Apontamentos de Responsabilidade Civil[1]

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APONTAMENTOS DE RESPONSABILIDADE CIVILI CONSIDERAES INICIAIS1.1 Conceito de responsabilidade civil; 1.2 Decomposio do vnculo jurdico: distino entre dever jurdico originrio e sucessivo; 1.3 Evoluo da responsabilidade civil; 1.4 Responsabilidade penal e civil; 1.5 Espcies e pressupostos da responsabilidade civil.

1.1 Conceito de responsabilidade civil O Direito conjuga o humano e o social, porquanto ele existe em razo das pessoas que se interagem na convivncia em sociedade (ubi homo, ibi societas). Sociedade e Direito so realidades conatas e se pressupem: onde est a sociedade, est o Direito (ubi societas, ibi ius), sendo a recproca verdadeira, onde est o Direito, est a sociedade (ubi ius, ibi societas), logo onde o homem est, est o Direito (ubi homo, ibi ius). Consequentemente, toda regra jurdica tem por referncia a convivncia das pessoas na sociedade. Magistral a ensinana de Ihering: Vida humana e vida social significam o mesmo. Isto j os velhos filsofos gregos reconheciam perfeitamente: no h aforismo que exprima de modo mais conciso e cabal a vocao do homem do que a denominao dele como zoon plitikn, ser social.1 O Direito tem o propsito de viabilizar a coexistncia na liberdade de cada um e de todos no interesse do bem comum, motivado pelos valores da ordem e da justia, que devem ser estabelecidos na solidariedade, de modo que, no auxlio mtuo, sejam superadas as desigualdades discriminatrias, consoante os objetivos fundamentais estampados no art. 3, da Constituio Federal. a busca criteriosa e interrupta do consenso sobre o justo e o injusto o justo e o injusto, o lcito e o ilcito, garantindo a segurana nas relaes entre os homens, e ao mesmo tempo permite a cada pessoa encontrar-se e definir-se dentro do seu contexto existencial. Nessa busca incessante cabe Moral fecundar o Direito, para que ele encontre maior grau de adeso e obedincia cvica.

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IHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Traduo de Jos Antnio Correa. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979, vol. I, p. 48.

2 A ordem jurdica, leciona San Tiago Dantas, apresenta duplo sentido: proteger o lcito e reprimir o ilcito. Quer dizer, proteger a atividade do homem que se explica de acordo com o direito; reprimir a atividade do homem que se explica contrariamente ao direito.2 Sendo assim, a noo de Direito vincula-se noo de composio dos conflitos de interesses, tendo por escopo o atendimento dos valores da ordem e da justia, com igualdade e liberdade, essenciais dignidade humana. A regra jurdica, por conseguinte, alm de operar como regra de conduta, tambm opera como dissipadora de conflitos, valendo como paradigma para o comportamento futuro. Particularmente, o Direito Civil objetiva as relaes jurdicas em que pode envolver-se todo cidado, isto , refere-se a todos indistintamente na regulao das atividades intersubjetivas em geral, tanto das pessoas naturais como das pessoas jurdicas. Mota Pinto assegura que o ramo do Direito dirigido tutela da personalidade humana, visando facilitar ou melhorar a convivncia com outras pessoas humanas essa a zona central da vida em sociedade e ela o campo prprio da incidncia do Direito Civil.3 Miguel Reale pondera que, em um Pas, a Constituio e o Cdigo Civil so as duas leis fundamentais. A Constituio estabelece a estrutura e as atribuies do Estado em funo do ser humano e da sociedade civil, enquanto o Cdigo Civil refere-se pessoa humana e sociedade como tais, abrangendo suas atividades essenciais.4 O Direito Civil , pois, o direito comum, incidente nas relaes humanas partilhadas na vida diria, disciplinando os direitos da personalidade, os interesses familiares e os patrimoniais pertinentes propriedade dos bens, s obrigaes e responsabilidade civil. Desponta da, que o modo de composio patrimonial dos conflitos de maneira a reparar o dano (an debeatur) a favor de quem o sofre, pela representao pecuniria equivalente (quantum debeatur), ilustra ao longo do tempo a trajetria da responsabilidade civil, pois ela se assenta no elementar princpio tico de que o dano causado pelo descumprimento de um dever jurdico contratual ou extracontratual deve ser reparado. A regra primum non nocet (em primeiro lugar no fazer o dano); feito o dano, porque ofende o dever jurdico sintetizado no adgio alterum non laedere (no lesar a outrem), cumpre a obrigao de indenizar. Essa uma das facetas mais almejadas da concreo do Direito: a busca perene e renovada do justo e do equnime. Ou por outra, a tendncia humana, cara ao2 3

DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1979, vol. I, Parte Geral, p. 341. PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora Ltda., 1976, p. 10. 4 REALE, Miguel. O projeto do Cdigo Civil: situao aps a aprovao pelo Senado Federal, 2 ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 2 e 3 .

3 jusnaturalismo, sintetizada na arcaica e simplificada regra sustentculo da vida honesta, desde a Jura Praecepta do Direito Romano: honeste vivere, neminem laedere, suum cuinque tribuere (viver honestamente, no lesar a ningum, dar a cada um o que seu). Nesse contexto, mostra-se atual o sintico conceito de Ren Savatier: Responsabilidade civil a obrigao que incumbe uma pessoa de reparar o prejuzo causado a outra, pelo fato prprio, ou pelo fato de pessoa e coisas que dela dependam.5 Detalhando Savatier. a) Dever jurdico que obriga uma pessoa, devedor, a reparar o dano causado outra pessoa, credor; b) Em razo de ato prprio: confundam-se na mesma pessoa quem causa o dano e quem ter a obrigao de repar-lo; c) Pode o dano ter sido causado por uma pessoa e a obrigao de indenizar recair sobre outra pessoa, no caso o seu responsvel; d) Pode ainda o dano ter sido causado por animais ou coisas inanimadas e a indenizao ficar por conta de quem tem a sua guarda ou propriedade. Consiste, destarte, na obrigao de o agente causador de um ato lesivo indenizar a vtima, ajustando-se perfeitamente ao conceito genrico de obrigao, que o direito do credor de exigir certa prestao do devedor. Por conseguinte, o instituto da responsabilidade civil parte integrante do Direito das Obrigaes, aplicando-se a ele o princpio obrigacional de quem deve atender a indenizao o devedor e o seu patrimnio responde pelo dbito, como providencia o Cdigo Civil no artigo 391 (Ttulo IV, do Inadimplemento das Obrigaes, Captulo I, das Disposies Gerais) e o artigo 942 (Ttulo IX, Da Responsabilidade Civil, Capitulo I, Da Obrigao de Indenizar). Seno nota-se: a) fonte de obrigao: do dano nasce a obrigao de indeniz-lo. b) uma obrigao de dar pecuniria: essa indenizao o equivalente do dano em moeda corrente. c) a tutela genrica das obrigaes de dar, fazer ou no fazer: se impossvel restabelecer o stato quo ante pela tutela especfica, resolve-se pela tutela genrica das perdas e danos.

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SAVATIER, Ren. Trait de la responsabilit civile, tome I : Le sources e la responsabilit civile . Paris : Libraire Gnerale de Droit et de Jurisprudence, 1939, Introduction, p. 1 : La reponsabilit civile est lobligation qui peut incomber une personne de rparer le dommage caus autri par son fait, ou par le fait des personnes ou des choses dpendante delle.

4 Assim, a responsabilidade civil o instituto jurdico de fundamental importncia para a resoluo dos conflitos de interesses com trplice funo: a de garantia, a de sano civil e a de preveno. A funo-garantia outorga vtima do dano o direito de se ver ressarcida. A funosano imputa ao agente causador do dano o dever de compor esse ressarcimento. A funopreventiva atua em duas facetas distintas. A uma, opera como coao psicolgica, prevenindo a coletividade de novas violaes que poderiam eventualmente ser realizadas, pelo prprio causador do ilcito, ou por qualquer outra pessoa. A duas, o desafio de aperfeioar o sistema para evitar situaes de perigo, o quanto possvel, pois afast-las de todo impossvel. Nota-se, essa terceira funo decorrncia natural das duas funes precedentes. H de se entender, na vida social a pessoa humana tem liberdade para o exerccio de seu direito, como tem responsabilidade no exercit-lo. Jean Paul Satre pontifica que o ser humano ontologicamente no possui liberdade, ele liberdade em sua essncia; assim, minha liberdade est perpetuamente em questo em meu ser; no se trata de uma qualidade sobreposta ou uma propriedade de minha natureza; precipuamente a textura de meu ser.6 Essa liberdade como atributo caracterizador do ser do homem no pode, por parte da lei, sofrer restries, mas o seu exerccio impe limites, pois sempre coexistem boas e ms intenes, sendo fortes e fracos bondosos e maldosos, por isso que a nobreza do exerccio da liberdade medida pelo do fim a que se destina. Nada mais lcido, portanto, que ao lado da liberdade, como parelha inseparvel, est a responsabilidade. Jos de Aguiar Dias inaugura sua clssica obra, com esta frase: Toda manifestao da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade, para depois em referncia a Marton, completar: A responsabilidade no fenmeno exclusivo da vida jurdica, antes se liga a todos os domnios da vida social.7 Da a pertinente pergunta de Viktor Emil Frankl: Quando se resolvero a levantar na costa ocidental [de Nova Iorque] uma esttua da Responsabilidade, a fazer pendant com a esttua da Liberdade, da costa oriental?8

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SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada. DIAS, Jos de Aguiar. Da responsabilidade civil, 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 1-2. 8 FRANKL, Viktor Emil. Psicoterapia e sentido de vida. Fundamentos da logoterapia e anlise existencial. Traduo de Alpio Maia de Castro. So Paulo: Quadrante [s.d.], p. 106.

