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Edihermes Marques Coelho APONTAMENTOS PARA UMA IDEIA DE SISTEMA CONSTITUCIONAL ( A PARTIR DO PENSAMENTO SISTEMÁTICO DE CLAUS-WILHELM CANARIS ) Florianópolis, 1995.

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Edihermes Marques Coelho

APONTAMENTOS PARA UMA IDEIA DE SISTEMA CONSTITUCIONAL

( A PARTIR DO PENSAMENTO SISTEMÁTICO DE CLAU S-WILHELM CANARIS )

Florianópolis, 1995.

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Edthermes Marques Coelho

APONTAMENTOS PARA UMA IDÉIA DE

SISTEMA CONSTITUCIONAL

(A PARTIR DO PENSAMENTO SISTEMÁTICO

DE CLAVS-WILHELM CANARIS)

Orientador: Prof. Dr. Sílvio Dobrowolski

Dissertação apresmtada ao Curso de Pós-Graduação

em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

para fins de obtenção do título de Mestre an Direito.

Florianópolis, 1995.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO

No dia 14 de agosto de 1995, foi apresentada, defendida e aprovada a dissertação APONTAMENTOS PARA UMA IDÉIA DE SISTEMA CONSTITUCIONAL (a partir do pensamento de Claus-Wilhelm Canaris), elaboradapor Edihermes Marques Coelho, sendo julgada adequada para a obtenção do título de MESTRE EM DIREITO.

Florianópolis, 14 de agosto de 1995.

Banca Examinadora:

Dr. Sílvio Dobrowolski (presidente)

Dr. Juarez Freitas (membro)

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RESUMO

Para que bem possa ser pensado em todas as soas conexões, o Direito

deve ser cncaraHn como um sistema (sobretudo normativo, jurisprudencial e

doutrinário) teleologicameate ordenado em função dos seas princípios unificadores.

Estes trazem à toma a síntese mediadora de diversificadas valorações sócio-culturais.

Do mesmo modo, deve-«e configurar a idéia de um sistema jurídico constitucional

teleologicamente ordenado em tomo dos princípios superiores da Constituição.

Neste caminho, a identificação da estrutura constitucional brasileira,

vista em correlação com a realidade cultural, social e política de nosso século, leva a

quatro princípios estruturais valorativamente "superiores", consagradores dos direitos

à liberdade, à igualdade, à vida e à dignidade humana. Trata-se de valorações

consagradas em termos normativos, as quais, por sua potencialidade diretriz para o

resto da Constituição, configuram-se como princípios superiores.

Tais valorações principiológicas encontram, pois, sede normativa

constitucional. São elas, assim, dotadas - para além da imperatividade normativa

estatal - de supremacia intrínseca e extrínseca quanto à Constituição.

Intrinsecamente, impõem-se como referenciais intepretativos da ordenação

constitucional interna. Extrinsecamente, referenciam a imposição externa da

Constituição sobre o Direito e a sociedade. Para garantia desta imposição extrínseca,

serve-se o sistema constitucional dos mecanismos de controle da constitucianalidade.

Por fim, a concretização dos dispositivos constitucionais (cujo

dimensonamenlo sistemático é, pois, axio-teleológico) passa por um dinâmico

raciocínio intapretativo que esteja acorde às conexões intrínsecas da Constituição,

formando, assim, a base de uma interpretação constitucional sistemática.

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RESUMEN

Para que pueda ser pensado en todas sos conexiones, el Derecho debe ser

«ícarado cano un sistema (sobretodo normativo, jurisprudoicial y doctrinario)

teleologicamsrte ordenado en función de sos principios unificadores. Éstos traen a la

luz la síntesis mediadora de diversificadas valoraciones socioculturales. Del mismo

modo, se debe configurar la idea de un sistema jurídico constitucional

teleologicamente ordenado en tomo de los princípios superiores de la Constitución.

En este camino, la identificación de Ia estructura constitucional brasflena,

vista ctl correlación oon la realidad cultural, social y política de nuestro sigjo, lleva a

cuatro principios estructurales valorativaxnente "superiores". consagradores de los

derechos a la libertad, a la igualdad, a la vida y a Ia dignidad humana. Se trata de

valoraciones con-sagradas en términos normativos, las cuales, por su potencialidad

directriz para el resto de la Constitución, se configuraa corno princípios superiores.

Tales valoraciones principiológicas encuentran, pues, sede nonnativa consti­

tucional. Son ellas dotadas «xtonces (más allá de la imperatividad normativa estatal)

de supremacia intrínseca y extrínseca oon respecto a la ConstituciótL Intrinsecamente,

se im-ponen como refèrenciales interpretativos de la ordenación ronstitocional

interna; extrin-secamente, dan referencia a ia imposición externa de Ia Constitución

sobre el Derecho y la sociedad. Para garantia de esta imposición extrínseca, d

sistema constitucional se sirve de los mecanismos de controi de la constitucionalidad.

Finalmente, la ooncrctización de los dispositivos constitucionales (cuyo

dimensio-namienlo sistemático es, pues, axio-teleológico) pasa por un dinâmico

raciocinio inter-pretativo que debe estar conforme a las conexkxues intrínsecas de la

Constitución, formando así la base de una irrterpretación constitucional sistemática.

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ABSTRACT

In order to achieve a comprehensive understanding of Right, we must

approach it in all its connections as a normative, jurisprudential and doctrinary

system which is theologically ordered according to its own unifying principles.

These bring into sight the mediative synthesis o f diverse social and cultural

valuations. Likewise, we must think of a constitutional-juridical system that is

ideologically ordered around the superior principles of the Constitution.

Thus, the identification o f the Brazilian constitutional structure - seen in light

o f the cultural, social and political reality o f the current century - leads to four

supreme structural principles which consecrate the rights to life, liberty, equality and

human dignity. These are consecrated valuations in normative terms because of their

potentiality to act as guidelines, and configured as higher principles to the rest o f the

Constitution.

Such valuations of principles find support in the constitutional normative

field. They hold intrinsic and extrinsic supremacy in relation to the Constitution,

beyond the state’s normative imp&ativity. Intrinsically, they are imposed as

interpretive references to the internal constitutional ordinance. Extrinsicatty, they

relate to the external imposition o f the Constitution upon Right and society, in order

to ensure this extrinsical imposition, the constitutional system uses the control

mechanisms of constitutionality.

Finally, the concretization o f the constitutional devices - the systematic

dimensionality of which is axiological and teleological - passes through a dynamic

interpretive thought that is in accordance to the Constitution’s intrinsical connections,

providing the base for a systematic constitutional interpretation.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 01

1.1 - Coosidffações Preliminares 01

1.2 - Preliminares Históricas e Teóricas 04

1.3 - Roteiro Geral 11

2. OS PRESSUPOSTOS DO SISTEMA JURÍDICO NO

PENSAMENTO DE CANÀRIS 13

2.1 - A Adoção do Pensamento de Canaris como Referencial 13

2.2 - Os Pressupostos Sistemáticos de Canaris 15

2.3 - Para uma Idéia de Sistema Jurídico 18

2.4 - Desenvolvimento da Idéia de Sistema: Ordenação e Unidade 23

2.5 - Os Princípios no Sistema Jurídico 26

2.6 - Abertura e Dinamicidade no Sistema Jurídico 29

3. PRINCÍPIOS E VALORAÇÕES NO SISTEMA

CONSTITUCIONAL 36

3.1- Seleções Axiológicas Jurídico-Constitucionais 36

3.2 - Os Valores Superiores 39

3.3 - Princípios: Valorações e Noimatividade 42

3.4 - Os Valores Superiores na Constituição Federal Brasileira 45

4. A NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL 54

4.1 - A Força Nonnativo-Valorativa da Constituição 55

4.2 - As Normas Constitucionais 58

4.3 - Classificação Eficacial e Qualificação das Normas

Constitucionais 61

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5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 68

5 .1 -0 Conírole sob a Dimensão Prática 71

5.2 - Controle e Sistmiaticidarie Jurídica 75

6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL SISTEMÁTICA 79

6 .1 - A Interpretação Jurídica 81

6.2 - A Interpretação Constitucional 84

6.3 - A Interpretação Sistemática 88

6.4 - A Interpretação Constitucional Sistemática 92

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 99

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 106

8.1-Bibliografia Gorai 107

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i. intro duçAo

1.1 - Considerações Preliminares

Esta dissertação é fruto de um contexto geral de amadurecimentos

pessoais e amadurecimentos de idéias. No plano pessoal, trata-se do registro de uma

positiva transformação da qualidade de um recém bacharel em Direito, que avançou,

com o ingresso e estudo no CPGDAJFSC, na direção do 'pensar o Direito’. No plano

das idéias (que também não deixa de sei pessoal), trata-se de um contexto de

desenvolvimento de idéias jurídicas que através dos estados foram conduzindo ás

conclusões adiante expostas.

Naturalmente, tem-se nítidos os limites de alcance desta dissertação.

Seus horizontes como doutrina constitucional são ainda preliminares, suas pretensões

como teoria constitucional são incipientes. O que, aliás, bem pode se esperar de um

trabalho dissertativo a nível de mestrado: é mais um primeiro marco investigativo do

que uma 'revolução criativa'. Desde fatores referentes ao torço limitado disponível

para a pesquisa e redação até a própria inexperiência no pesquisar são elementos que

dificultam um alargamaito dos horizontes possíveis.

Não obstante isso, a abordagem de tal problemática (o sistema

constitucional) , mesmo que numa dissertação em vez de uma obra maior, justifica-

se. Justificativa que começa pelo já detectado fato - por Bonavides (*) - de emoontrar-

se praticamente ausente do universo teórico oonstitucional abordagens desta

problemática. Segue pelo fato de que a constitucional idade deve ser entendida e

reforçada sob o prisma material (no que as dimensões axiológicas adiante

(* ) No aeaCunodeDtreltoConttttuckmaktmaptüúo dedicado ao problema, p. 76.

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desenvolvidas auxiliam), sob pena de lacunosa e debilitada ficar a efetividade

constitucional. E culmina com o feto de que pensar um sistema constitucional

enquanto amálgama valorativo do ordenamento jurídico como um todo é apostar forte

nas possibilidades de radicalização dos intuitos democráticos da sociedade brasileira,

pois a democracia deve ser compreendida sobretudo como um processo em que os

universos referenciais da sociedade aproximam-se da idéia de consenso - ou ao menos

consentimento - valorativo por parte dos ateses sociais.

A questão da efetiva aplicação constitucional (especialmente no que

tange aos ditames valorativo-democrátioos e aos direitos fundamentais) cresce em

importância ao final do presente século, em que tão em voga estão as diversas linhas

do pós-modernismo. Em verdade, os nihilismos pós-modemos, que atingem o

Direito, são reflexos do contexto sócio-político mundial, em que há uma tendência de

transnacionalização (irreversível?) das esferas decisórias, uma tecnologização dos

processos produtivos da economia (*) e o perigo de um enfraquecimento das

garantias constitucionais dos cidadãos. A questão fundamental em relação a tais

fitares refere-se à preocupação em fàzer da Constituição de um país um continuativo

instrumento da cidadania, um sustentáculo das possibilidades de se persistir

pensando em democracia.

Assim soido, pode-se vislumbrar esta dissertação como uma tentativa -

modesta - de contribuir para o progresso do constitucionalismo brasileiro na

consolidação da materialidade da nossa Constituição Federal. Quiçá se possa, a

médio prazo, vislumbrar os operadores jurídicos imbuídos do intuito de

(* ) C^nriiutore&SDX sociais, posDftoéaocHiçBiiiada de um redónenknameoto da idéia de trabalho,

de uma redhcus&o do pq>d do homem no processo produtivo e doe parâmetros de dntribmçio das liqoezas

geradas, resultando, esÉre ootra cotias, em iutes codas de desenfRgp.

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operacionalizar, de modo sério, as diretrizes principiológicas (*) da Lei Maior, quiçá

se possa poisar o Direito com uma preocupação valorativa e teleológica resguardada

no mais forte arcabouço de garantia da democracia social: as diretrizes

constitucionais. Este trabalho pretende dar, pois, um pequeno auxilio àqueles que

oom tais questões se preocupam.

A abordagem aqui feita procura conjugar a realidade social (subjacente

aos problemas jurídicos) com a 'atuação' interpretativa do Direito (especialmente no

que concerne á esfera constitucional); atenta, porém, ás dimensões normativo-

valorativas da Constituição. E o fia firmando suas âncoras em três eixos de

preocupações, a preocupação filosófica, fulcarada nos pressupostos sistemáticos; a

preocupação hermenêutica, direcionada para o constitucional, e a preocupação com o

Direito Constitucional e sua intrínseca valoratividade.

É forte, então, a marca da valoratividade para o Direito na presente

abordagem - seja por ser tal fator meraite a qualquer atividade humana; seja pelo fato

de que, constituindo-se o objeto Constituição corno nuclearmente valorativo (como

adiante será visto), impossível seria fazer-se uma leitura asséptica deste.

Por outra parte, funda-se o desenvolvimento do trabalho (que pode ser

delineado na esteira da teoria constitucional) na pesquisa bibliográfica. Utilizou-se

(*2 ) A express&o 'diretrizes jrinapiològíca* tem sota dwertaçfto dupk> sentido. For ma lado, landta a

foça de comando nmoíógico que o* (an ezpeáal oe oomâncioiiB) eszxcan sobre o restante do

Direito. Por outro, lemde à dramstâná* de que fai prmdpio« que exercem (mrwno sobre outro« prindpx»)

oamimdor axíològicoe preferenciai«; nrufifamente, ocsjforme o expooto ao terceiro cspttolo, oom foça

mfcrimii de «xiológicm, o« princípio* (e coroláríoe SQbprindpk») de ccnsBgraçfto da Hberdade, da

gpakbde^davidaedipiidade&nnniaL

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basicamente duas de Direito Constitucional, às quais se agregaram principalmente

obras de Filosofia e Teoria do Direito, além da obra referência (Pensamento

Sistemático...) - enquadrável como obra de Filosofia do Direito. Devido ao tema

desenvolvido, interessante seda que se fizesse uma pesquisa e análise

jurisprudenciais. Isto, porém, mostrou-se inviável no tsnpo de que se dispunha para

concluir a dissertação. Assim soido, marcou-se forte o trabalho de pesquisa

bibliográfica, essencial na arquitetura teórica do tema.

1.2 - Preliminares Históricas e Teóricas

Nosso país tem vivido, desde a edição da Carta Constitucional de 88,

um dos mais intensos e ricos períodos políticos de sua história. Foi um período de

pouco mus de seis anos em que se teve duas eleições presidenciais pluralistas e de

amplo atingimento eleitoral; houve um processo de ’impeachmmF - procedimento

político raro, de memorável força democrática (não obstante algumas distorções

verificáveis, reputáveis a oportunismos políticos); além de amplas e formalmente

irrestritas eleições parlamentares. Com certeza, este foi um período em que se pôde

ver emergindo as bases formais da idéia de democratização política da sociedade

brasileira (que é um passo para atingir-se a consolidação da democracia(*)).

(* ) Segundo o Dkknário JarkKco da Academia Bnaflrira de Letra Jurídicas (ABU). a democracia é o

"fovemo ou Estado assomado no« principio« d» Rwrdade • jfuaidade, • «m que a soberania 4 «Kerckh

peio povo”. Nlo obntarif a M h de clareza a iapdto de noções como governo, Estado e soberania, podMe

obeervar algo de fundamental nesta defimçào sopra exposta - a ánperativkbde das idéias de igualdade e

libenhdeAedsanKate sobre estes dos pólos poittko-filoBófícoa tem ndo a dnputa de oorratfes políticas ms

dois úBanoBstodos.mespedaL A igualdade enácaiSdaooroo base pwa a sociedade segundo a Mica sodaKsta

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No plano sócio-econômico, porém, não foi possível verificar em tal

período nenhum significativo avanço global, limitando-se os eventuais progressos a

atuações regionais do Poda Público. Continua nosso país com praticamente os

mesmos problemas educacionais (salientando-se a questão do analfabetismo), talvez

até agravados - basta poisar no sucateamento do ensino oniversitário federal; os

problemas referentes à saúde pública intensificaram-se; e os problemas de

desemprego, sub-emprego e subnutrição não tiveram alterações positivas ou

negativas relevantes. E, saliente-se, o atual governo (com propostas de nítido corte

neoliberal) não acena com cores diferentes para um tal quadro.

Quanto ao problema alimentar, houve recentemente uma badalada

campanha de combate á fome (idéia já presente nas intenções de governo do

candidato a Presidente denotado no segundo turno das eleições de 1989), que no

entanto - por s& levada a cabo sem maiores intervenções que a acompanhassem, no

intuito de resultar em melhoras sociais perenes - mais serviu como parâmetro de

acomodação popular, atenuando a miserabilidade alimentar. O feto, no entanto, é que

não são, de modo satisfatório, apontados institucionahnente caminhos para a solução

dos disparates sociais vividos por grande parte de nossa população.

Tenha-se claro que muitos são os dispositivos legais que se dirigem a

esses problemas sociais. Vale referir, como singelo exemplo, a inversão de ângulo

prcmitida pelo Código de Defesa do Consumidor (embora muitas frações sociais nem

concara» com a Uberdade entendida como base segando a ótica capitafota (ctgo» dck* histórico* fiz com qoe,

em ilgumu nuances, ganhasse articolaçio liberal).

HodicmamesÉc, porém, a tmdfncia é pela oopyrgayin destes dois póks, mma

Wrfi-rafwKiiyKfi mnAiTCTÉf - wn tg f, ma mmm - k ifcmnr.rneia mtúerinL Ifrna idèia de democracia em qne aog

seres humanos forae concedida a pomg)flitaç*o material de enrcer sua Uberdade, à medida qpe se lhes

ign»lrimHr mm num rrm itig lt* «Ario-ereinflmir*« hàÊ in*.

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possam ser exatamente qualificadas como ’consumidoras1); vale referir algumas

preocupações - e até propostas - parlamentares; e vale referir, acima de tudo, as

diretrizes valarativas consagradas em nossa Constituição (*1), pelo seu potencial

alcance democrático (*2).

Para nós, juristas, o que se antepõe, então, é um conjunto tríplice de

desafios. Por um lado, desafio a ter consciência de nossa posição de cidadãos

socialmente privilegiados, ocupando um espaço na sociedade que nos impõe uma

necessária responsabilidade pelo contexto em que atoamos. Por outro lado, desafio de

buscarmos fazer com que os mecanismos jurídicos de atuação judiciária sejam ágeis e

democráticos, que facilitem o acesso dos 'excluídos' à proteção jurídica. Por fim,

desafio de trabalhar para que os dispositivos legais existentes sejam aplicados

efetivamente, especialmente os dispositivos constitucionais, e mais ainda as

disposições da Constituição atinentes à problemática sociaL

Não é permissível, assim, fechar os olhos perante tais desafios, nem é

cabível agir como tecnocratas, alheios às conjunções sociais de nossas atividades

profissionais. Cada indivíduo, para que se possa consubstanciar como cidadão, há de

ter claro o dever de responsabilidade sócio-profissional que lhe é inerente. A

cidadania, ou é uma plêiade de direitos e deveres (responsabilidades sociais) ou não é

(*1) A Ccostituiçlo t aqui entendida um ooqjmto norm ativo f axiologicam ente prevalente, / regulador

supremo / das ooodutas pòbbca* e privada em «ma sociedade, Isto i feáo sob a fôrma escrita, e lhe é

característica a rigidez («fificü «artahflidadc de mas normas). SKo rercwheridoe os direito« fimrtwnrrttais e a

divis&o e regulaç&o dos Poderes Públicos como inerentes ao seu corieódo.

(*2) Obvianttrtf, a danaoCTBCM-meBQ» qoenm plano tfndcnrialmrrte aobetandal -pto representa, por si

sò, ama soloçlo estrutural pera o> probkmas que perpassam a realidade de norao pais. No aiaoto, t um ponto

de partida fimdamexÉal, m pilar de mistrrtaglo a ser consolidado- £ tal cansobdaçfto dimensiona-se sob a

perspectiva da parikipaçKo popular no eurckio (movimesÉoe sociais) e controle do poder estatal.

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cidadania (*1).

No bojo dos desafios que se impõem aos compromissos cidadãos

daqueles que lidamos profissionalmente com o Direito (*2), encontra-se, pois, a

busca pela radicalização aplicativa dos dispositivos legais e constitucionais

atinentes às referidas questões sociais. E o fulcro da questão dirige-se à efetivação

dos ditames constitucionais (*3).

(*1) Segundo a ABLJ (Dicionário JnrkSco), * csthdmia é a "condição da cidadão, quanto ao gosto do»

drwto* civis e pofcica» wwgurado» p«k> Estado”. Este oonoeho de cidadania b m ím c em dois parâmetros

impcrtaiács para o oficio partfcipgtòrio do individno na sociedade: aens direito« civis e poUtxxx. M a n lo iz

muito sobre oe preBaupoetoe pera o exercfcío desses direitos: as condições sócáo-coltiinu» do individDO.

Entende-se aqui a cidarimáa sob do» prismas oompfcmentgeg no pn m das garantias

juridioo-farmais doe direitos de cãdadami; e no prisma de poadbãítaçfto de condições matrriw» para o exerckio

doa direitos (dvi* e poUtinoaX pela e&tinçto das sobreditas ganutias. Ser cidadlo, portanto, pnsqiòe

atar mcluido na sociedade de um modo efetivo, para oomcicrtwoente poder eraatar seus éntos. Mas

implica, wn HMpnwMhÜMfaifa sopans. Snhre irtn, fAmai mitiga JuaSpa (a racitmnhiimitt antrinl m n

Direito), in Alter Ágora - Revista do Curso de Direito da UFSC, n° 2.

(*2) O Direito é entendido aqui, tendo-se como referência a finmiHo instítockruü, como o complexo de

normas e princípios jurídicos reguladores da vida em sociedade. Abrange, como seus elementos operacionais

a jurispradfencia, 0« cnrtnmnt, oe principio« gerais do Direito (ptipriptos éticos snprayoaitivo«) e a dewtrma.

Há de se observar, para efeitoe desta dissertação, que a defnriç&o do Direito nio o iderttfk» com a

nonnatividade. Esta, de fato, é o fulcro do Direito, mas nfto sua trtalidarie, Ainda: mesmo a base normativa do

Direito nlo é asséptica, mu sim marcada pela vaksatividade intrinseca.

Por fim, registre-se a possibilidade de uma perspectiva diversa (nfto necessariamente antagônica; até

mesmo sosnatóriaX de pbvaltsmo, que trabalharia com as micro-ooBÉCTtnalidafa jurídicas, aAnítindo na idéia

oooceitua] do Diráto as mkxo-regulaçOes sociais, mfonnais e * no mais das vezes - fora do piano intitucknal

do Estado.

