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Apontamentos para a história da Escola Superior de Belas- Artes do Porto 1836-1976 Transcrição do documento atribuído a João Barata-Feyo, Professor Agregado da ESBAP 2015

Apontamentos para a História da Escola Superior de Belas-Artes do Porto

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É difícil estabelecer uma data para o início do ensino artístico no Porto. Sabendo que a primeira aula de debuxo e de desenho, fora, por iniciativa da Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada pelo decreto de 27 d novembro de 1779 e no qual simultaneamente se nomeou o primeiro “lente da aula” António Fernandes Jácome...

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Apontamentos para a história da Escola Superior de Belas-

Artes do Porto 1836-1976

Transcrição do documento atribuído a João Barata-Feyo, Professor Agregado da ESBAP

2015

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É difícil estabelecer uma data para o início do ensino artístico no Porto. Sabendo que a primeira aula de debuxo e de desenho, fora, por iniciativa da Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, criada pelo decreto de 27 d novembro de 1779 e no qual simultaneamente se nomeou o primeiro “lente da aula” António Fernandes Jácome conforme representação de 9 de julho dessa Junta e que os altos poderes públicos mostravam-se paralelamente convictos de que “a sobredita aula de desenho e debuxo não será menos útil que a outra aula pública de náutica”, ora, em edital de 15 de fevereiro de 1780 anunciou a Junta que os trabalhos escolares da nova aula se iniciaram a 17, no Seminário dos Meninos Órfãos, onde hoje se situa a Faculdade de Ciências. Por outro lado, sabemos e não podemos ignorar, a existência anterior de oficinas onde se formaram artistas cujos nomes se tornaram célebres mais tarde; alguns deles vindo a ensinar, como lentes, nessa criada pela Junta e noutras aulas que se lhe seguiram. É o caso de José Teixeira Barreto, que é lícito supor que tenha recebido lições do velho Glama conforme se pode verificar no livro de Pedro Vitorino, sobre José Teixeira Barreto, pintor português, capítulo IV e que relativamente a esse pintor, diz: “como ficou dito, Barreto, recebera de seu pai os primeiros ensinamentos da sua Arte. Deve ter sido ele o seu principal mestre no Porto, se bem fosse crível que frequentasse a aula de debuxo e desenho, aberta em 1780 nesta cidade e recebesse também lições de João Glama Störberle, que aqui se fixou pela segunda vez após o terramoto de Lisboa de 1755 e onde veio a morrer em 1792 com 84 anos de idade”; é o caso também de Francisco Vieira, o célebre pintor “Vieira Portuense” que também teria iniciado a uma aprendizagem na oficina paterna, pois seu pai era também pintor e que teria tomado lições com João Pillenent, pintor galante e amaneirado do Século XVIII, considera Raczynsky “detentor de grande perícia”, tendo sido debuxador de tecidos, teve uma extraordinária importância como mestre de Vieira Portuense, na famigerada Escola da Porta do Olival, a qual teve de existência uns escassos dois anos.

Assim, supomos ser possível, para mais fácil apreensão considerar desde a data da primeira “aula de debuxo e desenho”, realizada em 17 de fevereiro de 1780 até à atual Escola Superior de Belas Artes do Porto, passando-se sucessivamente pela “aula de desenho” que após uma década se instalou na “Academia Real de Marinha e Comércio”, à qual sucedeu em 1836 a “Academia Portuense de Belas Artes” e muitos anos depois a Escola de Belas Artes nossa imediata antecessora, não se encontrando nenhum fator ou elemento estranho que tenha conseguido, até hoje, corromper a força e a vitalidade desta genealógica origem, num lato período de dois séculos, assim podemos apontar, a existência de cinco gerações de pintores que os nomes dos mais afamados escultores separam ou coroam com impressionante nitidez, independentemente das sobreposições a que obrigam os anos de referência: nascimento e morte.

Na geração de origem ou da fundação podemos ainda e por sua vez, considerar os núcleos do último Quartel de Setecentos e da primeira metade de Oitocentos, separados entre si por um período medianeiro, entre as duas tendências em confronto.