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1.2 Decompondo o vnculo jurdico: distino entre dever jurdico originrio e sucessivo A estrutura da obrigao apresenta trs elementos: o subjetivo, o objetivo e o espiritual ou vnculo jurdico. O subjetivo o pessoal, rene no polo passivo o devedor, aquele que obrigado a cumprir a prestao, e no polo ativo o credor, aquele que tem o direito de receber a prestao. O objetivo o componente material, cujo objeto imediato uma prestao de dar, fazer ou no fazer, e o objeto mediato ou objeto da prestao desvendado na resposta seguinte pergunta: dar, fazer ou no fazer o qu? A resposta o bem da vida perseguido pelo credor, ao qual se obriga o devedor. O espiritual o vnculo jurdico, o liame que liga os polos passivo e ativo de uma obrigao, possibilitando a este exigir daquele o adimplemento da prestao. Revela a jurisdicidade da relao obrigacional. Desdobra-se em dois momentos, o dever jurdico originrio e o dever jurdico sucessivo. No a gosto dos unitaristas que resumem os dois momentos em um nico, o Cdigo Civil no art. 389 distingue obrigao e responsabilidade: no cumprida a obrigao, dever jurdico originrio, o devedor responde por perdas e danos, dever jurdico sucessivo. Como clarifica a seguinte passagem: A, advogado, contrata com B, seu cliente, defend-lo em determinada ao. Reside aqui o dbito: A, devedor, cumpre a prestao de servios profissionais na defesa dos direitos de B, credor. Essa obrigao de fazer dever jurdico originrio, primrio. A, entretanto, no cumpre a sua obrigao, viola o dever jurdico que voluntariamente assumiu. Surge, ento, outro dever jurdico, portanto sucessivo, secundrio, qual seja compor o prejuzo experimentado por B, reside aqui a responsabilidade. O dever jurdico sucessivo (responsabilidade) toma o lugar do dever jurdico originrio (dbito). O dever jurdico originrio nasce pela vontade das partes, enquanto o dever jurdico sucessivo de ressarcimento do prejuzo, ao contrrio, independe da vontade das partes, a resposta do ordenamento jurdico ante o inadimplemento de um negcio jurdico bilateral ou unilateral. Essa distino deve-se ao Direito alemo, por intermdio de Alois Brinz, o primeiro a separar esses dois momentos da relao obrigacional. Para ele o dbito, que o chama de schuld, o pagamento espontneo pela realizao da prestao, que depende com exclusividade de uma ao ou omisso do devedor. J a responsabilidade, que a chama de haftung, o direito do credor de investir contra o patrimnio do devedor, e obter a devida indenizao pelos prejuzos ante o

6 inadimplemento voluntrio da obrigao. o pagamento forado com o socorro do Poder Judicirio. Demais disso, os autores alemes demonstram a existncia de dbito sem responsabilidade. o caso das dvidas de jogo proibido, obrigaes prescritas etc. A obrigao imperfeita ou natural, isto , desprovida do momento sucessivo da responsabilidade, assim inexigvel. H devedor e credor, prestao e vnculo jurdico, este, no entanto, apenas no seu primeiro momento: o dbito que o pagamento espontneo; se pagar pagamento com direito de reteno. Falece do momento sucessivo da responsabilidade, ou seja, o credor no pode, via Poder Judicirio, forar o pagamento, a fim de receber seu crdito com o constrangimento do patrimnio do devedor. No apenas. No caso da fiana, h a responsabilidade, mas no o dbito. O fiador no devedor, o garante do devedor. Se este no paga a prestao, s ento surge a responsabilidade daquele. Logo, o fiador tem apenas a responsabilidade e no o dbito. Destarte, a relao obrigacional apresenta dois momentos bem distintos: se o devedor no pagar a prestao espontaneamente, surge, em razo desse inadimplemento, a responsabilidade, quando o credor promove ao sobre os bens do devedor. Aqui se encontra a responsabilidade civil contratual. O mesmo acontece na prtica do ato ilcito, na responsabilidade civil extracontratual, quando no h um contrato celebrado entre devedor e credor. Se algum pratica um ato ilcito, descumprindo uma obrigao legal, abrolha a responsabilidade, que o dever de indenizar o dano causado. 2.1 Figura criada por Marton Sendo assim, antes de se obter o momento da responsabilidade decorre o momento da infrao de um dever jurdico prprio de uma obrigao preexistente, tanto contratual como legal ou extracontratual. Para se saber quem responsvel, indaga-se quem obrigado. o mecanismo da responsabilidade elaborado na figura criada por Marton, na qual o rgo mantenedor da norma interroga do violador: por que faltaste a teu dever, praticando (ou omitindo) tal ato? Se a pergunta for satisfatoriamente respondida, o interrogado estar desobrigado, se insatisfatria ser ele condenado.9

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MARTON, G. Les fundaments de la responsabilit civile: rvision de la doctrine essai dun systme unitaire. Paris: Sirey, 1938, p. 263 e 264 : porquais as-tu manqu ton devoir en faisant (ou omittant) tel ou tel acte.

7 Proteo integral da pessoa humana10 Pelo exposto, a responsabilidade civil aambarca a proteo integral da pessoa humana, a qual deve ser entendida na sua mais ampla concepo, como uma unitas multiplex, para usar a expresso to comum em Santo Toms de Aquino. Cai a fiveleta o conceito de Victor Emil Frankl, que apresenta um projeto no qual considera salvaguardada a unidade antropolgica sem minimizar as diferenas ontolgicas corpo, psique e noses que se revelam inevitavelmente na anlise fenomenolgica do ser humano. As dimenses somtica e psquica correspondem esfera da facticidade: impulsos, necessidades biolgicas, instintos; enquanto que a dimenso notica corresponde esfera da existncia: liberdade e responsabilidade. A pessoa humana aparece centrada em torno de uma realidade pessoal, fonte de todas as atividades efetivamente humanas. Nesse ncleo pessoal notico pertencem os fenmenos que lhes so mais exclusivos, como a capacidade de amar, decidir, descobrir e realizar valores, portanto compreende a faculdade de reagrupar os elementos que compem a facticidade. Nessa dimenso a pessoa humana no um ser guiado, impulsionado, mas um ser livre e responsvel, com capacidade e possibilidade de resistir e superar os impulsos tendentes a determinar e condicionar o seu comportamento, a sua conduta no meio social. Educar a pessoa humana, abrir-lhe um horizonte de valores e de sentido, significa, sobretudo, apelar para esse ncleo notico, que aponta para a realizao de si atravs da transcendncia. Essa a teologia prpria do ser humano, adormecida algumas vezes por limitaes de ordem pessoal e, muitas outras vezes, reprimida pela violncia branca que a sociedade liberal manobra explicita ou implicitamente. Pois bem, essa pessoa humana, considerada na sua inteireza, v-se sob a iminncia de risco a todo momento, apenas por viver em uma sociedade de massa. Necessrio, ento, que a responsabilidade civil proteja, indiscriminadamente, os seus interesses e direitos patrimoniais e da personalidade em todas as suas dimenses, aqui compreendido o anseio transcendental, pois a sociedade atual, embora laica, reconhece, constitucionalmente, o direito liberdade de professar credo religioso.

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Muito se fala em proteo pessoa humana, pouco, entretanto, conceitua-se a pessoa humana, o que se procura nessa oportunidade.

8 Nesse desiderato, a Constituio Federal, tida por diligente porque vocacionada a bafejar todos os ramos do Direito com a eficcia de seus valores e princpios, ganha novo vigor com a sua carga axiolgica na defesa da dignidade humana e dos direitos da personalidade, sem desprezar os direitos patrimoniais, pois a pessoa, por tendncia natural, vocacionada a ser proprietrio. Ademais, o patrimnio mnimo da essncia na precauo de uma vida digna. 1.3 Evoluo da responsabilidade civil A evoluo da responsabilidade civil reala ainda mais a proteo integral da pessoa humana. Cuida-se, assim, em breves pinceladas enfocar o seu escoro histrico que, em verdade, acompanha o homem desde os mais priscos tempos. Presta-se tambm para a boa compreenso do fundamento, evoluo, estgio atual e perspectivas futuras desse instituto. 1.3.1 Reparao do mal pelo mal Nos primrdios da civilizao predominava a vindicta, a vingana coletiva, o grupo reagia contra o agressor pela ofensa de um de seus membros. Essa vingana coletiva foi sucedida pela reao privada. a vingana individual, selvagem talvez porque se fazia justia pelas prprias mos. Estava-se sob a gide da Lei de Talio (talio) sistematizada na frmula: olho por olho, dente por dente, feitio de reao espontnea e natural ou a vingana pura e simples. Ao poder pblico somente cabia intervir para coibir os abusos, declarando quando e como a vtima poderia ser recompensada pelo seu direito retaliado, infringindo no ofensor dano idntico ao sofrido, sem arredar a possibilidade de as partes transacionarem. Na Lei das XII Tbuas, 450 a.C., encontram-se vestgios da vingana privada, o critrio inserido na tbua VIII, lei 2: si membrum rupsit, ni cume eo pacit, talio esto (se algum fere outrem, que sofra a pena de talio, salvo se existir acordo). Era a fase da reparao do mal pelo mal, a responsabilidade era objetiva, no se cogitava a culpa como seu fundamento. Responsabilidade penal e civil no se distinguiam.11 1.3.2 Reparao patrimonial

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LIMA, Alvino. Culpa e risco, 2 ed. Revista e atualizada por Ovdio Rocha Barros Sandoval. So Paulo: RT, 1998, p. 27. No mesmo sentido: PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 6.

9 O perodo dessa equivalncia da punio do mal pelo mal, esboando a perspectiva de uma composio entre a vtima e o agente causador do dano inserida na soluo transacional, sucedido na conteno da responsabilidade civil responsabilidade patrimonial. Grande a contribuio, nesse entretanto, do Direito Romano. O Senado teria se sensibilizado com os ritos corporais macabros, banindo-os. Deu-se, ento, a separao da responsabilidade civil e penal pela Lex Poetela Papiria, editada 326 a.C. A concepo de pena foi substituda pela ideia de reparao do dano sofrido. Lex Aquilia de Damno, proposta pelo tribuno romano Aquilio em 286 a.C., coube desvendar novos horizontes. Ela esboou a ideia de culpa como fundamento da responsabilidade civil, dessa sorte o causador do dano que tivesse laborado sem culpa seria isento de qualquer responsabilidade. Introduziu tambm a ideia da reparao pecuniria do prejuzo. Essa lei introduziu, ademais, o damnum iniuria datum: o dano causado a bem alheio, empobrecendo a vtima sem enriquecer o ofensor. To grande a evoluo trazida pela Lex Aquilia, que a ela se prende a denominao de aquiliana para a responsabilidade extracontratual em oposio contratual. Na Idade Mdia, plantando suas razes no Direito Romano, seguiu-se a estruturao da ideia de dolo e culpa como a mais importante contribuio. Os canonistas elaboraram, luz da moral crist, o princpio clssico segundo o qual cada um deveria responder pelos seus atos culposos, que produzissem dano injusto a outrem. A culpa ganhou fortes contornos ticos e morais, ligados ideia do livre-arbtrio e de sua indevida utilizao pelos fieis. a noo de pecado como consciente violao a dever de ordem divina. Foi por meio da teoria subjetiva, que a responsabilidade civil ingressou no Direito moderno, tendo como principais elaboradores dois exponenciais civilistas franceses Domat e Pothier e como tenazes defensores Andr Tunc e os irmos Mazeaud. O seu fundamento a culpa efetiva e provada.12 Com a revoluo industrial a sociedade transformou-se rapidamente. O sossego e a tranqilidade transmudaram-se em excitao, a segurana no seu antnimo a insegurana, tanto que Josserand forjou a frase: vivemos mais intensamente (Roosevelt) e mais perigosamente (Nietzsche). A teoria da culpa tornou-se insuficiente para atender os mais variados casos de danos12

O pensamento de Domat, luz do jusnaturalismo, inspirou o art. 1.382, do CC francs: Tout fait quelconque de lhomme qui cause autrui un domange, oblige celui par la faute duquel Il est arriv, la rparer (Qualquer fato humano que cause a outrem um dano, obriga o culpado a repar-lo).

