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 Antonio Carlos Banzato A. Santos  Filosoa

apostila filosofia

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  • Antonio Carlos Banzato A. Santos

    Filosofia

  • com satisfao que a Unisa Digital oferece a voc, aluno(a), esta apostila de Filosofia, parte inte-grante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinmico e autnomo que a educao a distncia exige. O principal objetivo desta apostila propiciar aos(s) alunos(as) uma apresen-tao do contedo bsico da disciplina.

    A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidis-ciplinares, como chats, fruns, aulas web, material de apoio e e-mail.

    Para enriquecer o seu aprendizado, voc ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente s bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informao e documentao.

    Nesse contexto, os recursos disponveis e necessrios para apoi-lo(a) no seu estudo so o suple-mento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formao completa, na qual o contedo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal.

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    Unisa Digital

    ApreSentAo

  • SUMrIo

    IntroDUo ............................................................................................................................................... 5

    1 ConCeItoS BSICoS ......................................................................................................................... 71.1 A Conscincia Mtica ......................................................................................................................................................71.2 O Nascimento da Conscincia Filosfica: os Pr-Socrticos ...........................................................................81.3 A Filosofia de Vida e o Rigor do Pensamento Filosfico ................................................................................111.4 Dogmatismo, Senso Comum e Pensamento Ideolgico ..............................................................................131.5 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................141.6 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................15

    2 FILoSoFIA AntIGA e MeDIeVAL .............................................................................................. 172.1 A Retrica dos Sofistas e as Perguntas de Scrates .........................................................................................172.2 Plato e o Mundo das Ideias .....................................................................................................................................192.3 A Filosofia Medieval de Agostinho e Toms de Aquino .................................................................................212.4 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................242.5 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................25

    3 FILoSoFIA MoDernA e ConteMporneA .................................................................. 273.1 O que Significa Modernidade? ................................................................................................................................273.2 Racionalismo e Empirismo ........................................................................................................................................273.3 O Criticismo de Kant ....................................................................................................................................................313.4 O Contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau............................................................................................333.5 O Positivismo de Comte .............................................................................................................................................363.6 O Materialismo Histrico e Dialtico de Marx ...................................................................................................373.7 Pierre Lvy .......................................................................................................................................................................393.8 Resumo do Captulo ....................................................................................................................................................433.9 Atividades Propostas ...................................................................................................................................................44

    reSpoStAS CoMentADAS DAS AtIVIDADeS propoStAS ..................................... 45

    reFernCIAS ............................................................................................................................................. 49

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    IntroDUo

    Caro(a) aluno(a),

    Bem-vindo(a) a essa nova modalidade de aprendizado.

    A Filosofia possui uma quantidade enorme de pensadores, incessantemente questionando, pro-blematizando e confrontando ideias, destruindo e reconstruindo sistemas de pensamento.

    Atendendo ao carter introdutrio do curso, o objetivo fornecer o panorama do pensamento filosfico, desde o seu surgimento at os nossos dias.

    Estudaremos o nascimento da Filosofia na Grcia Antiga e veremos, logo no incio, a importncia do pensamento filosfico no nosso cotidiano. Em seguida, passaremos a estudar as ideias de alguns dos mais significativos filsofos da Grcia Antiga, da Idade Mdia, da Era Moderna, e, finalmente, identificare-mos importantes filsofos contemporneos.

    Nosso ponto de chegada? Esquea. Filosofar, como j dizia o filsofo alemo Karl Jaspers, estar sempre a caminho.

    A nossa disciplina tem os objetivos seguintes:

    a) diferenciar a conscincia mtica da conscincia filosfica e identificar a importncia do pensa-mento filosfico em nosso cotidiano;

    b) identificar os principais pensadores da Filosofia antiga e medieval, destacando aspectos de suas teorias sobre poltica e conhecimento;

    c) identificar alguns filsofos do incio da Modernidade e contemporneos, destacando aspectos de suas teorias sobre conhecimento e poltica.

    Prof. Antonio Carlos Banzato A. Santos

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    Quem nunca se perguntou se o mundo foi criado por uma mente superior ou se surgiu ao acaso? Estamos ss no universo? De onde viemos? Por que existimos?

    Quem nunca se espantou diante dos mist-rios do mundo? A vida e a morte, os fenmenos da natureza s vezes belos, s vezes terrveis , as estaes do ano, a contnua alternncia entre o dia e a noite, a infinitude do universo, a finitude dos seres vivos etc. extensa a lista do espetculo cotidiano que a natureza oferece aos nossos olhos, produzindo os mais variados sentimentos: medo, resignao, perplexidade, encantamento, incom-preenso e outros.

    bem verdade que o espantoso desenvol-vimento do conhecimento cientfico, nos ltimos quatro sculos, respondeu a diversas perguntas que pareceriam impossveis de serem respondidas aos olhos dos antigos. Seria um rduo e imenso trabalho enumerar todas as magnficas descober-tas cientficas ocorridas desde a comprovao, no sculo XVII, de que a Terra gira em torno do Sol at as atuais e impressionantes descobertas da Enge-nharia Gentica e da revoluo informtica.

    A Cincia, porm, no responde a tudo; di-versas perguntas permanecem abertas, resguar-dando insondvel mistrio. E tudo aquilo que a Cincia no consegue explicar racionalmente, os seres humanos acabam por explicar miticamente.

    Se assim com a nossa civilizao ocidental, imagine os povos que nunca tiveram acesso quilo que chamamos conhecimento cientfico.

    Os habitantes da Grcia Antiga, do sculo XX

    ao sculo VIII a. C., assim como as tribos indgenas de todo o continente americano principalmente antes da chegada dos europeus , so exemplos de culturas que tm na conscincia mtica a forma de conhecimento predominante.

    Sem acesso Medicina e previso meteoro-lgica, por exemplo, qualquer doena ou qualquer fenmeno da natureza, como enchentes, eclipses, falta de chuvas etc., atribudo aos deuses.

    E mesmo os rudimentares conhecimentos que, geralmente, esses povos tm sobre Astrologia e o poder de cura de certas ervas medicinais so sempre marcados por rituais mticos. sobre esse assunto os mitos que vamos tratar agora. Um assunto complexo, que faz parte de todas as cultu-ras humanas.

    O pensamento mtico, portanto, a forma pela qual uma cultura passa e explica aspectos essenciais da realidade. As perguntas sobre o fun-cionamento da natureza (que se mostra ameaa-dora), a origem do mundo, a importncia dos va-lores que modelam o comportamento do grupo etc. ganham uma resposta mtica, ou seja, uma

    1 ConCeItoS BSICoS

    1.1 A Conscincia Mtica

    AtenoAteno

    Os mitos expressam os temores e os desejos dos seres humanos em face do medo que as foras hostis da natureza lhes inspiram. Trata-se de uma forma de compreender a realidade e de conquis-tar, pelo menos provisoriamente, tran-quilidade e acomodao em um mundo assustador.

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    Antonio Carlos Banzato A. Santos

    resposta que apela ao sobrenatural, ao sagrado, magia. Tudo aquilo que acontece aos homens visto como fruto de uma vontade divina, exterior e superior ao mundo humano, e que apenas os ma-gos ou sacerdotes so capazes de interpretar.

    Podemos dizer, por isso, que o pensamen-to mtico tem algo de paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que fornece explicaes e respostas a perguntas angustiantes, recorre, nessas explica-es, ao misterioso e sobrenatural, ou seja, quilo que permanece alm da compreenso humana, esbarrando, desse modo, na impossibilidade do desenvolvimento do conhecimento racional.

    Outro trao importante das narrativas mti-cas que elas no so inventadas por ningum, no possuem um autor, assim como no tm uma origem cronolgica precisa. Antes disso, so o re-sultado da tradio cultural de um povo que, na maior parte das vezes, transmitida oralmente. Trata-se, ainda, de uma conscincia comunitria, compartilhada por todo o grupo, que aceita a ver-dade do mito sem discusses ou comprovaes racionais.

    por isso, tambm, que o mito no pode ser reduzido a uma mentira. Ou o indivduo faz parte de uma determinada cultura e aceita seus mitos

    como viso de mundo e, portanto, como ver-dade ou o indivduo no pertence ao grupo e o mito perde seu sentido.

    A discusso ou o questionamento dos mitos s possvel com o distanciamento do indivduo em relao viso de mundo que o mito repre-senta e consagra, mas, para que isso acontea, necessria a transformao da prpria sociedade. Foi exatamente o que comeou a acontecer num determinado perodo da Grcia Antiga, como ve-remos a seguir.

    Mito da criao - Mitos na Polinsia contam como o deus, Io, criou o mun-do. No incio era apenas gua e escu-rido. Por sua vontade, Io separou as guas e criou a Terra e o cu. Ele disse: Que as guas sejam separadas, que os cus sejam criados, que a Terra exista.

    CuriosidadeCuriosidade

    A civilizao micnica que se estendeu do sculo XX ao sculo XII a.C. era constituda por povos guerreiros, que viviam do comrcio e das pilhagens de guerras. Sua organizao social era fortemente hierarquizada em torno da famlia real e da aristocracia palaciana, o que se refletia na hie-rarquia de suas divindades. Uma escrita chegou a ser desenvolvida nesse perodo, muito embora seu uso tenha se restringido aos escribas a servio da famlia real.