(*3) A expressfto '«Wfmp» «fflstitodonaB’ indica o coqjunto de critérios aziok>gkx* dominantes no texto

constitucional, racknalizadoe normatiy naaÉe (prcvisftes normativas cm jrindpk» e zubpríndpios) 0«

rfin«M»feirpw« nto«|»rt«limmnÉf

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Parte-se, pois, de que a Constituição de um pais que se pretenda

democrático é o corne da organização política da vida em sociedade, reunindo os

fundamentos (valores legitimantes dos Poderes Públicos) basilares de convivência

social - tanto no plano da 'sociedade cMT quanto no plano da 1sociedade

políticd (*1) - caracterizadores de um "Estado Democrático-Social de Direito" (e o

Brasil, na esteira política das foteacianalidades* institucionais, bem assim se

qualifica). Neste escopo, reúnem-se no texto constitucional os ditames valorativos

ordenadores da ordem de Direito e de Estado (*2) - vohar-se-á a tal ponto no terceiro

capítulo. Tais ditames podem ser, a grosso modo, caracterizados como princípios da

articulação social do país. Via de regra, os ditames constitucionais básicos revelam

as diretrizes fundamentais de toda a legislação a ser editada (e censuram ou ratificam

a legislação já existente), de todos os atos normativos (*3) a serem editados, de toda

(*1) A respeito de tais categorias teóricas, vale a ramssio ao Kvro Oramsci e o Bloco Histórica, de

Hugpes Portefii.

(*2) O Estado, segundo o Dicionário Juridico de ABLJ, é a "instituição & qual cabe manter a organização

poRtica de um povo e assegurar o bem comum, por intermédio, inclusive, do monopófio da coerção e da

jurisdição sobre o respectivo território". De pode-se dizer qoe até nonoe dias o Estado (moderno)

caracterizou-se oomo uma ooncentraçfto interativa de poder, tanto do qoe respeita ao chamado ’monopòl» da

força' qaaiÊD a filares de nodearizaçfto das atoaç&s e trocas poHtkas.

Vislumbra-se, no «*■*> , nhuriim«*», ame dnpcrs&o do poder. As superestruturas de m egrapoD

imrmantKtam ■lipprywAm à mfhrmrtizafln m mMM dna sefatw «nprewriaM de pnrtm, além de articulações

mfonnats ou marginais de setores das comunidades (especialmente nas grandes e médias cidades), têm tonado

as articulações de poder mm difiwas. De modo qoe o Estado, oomo mtitní̂ o pública de poder, já nSo se

apresenta, (ao menoo em terme* perspectivo«) como um nódeo total, mas mais camo um referencial em torno do

qual se articulam várias frentes difusas e dfrenas de poder. Por óbvio, porém, qoe t e ao* (pelo que se r t ) o

higar privüegiado de atoaçfcs e trocas poHtkas; nlo mais, ao entanto, seu nódeo abeoiuto e

mrspngpáveJL

(*2) ScymdooDicionério JurkKoo da ABLJ, o ato nonnativoé um "instngtventD de natureza lepj.

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a interpretação e aplicação jurídica a soem levadas a cabo. Vê-se, desde já, a

importância da constitucionalidade (em sentido lato) para a sociedade como um todo,

e para os juristas qae se pretendam cidadãos em particular.

Ressalta, no entanto, que muitos fatores enfraquecem a efetividade

aplicativa dos ditames constitucionais, pois nem sempre se leva em consideração os

imperativos axiológicos ditados pela Constituição. Pode-se referir, a título de

exemplo, os interesses econômicos que têm emperrado a aplicação do artigo 192,

§ 3° da Constituição Federal, que prevê juros máximos de 12 % ao ano (*1).

Assim sendo, dentre os desafios que se nos impõem, a luta pela

efetivação máxima constitucional - que pode ser nominada ccxmo luta pela

imperatividade fãtica constitucional - tem força ímpar. A máxima ampliação

aplicativa de ditames referentes, par exemplo, á "dignidade humana", à "igualdade

social”, á "livre expressão", á "liberdade", tende a indicar passos fortes no sentido da

solução - ou ao moios atenuação - dos problemas sociais antes referidos.

A questão da constitucional idade (*2) e da 'constitucionalização’ das

ações políticas e normativas, e mesmo das condutas da esfera privada, é o parâmetro

«fitado peto Podar Exocutívo" - ou, acracente-se, pekt outro« Poderes nos seu exerdckw aAnimstrsírvoe -

"para regulamentar ou «Kpficitar uma M, decreto, portaria, refutemento, wpiwnte, instrução «te*. £

adotada aqui, no entanto, wma idéia de ato normativo em sentido ançJa, ábraçendo desde as leis (ordinárias,

Minpl«wrtiu«i, federais etc), medidas provisórias, as próprias Constituições gté oe atos noemstm»

propriamente dito« (em sentido estritoX noa termos adma opoctoe.

(*1) A efetivação ocnrfiiiKknalé.amda.irdkmnar. Há espaço« lacunares entre a Constituição apbcandae

aConstiti: nção aplicada. Anma de todo, há carénda de glohalidndc na efetivação da La Maior.

(*2) A sipnfica o caráter daquilo qae é oonstitncionaL Qualificação dos «toe

nonnativoe conformes ao texto ccaetitoexagL O jaizo de comtitiKionalidade t, no fhndgnfntal, am jalzo sobre

a Mfatpfãn vakrstiva e procedimental existente (oo não) crire o« atos normativo« em geral e o ooqpmto

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que se deve antepor as preocupações jurídicas. E é a partir e em função disto que gira

a presente dissertação: busca traçar diretrizes de leitura' do texto constitucional que

permitam visualizar os seus mais fortes nexos axiológieos.

É possível se fàlar na Constituição - ou nos valores traduzidos

constitucionalmente - como o grande e inexpugnável pressuposto da ordem jurídica.

Mais. representaria uma forma de "direito sobre o direito", na feliz expressão de

Ferrajoli. Ou seja, representaria ela - Constituição - a sede dos vínculos e limites de

conteúdo de todo o direito positivo de um país, o núcleo dos modelos axiológieos

para o direito positivado. Bem afirma Ferrajoli que

"o 'dever ser* do direito positivo, ou seja, suas condições de

Validade', resulta positivado por um sistema de regras que

disciplinam as próprias opções através das quais o direito vem

pensado e projetado, mediante o estabelecimento dos valores

ético-polítieos - igualdade, dignidade das pessoas, direitos

fundamentais" (1).

Partindo-se disso, emerge a circunstância de ser a funcionalidade do

Direito - que, afirma-se desde já, não é completa nem perfeita - calcada sobretudo nos

critérios de concretização provenientes da interpretação jurídica. Sendo o Direito

como um todo (cujo núcleo, não há como negar, é normativo) dominável pelos

referidos "modelos axiológieos", e soido a Constituição o amálgama do Direito por

ser sede de tais modelos, ten-se conseqüentemente de concluir ser a interpretação

constitucional o ponto de partida (referencial) de toda a interpretação jurídica.

A idéia de sistema constitucional legitima-se, então, sob alguns fatores

(1) Luígi FERRAJOLI O Direito Como Sútema de Oaranüas, p. 63.

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práticos. Primeiro, serve para sedimentar a importância dos Valeres prevalentes' no

conjunto da Constituição. Depois, sove como instrumento de justificativa do

raciocínio interpretativo do jurista. Por fim, nos moldes que adiante soão

desdobrados, sendo baseada de modo abato, dinâmico, nas dimensões axiológicas e

teleoiógicas do texto constitucional, pode servir de núcleo operacional axiológico

para toda a interpretação jurídica.

13 - Roteiro Geral

O desenvolvimento desta dissertação começa situando a problemática

do sistema constitucional no contexto da sociedade brasileira, registrando a

importância da Constituição e da canstitacionalidade para a tentativa de construção

de uma efetiva democracia em nosso país. Ademais, registra a motivação da escolha

da obra referência frente à idéia de sistematicidade constitucional.

Em seguida, no segundo capítulo, registram-se as principais

características da idéia sistemática axiológica e teleológica de Claus-Wilhfihn

Canaris, pontuando aqueles que serão os pressupostos da idéia mais específica de

sistema constitucional.

O terceiro capítulo é dedicado à análise da valoratividade

constitucional (brasileira, em específico) e aos princípios que lhe servem de

amálgama. Culmina com uma análise dos mais significativos princípios

constitucionais brasileiros.

Na seqüência (quarto capítulo), fez-se um registro dos pressupostos

normativos constitucionais, quanto aos aspectos funcionais e quanto aos aspectos

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No capítulo cinco, desenvolvem-se algumas reflexões a respeito da

questão do controle de constitucional idade, e de soa importância para a axiologia (*)

do sistema constitucional. Para tanto, passa-se por um registro dos parâmetros

dogmático-normativos do controle no Brasil.

Então, culmina o trabalho com a abordagem da interpretação adequada

para a Constituição. Para tanto, passa-se pela interpretação jurídica em geral, pela

interpretação constitucional em gorai, até chegar à interpretação constitucional (*)

sistemática doravante defendida - axiológica, principiológica, teleológica.

Por fim, nas considerações finais, traz-se à luz as conclusões do

trabalho aqui desenvolvido; conclusões de cota forma presentes - de modo difuso -

no próprio corpo da dissertação.

(* ) Segundo o Dicionário Jurkbco da ABLJ, a axiologia é "uma teoria critica dos valores". Pode, ainda,

ser definida filosoficamente conx> o estado de alguma espécie de valor, nxxmarfe oe valora morais. Para além

de tal instrunraáalidadc (o teimo como dtsignyJfco da área de estndoX pode-ae encarar a axiologia como %

razio por valores*, um modo de mâodmo através de valores. Mais» ainda; representaria a razio humana vista

wnpMrtnlggitwiMikalrav ̂de vlara*. faria, para o Dinàto, m. kSgk» jurirfk* entyigrto guiada por valoras (este

é o sentido bésico aqui empregado).

(* ) Ver o capftulo seis, nütnUdo Lctapretaçio Constitucional Sistemática.

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2. OS PRESSUPOSTOS DO SISTEMA JURÍDICO NO PENSAMENTO DE CANARIS

2.1 - A Adoção do Pensamento de Canaris como Referendai

Pensar um sistema jurídico não se traduz em tareia fãcil. Primeiro,

porque há quem negue a possibilidade da idéia de sistema para o Direito (não sem

alguma razão). E, também, porque a idéia dé sistema jurídico não é unívoca.

Quanto ao primeiro aspecto, tem-se o refutamenio da idéia de sistema

para o Direito especialmente por linhas 'arítico-progressistas' do pensamento jurídico.

Os discursos 'crítico-progressistas' refutam o engaiolamento dos fenômenos jurídicos

sob ditames lógicos absolutos, assim como refutam a 'mecanicidade' formal das

operações jurídico-iníerpretativas; e, ainda, negam que se possa abarcar o Direito

como uma estrutura sistemática completa e/ou pré-condicionada. Opõem a estes

caracteres, respectivamente, a dinamicidade sócio-jurídica, a vaiaratividade do ato de

julgar e a lacunosidade e imperfeição jurídicas.

Ora, tais críticas muito sumariamente expostas acima têm sua razão de

sor. Levando-se em consideração que as idéias de sistema que mais alcançaram

ressonância na história do Direito foram idéias herméticas e positivistas, há que se

endossar tais críticas.

Ten-se, porém, corno pressuposto deste trabalho, que é possível

encarar o Direito como um fenômeno lógico e ideológico (não apodítico); que é

possível encarar as operações jurídico-intespretativas como atuações axiológicas,

concretizadoras de um axiologismo mais forte (de um 'Estado Constitucional

Democrático'); que é possível admitir o Direito como um fenômeno dinâmico, de

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auto-renovação e renovação social; sem, com tudo isto, abrir mão da idéia de sistema

jurídico.

Com o avanço, ao fmal de nosso século, de novos dimensionamentos

das relações jurídicas e sociais, com fènômaios como a transnadonalização

concorrendo com o surgimento dos 'novos movimentos sociais', e a pluralidade

impondo-se ao racionalismo monologista, deve-se entender

"o Direito como sistema que tem de ser poisado como

caracteristicamente aberto e, pois, como potencialmente

contraditório, tanto normativa quanto axiologicamente, sem

prejuízo de dar cabo de sua mela de ordenação

'desde dentro'" (2).

De outra parte, a própria idéia de sistema jurídico é plural. Pode-se

encarar o Direito sistematicamente sob um prisma meramente lógico-formal, sob um

prisma meramente conceituai, sob um prisma positivista estreito (literal). Ou pode-se

fezer uma, opção mais anojada (embora mais arriscada e até mais difícil), e encarar o

Direito como um fenômeno sistematizável axiológica e teleologicamente.

Pressupõe-se a última opção como aquela que mais se aproxima da captação

das dimensões subjacentes ao universo jurídico, e a única capaz de consolidar

satisfatoriamente a idéia de sistema constitucional, fazendo até mesmo uso,

circunstancialmente, de ditames operacionais das outras opções sistematizadoras.

Seus horizontes, porém, seriam extensos, pois articular-se-ia em tomo dos valores e

intenções/finalidades consagrados positivamente, para ressaltá-los como

(2) Juarez FREITAS. IntsrpretaçOo Satemáüca do Direito em Face dajAnünomiajNormatívaj, Axiológicas

ePrincipiológkxu (tew 4e éeotonmaloX P- 20.

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o profundo arcabouço de legitimação (legitimação relativa, pois não há que se passar

ao largo das estratificações sociais ínsitas à estrutura sócio-econômica de nosso pais)

e articulação da sociedade, enquanto sociedade que se pretenda socialmente

democrática, e juridicamente tendente à justiça.

Sendo a Constituição a sede fimdamental dos valores e

intenções/finalidades basilares do Direito, o passo ess&cial para o dimensionamento

do sistema jurídico (numa tal perspectiva) é poisar a viabilidade de um sistema

constitucional.

Nessa dimensão, o pensamento sistemático de Canaris representa

exatamente uma possibilidade inspiradora de uma tal esteira sistemática axiológica

(os valores) e teleológica (as intenções/final idades) da Constituição de nosso pais.

Seus pressupostos principais podem perfeitamente servir como ancoragem de

critérios da sistematicidade constitucional possível.

Naturalmente, porém, sendo a presente dissertação voltada para a

questão constitucional, não há como se desenvolver aqui uma análise exaustiva do

pensamento de tal autor. O que resta é pontuar (como pressupostos da idéia de

sistema jurídico, e por extensão da idéia de sistema constitucional) as principais

características da sistanalicidade que de propõe, extraíveis de seu livro Pensamento

Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito.

12 - Os Pressupostos Sistemáticos de Canaris

Canaris (*) principia apontando vários tipos de pensamentos

(*) C3s»»Wilheini Canaris, autor referendai qosÉo moe poetoladoe fikaófico-juridkx» adcAadoe aqui

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sistemáticos para o Direito, os quais, segundo ele, não se mostrariam suficientes para

responder aos anseios desejáveis de unidade e ordenação (que adiante serão

estudados). Será feita agora una breve referência a alguns de tais pensamentos

jusfilosófícos (*).

Refuta Canaris os 'sistemas de puros conceitos fundamentais', ou seja,

aqueles baseados em categorias meramente formais. Seriam sistemas generalistas -

pelo que seriam aplicáveis a qualquer ordem jurídica - e fòrmalistas - pelo que

seriem distantes da problemática material, real, que perpassa as sociedades

historicamente determinadas.

Basta pensar, por exemplo, nos conceitos fundamentais do Direito

Poial: a estrutura conceituai "finalista" é utilizada em diversas ordens jurídicas de

diversos países. E, por outro aspecto, sem conceitos formais’ são abstrações que se

sobrepõe à realidade, mas com ela não se confundem. A unidade valorativa, porém,

conecta-se com a realidade, especialmente porque os valores consagrados (numa

adaptação ao Direito Constitucional), positivamente podem ser entendidos como um

extrato mínimo aceitável das intencionalidades sociais.

Nomeia Canaris como insertos em tal perspectiva 'conceituai ista'

autores como Stammler, Kelssi e Nawiaski.

é nkxnfto, msddo no mo de 1937. Dõdpulo de Kari Larenz, jmbKcoo dfoerns obra sobre Direho,

bwacwnfrte sobre wnnhw cm que prepondera, como objeto principal de má&se, o T)ireüo Privado'

(Pnvatrectí).

(* ) Para uma anélãe (na mesma e*tór* de Canaris) de noçfcs equivocas sobre a idéia de sistema jurídico,

por deScienteg cc ingufiãenÉea. vale a renngs&o à jA citada teae de doutoramento de Joarez Freitas, pp. 20-24.

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A idéia de um sistema jurídico lópico-formal1. concebido a partir das

regras aptas às ciências naturais, e ancorado na tradição positivista clássica, seria

também inapta ao intento sistemático jurídico moderno. Significaria da a perspectiva

de concaíenação das proposições jurídicas de modo a formar um sistema de regras

logicamente daro, livre de contradições e lacunosidades; por outros tomos, um

sistema pelo qual todos os fatos pudessem se submeter diretamente a uma de suas

normas.

Ora, modernamente resta daro que a vagueza e a ambigüidade de

cotos dispositivos legais, a contradição (não solucionável diretamente) que por vezes

ocorre entre eles, e as lacunosidades (quanto a regulações diretas) verificáveis no

ordenamento normativo, tomam a idéia da lógica formal insustentável como o cerne

de conexão do sistema jurídico.

Para a 'obtenção aplicativa’ do Direito, importa sobretudo a descoberta

(eleição valorativa) e a delimitação de premissas (mesmo para silogismos

formalmente apodíticos). Isto porque este operação defínitório-inlerpretatrva

(axioiógica e teleológica) determina o conteúdo a prevalecer para a solução do

problema jurídico que estiver em análise.

Enumera Canaris como filiados à perspectiva lógico-formal, na esteira

da 'jurisprudência dos conceitos’, autores como Weber,Wundt e Klug.

Opõe-se, ainda, à idéia de sistema jurídico como conexão de

problemas, sediada no pensamento de Salomon e Hippel, por exemplo.

Fundamentalmente, o Direito estaria vincado numa conexão de problemas e

respostas. Para Canaris, porém, o Direito articula-se sobretudo como solução de

problemas, não sendo os problemas mais do que questões isoladas, que em si

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carecem de sentido e unidade. Embora reconheça méritos e utilidade a tais

perspectivas, de propugna que a ciência jurídica deve organizar-se em tomo da

elaboração das soluções dos problemas, e isso em unidade de sentido conformada à

unidade interior e à adequação valorativa da ordem jurídica.

23 - Para uma Idéia de Sistema Jurídico

I - Uma das primeiras é mais essenciais tarefas de Canaris na obra em Ma

é a busca da formulação de um conceito fundamental de sistema (que de wfentiffca

como o conceito) e a identificação da tarefa que o sistema pode desempenhar na

ordem jurídica. Para tanto, parte da caracterização de Kant, na idéia de que o sistema

seria 'a unidade, sob uma idéia, de conhecimentos variados', um 'conjunto de

conhecimentos ordenados segundo princípios'. Elencando diversas definições de

sistema, Canaris aponta que duas características são constantes - direta ou

indiretamente, acrescente-se - dos autores que refere, as características de ordenação

e unidade.

II - Quanto à ordenação (*1), busca-se com ela a fundamentação de um

estado de coisas na realidade, com organização racional intrínseca. Quanto à

unidade (*2), almeja-se amarrar o conhecimento num feixe em tomo de princípios

(*1) Nos moldes de Canaris, a ordenação (ou ordenação sistemática) é «tendida como adequação

tDÉrinseo de uma ordem normativa para a realização de valona. Representa, pois, na esfera coostitudoaal,

acgnnd» a Mca aqui adotada, uma racionalização de intenrionaKdadf« t finalidade« do contexto jurídico

ranstitarional em fração de umatenrienrial realização doe valore« superiores da Comlitiiiçao.

(*2) Noe moldes de Canaris, a unidade representa a articulação de cocteódo prevaknte do Direào em tomo

de valores superiores, constitutivos do axÊeóào dos prindpios básicos do shtwna (ou subsistema) jurídica

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fundamentais, evitando sua dispersão. Poder-se-ia dizer, pois, que a idéia de

ordenação daria a dimensão aparente do sistema, sua fundamentação organizativo-

fmalística geral, enquanto que a unidade saia responsável pela articulação do

sistema, por seu direcionamento de sentido.

m - É de reconhecer a importância das idéias de ordem interior (adequação

valorativa) e unidade como elementos metodológioo-científioos. Vorifica-se haver um

freqüente recurso a estas duas dimensões na discussão jurídica. O que se faz correto,

pois, como bem coloca Canaris,

"o intérprete deve pressupor e entender o seu objeto como um

todo em si significativo, de existência assegurada” (3).

Para nossos fins, no entanto, deve-se ir mais fundo, mergulhando no

próprio objeto jurídico como tal, vislumbrando a estrutura «dica do Direito. E nisto,

emerge uma questão fundamental: 'ao que se destina a ordem Jurídica como ordem

social"?' (*).

A resposta, sem maiores meandros, dirige-se a um ponto fundamental,

com seus corolários lógicos: dirige-se à realização da justiça. Conseqüentemente,

pode-se afirmar a justiça como o amálgama ético-jurídico, como a ‘ratio1 essência do

OwtibKãonaliiiaie, remete às dimensBcs intrínseca e odrimecs da Lei Makr. os prindpk*, por um Udo,

dm*» base a sedrmenÉaçfto do «w*™ renrtHncMaal; e a raridade priocgadògica de todo o sistema juridko

concebida cm funçfto da onidade nÊrtrmrticaooratitockanaL

(*) Deve-se ter claro qoe a ardem Boáal impBcm em bem mais coisas do qpe a ordem jurídica. Agrega mb-

ordora de cunha econômico, moral, coMnraL Mas, ran h e«, entende-se que a sub-ordem juridk» é a que

pranche capaçoa mais detenranarini na ordenação social (nfo necessariamente em snacanstifaricHo).

(3) ClauB-Wilhdm CANARIS. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, p. 15.

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Direito, referência da ardeoação e unidade.

Tal afirmação, não conduz, porém, a que se prescinda da segurança

jurídica. Esta, que para Canaris é um valor suprema, melhor se realiza, segundo de,

exatamente na ordenação sistemático-valorativa. Afinal, a segurança jurídica

(somando-se ao princípio da justiça) também

"pressiona, em todas as suas manifetações - seja como

deferminabilidade e previsibilidade do Direito, como esta­

bilidade e continuidade da legislação e da jurisprudâicia ou

simplesmente como praticabilidade da aplicação do Direito -

para a formação de um sistema, pois todos esses postulados

podam ser muito melhor prosseguidos através de um Direito

adequadamente ordenado, dominado por uns poucos e alcan­

çáveis princípios, portanto um Direito ordenado em sistema, do

que por uma multiplicidade inabarcável de normas singulares

desconexas” (4).

Quanto à imprescindíbilidade da idéia de justiça, poderiam argumentar

os céticos: 'múltiplas são as concepções de justiça. Como poderia se falar em a justiça para o Direito?'. Reconhece-se que na perspectiva pluralista indispensável à

democracia material (objetivo almejado nos compromissos éticos com a cidadania)

não cabe a negação da plurivocidade da idéia de justiça.

Pode-se, no entanto, extrair dois fundamentais pressupostos que

permeiam a própria existência do direito como fenômeno ético-social - a justiça na

perspectiva clássica de 'tratar o igual de modo igual e o diferente de forma

(4) CANARIS. Ob. dt, p. 22.

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diferente, de acordo com a medida de sua difèrençd e, mais amplamente, a justiça

como distribuição social eqüânime dos benefícios coletivós (*).