10 produzidos pelas novas atividades perigosas, embora socialmente teis. Passou-se a pensar, terminando por introduzir na legislao, a mxima: ubi emolumentum, ibi onus (onde est o ganho, ai est o encargo), que traz em seu mago a teoria do risco proveito. Mais uma vez, o bero foi a Frana com Saleilles e Josserand. O primeiro, com sua viso proftica, desenvolveu a teoria sobre o acidente do trabalho em que o empregador, independentemente de culpa, responde pelos danos sofridos pelo empregado em consequncia e por ocasio da jornada de trabalho. Do segundo extrai-se a ideia de revoluo a permear a histria da responsabilidade civil, reforando as ideias objetivas. Uma verdadeira revoluo, dissociando completamente a responsabilidade da culpa, erigindo o patro, a comuna ou o explorador da aeronave em seu prprio segurador por motivo dos riscos que criou; a idia de mrito ou de demrito nada tem a ver no caso; a lei impe o princpio justo e salutar a cada um segundo seus atos e segundo suas iniciativas, princpio valioso para uma sociedade laboriosa; princpio protetor dos fracos: a fora, a iniciativa, a ao devem ser por si mesmas geradoras de responsabilidades.13 a responsabilidade civil objetiva que, ainda mais desenvolvida, elegeu o risco criado nas atividades perigosas como motivao determinante do ressarcimento ante o prejuzo de vtimas inocentes, dispensando qualquer considerao a respeito da culpa. Nos dias atuais, em sua tese de livre docente, apresentada na Faculdade de Direito da USP, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka sugere o que chama responsabilidade pressuposta, uma nova evoluo da responsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva. E Lembra logo no prtico de seu trabalho: H um novo sistema a ser construdo, ou, pelo menos, h um sistema j existente que reclama transformao, pois as solues tericas e jurisprudncias at aqui desenvolvidas, e ao longo de toda a histria da humanidade, encontram-se em crise, exigindo a reviso em prol da mantena do justo.14 A ensinana dessa mestra coloca no cerne das preocupaes contemporneas a pessoa humana, que clama pela reparao dos danos sofridos, para que no fique irressarcvel. Clama mais, que se adote uma poltica preventiva ao dano dentro da teoria da responsabilidade civil. Do13 14

JOSSERAND, Louis. Revista Forense vol. 86, p. 548. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p.

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11 que exemplo, ainda que acanhado, o seguro obrigatrio de veculos, muito tendo que crescer nesse campo dos seguros em geral, como tambm exemplo a doutrina da seguridade social, que imputa a responsabilidade ao Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS) por simples poltica de proteo ao trabalhador. Presente, assim, as palavras de Josserand, mesmo j afastadas no tempo ainda proveitosas: nessa matria [responsabilidade civil] a verdade de ontem no mais a de hoje, que dever, por sua vez, ceder lugar de amanh.15 1.4 A responsabilidade civil na Constituio Federal Com a promulgao Constituio Federal, em 5 de outubro de 1988, foram introduzidas em seu texto importantes temas de responsabilidade civil, ainda mais ressaltando a integral proteo pessoa humana, a saber: a) A reparao do dano material ou moral, por publicao ofensiva a terceiro ou imagem (art. 5, inc. V); b) A previso de indenizao por dano material ou moral pela violao intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5, inc. X); c) Responsabilidade do Estado pela indenizao ao condenado por erro judicial e por ficar preso alm do tempo fixado na sentena (art. 5, inc. LXXV); d) A transmissibilidade aos herdeiros de reparao do dano, at o limite da fora da herana recebida (art. 5, inc. LX); e) Cmulo das indenizaes por acidente do trabalho e de direito comum, mediante conduta culposa ou dolosa do empregador; f) A responsabilidade civil da empresa nos casos de atos praticados contra a ordem econmica e financeira e contra a economia popular, sem prejuzo da responsabilidade individual de seus dirigentes (art. 173, 5); g) Responsabilidade civil das pessoas naturais e jurdicas, pela reparao de danos causados ao meio ambiente (art. 225, 3). A leitura da responsabilidade civil luz da Constituio Federal no se resume apenas por estas previses legais. Vai-se alm. a mudana do ponto de vista sistemtico, de sorte as normas constitucionais esto na cumeada do ordenamento jurdico, logo os seus princpios e valores repita-se tornam-se15

JOSSERAND, Louis, ibide, p. 548.

12 normas diretivas, ou normas-guia, que devem informar todo o sistema, informando, logicamente, o Direito Privado. Assim , porque esses princpios e valores so retirados, no lcido dizer de Maria Celina Bodin de Moraes, da conscincia social, do ideal tico, da noo de justia presentes na sociedade, so, portanto, os valores atravs dos quais aquela comunidade se organizou e se organiza.16 Destacam-se duas novidades, que no eram contempladas pela legislao ordinria do direito anterior; so elas a previso do dano moral e o empregador responder por simples culpa nos casos de acidente do trabalho. Grande a resistncia na aceitao do dano moral, mormente pelo Supremo Tribunal Federal que arguia a falta de legislao que previsse a sua reparao. Assim, a Carta Magna foi o seu batismo de fogo, pois a partir da sua previso as legislaes infraconstitucionais, obrigatoriamente, passaram a contempl-lo. Sem essa previso no era possvel a proteo integral da pessoa humana. Doutra feita, at o advento da Constituio, na seara da responsabilidade civil o empregador respondia apenas por culpa grave ou dolo. Tanto que o Supremo Tribunal Federal editou a Smula 229, hoje revogada no que se refere culpabilidade: A indenizao acidentria no exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador. Com a regra constitucional a responsabilidade civil do empregador caiu no regime do Cdigo Civil. Qualquer que seja o seu grau de culpa ter que suportar o dever indenizatrio, sem compensar a indenizao paga, por meio de seguro obrigatrio pelo Instituo Nacional da Seguridade Social (INSS). Ou seja, ambas as indenizaes cumulam-se, preservando a primeira parte da Smula. (ver verbas p.) 1.5 Responsabilidade moral, penal e civil A responsabilidade moral uma natura debere, a que se constitui em mero dever de honra e conscincia. So relaes fundadas na pietas, no officium, na fides, no ntimo da pessoa humana para quem nenhuma crena lhe ilumine a alma; ou no seu relacionamento com Deus para quem professa credo religioso. Seu cumprimento questo de princpios, por se tratar de genuna liberalidade, a exemplo de cumprir ato de ltima vontade no expresso em testamento.

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MORAES, Maria Celina Bodin de. O princpio da dignidade humana, in Princpios do direito civil contemporneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 3.

13 Sob a tica do direito, na considerao do vnculo jurdico que d juridicidade obrigao, essa espcie no tem nem dbito nem responsabilidade. Porm, no permanece alheia de efeitos jurdicos quando do seu espontneo cumprimento. O ordenamento jurdico confere-lhe a soluti retentio (direito de reteno), de sorte quem deposita um bolo diante da mo tremula que se lhe estende, no tem direito a repetitio indebiti (repetio do indbito). Vige o apotegma: cuius per errorem dati retitio est, eius consulto dati danatio, isto , a prestao intencional de um indevido absoluto no pode ser repetida, constituindo uma liberalidade. Quanto responsabilidade penal e a civil separam-nas ntidas dessemelhanas. Se uma conduta, comissiva ou omissiva, ferir norma jurdica de Direito Penal, que de Direito Pblico, tipifica um delito: crime ou contraveno, ensejando a responsabilidade penal, sempre considerando a apotegma do Direito Penal Liberal: nullum crimen, nulla poena sine praevia lege (no h crime, nem pena sem prvia previso legal). Ao infringir norma de Direito Pblico, o delinqente com a sua conduta perturba a ordem social, provocando, ato contnuo, uma reao do ordenamento jurdico que no se compadece com esse comportamento e a reao representada pela pena. Pouco importa se a vtima do delito experimentou ou no algum prejuzo, o dano de natureza social, o agente da conduta tpica tem que responder por ela, pois o seu ato provoca quebra da paz e da ordem social de maneira indiscriminada, no individualizada. Concluindo, o Direito Penal: a) focaliza a pessoa do delinqente; b) objetiva o resguardo do interesse social; c) movimenta a mquina judiciria, no mais das vezes, independentemente da vontade da vtima. Enquanto no Direito Civil, a norma violada de Direito Privado e essa violao cria um desequilbrio no patrimnio ou em outro interesse da vtima juridicamente protegido, tendo como causa a conduta tambm comissiva ou omissiva do agente. Seu objetivo o restabelecimento do patrimnio ofendido no status quo ante (dano patrimonial), ou recompensar a vtima pelo interesse extrapatrimonial transgredido (dano moral). Em suma, o Direito Civil: a) focaliza o dano causado; b) visa necessidade de ressarcimento do patrimnio depreciado ou do interesse no patrimonial ofendido; c) matria apenas do interesse do prejudicado, que pode ou no movimentar a mquina judiciria, no primeiro caso exigindo a respectiva reparao, na outra hiptese resignando-se com o prejuzo sofrido. Vale pela clareza e objetividade, repetir Clvis Bevilqua:

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O direito penal v, no crime, um elemento perturbador do equilbrio social, e contra ele reage no intuito de restabelecer esse equilbrio necessrio vida do organismo social; o direito civil v, no ato ilcito, no mais um ataque organizao da vida em sociedade, mas uma ofensa ao direito privado, que um interesse do indivduo assegurado pela lei, e, no podendo restaur-lo, procura compens-lo, satisfazendo o dano causado. O direito penal v, por trs do crime, o criminoso, e o considera um ente anti-social, que preciso adaptar-se s condies de vida coletiva ou p-lo em condies de no mais desenvolver a sua energia perversa em detrimento dos fins humanos, que a sociedade se prope realizar; o direito civil v, por trs do ato ilcito, no simplesmente o agente, mas, principalmente, a vtima, e vem em socorro dela, a fim de, tanto quanto lhe for permitido, restaurar o seu direito violado, conseguindo, assim, o que poderamos chamar a eurritmia social refletida no equilbrio dos patrimnios e das relaes pessoais, que se formam no crculo do direito privado.17 Na eleio do pensamento de Peirano Facio, Serpa Lopes discorre que de natureza poltica e no tcnica, a causa determinante da ilicitude incidir na responsabilidade civil ou penal, pois o ilcito, tanto em um como no outro mbito, ontologicamente o mesmo. So razes de ordem poltico-legislativa que conduzem o legislador, em dado momento, a incriminar algumas condutas impondo pena ao delinqente, em outras no regime da simples reparao de dano, e ainda a dispor para umas terceiras a acumulao dos dois efeitos jurdicos.18 No caso de leses corporais ou outra ofensa sade, o ofensor estar sujeito pena expendida no art. 129, do Cdigo Penal, e no campo civil poder ser condenado nas despesas de tratamento e dos lucros cessantes at o fim da convalescena da vtima, alm de pagar a importncia da multa no grau mdio da pena criminal correspondente, como providencia o art. 949, do Cdigo Civil. Importante notar, nesta oportunidade, a regra do art. 935: A responsabilidade civil independente da criminal, no se podendo questionar mais sobre a existncia do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questes se acharem decididas no juzo criminal. a letra do Enunciado 45, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal: No caso do art. 935, no mais se poder questionar sobre a existncia do fato ou sobre quem seja o seu autor se estas questes se acharem17 18

BEVILAQUA, Clvis, ob. cit., p.p. 272-273. SERPA LOPES, Miguel Maria. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 4 ed. revista atualizada pelo prof. Jos Serpa Santa Maria, vol. V, p. 161-162.