    Por volta do sculo XII a.C., como resultado das guerras desse perodo, a civilizao micnica foi destruda e houve uma retrao social: o co-mrcio cedeu lugar economia rural, o sistema escravista recrudesceu e a escrita desapareceu.

    A vida reorganizou-se no isolamento de cls e de pequenas aldeias tribais. O poder poltico passou a ser exercido por uma aristocracia proprietria de terras. Contudo, a antiga unidade social, anterior-mente encarnada pelo rei, se desfaz e a sociedade se torna lugar de desordem e de conflitos entre as diversas famlias aristocrticas e entre a aristocra-cia e as camadas mais pobres da populao.

    Muito da tradio mtica da civilizao mic-nica se perdeu nesse perodo, sendo que somente por volta do sculo IX ou VIII a.C. a escrita reapare-ce, resguardando, porm, um carter sagrado. A Il-ada e a Odisseia, atribudas a Homero, e a Teogonia, de Hesodo (escrita no sculo VIII a.C.), so as maio-res fontes do nosso conhecimento sobre os mitos

    1.2 O Nascimento da Conscincia Filosfica: os PrSocrticos

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    Filosofia

    gregos. Isso, como vimos anteriormente, no sig-nifica que Homero ou Hesodo tenham inventado os mitos. Na verdade, eles recolheram as narrativas mticas dos diversos povos que sucessivamente habitaram a Grcia desde a civilizao micnica e as registraram em versos.

    Lentamente, algumas transformaes de-cisivas foram se impondo. A partir do sculo VIII a.C., j se nota o renascimento do comrcio, que ganha maior impulso com a inveno da moeda. A escrita finalmente deixa de ser privilgio daqueles que detm poder poltico ou religioso e, uma vez dessacralizada, isto , desligada das questes mti-cas, cheias de frmulas mgicas e inacessveis aos no iniciados, transforma-se em instrumento de divulgao de ideias, expandindo o debate social e poltico. As antigas aldeias se unem, obrigando as diferentes tribos e cls a conviverem no mesmo es-pao. Assim, nasce a organizao social, que uma caracterstica da plis, a cidade-estado grega.

    Se antes a estabilidade da vida social gravi-tava em torno da figura do rei divino, que encar-nava a vontade dos deuses, a vida na plis adquire nova e decisiva caracterstica, pois o centro da vida social passa a ser a gora, isto , a praa pblica, onde so realizadas as assembleias e onde, aps ampla discusso e votao, so tomadas as deci-ses polticas sobre a vida da cidade.

    No h mais um rei e a aristocracia no man-da sozinha. O acesso ao poder estendido a todos aqueles que so considerados cidados, ou seja, os homens adultos que no so nem estrangeiros nem escravos. Ainda que, em Atenas, considerada o modelo da antiga democracia, apenas cerca de 10% da populao fosse de cidados, inegvel a novidade poltica nascente: a aristocracia heredit-ria; assim, os comerciantes e as camadas mais po-bres da populao se veem indistintamente com direito de participar de discusses pblicas e de votar, decidindo politicamente sobre o futuro da cidade.

    Em suma, junto plis, nasce a democracia, que se constri no frgil equilbrio entre as vrias camadas sociais que habitam a mesma sociedade. E mais importante ainda: a poltica e o governo aparecem, pela primeira vez na histria, como cria-o da vontade humana. O destino, que antes era

    traado inexoravelmente pela vontade dos deuses, passa a ser responsabilidade dos cidados. Final-mente, as leis que regem o convvio social no so mais tabus, no so mais expresso da conscincia mtica, mas o resultado impessoal de uma deciso coletiva, tomada abertamente aps a discusso em praa pblica. Todas essas mudanas contri-buem de modo decisivo para o desenvolvimento do pensamento racional. A gora , por excelncia, o espao do logos, ou seja, da razo, do discurso, da palavra. A deciso sobre os assuntos pblicos passa a depender, afinal, da capacidade de per-suaso do orador e no da sua condio social ou econmica: vence quem sabe convencer melhor e, para tanto, preciso valer-se de uma boa exposi-o de ideias. Podemos dizer que a poltica final-mente torna-se laica, ou seja, assunto dos homens e no dos deuses.

    , pois, nesse ambiente de racionalidade que surgem os primeiros filsofos.

    Diante das inevitveis perguntas que o ser humano sempre se fez sobre a origem do univer-so, da natureza, da vida, os primeiros filsofos no se contentam com as explicaes oferecidas pelo pensamento mtico.

    A palavra grega physis, que a origem eti-molgica de fsica, geralmente traduzida por natureza. Seu significado, porm, mais amplo e refere-se ao processo de nascimento, crescimento e transformao da natureza. Quem indaga sobre a physis, indaga sobre o princpio ou fundamento de todas as coisas, que os gregos chamavam arch: haver um princpio nico que ordene todas as coisas do mundo?

    Para conhecer um pouco mais do mundo grego antigo, procure assis-tir ao documentrio realizado pelo canal History Channel Construindo um Imprio Grcia. Esse docu-mentrio pode ser encontrado no YouTube.

    MultimdiaMultimdia

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    Antonio Carlos Banzato A. Santos

    A resposta a essa pergunta, oferecida por He-sodo em sua Teogonia, expressa, ainda, a consci-ncia mtica: ele narra o nascimento do mundo e dos deuses; as foras da natureza so divinizadas e ganham contornos humanos: a Terra Gaia, o Cu Urano, o Tempo Cronos etc. Esses seres nascem ora pela segregao, ora pela interveno de Eros, responsvel por aproximar os opostos.

    Os primeiros filsofos, porm, insatisfeitos com as explicaes mticas, foram buscar uma explicao natural e no sobrenatural para o princpio de todas as coisas. A chave para a com-preenso da arch estaria, portanto, na prpria na-tureza e no em algo fora do mundo, preso a uma realidade misteriosa e inacessvel. A realidade, des-sa forma, se abre possibilidade do conhecimento e de explicaes racionais. Isso d origem ao pen-samento filosfico-cientfico. Os filsofos opem a Cosmologia Cosmogonia dos mitos.

    Ainda que muito dos escritos pr-socrticos tenham se perdido, restando apenas fragmentos e citaes de filsofos posteriores, sabemos que essa nova forma de pensar nasce por volta do s-culo VI a.C., na Jnia, que era uma colnia funda-da na costa asitica da Grcia, atual Turquia, mais especificamente na cidade de Mileto, que experi-mentava, ento, grande florescimento comercial e cultural. Mileto havia se transformado em centro cosmopolita, onde conviviam culturas distintas. possvel, assim, que as diversas e contrastantes tra-dies mticas tenham levado os primeiros filso-fos relativizao dos mitos.

    Tales, nascido em Mileto, considerado o primeiro filsofo. Ao recusar a explicao mtica, ele afirma que o princpio da physis a gua. Todo o universo e toda a natureza teriam se originado desse elemento, sendo possvel encontr-lo em

    tudo aquilo que est vivo. relevante, tambm, o carter crtico do pensamento de Tales: diz-se que ele no s admitia como estimulava seus discpu-los a desenvolver outros pontos de vista, adotan-do, se possvel, outros princpios explicativos. Seus discpulos Anaximandro e, depois, Anaxmenes e Herclito so os mais importantes filsofos pr--socrticos da Jnia.

    No transcorrer dos sculos VI e V a.C., o pen-samento filosfico se difunde na Grcia. Pitgoras de Samos funda uma escola em Crotona, no sul da Magna Grcia (atual Itlia). Xenfanes, Parmnides e Zeno representam a cidade de Eleia, tambm da Magna Grcia. Leucipo e Demcrito so de Abde-ra; Anaxgoras de Clazomenas; Empdocles, de Agrigento.

    A denominao filsofos pr-socrticos , ao mesmo tempo, cronolgica e temtica. Crono-lgica porque grande parte desses filsofos viveu antes de Scrates, considerado um marco da Filo-sofia; temtica porque sua principal caracterstica a tentativa de explicao racional da origem do universo: seu objeto de reflexo a physis.

    Em resumo, h uma ruptura entre a consci-ncia mtica e a Filosofia nascente. Ao contrrio do que acontece com a explicao mtica, que aceita pelo indivduo sem questionamentos, a explicao filosfica problematizadora e convida discus-so. Desse modo, abre-se espao para a divergn-cia e para o debate. Se Tales afirma que o elemento primordial de todas as coisas a gua, Anaxmenes afirma que o ar. Demcrito, por sua vez, sustenta que o tomo. Empdocles diz que so os quatro elementos: terra, ar, gua e fogo. E assim sucessi-vamente.

    Em oposio figura do sbio religioso, que detm a verdade do conhecimento mtico, os gre-gos inventam a figura do filsofo. Observa-se a uma diferena de atitude diante do saber recebi-do: no mito, a inteligibilidade dada; na Filosofia, ela procurada.

    O filsofo, portanto, no o dono da verdade, mas aquele que sai em sua busca, ou, como diria Pitgoras, o amigo (philos) do saber (sophia), da a origem do prprio termo filosofia: philos + sophia.

    No YouTube voc pode encontrar vrios filsofos tratando da filosofia pr-socrtica. interessante obser-var suas colocaes, para se ter uma ideia da importncia desses primei-ros filsofos.