O primeiro pressuposto bem adeqúa-se à ótica estrita do Direito,

constituindo para este o fundamento essencial de articulação de conhecimento e

dimensionamento de aplicabilidade. Articulação de conhecimento, explique-se,

porque o Direito - como fenômeno ético-social - deve compreender sua ontologia

(nonnatívidade, justiça e historicidade) e vislumbrar a concretude sobre a qual opera.

A partir disso, a aplicabilidade do Direito pode se dimensionar teleologicamente,

fundamentada e orientada no sentido 'igualizador1.

O segundo pressuposto - distributivista - funciona mais como

parâmetro geral de referência, posto que sua incidência atinge de modo amplo a

fundamentação ética da oxdem social e política como um todo. Sove este, porém,

como 'norte' do pressuposto anterior, nitidamente jurídico. Ou seja, sove como uma

refeência global dos ditames éticos 'igualizadores' (que devem povoar o universo

mais restritamente "jurídico’'), na medida em que estes somente podem realizar-se

efetivamente se atentos às concretudes de carências e necessidades sociais, pontos

nucleares da justiça na esteira distributivista.

(* ) O pregBupogto nadai de igualdade indica, sobretudo, a (fimensEo de ponto de partida - partida de

procedimento pam agir e avaliar rituaçôe*; parâmetro para tratamento* rimilam, Igualizantex’, e parâmetro

jnstãkador de tratamentos dispares, naqmlo que se poderia chmar 'desigoaldade iguafizadore’. Sobre o

«Btmto, ver Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, Conteúdo Jurídico do Principio da Igualdade.

O preampoeto complementar distributivista agrega-se ao anterior, dkneneknBDdo-se n*

perspectiva da Vfarignaldade igualizadora', acreaccotado-Ihe a nota da desigualdade distributivista social, pois

há hfnrficioe coU toí à medida que ae possa cmrrixr aHngmnmto igoalizador. De modo que a (fistribcúçfto

social fkr-se-ia atenta is necessidades coktivas envolvidas nos casoe concretos. Remeto a meu já referido artigo,

'Justiça (a racionalidade tocial e o D ireito)'.

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IV - Ora, nessa linha, as idéias de ardem interior (como adequação racional

valorativa, partindo do princípio geral de igualdade, frente ao solucionamenia de

problemas pelo Direito) e unidade da ardem jurídica (como unidade principiológica,

apta à fundamentar a ordenação) justificam-se como indispensáveis ás dimensões

ético-jurídicas, sediando-se na própria essência do Direito. São idéias tendentes á

máxima realização dos postulados jurídicos de igualdade (pela previsibilidade

gorada), e tratam de moldar a perspectiva geral do Direito às dimensões vaiorativas

constituintes do amálgama valorativo jurídico-social (unidade valorativa).

O que ressalta, então, é que a ordenação e a unidade, como nexos

valorativos, são conducentes lógicos à dimensão maior do sistema jurídico. São,

concomitaníemenle, pressupostos da estrutura da idéia de sistema, elementos de sua

funcionalidade, e só podem ser efetivadas dentro de uma tal perspectiva - sistemática.

É assim que o sistema se identifica com a idéia de Direito - como base

para a articulação do conjunto de valores jurídicos mais elevados. Vê-se, desde logo,

que o sistema jurídico (é o que bem demonstra Canaris) justifica-se e legitima-se

apenas se acorde às dimensões vaiorativas inerentes ao Direito (por mais que alguns

possam tentar fazer do Direito um universo de conhecimento asséptico). E tal

consonância pode lograr sucesso quando pensada e operackmalizada em uma visão

de conjunto que não aprisione a dinamicidade do próprio objeto Direito.

Com isso, bem cabe, como o ponto fulcral para as reflexões gerais da

composição teórica do sistema jurídico (como âncora da composição do sistema

constitucional), a afirmação de Canaris, de que o papel da idéia de sistema é

"ode traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade

interior da ordem jurídica" (5).

(5) CANARIS. Oh. áL, p. 23.

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2.4 - Desenvolvimento da Idéia de Sistema: Ordenação e Unidade

Ficou registrada a sedimentação do sistema jurídico como ordem

valorativa. Pode-se depreender, desde já, a perspectiva axiológica do sistema,

ancorada nas idéias de justiça e igualdade.

Mas há de se afirmar mais: o sistema jurídico dimensiona-se como

sistema axioiógico e teieológico. Teleologia conectada à valoratividade, pois,

segundo Canarís, deve ir além da mera conexão de meios ac» fins, atingindo a

perspectiva de realização de escopos e valores.

Pode-se Mar, então, na ordenação como adequação radonaüzadora

de valores. Racianaüzadora do Direito, num plano básico, e do próprio pensamento

sobre o Direito. Em verdade, para Canarís o pensamento jurídico somente justifica-se

como sistema sob a égide de cientificidade (*) - que expressamente não é

identificada com o ideal cientificista do positivismo, dentro de parâmetros racionais

de axioiogia e teleologia:

"a hipótese de que a adequação do pensamento jurídico-

axiológico ou teleológico seja demonstrável de modo racional

e que, com isso, se possa abarcar num sistema correspondente,

está suficientemente corroborada para poder ser utilizada

como premissa científica." (6).

Isso instnnnenla, por um lado a refutação da idéia de sistema sob um

prisma lógico-formal e, por outro, dá partida à perspectiva de um aberto sistema de

valores, valorações e intenções sócio-jurídicas.

(* ) Ver, íKopãÈo, Pensamenk) Sistemático... ,p. 72, nota 125.

(6) CANARISL Oh. dL, p. 74.

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Canaris, ao afirmar o sistema como axiológjco-teíeológico, o vincula

ao pressuposto da realização da justiça, partindo esta da formula’ de igualdade antes

aventada. Saliente-se, porém, que ele não afirma o teleologismo como um caminho

para uma justiça aprioristicamente e absolutamente existente (no que está correto, por

atenção à historicidade do objeto Direito).

Para de, o sistema deve passar inicialmente pela adequação formal,

pela delimitação formal de igualdade, sem, no entanto, satisfazer-se com is »,

devendo, então, mergulhar na determinação material das dimensões de sentido que

sejam ínsitas à ordem jurídica historicamente determinada. O pensamento teleológico

(com conexão à dimensão axiológica) deve,

"uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas

conseqüências até o fim, transpô-lo para casos comparáveis,

solucionar contradições com outros valores já legislados

e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos

valores" (7),

soido que o surgimento de tais novos valores tanto poderia decorrer da legislação

quanto da interpretação criativa.

Assim, fala-se no sistema como ordem teleológica, dirigida à

racionalização de valores em função de fins e intencionalidades do Direito. Tal,

porém, como bem se alertou, não pode ser dissociado da noção clara de que a

determinação de sentido valorativo é histórica, deslindando-se no transcorra da

trajetória polrtico-jurídica de cada sociedade.

Além do demento de ordenação/adequação valorativa, encontra-se a

24

(7) CANARIS. Ofe. dt,p. 75.

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idéia de direito baseada no elemento de unidade interior (*).

Ao falar-se em unidade interior, está-se atento ao fito de que o Direito,

como objeto da idéia de sistema jurídico, deve conectar-se intrinsecamente. A

conexão interna do ‘universo’ jurídico, e bem o afirma Canaris, funda-se em tomo de

valores, mesmo que o cone destes esteja contido em normas jurídicas. Porém, para

que tal enunciação não caia no espaço vago das indefinições, deve-se desde já frisar

que, sendo a idéia de unidade conducente aos postulados básicos constitutivos do

Direito, seu papel para o sistema Jurídico consiste em dirigir a multiplicidade

incontida, regente dos diversos tipos de casos, a uns poucos princípios gerais da

ordem jurídica. Afirma-se, então, que o sistema

"deixa-se, assim, definir como uma ordem axiológica ou

teleológica de princípios gerais de Direito, na qual o demento

de adequação valorativa se dirige mais à característica de ordem

teleológica e o da unidade interna à característica dos

princípios gerais." (8).

(* ) Marcelo Neves, por exemplo, fála também na idéia de unidade como demento foknl da

gístematícidade do ordenamento. Tal autor, porém, qoaiÉo à mtematiridade, rcdazrse à dmemio fõnnaL

FrtwnHfwln » ■rniiihA» famP ramr» r> fmtn A r nu» nan» pwtaiwr «n nrrfwMmfrtn im mgriiii» <p taJa «iA>

editada por autoridade do sistema, afirma a mádade do owfenamerto jmidico como aquela que "decorre da

vídcuIbç&o, direta ou indireta, de todas as normas do sistema ao núcleo normativo originário” (Teoria da

Inconiütucionalidade das Leis, p. 26).

Quanto atai vis&o, o pensamento de Neves traz dois fundamentais problemas: por um lado, trata

o ordenamento e o sátema corno ínna mesma eèmca coisa; por qatrolado^conBeqlkrtawnte, reduz a &nenaio

An « h m » mpnmtn fui »pirata una Kmitra norrrwtivn« Ora, n sfalfim tem como indissociável e fundamental

objeto o ordenamento jmidico; é temerário, no entanto, pensar-se que o sistema jurídico que deve apreender

o ocggunto doe fênômenoe do Direito, poesa Hmitar-ae apenas às esferas da ordem nmmativa instTtnrinpal.

(8) CANARIS. Ob.dt.pp. 77-78.

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Ora, na referência aos princípios do sistema jurídico (e, em nossa

perspectiva especial, 'princípios do sistema constitackmar), deve-se evitar,

primeiramente, concebê-los sob uma ótica positivista estreita. Se é verdade que o

fulcro da articulação jurídica é a nonnatividade; se é verdade que os princípios

jurídicos no mais das vezes enconfram-se consagrados nosmativamente

(positivamente, pois); se é verdade que o recurso à nonnatividade é um dos

parâmetros de segurança social (pelo busca do expurgo da arbitrariedade) - isso não

significa pensar a principiologia do sistema como estritamarte normativa. Interessa,

antes, perceber os princípios no seu específico papel, no sentido que operam - que é

exatamente o préstimo à unidade no Direito..

. 2.5 - Os Princípios no Sistema Jurídico

Os princípios (*) significam para o sistema, mus do que qualquer outra

coisa, um locas’ jurídico que sedia os valores imperativos da ordem social sobre a

qual deve incidir o Direito. Uma tal significação não se limita a esteira do *princípio

positivado' como tal - ou. seja, não necessariamente, para que se possa reconhecer um

princípio do sistema jurídico como tal, precisará de ter o protótipo formal de

‘printípio’.

(*) O prindpioe podem ser wteMw em sentido bdo como diiet im de contertdo (e compreensão) de

w i Atocmirartft ffwippwnpntf. Represeotam a ’porta de entrada' para * boa compreensão e opertdccudizAçlo

doe c0Qceit06 «iw>m*hi objeto de conhednaesto (assim, por exempki, para a flska, a quimka, a biologia, a

sociologia e o próprio Direito).

Os priiw-frio« jurídicos, «h a o Direito um fenômeno social hietórico, s*o defanmnados no sen

(B jm eks gerais - juridico^outàiickaais - , sgam des específicos, tmáticoe - Ana

momento de saa ktepwitaçln/aplv-agan. Voltar^àaogprindpiognopriarimocaptoiloL

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Tem-se que guardar firme, isto sim, a idéia de que os princípios

constituem um nexo de organização de sentido de qualquer conhecimento.

Possibilitam que se estabeleça uma sistematização dos saber». Para o conhecimento

jurídico, dão base à engenharia do conteúdo determinável e determinante do Direito,

tomando factível falar-se em sistema jurídico. E substanciam a estrutura fundamental,

articular do sistema jurídico: o sistema constitucional.

A função primordial exercida por eles é, pois, sistematizadora.

Representam os elementos constitutivos unitários que sedimentam o sistema jurídico

em temos de conteúdo. Tal função, no entanto, segundo Canaris (pp. 88-99),

desdobra-se em quatro aspectos modulares que caracterizam, genericamente, o modo

de realização do seu papel (*).

O primeiro de tais aspectos saia que os princípios não valem sem

exceção, podendo entrar em contradição entre d. Aos princípios subjazem

situações fugidias, que se justificam como excepcionais à sua esfera de incidência.

Veja-se, por exemplo, numa leitura isolada dos dispositivos, a progressividade da

tributação sobre a renda como exceção (relativa) ao princípio constitucional geral de

igualdade e ao subprindpio da igualdade tributária. Note-se, porém, que tal exceção

(se feita uma análise sistemática) não contradita a conexão geral do sistema como

(*) Juarez Freitas, em gu tese de dmtoramaio, Inça i™ análise critica de tais 'aspectos modulara1,

relativizando a caracterizaçfto de Canaris quanto aoe três primem* aspectos, e aoeâando de todo apenas o

quarto aspecto, de qoe a realizaçfto dos prmdpkie precisa de concretizações medizzrte sabprindpios e valoniçõa

hermenêutica e singulares. É de qwotar que o jurista procede a tal análise tendo como ponto de referência o seu

propugnado "metapríncipio de hierarquização azxdògica*, com o qual (enfara n&o Beja trabalhado aqui) esta

dissertaçfio parece guardar algm » consonância, expressamente na 'descoberta', na atualidade, de quais

príndpios jpriâkxy-cxxesátackjaaia se m y«™ oomo animadores e gerais do Direito, identificados como

superiores (ver Juarez FREITAS, tese de doutoramento, pp. 92-100).

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realização da igualdade d o Direito. Isto porque o Direito remete a idéia de justiça,

que, como se viu, parte de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,

na medida de sua desigualdsde.

Seguindo, toa-se que os princípios nio têm pretensão de

exclusividade. Isto significa que uma mesma conseqüência jurídica, normalmente

conectada a um determ inado principio, pode também decorrer de outro princípio. Tal

fator legitima - c o t io não poderia deixar de ser - a perspectiva de que a interpretação

jurídica máxima deve ser sistemática. A não exclusividade representa que os

princípios não devem ser formulados como 'só quando ... então' - o que os distancia,

saliente-se, dos axiomas.

Um terceiro aspecto seria que os princípios ostentam o seu sentido

próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas.

Ora, um tal aspecto apresenta consonância com a perspectiva da interpretação

sistemática do direito. Além disto, a idéia de complementariedade é conformada à

não exclusividade. O fato é que o entendimento jurídico, devendo pôr-se sistemático

em tomos axiológicos e teleológicos, deverá trabalhar com os princípios em cadeia,

correlacionados. E as correlações principiológicas se dão tanto no sentido positivo

(somatório) quanto no sentido negativo (limitativo). No balanceamento do sentido

positivo com o sentido negativo é que se poderá determinar a especificidade do

princípio para o caso concreto; em tais correlações é que se poderá entender o sentido

a prevalecer, direcionando a aplicação legal ou incidindo diretamente nos 'casos'.

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Por fim, vê-se que os princípios necessitam, para a sua realização,

da concretização através de subprincípios e de valorações singulares com

conteúdo material próprio. Falou-se já da importância dos subprincípios na

engenharia do sistema jurídico. E l» especificam determinam e operackmalizam a

aplicação dos princípios gerais. Ademais, as conseqüências jurídicas, nos diversos

graus de concretização, precisam para sua efetividade, de valorações autônomas que

as adeqúem aos casos. Os princípios, como as próprias norma» (*), precisam de uma

intennediaçâo normativa, valorativa, adequadora, que os tramem aptos à incidência

no mundo concreto.

O que se tem, então, por conseqüência, é a caracterização e

determinação do sistema jurídico a partir dos dos fatores iniciais: a

ordenação/adequação valorativa e a unidade interior. Com a ordenação chegou-se ao

sistema como racionalização teleológica; com a unidade chegou-se ao sistema como

fundado em princípios. E, assim, tem-se o sistema como

"uma ardem teleológica de princípios gerais de Direito” (9).

2.6 - Abertura e THnamicidade do Sistema Jurídico

A ótica positivista que, com maior ou maior objetividade factual, foi

dominante ao moios nos últimos 150 anos, difundindo um Iogicismo normativista

para o mundo jurídico, consagrou uma sistematicidade jurídica fechada, estanque,

(* ) Cmará afirma que o b princípios "nfto sfto normas” (oh. <&, p. 98). Melbor saia afirmar, em texmoe

ooasátackmaa, que o b prmdpioe em geral do mn normas, mas com opedal carga vftionárvn, numas

fgprcÍMit(9) CANARIS. Ob. dL, p. 103.

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maAytarfa à dinâmica social. Hermetismo que, no entanto, servia como parâmetro de

(por todo um conjunto de complexizações dos mecanismos camunicacionais), imo

são mascaráveis. Pode-se afirmar, mesmo, qoe se vive em um estado latente de

Hodiemamente, o núcleo de correlações da teoria jurídica, em função

dos contextos sociais, anda mim sortido diverso. As disparidades sociais vêm à tona

ebulição social.

Naturalmente, o Direito cumpre ainda um forte papel ideológico e de

legitimação formai; isto, entretanto, pode corpo em função de um contexto diverso

de demandas sociais 'mnfó-individuais' (foto bem abordado por José Eduardo Faria,

on soas obras mais recentes), que exigem dimensionamentos 'material izantes' das

conquistas formais. Por conseguinte, há de se entender hoje o Direito também - ou

principalmente - como um potencial instrumento de cidadania, a partir da perspectiva

de materialização de direitos e garantias jurídicas de conho metamdrvidual e social.

Ora, soido o Direito um dos mais fortes instrumentos da engenharia do

podo, e ocupando ele um espaço especial (e potencial) frente aos ditames

democráticos, encontra-se no cone das indagações a respeito das necessidades de

mudança. Com isso, não sendo bastante o formalismo legitimador de cunho liberal (e

em face dos novos dimensionamentos emergentes), em termos efetivos o desafio para

os operadores jurídicos (como foi ressaltado nas Considerações Preliminares)

situa-se em refletir, discutir e aplicar o Direito sob a égide da materialização dos

ditames sociais que lhe estão insertos, especialmente quanto aos valores

normativamente consagrados.

Com esta perspectiva (ou necessidade de cidadania) jurídica pungente

em nosso tempo, imperioso é que se flexione a operação jurídica, abrindo campo para

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a concretização do universo jurídico numa consonância com a dinâmica da vida.

Quimérico seda, no entanto, imaginar-se que com tal 'flexão'jurídica (a

qual declaradamente, nos pressupostos aqui assumidos, passa pelo sistema axk>-

teleológico) se teria uma 'chave' para a resolução de todos quantos fossou os

problemas da funcionalidade do Direito. Crê-se, isto sim, que é propiciado aos

opettdores jurídicos uma referência geral, em tomo da qual se possa ter concatenaçâo

entre as partes do Direito sem que isso os encerre em uma ’moldura' ou os

impossibilite uma visão de globalidade do seu objeto de atuação.

Assim sendo, em vez do hermetismo lógico-formaí, o que se põe diante

do jurista é a necessidade de pensar o sistema jurídico como aberto e dinâmico.

Canaris, coerentemente, avança em tal sentido, e discute duas "qualidades" do

sistema axioló gico-teleológico que dão resposta a tal necessidade de flexão: a

"abertura” e a "mobilidade” do sistema jurídico.

Alertando para que a idéia de abertura não recaia no entendimento de

'casuísmo indefinido', Canaris aponta, como sentido geral da idéia, a perspectiva de

que o sistema é Incompleto, sendo-lhe ínsitas a capacidade de evolução e

modificabilidade.

A abertura é incompletude, mas incompletude em dois sentidos: no

sentido da incompletude do conhecimento sobre o objeto Direito (ou, nos temos &

Canaris, "incompletude do conhecimento científico”), e no sentido de abertura como

modijicabilidade do próprio objeto, modificabilidade "da ordem jurídica”.

Ora, se o objeto Direito é potencialmente dinâmico (por ser

historicamente determinável), sendo a modificabilidade inerente à sua ontologia, nada

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mais lógico que se pensar o conhecimento sistematizado sobre de como incompleto,

infindo (*).

A partir da dimensão goal de principiolog» (valoração geralmente

positivada), e registrando-se a abertura (que não se confunde com a mobilidade) e

dinamifiirfadi» do Direito, cumpre afirmar o sistema jurídico oomo 'sistema móvel' (ou,

mais precisamente, sistema 'também’ móvel).

Para identificar a "mobilidade" do sistema, Canaris ancora-se em

Wilburg, caracterizando-* como

"a igualdade fundamental de categoria e a mútua

substituíbilidade dos critérios adequados de justiça, com a

renúncia simultânea à formação de previsões normativas

fechadas" (10).

A idéia de mobilidade apenas traz à tona um elemento essencial da

funcionalidade Viva' do universo jurídico: mesmo que sua base se dê on tomo de

diretrizes rígidas para a solução dos problemas, a efetividade aplicativa implica que

tais diretrizes (previsões normativas) se flexionem.

Mas, como bem acentua Canaris, isso não significa encarar o sistema

jurídico como "móvel” no todo (tal qual o fez Wilburg), mas tão somente que no

sistema jurídico são úteis "partes móveis”. Tendo-se nítido que a ”mobilidade” do

sistema intermedia a distância entre as previsões (normativas) rígidas e as cláusulas

(♦) Para Bobbie, na aoa Teoria do Ordenamento Jurídico, tudo é resolvido dentro do ordenamento

juridioo, como se exsa inootnpkiude ao *nào existine’, devido ao fato de qac ot operadora do ordenamcrto

teriam possibilidades de resohvr evtxtnãs problemas. Há, pois, uma clara mótixa do objeto em si considerado

com a atuaçfto deste através dos sem operadoras.

(10) CANARIS. Ob. dL, p. 2S2.

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gerais, mas sabendo-se que tal mobilidade afrouxa o nexo valorativo da idéia de

justiça e «Kmwmi a profundidade da idéia de segurança jurídica, tem-se

conseqüentemente de pensar o sistema jurídico como um sistema que parte de

previsões normativas firmes (especialmente as previsões constitucionais), de

hierarquia valorativa relativamente prévia, para, em face dos casos concretos, resultar

em "partes móveis".

Em síntese, pode-se afirmar que o Direito é, sobretudo, uma estrutura

funcional dirigida à solução de problemas, a construir mecanismos aptos a solucionar

problemas sociais.

Em um tal caminho, o dimensionamento do objeto Direito, embora

possa passar por parâmetros lógico-fòrmais, embora possa passar por logicismos

conceituais, tem seu ponto terminal (e fundamental) em tomo de dimensões

sistemáticas de conteúdo: valores e intencionalidades. Ou seja, a fundamentação

sistemática do Direito há de ser centrada em ditames axiológicos e teleoiógicos

(intencionalidades/finalidades).

Tais ditames, não obstante a carga ética que carregam, são históricos,

não representando 'sentidos aprioristicos' do Direito, mas sim sentidos culturais,

sendo construções culturais e políticas.

Assim compreendido, o dimensionamneto do Direito justifica-se

plenamente como sistemático apenas na ótica de sistema axio4eleológico. Afinal, se

a valoratividade funciona como nexo de interações jurídico-sociais (ao menos

pressupostamente), e seda é consagrada positivamente (basta uma superficial análise

dos dois primeiros títulos da Constituição brasileira para oonstatá-lo), significa ela -

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valoratividade - a dimensão fulcral e indispensável da raciocínio ideal para o

Direito.