15 categoricamente decididas no juzo criminal, matria a ser desenvolvida de maneira pormenorizada ao tratar das causas de irresponsabilidade, p. 129. 1.6 Espcies e pressupostos da responsabilidade civil A responsabilidade civil o dever jurdico derivado diretamente da lei (extracontratual) ou da inexecuo de uma obrigao adrede celebrada (contratual), que obriga uma pessoa (devedor), a reparar o dano patrimonial, moral ou esttico causado a outra (credor), em razo de ato prprio (direta), de ato de pessoa por quem responde, pelo fato animal ou de coisa inanimada de sua propriedade ou sob a sua guarda (indireta), seja por culpa (subjetiva), seja por simples imposio legal, ou pela explorao de atividade de risco (objetiva). Assim considerando, apropositada a classificao de Maria Helena Diniz, conforme segue abaixo. a) Quanto ao fato gerador: Responsabilidade civil contratual deriva do inadimplemento de um negcio jurdico bilateral ou unilateral. Responsabilidade civil extracontratual decorre da violao de um dever jurdico geral exposto na lei. b) Quanto ao fundamento: Responsabilidade civil subjetiva implica na conduta lesiva dolosa ou culposa. Responsabilidade civil objetiva a conduta lesiva prescinde de culpa ou dolo, ou porque prevista em lei ou na justificativa da teoria do risco. c) Quanto ao agente: Responsabilidade civil direta oriunda de ato prprio, a pessoa que produz o dano a responsvel pela indenizao. Responsabilidade civil indireta o causador do dano um terceiro vinculado ao responsvel pela indenizao, ou o dano causado por animal ou coisa inanimada sob sua guarda ou de sua propriedade. Por outro lado, a responsabilidade civil apresenta os seus pressupostos: a) A conduta que sempre uma ao ou omisso humana. b) O dano a interesses ou direitos alheios, patrimonial, moral ou esttico. c) O nexo de causa e efeito que a relao entre a conduta como causa e o dano como efeito.

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II: DAS ESPCIES DE RESPONSABILIDADE CIVILResponsabilidade gerador; 2.2 contratual; 2.3 extracontratual civil quanto ao fato Responsabilidade civil Responsabilidade civil

2.1 Responsabilidade civil contratual Celebrado o compromisso de compra e venda, o promitente vendedor deixa de entregar o bem objeto mediato da prestao ao promitente comprador, porque se perdeu por sua conduta desidiosa. O art. 389, do Cdigo Civil, preceitua: No cumprida a obrigao, responde o devedor por perdas e danos [...] H o inadimplemento absoluto da obrigao, a prestao no mais possvel ou til ao credor. O dever jurdico originrio convencionado pela vontade das partes, porque inadimplido pelo devedor, convola-se na indenizao das perdas e danos sofridos pelo credor, dever jurdico sucessivo imposto pela lei. No difere quando o inadimplemento relativo, no caso de mora, dado que o art. 395 dispe: Reponde o devedor pelos prejuzos a que sua mora der causa [...]. A prestao ainda possvel ou til ao credor, por isso perseguida pela tutela especfica tal qual convencionada, acrescida das perdas e danos e dos consectrios da mora e da sucumbncia: juros, atualizao monetria e honorrios de advogado. Via de consequncia, a responsabilidade civil contratual, fundada na autonomia privada, promana da transgresso de uma obrigao adrede celebrada pelas partes. H o inadimplemento absoluto ou relativo, uma vez que a obrigao deve ser cumprida no tempo, lugar e forma que a lei ou a conveno estabelecer, conforme providencia a ltima parte do art. 394, do Cdigo Civil. Para que ocorra essa espcie de responsabilidade civil indispensvel que preexista um contrato vlido entre devedor e credor. Vlido porque o contrato no produzir efeitos jurdicos se eivado de nulidade contempornea sua formao. Pelo princpio da obrigatoriedade, as partes vinculam-se ao contexto do contrato de forma irresistvel. A vontade livre at que se obriga, uma vez obrigada gera efeitos jurdicos: a conduta passa a ser pautada pela obrigao contratada, por isso se diz que o contrato lei entre as partes.

17 Compromisso de compra e venda Impossibilidade de transcrio do ttulo no registro imobilirio Cesso do mesmo lote a outra pessoa Direito a indenizao por perdas e danos Valor da indenizao. Se o contrato tornou-se inexeqvel por culpa da promitente vendedora, tem esta de responder pela reparao dos prejuzos do promissrio comprador, cujo montante ser o valor atual do imvel negociado, a ser apurado em liquidao, mais os consectrios comuns da sucumbncia e da mora (TJMJ, ap. 62.028, da Comarca de Belo Horizonte, j. 04.08.83, rel. Des. Humberto Theodoro, in Humberto Theodoro Junior, Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudncia, 3 ed. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1993, p. 337). Pode ainda a responsabilidade civil contratual resultar do descumprimento de obrigao gerada por um ato jurdico unilateral, aquele em que h manifestao de vontade de uma s parte em uma nica direo, colimando um determinado objetivo. Verbia gratia, a promessa de recompensa, a gesto de negcios, o pagamento indevido, o enriquecimento sem causa (CC, artigos 854 a 860), podendo acrescentar entre outros o testamento, a renncia, o cheque ao portador. Curioso painel fixado em pontos estratgicos da cidade trazia este anncio: volta Peteleco, e oferecia recompensa para quem encontrasse o co errante. A declarao de vontade obriga o declarante desde o momento em que se torna pblica, visto que ela se destina pessoa indeterminada. A determinao d-se no momento em que se preencherem as condies de exigibilidade da prestao, no caso o encontro e a restituio do animal. Algum que encontrasse o co, restituindo-o, tornar-se-ia credor da recompensa. Se no paga, nasce o direito de reclam-la perante o Poder Judicirio. No diferente a promessa de recompensa mediante sorteio, como bastas vezes anuncia o comrcio varejista em suas propagandas ou publicidades de vendas promocionais. Indenizao. Responsabilidade civil. Inadimplemento de premiao obtida em sorteio. Hiptese de promessa de recompensa, vinculado o promitente. Verba devida. Recurso provido. A oferta de prmios mediante sorteio configura promessa de recompensa, a qual, efetuada publicamente, vincula o promitente (TJSP 2 Cm. de Frias rel. Des. Walter Moraes, j. 20.08.93, in JTJ Lex 150/83). Considerando que essa espcie de responsabilidade diz respeito ao contrato e ao ato jurdico unilateral, Fernando Noronha e Jos Jairo Gomes preferem cham-la responsabilidade

18 civil negocial. A tradio, todavia, consagrou a denominao responsabilidade civil contratual, passando a espcie a nomear o gnero.19 So seus pressupostos: a) a conduta que descumpre um negcio jurdico bilateral ou unilateral (ato ilcito contratual); b) o dano da decorrente; c) o nexo de causa e efeito entre um e outro. 2.2 Jurisprudncia Tratando-se de contrato de locao de cofre, o banco depositrio responsvel pelos danos materiais decorrentes de assalto, devendo as coisas ser restitudas ao stato quo ante, sendo considerada nula a clusula de no indenizar, em obedincia s regras do Cdigo de Defesa do Consumidor Sm. 297 do STJ Dano moral no demonstrado Juros moratrios da citao, por tratar-se de obrigao contratual Art. 1.536, 2, do CC/1916 [atual art. 405] Sucumbncia recproca mantida Recursos improvidos (1 TACivSP, 12 Cm., j. 1.06.2004, rel. Juiz Paulo Eduardo Razuk, RT 832/239).20 O credor que, no abuso de seu direito, protesta duplicata j paga, responde civilmente pelos danos morais e materiais decorrentes de sua atitude. O dano moral presumido, razo pela qual a ocorrncia do fato, sem que tenha havido culpa concorrente da vtima, faz surgir o dever de indenizar que, todavia, deve ser arbitrado de forma moderada, segundo o princpio do sistema aberto e de acordo com o prudente arbtrio do juiz (1 TACivSP, 7 Cm., j. 29.10.2002, rel. Juiz Ariovaldo Santini Teodoro, RT 813/268).21 O advogado somente ser civilmente responsvel pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusvel, ou de ato ou omisso com culpa, em sentido largo (STF, Tribunal Pleno, j. 06.11.2002, RDA 234/360).22

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NORONHA, Fernando. Direito das obrigaes: fundamentos do direito das obrigaes: introduo responsabilidade civil. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 432. GOMES, Jos Jairo. Direito civil: introduo e parte geral. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 496. 20 Sm. 297, STJ: O CDC aplicvel s instituies financeiras. A clusula de no indenizar ser oportunamente dissertada. Por enquanto ficam as observaes: no admitida no CDC, arts. 24, 25 e 51,I, e nos contratos de depsito contraria a essncia do contrato (ver RT 670/73, 616/31). S tem cabimento quando estabelecida com carter de transao (RT 563/146). 21 O acrdo refere-se a credor, logo h contrato celebrado entre as partes. Tambm aborda o abuso de direito, art. 187, do CC. 22 Sobre responsabilidade civil do advogado consultar: RT 787/143, 772/362, 749/267, Repertrio IOB de Jurisprudncia 3/12.892, Boletim da AASP 613, 14 a 20.10.2002, RJTJSP 68/45, 125/176, JTJ-Lex 172/9.

19 A incorreo de tratamento odontolgico, realizada por profissional imperito, enseja a indenizao por dano material. Dessa forma, os valores despendidos no servio inadequado devem ser reembolsados, bem como o novo tratamento prottico que foi realizado por outro dentista especializado (TJSP, 5 Cm. Dir. Privado, j. 05.06.2003, rel. Des. Rodrigues de Carvalho, RT 818/199).23 2.3 Responsabilidade civil extracontratual Determinado estabelecimento comercial passa a promover msica eletrnica e o som estridente escapa do local, perturbando os moradores vicinais com decibis acima da regulamentao permitida. Comete ato ilcito, por abuso de direito, como previsto no art. 187, do Cdigo Civil. Tocar msica em estabelecimento comercial exerccio de direito, porm o som excessivo, que perturba os vizinhos, abuso desse mesmo direito; ato ilcito, pois. o enunciado do art. 1.277, do mesmo diploma: O proprietrio ou o possuidor de um prdio tem o direito de fazer cessar as interferncias prejudiciais segurana, ao sossego e sade dos que o habitam, provocadas pela utilizao de propriedade vizinha. H o inadimplemento de um dever jurdico legal, derivado da vontade do Estado, porquanto estampado na lei. Da inobservncia do dever legal, abrolha a obrigao indenizatria. Direito de vizinhana Poluio sonora Dano moral Indenizao Verba devida em razo do desassossego e desconforto causados pelas turbaes acsticas. Emenda Oficial: o desassossego e o desconforto causados pelas turbaes acsticas so capazes de gerar prejuzos ensejadores de danos morais (2 TACivSP, 11 Cm., Ap. 836061-0/7, rel. Juiz Egidio Giacoia, j. em 23.08.2004, RT 830/259). Conclui-se, que a responsabilidade civil extracontratual procede da ofensa norma jurdica reguladora da vida das pessoas em sociedade. tambm chamada de aquiliana, uma vez que remonta a Lex Aquilia deDamno. So seus pressupostos: a) a conduta que descumpre um dever legal (ato ilcito extracontratual); b) o dano da decorrente; c) o nexo de causa e efeito entre uma e outra. 2.3 Natureza do dever jurdico violado23

Nos servios prestados por profissionais liberais firma-se um contrato, ainda que seja verbal (contrato de prestao de servio, art. 593 e segtes, do CC). Se com advogado o contrato de mandato (CC, arts. 653 e segtes., do CC).