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Assim, neste primeiro grupo 1780/1810 passam a pertencer: Vieira Portuense, José Teixeira Barreto, Domingos Sequeira, Raimundo Joaquim da Costa e João Baptista Ribeiro.

O ensino da aula de Debuxo e Desenho decorreu sem incidentes que deixassem sulco na história até 1800. Com a aposentação do seu primeiro professor, Jácome, fora nomeado seu sucessor, o célebre pintor Vieira Portuense e que tendo atraído grande concorrência à aula este novo lente, a Junta, em 4 de Janeiro de 1803 “representou “ ao Príncipe Regente; sendo então reformados os “estudos portuenses por alvará de 9 de fevereiro de 1803 e ampliados ainda por alvará de 29 de julho desse mesmo ano e regulamentados pelos estatutos da mesma data, criando-se a “Academia de Desenho e Pintura” e inaugurada solenemente por Francisco Vieira, “Vieira Portuense”, ido de Lisboa em outubro e nomeado Director por Carta Régia de 1 deste mês, pois este pintor fora nomeado desde 1802 primeiro Pintor da Real Câmara e Corte, com obrigação de pintar os painéis destinados ao Palácio da Ajuda, nunca mais a partir daquele ano exerceu com regularidade o seu mister na Aula de Debuxo e Desenho, visto ter de fazer largas estadias em Lisboa.

Assim, a partir de 1803 as suas funções converteram-se nas de Director, passando o ensino a ser ministrado por José Teixeira Barreto e Raimundo José da Costa, professores, respetivamente, efetivo e substituto.

A abertura solene da Academia da Marinha e Comércio só se efetuou em 4 de novembro de 1803 na Igreja de Nossa Senhora da Graça estando presentes as principais autoridades do Porto.

Nestas notas atrás referidas, esclarecerem a história da Academia no momento em que Teixeira Barreto estava como professor.

Foi, portanto, este pintor o primeiro “lente” de desenho admitido depois de promulgada a Reforma.

Após a morte de Vieira Portuense, em 2 de maio de 1805, não se lhe seguiu Teixeira Barreto, como era natural, na Direção da Academia. A Junta propunha para o cargo Domingos António Sequeira, primeiro pintor da Real Câmara, nomeado a 8 de maio de 1806, com a obrigação de residir no Porto três meses por ano. Certamente que Barreto devia ressentir-se pela intromissão, embora não solicitada, de um outro artista alheio à aula e a quem afazeres e interesses afastados, não permitiam uma assistência continuada.

“Contudo e em abono da verdade, diga-se que a Academia só lucrou com isso”, conforme afirmação feita por Pedro Vitorino no seu livro sobre José Teixeira Barreto, cap. IV. Sobre este período refere Sousa Viterbo que João Baptista Ribeiro, discípulo de Sequeira, ter-lhe-ia sugerido o tema de uma composição, desenho a tinta, existente na escola, cuja composição representa um respeitável ancião rodeado de cinco adolescentes, tangendo liras, tratando-se, nem mais nem menos do próprio Sequeira em companhia dos mais destacados alunos da sua “Aula de Desenho e Debuxo” aos quais, por seus méritos, se propusera também iniciá-los na prática da pintura.

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Realçando possíveis ressentimentos só tempos depois, pelo abandono das funções que as circunstâncias políticas impuseram ao pintor Sequeira, o pintor Teixeira Barreto pode chefiar a Academia. Da sua ação no ensino do Desenho não há pormenores conhecidos, simplesmente diz-nos Taborda nos seus escritos “que deixou uma escola inteira de desenho, começando desde a primeira lição”.

Por morte de Teixeira Barreto, em 1810, lente proprietário da cadeira de desenho, foi nomeado Raimundo Joaquim da Costa, e para substituto João Baptista Ribeiro, aluno distinto da Academia conforme certificado passado por Teixeira Barreto a este aluno, “testando o talento e bons costumes de João Baptista Ribeiro”.

Também este período, e rememorando esses tempos escolares, como compensador achado das deficiências existentes, existe um relato manuscrito referente à aula de Desenho e que se refere à Academia Real da Marinha e Comércio tendo o seguinte introito:

“Descrição dos objetos que existiam na aula de Desenho em 1805, estando então a aula no Hospício da Cordoaria onde também estava a Roda das Enjeitadas e dali mudada para a Câmara Eclesiástica nas escadas dos Grilos em 1806”.

