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Centro Universitário São Camilo – ES Curso de Bacharelado em Direito Cássia Bertassone da Silva - Professora do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo ([email protected]) 59 FUNDAMENTO E ESCOLAS DO PENSAMENTO JURÍDICO Em aulas passadas definimos direito como norma aplicável coercitivamente. Contudo, conforme verificamos, o direito como norma, pode ter os mais variados conteúdos. Qual deve ser o conteúdo do direito, ou melhor, quando é válido o conteúdo do direito? Eis o problema fundamental da teoria do direito, que deu origem às várias correntes do pensamento jurídico, cada uma fundamentando o direito de forma diferente. Através da História, o Homem tem procurado uma explicação para os fatos, um fundamento para as suas ações e a razão de ser da obrigatoriedade das normas controladoras de sua conduta. Desde a Antiguidade, os legisladores, como Hamurabi, por exemplo, impuseram os seus códigos como expressão da vontade de uma divindade. Fundamento sobrenatural foi dado sempre ao direito nas civilizações arcaicas. A partir de Atenas, os filósofos colocaram em dúvida essa origem preocupando-se mais com o fundamento moral ou racional das normas éticas. Na Civilização Europeia, a mesma preocupação, ao sabor de ideologias em moda ou de filosofias predominantes em suas várias épocas, tem levado juristas e filósofos a darem diversos fundamentos para o direito. Tal preocupação tem sua razão de ser: a uma, por depender a liberdade, a segurança individual, o patrimônio de cada um a ordem e a paz sociais do direito; a duas, por não dever ser o direito a manifestação da vontade arbitrária do legislador e nem atender interesses de minorias, pois deve corresponder a um ideal jurídico, reconhecido, historicamente, pela maioria como válido. Considerar, como já se considerou em vários períodos históricos, o direito na dependência exclusiva de interesses das classes predominantes, tem levado a promulgação, sob o manto jurídico, de direitos injustos, desprovidos de apoio da opinião pública, fato que sobrecarrega os aparelhos policial e judicial. Isto porque quanto mais o direito corresponder ao ideal histórico predominante, mais será espontaneamente observado. Mas, ao procurarem ajustá-lo a um ideal, divergiram juristas e filósofos. Ao divergirem, abraçaram ideias-chave, criadas pelos mais talentosos, dando origem a escolas, como por exemplo a Escola do Direito Natural do século XVII e XVIII, Escola Histórica alemão do século XIX, Escola Positivista francesa e italiana de nossa época. Dessas e outras escolas surgiram correntes ou direções do pensamento jurídico. Por correntes entendam os grandes caminhos percorridos pelo pensamento jurídico, pelo qual grande número de juristas perseguiram uma fundamentação universal para o direito ou uma explicação exaustiva para o fenômeno jurídico. 1. JUSNATURALISMO 1.1 Histórico A Teoria do Direito Natural é muito antiga, estando presente na literatura jurídica ocidental desde a aurora da Civilização Europeia. Considerado expressão da natureza humana ou deduzível de princípios da razão, o direito natural foi sempre tido, pelos defensores dessa teoria, como superior ao direito positivo (lei, etc), como sendo absoluto e universal por corresponder à natureza humana. O Direito Natural, através dos tempos, tem influenciado reformas jurídicas e políticas, que deram novos rumos às ordens políticas europeia e norte-americana, como, por exemplo, é o caso da Declaração de Independência (1776) dos Estados Unidos, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da Revolução Francesa.

Apostila Cássia Parte 5

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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

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    FUNDAMENTO E ESCOLAS DO PENSAMENTO JURDICO

    Em aulas passadas definimos direito como norma aplicvel coercitivamente. Contudo, conforme verificamos, o direito como norma, pode ter os mais variados contedos. Qual deve ser o contedo do direito, ou melhor, quando vlido o contedo do direito? Eis o problema fundamental da teoria do direito, que deu origem s vrias correntes do pensamento jurdico, cada uma fundamentando o direito de forma diferente.