O sistema jurídico há de sor entendido, então, a partir de doas

características básicas, identificáveis praticamente an todos os autores que trabalham

com tal idéia: a ordenação e a unidade. Na esteira de Caoaris, a primeira

compreensível como racionalização intrínseca; a segunda como redução de

complexidades valarativas. Crê-se, aqui, porém, como ponto essencial para a

compreensão da Direito como sistema, ordenado e unitário valorativamente, a análise

do conjunto normativo que sedia os valores superiores para cada país: a

Constituição.

Ora, é fato consagrado teórica e taticamente ser a Constituição de um

país (ao manos dentro da cultura jurídico-política ocidental) o pilar básico da

estrutura do Direito. Representa ela um nexo de atuação da ordem jurídica, sediando

os ditames 'macro' de conteúdo e procedimentos, que inspiram as regulamentações e

atuações 'micro'.

Por extensão lógica, pois, tem-se no estudo do plexo valorativo

constitucional o passo primário para a boa compreensão do Direito como um

todo. É por um tal plexo valorativo que se fundamenta a idéia de sistema

constitucional: oomo o subsistema jurídico fundamental, sede primária dos

valores e intencionalidades da ordem jurídica de um Estado, tendencialmente

ordenados (característica da ordenação) e 'locus' da unidade possível de

conteúdo do Direito (característica da unidade).

Observe-se: para que o Direito possa sor entendido corno um eixo forte

da possibilidade de democracia efetiva, é preciso que ele seja bem mais do que um

instrumento de força estatal e coação sobre a sociedade. Deve ele representar uma das

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sedes (quiçá a principal) de faiares que possibilitem - paradoxalmente, em relação ao

elemsrtc coação - uma convivência sócio-política livre e cidadã.

Ora, tais fatores, que podem, pois, funcionar como elementos de

organização da sociedade civil e referência legitimadora necessária para a atuação do

Estado, fundamentalmente estão contidos (valorados) no texto normativo da

Constituição. Esta sedimenta-se, assim, como o instrumento jurídico mor para a

definição de como deve ser encarado o sistema jurídico como um todo.

Assim, para bem compreendar como dimensionam-se os valores mais

altos do sistema jurídico (axio-teleológico), deve de estar correlacionado à

Constituição, e esta na forma de um sistema constitucional

Há de se compreenda, a partir disto, como se dá o dimensionamento

político-valorativo no seio constitucional (qual sua base estrita). Em seqüência,

respeitando-se a positivação como um fenômeno indispensável do atual estágio das

sociedades organizadas (*), deve-se ter em conta as dimensões da positividade

constitucional, com o estudo normativo da Constituição. Em seqüência (e por

conseqüência), o caminho natural é que se pense o controle de conteúdo do sistema

jurídico como um todo a partir do conteúdo constitucional (da valoratividade e

normatividade constitucionais). E, por fim, há de se ver a operatMdade

interpretativa, de modo que se possa racionalizar os parâmetros valorativos,

normativos e de controle em função das anteriormente apregoadas características de

ordenação e unidade do sistema jurídico - especialmsrte do sistema constitucional.

(* ) Aporihwgto de valores é fenômeno m^umÉvd por representg um imtramento de gatuüa oodr»

o arbítrio de quem quer que ae encontre a ihsie do poder poUtioo e par ser da mesoa ama diretriz em idaçKo à

eafera aplicativa do Direito. A abrangência da pcsitivaçSo, porém, n&o t totaL cs fenômenos juridicoe poeaoem

maior extens&o do qoe o 'direito positivo’, a dinâmica do Direito é bem maã do qoe 'dinâmica de pcgjtryaçgo'.

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3. PRINCÍPIOS E VALORAÇÕES NO SISTEMA CONSTITUCIONAL

Define-se o sistema jurídico como orna estrutura (nâo estanque)

tendente à realização da idéia de justiça, dimensionado em tomo de uma ordenação

(racionalização) interna e de uma unidade interior principiológica (*). Mais: o

sistema há de representar, juridicamente, um dimensionamento axiológico e

teleológico do Direito.

A primeira grande fundamentação do sistema constitucional é, então, o

feto de sor ele - potencialmente - o dimensionamento basilar de conteúdo de toda a

cardem do Direito (e do Estado, por extensão) - ou seja, de todo o sistema jurídico.

Dimensionamento que deve se dar, assim, de modo sistemático, íúlcrado em valor»

(basicamente normativos) e finalidades/intenções normativas.

3.1 - Seleções Axiológlcas Jurídico-Constituctonats

O Direito constitui-se como um subsistema social, cuja conexão

referencial - base operacional fundamental - é o regramento (pré-detenninação) de

condutas humanas e relações sociais. Regramento, saliente-se, que tanto se pode dar

(*) É de referir o rrtmrihnegto de Juarez Freitas, em soa lese de dcutoraxnenÉo, a respeito do que *eja o

sistema jurídico (sté por ser Csnsrís am dos t i« « referidos e analisados autores em tal tese). Para ek, "o sistema

jurídico (...) é mesmo um complexo de princlpk* positivos, sejam opreasoe cm tácitoe, cujo ocaÉeódo,

sobremodo do cubo doe prindpk* fundamentais, entre oe qoais o da ümtiça', transcende èqoele que se oonfare às

normas, embora fahtiftmente sejam nramentrn ao sistema” (p. 120; ver tamhftn p. 30). Pode-se dizer que a

Ko forrruiliid» nat« tÜMwfaiylto A aturde, no fimdinnr«#nl, aiatg fritmdima^o do joriata gnncho.

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em temos prévios de interdições de condutas, quanto em tomos prévios de

estimulação de modos de condutas, numa dimensão 'premiai'.

O feto significativo, quanto ao conteúdo desse iegramento, é que ele

encora seleções de opções do poder político, em função do contexto social (sistema

social (*)), indicando tais opções - direta ou indiretamente - os valores referenciais,

na estrutura jurídica, de pré-detenninações sociais. E, para fins da presente

abordagem, importa salientar que o fulcro da sedimentação desses valores

selecionados e privilegiados ancora-se na Constituição de cada país.

Conseqüentemente, como já foi afirmado (*1), a Constituição é o

nexo do dimensionamento e direcionamento de sentido da adem jurídica como um

todo, a partir da realidade social subjacente. É nesta direção, aliás, que se pode

entender o afirmado prar José Afonso da Silva:

"a constituição, como sistema de normas jurídicas, é (...) como

uma estrutura, considerada como uma conexão de sentido, o que

envolve um conjunto de valores". Mais, ainda:

"a constituição há de ser considerada no seu aspecto normativo,

não como norma pura, mas como norma na sua conexão com a

(*1) A Mti« de «to m soda! remete à anáfae da sociedade em fonçlo dos seus contentos. Qual sga: a

sociedade compreendida mpianto 'nmvereo' de artknlaçSo (convivência) tamana em tomo de cootextoe

itteico*, onrtgxtott poHticoa. eootedoe jurkbcoe). Eks seriam

basicamente intercomunicáveis, embora com junçfto própria mqnaito objeto de análise. De registrar, ainda,

fie , embora nfco se busque aqui desenvolver as diversas concepções do que significa a vida em sociedade

organizada, não sâo esposados os entendimentos mecanidstas e formalisUe (mas nio se nega soas ntfliriades

m n n A » «nálioo afVMjl)

(*2) Conforme supra, p. 36.

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realidade social, que lhe dá o conteúdo fãtico e o sentido

axiológico". (11).

Se o Direito funciona como um subsistema social, suas diversas áreas

podem ser entendidas como subsistemas jurídicos. E, sendo a Constituição a sede

fundamental das diretrizes de conteúdo do Direito como um todo (os valores

selecionados), ten-se que o subsistema constitucional (*) é o grande eixo de ligação

dos subsistemas jurídicos, na conformação do sistema jurídico como um todo.

Muitas páginas já foram escritas na discussão a respeito da

valoratividade em dois sentidos principais: de ser da expurgável ou não dos

momentos de interpretação e aplicação jurídicas; e de ser ela pressuposto do próprio

objeto Direito (ao primeiro sentido voltar-se-á no sexto capítulo).

Neste último sentido, a emergência do positivismo jurídico trouxe, por

si só, o questionamento do Direito como objeto axiológico. Na contraposição à

Valoratividade1 religiosa (teologia jurídica'), por um lado, e ao jusnaturalismo, por

outro, o positivismo afirmou que o Direito era Direito enquanto posto e porque posto

pelo Estado. Desde tal premissa, pode-se dizer (com alguma economia intelectual)

que muitas foram as linhas de pensamento ancoradas na esteira positivista, como os

normativismos, os ’exegetismos’, e mesmo os ’conceituaiismos’.

A humanidade, no entanto, caminhou em nosso século XX para a

direção da democracia, e tendecialmente democracia material (não obstante alguns

(11) José Afonso de SILVA Aplicabihdade.... pe. 09 e 24, respectivamente.

(* ) Subsistema genl do Direito, que, pera os propóntoe deste trabalho, é nommado como sistema

COnstitUCionaL Pode-se ifew O rp»«!» -gr»fri»A-> pira n nwm A> Direito m m n rim

como sendo o subsistema jurídico predominante; e, ipmAi pmmA> m «i mwno. como sendo um sistema

próprio - nm astenia interno (do mesmo modo que se pode fiüsr no Direho como nm subsistema Bodal ou

oomo objeto próprio do râtemajuridico).

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distúrbios políticos encontrados no percurso). Esta tendência, embora por vezes

variável (vide as incertezas cansadas pela atual onda neoliberal), e mais fetos

históricos a qne o positivismo não conseguiu dar resposta jurídica (como os crimes

do Nazismo), fragüizaram as teses reduciomstas do Direito á esfera legalista.

Agregando-se a isto a constítucionalização dos direitos do homem e a

consagração dos ditames a eles conducentes, criou-se, em especial a partir da metade

do século XX, aquilo que pode ser chamado de vértice axiológico de humanidade

no Direito, pelo qual há que se compreender o Direito como objeto insitameate

axiológico, em tomo do qual se possibilita a convivência da pluralidade social.

3.2 - Os Valores Superiores

Trata-se de poisar, sim, o Direito como objeto normativo. Mas, para

além disso, incumbe ter consciência de que a normaíividade não é cega nem asséptica

- ela guarda (pode-se dizer até mesmo que é 'guardiã de1) conteúdos, direções de

sentido. Ou seja: somando-se à dimensão normativa, o Direito possui nexos de

valoratividade que lhe impingem *uma face’, e esta deve ser vislumbrada pelo

intérprete.

Há de se reconhecer razão àqueles que negam a existência de ‘uma ética

pré-existente ao humano’ (teológica) ou ‘uma ética insita a uma inconfundível

natureza humana* ímponíveis ao Direito. Afinal, tais dimeaisões até possibilitam

circunstancialmente respostas aos problemas jurfdico-sociais, mas não dão luzes de

globalidade, racionalidade e segurança.

Porém, existem direitos - ou diretivas - dos homens e da humanidade

como tal que são hoje inalienáveis juridicamente. São construções culturais e -

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sobretudo - históricos, conquistas contemporâneas, como o direito à vida, à

igualdade, à liberdade e à dignidade (*).

É irrelevante, num primeiro momento, se tais direitos têm profundidade

(repercussão) variável de pais para país, como também é irrelevante oeste ponto o

fito de primariamente ser o seu reconhecimento jurídico por diversos países mais

formal do que material. Basta, inicialmente, constatar que existe um tal tipo de

reconhecimento jurídico, sobretudo através da consagração de tais direitos nos

textos normativos constitucionais.

(* ) Neste final de século em que vivemos, muitoe Ao os fatores qpe leram ao questionamento da

Modernidade e nus pressuposições teóricas • dentre as quais as oanstroções éticas oom intuito de verdade. As

conghmtrs guerras (raciais, políticas), m conflitos e com motivação idigion, a miséria «nrínl do

terceiro mundo’, a tamanadonafeagio da economia com seis devastadores efeitos na distribuição do poder

entre os paises* sito âtores que'atropelam* as sodetfades atoais e suas supostas verdades. Neste enlevo

(permeado pek chamada terceira onda tecnológica'), vêm à tona os mhüizznos póa-modexnoe (com BaudriQard,

por exauploX apregoando exatamente o fim das verdades próprias à Modernidade, e afirmando como inrvitávd

o rdativismo ético.

Porém, nlo otetaote algum acerto no diagnóstico pós-modemo a respeito de certas ’crenças’ da

Modernidade, isso não significa necessariamente que se não poesa mais pensar a sociedade eticamente. Há de

se perceber, com Quattari, que surgem foram» renovadas de nexos

subjetivos de relativa autonomia, articulações tootecalarea* alternativas <m relação à "maquimzaç&o

tecnológica da subjetividade". É com base na prtendalídade de "revoluções moleculares” que Be legítima a

etiddade "trananoderna”, pensando no homem enqoaiio poesivd ddadão efetivo e autônomo como a dimensão pnwgfrw»! tif' nrfrimlafUn A* r /in jwW mi iiw nn >4« hnmjmifkA» A> Kiimif.

E é neste contartn que se impõe a importflnda da consagração normativa constitucional doe Vakns

supremos* de sustentação do homem e de sua dignidade. E mais: consagração namativa de encho imperativo e

Bobreposta - juridicamente - ao restante da ordexn do Direito e do Estado. Ressalta-se a pujança da Constituição,

sendo a consagração valorativa consthnrional um jnstmmcntp de registro do enp da fticvtadf potariveL Uma

etiddade que, de fito, não está além da história, nem compõe um vértice de verdades abeohitas - mas se

configura, isto ma, como dimensiopanieito hatórico da virtude de aer e geiÉir-ae humano (dignamente induido

nasodedade).

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41

Entretanto, é desejável que se vá mais longe. O reconhecimento referido

é tão somente o ponto de partida, um alicerce mínimo para um desafio maior a basca

da construção de uma demooracia material, ancorável em padrões materiais de

justiça. Nesse intuito - ai sim - vale que se esteja alerta às dimensões concretas

tomadas pelos chamados direitos dos homens e da humanidade.

É certo que a pluralidade de sentido é desejável dentro da esteira da

democracia, mas há de se pontuar a perspectiva de que as conquistas ético-históricas

da humanidade sejam efetivadas, potencializem-se para concreta aplicação. Vale

dizer para além do reconhecimento formai, que garante 'aplicabilidade em tese’ (ver

adiante,p. 60, rodapé), há a preocupação com a materialização possível dos referidos

direitos, com sua aplicação ou 'aplicabilidade de feto'.

Parte-se, então, de que nos dias atuais há uma constitucionalização de

valores consagradores por conquistas históricas da civilização (da civilidade),

constituindo tais "valores superiores" o cone de direitos básicos. Na feliz expressão

de Ollero Tassara (com base em Los Valores Superiores, de G. Peces-Barba)

"os valores superiores congregam ’exigências que consideramos

imprescindíveis como condições inescusáveis de uma vida

digna'; que em última instância a raiz é o homem, oamo ser

racional e livre e que 'essa condição humana, que nenhum

outro ser conhecido tem, constitui sua dignidade, o que o fez

valor1; que o acordo a que nos remetemos 'não é, pois, arbitrário,

mas sim que congrega uma moralidade baseada na dignidade

humana; que esta é 'o fundamento e a razão da necessidade

desses valores superiores' que são o caminho para fazê-la real

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e efetiva. Reconhece-se, por tanto, que o homem possui

algumas características permanentes valiosas, das quais

derivam exigências capazes de condicionar o mexo

jogo das maiorias" (12).

33 - Princípios: Valoracões e Normathidade

A concretização normativa de tais "valores superiores" dá-se através de

formulação de princípios. Pode-se dizer, assim, que os princípios constitucionais

(telham ou não determinação formal estrita como princípios) representam o lugar

normativo privilegiado em que estão localizados alguns poucos mas indispensáveis

valores de racionalização da oonvivência humana em sociedade.

De fato, os princípios valorativos da Constituição, vistos em seu

conjunto, são a marca de qualquer possível legitimação político-normativa da ordem

do Direito e do Estado brasileiros em face da realidade social subjacente.

O que sedimenta, pois, o principio para o sistema jurídico è o

dimensionamento de sentido que ele propicia. Ele é, sobretudo, a consagração de

valores. A identificação de suas funções para a determinação do valor aplicável por

prevalência sistemática é que vem a determinar a sua importância dentro do sistema

jurídico.

Tal pressuposto valorativo não atinge a normatividade dos princípios,

especialmente quando constitucionalizados. no seu primeiro plano, eles são normas,\

tendo pois a imperatividade normativa como característica singular inicial (*). Os

(12) Amfres Oflero TAS&ARA. Derechos Humanos yMetodologta Jurídica, pp. 238-39.

(* ) Tal afmnotivaii&o equivale a dizer qDeBÓhijrindiitosrelevaitiespin o Direito enquanto estejam

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princípios, como valores básicos, encontram na sua oonstitncianalização a garantia

de toem “força normativo-constitucional" (Canotilho e Moreira). Afirmam os mestres

lusitanos que

"toda a Constituição è direito, toda da é lei positiva' e todos os

princípios nela consagrados possuem alcance jurídico e

compartilham da normatividade própria da Lei

fundamenta].'* (13).

Isso significa afirmar, primeiramente, a importância da normatividade,

dar voz e razão ao pressuposto ‘normativista' de validade formal.

Entretanto, a específica refcência aos princípios constitucionais

demonstra já (consoante o anteriormente exposto) a preocupação com a dimensão

material de validade. Afinal, quando é reconhecida aos princípios - diretrizes de

conteúdo do sistema constitucional - validade formal efetiva, aceita-se, por extensão,

que (na medida em que eles resguardam tal força diretriz) sejam tais princípios, com

variável força, um condicionamento de conteúdo das danais regulações normativas.

São, ainda, um condicionamento das enanações legais, das

regulamentações administrativas, das ‘normatizações concretas' jurisdicionais e das

positivadas. Pode-se fklar an prindpias gerais supra-positivos como relevaria e irtryimtra do Direito como

um todo. Ocorre que aqui, sendo o intento apontar aspectos fundamentais da idéia de sistema constitucional,

privilegia-se a análise pnndpk46gic& do texto normativo da ConstituiçAo.

(13) Fundamentos da Constituição, p. 73. No mesmo sentido Joeé Afonso da SILVA, ao afinnar que "todas as

disposições coastítDckoBé ttm a estrutura lógica e o sentido du nomun jartdkas" {Aplicabilidade das

Normas Constitucionais, p. 40X ainda, Eros Roberto GRAU, no hd Direito, Conceitos « Normas Jurídicas,

pe. 126 e 130.

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próprias atoações privadas. Assim sendo, cabe entender os princípios como,

sobretudo, um condicionamento material de validade. E cabe, com Juarez Freitas,

afirmar que

"por princípio ou objetivo fundamental, entende-se o critério ou

a diretriz basilar de um sistema jurídico, que se traduz numa

disposição hierarquicamente superior, do ponto de vista

axiológico, em relação às normas e aos próprios valores" (14).

A estruturação prmcipiológica do sistema é, atente-se, plurívoca e

verticalizada. A plurivocidade reside em que não há que se fàlar em um nexo de

unidade absoluto e inquestionável, mas em nexos efetivos e dialéticos de

valoratividade. A sistematização funda-se em princípios gerais-constitucionais,

"portadores de unidade" (*), que se fazem completar e funcionar, no entanto, por

um plexo de princípios específicos, de área ou temáticos, nomináveis como

subprincípios formadores de subsistemas. Estes subprincípios seriam, pois,

verticalmente operacionalizadores dos princípios gerais.

Ao falar-se em princípios e subprincípios, emerge, ainda, a necessidade

de uma ressalva: não há entre uns e outros uma separação absolutamente estanque,

mas sim uma complemeniariedade e interpenetração. Isso ocorre, por exemplo, na

ótica do sistema constitucional, com o princípio geral da igualdade, do artigo 5°, e

com o subprincípio da igualdade tributária, ambos da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 (C.F./88). O subprincípio, em tal caso, serve, num

(* ) Aqui, por ôbvio, è frita uma expedfica referência à caractcristica de umdadc do miam. jurídico, tal

qnal delineada por Canaris (conforme oposto anteriormente no «fgnndo rap̂ nlo).

(14) Jnarez FREITAS. Tese de doutoramento, p. 27.

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momento imediato, para operacionalizar o princípio e para dar sentido ao subsistema

isonômico. Mas, também, devolve resultados, firmando a definição geral do princípio

de igualdade.

3.4 - Os Valores Superiores na Constituição Federal Brasileira

I - Referiram-se anteriormente quatro direitos basilares do homem e da

humanidade como conquistas históricas. Trata-se de direitos consagrados pelas

ordens jurídicas ocidentais de nosso tempo. Ou seja: são direitos humanos que

ganham, por sua posüivação, uma adjetivação especial (não formal) - direitos

jundamentais. Seletivamente, nomearam-se o direito à vida, o direito à igualdade, o

direito à liberdade e o direito à dignidade humana. São elementos referenciais do

ideal de justiça propugnado para o Brasil.

Inadequado seria falar-se em uma hierarquia apriorística absoluta entre

tais direitos. Se hierarquia pode ser observada, é no sentido da funcionalidade e

correlações de sentido que encerram

Nesses termos, vale entender o direito à liberdade como regendo a

idéia da autodeterminação humana; o direito à igualdade oomo um pressuposto de

relações humanas equilibradas e democráticas, sohredetenninando a idéia de

liberdade; o direito à vida como um corolário da dimensão de ser todo homem

potencialmente livre e igualizado aos outros homens, de modo que as razões de uns

seriam, de regra, insuficientes para suprimir racionalmente a vida de outro; e o

direito à dignidade humana como um nexo fundamental dos direitos antecedentes,

indicando, assim, que liberdade, igualdade e Tida são valores compreensíveis

como correspondentes à base de existência material e espiritualmente digna do

ser humano.

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46

Por conseguinte, ao falar-se em hierarquia vaksrativa de tais direitos

(que são o ápice valorativo da ordem do Direito e do Estado) a dimensão abordada é

de construção dialética em tomo da dignidade do ser humano. Entende-se, assim, o

ser humano como o fundamento básico em função do qual racionalmente pode-se

legitimar e justificar o Estado e o podar, e, conseqüentemente, o próprio Direito

como sistema.

II - O direito à liberdade, consagrado na C.F./88 em dispositivos como os

incisos XLI e LIV do artigo 5°, é regulado diretamente (como nos referidos

dispositivos) e indiretamente (como na proteção à liberdade de expressão, à liberdade

de culto, à liberdade de locomoção etc). E, certamente, um dos menos questionados

direitos do homem. Afinal, ten-se hoje tanto as posturas políticas mais

conservadoras (do status quo), denomináveis em sua mais recorte Versão' como

neolíberais, quanto as posturas mais transformativas a defèndê-Io como inalienável.

A compreensão do que seja o conteúdo de um tal direito, porém, não se

mostra muito simples. A idéia de liberdade passeia desde as posturas atomistas (o

humano como o individual consagrado), passa por dimensões coletivistas (o

individual subsumido ao social) e alcança posições vanguardistas (a subjetividade do

indivíduo conectada a núcleos coletivos de subjetivação - nos moldes de Félix

Guattari).