Este caderno é escrito por Raimundo Joaquim da Costa, José Teixeira Barreto e Francisco Vieira na situação de diretor da aula de Desenho, o qual contém vinte páginas, numeradas de 1 a 18, não sendo a primeira e a última numeradas e onde foram colocadas algumas notas a lápis. Foi escrito primitivamente em 1805 e acrescentado nos dois anos seguintes; contendo um inventário pormenorizado do existente nessa aula e ao qual se refere Pedro Vitorino nos seus textos com as seguintes palavras:

“É de supor ser este modesto registo de “carga” a única sobrevivência esclarecedora referente à aula de desenho nos tempos da Real Academia. Nada agora se encontra no estabelecimento seu sucedâneo, que a recorde, pois tudo que lhe dizia respeito foi deixado impensadamente perder. Para tal descalabro concorreu sem dúvida a circunstância dos artistas serem posteriormente, afastados do desenho, substituindo-os, engenheiros, a quem os valores artísticos aí existentes preocupavam menos do que as lucubrações da matemática”.

Esta análise feita por Pedro Vitorino refere-se evidentemente às consequências derivadas pela criação da Academia Real da Marinha e Comércio e conforme se pode apreender nos estatutos dessa Academia, a antiga aula de Desenho, constituiria um curso de Desenho, por assim dizer, como matéria complementar e cujo âmbito pedagógico era bastante diverso, adaptando-se a cada curso, ou profissão: desenho topográfico, cartográfico e de marinha, incluindo traçado de plantas e reprodução de aspetos geográficos costeiros; desenho de arquitetura, desenho artístico e pintura.

Por outro lado escreve, sobre esta Academia Real da Marinha e Comércio o seu cuidadoso historiador, Adriano Machado, as seguintes palavras de justo louvor:

“Esta Academia concentrava em si todos os cursos, quer preparatórios quer de aplicação industrial, que em Lisboa se achavam repartidos por diversos

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estabelecimentos, e em geral estes cursos eram nesta Academia mais completos. Também esta Academia era com razão considerada como o novo primeiro estabelecimento de instrução pública depois da Universidade de Coimbra; e na ordem cronológica pertence-lhe um dos primeiros lugares entre os institutos de ensino secundário especial e do superior técnico da Europa”.

Depois deste pequeno apontamento sobre os primeiros anos de existência dos estudos do Desenho e da Pintura da cidade do Porto e relativamente a esta primeira geração encontramos como foi dito e francamente do período oitocentista 1813 / 1829 os nomes de: Thadeu D’Almeida Furtado, João António Correia, Francisco José Resende, Guilherme António Correia.

Que fazem parte do segundo grupo, já atrás citados, e que ao analisarmos estes dois grupos é bem evidente a diferença de linguagem e processos que os distinguem.

Enquanto que o primeiro, ainda contaminado de resquícios barrocos de setecentos, ainda apegados à estética do Neoclassicismo, mais pronunciados nos panejamentos com que cobriam os seus clássicos modelos, se entregam à prática de um estilo que, com a maior sobriedade, soube respeitar e até dignificar; o segundo, denuncia claramente os prenúncios das fases romântica e naturalista de oitocentos, que lhe sucederam e às quias, um e outro, se entregaram com maior ou menor afoiteza, embora todos e por igual dominados por uma férrea disciplina interior, a que aliás, se submeteram voluntária e conscientemente. Assinala-se por último que todos foram académicos de mérito; assim, “vemos mesmo surgir uma geração romântica imediatamente seguida por outra, talvez a de mais forte tonalidade, formada nas oficinas parisienses onde pontificavam os mestres do Arlivismo e do Naturalismo e que se revelou como a de maior duração e uma das que mais incisivamente marcou a sua presença na formação de numerosos artistas” (citação de Flórido de Vasconcelos no catálogo “O ensino de Belas-Artes”, 1973).