    Atravs da Histria, o Homem tem procurado uma explicao para os fatos, um fundamento para as suas aes e a razo de ser da obrigatoriedade das normas controladoras de sua conduta. Desde a Antiguidade, os legisladores, como Hamurabi, por exemplo, impuseram os seus cdigos como expresso da vontade de uma divindade. Fundamento sobrenatural foi dado sempre ao direito nas civilizaes arcaicas. A partir de Atenas, os filsofos colocaram em dvida essa origem preocupando-se mais com o fundamento moral ou racional das normas ticas. Na Civilizao Europeia, a mesma preocupao, ao sabor de ideologias em moda ou de filosofias predominantes em suas vrias pocas, tem levado juristas e filsofos a darem diversos fundamentos para o direito. Tal preocupao tem sua razo de ser: a uma, por depender a liberdade, a segurana individual, o patrimnio de cada um a ordem e a paz sociais do direito; a duas, por no dever ser o direito a manifestao da vontade arbitrria do legislador e nem atender interesses de minorias, pois deve corresponder a um ideal jurdico, reconhecido, historicamente, pela maioria como vlido.

    Considerar, como j se considerou em vrios perodos histricos, o direito na dependncia exclusiva de interesses das classes predominantes, tem levado a promulgao, sob o manto jurdico, de direitos injustos, desprovidos de apoio da opinio pblica, fato que sobrecarrega os aparelhos policial e judicial. Isto porque quanto mais o direito corresponder ao ideal histrico predominante, mais ser espontaneamente observado.

    Mas, ao procurarem ajust-lo a um ideal, divergiram juristas e filsofos. Ao divergirem, abraaram ideias-chave, criadas pelos mais talentosos, dando origem a escolas, como por exemplo a Escola do Direito Natural do sculo XVII e XVIII, Escola Histrica alemo do sculo XIX, Escola Positivista francesa e italiana de nossa poca. Dessas e outras escolas surgiram correntes ou direes do pensamento jurdico.

    Por correntes entendam os grandes caminhos percorridos pelo pensamento jurdico, pelo qual grande nmero de juristas perseguiram uma fundamentao universal para o direito ou uma explicao exaustiva para o fenmeno jurdico.

    1. JUSNATURALISMO

    1.1 Histrico

    A Teoria do Direito Natural muito antiga, estando presente na literatura jurdica ocidental desde a aurora da Civilizao Europeia. Considerado expresso da natureza humana ou deduzvel de princpios da razo, o direito natural foi sempre tido, pelos defensores dessa teoria, como superior ao direito positivo (lei, etc), como sendo absoluto e universal por corresponder natureza humana.

    O Direito Natural, atravs dos tempos, tem influenciado reformas jurdicas e polticas, que deram novos rumos s ordens polticas europeia e norte-americana, como, por exemplo, o caso da Declarao de Independncia (1776) dos Estados Unidos, e da Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (1789), da Revoluo Francesa.

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    O art. 2 da Declarao dos Direitos do Homem de 1789: o fim de toda associao a proteo dos direitos naturais imprescindveis do homem. Fcil encontrar a sua presena na Declarao Universal dos Direitos do Homem (1948) da ONU.

    Caracteriza-se por sustentar a vigncia , a validade e a eficcia do direito natural , superior a todo e qualquer direito positivo. Portanto, trata-se de uma corrente dualista , por admitir duas formas de direito, que se tem mantido de p, apesar das vrias crises por que tem passado, e que, apesar de criticada por muitos, mantm-se fiel ao menos a um princpio comum: a considerao do direito natural como direito just o por natureza , independente da vontade do legislador, derivado da natureza humana (jusnaturalismo) ou dos princpios da razo (jusracionalismo), sempre presente na conscincia de todos os homens.

    Esta corrente esteve presente em todas as pocas da Civilizao Europeia, tendo sofrido vrias crises. Porm, sobrevivendo, tem nascido quando se acreditava estar irremediavelmente morta, talvez por ser a nica salvaguarda do Homem em um mundo que se transformou o direito em mero instrumento tcnico e, muitas vezes, de opresso. Por isso, tm razo Landsberg e outros quando se referem ao eterno retorno ao direito natural, apesar de haver eterna crise do direito natural.

    Segundo Gusmo os retornos e crises atestam somente a vitalidade e as potencialidades criadoras da ideia do direito natural, porque cada uma de suas representaes no cenrio jurdico rica em substncia.

    No sculo XVII e XVIII floresceu a escola do Direito Natural concebendo o jusnaturalismo como forma do jusracionalismo. Nela, Grocio, seu chefe, sustentava ser o direito natural deduzido da razo, de conformidade com a natureza humana. Pufendorf, jurista alemo, defendeu a ideia do direito natural prescrito pela razo, tendo por fon te a natureza humana, da qual a razo deveria deduzir a sua forma fundamental, onde cada homem deve, enquanto depender dele, manter e proteger as relaes sociais, no causar dano a ningum, respeitar os compromissos contrados e a d ignidade humana, bem como o tratamento jurdico igual para todos, seriam os pri ncpios fundamentais do direito natural .