Em tomos de prática político-jurídica, no entanto, basta que se retenha

um mínimo extrato: a liberdade entendida enquanto capacidade de

autodeterminação do indivíduo, e mediada pela responsabilidade social que a

cada um deve caber como cidadão. O constitucionalizado direito à liberdade, nas

suas diversas formas (art. 3o, I, e art. 5o, 'caput', e incisos IV, VI, IX, XIII, XIV, XV,

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XVI, XVII, XLI e LIV), traduz, de certo modo, um tal dimensionamento da idéia de

liberdade (*).

O direito à igualdade, por soa vez, ganha especial força na C.F./88.

Tal é o sea dimensionamento na história recente do mundo ocidental e tal é o

tratamento normativo que lhe emprestou o legislador constituinte brasileiro, que

poder-se-ia até mesmo afirmá-lo como o mais relevante direito fundamental em

termos de operacionalização da democracia.

De fato, embora também existam divergências quanto ao significado ou

extensão da idéia político-filosófica de igualdade, a consagração constitucional lhe é

generosa. Registre-se na C.F./88 o artigo 5°, ’capui' e inciso I, e os artigos 12, § 2°,

14,37, inciso XXI, 145, § 1°, 150, inciso H, 170, VII, 206, inciso I, 226, § 5o e 227,

§ 6°. O amplo e determinante princípio de igualdade do ’caput’ do artigo 5° encontra

desdobramentos em subprincípios que povoam praticamente todas as dimensões do

texto normativo constitucional.

A igualdade firma-se, assim, em nosso país, como um profundo

alicerce da potencialidade democrática da Constituição. Sua força operacional

determina, inclusive, que se tenha claro que a própria idéia de liberdade só subsiste

se ancorada na democrática igualdade de correlações intersubjetivas. Vale dizer: a

igualdade sobredetermina a liberdade, pois, sendo ambos 'direitos páblicos’ (por

serem insitos à cidadania), não devem ser compreendidos senão em conjunto - o que

(*) Interessante caracterização da liberdade é traçada por John RAWLS, an Bua Teona da Justiça, p. 68:

"as liberdades básicas do ririadfto são, de forma geral, a liberdade poÜtica (o direito de verto e a elegibilidade

para cargos póblicoa) associada à liberdade de «qvessfto e de reum&o; a liberdade de consciência e de pensar, a

liberdade pessoal associada ao direito & propriedade; e a liberdade de n&o ser preso arbitrariamente e de nfto ser

retido fora das sitnaçftes definidas peia lei”.

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leva À consideração de que a liberdade pressupõe ran nível de correlação

intersubjetiva de igualdade entre os atores sociais, e ela - liberdade - somente se

justifica quando não resultar em desequilíbrios intersubjetivos.

O direito à vida, nos moldes de inalienável consagração constitucional,

traz à tona toda a rudeza de sua violação histórica. Episódios de abrangência

internacional como as chamadas 'guerras mundiais' (especialmente no que respeita ao

Nazismo), a invasão do Afeganistão, a guerra do Vietnã, a guerra do Golfo, e

episódios internos - as guerras religiosas étnicas e as ditaduras, todos episódios que

teimaram em aparecer no nosso século, contrastando como a vertiginosa revolução

tecnológica e o discurso de progresso e ervolução da humanidade que a acompanhava.

Episódios, pois, cuja característica mais odiosa foi precisamente o desrespeito á vida

humana, por situações de massacre coletivo ou perseguições individuais.

Tais situações de dramático desprezo por esse "valor superior"

(voltando à expressão de Tassara - supra referido na página 49) ocorreram

especialmente nos campos de concentração nazistas e nas opressões ditatoriais,

mesmo aquelas de coloração 'humanista' social. No Brasil, tivemos exemplos de tal

desprezo, com registros recentes em nossa história (*).

Tais fetos por si só exaltam a importância da consagração do direito à

vida (art. 5°, 'capuf). Trata-se de uma proteção (imutável, par força do disposto no

§ 4° do artigo 60, C.F./88) de duas faces: a vida contraposta à possibilidade de

arbítrio estatal e a vida contraposta à própria atuação civü. Mais: importa já uma

(*) A respeito daquela que talvez tenha ndoa m ú brutal ditadura oconida em nossopais (1964 - 1984X

vale arexmzs&o ao projeto ■Brasil - Nunca Maisw, registrando diverso* relstot de tostara8 e desaparecimentos

ocorridos em tal periodo de opressão política.

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realização parcial do direito à dignidade humana

A dignidade humana é, antes de tudo, uma razão moral. Se os homens

não possuem entre si diferenças ontológicas apriorísticas (a ciência demonstra tal

feto), ou seja, se não existem razões prévias na natureza humana que possam

justificar a desigualdade; se os homens, como seres a princípio 'iguais em tese’,

possuem a possibilidade de autodeterminar-se, ten-se, em conseqüência, que a

racionalização da convivência humana só será aceitável (e justa) se baseada na

dignidade dos seres humanos em sociedade.

Pensar o homem como um ser digno é pensá-lo como um ser capaz de

suprir suas básicas necessidades fisiológicas e capaz de interação cultural com o

mundo que o cerca. Vale dizer, o ser humano terá garantida sua dignidade à medida

que puder com®, vestir e habitar de um modo decente, e em que tiver elementos

suficientes para entender o mundo ao seu redor (educação). Pois, via de regra, é a

partir disso que se firma feticamente a sua apriorística igualdade, e é a partir disso

que se lhe possibilita exerce? feticamente sua potencialidade de autodeterminação.

Um tal estado de interação material e cultural do homem na sociedade é

que possibilita agregar ao direito à vida uma especial adjetivação: direito à vida

digna.

m - A Constituição Federativa do Brasil eicerra uma conjugação desses

quatro postulados fundamentais E o fez de um modo tal que possibilita ao intérprete

identificá-los como os seus quatro princípios básicos (por extensão, os princípios

básicos da ordem do Direito e do Estado). Representariam tais postulados os

direcionadores máximos da valoratividade constitucional, o sexo unitário do sistema

constitucional brasileiro.

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Tal leitora do texto constitucional começa já a partir do preâmbulo (que

designa o Estado como democrático e destinado a garantir, entre outros fatores, os

direitos sociais e individDais, nomeando a liberdade, o bem-estar, e a igualdade como

valores supremos), passa pelos "Princípios Fundamentais" (Titulo 1), e fecha cerco

nos Direitos e Garantias Fundamentais (Título 13).

Em termos normativos estritos, a sede principal do núcleo axialógico

constitucional brasileiro está nos Princípios Fundamentais (princípios «n temos

formais e em termos vetoriais) e nos Direitos e Garantias Fundamentais (parte

imutável da C.F./88). Estes dois Títulos’ da Constituição resguardam o espaço

básico da pesquisa interpretativa em tomo dos valores que devem ser prevalentes (*).

O primeiro Título' o fàz por ter a forma de princípios, nomeadamente sediando os

fundamentos, objetivos e "princípios" do Estado brasileiro. O segundo Título' o fàz

por ter entre seus dispositivos ditames que protegem a cidadania ou o exercício livre

desta (a cidadania é, pois, o bem maior de qualquer sociedade que se pretenda

Observe-se que se está indo, ao privilegiar esses quatro postulados, ao

encontro da história da humanidade em nosso século, que, diretamente ou por vias

avessas, esteve correlacionada à luta popular em tomo de tais valores superiores, a

liberdade, a igualdade, a vida e a dignidade.

No artigo 1° da C.F./88, tem-se - como fundamentos da sociedade

brasileira (entre outros) - os elementos complementares da cidadania (inciso II) e da

(* ) A prevalência de um prinrfpkvVakv superior n&o rigpzfica ta de aieohitó ou estanque. Merecerá

sempre, camo mfriinç&o apbcativa, a artciprctaçào oooaetizadon, qoe o adcqúe às drrnnrtAnriiw

rontmgfnciaia. Conaeqaentgnenie, é poggivri penaar em nnãonalizaçgea ndequadonia do sen conteòdo.

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dignidade da pessoa humana (inciso IO). A idéia de dignidade resulta sobnomtada

ainda no artigo 3°, incisos m e IV (traça como objetivos da sociedade brasileira

"erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e

regionais" e "'promover o bem de todos*. Pode-se colocar, ainda, que a idéia de

dignidade da pessoa humana recebe tratamentos normativos complementares (já

como subprindpios) em disposições como - por exemplo - as que tratam dos

apenamentos criminais (artigo 5°, incisos XLVII, XLVm, XLIX e L), embora neste

caso os descumprimentos à Constituição saltem aos olhos.

Quanto à liberdade, tem-se, como disposições diretas, o artigo 3° (como

objetivo da sociedade brasileira "construir uma sociedade livre, justa e solidária”), o

artigo 5°, ’capuf (garante a "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade" - esta última é relativizada pela vinculação à

sua função social); e, como subprindpios, o inciso V do artigo 1° (pluralismo

político), os incisos H, IV, VI e IX, por exemplo, do artigo 5°.

Quanto à igualdade, sobram regulações constitucionais a ela referentes.

Desde o artigo 3° (IV), passando pelo artigo 5°, 'caput' e diversos incisos, contando

ainda com diversas complementações dispersas pelo texto constitucional (vide página

40). Ressalte-se, no entanto, o artigo 5°, 'caput' e o seu inciso I, como disposições

diretas do princípio de isonomia, restando ás demais disposições o papel de

subprinctpios concret izadores.

A vida, por fim, é um valor consagrado de modo direto no artigo 5°,

'caput', tendo como sub-regulação a letra "a” do inciso XLVII do mesmo artigo.

IV - É fato não haver uma sistematicidade estanque na própria aparência

formal dos dois primeiros Títulos1 de nossa Constituição. O que é facilmente

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compreensível, desde que se reposte à época da Assembleia Nacional Constituinte. O

desenvolvimento das 'atividades constituintes1 foi marcado por um forte e até mesmo

complexo conflito de interesses sócio-econômicos, políticos e ideológicos. Vale

dizer , a Constituição é o resultado - o extrato - de uma mediação possível entre as

diversificadas correntes de interesses. E isto fragiliza a aparência formal de sua

estruturação como texto normativo-axiológico.

Tal não é, porém, motivo para intimidar o intérprete constitucional na

busca de identificação do núcleo valorativo-operacíonal básico da Constituição. A

sistematicidade jurídica (e mais ainda no presente prisma axiológico e teleológico)

não há de ser compreendida meramente como uma formal estruturação normativa,

mas somando esta a uma dialética estruturação de valores superiores

(principiológtcos) fundamentalmente normatizados.

Não há que se olvidar, no entanto, a importância da leitura1 normativa

estritamente considerada. Este é um passo primário para que possa o intérprete

chegar à propugnada leitura' valorativa funcional. O objeto Direito tem como ponto

de partida a sua base normativa; o objeto Direito Constitucional, por extensão,

também.

Diga-se mais: embora seja verdade que o Direito não é só um conjunto

de normas, e que os horizontes do intérprete/aplicador são mais largos do que estas

estritamente consideradas; é também verdade que a consagração normativa é um

resguardo e garantia para os valores superiores. Afinal, com tal normatização, tais

valores situam-se acima de críticas que lhe imponham a tarja pejorativa de "moas

elocubrações jusnaturalistas”. são normas estatais, dotadas não só da imperatividade

ínsita a tal estatalidade, mas, ainda, alavancados pela especialidade de serem normas

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constitucionais (e, segundo a ótica aqui propugnada, dotadas de prevalência quanto à

própria normatividade constitucional).

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4. A NORMATIVIDADE CONSTITUCIONAL

Vários são os constitucionalistas que enunciam genmcamente a

terminologia 'sistema constitucional', sem, a rigor, desenvolver detalhadamente o

significado da idéia. Um ponto fulcral, porém, costuma ter dimensionamento «»num:

o significado normativo do sistema constitucional para o ordenamento jurídico.

Exemplifique-se o afirmado com Quiroga Lavié. Para o

constitucionalista argentino, o Direito Constitucional representa um conjunto

normativo de competência suprema em um Estado;

"é um conjunto parque as normas da constituição não estão

isoladas, mas sim integradas a um sistema em forma de

estrutura; trata-se do sistema constitucional. A função do direito

constitucional como sistema é a de articular a unidade do

ordenamento jurídico a fim de possibilitar a organização política

do Estado e sua recriação" (IS).

Ao esmiuçar (de modo breve) a idéia de sistema constitucional,

afirma-o Lavié como "sistema político constitucional", como amálgama social.

Não vai muito além disto, porém, no que tange aos pressupostos de articulação

sistemáticos (*). Vale frisar, no entanto, que firma ele duas noções básicas (sem,

também, desenvolvê-las), a idéia de sistema como estrutura integrativa (o que parece

estar próximo da idéia de ordenação/adequação valorativa) e o sistema constitucional

(15) Quiroga LAVIÉ. Curso de Derecho Constitucional, p. 01.

(* ) Lavié, ao entanto, aborda de modo pertinente o amálgama interno do KWtana ccostituciaoal •

qual seja, os prindpk» unificadores - embora sem precisar a fimrkmaKdade valorativa que os deve

acompanhar.

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009X10 nexo de unidade do ordenamento (nos tennos desta dissertação, a referência

seria Direito’ e não ’ordenamento1) .

4.1 - A Forca Normatfvo-Valorativa da Constituição

A Constituição brasileira é, pois, um conjunto normativo cuja forma

reside na estrutura normativa formal e escrita; cujo conteúdo reside no complexo de

regulações e condicionamentos valorativos de condutas públicas e privadas; cujo

intuito reside na realização de valores básicas para a coexistência em comunidade.

São esses os elementos característicos básicos da Lei Maior, objeto do sistema

constitucional. Lei Maior que

"não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em

mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido,

como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores” (16).

O sistema constitucional, na ótica da presente abordagem, tem uma

formação especifica no plano normativo interno (*). Formação esta que se

dimensiona em tomo da idéia geral de sistema jurídico, delineada nas páginas

(16) José Afonso da SILVA Apücahtílodad*..., p. 25.

(* ) A CcQstituiçSo é diretriz geral do sistema juridko. Neste sentido é qat se pode fãlar do sistema

ggcdo vetor iníerprtíaUvo do Direito como um toda, o » seja, sob um olmo externa. quanto aos

efeitos que de emana para fora áa órbita especififatnente coostiturèoftal.

No entanto, para que uma tal &nçio sga esestitáud, e o sga de modo meritório, necessário é pensar

se o dimensionamento de sentido da nonoatividade constitucional estritamente considerada; ou sqa,

plawr» «rrforaoL. em tomo de unidade vaiorativa principiológica. O jresaáe estado parte do plano interno do

«ta * «» constitucional, num prtorizado, para após chegar ao plano externo, e isto de modo

complementar. Ver também nota à página 40.

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anteriores, ancorando-se nos prismas axioiógico e teleológko.

Sob o prisma axioiógico, tem-se como premissa fundamental que a

Constituição representa a sede dos pressupostos valarativos político-ideológico-

sociais da sociedade brasileira. Ou seja, os valores preconizados pelos parlamentares

constituintes como valores máximos da estrutura jurídico-social de nosso país

encontram guarida no texto constitucional, compondo um especial alicerce

normativo-principioló gico (tem-se claro - é de alertar - que tais valores são, em boa

parte, frutos de conflitos políticos de interesses ideológicos diversos; o que não lhes

retira, porém, a utilidade jurídica e social).

Sob o prisma teleológico, tem-se que a realização dos fundamentos

axiológicos constitucionais fcuma um arcabouço a realizar, um conjunto de intenções

e finalidades a concretizar. O que, aliás, põe-se óbvio desde que se tenha clara a

perspectiva normativa como um misto de ser e dever ser, que reflete parcialmente a

valoratividade reconhecida socialmente e as relações de poder (plano do ser), mas vai

além, propugnando a imposição de dimensionamentos valorativos novos ou

renovados (plano do dever ser), funcionando como determinação fmalística de

condutas (*). Um tal prisma teleológico resulta na adequação valorativa (ou

ordenação racional) do sistema - referida no segundo capítulo.

Seja como for, a arquitetura do sistema constitucional, embora

sedimentada e fundamentada valorativamente, e mesmo que se estruture em

formulações principiológieas, é arquitetura cujo ponto de partida é normativo.

(* ) Em «fireçSo semelhante, Hennam Hdkr, que, segundo José Afonso da Sflva, "procura salvar o

conceito unitário de conriituiçio, «im comáden a autonomia das partes káefftaÉa numa ezpéáe de umfto

hiportàtka, em que a coostiimçfto real, como relações reais de poder, finrnt a infrit-eatnitnra da ranwtitmgto

normativa juridica* ÇA.pitcabilidade..., p. 22).

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Com isso, patente fica o entendimento de que a Constituição é norma,

e se Impõe como norma. Fator que atinge todos os seus dispositivos, variando

apenas o grau de eficácia destes (no que respeita à amplitude e

temporalidade/imediaticidade de aplicação).

Esse caráter normativo, no entanto, reveste-se de 'especialidade' em

relação ao conjunto do sistema jurídico. Tal 'especialidade' reside no feto de que a

imperatividade normativa dos dispositivos constitucionais vem acompanhada da

supremacia constitucional - vale dizer, todas as normas constitucionais são, a priori,

prevalenles em relação às demais normas. Como bem afirma Neves,

"a Constituição tem supremacia hierárquica sobre os demais

subsistemas que compõem o ordenamento, funcionando como

fundamento de pertinência e critério de validade dos subsistemas

infraconstitucionais. Pode-se defini-la, conforme a terminologia

tradicional,como o complexo normativo superior de determinado

sistema jurídico estatal, sendo, portanto, o último fundamento e

critério positivo vigente de pertinência e validade das danais

normas integrantes deste sistema" (17).

A prevalência das normas constitucionais, vale adiantar, registra-se

tanto quanto às dimensões formais/procedimentais (atribuições de poderes e

determinações de procedimentos legislativos, regulamentares e jurisdicionais) quanto

às dimensões materiais (consonância de conteúdo das demais regulações - legais,

administrativas, jurisdicionais - com o texto constitucional).

Mas, embora deva-se, pois, compreender que a Constituição é antes de

(17) Maredo NEVES. Ob. d t, p. 63.

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qualquer outra coisa um conjunto de normas jurídicas, contentar-se com isso nos

deixaria no mesmo ponto que as esteiras legalistas, com as suas conseqüsstes

deficiências para lidar com a realidade social subjacente aos fenômenos jurídicos.

Em função disso, o que tem sido pontuado, nos capítulos antecedentes,

são premissas de uma compreensão mais complexa da normatividade constitucional.

Uma compreensão que, partindo dos pressupostos lógicos de imperatividade e

supremacia das normas constitucionais, avança na direção das manifestações

valoraiivas de sentido intraconstitucional e da subsunção valoratíva (não

necessariamente apodítica) do Direito como um todo à Lei Maior, em especial à

unidade sistemática fundada nos princípios constitucionais.

Soido tal norteamenlo de sortido um processo que parte da seleção

normativa de valores (*), tem-se a Constituição como um conjunto normativo

prevalente, axio logicamente ordenado, e tendencialmente unitário em tomo de

valores superiores (principiológicos).

4J2 - As Normas Constitucionais

Ao falar-se em 'normas constitucionais’, está-se fazendo referência a

todas as regras contidas no texto da Constituição Isso significa que não há que

se reconhecer um caráter de 'constitucionalidade especial* a normas que tenham um

conteúdo constitucional específico, 'propriamente constitucional', em detrimento de

(* ) Num ptano politko-ccastítucknBl, há a sekçSo doe valorai que devem ser ioscridos no texto da

Coosthtnçik» como jrcvakntez; h&hffccamente, há a sckç&o doe va lo r» qoe, aotrc o* valora comapudos

renatitnrinnm ím rrà* Hm rim xm rím n v r irm TrdirprHutrvn« SalienÉA-BC a pcrtrnriahrilde da Lei Maior como

eede do nòdco de CQnsayaçfto dog valores tegrtgnanto da democracia, copfonne foi viato ao captolo anterior.

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outras normas que não sedam ’propriamente oonstitucionais'. Bem afirma José

Afonso da Silva que

"normas constitucionais são todas as regras que integram uma

constituição rígida” (18).

Ou seja, para que uma norma seja constitucional, basta ela revestir-se

formalmente de um tal caráter, basta sua presença no texto legal da Constituição. Tal

feição justifica-se tão logo pensemos no feto de que o texto constitucional é o

amálgama jurídico da organização político-social de cada país. Por conseguinte, o

ponto de partida da adjetivação 'constitucional para uma norma é sua pertinência

formal.

Ora, tal adjetivação, em princípio, empresta já à norma constitucional o

atributo de supremacia sobre a ordem de Direito e de Estado. Supremacia esta que

garante preliminannsite sua dimensão vetorial, tanto em termos formais quanto,

também, em termos de conteúdo.

Assim sendo, toda regra de direito que esteja presente no texto

constitucional, está por que o legislador constituinte considerou-a fulcral para a

ordenação político-social. Independente de ter ela um caráter mais ou moios

’organizativo' das funções estatais ou de cidadania (um caráter 'propriamente

constitucional' quanto ao conteúdo regulado), reveste-se da supremacia própria à

dimensão constitucional. O que potencializa a norma constitucional corno uma

diretriz, com um maior ou menor peso interpretativo - aí sim - de acordo com sua

imposição axiológica ou teleológica.

Pois bem: se todas as regras oontidas no texto constitucional são

'normas constitucionais', o corolário lógico é que todas das possuem eficácia

(18) José Aforao da SILVA Aplicabilidade..., p. 34.

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jurí<Uco-constftucional (*).

Vale dizear, assim, que toda norma constitucional possui de pronto

eficácia e aplicabilidade jurídicas, dependsida a extensão e efetivação de tal eficácia

de complementação legislativa, administrativa ou jurisprudencial. O que inclui,

saliente-se, as domadas normas prográmaticas (normas de força diretiva para o

legislador e os órgão públicos, mas que, segundo o entendimento aqui adotado,

possui também eficácia automática, mormente no que respeita à eficácia negativa).

Sendo a Constituição promulgada e publicada, ganha da

potencialidade aplicativa, fàtor que se faz real a partir de sua entrada em vigor. Ou

seja, as normas constitucionais ganham aplicabilidade jurídica (que é potencialidade,

sendo menos, pois, do que aplicação) desde que tenham vigência.

"Vigência (do verbo viger, do latim vigere) é, no sentido

indicado, a qualidade da norma que a fez existir juridicamente e

a toma de observância obrigatória, isto é, que a fez exigível, sob

cotas condições. Vigência, pois, é o modo específico da

existência da norma jurídica" (19).

O resultado, assim, é consistir a vigência num elemento normativo

(* ) a eficácia jurídica representa o fito de a nonna, pela simples rirranstflncia de ser norma estatal

regularmente formatada, emanar e&ftoe jurídicos, ser potencialmente nplicàvd {aplicabilidade em tese). A

adjetzvaçio ‘rnwgtThvnnro»!’ ressalta a «np m w i» da Constituição como ápice do ordenamento. Assim, a

eficácia jaridkxHXMBttincional repraenia a força juri£co-nonnativa agregada à supremacia de conteúdo oo

orgamddade da Congtitniçfio. Em funçSo disso, cabe a afirmativa de que toda norma coosâuckaal possui

imediata aplicabilidade: se, por um lado, pode sua eficácia ^oritiva’ ser parcializada (dependente de

rCTnpfatnwrtttçftwfy per outro lado, powaian elas eficácia ^egatrva* (no wfrtido de revogar a legulaçSo

antecedente que com riaa confljtar).