Em 21 de maio de 1825 remeteu a Junta ao Governo o plano de reforma da Academia que lhe fora exigido pela resolução régia de 26 de abril de 1824, o qual se refere principalmente, à organização orçamental da Academia. Esta fase de renovação cultural da vida portuense não se limitou somente ao setor escolar. Assim, em 11 de abril de 1833 foi solicitado pelo Governo ao pintor João Baptista Ribeiro, então professor de Desenho da Academia da Marinha e Comércio, através de uma portaria em que lhe comunicava ser “intenção do S.M.I. o Duque de Bragança, Regente em nome da Rainha, mandar estabelecer nesta cidade um museu de pinturas e estampas” encarregando-o de examinar tudo quando de tais espécies exista nos conventos abandonados, como nas casas sequestradas.

Assim, foi por este pintor organizada uma “informação circunstanciada” do material encontrado, como também, dum regulamento do projetado Museu o qual estabelecia, além da finalidade de exposição pública, a de centro de estudos, colocando-se então ao dispor daqueles estudiosos que obtivessem do Diretor a necessária autorização, “os painéis, estampas, livros de arte e outras produções pertencentes ao Museu”, tendo sempre em vista o aumento da instrução pública e prevendo a realização bienal de uma Exposição com a participação de obras de desenho, pintura, escultura, litografia, desenho de arquitetura civil, como de obras escrita sobre Belas-Artes, etc.

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Os sucessos políticos dos anos de 1828 a 1834, provocando substituições no pessoal docente da Academia e mesmo o encerramento das aulas durante o Cerco do Porto, acarretaram ao ensino graves inconvenientes.

Assim, por esses factos, João Baptista Ribeiro que tinha sido nomeado, por carta Régia de 22 de outubro de 1811 conjuntamente com Raimundo Joaquim da Costa, para a docência da cadeira de desenho e que o qual para cumprir o que estava determinado nos estatutos, coordenou “um tratado de perspectiva linear” que não chegou a ser impresso e “que servisse aos alunos” durante o período em que regeu a cadeira.

Em 1832, obedecendo ao Governo Absoluto, saiu do Porto, perdendo o seu lugar na Academia, não aceitando a sua reintegração, mais tarde, conforme determinava o Decreto de 3 de dezembro de 1836 onde vinha expresso a sua proposta de nomeação, para reger a cadeira de Gravura Histórica.

É nesta época que surge entre nós a figura de Augusto Roquemont que tendo nascido na Suíça em 1804 e falecido no Porto em 24 de janeiro de 1852, artista notável e conforme apontamento que traslado dum jornal da época, este teria chagado a Portugal em 24 de agosto de 1828 a Lisboa tendo vindo de Génova donde teria partido a 8 de julho, demorando nessa viagem quarenta e seis dias. Não permanece muito tempo em Lisboa vindo para o Porto em 6 de outubro desse mesmo ano e desenvolve uma atividade artística até aí unicamente entre as cidades de Guimarães, Braga e Porto. As suas aptidões são múltiplas e é maleável e vasta a sua ilustração, entrega-se exclusivamente e por necessidade do ganha-pão aos seus recursos de mestre pintor de primeiro plano, mas numa época em que o desenvolvimento artístico é restrito e sobretudo o gosto por assuntos de arte está ainda limitado e quase embrionário. Dedica-se de preferência ao retrato a óleo, género naturalmente preferido, ainda pelos que pouco ou nada entendem do valor dos quadros, executando também, algumas miniaturas a guache em marfim. Concorre, em 1843, como grande êxito à exposição trienal da Academia das Belas Artes de Lisboa, executando aí, em Lisboa, alguns dos seus quadros mais notáveis. Mas em 1847 regressa ao Norte instalando-se definitivamente no Porto, onde vem a falecer em plena glória. Singular destino o deste nobilíssimo artista! A sua arte, de que possui já todos os segredos depois da sua longa passagem pela Itália, vai-se apurando em Portugal, ganhando sempre em valor expressivo e em vigorosa originalidade. Os seus trabalhos são executados através de constantes perturbações políticas, mas mesmo assim as vicissitudes do tempo não conseguem contudo despedaçar-lhe os pincéis, embora lhe tragam como é natural, profundas apreensões e tristezas.