20 Decorrente do exposto, quanto ao fato gerador a responsabilidade civil ora nasce do contrato, ora do delito (vel ex contractu nascitur vel ex delicto), tomando a roupagem contratual ou extracontratual. Em ambas sempre existe um dever jurdico preexistente, o que as distingue a natureza do dever jurdico transgredido. Na contratual o dever jurdico dimana da vontade das partes negocio jurdico bilateral ou unilateral a declarao de vontade fonte de direito. O dever jurdico positivo, cumprir a palavra empenhada, o seu inadimplemento impe a responsabilidade. Na extracontratual o dever jurdico decorre da vontade do Estado a lei imperativo geral e abstrato relativo conduta humana dirigido a todos indistintamente. O dever jurdico negativo o de no prejudicar (neminem laedere); provada a ofensa norma e o dano evidencia-se a responsabilidade. Na lio de Jos de Aguiar Dias, em uma ou em outra, a conduta qualifica-se pelo descumprimento de um dever jurdico precedente, pois a declarao da vontade e a lei vinculam observncia. No mesmo sentido apregoa Sergio Cavalieri Filho dentre outros.24 Essa a teoria dualista eleita pelo Cdigo Civil, embasada na dicotomia que separa as duas espcies de responsabilidade civil. Os adeptos da teoria monista ou unitria no aceitam a distino. Para eles as duas espcies conduzem para os mesmos efeitos jurdicos e requerem os mesmos pressupostos a comear pela conduta lesiva timbrada pelo ato ilcito: contratual ou extracontratual. De efeito, a responsabilidade civil contratual e a extracontratual confundam-se ontologicamente e nos efeitos, todavia foroso reconhecer que se distinguem especialmente quanto s exigncias probatrias. E aqui sobeja importncia. Na responsabilidade civil contratual, a culpa da parte contratante que no cumpre o negcio jurdico celebrado presumida, est in re ipsa, dimana do prprio inadimplemento. Enquanto que na responsabilidade civil extracontratual, a culpa deve ser provada por aquele que assimilou o

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DIAS, Jos Aguiar. Clusula de no-indenizar: chamada clusula de irresponsabilidade, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 34: O fato de no existir contrato entre a vtima e o responsvel no estabelece, como aquele ponto de vista faz crer, que a responsabilidade extracontratual se configure na ausncia de obrigao anterior, porque, alm da obrigao contratual, existe, quando no se queira descer a especificaes, a obrigao de no violar a norma jurdica e, afinal, a obrigao ampla de no lesar, neminem laedere. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 8 ed. So Paulo: Atlas, p. 275: Na responsabilidade civil contratual [...] o dever jurdico violado pelo devedor tem por fonte a prpria vontade dos indivduos. So eles que criam, para si, voluntariamente, certos deveres jurdicos. A responsabilidade extracontratual, por sua vez, importa violao de um dever estabelecido pela lei, ou na ordem jurdica, como, por exemplo, o dever geral de no causar dano a ningum.

21 dano, a vtima; o que no deixa de ser, por vezes, um crucial procedimento. Esta a regra geral, que admite exceo, conforme ser visto no item relativo presuno de culpa. Outra distino quanto mora. Nas obrigaes provenientes do ato ilcito, relata o art. 398, do Cdigo Civil, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou; a denominada mora ex re. Nas obrigaes contratuais nem sempre h termo para o adimplemento, mormente nos deveres acessrios de conduta, ou seja, aqueles deveres secundrios prestao, e a mora somente decorre aps interpelao extrajudicial ou judicial; a chamada mora ex persona, consoante disposio expressa do pargrafo nico do art. 397. A principal consequncia dessa distino, portanto, d-se no momento em que se inicia a fluncia dos juros moratrios. Outras diferenas contingenciais podem ser articuladas, como no caso de prefixao das perdas e danos que pode ocorrer apenas na responsabilidade civil contratual (clusula penal compensatria), assim ainda a eleio do foro para a ao de reparao de dano. 2.4 Uma distino nem sempre fcil No h como negar, por vez ou outra, a dessemelhana entre ambas situa-se em uma zona cinzenta de difcil equao. Toma-se como exemplo o motorista de nibus que ocasiona acidente por transpor sinal vermelho, causando leses nos passageiros. A sua conduta descumpre o dever de parada obrigatria, exposto na lei de trnsito. Nessa hiptese h concurso entre as duas espcies de responsabilidade, a lei foi transgredida (extracontratual) e o contrato no foi cumprido (contratual). Outro exemplo, a do mdico contratado para certa cirurgia, que age negligentemente, porquanto deixa de proceder conforme as normas de assepsia; da o paciente adquire uma infeco. Entendese inadimplido o contrato, pois violada a clusula tcita de proceder no sentido de tomar os cuidados profissionais devidos no desempenho de uma obrigao de fazer, prpria do contrato de prestao de servio, embora a transgresso lei pela conduta negligente. Em tais situaes, na doutrina e na jurisprudncia, prevalece o entendimento de que a responsabilidade civil contratual. 2.5 Tutela externa do crdito Na tutela externa do crdito, expresso forjada por Orlando Gomes, cuida-se atentar tambm para a distino entre as duas espcies de responsabilidade civil.

22 Pelo princpio da relatividade dos efeitos jurdicos (res inter alios acta), o contrato somente produz efeitos jurdicos entre as partes, isto , aqueles que nele manifestaram a sua vontade, vinculando-se ao seu contedo, de modo que no aproveita e nem prejudica terceiros, aqueles que dele no participam. Por lgico raciocnio, se o contrato decorre do acordo de vontade das partes, no pode ter eficcia em relao a terceiros e seu patrimnio. Logo, ningum se submete a uma relao contratual a no ser que a lei o obrigue ou se a prpria pessoa o queira. O atual Cdigo Civil, foroso convir, deixou de considerar o contrato apenas como instrumento de satisfao de interesses pessoais das partes contratantes, considerando-o tambm como de interesse da coletividade, pela introduo de outro princpio: o da funo social do contrato (CC, art. 421). Mais do que antes, o contrato passou a ter a prerrogativa de oponibilidade contra terceiros, dada a importncia que ele desempenha para a coletividade, e os terceiros no podem comportar-se como se ele no existisse. Ho de respeitar o contrato firmado pelas partes, no interferindo de maneira a prejudic-lo, quer incitando uma das partes a descumpri-lo, quer impedindo-a de cumpri-lo, honrando o que ela prometera. No primeiro caso, o inadimplemento d-se em razo da cumplicidade de terceiro. Para aquele que parte a responsabilidade contratual, quanto ao terceiro a responsabilidade extracontratual. Ou seja, em um mesmo fato convivem as duas espcies, incidindo a solidariedade, quando as duas condutas contribuem para o prejuzo da outra parte inocente (CC, art. 942, 2 parte). Eis deciso do Tribunal de Justia do Estado do Paran: [...] A responsabilidade civil extracontratual (delitual ou quase delitual) pode coexistir com a responsabilidade civil contratual, como no caso de cumplicidade na violao do contrato [...] (TJPR, 2 Cm., rel. Des. Eduardo Luz, j. 10.9.1991, RT 680/167). No segundo caso, tem-se a responsabilidade civil extracontratual, porque o contrato no foi executado por fato exclusivo de terceiro, portanto por algum estranho conveno. 2.6 Jurisprudncia Ao ordinria indenizatria. Estacionamento rotativo de carro em logradouro pblico. Subtrao de veculos. Hiptese contrria a Sm. 130 do STJ. No caso do sistema de vaga certa, o pagamento s confere ao usurio a utilizao do local da via pblica, de uso comum do povo, destacado com o fim de ordenar o espao pblico, garantindo a necessria

23 rotatividade nos grandes centros urbanos. Na espcie, no h contrato de depsito, de guarda do bem sob prometida vigilncia e proteo. A regulamentao do poder de polcia nos logradouros pblicos, em estacionamento aberto, no pode acarretar ao ente pblico a ampliao de sua responsabilidade para responder pela guarda e depsito do bem (TJRJ, 12 Cm. j. 14.06.2005, rel. Des. Gamaliel Quinto de Souza, RT 841/333).25 personalssimo o direito imagem e intimidade. Se, com intuito de angariar maior audincia, conhecido programa dominical de televiso utiliza a imagem de consagrado gal de novelas, contratado de emissora concorrente, fazendo alarde de um leilo de roupa ntima que teria sido usada pelo ator em tradicional pea teatral Paixo de Cristo, realizada no estado da Paraba durante a Semana Santa, sem obter previamente a indispensvel autorizao para essa exposio pblica, respondem concorrentemente o apresentador do programa e a emissora pelo efeito lesivo da decorrente. O fato de ser dito que o produto obtido seria destinado a instituio de caridade, no descaracteriza a ofensa ao direito do autor. Sendo um profissional de atividade artstica, consagrado na mdia, sua imagem no pode ser utilizada, sem a sua anuncia, como atrao para aumentar a perfomance de empresa com a qual no mantm vnculo contratual (TJRJ, 9 Cm., j. 04.05.2004, rel. Des. Laerson Mauro, RT 836/301).26 Dano Moral Indenizao Morte de detento que se encontrava sob a guarda da Administrao Pblica Negligncia do Estado em zelar pela integridade do presidirio caracterizada Hiptese em que a verba indenizatria deve ser fixada em termos razoveis, sendo descabido seu pagamento via precatrio em virtude da pequena monta. Ementa Oficial: Havendo morte de presidirio que se encontra sob a guarda da Administrao Pblica, a responsabilidade em indenizar a famlia da vtima do Estado, sendo essa objetiva. A indenizao a ttulo de dano moral deve ser fixada em termos razoveis, sendo impossvel que a reparao venha a constituir-se em enriquecimento indevido, nem em25

A hiptese aparta-se dos estacionamentos ofertados por casas comerciais, supermercados, shopping center, que por usufrurem benefcios, tm responsabilidade civil pelo furto ou avaria nos veculos. Os shopping centers que oferecem estacionamentos gratuitos a seus clientes no se isentam de responsabilidade por furto de veculos colocados sob sua guarda, pois certo que a retribuio pelos servios est devidamente includa no preo do custo das mercadorias. O relacionamento existente entre o cliente usurios do estacionamento e a administrao do shopping no se caracteriza como contrato de depsito tpico, mas como prestao de servio que podem ser definidos como de segurana (TJSP, 7 Cm., j. 02.11.88, rel. Des. Sousa Lima, RT 639/60). De igual teor: RJTJSP 137/388, 135/150. Furto de veculo em estacionamento de supermercado, obrigao deste de indenizar: RT 832/228. 26 O direito imagem, como exceo aos direitos da personalidade, pode ser cedido para explorao econmica, mas sempre com o consentimento da pessoa. A CF, no art. 5, X, garante a inviolabilidade do direito imagem. Potica, nem por isso menos jurdica, a passagem de lvaro Antnio: Minha imagem pertence a todo mundo, tanto ao sol quanto ao regato, mas eu no quero que a profanem, porque ela representa um homem e presente de Deus, in BIANCO, Joo Carlos. A obra fotogrfica, o direito imagem, vida privada e intimidade, Revista Justitia, rgo do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, vol. 189-192, p. 206.

