe dos novos senhores será mais fechada, mais
exclusivista e mais corporativista do que todas as suas antecessoras. E, o que
é infinitamente mais grave, não haverá entre quem tem e quem não tem poder
os graus intermediários que hoje matizam as diferenças hierárquicas: ao
contrário do que acontece com o dinheiro, o poder político e a fama, que
podem vir em quantidades maiores ou menores, entre o armado e o
desarmado nenhum meio termo é concebível.
Olavo de Carvalho é jornalista e escritor.
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