    MultimdiaMultimdia

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    Filosofia

    Como definir Filosofia? Qual sua utilidade no nosso dia a dia? Qual sua importncia para todos aqueles que no so filsofos e no fazem do pen-samento filosfico um modo de vida? Essas so al-gumas perguntas frequentes entre os estudantes de qualquer faculdade.

    Ao invs, porm, de se abrir para o novo, tambm significativa a parcela de alunos que re-solve se proteger da Filosofia, afirmando, do fundo da sua caverna, que ela muito subjetiva, uma viagem incompreensvel, e no serve para nada que se relacione vida prtica.

    Antes, portanto, de comearmos a estudar alguns dos mais importantes filsofos desde a Antiguidade at nossos dias, vamos procurar res-ponder s questes anteriores e desfazer os pre-conceitos mais comuns que abalam a j restrita popularidade da Filosofia.

    Para Kant, no possvel aprender o que a Filosofia, s possvel aprender a filosofar. Mer-leau-Ponty, por sua vez, afirma que filosofar re-aprender a ver o mundo. Segundo Gramsci, no se pode pensar em nenhum homem que no seja tambm filsofo, que no pense, precisamente porque pensar prprio do homem.

    Andr Comte-Sponville (2003), finalmente, arrisca: filosofar pensar sua vida e viver seu pen-samento e arremata: a filosofia uma prtica te-rica (mas no-cientfica), que tem o todo por obje-to, a razo por meio e a sabedoria por fim. Trata-se de pensar melhor, para viver melhor.

    Quem nunca parou para pensar como deve viver?

    Eis a uma pergunta filosfica da maior rele-vncia, ligada ao cotidiano de qualquer ser huma-no. Se voc, s vezes, se faz essa pergunta e procura respond-la de um modo inteligente, est, bem ou mal, filosofando. Por que voc resolveu fazer um curso universitrio? Por que optou por este curso e no por outro? Por que a Unisa? Por que resolveu cursar a disciplina Filosofia pela internet?

    Por detrs dessas escolhas esto os seus crit-rios e os seus valores, que, suponho, foram ponde-rados, pesados, avaliados, at que voc chegasse sua deciso. Refletir sobre esses valores, procurar justific-los racionalmente, uma forma de filoso-far. Pensar a sua vida no viver de modo egosta ou essencialmente introspectivo, mas pensar onde ela vivida: na sociedade, na histria, no mundo. Viver seu pensamento , na medida do possvel, agir com autonomia ao invs de sujeitar-se passi-vamente ao fluxo dos acontecimentos.

    Para que serve, ento, a Filosofia? Para apri-morar a reflexo crtica, inerente a todo e qualquer ser humano! Pensar melhor, para viver melhor! A esse pensamento crtico chamamos filosofia de vida. Trata-se mais de uma atitude do que de uma erudio. isso o que eu procuro fazer na minha vida. isso o que voc pode fazer na sua! Basta co-ragem e disposio.

    Por que coragem? Ora, lembre-se dos pr-so-crticos: eles rejeitavam as explicaes mticas em voga na sua poca. Isso quer dizer que ousavam questionar aquilo que, para a maioria das pessoas, era uma verdade absoluta, uma certeza, um dog-ma. Certamente encontravam muita resistncia, o que, convenhamos, nem sempre fcil de supor-tar (Scrates que o diga!). H, porm, diferenas relevantes entre a filosofia de vida e o pensamento

    1.3 A Filosofia de Vida e o Rigor do Pensamento Filosfico

    A Filosofia Clnica parte da filosofia acadmica direcionada ao consultrio, clnica. uma atividade utilizada em hospitais, escolas, instituies de todo o pas. A partir dos trabalhos do filso-fo gacho Lcio Packter, desde o final dos anos 80, essa atividade se difundiu no pas e no exterior.

    CuriosidadeCuriosidade

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    Antonio Carlos Banzato A. Santos

    dos filsofos especialistas. Enquanto a filosofia de vida no exige rigor muito embora exija sempre esprito crtico! , a Filosofia propriamente dita se manifesta como um gnero parte.

    O iniciante, s vezes, assusta-se com a lingua-gem dos filsofos. E alguns deles, principalmente a partir da Modernidade, so de fato difceis. Mas como tantas outras disciplinas, a Filosofia tambm tem o seu rigor prprio, o seu jargo, os seus con-ceitos.

    Em Filosofia, o uso preciso da linguagem decisivo: assim que os filsofos fogem da ambi-guidade e evitam a subjetividade, no de seu pon-to de vista, mas de como o expressam.

    O filsofo, portanto, est acostumado a pen-sar com maior rigor lgico e de um modo mais sis-temtico que as pessoas comuns, alm de conhe-cer a histria e o desenvolvimento do pensamento. Esse conhecimento terico, todavia, apenas uma parte do filosofar. Ao eleger a dvida como ele-mento desencadeador do processo crtico, a Filo-sofia se caracteriza como conhecimento instituin-te, capaz de questionar sempre e infinitamente o saber institudo, provocando abalos e mudanas.

    A Filosofia trai a si mesma quando estanca em verdade inquestionvel, afinal ela a procura da verdade, no a sua posse. Por isso, como diz Jas-pers, filosofar estar a caminho: perguntas em Filo-sofia so essenciais e cada resposta transforma-se numa nova pergunta.

    por isso que, ao estudar os clssicos, preci-samos tomar cuidado. Ler Filosofia no assimilar passivamente as ideias dos grandes filsofos como se fossem um produto pronto e acabado; isso sim seria erudio estril. Ler bem ler antropofagica-mente: s assim poderemos nos aproximar da Filo-sofia como processo, como reflexo crtica e aut-noma da realidade vivida.

    O objeto da Filosofia? O todo. Isso no signi-fica que todos os filsofos pensem sobre todos os assuntos possveis, mas qualquer assunto possvel pode ser o objeto de estudo de um filsofo. E, sob uma perspectiva de conjunto, a Filosofia relacio-na-se interdisciplinarmente com todas as formas do saber e agir humanos.

    Os filsofos, assim, podem ter como objeto de estudo o conhecimento, a poltica, a tica, a Cincia, a religio, o Direito, a justia, os valores, o prprio ser humano etc.

    J que falamos em Cincia, convm, aqui, abrir um parntese. A partir do sculo XVII, com a revoluo metodolgica iniciada por Galileu Gali-lei, a Filosofia e a Cincia, que at ento andavam juntas, separam-se. Comea a nascer a a noo moderna de conhecimento cientfico. Aos poucos, vo se firmando as cincias particulares Fsica, Astronomia, Qumica, Biologia, Psicologia, Socio-logia, Economia etc. , cada uma delas com sua metodologia prpria de estudo. A Cincia, assim, faz recortes do real e tende cada vez mais es-pecializao, ao saber fragmentado, ao estudo da parte e no do todo. Alm disso, a Cincia est pre-ocupada em fazer juzos de fato, ou seja, pretende descobrir como os fenmenos ocorrem, quais suas relaes e como prev-los. Os resultados das inves-tigaes cientficas se pretendem, por isso, impes-soais e objetivos, tendendo verificabilidade e uniformidade das concluses.

    A Filosofia, por sua vez, no renuncia ao pon-to de vista da totalidade. Enquanto as cincias se especializam, a Filosofia levanta problemas cujas respostas exigem a capacidade de relacionar diver-sos aspectos do contexto no qual esto inseridos. Enquanto os cientistas se limitam a fazer juzos de fato, os filsofos resgatam a dimenso dos juzos de valor e, com isso, julgam o valor do conhecimento, preocupando-se no apenas em saber como a experincia vivida, mas tambm como deveria ser.

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    Filosofia

    Vamos, afinal, admitir que a Filosofia no uma atividade apenas para iniciados. Muito pelo contrrio: a filosofia de vida condio para a au-tonomia intelectual de qualquer ser humano. So-mente por meio dela questionamos as verdades sedimentadas e alteramos o rumo de nossa pr-pria existncia.

    Isso, porm, no fcil. H diversos obst-culos que impedem grande parte das pessoas de abandonar suas pequenas certezas e suas cmo-das verdades. O dogmatismo, o senso comum e o pensamento ideolgico so alguns desses obst-culos. Vejamos cada um deles.

    O termo dogma possui diversas perspecti-vas. Vejamos algumas delas:

    o dogma mtico-religioso uma verdade indiscutvel que a razo no precisa ex-plicar;

    o dogma valorativo deriva da falta de ca-pacidade de um indivduo de colocar em xeque seus prprios valores, que passam a ser considerados universais;

    o dogma poltico a maior ameaa s democracias.

    Menos intransigente que o dogmatismo, o senso comum o conhecimento que herdamos pela tradio e ao qual acrescentamos os frutos da experincia vivida na coletividade a que per-tencemos. Trata-se de um conjunto de valores e ideias mais ou menos compartilhado socialmente e que nos permite interpretar a realidade e agir. O problema, porm, que o senso comum no resultado da reflexo e pode encontrar-se mistu-rado a crenas e preconceitos. Como primeiro n-vel de conhecimento, ainda ingnuo, no crtico, fragmentrio, assistemtico e incoerente, levando, muitas vezes, ao conservadora e resistente s mudanas. O senso comum, todavia, pode ser su-perado, no apenas pelas formas mais rigorosas do conhecimento, como a Cincia e a Filosofia, mas tambm pelo exerccio da filosofia de vida.