    As ideias defendidas pelos tericos desta escola no estavam longe das de Ccero, que o identificava com a lei de acordo com a reta razo, conforme natureza, conhecida por todos, eternamente a mesma.

    Contudo, no sculo XIX o direito natural comeou a ser abalado devido ao culto aos cdigos, primeiro com o racionalismo, depois com o positivismo, historicismo e sociologismo. O culto dos cdigos, que haviam incorporados muitos dos princpios consagrados pelo direito natural e a venerao a lei, por um lado, e a inmeras doutrinas dos cientistas jurdicos, abriram caminho para a filosofia do direito positivo, seja atravs da anlise da jurisprudncia, seja atravs da etnologia jurdica, seja atravs da Teoria Geral do Direito, que passaram a ocupar o lugar de destaque, antes privativo do direito natural.

    Mas a Revoluo Industrial criou um clima tal de injustia social, que acabou gerando a chamada questo social at hoje preocupante. O menor apreo do homem nas fbricas insalubres do sculo XIX, bem como nos campos de batalha de 1914, a crise econmica vivida Ps Primeira Guerra Mundial motivaram o renascimento do Direito Natural. Mas o retorno foi s a ideia do direito natural, e no a doutrina do Direito Natural dos sculos XVII e XVIII .

    Este novo posicionamento do Direito Natural que renascia caracterizou-se por tentar conciliar a antiga ideia do direito natural com os resultados da Sociologia, bem como com o historicismo dominante e com a nova cincia do Direito. Para isso, seus defensores

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    reduziram o Direito Natural a pouqussimos princpi os generalssimos, vlidos por si mesmos, indispensveis ao respeito da dignidade hum ana.

    Nessa nova corrente minimizadora do contedo do direito natural despontou Gny defendendo o irredutvel direito natural, identificando com a ideia de justia. A concepo de Direito Natural irredutvel domina hoje entre o neo jusnaturalistas, que defendem um pequeno reduto de princpios, que se encontram acim a do poder, limitando o legislador e o juiz, garantindo o respeito mnimo da dignidade humana . Del Vecchio tambm considerou o Direito Natural como o contedo mnimo que qualquer direito positivo deve conter para, pelo menos, se aproximar do direito ju sto, com base no qual devem ser formulados os seus demais preceitos .

    A Revoluo Tecnolgica dos anos 30 tornou necessria a adaptao do direito natural a um mundo em mudana. Stammler passou a defender o direito natural de contedo varivel, constitudo de princpios generalssimos capazes de identificar, no tempo e no espao o direito justo. Prximo dele, Renard sustentava a ideia de direito natural de contedo progressivo, sem admitir modificaes na essncia do direito natural, mas admitindo a possibilidade de progresso de seu conhecimento atravs do tempo.

    Como vemos as modificaes sociais e culturais dos anos 30 foraram os juristas a modificarem a ideia de direito natural.

    Contudo, este novo posicionamento estava em choque com as tradies jusnaturalistas, aproximando-se mais do relativismo jurdico e da Teoria Pura do Direito, admitindo, no tempo e no espao, transformaes dos valores jurdicos por presses histricas.

    Nesse tempo, em 1929, entraram em crise a economia e a democracia, nova guerra se lanava na Europa. As atrocidades e desumanidades praticadas em muitos pases com uma suposta aparncia jurdica, alm dos horrores da guerra, culminaram no lanamento da bomba atmica e a destruio de duas cidades inteiras, suas consequncias levaram os juristas, por diferentes caminhos a admitirem a validade de um direito acima do legislador, que por ele deveria ser respeitado, inerente pessoa humana, impondo respeito vida e liberdade.

    Assim, juristas, que antes eram totalmente indiferentes a idia do direito natural ou o consideravam mera ideologia, depois de terem sofrido ou presenciado atrocidades praticadas com o apoio da lei, passaram a serem defensores de um direito supralegal.

    Foram as ameaas que pairavam sobre o Homem e a Civ ilizao que fizeram com que os juristas, por diversos caminhos, defende ssem um direito superior lei .