24 valor nfimo. Incabvel o pagamento da obrigao por precatrio quando o seu valor for de pequena monta. (TJRO, Cm. Especial, j. 18.02.2004, rel. Des. Rowilson Teixeira, RT 832/351). Responsabilidade civil. Danos morais e materiais. Inundao em subsolo de hotel. Bueiros e galerias pluviais entupidos. Responsabilidade civil subjetiva. Demonstrao do dano e do nexo causal. Omisso das autoridades do Municpio. Inexistncia de excludentes de responsabilidade. Recurso necessrio conhecido e desprovido (TJRN, 3 Cm. Civ., j. 12.06.2006, rel. Des. Joo Rebouas, RT 852/350).27 O veculo automotor, cada vez mais sofisticado e veloz, quando entregue nas mos de motoristas menos preparados, em face da embriaguez, passa a constituir uma arma perigosa, impondo grande risco s pessoas que se encontram nas vias pblicas. Ora, se no querem o resultado lesivo, assumem pelo menos o risco de produzi-lo (TJSP, 5 Cm. Criminal, j. 15.12.94, rel. Des. Silva Pinto, in Rui Stoco. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudncia, 7 ed. So Paulo: RT, 2007, p. 1.420).28 Para reflexo Em cada jurisprudncia transcrita, qual a espcie da obrigao inadimplida? E qual conduta do agente causador do dano que implica na sua responsabilidade? Quais os casos de negcio jurdico bilateral e unilateral? Quais so os denominados consectrios comuns da sucumbncia e da mora? A partir de quando os juros da mora so contados na obrigao contratual e no ato ilcito? Em que artigos esto previstos? O que abuso de direito? H previso legal no Cdigo Civil? Se positiva a resposta, em que artigo?

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Diferentemente quando fortes chuvas, imprevisveis e inevitveis, atingem a cidade: Evidenciada a fora maior em razo de situao excepcional de fortes chuvas que assolaram a cidade, afasta-se a responsabilidade civil do Municpio em reparar os danos causados a muncipe por enchentes se inexistem provas de que a Administrao municipal tenha agido com culpa, tanto no que ser refere a eventuais entulhos que dificultaram a vazo de guas do rio ou entupiam bocas de lobo, quanto aprovao do loteamento em que foi construda a casa atingida pela inundao (RT 843/240). Ateno: a responsabilidade civil do Estado Unio, Estados Membros, Municpios e suas autarquias etc. objetiva, CF, art. 37, 6, CC, art. 43. As excees quando da prestao de servios, como neste caso. Ver na doutrina: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 218 e seguintes. 28 Nlson Hungria assinala, ainda antes da metade do sculo passado, que o automvel se transformara num verdadeiro flagelo, a matar mais que a prpria peste branca ou a peste cltica, e Castro Veiga faz a seguinte imagem: surgiu um tipo novo de doena a que se deu o nome de cronopatia, to malfica e nociva quanto a peste que se convencionou chamar de AIDS. Fora do contrato de transporte, o acidente de trnsito responsabilidade civil extracontratual e subjetiva.

25 O que significa a expresso: faz surgir o dever de indenizar que, todavia, deve ser arbitrado de forma moderada, segundo o princpio do sistema aberto e de acordo com o prudente arbtrio do juiz? Advogado e dentista que prestam servios a seus pacientes celebram contrato? Se positiva a resposta, qual a modalidade de obrigao que anima esse contrato? Quais os artigos do CC que prevem a responsabilidade de cada um? justo que se recrimine o vizinho por ouvir msica em som estridente, considerando os usos e costumes atuais, especialmente aps o avano da tecnologia nos aparelhos de reproduo de sons? Qual o conceito jurdico de vizinhana? Pesquise. Ser que essa conduta no est dentro da interferncia tolervel? Se cada um tem o direito de ouvir msica, como direito de cada um fazer cessar as interferncias prejudiciais ao sossego, no se est, portanto, diante da aplicao do princpio da coexistncia dos direitos? O que esse princpio? Como resolver a questo? personalssimo o direito imagem e intimidade. Qual o conceito de um e de outro? Direito personalssimo sinonmia de direito da personalidade de que tratam os artigos 11 a 21, do Cdigo Civil? Por que o Estado responde pela morte de detento? Por que o Municpio responde por enchentes, cujo motivo o entupimento de bueiros e galerias pluviais? Nas duas jurisprudncias acima transcritas, sobre a morte de detento e a inundao em razo da chuva, os acrdos referem-se s mesmas espcies de responsabilidade do Estado e do Municpio? As decises so consentneas ou contraditrias? Distinga a responsabilidade civil contratual da extracontratual. Por que na responsabilidade contratual mais fcil a prova da responsabilidade do agente causador do dano? Formule, valendo-se da sua capacidade inventiva, uma responsabilidade civil contratual e outra extracontratual, tomando por exemplos fatos de sua vida. Alm do contrato escrito, podem existir contratos verbal e tcito? Pesquise. Responsabilidade civil quanto ao fundamento:2.8 Responsabilidade civil subjetiva; 2.9 Responsabilidade civil objetiva.

26 2.8 Responsabilidade civil subjetiva Um motorista transita pela via tributria, no respeita o sinal de transito de parada obrigatria, invade a pista preferencial e ocasiona acidente com dano a outrem. Trata-se de responsabilidade civil subjetiva, que conforta a sua justificativa na conduta culposa. tambm denominada teoria clssica ou teoria tradicional da culpa.29 No exemplo, o motorista labora com culpa ao contravir o sinal regulamentar de trnsito, embora o seu entendimento tico-jurdico fosse no sentido de portar-se com cuidado objetivo, parando o veculo ante a advertncia de normatizao do trfego e neste sentido devesse ser a sua determinao volitiva, pois assim a circunstncia o exigia. Entretanto, age com imprudncia e o efeito jurdico contrrio sua vontade, deve ressarcir as perdas e danos decorrentes. Responsabilidade civil Acidente de trnsito Inobservncia da placa de Pare, avanando por cruzamento de via preferencial Indenizatria procedente, quer tambm quanto desvalorizao do veculo, admitida a incidncia da correo monetria (1 TACivSP, 8 Cm., j. 21.10.1980, rel. Juiz Negreiros Penteado, JTACSP 70/75).30 Reforando, essa espcie de responsabilidade civil inspira-se no ato ilcito, o qual implica na ideia de conduta culposa. A culpa, por sua vez, pode ser considerada em sentido restrito, quando se manifesta pela negligncia, imprudncia ou impercia, que se ope ao dolo, ou em sentido amplo que aambarca o dolo, a vontade dirigida para o evento. Na culpa, o agente causador do dano quer a conduta, mas no quer o dano; no dolo, quer tanto a conduta como o dano. Estudo mais pormenorizado de culpa ser abordado no pressuposto da conduta, isto porque a culpa considerada isoladamente tem relevncia apenas conceitual, para adquirir relevncia jurdica deve integrar a conduta.31

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Eis a lio de Washington de Barros Monteiro: Teoria da responsabilidade civil subjetiva Esta a teoria clssica e tradicional da culpa, tambm chamada de teoria da responsabilidade civil subjetiva, que pressupe sempre a existncia de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta inteno de o praticar) e a culpa (strito sensu), violao de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas que descumpre por negligncia, imprudncia ou impercia. (Curso de direito civil: direito das obrigaes, volume 5: 2 parte, 34 ed. ver. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva, So Paulo: Saraiva, 2003, p. 449). 30 Atualmente com o avano da mecnica que proporciona a substituio de peas, sem deixar vestgio da coliso, no mais se admite a desvalorizao do veculo. Exceto nos casos em que a evidncia da coliso fica marcante no veculo, pela impossibilidade de sua recuperao total. 31 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil, 7 ed. So Paulo: Atlas, 2007, p. 23.

27 Na Parte Geral do Cdigo Civil, a responsabilidade civil subjetiva esteia-se no art. 186: Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito. Ato ilcito de que trata este artigo todo ato contrrio as normas de Direito Pblico ou de Direito Privado, sendo que seus elementos estruturais a antijuridicidade, a culpabilidade, o dano e a imputabilidade. A antijuridicidade toda ao ou omisso humana adversa ao ordenamento jurdico, que ofende direitos alheios. Ordenamento jurdico que constitudo por comandos dirigidos s pessoas para que ajam de determinados modos, ou se abstenham de certas aes. H uma contrariedade entre a conduta humana e a norma jurdica, independentemente de qualquer juzo de censura. Compe o aspecto objetivo da ilicitude. J a culpabilidade o estado do culpvel, do que pode ser imputado ao agente causador do dano a ttulo de dolo ou culpa. A pessoa culpada quando poderia e deveria ter agido em consonncia com a prescrio da lei, mas no o faz. S pode ser atribuda pessoa capaz por ter discernimento e vontade, isto , o agente h de ter liberdade para determinar-se. Compe o aspecto subjetivo da ilicitude. O dano, como j assinalado, todo prejuzo sofrido por uma pessoa, em qualquer bem ou interesse juridicamente tutelado, patrimonial, moral ou esttico. o elemento unificador da responsabilidade civil, a partir dele que se justifica a atuao normativa. Sem dano no h responsabilidade. A imputabilidade a atribuio da conduta danosa a determinada pessoa capaz, pois o incapaz inimputvel. Responde indagao sobre a razo pela qual atribudo a algum o dever indenizatrio. A importncia do ato ilcito reside, pois, no fato de ser fonte das obrigaes, dando ao advento uma relao jurdica cujo objetivo o ressarcimento do dano. Na Parte Especial do Cdigo Civil, a responsabilidade civil subjetiva est prevista no artigo 927: Aquele que, por ato ilcito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a reparlo. So seus pressupostos: a) uma conduta culposa ou dolosa (culpa lato senso); b) o dano da decorrente;