    O pensamento ideolgico, finalmente, se

    apresenta muitas vezes como um discurso aparen-temente mais bem elaborado do que o dogmatis-mo e o senso comum, por isso exigir de ns um ateno um pouco mais detalhada.

    J vimos que, em Filosofia, um conceito uma construo que s faz sentido no interior de uma teoria, perdendo seu sentido quando inde-vidamente transportado para outra teoria. Assim, dois ou mais filsofos podem utilizar-se da mesma palavra para construir conceitos absolutamente distintos. exatamente isso o que acontece ou aconteceu com a ideologia.

    No incio do sculo XIX, certa corrente filos-fica chamou de ideologia a cincia das ideias ou a cincia das cincias, mas esse sentido caiu total-mente em desuso: ningum, hoje em dia, defende a viabilidade de uma cincia das cincias.

    J no uso cotidiano, chamamos de ideologia a nossa opinio ou posicionamento sobre deter-minado assunto. assim que falamos em ideologia de esquerda ou de direita, em ideologia libertria ou repressora, em ideologia democrtica ou bli-ca. Pense, por exemplo, na reeleio de George W. Bush presidncia dos Estados Unidos; sua cam-panha poltica foi toda marcada pela ideologia da guerra como forma de combate ao terrorismo.

    H dcadas, porm, a palavra utilizada pela maioria dos intelectuais, das mais diversas reas, em seu sentido marxista. Para entender isso, pre-ciso esquecer os dois sentidos anteriormente men-cionados.

    1.4 Dogmatismo, Senso Comum e Pensamento Ideolgico

    Saiba maisSaiba mais

    A ideologia, afinal, um conjunto de ideias (compostas por valores, princ-pios, crenas) que se explicam por suas condies histricas, ou seja, as ideias que compunham a mentalidade feudal eram diferentes daquelas que compem a sociedade capitalista. Da mesma for-ma, h diferenas entre a mentalidade da poca da Revoluo Industrial e a da revoluo informtica.

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    Podemos dizer, portanto, que o discurso ide-olgico nunca fruto da autonomia do pensamen-to, mas resultado de circunstncias histricas que modelam inconsciente e acriticamente os valo-res e a viso de mundo daquele que fala. O sujeito sequer chega a perceber quais so os seus prprios valores, limitando-se a repetir como se fossem suas e como se fossem naturais e universais as ideias que, na verdade, compem um pensamento social localizado no tempo e no espao.

    Outro trao importante da ideologia que ela reflete os valores da classe ou do segmento so-cial dominante. A fora do discurso ideolgico con-siste na capacidade de transformar em universais os valores que, no fundo, no passam de interesses particulares de um grupo especfico. Assim, tan-to dominados quanto dominadores incorporam o discurso e acreditam nele, no percebendo as

    lacunas que existem no discurso e que ocultam a maneira pela qual a realidade social foi produzida.

    Depois do que ns estudamos, muito cuida-do! Isso no faz da ideologia um conhecimento fal-so, mentiroso ou delirante, mas ilusrio, ou seja: o discurso ideolgico no uma mentira que algum inventa deliberadamente com a oculta inteno de manter os seus privilgios, tampouco se con-funde com um delrio se o entendemos como um pensamento desgarrado do real (e, portanto, falso) e, ao mesmo tempo, individual, singular, enclausu-rado em si mesmo. Um delrio, porm, transforma--se numa crena quando adquire a fora de mover e comover todo um grupo. A crena, finalmente, pode engendrar discursos ideolgicos, no em funo de sua validade ou falta de validade, mas de sua capacidade de controlar comportamentos coletivos, reforando crenas e esteretipos.

    Neste captulo observamos, inicialmente, alguns conceitos bsicos. O mito, como uma narrativa primordial, que sedimenta uma representao do mundo, a partir do pensamento mgico, fantstico. A noo do pensar filosfico como um pensar crtico, que trata o mundo a partir da explicao racional, marcando uma ruptura com a abordagem mtica. Esse pensar, por ter mais rigor lgico, assume ser dife-rente da forma de pensar das pessoas comuns, ou seja, assistemtico. A filosofia se embasa num conhe-cimento terico, rigoroso. Ainda, problematizamos trs noes que podem dificultar o exerccio do ato de filosofar: o dogmatismo, o saber comum e o pensamento ideolgico.

    Assista ao filme Uma Cidade sem Passado, do diretor Michael Verhoeven. O filme conta a histria de uma moa, de uma cidade pequena, que decide escrever um texto sobre a sua cidade na poca do nazismo para concorrer em um concurso. Esse filme mostra o papel da ideologia na histria.

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    1.5 Resumo do Captulo

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    Filosofia

    1.6 Atividades Propostas

    Agora que terminamos este captulo, vamos verificar se voc fixou bem o contedo, respondendo s perguntas a seguir.

    1. Quais so as diferenas entre Filosofia e mito?

    2. O filsofo francs contemporneo Andr Comte-Sponville afirma que filosofar pensar sua vida e viver seu pensamento. Declara, ainda, que a filosofia uma prtica terica (mas no--cientfica), que tem o todo por objeto, a razo por meio e a sabedoria por fim. Trata-se de pensar melhor, para viver melhor. O que ele est querendo nos dizer com essa noo de filosofia?

    3. Por que to importante reconhecer/compreender as ideologias?

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    A cidade de Atenas, no sculo V a.C., encar-na o auge da antiga democracia. Isso no pouco, principalmente se lembrarmos que, no sculo XII a.C., a civilizao micnica foi destruda e, como re-sultado, o comrcio e a escrita desapareceram, o sistema escravista recrudesceu e a economia, con-trolada por uma aristocracia proprietria de terras, voltou a ser fundamentalmente rural. Somente no sculo VIII a.C., na transio dos tempos homricos para o perodo arcaico, que o antigo mundo rural e aristocrtico, assentado em tribos e cls familia-res, ir ceder espao para as primeiras aglomera-es urbanas.

    Com a lenta formao das plis assiste-se, concomitantemente, ao renascimento do comr-cio. Uma vez enriquecidos, os comerciantes pas-sam a defender seus interesses, que, muitas vezes, se opem aos da aristocracia. Aps algumas im-portantes reformas polticas, ser, finalmente, im-plantada a democracia. Esse novo contexto social e poltico fundamental para entender o pensa-mento de Scrates e a atividade dos sofistas. Com eles, houve uma significativa mudana no teor das indagaes filosficas, uma vez que os pr-socr-ticos perguntavam-se sobre a formao e a trans-formao da natureza (physis), buscando respostas racionais a essas questes (cosmologias).

    O termo sofistas deriva de sophos, que signi-fica originalmente sbios. Como, porm, Scrates e, mais tarde, Plato e Aristteles criticaram dura-mente os sofistas, o termo acabou adquirindo uma conotao pejorativa. Tanto que chamamos de sofisma o argumento que, embora falso, possui a aparncia da verdade e, portanto, o poder de indu-zir o outro ao erro. O sofista, nessa viso pejorativa, o charlato que tem por hbito e por habilida-de construir argumentos com erros voluntrios, a fim de enganar ou embaraar seu interlocutor.

    Hoje em dia, porm, a tendncia reconhe-cer a importncia que os sofistas tiveram na hist-ria da Filosofia. Foram eles, afinal, que justificaram o ideal democrtico do sculo V a.C., elaborando teorizaes que interessavam nova classe dos co-merciantes.

    Muito embora no tenham constitudo uma escola de pensamento (pois divergiam muito entre si), os sofistas tinham algumas coisas em comum: eram estrangeiros (e, portanto, no eram considerados cidados de Atenas), no descen-diam da aristocracia e no pertenciam a famlias de comerciantes enriquecidos. Para sobreviver, davam aulas e cobravam por isso, ou seja, transfor-maram o seu saber em ofcio, o que causou espan-to para os padres da poca. No foram poucos os que acusaram os sofistas de mercenrios do sa-ber. A busca pela verdade argumentavam seus detratores no poderia se submeter aos interes-ses daquele que paga, exigindo como condio a independncia.

    A contribuio dos sofistas, todavia, reside no fato de terem sistematizado o ensino, formando

    2 FILoSoFIA AntIGA e MeDIeVAL

    2.1 A Retrica dos Sofistas e as Perguntas de Scrates

    AtenoAteno

    Scrates o primeiro filsofo a eleger problemas ticos e polticos como tema central de seus questionamentos, deslo-cando o objeto da Filosofia da natureza para o prprio homem e para a comu-nidade em que vive. Nesse exerccio, ir divergir dos sofistas.

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    um currculo de estudos que inclua, entre outros pontos, a gramtica, a retrica e a dialtica. Tais es-tudos vinham ao encontro das exigncias prticas do cidado de uma sociedade democrtica: para convencer no basta dizer o que se considera ver-dadeiro, preciso demonstr-lo pelo raciocnio e, para demonstr-lo, preciso falar bem, preciso persuadir.

    Preocupados com a coerncia lgica e com o rigor dos argumentos e dando mais importncia forma da exposio do que ao prprio conte-do, os sofistas se encarregam de iniciar os jovens na arte da retrica, instrumento que se torna indis-pensvel na assembleia democrtica.