    Chegou-se a pensar em defini-lo como a lei da justia, que determina o que corresponde a cada um, segundo a ideia de ordem social de conformidade com a natureza humana, que impem, por meio de coao, a sua estrita observncia, apesar de outros admitirem ser mera prescrio da Moral, que qualquer homem, por ser homem, conhece, mas que, entretanto no passa de direito natural moral, destinado a inspirar e nortear o legislador, e no direito natural jurdico.

    Os vrios caminhos que levaram os juristas ao moderno direito natural, desembocaram, em 1948, na Declarao Universal dos Direitos do Homem da ONU, inevitavelmente se converteu no que hoje se conhece na Teoria dos Direitos Humanos.

    1.2 A insuficincia do Direito Positivo

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    O motivo fundamental que canaliza o pensamento ao Direito Natural a permanente aspirao de justia que acompanha o homem. Este, em todos os tempos e lugares, no se satisfaz apenas com a ordem jurdica institucionalizada.

    O Direito Positivo, visto como expresso da vontade do Estado, um instrumento que tanto pode servir causa do gnero humano, como pode consagrar os valores negativos quem impedem o pleno desenvolvimento da pessoa.

    Por inclinao, ao questionar o Direito Positivo vigente, o homem busca, em seu prprio sentimento de justia e de acordo com a sua viso sobre a ordem natural das coisas, encontrar a legitimidade das normas que lhe so impostas.

    O contrrio, a atitude acrtica, seria a admisso de que no existe, para o legislador, qualquer limite ou condicionamento na tarefa de estruturar a ordem jurdica.

    A ideia do Direito Natural o eixo em torno do qual gira toda a Filosofia do Direito. O jusfilsofo ou partidrio dessa ideia ou defensor de um monismo jurdico, viso que reduz o Direito apenas ordem jurdica positiva. Conforme expe Benjamin de Oliveira Filho, h dois posicionamentos bsicos, a rigor, na Filosofia do Direito: o do positivismo jurdico, que uma concepo relativista do Direito, e o da velha Escola do Direito Natural.

    A idia do Direito Natural mantm o pensamento: a convico de que, alm do Direito escrito, h uma outra ordem, superior quel a e que a expresso do Direito justo. a idia do Direito Perfeito e por isso dev e servir de modelo para o legislador. o Direito ideal, mas ideal no no sentido utpico, ma s um ideal alcanvel .

    1.3 Conceito

    O raciocnio que nos conduz ideia do Direito Natural parte do pressuposto de que todo ser dotado de uma natureza e de um fim. A natureza, ou seja, as propriedades que compem o ser, define o fim a que este tende a realizar.

    Para que as potncias ativas do homem se transformem em ato e com isso ele desenvolva, com a inteligncia, o seu papel na ordem geral das coisas, indispensvel que a sociedade se organize com mecanismos de proteo natureza humana. Esta se revela assim, como a grande condicionante do Direito Positivo.

    O adjetivo natural agregado palavra Direito indica que a ordem de princpios no criada pelo homem e que expressa algo espontneo, revelado pela prpria natureza . A presente colocao decorre da simples observao dos fatos concretos que envolvem o homem e no de meras abstraes ou dogmatismos.

    Como destinatrio do direito natural, o legislador deve ser, ao mesmo tempo, um observador dos fatos sociais e um analista da natureza humana. Para que as leis e os cdigos atinjam a realizao da justia causa final do Direito indispensvel que se apiem nos princpios do Direito Natural.

    A partir do momento em que o legislador se desvincular da ordem natural, estar instaurando uma ordem jurdica ilegtima. O divrcio entre o Direito Positivo e o Natural cri a as chamadas leis injustas, que negam ao homem o que lhe devido .

    1.4 Caractersticas

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    O jusnaturalismo atual concebe o Direito Natural apenas como um conjunto de amplos princpios, a partir dos quais o legislador dever compor a ordem jurdica. Os princpios mais apontados referem-se ao direito vida, liberdade, participao na vida social, unio entre os serem, igualdade de oportunidades .

    O direito natural normativo do sculo XVIII que pretendeu estabelecer cdigos de direito natural ideia inteiramente abandonada na atual concepo.

    Tradicionalmente os autores indicam trs caractersticas para o Direito Natural: ser eterno, imutvel e universal ; isto porque, sendo a natureza humana a grande fonte desse Direito, ela , fundamentalmente a mesma em todos os tempos e lugares.