28 c) o nexo de causa e efeito entre um e outro. No sistema anterior, quando em curso o Cdigo Civil de Bevilaqua, o centro da responsabilidade civil era a culpa, com raras excees teoria objetiva, quando diretamente prevista em lei, assim entendendo, por exemplo, os direitos de vizinhana (CC 16, art. 554), o fato da coisa animada ou inanimada (CC 16, art. 1.527 a 1.529), o contrato de transporte (Lei 2.681, de 7.12.1912), entre outros poucos. 2.10 Jurisprudncia Indenizao Dano moral Envio de mensagem eletrnica Calnia. A violao da honra, em virtude de envio de mensagem eletrnica, imputando falsamente a prtica de fato definido como crime, enseja dano moral (TAMG, 2 Cm. Civ., rel. Juiz Roberto Borges de Oliveira, publ. DJMG 03.03.2004, in RJ 317/139). Indenizao Dano moral Cheque ps-datado Apresentao antecipada Devoluo Inscrio de nome Cadastro de emitentes de cheques sem fundos (...). Sendo o cheque emitido para pagamento em data posterior, sua apresentao antecipada, dando ensejo a sua devoluo por insuficincia de fundos e inscrio do emitente no cadastro de emitentes de cheques sem fundos, implica o dever de reparao por danos morais [...] (TAMG, 2 Cm. Civ. Rel. Juiz Alberto Aluzio Pacheco de Andrade, publ. DAMG 04.03.2004, in RJ 317/139). A responsabilidade civil no transporte puramente gratuito aquiliana e no contratual, respondendo o transportador pelos danos que causar ao carona em razo de culpa grave na conduo do veculo. Inteligncia dos arts. 186 e 927 do CC. (TJMA, 3 Cm. Civ., j. 20.10.2005, rel. Desa. Cleonice Silva Freire, RT 845/327).32 Responsabilidade civil danos a prdio vizinho Indenizao pleiteada pelo locatrio Possibilidade Titular de fundo de comrcio. Tem legitimidade para cobrar o reembolso do que gastou na reforma do imvel danificado por culpa do vizinho o locatrio que, havendo ali instalado seu estabelecimento comercial, o incorporou a essa universidade de bens que seu fundo de comrcio (1 TACivSP, 2 Cm., j. 24.03.83, rel. Juiz Rangel Dinamarco, RT 580/162). Civil e processual civil. Acidente rodovirio. Veculo de transporte pesado que invade pista em sentido contrrio vindo a causar sinistro. Dano moral32

A responsabilidade civil nos transportes onerosos de pessoas e mercadorias contratual e objetiva, como se ver logo em seguida. Alm do transporte gratuito ou de cortesia e o oneroso, existente uma terceira categoria, o transporte aparentemente gratuito ou interessado, ad exemplum, o que o patro oferece ao empregado na ida e volta do trabalho, do corretor que leva cliente ao imvel que est a venda etc. Como regra geral, no acidente de transito a responsabilidade extracontratual e subjetiva. A exceo o contrato de transporte (CC, art. 734).

29 e material. Cabimento. Boletim de ocorrncia. Presuno juris tantum. Ausncia. I Demonstrada a culpa do motorista que, ao invadir a pista de rolamento em sentido contrrio, causou grave acidente de trnsito, impese o dever de indenizar. II O boletim de ocorrncia no goza de presuno juris tantum dos fatos articulados, vez que o policial registra o fato de acordo com o que lhe narrado, no fazendo por isso prova absoluta. III Recurso no provido (TJMA, 2 Cm. Civ., j. 17.10.2006, rel. Des. Antnio Guerreiro Jnior, RT 858/328). 2.11 Responsabilidade civil objetiva Outro caso de responsabilidade civil quanto ao fundamento pode ser reproduzido no contrato de transporte. Algum adquire passagem de uma cidade para outra com determinada empresa. Celebra uma obrigao de fazer, se inadimplida, a empresa transportadora responde pelo prejuzo causado ao passageiro sem indagao do pressuposto subjetivo da culpa. Nessa espcie de contrato vige a denominada clusula de incolumidade, por conter uma obrigao de resultado, na qual o devedor somente cumpre a prestao se alcanar o fim colimado pelo credor. Por isso, tambm chamada de obrigao de fim. Trata-se da responsabilidade civil objetiva, que no cogita da conduta culposa ou dolosa do agente causador do dano, basta a relao de causa e efeito entre o dano experimentado pela vtima e a ao ou omisso do agente. Estabelecida esta causalidade abrolha, de pronto, a obrigao de indenizar. Por isso, tambm denominada responsabilidade civil sem culpa. Responsabilidade civil Indenizao Transporte rodovirio de passageiros Extravio de bagagem Passageira que no indicou o que levava em sua mala Irrelevncia Transportador que assume responsabilidade de resultado atinente chegada ao destino contratado no s do passageiro, mas tambm de seus pertences Verba devida. Ementa da Redao: Tratando-se de extravio de bagagem em transporte ferrovirio, devida indenizao passageira, ainda que no indicado o que levava em sua mala, uma vez que em contrato de transporte, assume o transportador a responsabilidade de resultado atinente chegada no s do passageiro, mas tambm dos seus pertences ao destino contratado (1 TACivSP, 2 Cm., j. 10.11.2004, rel. Juiz Borelli Thomaz, RT 835/250). A responsabilidade civil objetiva, no caso em testilha, prevista na lei. Estampa o art. 734, do Cdigo Civil: O transportador responde pelos danos causados s pessoas transportadas e suas

30 bagagens, salvo motivo de fora maior, sendo nula qualquer clusula excludente de responsabilidade.33 o que dispe a primeira parte do art. 927, pargrafo nico: Haver obrigao de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei [...]. A excluso da culpa traz maior abrangncia responsabilidade civil, protegendo de forma mais ampla a vtima inocente de dano. No se investiga nem sequer a antijuridicidade do fato danoso; considera-se, sim, se ocorreu o evento e se dele emanou o dano. Equivale afirmar, tambm o ato lcito pode ensejar a responsabilizao do agente que ao pratic-lo ocasione dano. Outra faceta dessa espcie de responsabilidade civil est prevista na parte final do citado pargrafo nico do art. 927: [...] ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. a grande novidade do Cdigo Civil de Reale, elegendo uma previso genrica em clusula geral34. Desde h tempos, Caio Mrio da Silva Pereira pontificava que o Direito moderno j no visava o autor do ato, porm a vtima, acrescendo que juristas e tribunais, manifestando franca tendncia pela doutrina objetiva, reclamavam contra a ausncia de disposio genrica a permitir a sua afirmao no Direito ptrio.35 E modernamente, Carlos Alberto Menezes Direito e Srgio Cavalieri Filho prestam merecida homenagem: de uma coisa no se tem dvida: aqui foi adotada a teoria do risco criado cujo maior defensor o mestre Caio Mrio.36 Duas questes so apresentadas, definir atividade normalmente desenvolvida e risco. A primeira toda atividade organizada, no eventual ou casual, difere do ato avulso, no praticado com assiduidade. No precisa ser uma atividade empresarial, mas que seja habitualmente exercida, assim por meio de uma profisso ou mesmo de uma associao que, como se sabe, no

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Smula 187 STF: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, no elidida por culpa de terceiro, contra a qual cabe ao regressiva. 34 Clusulas gerais e os conceitos legais indeterminados apresentam conceitos cujos vocbulos empregados pelo legislador tm densidade semntica intencionalmente vagas e abertas, permitindo ao juiz preench-las com valores a serem encontrados no julgamento de cada caso concreto. D mobilidade ao sistema do CC, deixando-o vivo e atualizado. Abrange todo um domnio de casos. Distinguem-se, as clusulas gerais e os conceitos legais indeterminados, porque neste a norma j prev a conseqncia, i. , a soluo a ser dada pelo juiz aquela adrede prevista na norma. As clusulas gerais, no. A norma no prev a conseqncia, dando ao juiz a oportunidade de criar soluo (vide Nery, Nelson e Rosa, CC anotado e legislao extravagante, 2 ed. So Paulo: RT, 2003, p. 141 e seguintes). 35 PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991, pp. 24 e 29. 36 DIREITO, Carlos Alberto Menezes e outro. Comentrios ao novo Cdigo Civil, volume XIII: da responsabilidade civil, das preferncias e privilgios creditrios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 146.

31 tem finalidade lucrativa. Qualquer atividade isolada, sem o carter da habitualidade, permanece sob o manto da incidncia da culpa.37 A segunda o risco. Na parafernlia do mundo moderno, cabe indagar o que no causa risco? Em Grande Serto Veredas, registra Guimares Rosa, viver, por si s, j um risco. Podese dizer, contudo, que risco perigo. Traduz-se na circunstncia concreta que prenuncia a ocorrncia de dano. Pioneiramente, o art. 2.050, do Cdigo Civil italiano38, que contm norma anloga, adota o termo perigo, que significa a potencialidade da atividade normalmente desenvolvida produzir dano a outrem, mesmo sendo essa atividade lcita e de utilidade social. A doutrina italiana elege dois critrios para definir atividade perigosa: a) a quantidade de danos habitualmente causados pela atividade em questo; b) a gravidade de tais danos. De destacado valor o primeiro critrio, pois considera o ponto de vista estatstico. o fator quantitativo, que sempre se revela provvel, in concreto, ou seja, so atividades que a experincia tem demonstrado proporcionar elevado nmero de acidente. Para exemplificar toma-se o digitador, apesar de a atividade, aparentemente, no apresentar risco, grande a ocorrncia de dano fsico, a chamada LER/DORT, inerente aos movimentos repetitivos (LER: leso por esforos repetitivos; DORT: Distrbios osteomusculares relacionados ao trabalho). O que no se mostra razovel deixar o conceito de risco ao arbtrio do senso comum, pois no se chegar a critrio aceitvel. No senso comum notam-se dissonncias cognitivas que geram impropriedades. Proveitoso para assim demonstrar o transporte. As pessoas confiam muito mais no transporte rodovirio do que no areo, embora as estatsticas demonstrem ser mais seguro dar a volta ao mundo voando do que fazer uma longa viagem de automvel, mormente nas estradas brasileiras que no se coadunam com as normas de segurana, o que agravado pela constante imprudncia dos motoristas.3937

MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva, cf. obra coletiva coordenada por Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, in O direito e o tempo: embates jurdicos e utopias contemporneas Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lima. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 871: Uma atividade uma srie contnua e coordenada de atos e no se confunde com um ato nico ou com atos isolados, que permanecem sob o mbito de incidncia da culpa. 38 CC da Itlia, art. 2.050: Aquele que ocasionar prejuzo a outrem no exerccio de uma atividade perigosa pela sua natureza ou pela natureza dos meios adotados, ficar obrigado indenizar se no provar ter adotado todas as medidas idneas para evitar o prejuzo. Norma idntica a do art. 493, do CC portugus: Quem causar danos a outrem no exerccio de actividade, perigosa por sua prpria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, obrigado a repar-los, excepto se mostrar que empregou todas as providncias exigidas pelas circunstncias com o fim de os previnir. 39 TEPEDINO, Gustavo e outros. Cdigo Civil interpretado conforme a Constituio da Repblica. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, vol. II, p. 809 e MORAES, Maria Celina Bodin de. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva, cf. obra coletiva coordenada por Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin, O direito e o tempo: embates jurdicos e utopias contemporneas Estudos em homenagem ao Professor Ricardo Pereira Lima. Rio de Janeiro: Renovar,

32 Outro critrio o que considera o fator gravidade, tambm importante porque tcnico. Vale, como exemplo, o mesmo transporte areo, cuja probabilidade de acidente inferior a um em um milho.40 Embora improvvel, o desastre areo assaz danoso, porquanto ocorrendo, de regra, raros so os sobreviventes. Ambos, o fator quantitativo e o fator gravidade, prestam-se responsabilidade objetiva do pargrafo nico, do art. 927, do Cdigo Civil, ante a caracterizao do risco nele previsto. Ademais, a recomendao do direito comparado no sentido de que ao juiz cabe identificar o risco da atividade mediante anlise tpica e na realidade local. Embora no vinculado, o magistrado deve consider tambm a legislao e a jurisprudncia trabalhista e previdenciria, pois nesse mbito o direito tem trabalhado afanosamente determinadas atividades como sendo perigosas para efeitos da concesso do respectivo adicional. Atividades costumeiramente apontadas como de risco relacionam-se ao fornecimento de energia eltrica, com mais nfase energia nuclear, distribuio de combustveis, minerao, ao emprego de raios-x, fabricao de medicamentos, quelas ligadas a gs, veneno, explosivos, armas de fogo, material radioativo, ou pelo emprego de mtodo de alto potencial lesivo, como controle de recursos hdricos, certas construes edilcias, inclusive algumas atividades desportivas como a luta de boxe, a corrida automobilstica etc. Na I Jornada de Direito Civil, os Juzes Federais concluram pelo Enunciado 38 que a responsabilidade fundada no risco da atividade "configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um nus maior do que aos demais membros da coletividade. O enunciado no muito esclarecedor, por repetir o preceito legal sem outro esclarecimento mais amplo, porm no deixa de servir de parmetro no sentido de que o risco precisa ser diferenciado, saliente, no qualquer risco. Enfim, essas atividades sero desvendadas na anlise cada vez mais constante dos casos concretos. uma figura em construo, como soe acontecer com as clusulas gerais e os conceitos legais indeterminados. De grande valia a jurisprudncia que est sendo construda. que cabe aos juzes, mediante seguro conhecimento dos conceitos aplicados realidade decorrente, a prudente tarefa de selecionar os casos de incidncia da teoria do risco. 2.12 Teorias sobre as atividades de risco2008, p. 873. A 40 Revista Veja, edio 2.120, de 8 de julho de 2009, entrevista pginas amarelas.