    Se os sofistas preocupavam-se mais com a forma do que com o contedo dos argumentos, isso no se devia a uma falha de seu carter. Sua inteno no era mentir deliberadamente, no era enganar o interlocutor (ou, pelo menos, isso no se aplica maioria dos sofistas e, se eventualmente ocorreu, foi uma exceo).

    Antes disso, os sofistas compartilham a ideia de que no h no mundo um nico princpio que a tudo comande. Para eles, tudo resulta de con-venes, inclusive os valores e a prpria verdade. Quando Protgoras considerado o primeiro so-fista afirma que o homem a medida de todas as coisas, est querendo dizer que, se existe um con-senso entre os homens, este resulta da conveno.

    A verdade, portanto, vista como resultado de uma construo humana e no como a desco-berta de algo absoluto.

    Scrates (470-399 a.C.) nada deixou escrito. Tudo o que sabemos dele se deve aos relatos de seus discpulos, sendo Plato o mais importante de todos. Pela anlise desses escritos, porm, poss-vel identificar alguns dos mais importantes traos da filosofia socrtica.

    Os sofistas, como acabamos de ver, ensina-vam a arte da retrica, ou seja, ensinavam o orador a expor seu ponto de vista com coerncia e brilhan-tismo, a fim de convencer seus interlocutores de que realmente tinham razo (o que, alis, continua sendo til em se tratando de assuntos polticos e jurdicos). Scrates, por sua vez, faz exatamente o contrrio: desenvolve um mtodo de destruio

    das certezas e das convices. Est preocupado em descobrir a essncia das coisas e seu primeiro passo admitir que no as conhece. , portanto, um ignorante da essncia que procura descobrir. Sua famosa frase s sei que nada sei o ponto de partida para a procura, para a pesquisa. Scra-tes resolve, ento, interrogar todos aqueles que se consideram sbios. Porm, com suas hbeis e ir-nicas perguntas, pe a nu a iluso do conhecimen-to, revelando que as pessoas se passam por sbias sem de fato o serem. Sua habilidade questionado-ra nada mais do que uma imensa capacidade de colocar em xeque as crenas, os dogmas, as opini-es e o senso comum de seus interlocutores.

    Essa fase inicial da investigao socrtica tem por objetivo demonstrar que o nosso primeiro n-vel de conhecimento que prtico, intuitivo e imediato se revela, muitas vezes, insuficiente e inadequado, sendo possvel aprimor-lo e aper-feio-lo por meio da reflexo. O aprimoramento da reflexo, por sua vez, d-se por meio daquilo que Scrates chamou maiutica. No se assuste com essa palavra grega, que significa literalmente a arte de fazer o parto. Filho de uma parteira, S-crates fez uma simples analogia entre o seu ofcio e o ofcio da me. Assim como ela ajudava outras mulheres a darem luz uma criana, ele ajudava outros homens a darem luz suas prprias ideias.

    Scrates, com isso, quer reforar que no dono da verdade: ao destruir a iluso do conheci-mento de seu interlocutor, no aponta onde est o conhecimento verdadeiro (que ele tambm igno-ra), apenas aponta para a deficincia do conheci-mento do outro, estimulando-o a aprimorar suas prprias reflexes por meio da dialtica, isto , pela discusso no dilogo; assim, o papel do filsofo no transmitir um saber pronto e acabado.

    No podemos concluir da que Scrates acei-ta qualquer ponto de vista e que toda e qualquer opinio deve ser respeitada. A Filosofia, para S-crates, nada tem a ver com o exerccio da subjeti-vidade do indivduo. Antes disso, ele (ao contrrio dos sofistas) preocupa-se em descobrir um conhe-cimento que seja universal. Dessa preocupao, decorre a importncia fundamental do conceito.

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    Filosofia

    Somente o exerccio intelectual que leva definio de um conceito poderia exprimir a es-sncia ou a natureza de uma coisa, aquilo que a coisa verdadeiramente. Para Scrates, no bas-tam exemplos do que ser corajoso ou do que ser virtuoso, ele quer saber o que a coragem ou a virtude em si mesmas.

    No foi por outro motivo que Scrates tanto criticou os sofistas. Argumentava que as decises polticas nas assembleias estavam sendo tomadas no com base em um saber, mas por influncia dos mais hbeis em retrica, que poderiam no ser os mais sbios ou virtuosos.

    Sua postura de incansvel perguntador ren-deu-lhe, porm, diversos inimigos: os poderosos, afinal, no gostavam nem um pouco de se verem expostos em sua ignorncia. Em resumo, foi acusa-do de corromper a juventude e de ensinar crenas contrrias religio do Estado e, num julgamento poltico e injusto, foi condenado morte.

    Curiosamente a execuo de Scrates, quan-do ele contava 70 anos, coincide com a decadn-cia da democracia ateniense, enfraquecida por in-trigas, conspiraes, corrupo e por uma crise de valores polticos e morais.

    2.2 Plato e o Mundo das Ideias

    Plato (428-347 a.C.) era um jovem de 29 anos quando Scrates foi executado. A decepo com o regime democrtico, que, j em declnio, acabou por condenar seu mestre morte, ir trans-parecer em toda a sua obra.

    O verdadeiro nome de Plato era Arstocles. Ateniense de famlia aristocrtica, recebeu o ape-lido pelo qual ficou famoso por ter os ombros lar-gos (os ossos que formam os ombros chamam-se omoplatas). Fiel a Scrates, Plato comprou a briga com os sofistas e continuou denunciando aquilo que acreditava ser o falso saber dos homens, prin-cipalmente no que se refere aos valores humanos. Desiludido, porm, com a democracia, afastou-se da participao poltica e elaborou aquilo que viria a ser considerada a primeira grande sistematizao do pensamento filosfico.

    Enquanto os sofistas defendiam que a verda-de era fruto da conveno humana e ensinavam os homens a defender com brilhantismo qualquer ponto de vista, Scrates preocupado em des-

    cobrir a essncia das coisas se empenhava na produo de um saber negativo, isto , destrua a iluso do saber, levando seus interlocutores a ad-mitir que no conheciam a essncia daquilo sobre o que falavam. Em suma, levava-os a reconhecer que no sabiam coisa alguma.

    Plato, contudo, d um passo alm de seu mestre e ousa elaborar um saber positivo, capaz de garantir a certeza do conhecimento e, conse-quentemente, de orientar a ao tica e poltica.

    Vejamos, ento, algumas das perguntas que Plato procura responder: como podemos conhe-cer a realidade? Qual o mtodo, quer dizer, qual o caminho capaz de garantir que o conhecimento vlido e verdadeiro? Quais so os instrumentos mais adequados de que dispomos para chegar ao conhecimento: os sentidos ou a razo? O que queremos conhecer: o mundo material, mutvel e perecvel, ou a realidade superior, a essncia eter-na e imutvel? Finalmente: possvel conhecer a realidade, o mundo tal qual ele ?

    Assista ao filme S-crates, do diretor Roberto Rossellini. O filme aborda o final da vida de S-crates, em especial seu julgamento e sua condenao morte.

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    Para responder a essas questes, Plato pre-ocupa-se desde o incio com a clareza: preciso criar definies; preciso estabelecer com preci-so o significado do que se diz, o significado das palavras; preciso, em suma, criar conceitos.

    O mtodo que Plato utilizou para criar con-ceitos foi a dialtica. A dialtica, portanto, respon-de primeira pergunta: o mtodo platnico de superao da opinio (em grego, doxa). E qual o problema da opinio? que ela expressa um pon-to de vista baseado num juzo insuficiente (tenha--se ou no conscincia dessa insuficincia); mais uma crena do que um conhecimento, ou, se pre-ferir, um conhecimento falso, preconceituoso, sem um fundamento slido.

    Os sofistas critica Plato defendem sem pudor qualquer ponto de vista, isto , qualquer opinio. Mas Plato no quer se limitar s opinies, pois elas so mltiplas e podem variar de indivduo para indivduo. Ademais, algumas de nossas opini-es decorrem dos sentidos, que, muitas vezes, nos enganam.

    O conhecimento verdadeiro, por sua vez, aquele que corresponde essncia das coisas, o nico apto a responder o que algo. Deve ser, por-tanto, universal, aceito por todos, independente-mente de origem, classe, funo ou interesses indi-viduais. Esse conhecimento chamado por Plato de cincia (ou, em grego, episteme).

    A admirvel novidade expressa pelo pensa-mento de Plato que ele no adota como ponto de partida do seu sistema filosfico uma revelao externa, uma autoridade divina ou algo que seja sobrenatural. Antes disso, parte da prpria opinio, submetendo-a, porm, a um reexame crtico (lem-bre-se da dialtica). Em seguida, leva s ltimas consequncias o discurso reflexivo, isto , o discur-so capaz de se voltar sobre o prprio discurso, pre-ocupado em justificar-se e legitimar-se, chegando finalmente verdade pela clareza, pela razo.

    A filosofia se converte, assim, numa anlise crtica dos fundamentos, do discurso legitimador do conhecimento como posse de uma represen-tao correta do real. Com isso, respondemos se-gunda questo: a razo mais refinada do que os sentidos para chegar ao verdadeiro conhecimento.

    Se voc reparar, respondemos tambm terceira questo: o mundo material mutvel, o mundo das opinies e dos sentidos sujeitos ao engano, o mundo do falso conhecimento dos sofistas; o mundo superior, das essncias, por sua vez, o que Plato almeja conhecer pela razo.