    1.5 Crtica

    Durante o sculo XIX, o positivismo de inspirao comtiana alcanou ampla repercusso no mbito do Direito, colocando-se em posio antagnica ao jusnaturalismo. A partir da estabeleceu-se a maior e definitiva ciso na rea da Filosofia do Direito, porque, enquanto o jusnaturalismo preconizava uma outra ordem jurdica alm da estabelecida pelo Estado, o positivismo reconhecia como Direito apenas o positivo. O positivismo surgiu em uma fase difcil e crtica da histria do Direito Natural, quando o jusnaturalismo se encontrava comprometido pelos excessos da chamada Escola do Direito Natural.

    A mensagem que o positivismo trazia para a cincia, de se valorizarem apenas os fatos concretos, a realidade observvel e a consequente rejeio de todos elementos abstratos, encontrou receptividade entre os juristas e filsofos do Direito, incompatibilizados com o abstracionismo e a metafsica da Escola do Direito Natural. O Direito natural, em suas diferentes manifestaes, negado pelo positivismo, por consider-lo ideia metafsica.

    A Escola Histrica do Direito tambm apresentou oposio ao Direito Natural. Os pontos de discordncia localizam-se nas caractersticas de universalidade e imutabilidade, apresentadas pelo Direito Natural. Para o historicismo, o Direito um produto da hist ria e, como tal, vive em permanente transformao . Contudo, a conciliao entre as duas escolas alm de possvel necessria.

    Conforme acentua Del Vecchio, o Direito no possui apenas um contedo nacional, possui tambm um contedo humano. Com isto o jusfilsofo italiano indica que o no Direito esto sempre presentes elementos universais e elementos histricos.

    Miguel Reale menciona que temos a convico de que apesar das incessantes mutaes histricas operadas na vida do Direito, h, todavia, um ncleo resistente, uma constante axiolgica do Direito, a salvo de transformaes polticas, tcnicas ou econmicas.

    2. POSITIVISMO JURDICO

    O Positivismo Jurdico, como doutrina filosfica, a aplicao, no campo do direito, do Positivismo, ou seja, da doutrina de Comte, na forma apresentada no seu Cours de Philosophie Positive.

    O Positivismo Jurdico reduziu o direito positivo e o definiu como fato, passvel de estudo cientfico, fundado em dados rea is , tornou-se a doutrina do direito positivo.

    Assim, menciona Bobbio ser o positivismo jurdico a corrente do pensamento jurdico para a qual no existe outro direito seno aquele positivo . Consequentemente,

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    trata-se de uma teoria monista , por reduzir o direito aos legislado ou consuetudinrio, opondo-se, assim, a Teoria do Direito Natural.

    Em razo disso, os positivistas abandonaram a Filosofia do Direito, que at o sculo XIX estava confundida com a Filosofia do Direito Natural, substituindo-a pela Teoria Geral do Direito formulada com base no direito posi tivo .

    Para eles, fora da experincia jurdica do fato ou do direito positivo, no h direito. O direito, para eles identifica-se como o Direito E statal na dependncia da vontade do legislador ou da deciso do juiz em sentena .

    O Positivismo Jurdico se manifestou como o culto da vontade do legislador e, como consequncia dos cdigos, que eram considerados perfeitos e sem lacunas.

    No positivismo jurdico podem ser enquadradas todas as teorias que consideram ser o direito expresso da vontade do legislador, definindo-o como comando e reduzindo-o ao direito do Estado.

    Esse positivismo tem sido rotulado de positivismo estatal ou positivismo normativista, por dar preponderncia lei ou ao precedente judicial sobre as demais fontes do direito, e por fazer depender o direito do Estado.

    Para essa verso do positivismo, o direito identificado com o direito estatal: criado ou reconhecido pelo Estado, manifestao, portanto, de sua vontade.

    Assim, Ihering dizia que o Estado a nica fonte do direito formulado segundo o princpio de finalidade, e no de causalidade.

    Ao lado dessas posies h uma forma ecltica de positivismo, denominada positivismo crtico, defendida por Vanni, que procura conciliar o positivismo com o criticismo de Kant. Esse positivismo esfora-se por formular uma teoria do direito fundada na experincia jurdica, colocando em questo o resultado por ela alcanado, como condio de sua validade.