(19) José Aforao da 8BSVA.Aplicabilidade~., p. 42.

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formal (não se confundindo com a validade). Representa, então, uma oondicão prévia

da eficácia iuridica das normas. Ora, a eficácia normativa de todas as normas

constitucionais resta afirmada. O que se pode verificar - isto sim - são variações de

grau de aplicabilidade (concernentes à extensão, à plenitude de tal eficácia).

43 - Classificação Eflcacial e Qualificação das Normas Constitucionais

Num plano qualificativo de funcionalidade da eficácia normativa

constitucional, vale resgatar a classificação proposta por José Afonso da Silva. Ele

desenvolve (em uma das mais referidas publicações de um. brasileiro sobre Direito

Constitucional - Aplicabilidade das Normas Constitucionais) um estudo profundo e

detido sobre tais 'graus' da eficácia normativa constitucional.

Para tal jurista brasileiro, é pertinente uma divisão tripartite das normas

constitucionais (quanto a isso, no fundamental, há aqui concordância). Ele as divide

segundo possuam eficácia plena, contida ou limitada.

As normas de eficácia plena seriam aquelas que desde a entrada em

vigor da Constituição produziriam seus efeitos imediatamente, incidindo direta e

integralmente sobre os interesses que regulam.

As normas de eficácia contida incidiriam de pronto sobre os interesses

que regulam, mas não de modo necessariamente integral, por serem sujeitas a

restrições legislativas ou regulamentações delimitativas de sua aplicabilidade.

As normas de eficácia limitada, com a entrada em vigor do texto

constitucional, incidiriam parcialmente sobre os interesses regulados, teriam eficácia

parcial, dependendo de posterior complementação normativa que lhes plenificassem a

aplicabilidade.

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Da referência à eficácia normativa emergem os parâmetros pelos quais

as normas atingem seus intuitos, pelo qual elas se efetivam. Disto decorran

óticas diversas (não necessariamente contraditórias; por hipótese, complementares)

sobre os dimensionamentos caracíerizadores das normas constitucionais.

Quanto à imperatividade, costuma-se distinguir as normas jurídicas em

preceptivas e proibitivas. Preceptivas seriam aquelas que impõem uma conduta

positiva. Proibitivas seriam aquelas que impõem uma omissão de conduta.

Quanto à autonomia eficacial, ter-se-ia (seguindo Del Vecchio, referido

por José Afonso da Silva (*)) normas primárias e secundárias. As primeiras seriam

aquelas que exprimem diretamente uma regra obrigatória de agir, e isso

independendo de outras normas. As normas secundárias saiam aquelas cuja

aplicabilidade completa-se com a edição de outra(s) norma(s).

Quanto à imposição, costuma-se classificar as normas em coercitivas

(cogentes) e dispositivas. As normas coercitivas saiam aquelas que se impariam à

vontade dos indivíduos, sobrepondo sobre ela uma obrigatoriedade de ação ou

abstenção. As normas dispositivas seriam aquelas que se agregam à vontade das

pessoas, completando outras normas ou auxiliando a exeqüibilidade das intenções

dos indivíduos.

Fala-se, ainda, em normas auto-aplicáveis e de aplicabilidade mediata

(não auto-aplicáveis). As auto-aplicáveis teriam sua eficácia jurídica incondicionada,

regulando diretamente as matérias. As normas de aplicabilidade mediata seriam

aquelas cuja eficácia jurídica seria incompleta, dependendo de se lhes agregar outras

normas.

(* ) José Afonso da SOLVA. Aplicabilidade..., p. 57.

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Após esse brevíssimo mosaico a respeito das principais classificações

das normas jurídicas, pode-se traçar um panorama qualificativo das normas

constitucionais especificamente consideradas sob as dimensões desta dissertação.

I - A primeira observação pertinente é que as normas constitucionais se

revestem de impositividade, ou seja, são normas cogentes. Mesmo que possam

possibilitar o uso de poderes discricionários, as normas constitucionais são, a priori,

irrenunciáveis, estabelecendo base ’pública' para as relações jurídicas em geral. Vale

dizer, são normas vinculativas das partes nas relações a que dão base de

fundamentação jurídica.

Tal pressuposto par si só já basta para que se afirme (com José Afonso

da Silva, este ancorado em De Simone):

"não há norma constitucional alguma de todo ineficaz, 'porque

todas são, de modo unívoco, constitucionalmente cogentes

em relação a seus destinatários' ” (20).

II - Isso apenas ratifica que toda norma contida no texto constitucional -

por este simples fato - é fonte de emanação de efeitos jurídicos. Ou seja, quanto a

tal qualidade primária - de ter eficácia - não deve haver distinções entre as normas

constitucionais.

Em tomos qualitativos da eficácia, no entanto, distinções de grau são

cabíveis. Por um lado, deve-se ter atenção ás normas cuja plenitude potencial de

eficácia é imediata, em diversificação das normas cuja eficácia potencial é restrita, no

(20) José Afonso da SELVA. Aplicabilidade , p. 66.

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sentido de que a plenitude de sua aplicabilidade depende de regulamentações ou

complementos legislativos. Por outro lado, pode-se concebe? normas constitucionais

com especial imposição, com força diretriz singular - principiológica - em tomos de

axiologia.

Outra não é a dimensão dada por Canotilho e Vital Moreira, quanto a

tal força diretriz. Partindo do pressuposto de que toda norma constitucional é norma

jurídica, propugnam eles ser possível descobrir (ou desenvolver, acrescente-se)

ordaiação e articulação sistemática no conjunto normativo constitucional,

características funcionais para os propósitos de aplicação efetiva do texto

constitucional - o que também é, de acordo com o anteriormente exposto, o

pensamento exposto nesta dissertação. Nesta esteira, os juristas lusos estabelecem

como pontos fulcrais duas distinções normativas, entre normas e princípios e entoe

normas preceptivas e normas programáticas. Segundo eles,

"a norma distingue-se do princípio porque contém uma regra,

instrução, ou imposição imediatamente vinculante para certo

tipo de questões" (21).

Entendendo, no entanto, os princípios como núcleos de condensação

de bens e valores constitucionais (vale dizer, na perspectiva aqui adotada, núcleos

axiológicos), colocam-nos em uma dimensão efetivamente normativa - embora

direcionadora. Com isso, agregando-se a positividade normativa à valoratividade

principiológica, qualificam os princípios como "normas-princípio", efetivas bases da

organização normativa constitucional, tanto em temos políticos quanto em termos

jurídicos.

(21) J. J. Gomes CANOTILHO e Vílal MOREIRA. Fundamentos da ConstituiçOo, p. 49.

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Por outro lado, ter-se-ia, dentre as normas constitucionais, as normas

preceptivas, caracterizáveis como aquelas que preceituam determinaria conduta,

fixando uma disciplina imediata e vinculante, sendo as normas programáticas

fixações de diretivas para os órgãos légiférantes. Para os juristas lusos, porém, as

normas programáticas não devem ser menosprezadas. Reconhecem, inclusive, certo

caráter preceptivo a tal tipo normativo constitucional, pois

"as normas programáticas podem revestir a forma de concretas e

determinadas imposições constitucionais, cujo cumprimoito

impende concreta e permanentemente sobre os órgãos do

Estado”. Adornais,

"elas tomam inconstitucionais as leis que as contrariem, nos

mesmos tomos das restantes normas constitucionais” (22).

QI- Conseqüentemente, tem-se, por um lado, que há normas não

pleniílcadas (para a aplicação) por sua simples edição constitucional, em face de

normas plenamente aplicáveis. Observe-se, no entanto, que as normas

'incompletas' guardam em si juridicidade e aplicabilidade desde sua edição, aparas

não soido elas plenamente efetiváveis sem o complemento que pedem.

IV - E, por fim, tem-se as normas diretrizes, de direcionamento vetorial

(como exemplos máximos, os princípios fundamentais abordados no capítulo

anterior), impondo-se em relação ás normas de operacionalidade e distribuição de

competências pela Constituição e aos demais direitos individuais e sociais.

(22) CANOTILHO e MOREIRA. Ob. d t, pp. 50-51.

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Enfim, pode-se concluir esta etapa da análise com a enunciação dos

seguintes postulados :

a) a Constituição é um conjunto de seleção de valores, mas o é

na forma de estruturação normativa. Isto é inalienável conquisto histórica: os ditames

constitucionais (especialmente os princípios fundamentais) configuram verdadeiras e

efetivas normas jurídicas;

b) o caráter constitucional é dado a uma norma de acordo com

soa dimensão formal, estando ela presente no texto normativo constitucional, será ela

norma constitucional, dotada preliminarmente de supremacia formal sobre os

restantes mandamentos jurídicos;

c) as normas constitucionais são normas cogentes, que se

impõem sobre as relações em que atua o Poder Público e, também, lato sensu, sobre

as relações privadas;

d) toda norma contida no texto constitucional possui, de pronto,

aplicabilidade corno tal. No entanto, há normas constitucionais cuja aplicação, desde

o momento em que ganha vigência, é plena, enquanto outras tem sua aplicação plena

condicionada à edição de outras leis ou atos regulamentadares (seja para concretizá-

las, seja para limitá-las),

e) dentre as normas constitucionais é inviável negar-se a

dimensão direcionadora conferida a determinadas normas, numa arquitetura

axiológica do texto normativo da Constituição Federal. Arquitetura cujo cume - o

nexo do dimensionamento e direção do conteúdo do Direito - situa-se nos quatro

ditames (princípios) básicos enunciados no capítulo anterior, liberdade, igualdade,

vida e dignidade.

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Os ditames básicos (principiológicos, como já se alertou) podem bem

ser caracterizados como elementos deontológicos com consagração normativa. Ora,

se os valores fundamentais (deontológicos) da sociedade brasileira encontraram

melhor resguardo na consagração normativo-constitucional, essencial é a

preocupação com as garantias de imposição das normas constitucionais sobre o

sistema jurídico como um todo.

O modo de alicerçamenlo da eficácia deste conjunto normativo especial

que é a Constituição passa por mecanismos que o garantam como imperativo.

Mecanismos basicamente defensivos contra violações positivas (de atuação) ou

negativas (de omissão) ás normas constitucionais; que condicionam o restante das

relações jurídico-sociais à imposição extrínseca da Constituição. São os

mecanismos, pois, de controle da constitucionalidade.

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5. CONTROLE DE CONSUTUCIONALTOADE

A Constituição brasileira está situada na esteira das Constituições

rígidas. E o está nos termos mais fortes de tal característica: a dificultada

mutabilidade da norma constitucional em relação à da norma ordinária. Isso denota a

já referida supremacia, a superioridade da norma constitucional. O que implica a

hierarquia formal da Constituição sobre os restantes conjuntos normativos do

ordenamento (há, por óbvio, a hierarquia material; voltar-se-á a ambas adiante).

Ora, a partir disso, é que a Constituição - conforme afirmou-se em

páginas anteriores - estrutura-se impositivamenle em dois sentidos: interna (no

sentido de nexos valorativos intrínsecos) e externamente (extrinsecamente). A soa

imposição externa resulta em que as danais normas e atos normativos no sistema

jurídico devem ser consoantes com a nonnatividade constitucional, não podendo

aqueles contradizerem o sentido destas e devendo sua edição respeitar os parâmetros

procedimentais predispostos constitucionalmente. O controle de constitucionalidade

representa uma das faces desta imposição externa da Lei Maior.

Assim, resulta o controle de constitucionalidade como um dos mais

importantes aspectos de afirmação das virtudes da Constituição enquanto diretriz

valorativa do sistema jurídico. Isto porque representa ele exatamente um instrumento

funcional de garantia da referida 'imposição externa', um mecanismo amplo de

proteção à especialidade normativa do texto constitucional.

O controle é, ainda, como bem salienta Canotilho, um elemento de

concretização e desenvolvimento do seitido direcionador da Constituição. Afinal,

"a força dirigente das normas constitucionais vincula todos os

poderes públicos (mesmo os de controle), obrigando-os a uma

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tarefa positiva de concretização e desenvolvimento do direito

constitucional. Quando se fàla, por ex., do valor preceptivo das

normas consagradoras de fins e tarefas (normas programáticas)

como normas vinculativas de todos os poderes públicos

pretende-se salientar, entre outras coisas, que os tribunais estão

obrigados a aplicar e a concretizar essas normas, não obstante a

sua eventual ’abertura’ ou 'indeterminabilidade'." (23).

Ou seja, a tarefe de controle ten algumas precípuas funções dentro do

sistema constitucional: é garantia da imposição constitucional sobre o sistema

jurídico; é instrumento de concretização e desenvolvimento do Direito, tendo em

conta as situações concretas por ele atingidas ou atingíveis; e representa um

referencial de segurança jurídica, tanto do ponto de vista institucional quanto do

ponto de vista dos cidadãos.

Além disso, bá de se registrar existir (oonfõnne a douta lição de

Canotilho e Moreira (♦)) entre o controle e a revisão constitucional uma significativa

ligação - por melhor dizer, uma complemeníariedade. Ter-se-ía o controle como uma

modelização de garantia contra atos e omissões do Estado que violou o texto

normativo constitucional. A revisão, por sua vez, representaria a dificultada

mutabilidade constitucional (aspecto procedimental) e a garantia de identidade

constitucional (limites explícitos e implícitos de revisão - no Brasil, art. 60, § 4°,

C.F./88 e Princípios Fundamentais). Por questões metodológicas, porém,

(23) Joaè Joaquim Gomes CANOTILHO. Direito Constitucional (5. e&X P- 974.

(* ) Fitndamenios da Constituição, pp. 235*36.

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arregimenta-se tal dissertação sobre o controle de constitucionalidade, marginando o

problema da revisão constitucional.

Para além do simples problema 'mecânico' de ser ou não constitucional

uma lei ou ato normativo, deve-se to em conta, sobretudo, a dimensão múltipla de

afirmação de conteúdo que os institutos do oontrole de constitucionalidade

propiciam. Trata-se, pois, da afirmação forte do que representa a axiologia e a

teleologia na estrutura do pensamento sistemático constitucional.

Os mecanismos de controle da constitucionalidade - especialmente no

oontrole difuso (*) - projetam a potencialidade do controle como concretízador das

afirmações de conteúdo da Constituição. Tem-se, então, aquilo que deve ser fulcral

na orientação intexpretativa regente do controle de constitucionalidade: os órgãos

por de responsáveis devem tender à máxima realização dos pressupostos

valorativos e ideológicos consagrados constitudonalmente.

(* ) A origem do ccntrok difuso nonnalmfflte é locnlrêada pela dootrina como sediada nos Eatados Unidos.

Em nosso pais, é adotado parcialmente (divide espaço com o ccníroJe concentrado, constituindo o oontrofe

orâtoX através da Via de exceção'. Consiste de no ootirok de coPBtitoáonalidade enqoazio exerdtável por

qualquer órgão jurisdicionaL Od se£a, t reconhecida competência jnriarik-ional a todos os órgãos do Poder

Judiciário, apenas Hnntada - no Brtail- a extensão da dicáciada manifestação juriadjckoal proferida. fe,pois, o

controle apresentado caso a ca», perante demandas judiciais concretas em qualquer grau de jurisdição.

O oontrole difuso, embora possa ter nuaaces diversificadas, poggui uma virtude forte inquestionável: é

diretriz judicial pera um caso próximo’. Od seja, a avaliação vaiorativa tem como base direta os casos

aociaia. No &agü, onde impera um controle misto (conrertrado e difuao), tena-ae uma face do controle difuao na

via de exceção. E esta, como bem mHwita Bonavides (Curso de Direito Constitucional, p. 255), é amais apta

"a prover a defesa do cidadão contra os atos normativos do Poder, porquanto cm toda demanda que suscite

controvérsia constitucional sobre lesão de direitos individuais estará sempre aberta uma via recuraal & porte

ofendida**.

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5.1 - O Controle gob a fttmeiwio Prática

I - No que respeita ás dimensões práticas, primeiramente há que se falar

em controle preventivo e controle repressivo. O primeiro seria aquele exercido contra

projetos legais já em soa gênese contrários aos preceitos constitucionais; ou seja, iria

contra o ingresso, no ordenamento, de nonnas inconstitucionais. Sena ele exercido

pelo Legislativo (art. 58 da C.F./88) e pelo Executivo (art 66, § 1®, C.F./88). O

segando é aquele exercido jurisdicionalmente, contra os atos normativos em gsal

que, já editados, contrariou preceitos constitucionais, visando a retirada de tais atos

do sistema jurídico.

O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos

(especialmente no que tange à dimensão jurisdicional) pode caracterizar-se - quanto

ao tipo de juízo que incide sobre os atos normativos avaliados - como formal ou

material.

O controle formal é, sobretudo, um controle de procedimento. Refere-

se à feitura dos atos normativos e leis, examinando se houve ou não observância dos

preceitos constitucionais estatuintes da organização e relação dos poderes

institucionais, tanto no plano da União quanto no plano federativo em geral. Diz

respeito, por um lado, à distribução de competências, e por outro, a eventuais

procedimentos para edição normativa.

O controle material, por sua vez, incide sobre o conteúdo da norma

propriamente dito. Diz respeito, pois, aos ditames poMco-valorativos que a

Constituição pulveriza sobre a sociedade como um todo, e especialmente sobre os

poderes institucionais (ou, para falar em tomos legiferantes, sobre os

‘poderesconstituídos'). Visa garantir que todo ato normativo guarde consonância (ou,

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ao maios, não contradição) com o conteúdo das normas constitucionais.

n - Seja como for, o controle de constitucionalidade - formal ou material -

operacionaliza-se em nosso país fundamentalmente a partir da atuação jurisdicional.

Embora a iniciativa do controle não caiba à magistratura, é através da via

jurisdicional que os controles repressivos de constitucionalidade são realizados no

Brasil.

A partir disso, os dois fundamentais modos de exercício do controle são

os que se exercem pela via de ação (controle concentrado - via direta) e pela via de

exceção (controle difuso). A síntese deles resulta no controle misto, adotado no

Brasil.

A via de ação instrumenta-se peias ações diretas de

inconstitucionaUdade e pela ação declaratória de constitocionalidade, previstas

expressamente no texto constitucional. Trata-se, no geral, quanto ás primeiras, de

ações próprias contra leis ordinárias e atos normativos, visando invalidar a sua

existência no ordenamento jurídico por não atenderem aos ditames procedimentais de

edição previstos na Lei Maior, ou por conflitar com o conteúdo de normas

constitucionais. Quanto ás segundas, é modalidade de ação destinada a confirmar,

previamente a qualquer conflito efetivo, a constitucional idade de uma lei ou ato

normativo federal.

As ações de inconstitucionaUdade implicam um desacordo normativo

de cunho hierárquico constitucional. Nos termos de José Afonso da Silva,

representam o registro de

"incompatibilidade vertical de normas inferiores (leis, decretos

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etc.) com a constituição" (24).

São ações que se dirigem ao STF (no que tange ás normas da

Constituição Federal), sendo que almejam, em regra, retirar da lei sua eficácia

normativo-constitucional. Atingem em tal gravidade a lei que sua perda de validade

dá-se perante toda a sociedade, ou seja, 'erga omnes’.

Registre-se o artigo 97 da Lei Maior brasileira, que impõe seja a

decisão do tribunal (federal ou estadual) a manifestar-se sobre a inconstitucionalídade

tomada pela maioria absoluta de seus membros.

A via de exceção opera-se através da alegação Incidente de

Inconstitucionalídade. Nos termos exatos de Bonavides, ocorre

"quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes

levanta, em defesa de sua causa, a objeção de

inorastitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar” (25).

Desde já fica claro que seu atingimento (seus efeitos), a priori, reduz-se*

às partes litigantes - efeitos 'inter partes'. E alegação no processo, não o seu objeto, e

pode ser feita perante qualquer autoridade jurisdicional.

m - Com a C.F./88, houve a consagração de três espécies de ações diretas

de inconstitucionalídade (* } perante o S T.F.: a representação interventíva (art. 36,

ID), a ação de inconstitucionalidade propriamente dita - ação genérica (art. 102, I,

letra "a"), a inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2°).

(24) Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 46.

(25) Ob. ÕL, p. 233.

(* ) Pode-se fitlnr também m argüição de descumprimento de preceito fundamental (C.F788, arL 102, §

ánioo), oomo i™11 modalidade compkmattar de açfto de moonEtitorioTuüidftde.

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A mconstitucionalidade alegada em via de ação (mormente no caso da

ação genérica) consiste ela mesma no próprio objeto da causa: o que se discute é a

constitucional idade, ou não da lei ou ato normativo. Equivale a dizer que a sentença

proferida incidirá sobre a eficácia e aplicabilidade da lei ou ato normativo de

imediato, vinculando as autoridades aplicadoras. E isto, conforme o entendimento de

José Afonso da Silva, indep«idendo de futuro pronunciamento do Senado (*).

Como bem assinala Sérgio Fenaz,

Ha competência atribuída ao Senado Fedend, no inc. X do

art. 52 da Constituição (na verdade simples competência

administrativa, em que pesem respeitáveis opiniões em

contrário), se refere unicamente á declaração incidental de

mconstitucionalidade pelo Supremo. Trata-se de uma solução

articulada e sistemática da Constituição, para harmonizar a

constatação, em concreto, da mconstitucionalidade de uma lei

com o princípio da separação dos poderes." (26).

A ação declaratória de constitucionalidade. inserida na Constituição

com a Emenda Constitucional n° 03, de 1993, visa constatar a constitucionalidade de

lei ou ato normativo federal antes mesmo de surgida qualquer controvérsia concreta

sob sua incidência (da lei ou do ato normativo). Procura antecipar-se a situações

concretas submetidas, normalmente, como questões de análise jurisdicional

(*) Sobre o assunto, ver o seu Curso de Direito Constitucional Positivo, 6. ed., pp. 52-53. Em sentido

diverso, ver Mkbd TEMER, ElemerUos de Direito Constitucional, pp. 43-451 Paulo Napokfto NOGUEIRA

DA SILVA, A Evolução da Constitucionalidade e a Competência do Senado Federal, pp. 1Q8-10.

(26) Sérgio FERRAZ. A Declaração de Inconstitucionahdade no Supremo Tribunal Federal, m: Revista da

AJURIS, n° 61, p. 238.

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difusa Ç*).

A inconstitacionalidade alegada em via de exceção consiste imma

questão prejudicial na causa, que gera um incidente processual. Via de

conseqüência, faz coisa julgada com efeito 'inter partes’. Somente atingirá a própria

lei ou ato normativo caso o Senado Federal, por resolução, venha a suspender sua

executoriedade. E isto só acontecerá se a ação em que foi alegada e declarada a

inconstitucionaiidade chegar ao STF on grau de recurso, e este confirmar a

declaração de inconstitacionalidade, remetendo após a questão ao Senado, para que

este se manifeste, nos temos do artigo 52, X, da C.F./88.