    E como, afinal, possvel conhecer a realida-de, o mundo tal qual ele ? Para responder, Pla-to desenvolve a teoria das ideias. Teoria, nesse contexto, significa a capacidade de ver a natureza essencial das coisas em seu sentido eterno e imu-tvel; , pois, o caminho para conhecer a verdade. A natureza essencial de alguma coisa, por sua vez, corresponde quilo que Plato chama ideia.

    Na alegoria da caverna, Plato faz uma met-fora: o mundo no interior da caverna corresponde ao mundo sensvel, isto , ao mundo mutvel dos fenmenos, da multiplicidade e do movimento. um mundo ilusrio e sujeito ao engano, pura som-bra do verdadeiro mundo.

    Os homens que passam entre a fogueira e os prisioneiros carregando objetos cujas sombras se projetam no fundo da caverna, criando a iluso de que a projeo a prpria realidade, so os so-fistas e os polticos atenienses, que manipulam as opinies dos homens comuns. Finalmente, aquele homem que se liberta e sai da caverna o filsofo.

    O mundo externo a metfora do mundo inteligvel ou mundo das ideias, ou, ainda, se voc preferir, mundo das essncias. A teoria filosfica o nico caminho para a depurao dos sentidos, que permite ao homem aproximar-se da contempla-o das essncias imutveis. Para Plato, as ideias so as nicas verdades. O mundo dos fenmenos em que vivemos, portanto, apenas a cpia do mundo superior. Um exemplo: h diversos tipos de abelhas: grandes, pequenas, amarelas, negras etc., mas essas variaes s existem no mundo sensvel, que mutvel e mltiplo; a essncia ou ideia da abelha, porm, una, nica, imutvel e faz parte do mundo das ideias.

    Como possvel, contudo, ultrapassar a fron-teira que separa esses dois mundos? Plato, para justificar tal dualismo, elabora a teoria da reminis-cncia, na qual supe que o puro esprito j teria contemplado o mundo das ideias, mas tudo esque-

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    ce quando se degrada, ao se tornar prisioneiro do corpo, nascendo em nosso mundo. Assim, conclui Plato, conhecer lembrar. A funo dos sentidos, por sua vez, despertar a alma para as lembranas adormecidas.

    Antes de encerrarmos, chamo a ateno para um detalhe importante. Na alegoria da caverna, o filsofo que se aproximou do mundo das ideias volta, em seguida, ao mundo sensvel. Que conclu-ses podemos tirar disso? Como vimos no incio, as corrupes que marcaram o declnio da demo-cracia ateniense e a execuo de Scrates produzi-ram em Plato uma enorme decepo, levando-o a afastar-se da poltica. Esse afastamento, no entan-to, no foi definitivo. Para Plato, a prtica filosfi-ca representa o abandono provisrio do mundo sensvel e a busca do mundo das ideias: se no temos condies de avaliar com clareza e efic-cia a nossa prtica quando nela estamos imersos, preciso romper com ela, olh-la de outra esfera, avali-la de longe, para, somente depois, retornar com maior clareza.

    Com a filosofia, certo, Plato enfatiza a teo-ria, mas no deixa que ela se transforme num fim em si mesma, colocando-a a servio de uma aplica-o prtica, baseada em princpios que vo alm do imediato, da opinio. A filosofia se converte, desse modo, em condio racional da ao, conservando um interesse prtico muito claro: a dimenso tica e poltica da existncia humana. O filsofo, portan-to, , para Plato, aquele que sai da caverna, mas no esquece o compromisso de retornar para al-terar as relaes humanas, conduzindo-as o mais prximo possvel da verdade. A caverna, afinal, apesar de inferior, o prprio mundo humano.

    Plato, finalmente, manifesta-se contrrio

    democracia, pois entende que o povo ser sempre manipulado e enganado pelos polticos. A opinio, por mais equivocada que seja, parece a expresso da verdade quando bem defendida por um hbil orador e, assim, faz prevalecer interesses particula-res em detrimento de interesses comuns.

    A tirania (governo violento e arbitrrio) e a oligarquia (governo de uma minoria poderosa) tambm so rejeitadas, pois, alm de no garanti-rem decises sbias, representavam uma volta in-desejada ao passado. Como soluo, Plato defen-de a construo de uma sofocracia (sophos, como j vimos, significa saber; krtos governo; sofo-cracia , literalmente, governo dos sbios). Nesse caso, sbios so os prprios filsofos que saem da caverna e, quando voltam, devem transformar-se nos governantes dos homens comuns, vtimas do conhecimento imperfeito, ou, nas palavras do prprio Plato: Os males no cessaro para os ho-mens antes que a raa dos puros e autnticos fil-sofos chegue ao poder. (Carta VII).

    Na sociedade imaginada por Plato, a famlia e a propriedade deveriam ser eliminadas e a edu-cao ficaria a cargo do Estado. As funes sociais de cada indivduo seriam decididas de acordo com suas aptides. Assim, os indivduos com alma de bronze, isto , de sensibilidade mais grosseira, cui-dariam da subsistncia da cidade, dedicando-se ao artesanato, ao comrcio e agricultura. Os indiv-duos com alma de prata, considerados os mais corajosos, cuidariam da defesa da cidade. Por fim, os indivduos com alma de ouro seriam instrudos na arte de pensar a dois, isto , na arte de dialogar. Estudariam Filosofia at os cinquenta anos, quan-do, ento, seriam admitidos no corpo supremo dos magistrados, a quem caberia o governo da cidade.

    2.3 A Filosofia Medieval de Agostinho e Toms de Aquino

    No sculo II a.C., a Grcia se encontrava sob o domnio do Imprio Romano. A perda da autono-mia das cidades gregas, contudo, no significou o aniquilamento de sua cultura, mas, curiosamente, a sua expanso: os romanos reconheceram e difun-

    diram o pensamento filosfico da Grcia Antiga.

    No plano poltico, porm, a vida sob o do-mnio do Imprio foi drasticamente alterada: o ci-dado no era mais aquele que participava cole-tivamente das decises polticas em praa pblica,

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    redigindo leis e votando. Em Roma, diferentemen-te, eram poucos os que detinham poder poltico. Tal fato acabou por gerar uma mudana no enfo-que da Filosofia, que, ao deixar de lado os proble-mas polticos, volta-se para o interior do homem, preocupando-se fundamentalmente com a vida privada e com as regras de conduta sociais des-tinadas ao bom viver. No campo da tica, os fil-sofos romanos no chegaram perto da grandeza e originalidade dos gregos. Sua grande contribui-o, contudo, refere-se ao Direito. Foram eles os responsveis ainda sob a influncia da filosofia grega por elaborar um sistema jurdico impesso-al, sistemtico e tcnico.

    ainda sob o domnio do Imprio Romano que nascer Jesus. Aps sua crucificao, surgem diversos seguidores de Cristo, todos inicialmente combatidos pelo Imprio. Lentamente, o cristia-nismo, tornado religio, foi se difundindo em di-versas comunidades, sem, contudo, possuir uma unidade. Ameaado no apenas pelo Imprio, mas tambm pelas divergncias internas, foi necessria a criao de uma unidade institucional que desse nova religio a identidade capaz de proporcionar maior integrao entre as comunidades crists. Nesse processo, a filosofia grega ter importncia fundamental, contribuindo com a formulao de uma doutrina nica ou ortodoxa, que significa, li-teralmente, doutrina correta, rechaando-se as doutrinas divergentes como herticas, isto , que contrariam os dogmas da Igreja.

    Diversos telogos se opem utilizao da filosofia grega, alegando tratar-se de um pensa-mento pago, ou seja, alheio mensagem crist e, portanto, pernicioso, perigoso. Outros telogos, por sua vez, sustentam que a filosofia grega uma preparao racional para a f, podendo desempe-nhar um papel legtimo, desde que submetida aos textos sagrados. Essa tenso que se estabeleceu entre a Teologia e a Filosofia ficou conhecida como o conflito entre razo e f e permeou as discusses religiosas entre os sculos II e V da nossa era, mar-cando, tambm, a decadncia do Imprio Romano.

    A patrstica, surgida nesse contexto, a fi-losofia dos padres da Igreja, tambm conhecidos como apologistas. Seu objetivo: combater as he-resias e justificar a f. Sua estratgia: mesclar f e razo, subordinando esta quela.

    O principal nome da patrstica Agostinho (354-430). Nascido em Hipona, uma provncia pertencente ao Imprio Romano, converte-se ao cristianismo aos 32 anos e, em 395, torna-se bispo. Quando morre, na primeira metade do sculo V, sua cidade j est cercada pelos vndalos: a dis-soluo do Imprio. Cronologicamente, Agostinho , ainda, um pensador do perodo antigo. Sua obra, porm, reflete as mudanas histricas de sua po-ca e prenuncia o importante papel cultural exer-cido pelo cristianismo ao longo da Idade Mdia, alm de contribuir para a consolidao da filosofia crist. Aps sua morte, foi canonizado pela Igreja, passando a ser chamado pelos cristos de Santo Agostinho.