    Em sntese, o positivismo jurdico caracteriza-se por ser antimetafsico e antijusnaturalista, por ser empirista, por afastar do estudo cientfico do direito os valores e por considerar o direito positivo o nico objeto da Filosofia e das Cincias Jurdicas. As vrias formas de positivismo jurdico encontram no fato social, na autoridade, nas razes de Estado, no poder ou na presso das necessidades sociais o fundamento do direito.

    2.1 Crtica

    Paulo Nader nos ensina que o positivismo jurdico, que atingiu o seu apogeu no incio do sculo XX, hoje uma teoria em franca decadncia. Surgiu em um perodo crtico da histria do Direito Natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declnio quando ficou conhecido em toda a sua extenso e consequncias.

    Com a tica das cincias da natureza, ao limitar o seu campo de observao e anlise aos fatos concretos, o positivismo reduziu o significado humano.

    O ente complexo que o homem, foi abordado como prodgio da Fsica, sujeito ao princpio da causalidade.

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    Em relao justia, a atitude positivista a de um ceticismo absoluto. Por consider-la um ideal irracional, acessvel apenas pelas vias da emoo, o positivismo se omite em relao aos valores.

    Sua ateno se converge apenas para o ser Direito, para a lei independente de seu contedo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo uma porta aberta aos regimes totalitrios, seja na frmula comunistas, f ascista ou nazista .

    O positivismo jurdico uma doutrina que no satisfaz s exigncias sociais da justia. Se, de um lado, favorece o valor segurana, por outro, ao defender a filiao do Direito a determinaes do Estado mostra-se alheio sorte dos homens.

    O Direito no se compem exclusivamente de normas, como pretende essa corrente. As regras jurdicas tm sempre um significado, um sentido, um valor a realizar. Os positivistas no se sensibilizaram pelas diretrizes do Direito. Apegaram-se to-somente ao concreto, ao materializado.

    Os limites concedidos ao Direito foram muito estreitos, acanhados, para conterem toda a grandeza e importncia que encerra. A lei no pode abarcar todo o jus. A lei, sem condicionantes, uma arma para o bem ou para o mal . Como sabidamente salientou Carnelutti, assim como no h verdades sem germes de erro, no h erros sem alguma parcela de verdade.

    O mrito que Carnelutti v no positivismo o de conduzir a ateno do analista para a descoberta do Direito Natural: a observao daquilo que se v o ponto de partida para chegar quilo que no se v.

    3. PURISMO JURDICO

    Purismo Jurdico a corrente que define, desenvolve e fundamenta o direito exclusivamente com elementos jurdicos . Por isso a teoria que versa sobre o direito dentro desse ponto de vista denomina-se Teoria Pura do Direito.

    Os adeptos da Teoria Pura do Direito no se socorrem do direito natural, da moral, do Estado, de fenmenos sociais, da economia , enfim, de fonte alguma que no seja jurdica para justificar o de ser do direito .

    Por que essa teoria pura? Gusmo responde dizendo que alm de reduzir o seu objeto exclusivamente ao direito positivo, admi te os seus adeptos a possibilidade de o direito justificar-se por si mesmo . Ou seja, considerando o direito como norma coativa, que estabelece condies para a aplicao de sanes e dando-lhe por fundamento uma norma, no entender de Kelsen, pressuposta por qualquer direito, por ele denominada norma fundamental.

    E o que prescreve essa norma? Segundo Gusmo prescreve o dever de obedecer autoridade , ou, nas palavras de Kelsen, prescreve a obedincia s ordens de um monarca absoluto ou s decises de uma assemblei a popular, por ser direito o que o monarca ordena ou o parlamento prescreve, e, conseq uentemente, vlidas as normas que contiverem tais ordens .

    3.1 Significado da Teoria Pura do Direito

    A Teoria Pura do Direito reduz a expresso do direito a um s elemento: norma jurdica . Separando o mundo do ser, pertinente s cincias naturais, da ordem do dever-ser, Kelsen situou o Direito nesta ltima.

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    A ordem jurdica formaria uma pirmide normativa hierarquizada, onde cada norma se fundamentaria em outra e a chamada Norma F undamental seria aquela que legitimaria toda a estrutura normativa . O objeto da Cincia do Direito seria o estudo apenas da norma jurdica.