Augusto Roquemont, fora nomeado Diretor da aula de Desenho da Academia Real da Marinha e Comércio do Porto em 1831, tendo sido seu discípulo Francisco José Resende, não na Academia mas no seu atelier no Corpo da Guarda, da cidade do Porto, pois quando da sua nomeação, encontrava-se em Lisboa e como tivesse variadas encomendas, nunca regeu a cadeira. Em 1843, a instâncias dum grupo de admiradores afetuosos e também na ânsia de fixar-se definitivamente no Porto, acedeu Roquemont a apresentar-se a um concurso para professor da Academia de Belas Artes, chegando a executar um quadro a óleo, como determinava o programa, sobre “o julgamento de Viriato” – esboceto que existe no Museu Municipal. Mas, uma

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vez mais, abandonou essa ideia, em que o triunfo era certo e o lugar garantido. “Porque seria incapaz de exercer um cargo público em que não trabalhasse deveras”.

Note-se que confrontando Roquemont “honesto e notável artista, com o seu contemporâneo João Baptista Ribeiro que não tinha os escrúpulos profissionais nem o seu carácter, nem o seu talento não se furtava de o deprimir na sombra, cujas qualidades superiores o azedavam”. – Carlos Brandão, - Roquemont. – e a propósito, escreveu nesse tempo, a seu respeito, Joaquim da Costa Lima Júnior, Professor de Arquitetura na Academia Portuense de Belas Artes do Porto, um impertinente poema heroi-cómico, intitulado “o cafre”, o qual deu a João Baptista Ribeiro, apesar da sua posição social, muitos amargos de boca.

Durante este período, que tinha começado pela Revolução de Setembro de 1820, até ao assentamento do “rotativismo” dos partidos progressistas, nos primeiros sessenta anos do Regime Constitucional, passando-se pelas inovações pedagógicas, remodelações e reformulações progressistas pela reforma do ensino realizada por volta de 1836 durante a breve mas fecunda ditadura cultural da ação governativa de Passos Manuel, que pretendeu elevar o nível cultural do país na primeira metade do século XIX, introduzindo profundas alterações em todos os cursos do ensino: a instrução primária passou então a ser obrigatória e foram melhorados os seus programas, bem como os dos cursos secundários e superiores. Mas o acontecimento mais notável foi sem dúvida a criação de novas instituições de ensino. Surgem pela primeira vez os liceus, sendo os seus cursos quase gratuitos e fundam-se novas faculdades. Também pela primeira vez se reconhece a importância do ensino artístico na vida da Nação.

Nos princípios de 1835 foi nomeada pelo Governo uma Comissão encarregada de elaborar um projeto de estatutos para a Academia de Belas Artes de Lisboa e cujos princípios que deviam servir de base aos trabalhos dessa Comissão contam-se os seguintes:

E como objetivo final, conforme está expresso nos estatutos, “promover o estudo das Belas Artes, difundir e aplicar a sua prática às artes fabris”.

Quanto à admissão dos alunos além das condições necessárias, que se exigiam para o acesso ao ensino superior, poderiam ser alunos ordinários e alunos voluntários, podendo também frequentar

“as lições da Academia, os oficiais e aprendizes das artes fabris, com a condição única de guardarem a conveniente decência, no interesse dos mesmos oficiais e aprendizes e até de quaisquer curiosos, quer a lei que a conferencia designe certos dias da semana, nos quaes, por espaço de duas horas, estejam abertas à noite as aulas de desenho, e de architectura, a fim de as poderem frequentar aqueles a quem isso convier”.

Assim foi criada a Academia Portuense de Belas Artes pelo decreto de 22 de novembro de 1836 pode certamente crer-se, “inspirada no que se achava estabelecido quanto à função ensinante conferida ao Museu Portuense em 1833 e quanto à sua agregada Associação dos Amigos da Arte constituída em 1835”.