    A aproximao rigorosa e sistemtica que Agostinho elaborou entre o cristianismo e a filo-sofia de Plato ficou conhecida como platonismo cristo. O dualismo caracterstico da teoria das ideias e da teoria da reminiscncia recuperado e transformado por Agostinho na teoria da ilumina-o, da qual decorre a noo de interioridade, que prenuncia o conceito de subjetividade do mundo moderno. Para Agostinho assim como para Pla-to , o conhecimento supe algo anterior aos sen-tidos e prpria linguagem. No lugar, porm, do mundo das ideias, Agostinho coloca Deus. A teoria da reminiscncia, por sua vez, substituda pela te-oria da iluminao. Vejamos como.

    Plato argumenta que no possvel ensinar a virtude, trata-se, antes, de lembrar sua essn-cia (contemplada no mundo das ideias por todo ser humano antes de nascer). Agostinho concorda com Plato que a virtude no pode ser ensinada! Veja o que diz o filsofo cristo sobre o conheci-mento:

    No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, no consultamos a voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de ns preside pr-pria mente, incitados talvez pelas palavras a consult-la. Quem consultado [...] Cristo, que habita [...] no homem interior.

    E ainda: [...] quem nos ouve conhece o que eu digo por sua prpria contemplao e no atra-vs de minhas palavras.

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    Filosofia

    Em sua ltima obra, A cidade de Deus, Agos-tinho formula uma concepo histrica com um sentido, com uma direo, com incio, meio e fim. O evento inicial da histria a criao, seguida por sucessivas rupturas e alianas com o Criador, desde a expulso e queda de Ado e Eva do Paraso at o juzo final e a redeno. A aliana entre Deus e o homem representada pela cidade divina, que, ao final, prevalecer, pois a finalidade da histria. Os momentos de ruptura da aliana correspondem prevalncia provisria da cidade terrena, que tambm a cidade do pecado.

    A influncia de Agostinho fundamental para a consolidao da Igreja, que, menos preo-cupada em combater os brbaros (at porque no possua condies de derrot-los pelas armas), passa a convert-los, iniciando o processo de cris-tianizao da Europa ocidental. tambm com o auxlio do pensamento agostiniano que a Igreja, a detentora terrestre das chaves da cidade de Deus, mantm a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal durante a Idade Mdia.

    O poder temporal, alis, sem a centralizao anteriormente proporcionada pelo Imprio, se fragmenta. Com isso, as cidades transformam-se em lugares inseguros. As pessoas refugiam-se no campo e deixam de fazer viagens. O comrcio prati-camente desaparece. A economia torna-se agrria e de subsistncia. A populao, de servos a nobres,

    torna-se cada vez mais analfabeta. Acentuam-se as disputas polticas entre duques, condes e bares, que montam suas prprias milcias e, muitas ve-zes, detm mais poder que o prprio rei. Em um mundo assim fragmentado, a Igreja representa um elemento agregador e de forte influncia. Grande parte da cultura greco-romana, afinal, conserva-da nos mosteiros e os monges, os nicos letrados da Idade Mdia, tornam-se os responsveis por elaborar a fundamentao religiosa dos princpios morais, polticos e jurdicos da sociedade medieval.

    No sculo XIII, quando nasce Toms de Aqui-no (1225-1274), o panorama medieval se encontra em franca transformao, pois o renascimento do comrcio estimula o surgimento de novos ncle-os urbanos. Desde a criao da Universidade de Direito de Bolonha, em 1088, no cessam de sur-gir novas universidades espalhadas pela Europa. A demanda por educao aumenta consideravel-mente, atendendo no apenas aos anseios eclesi-sticos, visando formao de uma elite para com-bater os hereges, mas tambm civis, pois a vida urbana exige pessoas qualificadas para ocupar os cargos do governo e da administrao pblica.

    Quando as dificuldades decorrentes da ten-so entre a teologia crist e a filosofia grega trans-formam-se em assuntos universitrios, tem incio a escolstica ou, literalmente, doutrina da escola, marcada, a princpio, pelo platonismo agostiniano.

    Todavia, o renascimento do comrcio inten-sifica as viagens e, com isso, o contato com outras culturas. A filosofia rabe, bastante avanada para a poca, traz ao ocidente cristo a obra de Arist-teles. A novidade intelectual, porm, vista pela Igreja com severas restries a concepo filo-sfica do estagirita , ao mesmo tempo, rigorosa e divergente da teologia elaborada at ento, que, ameaada, apressa-se em condenar trechos dos textos aristotlicos. No obstante, seu pensamen-to bem acolhido no ambiente universitrio, que procura desenvolver-se com liberdade e autono-mia. A obra de Toms da Aquino resultado de sua carreira como professor universitrio. Seduzi-do pela obra de Aristteles, procura demonstrar a sua compatibilidade com a filosofia crist, tornan-do-se, assim, o maior nome da escolstica.

    Assista ao filme Santo Agosti-nho, do diretor italiano Roberto Rossellini. Esse filme focaliza a principal fase da vida e da obra

    de Santo Agostinho: o momento em que se torna bispo de Hipona. O fil-me mostra seu combate aos herti-cos donatistas, a sua famosa oratria, suas ideias e realizaes.

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    Como cristo, Toms de Aquino se revela um pensador racionalista e extremamente rigoroso. A funo da Filosofia, contudo, continua sendo a de servir f. Seu propsito intelectual provar racio-nalmente a existncia de Deus. Para tanto, argu-menta que a definio de Deus como sendo a pr-pria perfeio nada prova, pois a definio uma ideia e nada garante que ela exista de fato na rea-lidade. Argumenta, ainda, que a existncia divina no autoevidente, mas precisa ser demonstrada.

    O ponto de partida para o conhecimento racional sobre Deus , de acordo com Toms de Aquino, o mundo sensvel, percebido pelos senti-dos: por meio deles, todo e qualquer ser humano

    apreende a existncia autoevidente do movimento das coisas, como, por exemplo, um dado inegvel da realidade. O movimento, contudo, sempre causado por alguma outra coisa e, para que a srie das causas no se estenda ao infinito e possa ser compreendida pela razo, preciso chegar noo de causa primeira. a que o frade dominicano, ao se deixar influenciar pela obra de Aristteles, adap-ta-a ao cristianismo: a primeira causa eficiente do movimento de todo o universo, e que tambm a sua causa primeira, Deus.

    Alm de produzir uma sntese da obra aris-totlica, adaptando-a aos dogmas cristos, Toms de Aquino influencia-se tambm pela viso polti-ca do filsofo grego, estudando questes como a natureza do poder e das leis. Chega, ao final, con-cluso de que a realizao humana se aprimora na cidade e que o plano poltico a instncia possvel para o governo no tirnico aliar ordem e justia.

    Ainda que Toms de Aquino faa a ressalva de que o Estado conduz o ser humano at certo ponto e que, a partir da, necessria a atuao indispen-svel da Igreja, mantendo, portanto, o poder tem-poral da Igreja acima do poder temporal dos reis, j se nota uma atenuao dessa hierarquia. No deixa de ser um prenncio da desarticulao entre polti-ca e religio, que ocorrer no Renascimento, como veremos no prximo tema.

    Assista ao filme o nome da rosa, do diretor Jean--Jacques Annaud. Na Itlia medieval, monges francis-canos so chama-dos para debater com monges de

    outras ordens se a Igreja deve ou no ser pobre. Belos debates vo ocorrer nesse monastrio.

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    2.4 Resumo do Captulo

    Neste captulo tratamos do incio e do desenvolvimento da filosofia. Nos ocupamos com dois mun-dos: o grego e o medieval. No universo grego, abordamos o pensamento pr-socrtico, as filosofias so-crtica e platnica. Na Idade Mdia, duas grandes figuras da filosofia: Santo Agostinho e So Toms de Aquino. Com os pr-socrticos encontramos a primeira forma genuna de filosofia, porque eles rompem com os mitos e pensam o mundo e suas coisas a partir dos fenmenos desse mesmo mundo. Privilegiam a explicao racional, criando convenes no verdades eternas , e a retrica a arte de bem falar.

    Combatendo os pr-socrticos, Scrates sustenta a validade de um pensamento que pode atingir a verdade das coisas. Como mtodo, esse filsofo emprega a ironia e a maiutica. A ironia para quebrar as verdades supostamente estabelecidas, e a maiutica para fazer nascer aquele que pensa. Sua maior preocupao: a tica.

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    Filosofia

    2.5 Atividades Propostas

    Com Plato, discpulo de Scrates, o conhecimento divido em dois, em sensvel e inteligvel. E, para ele, a verdade se encontra no mundo inteligvel, das ideias. As ideias guardam a natureza essencial das coisas em seu sentido eterno e imutvel; , pois, o caminho para conhecer a verdade. Para exemplifi-car esse pensamento, utiliza o Mito da Caverna.

    Na Idade Mdia, com Santo Agostinho, temos o aparecimento da Patrstica, ou seja, a filosofia dos padres da Igreja. Seu objetivo: combater as heresias e justificar a f. Sua estratgia: mesclar f e razo, su-bordinando esta quela. Com So Toms de Aquino, temos a Escolstica, a doutrina da escola. De acordo com So Toms, o ponto de partida para o conhecimento racional sobre Deus o mundo sensvel, perce-bido pelos sentidos: por meio deles, todo e qualquer ser humano apreende a existncia autoevidente do movimento das coisas, como, por exemplo, um dado inegvel da realidade. Mas esse movimento regido por uma cauda primeira. Por isso, se se quer compreender essas causas necessrio chegar noo de causa primeira. a que o frade dominicano, ao se deixar influenciar pela obra de Aristteles, adapta-a ao cristianismo: a primeira causa eficiente do movimento de todo o universo, e que tambm a sua causa primeira, Deus.