A partir disso, para as partes emana a sentença declaratória que

reconheça a mconstitucionaiidade - como prejudicial em uma ação - efeitos 'ex tunc\

atingindo a relação jurídica objeto do litígio desde o seu nascimento (efeitos

retroativos). A posteriori, o Senado poderá retirar, como foi visto, a eficácia da lei ou

ato normativo; os efeitos de tal suspensão, porém, 'ralarão daí para diante, ou seja, *ex

nunc\

SJ2 - Controle e Slstematicldade Jurídica

De qualquer modo, a questão da constitucionalidade das leis e atos

normativos é, indubitavelmente, de fulcro operacional da própria idéia de sistema

jurídico. Obviamente, no entanto, consoante o anteriormente exposto, embora precise

(*) Embora seja modalidade de muito recede mserç&o na sistemática de controle, a ação dedarstória de

coostftucknalidBde suscitou polêmica. HA ceosidençGes de que a rfkáda feg» onmes1 e vinculativa conferida

pelo § 2° do Bitigo 102 iria de eoocniro com os pri&dpks oonstitocianaiB do oontradiíório (art 5°, LV) e da

da tutela jurisdickaal (art. 5°, XXXV). Por outro lado, é de admitir que tal ação vem a

propósito de dar maior uniformidade ao JodkáÁrio, o qoe pode ser meritório.

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da articulação interna do sistema constitucional para que possa operar, seus efeitos se

fazem notar nítidos na dimensão externa do sistema constitucional, onde de opera

como subsistema jurídico. É nesta dimensão que se afirma:

"a abordagem do problema da inconstitucionalidade das leis

(lato senso; em sentido fònnal ou material) circunscreve-se às

relações intra-sistemáticas entre normas constitucionais e

normas infraconstitucionais'' (27),

tanto no que respeita ás relações de conteúdo propriamente ditas (nomoestática)

quanto no que respeita às relações de produção e aplicação normativas

(nomodinámica).

Quanto às relações de conteúdo enlre normas constitucionais e normas

infraconstitucionais, tem-se a base de adequação material destas àquelas. Trata-se

basicamente de respeito à preponderância de fundo das primeiras perante as

segundas, num condicionamento substanciai de validade.

Quanto às relações de produção e aplicação normativas, tem-se a base

de procedimento da elaboração de leis, atos normativos e pronunciamentos

jurisdicionais, de acordo com as autoridades e respectivos poderes, reconhecidas e

conferidos na e pela Constituição.

É dentro de um tal nível de possibilitação de controle jurisdicional do

procedimento e conteúdo normativo e administrativo da oonstitucionalidade que se

pode poisar em unidade potencial de sentido para o Direito.

Ou seja, a idéia de controle representa a extsioridade operacional da

noção de imposição axiológica constitucional. Ora, se o sistema constitucional, como

(27) Marcelo NEVES. Ob. dL, p. 72.

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antes foi visto, não prescinde deste amálgama fundamental que é o pressuposto de

conexões valorativas intrínsecas, estas - por sua vez - servem como base do sentido

mais forte de imposição constitucional extrínseca.

Assim, parte-se de um nexo primário intrínseco (sistema intemo) à

esfera constitucional - nexo vaJorativo - e a partir deste chega-se a uma conexão geral

do Direito. É de um tal modo, pois, que o sistema constitucional realiza a já

registrada função de núcleo operacional (subsistema jurídico preponderante) de todo

o sistema jurídico.

Por fímj o controle de constitucionalidade é, como visto, uma atividade

jurídica centrada no exercício de jurisdição, e esta é atividade de poder centrada em

desenvolvimentos interpretativos. Vale dizer, o bom desempeho do controle de

constitucionalidade - como extemação da dimensão sistonático-constitucional

intrínseca - passa pelo desenvolvimento de atividades interpretativas.

O complemento funcionai a toda essa conexão axiológica que vem

desembocar na idéia de controle de constitucionalidade é, portanto, uma fulcral

dimensão de leitura’ dos conteúdos do Direito Constitucional (no sua conexão

normativa, que representa mais do que um moro sentido dogmático), num primeiro

plano, e do Direito como um todo, numa direção geral: a idéia de interpretação

constitucional sistemática.

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6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL SISTEMÁTICA

Eis, assim, após as anteriores considerações, o sistema jurídico como

uma ordem teleológica (e normativa) de valores/princípios de Direito (*). Seu

amálgama básico é a articulação axiológico-principiológica em tomo de valores, no

mais das vezes reconhecidos legislativamente, especialmente na Constituição. O que

se dá, no entanto, com atenção à dinâmica social - matriz fundamental das relações

regradas pelo Direito, e ao intuito democrático > norteador da determinação regulativa

includerrte (no sentido de ampliação quantitativa e qualitativa da cidadania); fàz-se

forte, então, a imperatividade da 'abertura' do sistema.. Mas, ainda, o

dimensionamento de valores passa primeiramente pela normatividade própria da

Constituição, e operacionaliza-se através de mecanismos diretos e indiretos de

controle de constitucionalidade.

Sendo a normatividade estatal o fulcro de sedimentação das relações

jurídicas, e sendo a Constituição Federal (para o caso brasileiro, cuja organização

institucional passa pelo federalismo) a base de conteúdo da normatividade do sistema

jurídico como um todo (a direção de sentido do ordenamento jurídico-social), tem-se

que o fortalecimento da idéia de sistema jurídico passa pela clarificação da idéia

de sistema constitucional. Ou seja, conforme o até agora exposto, para que a idéia de

sistema perpasse o universo jurídico em geral, seu dimensionamento deve ter como

alicerce o sistema constitucional, pela potencialidade deste em penetrar pluralmente

em todos os campos magnéticos do Direito.

Não basta, porém, tal construção teorética sem que se tenham bem

(* ) Conforme supra, p. 31.

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claras a soa utilidade e aplicabilidade; ou seja, sem que se perceba a sua dimensão

prática na aplicação do Direito.

Com isso, firma-se, acima de tudo, a importância do sistema para os

ditames conducentes da interpretação jurídica, e especialmente da interpretação

jurisdicional constitucional. Via inversa, firma-se também a importância da

interpretação jurídica para a concretização e oporacionalização do sistema jurídico.

Chega-se, assim, a uma inevitável questão: 'qual a importância dos tribunais para a

determinação do que verdadeiramente é o Direito em um dado pus’?

Na busca de uma adequada resposta a tal questão, saia equívoco

afirmar que ’o verdadeiro e único Direito é aquele que ditam os tribunais’. Isso

denotaria uma leitura débil dos fenômenos jurídico-sociais, atingindo aquilo que

talvez seja mais rico nas relações em tal esfera da sociedade: as múltiplas e

recíprocas determinação e impulsão de valores (*). Além disso, isolaria o poder do

Direito em um núcleo de operadores seus que, embora sejam decisivos para as co-

detenninações, não guardam em si nenhum podar oracular de multividência.

Não há que se olvidar, contudo, que a instância jurisdicional

representa, dentro do contexto dos operadores jurídicos, a mais decisiva no processo

de afirmação de sentido para as proposições jurídicas. Isto deve-se, em boa parte, ao

(* ) As relações da erfera jurfcbca oom o ccatexto social devem ta compreendidas dialeticamente. Assim

sendo, tem-se que há nm» dmamicidade fimdammÉal ou relações abe a nonnatrvidade, os tribunais e a

sociedade. Por mais que os dois primeiros representem articulações de poder par vezes dissociadas das

aspiraçOes sociais, t inequívoco • ao menos nas sociedades ocidentais - que nm mtamno de consenso (no

sentido Gramedano) i indispensável para uma legitimação funcional do poder. £ este Ynimmo consenmaf

pode ser registrado como o plexo de conqmstas históricas da humanidade (csperiiümmte na esteira do exposto

no terceiro capitulo), em iunç&o do qual se definem as trocaa’ valoratívas.

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fato de que a instância jurisdicional ocupa um espaço intezmédio entre o objeto

Direito (como construção nonnatrvo-reguladofa das relações sociais), o

conhecimento que sobre ele é produzido e as problemáticas concretas emergentes da

oonflituosidade social. Assim sendo, o seu papel na concretização das enunciações

jurídicas (normativas e principiológicas) é crucial.

Ora, a instância jurisdicional operacionaliza esse seu papel

fimdamBntalmente através da interpretação jurídica (o que, para bem esclarecer, vale

- em maior ou menor grau - para todas as instâncias operativas do Direito),

instrumento de concretização/determinação prévio à aplicação de uma previsão

normativa.

Via de conseqüência, a interpretação jurídica jurisdicional é um eixo

fundamental da obtenção do Direito, o que vale para a

individualização/concretização do Direito (sua aplicação aos casos concretos), mas

também para sua sobredeterminaçõo generalizante (especialmente pela

normativização institucionaí-Iegal e pelos julgados sumulares dos tribunais).

A efetivação interpretativa jurídica serve-se (para funcionar na

obtenção do Direito aplicável) de diversos fatores instrumentais, como as regras

gramaticais, os processos histórico-legais, a dogmática jurídica e outros. Mas um

fator ressalta e impõe-se: trata-se, conformada ao seu objeto, de dimensionamento

interpretativo potencialmente axiológico e teleológico.

Como visto, é exatamente «ta fundamentação interpretativa através

dos valores (da axiologia) e/ou das inlencionalidades/finalidades (do teleologismo) da

ordem jurídica que permite articular oonsistentemcnte o ’jurídico’ sob a marca da

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idéia de sistema.

6.1 - A Interpretação Jurídica

I- Assim como a 'realidade da vida' não é sumamente objetiva, com

axiomas de verdade impondo-se sobre todas as ooisas, também uma norma jurídica

não possui um sentido unívoco intrínseco, imponível indistintamente sobre todos os

casos que possam ser atingidos.

O sentido 'objetivo' de uma norma (*1) - seja ela norma ordinária ou

constitucional - só pode ter uma definição de sentido normativo na sua aplicação (ou

exclusão de aplicação) a uma situação da vida, a uma relação sócio-jurídica regulada

- direta ou indiretamente - 'in abstracto'. O que vem a permitir tal definição de

sentido, como momento prévio do aplicar, é a interpretação jurídica.

Não se quer, com isso, dizer que uma norma seja vazia de sentido até

que haja uma manifestação jurisdicional ooncretizadora (*2). Sempre estará presente

no texto normativo um conjunto de signos de linguagem que imprimem uma

significação mmima apreensível normalmente por todos que lha interpretarem (aqui a

referência &z-se à mais ampla noção interpretativa, qual seja, a interpretação

coloquial, feita por cada destinatário possível da norma).

(*1) Adota-se & expressão toxina’ compreendendo a ld escrita estatal e as proposições decorrentes em

espedal dos costumes jurídicos e sodas e & jurisprudência. Prevakrtemente, porém, a referência é feita à tei

escrita «M al (leu escritas de origan legislativa ordinária, le » delegadas, decretos legislativos, medidas

provisórias dramas regulamentares).

(*2) Príoriza-se a análise sobre a concretização jurmhcional doe »«üdos normativos. Tem-se claro, porém,

que tal papel coocretizador, em escala menor e menos defimtrva, ê também exercido pelas autoridades

adminigtrativBE e legislativas em geral, pela doutrina e, mesmo, pela própria sociedade 'dviT.

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Ocorre, porém, que há uma esfera de interpretação - qualificada e

jurídica - que intermedia a aplicação institucional da norma. O locus' competente

para tal é o locus' institucional, através das autoridades administrativas (no mais

amplo significado do termo: órgãos governamentais, autoridades policiais etc) e,

principalmente, através das autoridades judiciais. Neste último nível, a determinação

de sentido específico da norma correlaciona-se com os fenômenos concretos

oobertos pelo âmbito possível de aplicação. Ou seja, é tarefe específica da jurisdição

o exercício de adequação normativa à realidade social subjacente.

II - O que se ten, então, primariamente, é que o ato intepretativo, para o

Direito, é um ato definitório de conteúdo, um ato concretizador da abstração legal em

fãce das circunstâncias de aplicação e em fáce das conexões axiológicas da regulação

jurídica.

Interpretar, assim, é definir o conteúdo de uma norma mediante sua

efetiva aplicabilidade a realidades concretas. Mais: é atividade com conexão

axiológica e teleológica com o conjunto normativo, e conexão de adequação e

razoabilidade com a realidade social abrangida pela previsão normativa. Como ban

afirma Bonavídes,

"a interpretação mostra o Direito vivendo plenamente a fase

concreta e iníegrativa, objetivando-se na realidade” (28).

III - Saliente-se que esse 'realismo' (sua referência aplicativa às situações e

sujeitos atingidos) do Direito reflete a sua historicidade, com o que as estruturas de

(28) Paulo BONAVÍDES. Ob.dL.P- 357.

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determinação significativa são regidas por realidades concretas, repositórios de

interesses ideológicos e sociais. O que, mais uma vez, traz à tona a inevitável

dinacidade do Direito (soa alterabilidade), com a conseqüente abertura e

incompletude do sistema jurídico.

Ou seja, tal fator vem dar razão a antes referida mutabilidade/abertura

do Direito (vide segundo capítulo desta dissertação), na congregação do plano

político-social (mais dinâmico) com o plano normativo (mais ’fixo'). Diga-se mais:

"a condicionalidade histórica do ordenamento jurídico revela-lhe

uma de suas características básicas: a dinamicidade.

Característica esta que não se limita à questão da criação-

revogação de normas jurídicas; abrange fundamentalmente o

problema da mutação das significações normativas, o que

se manifesta através dos atos de interpretação e aplicação

jurídicas" (29).

IV - Historicamente, negando ou afirmando as conexões sociais do Direito,

diversas foram as formulações a respeito da linha iníerpretativa a ser seguida pelos

juristas ao longo do desenrolar do pensamento jurídico modemo (dois últimos

séculos). Fundadas em questões ideológicas ou históricas, as diversas linhas teóricas

formaram métodos ou princípios interpretatívos por vezes conflitantes (*).

(29) Marcelo NEVES. Ob.ôL.p. 20.

(*) Dentre « várias tmttenri« hrterpretalivas, pode-se referir oc mítodoe Gramatical, Escgético,

Histórico» Ciartífico, o Direito Livre, o Teleologisino e « Tópica. Sobre o asuoto, ver Luis Alberto WARAT,

m obra Mitos e Teorias na Interpretação da L&it editora Síntese; também Kari LARENZ, na obra

Metodologia da Ciência do Direito (2. ed.X pp> 385-418.

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No entanto, importa observar não haver, atualmente, um embate em

que se propugne a adoção exclusiva de um ou outro método iníerpretativo. O que é

posto, isto sim, pelos defensores de uma ou outra tendêncix iníerpretativa, é a defesa

da prevalência e priorização de um método sobre os demais.

Assim sendo, a adoção de um método (critério metodológico) como

guia não significa a excludência dos métodos restantes. Significa, sim, que de inicio

prevalece uma determinada diretriz metodológica - utilizando-se das restantes em

termos ancilares.

Por outra parte, é relevante o feto de que a operação jurídica não é

linear. Os juízos de valor - inerentes ao interpretar - não operam de modo subsuntivo

aos métodos, numa seqüência lógica de raciocínio ideal, funcionando a adoção de um

método iníerpretativo muitas vezes como um recurso retórico legitimaste (por vezes,

é claro, recurso indispensável).

6*2 - A Interpretação Constitucional

I - A interpretação constitucional, embora ganhe snances próprias, é, de

inicio, interpretação jurídica em geral. Vale dizer, no plano teórico-prático, recorre a

métodos gerais de interpretação jurídica. Avança, no entanto, para atender os

reclames da especialidade das referidas supremacia intrínseca e extrínseca da

Constituição. Como bem afirmam Canotilho e Moreira,

"os pressupostos básicos de intopretação constitucional são os

de que a Constituição é uma lei (a Constituição como lef),

sendo formada por um conjunto de normas (a Constituição

como norma).

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Por um lado, a interpretação da Constituição equivale à

interpretação de uma lei, pretendendo com isto dizer-se que

aquela deve ser entendida, em primeiro lugar, como

interpretação de uma lei escrita - a lei constitucional -

utilizando-se as regras gerais de interpretação.

Por outro lado, ao referir-se a Constituição como norma,

pretende-se significar que a Lei fundamental deve sor

interpretada sempre como norma, mesmo quando as

disposições exprimam em primeira linha decisões políticas,

programas ou valores e não enunciados deônticos em sentido

restrito" (30)

Via de conseqüência, vale para a interpretação constitucional o

registrado anteriormente, ao afirmar-se como infrutífera a utilização exclusiva e

restritiva de um só método interpretativo. Em nossos tempos, a operação

interpretativa deve ser globalizante, intercaladora e somatória de métodos.

De qualquer modo, o exercício interpretativo constitucional diz respeito

a uma série de concepções teóricas jurídicas. Por outros termos, a condução da

atividade do intérprete ancora-se era diretrizes justifícadoras, cujo conteúdo varia

conforme a fonte ideológica e conforme os objetivos últimos almejadas. Mas,

sobretudo, o intérprete constitucional há de perceber as conexões intrínsecas do texto

normativo constitucional, sistematizando a leitura’ interpretativa (a isto voltar-se-á

adiante).

(30) CANOTBLHO e MOREIRA, Fundamentos da Constituição, p. 51.

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n - A Constituição é, deveras, en conjunto normativo especial. E o é,

como afirmou-se anteriormente, tanto sob fatores intrínsecos (de conteúdo)

quanto sob fatores extrínsecos (de funcionalidade para o Direito e imposição sobre o

ordenamento jurídico (*)).

Intrinsecamente, viu-se que a Constituição traz em si elencados os

basilares valores políticos, sociais e culturais (normalmente identificáveis como

princípios - e para além do aspecto de formalização como princípios) que regem a

ordem de Direito e de Estado do pais. ínsita fioou, pois, a idéia da Constituição como

sede das diretrizes máximas da vida em sociedade organizada.

Extrinsecamente, emerge do texto normativo da Constituição o caráter

de "Lei Fundamental”, pelo qual ela funciona com supremacia sobredeterminadora

em relação ás danais leis, atos normativos em geral, institutos conceituais do Direito

e núcleos plurais do Direito.

O intérprete constitucional deve ter sempre em conta a dimensão

axiológica de cunho hierárquico que povoa a tecto máximo (dimensão intrínseca), e o

intérprete jurídico em geral deve sempre observar o conteúdo normativo

especificamente dotado de supremacia axio4eleológica, fator de imposição da Lei

Maior sobre o ordenamento (dimensão extrínseca).

m - Algumas linhas do pensamento constitucionaiista ressaltam-se no

panorama das formulações respeitantes à inteipretação cabível, possível ou adequada

do texto normativo máximo. Refletem das as tendências gerais do Direito,

(* ) Vide terceiro e quarto capítuk» desta dissolaçAo.

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adentrando, porém, o universo próprio do Direito Constitucional. Traço comum entre

elas (e nem poderia ser diferente) é o reconhecimento da iefèrida supremacia da

Constituição frente ao ordenamento como um todo.

A mais singular - mas não menos utilizada - fôrma de interpretar e

aplicar o texto constitucional é a que se ancora em uma lógica formal. O fulcro seria

a aplicação do dedutivismo, alicerçado na subsunção normativista formal.

Esta tendência de pensamento, que se tem disseminado de diferentes

maneiras ao longo dos dois últimos séculos, possui, por um lado, um caráter

reducionista: abstrai da esfera do intopretante indagações políticas ou ideológicas de

cunho valorstivo; por outro lado, submete-o a uma operação silogística de raciocínio

num prisma fòrmalista, excluindo a axiologia e o teleologismo (que são o cerne da

normatividade constitucional).

De um angulo inverso, pode-se falar numa linha politicista de

pensamento constitucional. Parte-se da idéia de que a Constituição é antes e acima de

qualquer outra coisa um conjunto de enunciados políticos. Ora, conseqüentemente, ao

interpreto-se o texto constitucional a preocupação maior saia com o sentido

ideológico a ser traduzido, a ser deslindado, com prejuízos para a força de imposição

normativa.

A tendência formalista/positivista, no fundamental legalista, não

consegue (a história do Direito tem mostrado) abarcar a realidade política e social.

Sendo as leis prevalenlemenle estáticas em termos espaço4emporais e a realidade

social dinâmica, considerar o fenômeno interpretativo apenas a partir das leis - de um

modo restritivo, não axiológico - significa isolar a Lei Maior da sua própria razão

funcional, a direção de sentido que idealisticamente se intenta dê ela á sociedade

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como um todo.

Em outra direção, o 'politicismo' acaba por esvaziar a Constituição de

seu estruturai aspecto de juridicidade. E esta é um caráter indispensável à própria

essência do texto constitucional - a normativização consagradora, garaniidora e

imperativa de mwa gama de valores fundamentais, eixos ideais da convivência

humana democrática. Eixos, pois, de toda uma gama de possibilidades de

fundamentação da cidadania organizada. Esvaziar a Constituição de sua juridicidade

é deixar à deriva a séria base das relações sociais.

63 - A Interpretação Sistemática

I - Tem-se, assim, que o critério interpretativo (mais do que um ou outro

*método’ de lógica jurídica) a ser buscado para a interpretação constitucional deve

caminhar no sentido de conjugar a normatividade e o inalienável conteúdo político do

texto normativo da Constituição. E isso impulsiona o interprétante no sentido de um

critério axioiógico principiológico hierárquico. Conduz, pois, à interpretação

sistemática do texto constitucional, calcada em valores e intencionalidades

finalísticas. Afinal,

"toda a interpretação de uma norma ton de tomar en

consideração, como vimos, a cadeia de significado, o contexto e

a sede sistemática da norma, a sua função no contexto da

regulação em causa. (...) o ordenamento jurídico no seu

conjunto, ou pelo menos grande parte dele, está subordinado a

determinadas idéias jurídicas diretivas, princípios ou pautas

gerais de valoração, a alguns dos quais cabe hoje o escalão de

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Direito Constitucional. (...) A descoberta das conexões de

sentido em que as normas e regulações particulares se encontram

entre si e com os princípios diretivos do ordenamento jurídico, e

a sua exposição de um modo ordenado, que possibilite a visão

de conjunto - quer dizer, na forma de um sistema - é uma das

tarcfàs mais importantes da Jurisprudência cientifica." (31).

É em tal esteira que Canaris se refere à "capacidade de derivação

teleológica ou valorativa do sistema", bem alertando que o temo derivação não deve

dirigir para o dedutivismo, mas tão somente para a ordenação de sentido. Não haveria

em tela imperativos hierárquicos de sentido que sobrepusessem uma direção absoluta

e exclusiva para o intérprete, o que haveria seriam imperativos dialéticos a indicar os

caminhos justificados pela principiologia do sistema.

Ter-se-ia assim, por um lado, uma perspectiva que parte dos valores

consagrados no sistema; por outro lado, parte das intenções e objetivos reconhecidos

(geralmente em termos normativos) para se pontuar novas valorações (seja em temos

generalizadores, seja em temos concretizadores). Ou seja: far-se-ia a leitura'

axiológjco-nonnaííva da Constituição, agregada de uma busca de racionalização

valorativa calcada sobre o teleologismo constitucional, resultando que

"em seus pontos fundamentais, toca-se, por assim dizer, a

interpretação conforme a Constituição com a interpretação

sistemática, vez que ambos os métodos têm em vista a

manutenção da ausência de contradição no interior do

(31) LARENZ. M etodologia da Ciência doD irtito , pp. 531-32.

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sistema” (32).