    O maior intento de Kelsen foi o de criar uma teoria que impusesse o Direito como cincia e no mais fosse abordado como seo d a Sociologia ou simples captulo da Psicologia . Essa preocupao de Kelsen se justifica historicamente, de vez que sua teoria foi elaborada em uma fase crtica do pensamento jurdico. Uma viso concreta da Cincia do Direito antes de Kelsen fornecida por Miguel Reale: quando Hans Kelsen, na segunda dcada deste sculo, desfraldou a bandeira da Teoria Pura do Direito, a Cincia Jurdica era uma espcie de cidadela cercada por todos os lados, por psiclogos, economistas, polticos e socilogos. Cada qual procurava transpor os muros da Jurisprudncia, para torn-la sua, para inclu-la em seus domnios.

    3.2 A Teoria Pura do Direito

    Kelsen adotou uma ideologia essencialmente positivista no setor jurdico, desprezando os juzos de valor, rejeitando a ideia do Direito Natural, combatendo a metafsica .

    A teoria que se criou se refere exclusivamente ao Direito Positivo. uma teoria nomolgica, de vez que compreende o Direito como estrutura normativa. O Direito seria um grande esqueleto de normas, comportando qualquer contedo ftico e axiolgico.

    Assim o Direito brasileiro seria to Direito quanto o dos Estados Unidos ou da Rssia.

    Kelsen rejeitou a idia de justia absoluta . Admitiu, porm, como conceito de justia, a aplicao da norma jurdica ao caso concreto. A justia seria apenas um valor relativo.

    A sua teoria no pretende expressar o que o Direito deve ser, mas sim o que o Direito . No expe qual deve ser a fonte do Direito, mas indica as fontes formais do Direito.

    Kelsen abandonou, assim, a axiologia, bem como o elemento sociolgico. Da, porm, no se pode concluir, com acerto, que para ele a Moral e a Sociologia no tivessem importncia. A sua idia, porm, a de que as consideraes de ordem valorativa esto fora da Cincia do Direito.

    O centro da gravidade da Teoria Pura do Direito encontra-se na norma jurdica . Esta pertence ao reino do dever-ser, enquanto a lei da causalidade, que rege a natureza, pertence ao reino do ser.

    O Direito uma realidade espiritual e no natural. Se no domnio da natureza a forma de ligao dos fatos a causalidade, no mundo da norma, a imputao. A norma jurdica expressa, pela verso definitiva de Kelsen, um mandamento, um imperativo.

    3.3 A Pirmide Jurdica e a Norma Fundamental

    A estrutura normativa, que o objeto da Cincia do Direito, apresenta-se hierarquizada. As normas formam uma pirmide apoiada em seu vrtice. A graduao a seguinte: Constituio; lei; sentena; atos de execuo. Isto significa, por exemplo, que uma

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    sentena, que uma norma jurdica individualizada, se fundamenta na lei e esta, por seu lado, apia-se na constituio.

    Acima desta, acha-se a Norma Fundamental, ou a Grande Norma, ou ainda Norma Hipottica, que pode ser uma outra Constituio anterior ou uma revoluo triunfante, ou nela mesma.

    Kelsen eliminou vrios dualismos no campo jurdico: Direito/Estado; Direito Objetivo/Direito Subjetivo; Direito Interno/Direito Internacional.

    O Estado no seria mais do que uma personificao d a ordem jurdica porque no mais do que uma ordem coativa da conduta humana, ordem que jurdica.

    Kelsen nega a existncia de direito subjetivo, de vez que a possibilidade de agir a apenas uma conseqncia da norma jurdica. O que se denomina por direito subjetivo no mais do que o direito objetivo que, em certas con dies, coloca-se disposio de uma pessoa .

    Negou tambm o dualismo direito interno e internacional. Defendeu a tese de que no so dois sistemas jurdicos independentes e nem contrapostos, mas um sistema nico com prevalncia das normas internacionais. Em sua obra Teoria Geral do Direito e do Estado defende a tese de que o Direito Internacional que legitima o Direito nacional .

    3.4 Crtica

    Paulo Nader nos apresenta algumas crticas dizendo que vrias so as restries feitas ao pensamento jurdico de Kelsen. As crticas se apresentam em duas vertentes. Uma delas se refere aos pontos concretos de sua doutrina, como, por exemplo, a obscuridade do conceito de norma fundamental . Outra restrio nessa vertente a relao identidade entre Direito e Estado , que se considera como perigosa. A outra srie de restries refere-se ao sentido global de sua doutrina, ao pretender, principalmente, isolar o fenmeno jurdico de todos os demais fenmenos sociais .