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Com efeito, ela foi também, simultaneamente um centro de ensino artístico, como Escola, e uma agremiação de artistas. Como Escola esta Academia ministrava um curso de cinco anos, regido por vários professores, destinado a “promover o estudo das Belas Artes e difundir e aplicar a sua prática às artes fabris” sendo constituído pelas seguintes disciplinas: desenho histórico, desenho artístico, escultura, arquitetura civil e naval, gravura histórica, e como agremiação, dava aos seus membros o título de Académicos, repartindo-os por duas classes; a dos “honorários” seis pelo menos, constituída por indivíduos “cujos dotes literários ou de paixão pelas Belas Artes justificassem a escolha; e a dos “méritos”, constituída pelos artistas nacionais e estrangeiros que lhe oferecessem alguma obra de sua conceção ou execução.

“Estas duas agremiações culturais, Museu e Academia, tinham portanto grandes afinidades sobre os referidos aspetos atrás citados, aos quais, porém, acrescentava àqueles a função propriamente museográfica, como centro de exposição e repositório de obras de arte, podendo tornar-se altamente útil para o estudo artístico”, no ponto de vista didático e pedagógico, como até pudesse chegar a ser, fonte de inspiração. Assim, facilmente se compreende que o Museu viesse a ser como absorvido pela Academia e foi isso que a lei de 30 de julho de 1839 estabeleceu, “determinando que o Museu, além da sua finalidade pública, fosse utilizado pelos professores e alunos da Academia em seus estudos” (artigo 4º dessa lei). Nesse mesmo Diploma-Lei é determinado o local onde seria instalado, tanto o Museu como a Academia (artigo 1) que apresenta a seguinte redação:

“É concedida, pela apresenta lei, à Câmara Municipal da Invicta Cidade do Porto a propriedade da cêrca do extinto Convento de Santo António da mesma cidade; e a parte do referido Convento que sobejar depois de n’elle se fazerem as casas necessárias, para alli se estabelecerem convenientemente a Bibliotheca Pública, o Museu Portuense de Estampas e Pinturas e a Academia de Bellas-Artes”.

Todavia a Academia de Belas-Artes, em 1853, ainda estava instalada, como inicialmente, no edifício do Colégio dos Órfãos, sede da Academia Politécnica, sucessora da Academia da Marinha e Comércio, a qual Academia Politécnica, tinha sido criada pelo Decreto de 13 de janeiro de 1837 e conforme “apontamentos para a cidade do Porto” de Sousa Reis consta que

“os magníficos modelos de gesso, que existem na aula de desenho da Academia, os desenhos originais para estudo, as pinturas de valor e tudo em grande número” … “ desta forma se reúne neste edifício todos os elementos para a frequência e conhecimento da Ciência e Artes e estão de para em par abertas aos estudiosos as francas portas de tanta instrução e cultura das letras proporcionando-lhe gratuitamente os fáceis meios de se engrandecerem a si e à Nação…”

Em 1855, o Conselho Geral de Instrução Pública, encarando a possibilidade de melhorias das instalações que ocupavam parcialmente na Academia Politécnica e porque a frequência escolar, estava a ser desproporcionada de ano para ano, pois no ano letivo de 1853-54 era de 117 alunos e no ano letivo de 1855-56 de 73 alunos, propunha pelo facto da falta de espaço necessário, para eficazmente ser desenvolvida

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uma prática de docência, já exigida, que se concluísse rapidamente o edifício proposto pela Lei de 1839 (ver pag. 41 Vol. X de J. S. Ribeiro).

O problema resolveu-se porém, mais tarde, em 18 com a sua definitiva instalação no local que lhe estava indicado, desde 1893, o edifício de S. Lázaro.

Durante este período segunda metade do século XIX nasce em 1847, o nome glorioso de Soares dos Reis “Le grand Suarez” como por largos anos passou a ser lembrado após o regresso a Portugal, logo seguido em 1848 de Thomaz Soller também escultor como aquele, tendo sido, ambos, pensionistas em Paris, mas este de Arquitectura, de que fez vida profissional de alto nível, sendo impressionantes os relatórios enviados por Soares dos Reis a esta Academia, quando da sua estadia como bolseiro em Paris e em Roma, que são um vivo retrato da vida artística dessa época nesses “santuários” da arte.