De mus a mais, a interpretação (sistemática) possibilita encarar a

norma aplicanda como partícipe de um contexto maior - possibilita encarar a norma

como um fenômeno global, uma parte de um todo. Com o que, a leitura' da norma

constitucional deveria sempre ser feita com atenção ao conjunto normativo da

Constituição, com o todo da Constituição.

Na obtenção do Direito, o sistema apresenta, ainda, dois papéis

especialmente significativos: um papel negativo, consistente na prevenção de

contradições absolutas de valores (superação de antinomias); e um papel positivo,

consistente na determinação das lacunas.

II - A interpretação jurídica, que - pelas razões supra-expostas - é

sobretudo judicial, se efetiva pela enunciação de proposições jurídicas,

aplicáveis/aplicandas aos casos concretos, determinantes de soluções de problemas.

A interpretação será tão sistematicamente satisfatória quanto as proposições dela

decorrentes puderem ser incluídas conformadamente “no todo pré-existenle da ordem

jurídica" (Canaris, p. 173). O sistema, assim, funciona como referência localizaste da

conexão de sentido da ordem jurídica, de modo que se possa apurar a sua

aceitabilidade formal e material, poderando a prevalência de valores no intuito de

evitar contradição insolúvel entre eles.

A detoroinação de lacunas traz à luz um aspecto primordial do sistema:

a sua função positiva de "desenvolver o Direito de acordo com o peso interior dos

(32) Juarez FREITAS. Tese de doutoramento, p. 53 (com base em Norbert AdÉerberg).

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seus princípios constitutivos ou ’gerais' " (33).

Significa, basicamente, que há uma sobredetarminação de sentido que

implica a retirada de uma solução jurídica para um caso não regulado a partir de um

princípio geral. O que gera um processo de movimentação de conteúdo, pois, se o

princípio graal 'injeta' uma direção vaíorativa na apreciação do caso lacunar, a partir

das previsões singulares poder-se-ão elaborar novos institutos jurídicos, ou dar

partida a novos intuitos valorattvos.

ITT - O que se tem, com isso, é a consagração e preservação da premissa de

unidade vaíorativa, conformada à perspectiva gorai de igualdade e justiça. É ela,

unidade, que permite solucionar os aspectos antinômicos e lacunares do sistema.

Há de se ter claro - como Canaris - que o sistsna jurídico, que não é

completo, finito, imutável, também não é infsiso a limitações; pelo contrário. As

limitações lhe são naturais.

O sistema é, mesmo sob o propugnado prisma axio-teleológico, um

ponto de referência, destinado a dar um sentido direcionador e um ponto de ligação

geral para o objeto Direito. Mas seria ilusório imaginar que, com isso, se pudesse dar

respostas imediatas a todas as necessidades práticas do universo jurídico-sociaL, pois

estas renovam-se constantemente, devendo o Direito adequar-se a elas.

O sistema tem, pois, seus limites, embora sejam eles mais operacionais

do que necessariamente estruturais. Ele não é unívoco nem inequívoco, comportando

’quebras’ de sentido valorativo; e não é absoluto em amplitude, contendo, assim,

(33) CANARIS. Ob. dL, p. 178.

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lacunas - embora sejam essas solucionáveis pelos seus próprios instrumentos de

axiologia e teleologia.

6.4 - A Interpretação Constitucional Sistemática

I - Sendo, pois, a Constituição o fundamento essencial do ordenamento

jurídico de um país, da possui a base política e jurídica da estruturação dos poderes

institucionais e da democracia social.

O texto constitucional compreende, como se via, uma diversa gama de

normas. Existem normas transitórias, destinadas a regular situações de acordo com

(ou até) o advento de certas circunstâncias; outras podem ser postas como normas

constitucionais ordinárias (num sentido lato); por fim, pode-se falar em normas-

princípios. Estas resguardam normativamente os valores fulcrais da sociedade,

formando princípios axioíógicos referenciais (cujo cume constitucional foi analisado

no terceiro capítulo).

II - A interpretação constitucional, propugna-se, há de ser sobretudo

interpretação sistemática. Com força nas normas-princípios, e salientes os elementos

de ordenação e unidade. A interpretação sistemática, define Juarez Freitas, é

"uma operação que consiste em pretsider atribuir a melhor

significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas

e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aborto,

fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da

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adequação teleológica, tendo em vista solucionar os casos

concretos" (34).

Nessa esteira, e conforme os pressupostos de sistema de Canaris,

salienía-se a idéia de que a Constituição configura um sistema normativo

principiológico, axiológico e teleológico. Por outros termos, no reconhecimento do

estatuto especial concedido pelo legislador constituinte (registrando aspirações

sociais prevalentes) a determinados valores básicos reside a prevalência

principiológica; esta vincula axiologicamente o próprio conjunto normativo

constitucional, formando conexões de sentido; e a operação vinculatória de

adequação valorativa forma uma globalidade potencialmente ordenada e unitária:

o sistema constitucional. Canotilho e Moreira vão no mesmo sentido, quando

afirmam que

Hao considerar-se essencial na interpretação da Constituição as

conexões de sentido, pretende-se sobretudo pôr em relevo que

um preceito constitucional não deve ser considerado

isoladamente e interpretado apenas a partir dele próprio. É que,

formando a Constituição uma unidade de sentido, deve tomar-se

em conta o seu conteúdo global, o que permite,

designadamente, conferir o devido relevo, em sede interpretativa,

aos princípios jurídicos e políticos fundamentais da

Constituição” (35).

Ora, se privilégio valorativo foi dado a idéias/ideais que formaram

(34) Em sua tese de doutoramento, p. 53.

(35) Fundamentos da Constituição, p. 53.

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princípios temáticos prevalentes em sentido axiológico e ímpares normativamente, o

intérprete há de vislumbrar a ordenação, procedendo a una adequação valarativa

dos casos concretos aos conteúdos prevalentes no texto constitucional; e também

deve ter presente a unidade de sentido, concatenando as normas em geral às

normas-princípios - diretrizes de conteúdo do sistema jurídico.

O caráter axiológico sistemático da Constituição é precisamente ponto

de partida da interpretação constitucional. A Lei Maior é 'normação' de caract&ística

especial - subsistema prevalente - para o sistema jurídico coano um todo. E o é -

reafírma-se - exatamente por consagrar e exaltar os valor» basilares definidores de

conteúdo da ordem do Direito e do Estado.

Como bem acentua Enterria, é essencial

"o valor específico da Constituição não como uma norma

qualquer, de qualquer conteúdo, mas sim precisamente como

portadora de alguns determinados valores materiais. Estes

valores não são simples retórica, não são (...) simples

princípios 'programáticos', sem valor normativo de

aplicação possível; pelo contrário, são justamente a base plena

do ordenamento, a que há de dar a este seu sentido próprio, a

que há de presidir, portanto, toda sua interpretação e

aplicação." (36).

A ação do intérprete constitucional deve pautar-se então, num primeiro

plano de adequação valorativa, por buscar a ordenação de sentido, a

racionalização ordenadora.

(36) Eduardo Garcia de ENTERRIA La Constituición como Norma y el Tribunal Constitucional, p. 98.

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m - De outra parte, deve-se ter clara, para a interpretação jurídico-

constitucional, a magnitude da idéia de unidade. E unidade num plano temático, de

conteúdo.

Em tal caminho, o recurso aos princípios constitucionais, diretrizes de

conteúdo - faz-se indispensável. O texto constitucional como um todo deve ser

entendido na intervinculação com os seus princípios gorais (de variável denominação

específica: fundamentos, objetivos, direitos fundamentais, princípios), tal qual, por

exemplo, a correlação dos artigos 60, § 4°, e 3°, da Constituição Federal do Brasil.

E, na Constituição, cada tema normativo específico tem súbsidiariedade (formando

um subsistema constitucional) aos princípios temáticos, tal qual a idéia de igualdade

como fulcro da organização familiar, sediada no artigo 226, que deve ser

compreendida em consonância com o inciso I do artigo 5° da mesma Constituição

Federal.

Quanto a isso, bem afirma Bonavides que

"a Constituição é basicamente unidade, unidade que repousa

sobre princípios: os princípios constitucionais. Esses não só

exprimem determinados valores essenciais - valores políticos ou

ideológicos - senão que informam e perpassam toda a ordem

constitucional, imprimindo assim ao sistema sua feição

particular, identificável, inconfundível, sem a qual a

Constituição seria um corpo sem vida, de reconhecimento

duvidoso, se não impossível" (37).

Ora, a linha confíguraxrte da aplicação constitucional - do que a

interpretação é o passo mais importante, mais decisivo - passa pela submissão de

(37) Paolo BONAVIDES. Ob. dL, p. 110.

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conteúdo e sentido da abordagem normativa (geral e temática) a uns poucos

princípios referenciais, sustentáculos das valorações preponderantes para cada

situação jurídica problemática nas sociedades organizadas constitucionalmente (*).

A ação do inlerpretanle ganha corpo, pois, na conjunção da ordenação

de sentido com a unidade principiológica, conjunção esta direcionadora do sentido

jurídico-valorativo a prevalecer. Ação interpretaste que, assim, fez-se

necessariamente sistemática.

IV - A interpretação constitucional sistemática, em síntese, é sobretudo

hierarquização normativo-valorativa.

O interpretante deve operar com o conteúdo normativo constitucional,

com um material de normas formalmente reconhecidas como especiais na sociedade.

Seu ponto de referência há de ser, pois, o conjunto normativo constitucional.

A operação interpretativa da Constituição (ou mediante a

Constituição), porém, deve respeitar às características específicas e intrínsecas desta -

ela é supremamente um complexo de valores e um sistema de princípios, com

estrutura e imperatividade normativas.

(*) A referência às valoraçOes imponíveis em cada caso problemático nos remete A tópica. Esta, defnrída

oomo "técnica do pensamento problemático”, é baseada dos tópicos, qoe seriam portos de vista de grande

e aceitos em geral, constitutivos de fwm ««« aplicáveis aos probkmas jinidico-sodais concretos

(sobre o estudo, Tbeodor VIEHWEG, com sua Toptca y Jurisprudência).

Isso ganha especial sigpificaçSo do campo do sistema coostitiicíonal, onde os dispositivos nonnativoB

rito teias abertos1. Há de entender-se, porém, que as valorações principiológicas de problemas a partir da

Pnm tiln ipte piimtim nlgiimiwi m um rf« f/ipirwij sem qoe, no prA»tÉn_ prnrinAini da soa remissão ao KWtmW, à

ordenação valorstiva globoL Com o qae, fica patente qoe a tópica e o astema - cate enquanto inHdedògico -

nSn ae «»»rhuin, mM trmia hwn complementam-se (ver CANARI&, ob. dL, pp. 243-77; também, em xntido

■gmelhmte, Juarez FREITAS, em soa tese de doutoramento, pp. 144-55).

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Para «tingir o intérprete a dimensão dos valores, é necessário procedo'

à 'adequação valorativa’, nos moldes de Canaris (*), pensando os valores

reconhecidos constitucionalmente em todas as suas conseqüências, buscando

solucionar suas eventuais contradições correlatas e possíveis contradições com novos

valores ascesdentes. Com isso, atender-se-ia ao pressuposto de ordenação do sistema,

antes abordado. Mais precisamente, nos tomos de Canaris, se atingiria o pressuposto

de uma "ordem teleológica" constitucional.

A fim de atenda: os reclames principiológicos, o intérprete deve buscar

a concretização dos princípios, formando vinculações efetivas - de aplicação em

concreto - entre normas e princípios constitucionais. O norteamenlo anda em tomo da

necessidade de as normas em geral serem acordes com os princípios gerais e

específicos, gerando uma concretização valorativa.

A partir da análise que parte do conjunto para a singularização dos

princípios, reafinnam-se ou formam-se novos pressupostos valoiativos. Ou seja, na

concreção aplicativa, a dinâmica dialético-principioló giea vai movimentando e

remodelando as cadeias valorativas. Isso possibilitaria evitar, no plano da

fundamentação teórica do Direito, a assunção de contradições efetivas insanáveis.

Saliente-se, com Canaris, que

”os princípios ostentam seu sentido próprio apenas numa

combinação de complementação e restrição recíprocas* (38).

Com isso atingir-se-ia o pressuposto de unidade valorativa do

(* ) Quanáo à adcqoaçAo valondivn, ver CANARIS, ob. cít, pp. 66-76. No segundo capítulo d& presente

imiiíign-w fi»! astudo.(38) Ob. cit, p. 92.

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sistema, ou, nos temos de Canaris, "unidade axiológica" constitucional.

De um modo aberto, dinâmico e atento às mutabilidades jurídico-sociais, a

tarefa interpretanle, então, estaria justificada na perspectiva de hierarquização

axiológico-principiológica.

O conjunto reflexivo aqui exposto culmina, assim, num imperativo

teleológico de duas faces: por um lado, superar as eventuais contradições de sentido

jurídico (antinomias) existentes no sistema jurídico como um todo; e, por outro lado,

apontar diretrizes valorativas para solucionar os casos concretos sn geral a partir do

conteúdo e direção de sortido prevalentes sob a ótica de um sistema constitucional

brasileiro.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o contexto de observações traçadas nas páginas

anteriores, resta, enfim, sintetizar as principais conclusões insertas difusamente nos

capítulos desta dissertação, acrescidas de algumas pontuações teóricas decorrentes.

1- A idéia de sistema guarda importância para o Direito desde que

concebida axio-teleoíogicameníe. De fato, resguardar a esfera jurídica enquanto

conjunto tendente à realização de princípios (valores) máximos de convivência social

é um modo de se pensar o Direito enquanto instrumento possível da cidadania

popular. Numa virada de século conturbada em tomos de política e economia

internacionais, com crises sociais ocorrendo em todo o mundo (mas especialmente

nos países periféricos, dentre os quais o Brasil pode - lato senso - ser incluído), com

a transnacionalização potencial das economias e com o enfraquecimento da idéia de

'nação’, a sistematicidade axio4eleoIógica pode bem funcionar no papel de

garaniidora (potencial e parcial) de direitos/valores fundamentais.

2- É possível fãzer-se uma articulação do Direito em tomo das

pressuposições valorativas. Neste sentido, o pensamento de Canaris (embora

originalmente desenvolvido em tomo de institutos do Direito Privado) oferece

condições de sustentar a idéia de sistema jurídico para todo o Direito, exatamente

por desenvolver duas categorias fundamentais para uma idéia funcional e possível de

sistema: a ordenação (adequação valorativa), como racionalização de

intencionalidades jurídicas tendentes à realização dos "valores superiores"; e a

unidade (principiológica), como legitimação do pensar jurídico enquanto

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sedimentado em tomo de valores-prmcípios, moldando-se, assim, uma unidade

valorativo-principiológica.

3- A idéia de sistema jurídico axio-teleológioo, pelas razões expostas

nesta dissertação, é a que melhor resolve os problemas de abordagem do Direito, pois

lhe dá extensão e conexão, e permite raciocinar com a modifícabilidade e

incompletude do objeto Direito, sem, contudo, prescindir da segurança jurídica.

4- Deve-se, entretanto, evitar a adoção de entendimentos quiméricos: a

idéia de sistema jurídico axio-teleológico não precisa responder a toda e qualquer

problemática imaginável do Direito. Não há que se buscar em tal estrutura funcional

sistemática (de organização do pensamento jurídico, legitimação dos discursos

decisórios e racionalização das atuações do Direito) um desempenho oracular

supremo, capaz de superar todos os problemas decorrentes do universo de

conhecimento abrangido. Afinal, o objeto das regulações jurídicas (a sociedade) não

é acoplável em uma estrutura moldada, e possui um grau constante de

modifícabilidade e redefinição de contextos.

5- A estrutura funcional sistemática do Direito é, contudo, destinada a

dar solução a problemas sociais, sejam estes de ordem interindividual, sejam de

ordem metaindividual (direitos difusos, por exemplo). Representa, por um lado, um

modo de encarar e raciocinar o Direito enquanto objeto de intervenção (sob a ótica do

poder político) e interação social (sob a ótica da cidadania). Por outro lado,

representa uma base teórico-jurídica de legitimação do próprio Direito, enquanto o

remete aos valores fulcrais do ’consenso possível1 na sociedade. Por fim, funciona

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como base argumeníaíiva e josttficadora das decisões jurídicas (sejam elas

jurisdicionais ou administrativas).

6- O modo de proceder em tomo da valoratividade é, de feto, um

ditame deontológico para o raciocínio jurídico (como, a bon da verdade, toda e

qualquer teorização sobre o Direito). Tendo-se em conta, porém, que opera on

tomo de valorações e intencionalidades fundamentalmente já consagradas

constitucionalmente, sua base lógica é calcada na realidade normativa da sociedade.

Vale dizer, funciona como a ponta de uma cadeia de conexão (principiológica) entre

as comunicantes idéias de ser e dever ser (sumariamente realidade sócio-política =>

valorações sociais => normatização das valorações pela mediação política =>

juridicidade sistemática axio-teleoló gica).

7- A normatização dos valores sociais consagrados dá-se, num plano

fundamental, a partir da normatividade constitucional. De modo que a Constituição

de um país deve ser encarada como a base on tomo da qual se pode compreender o

seu Direito como um todo conectado. Em função disto é que se justifica a

importância de se analisar a Constituição enquanto base da idéia sistemática. Assim

é que se pode afirmar o sistema constitucional como o subsistema jurídico

fundamental, sede primária dos valores e intencionalidades da ordem jurídica de um

Estado, tendencialmente ordenados, e locus’ da unificação possível de conteúdo do

Direito, essencialmente principiológica.

8- No bojo da Constituição brasileira temos a consagração de valores

fundamentais, conquistas históricas do atual estágio da civilidade ocidental (não há

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aqui intencion&lidades etnocêníricas). Valores cuja consagração como direitos

fundamentais constitucionais garante-os como princípios fundamentais da

Constituição (tenham eles a nominação formal de princípios ou não). Não são, por

óbvio, os únicos valores formadores de princípios constitucionais, mas representam,

isto sim, os eixos de referência valorativa de todos os outros valores normatizados

(ou não) do universo jurídico. No ápice axiológico, são eles, nomeadamente, os

direitos à liberdade, à igualdade, à vida e à dignidade humana, expressos diretamente

nos dois primeiros 'Títulos' da Constituição, e indiretamente (sub-regulações) em

várias disposições constitucionais, além de nos prórios Títulos’ sede.

9- O raciocínio sistemático valorativo, porém, não é suficiente por si só

para amalgamar a força do sistema constitucional. A normatividade dos dispositivos

constitucionais (especialmente dos dispositivos que contém os valores e

intencionalidades fundamentais) é imprescindível enquanto resguardo da

imperatividade e impositividade principioló gico-valorativa. Tal normatividade,

qualificada como superior em relação ao restante da ordem jurídico-estatal,

complementa a estruturação básica da axiologia constitucional, vista sob seu ângulo

intrínseco.

10- Tem-se que toda norma constitucional é dotada de eficácia. A

extensão ou concretização de sua eficácia poderá depender, é certo, de eventuais

complementos legislativos, administrativos ou mesmo jurisdkionais. Mas já a partir

do momento em que a norma constitucional ganha vigência, emana efeitos positivos

(de aplicação direta) ou negativos (de exclusão de aplicação e validade de outras

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normas ou atos normativos e jurisdicionais que com da conflitoem) sobre a ordem do

Direito e do Estado.

11- A garantia da imposição normativa constitucional é

operacionalizada através, sobretudo, do controle de constituckmalidade, e, neste,

fundamentalmente através do controle jurisdicional. O controle de

constitacionalidade pode ser afirmado, assim, como um instrumento de garantia da

imperatividade constitucional como um todo, especialmente no que tange ao controle

jurisdicional (que se exerce, em tomos fiscalizatórios, sobre todos os Poderes

Públicos).

12- Sendo o amálgama básico da Constituição axio-principiológico, o

controle jurisdicional deve funcionar, sobretudo, como um instrumental guardião da

axiologia e teleologia constitucionais. Vale diz»: que, tanto para os órgãos

encarregados do controle por via de ação (órgãos jurisdicionais especiais) quanto

para os órgãos encarregados do controle em via de exceção, a preocupação maior

deve estar sediada em conformar o conjunto de decisões políticas, administrativas e

jurisdicionais ao feixe axiológico principiológico básico da Constituição Federal.

13- Para o operacionalização do controle, fez-se necessária a

interpretação jurídico-constitucional. A interpretação intermedia a abstração

normativo-constitucional e a aplicação de um provimento jurisdicional a um caso

concreto, num 'processo' hermenêutico de definição e concretização constitucionais.

14- Não obstante a defendida imperatividade do texto normativo-

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constitucional, não há que se fazer sempre em relação ás normas constitucionais, em

termos aplicativos, juízos apodíticos de subsunção. Primeiramente, porque a

aplicação normativa não é, em geral, linear (previsão normativa => interpretação

jurídica da norma => enquadramento de um caso concreto), mas sim dinâmica,

baseada nas correlações de conteúdo propiciadas pela regulação normativa. E, ainda,

porque a 'atuação' constitucional deve-se moldar ás realidades atingidas, de modo que

se possa fazer uma adequação valorativa das previsões abstratas à concretude social.

Nesses termos, são prescindíveis os juízos subsuntivos apodíticos diretamente

incidentes (embora se possa a eles recorrer argumentativamenle, após uma operação

interpretativa não linear, como recursos justificadores).

15- A interpretação constitucional é, então, uma espécie da

interpretação jurídica. Mas uma espécie peculiar, devido às propaladas supremacia e

imperatividade do texto normativo constitucional, a partir das quais se formulam

juízos capazes de influenciar ou incidir sobre o restante das esferas jurídicas. Assim,

constata-se que a interpretação constitucional possui duas faces (ou fases): uma

intrínseca e outra extrínseca.

16- Intrinsecamente, a interpretação constitucional implica, para além

de sentidos litorais ou Iógico-formais, a busca das correlações de sentido das normas

constitucionais entre si e em relação ás "normas-princípios", numa adequação

principiológico-sistemática.

17- Extrinsecamente, ela implica o dimensionamento da imposição

interpretativa de sentido prevalenle dos dispositivos constitucionais (isoladamente

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ou em conjunto) sobre os demais dispositivos e esferas jurídicas.

18- A boa atuação interpretativa constitucional (para estar conforme ao

Direito como um conjunto axio-teleológico) deve sor, pois, sistemática. Mais, ainda:

deve se dar ordenada teleologicamente e unitária em tomo dos princípios

constitucionais. Atenderia, assim, aos pressupostos sistemáticos de ordenação e

unidade.

19- Na perspectiva de ordenação, importaria ter-se a racionalização

finalística do conjunto de valores consagrados constitucionalmente. Ou seja, ter-se-ia

como diretriz da interpretação constitucional sistemática a satisfação das

intencionalidades/fínaiidades constitucionais, visando à realização dos valores

superiores constitucionais.

20- Na perspectiva de unidade, importaria, em termos inteipretativos,

ter-se a concretização (adequação à realidade das situações sociais concretas) dos

princípios e subprincípios constitucionais. É o passo concludente de afirmação dos

sobreditos valores superiores enquanto valores máximos do Direito.

21- Na junção de adequação valorativa constitucional (ordenação) e

unidade principiológica, tendo-se sempre como pressupostos a imperatividade e

supremacia constitucionais, chega-se à possibilidade de realização da interpretação

constitucional sistemática adequada a um axio-teleoló gico sistema constitucional.

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