33 A construo das atividades de risco encontra suporte nas vrias teorias elaboradas ao longo de tempo. A teoria do risco proveito imputa a responsabilidade a quem tira vantagem da atividade danosa, com fundamento no princpio de que onde est o ganho, a est o encargo (ubi emolumentum, ibi onus). O dano s seria reparado por aquele que colhesse algum proveito do fato lesivo. Abrolham dificuldades. A uma, o que proveito? proveito econmico, lucro, ou qualquer outro? A duas, retorna ao angustiante problema do nus da prova. A vtima teria que provar a obteno de proveito por parte do agente do ato danoso. Acanha a incidncia da teoria do risco. A teoria do risco profissional enfatiza que o dever de indenizar cabe somente quando o fato lesivo decorre da atividade ou profisso da vtima. Desenvolvida especialmente para os casos de acidentes do trabalho ou por ocasio dele. Pela desigualdade econmica, sobreleva a dificuldade do empregado em produzir prova mormente nos casos de acidentes em razo das suas prprias condies fsicas, quer pelo seu estado de exausto, quer pela atividade repetitiva que se torna montona. Essa teoria afasta grande nmero de acidentes do trabalho. Tambm restringir a incidncia da teoria do risco. A teoria do risco administrativo foi concebida para respaldo da responsabilidade civil do Estado, O Estado responde pelo risco criado e inerente sua atividade administrativa, sem qualquer indagao ao pressuposto subjetivo da culpa. Repartem-se os nus e encargos sociais resultantes da atuao estatal na perseguio do interesse da coletividade. Aplica-se o princpio constitucional da solidariedade social. Se a atuao do ente ou agente do Estado para o bem de todos, justo e equnime, coadunando com a tica, que o dano sofrido, por um ou alguns, seja distribudo a todos, indistintamente. O risco e a solidariedade social so os suportes dessa teoria, que por partilhar encargos, conduz a mais perfeita justia distributiva. a previso do art. 37, 6, da Constituio Federal, que o Cdigo Civil repete no art. 43, cuja redao deficiente por no se referir s pessoas de direito privado prestadoras de servios pblicos. Para explicar a teoria do risco criado ningum melhor que o seu paladino Caio Mrio da Silva Pereira que a resume na seguinte frmula: todo prejuzo deve ser atribudo ao seu autor e reparado por quem o causou, e completa: [...] o conceito de risco que melhor se adapta s condies de vida social o que se fixa no fato de que, se algum pe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivduos, independentemente de determinar se em cada

34 caso, isoladamente, o dano devido imprudncia, negligncia, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.41 A obrigao de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente; atividade esta que cria risco diferenciado a interesses ou direitos de outrem. No se cogita nessa teoria, se a atividade se organize de forma empresarial, nem que tenha revertido em proveito de qualquer espcie ao agente do dano, o que seria caso do risco proveito. Do mesmo modo no interessa a profisso exercida pela vtima, o que seria o caso do risco profissional. Acrdo proferido pelo 6 Cmara, do extinto Primeiro Tribunal de Alada Civil do Estado de So Paulo, pela relatoria do ento Juiz Marciano da Fonseca, julgado em 17 de fevereiro de 2004, bem define o risco criado. Destaca-se de seu corpo: Com a propriedade de sempre, Caio Mrio da Silva Pereira esclarece: Resume, ento, a doutrina do risco, desvestida das restries de ordem tcnica, nesta forma: todo prejuzo deve ser atribudo ao seu autor e reparado por quem o causou. O problema ser, portanto, de causalidade. Todo fato do homem obriga aquele que causou um prejuzo a outrem a repar-lo (Georges Ripert, La Rgle Morale, n. 115). Fica, assim, assentado que o dever de reparao funda-se num fato. Ao invs de a responsabilidade assentar numa relao causal entre a culpa e o dano, simplifica-se nesta outra, entre o fato e o dano (entre le fait et le dommage). Os autores modernos, como Jean Carbonnier, explicam: a responsabilidade objetiva no importa em nenhum julgamento de valor sobre os atos do responsvel. Basta que o dano se relacione materialmente com esses atos, porque todo aquele que exerce uma atividade deve-lhe assumir os riscos (Jean Carbonnier. Droit civil. Obligations, vol. IV, n. 86, p. 292). Fica, pois, assentada no risco criado. Marty et Raynaud (Droit civil, t. II, vol. I) colocam a questo em termos de causalidade material: responsvel aquele que materialmente causou o dano (in RT 826/234-235). H de se considerar tambm, que a doutrina do risco apresenta uma feio extremada, a teoria do risco integral. Justifica-se o dever de indenizar mesmo em certos eventos em que no possvel estabelecer o nexo de causalidade. A obrigao de indenizar faz-se presente apenas em face do dano, afastadas todas as causas de irresponsabilidade, mesmo o fato exclusivo da vtima ou de terceiro, o caso fortuito ou fora maior. No sem razo, alguns autores usam a expresso responsabilidade automtica. Posio extremada que o ordenamento jurdico reserva to-s para casos excepcionais, como os danos nas atividades nucleares. No poucos so os defensores do41

PEREIRA, Caio Mrio da Silva. Responsabilidade civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, pp. 24 e 288.

35 risco integral nas atividades relativas ao dano no meio ambiente.42 Ver RT 625/251 e 623/31 Ver responsabilidade civil objetiva pura. frequente encontrar na jurisprudncia referncia a uma e a outra dessas teorias, conforme as peculiaridades do caso em julgamento. 2.13 Fontes objetivas Pois bem, em apertada sntese a responsabilidade civil objetiva contempla duas situaes bem distintas: a) quando tem sua fonte diretamente na lei, a exemplo dos artigos 936 a 940, as relaes de consumo (CDC, arts. 12 e 14), a responsabilidade do Estado e das pessoas jurdicas de direito privado prestadoras de servios pblicos (CF, art. 37, 6; CC, art. 43) etc.; b) quando a sua fonte a natureza da atividade habitualmente desenvolvida, que coloca em risco os membros da sociedade. Extrai-se da que os seus pressupostos so: a) a conduta prevista em lei ou que desenvolve habitualmente uma atividade de risco; b) o dano da decorrente; c) o nexo de causa e efeito entre uma e outro. 2.14 Confronto de situaes de risco So desastrosas as estatsticas de acidentes de trnsito. Dirigir automotor situao de risco, incontestavelmente. A par da premente necessidade de melhor capacitao dos motoristas, maior rigor na fiscalizao do trnsito e efetiva melhora nas condies das vias pblicas, essa triste e violenta realidade enseja responsabilidade civil. Nos acidentes envolvendo dois veculos, isto , situaes em que as duas posies causam risco para os direitos de outrem, a soluo que resta a da responsabilidade civil subjetiva, apurando qual dos motoristas laborou eficazmente para a ecloso do fato lesivo com a sua conduta culposa. At porque sob a tica jurdica outra soluo seria inexeqvel no sistema atual da responsabilidade civil. Se os dois motoristas envolvidos em um acidente respondessem objetivamente, ambos seriam condenados indenizao. Pergunta-se: como seria atribudo o dever42

NERY JNIOR, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecolgico e a ao civil pblica. In Justitia, revista do Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, vol. 126, p. 172. MILAR, Edis. Direito ambiental: doutrina e jurisprudncia glosrio. 3 ed. So Paulo: RT, 2004, p. 764. SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional., 4 ed. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 313.

36 de cada um indenizar o outro? Se um dirigisse conforme as normas de trnsito e o outro na sua contrariedade ambos responderiam, pois estariam, igualmente, diante de uma atividade habitual de risco? No seria justo, o lcito seria equipado ao ilcito. 2.15 Um sentido de complementaridade Observa-se que a responsabilidade subjetiva convive harmoniosamente com a objetiva, sem que uma afaste a outra. Trata-se menos do declnio da primeira e mais o surgimento de outro mecanismo para atender novas demandas sociais. Se a meta ideal sempre reintegrar no estado anterior o patrimnio alterado pelo evento danoso, somente se atinge a s justia reparadora se a responsabilidade subjetiva for complementada pela responsabilidade objetiva, porque somente dessa maneira todos os casos de dano podero ser indenizados. No se contesta, a culpa subjetiva noo til e dela no se pode prescindir, a sua abolio total daria em um resultado anti-social e amoral, por no distinguir entre o lcito e o ilcito, nem entre a boa e a m conduta. Mas tambm no h como contestar, que ela se revela, a pouco e pouco, insuscetvel de abarcar toda a construo da responsabilidade civil. Decorrente, destarte, que a responsabilidade objetiva veio para complementar a responsabilidade subjetiva. Uma no suplanta e nem derroga a outra, ambas firmam um espao prprio de coexistncia funcional, a fim de atender aquelas demandas em que a exigncia da culpa provada representa pesado nus para quem lesado na sua pessoa ou no seu patrimnio. De um lado, a Moral mantm a teoria da culpa; do outro lado, a Equidade recomenda a teoria do risco. Na verdade, com a previso ampla da objetivao est encerrada a fase do individualismo inerente culpa. Inaugura-se um novo pensamento poltico, social e jurdico, cuja preocupao maior a vtima inocente de dano, no mais o seu autor. a socializao ou humanizao do Direito. As atividades de risco so conquistas da tecnologia, consideradas lcitas porquanto proveitosas vida social, facilitando a todos indistintamente. Sendo assim, tal como na responsabilidade do ente e dos agentes do Estado os riscos devem ser partilhados entre todos, de sorte a todos beneficiam. de justia social, a sempre falada justia distributiva, pela qual