Num dos muitos escritos de Diogo de Macedo, este afirma, serem da sua mão duas peças de escultura existentes nesta Escola: um modelo feminino originário e intencionalmente mutilado, e um busto de mulher o qual devido às mudanças e vicissitudes a que a Escola esteve condenada por largos anos, desapareceu, certamente, pois não se encontra nos arquivos da Escola; do modelo feminino existe e para que não sofresse o mesmo destino do busto foi superiormente autorizada a sua passagem a bronze,

“é de admitir estarmos na presença, não de um modelo vivo, mas na de uma primeira fase do trabalho, a completar posteriormente, tendo em atenção que Soares dos Reis, com relativa frequência e na eventualidade de procurar traduzir determinado simbolismo com base na sua impressionável e figurativa representação, só depois de eleita a atitude e de executado o modelo nú, um suporte por excelência, lhe acrescentava as roupagens”.

Assim estes dois nomes, Soares dos Reis e Thomaz Soller vão encabeçar e fazer parte intrínseca de uma segunda geração de 1850 a 1880 – monolítica como nenhuma outra e que não seria possível nem fácil dissociar do conjunto qualquer dos elementos, pois poder-se-á afirmar que todos foram grandes nomes de prestígio e dedicação pelas Belas-Artes, são eles:

António Soares dos Reis, Thomaz Augusto Soller, Joaquim Vitorino Ribeiro, António da Silva Porto, Alfredo Torquato Pinheiro, João Marques d’Oliveira, José de Brito, José Júlio de Sousa Pinto, Ernesto Condeixa, Henrique Pousão, Custódio da Rocha.

Outro nome aparece ainda, a que à falta de informações mais precisas, não podemos fixar-lhe um lugar exato nesta geração: José Augusto Marques Guimarães, pois sucede a Soares dos Reis logo após a morte deste, no lugar de professor, embora interino, da cadeira de escultura e do qual apenas existe na Escola um desenho de modelo vivo, “tendo sido um exímio pintor florista do século XIX”. Note-se que, ao tempo, todos os estudantes frequentavam simultaneamente os curso de arquitetura, pintura e escultura. De todos os mestres da segunda geração, incluindo Soares dos Reis, que lhe assinala a origem, o nome do mestre João António Correia, da geração anterior, que dir-se-ia predestinado a conviver de perto, do primeiro ao último e em exclusivo, com

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os que constituíram esta, a mais prestigiosa das gerações que passaram pela antiga Academia Portuense de Belas-Artes, no período da sua escolaridade.

Factos há que contribuem para o encontro das linhas gerais definidoras desta segunda geração, no ponto de vista pedagógico e artístico; se por um lado sabemos que se torna impossível dissociar qualquer elemento desta segunda geração, em presença de tantas afinidades que os entrelaça e confundem e se o objetivo essencial e único do mestre era então “o de formar os discípulos à sua imagem e semelhança”; como o caso do mestre João António Correia que transmitia intactas, as serenas e magistrais lições de Ingres e de Vernet, pois as de Delacroix só mais tarde se fariam sentir, por um processo oficinal a um conjunto de discípulos ávidos por ensinamentos e por conhecimentos, jovens de obstinada aplicação neste fascinante ofício das Artes Visuais do seu tempo, sendo inexcedíveis e só comparáveis aos melhores que nesse tempo exerciam com a mesma vontade e força o começo desta aprendizagem.

Assim resta-nos perguntar, como o Mestre Carlos Ramos o fez, no seu prefácio do catálogo da exposição “Dois Séculos de Modelo Vivo”,

“onde teria chegado a fina flor dos nossos artistas dos meados de oitocentos se, de regresso à Pátria, não tivessem deparado com a mais profunda e singular crise mental que assaltou em qualquer tempo, a sociedade portuguesa, que a mensagem embora excepcionalmente honrosa de poucos só confirma”.

“Enquanto possuídos da frescura e requintado gosto que trouxeram na bagagem, já percorrido o tradicional roteiro – Paris e Roma, ou só uma dessas capitais – cá se foram aguentando. Despojada, contudo, aquela, de tantas virtudes acumuladas, foram-se estas depauperando até à ruptura”.

Nesta contínua depauperação, apenas resistiram os que no isolamento, na morte ou no suicídio, encontraram exílio eterno para as legítimas ambições.

Mais uma vez se verifica que as grandes lições do passado cobrem-se de uma dureza por vezes impregnada de uma crueldade impressionante.

A partir de 1918 processa-se ao nível nacional, uma profunda alteração pedagógica com a criação das bases necessárias à distribuição do ensino escolar das Belas Artes, por três graus do ensino – Primário, Secundário e Superior.

Na consequência desta alteração, é publicado em 1932 o Decreto nº 21:662, que reestrutura e regulamenta as Escolas de Belas Artes, Lisboa e Porto, instituindo-se os cursos, especiais e superiores, de Pintura de Escultura e de Arquitectura – a “Antiga Reforma”.

Durante estes 50 anos, terceira geração, destacam-se os nomes do Mestres:

Sousa Pinto, Aurélia de Sousa, Marques da Silva, Teixeira Lopes, António Carneiro, Raul Maria Pereira, Acácio Lino, Ventura Terra, Joaquim Lopes, Diogo de Macedo, Heitor Cramez, Dordio Gomes e Aarão de Lacerda, professor de História da Arte.

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Na sequência de uma nova polémica e da necessidade da definição do ensino das belas-artes para uma possível equivalência ao ensino superior universitário – Reforma de 1941 da Universidade – é publicado pela Direção Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, em 1950, a Lei n.º 2.043 – que promulga a reorganização das Escolas Superiores de Belas-Artes.

Mas, somente sete anos depois, com a publicação do Decreto-Lei n.º 41:362 – que fixa os quadros e vencimentos do pessoal destas escolas, e do Decreto n.º 41:363 – que aprova o regulamento das Escolas Superiores de Belas Artes, em 14 de novembro de 1957, efectiva-se a Lei atrás citada.

Em outubro de 1952,a partir de disposições regulamentares, teve lugar a “Iª Exposição Magna” e, na “palavras prévias” do catálogo pode-se ler a determinada altura: “… pensa porém, o Conselho Escolar, deste estabelecimento de ensino que seria da maior conveniência a organização de uma Exposição Magna anual, que reunisse os trabalhos mais classificados durante o ano lectivo anterior, a par dos trabalhos dos professores a quem compete o ensino daquelas especialidades, dando assim, a conhecer, a seu tempo e publicamente, o produto das actividades profissionais de Mestres e de Alunos…”, a esta Exposição sucederam-se, sem qualquer interrupção, até à XVI Exposição Magna de 1968. Era então Director, Mestre Carlos Ramos, figura exemplar de prestígio, agudeza de inteligência e dedicação pela Escola.

Durante o período em que decorreram estas exposições, foram publicados pela Escola quatro boletins.

Destacaram-se, e destacam-se porque ainda hoje alguns são professores desta Escola, nesta quarta geração os nomes de:

Domingos Alvarez, António Cruz, Augusto Gomes, Barata Feyo, Guilherme Camarinha, Júlio Resende, Gustavo de Bastos, Lagoa Henriques, Eduardo Tavares, Amândio Silva, Adelino Felgueiras e Artur Gusmão, professor de História da Arte.

A partir do 25 de abril, professores e alunos reunidos, deliberaram estudar a reestruturação dos seus cursos – Pintura e Escultura- que vinham enfermando de graves defeitos no que respeita à sua estrutura pedagógica, o carácter da sua instituição, a ambiguidade na inserção social dos seus diplomados, etc.

Assim, depois de longo e exaustivo trabalho no estudo e planeamento da nova política de ensino a ser desenvolvida na Escola, tendo sido aprovado superiormente que os cursos designados na Reforma de 1957 – Pintura e Escultura – passariam a designarem-se, Cursos de Artes Plásticas e Design (Arte Gráfica), igualmente, aprovou-se a cisão entre os cursos agora criados e o curso de arquitectura, foi enviado ao MEIC – Ministério de Investigação e Educação Científica, em 22 de novembro de 1976, o “Ante-Projecto de Reestruturação da ESBAP dos cursos de Artes Plásticas e Design (arte gráfica) “ para aprovação.

Encontramo-nos perante os acontecimentos políticos e sociais que irão caracterizar esta quinta geração, que teve o seu início por volta de 1968, e cujos nomes fazem parte do actual elenco docente da Escola Superior de Belas Artes do Porto.