    1. A quem pertence a clebre frase: Conhece-te a ti mesmo? Qual a forma desenvolvida por esse pensador para expor as suas ideias?

    2. Qual pensador elaborou o teoria das ideias? O que essa teoria procurava explicar?

    3. Para Plato, qual o conhecimento verdadeiro?

    4. O que acontece com a filosofia na Idade Mdia?

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    A Idade Mdia estendeu-se do sculo V ao sculo XIV da nossa era; mil anos, portanto. A partir do sculo XV, a Igreja comea a perder parte de seu poder para os reis, cada vez mais fortes; Inglaterra, Frana, Portugal e Espanha se constituem em mo-narquias nacionais. A perda de influncia da nobre-za e do clero corresponde ascenso de uma nova classe social: a burguesia. Dedicados s finanas e ao comrcio, os burgueses passam a apoiar a coroa em troca de proteo aos seus negcios.

    Os sculos XV e XVI constituem, assim, o Re-nascimento, perodo de intensas transformaes. Uma das mais notveis o declnio da perspectiva teocntrica tipicamente medieval e o desenvol-vimento da mentalidade antropocntrica, de for-ma que o indivduo volta a ser valorizado em sua integralidade.

    O humanismo renascentista, ao defender a independncia e a liberdade de pensamento e ao retomar sob uma nova perspectiva algumas ideias e valores da Antiguidade greco-romana, rompe com a viso filosfico-religiosa da Idade Mdia e

    prepara o terreno para o desenvolvimento da Mo-dernidade nos sculos XVII e XVIII.

    Se, porm, o termo Renascimento remete retomada de algumas ideias e valores da Antigui-dade, o conceito de Modernidade merece maior ateno. Ao que tudo indica, a origem etimolgi-ca do vocbulo moderno deriva do advrbio lati-no modo, que significa agora, neste instante, no momento, ou seja, designa o que nos contem-porneo. Por isso, nos habituamos a relacionar o conceito de Modernidade quilo que novo, que rompe com a tradio. No dia a dia, o termo mo-derno adquire um sentido positivo de mudana, transformao, progresso (um cinema moderno, por exemplo, um cinema bem equipado, com tecnologia de ltima gerao e design arrojado). Historicamente, contudo, a Modernidade o pe-rodo compreendido entre os sculos XVII e XVIII; trata-se de um perodo diretamente relacionado supervalorizao do indivduo e da ideia de pro-gresso.

    FILoSoFIA MoDernA e ConteMporneA3

    3.1 O que Significa Modernidade?

    3.2 Racionalismo e Empirismo

    O francs Ren Descartes (1596-1650) nasceu numa poca de transio, em meio ao fogo cruza-do de um novo pensamento que se anunciava e do pensamento tradicional, que ainda sobrevivia de maneira muito forte.

    AtenoAteno

    De acordo com Descartes, nada garan-te que o saber cotidiano, adquirido pela tradio ou pela experincia, sem maio-res preocupaes com o mtodo, seja de fato um conhecimento verdadeiro.

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    No exagero dizer que a filosofia cartesia-na inaugura o pensamento moderno. Situando-se, porm, num perodo de transio, ela possui, ao mesmo tempo, elementos de ruptura e de conti-nuidade em relao filosofia antiga e medieval. Importante deixar bem claro que a ruptura com a tradio no significa que o filsofo a ignora, mas sim a critica, ou melhor, ele aborda os temas da fi-losofia tradicional sob uma nova perspectiva.

    De acordo com Descartes, nada garante que o saber cotidiano, adquirido pela tradio ou pela experincia, sem maiores preocupaes com o mtodo, seja de fato um conhecimento verda-deiro. Antes disso, pode tratar-se apenas da con-solidao de erros acumulados atravs dos anos. No foi outra coisa, a propsito, o que Descartes testemunhou em sua poca: a cincia de inspira-o aristotlica havia perdurado por, aproximada-mente, dois mil anos, mas ruiu aos ps do mode-lo de cincia inaugurado por Coprnico, Galileu e Kepler, desautorizando, inclusive, o discurso oficial da Igreja, cuja autoridade ficou irremediavelmente abalada.

    Como, a partir de ento, seria possvel garan-tir a certeza do conhecimento? Descartes volta-se para dentro de si mesmo; ele aposta no poder cr-tico da razo. Logo no incio de uma de suas mais importantes obras, o Discurso do mtodo, ele afir-ma que o bom-senso natural ao homem e com-partilhado por todos. O erro, por sua vez, resulta do mau uso da razo. Para evit-lo, conclui, preciso desenvolver um mtodo, isto , um caminho, um procedimento capaz de garantir a certeza do co-nhecimento.

    Fascinado pela Matemtica, devido sua cer-teza e ao seu carter autoevidente (a verdade ma-temtica mostra em si mesma o seu prprio funda-mento), Descartes a elege como modelo metdico para chegar certeza tambm em outras esferas do saber, como a Fsica, a Moral e a Metafsica. Em outras palavras, seu objetivo alargar o campo de eficcia da razo por meio de um mtodo de apli-cao universal, capaz de fundamentar a unidade do saber.

    Em certo sentido, Descartes se coloca na contramo de seu tempo. Nos perodos de crise, em que a tradio ainda no morreu e a novidade

    ainda no se imps, compreensvel que a maio-ria das pessoas se sinta mergulhada num mar de incertezas. Da a simpatia que seus contemporne-os nutrem pelos filsofos cticos da Antiguidade. Descartes, ao contrrio, pretende encontrar uma certeza bsica e absoluta, imune s dvidas cti-cas. A etapa inicial da argumentao cartesiana elege a dvida como recurso metodolgico. A cha-mada dvida metdica coloca tudo em xeque: as crenas, as opinies, os sentidos, o conhecimento adquirido pela tradio, pela experincia, pela au-toridade etc. Descartes chega, ento, a criar a d-vida hiperblica (exagerada): e se a realidade for uma iluso; e se o mundo foi criado por um gnio maligno ou por um deus enganador que se diverte brincando de enganar meus sentidos?

    Ao elevar a dvida at o limite, Descartes abre o caminho para chegar sua primeira certeza: se existe um gnio maligno que gosta de me ilu-dir, necessrio, ento, que eu exista e, por mais que o gnio maligno me engane, jamais poder fa-zer com que eu no seja nada. Sendo assim, se eu duvido, porque eu penso. Se eu penso, porque eu existo. Da, sua celebre afirmao: penso, logo existo (em latim, cogito, ergo sum). Resumindo, para duvidar necessrio pensar. A existncia do ser pensante, portanto, no est sujeita dvida; trata-se de uma certeza bsica, originria.

    Assista ao filme Descartes, do diretor Rober-to Rossellini. Em quase trs horas de filme, Rossellini realiza, com seu realis-mo caracters-

    tico, um retrato fascinante da vida de Descartes e sua busca incessante pelo conhecimento.

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    Filosofia

    Ao atingir, porm, a certeza da existncia da substncia pensante, Descartes continua duvi-dando do corpo. Ter certeza sobre a existncia do corpo significaria ir alm do pensamento puro, de-penderia dos sentidos, da experincia, do conheci-mento adquirido. Mas nada disso pode ser garan-tido pela certeza do cogito, isto , do pensamento. Difcil, alis, no lembrar aqui do filme Matrix.

    Para garantir a passagem do mundo interno para o externo, Descartes lana mo da chamada prova ontolgica da existncia de Deus. A exis-tncia da dvida, argumenta o filsofo, prova a carncia de conhecimento do ser humano, que se percebe imperfeito e finito. Assim, dvida igual a imperfeio e finitude humanas.

    As ideias de perfeio e infinitude, por sua vez, no podem ser fruto da mente humana, afi-nal a razo e o bom-senso garantem que uma ideia nunca pode ser maior do que a sua causa. Desse modo, um ser finito no pode causar a si mesmo a ideia de infinitude. Assim, perfeio e infinitude so ideias inatas, causadas nos homens por um ser perfeito e infinito, ou seja, Deus. Se Deus possui todas as perfeies em grau infinito, deve possuir tambm o atributo da existncia, portanto, con-clui Descartes, Deus existe (pensar em Deus como inexistente seria, para Descartes, pens-lo sem um atributo da perfeio, o que impossvel para o ra-ciocnio por ele sustentado). Nesse sentido, Deus igual a perfeio e infinitude.

    Uma vez comprovada racionalmente a exis-tncia de Deus, bem como sua perfeio e infi-nitude, conclui-se que Deus bom e no pode produzir um mundo que seja uma iluso. Os erros do entendimento humano decorrem de nossas imperfeies, que, apesar de tudo, podem ser ate-nuadas por um mtodo rigoroso. Deus , assim, a ponte que leva das ideias ao real.

    A filosofia cartesiana , portanto, uma filoso-fia dualista, que separa corpo e mente. A realidade da alma que Descartes chama substncia pen-sante completamente separada da realidade do corpo a substncia extensa. , tambm, uma filosofia idealista e racionalista: a desconfiana que nutre pelos sentidos leva-o a recus-los como pon-to de partida do conhecimento; este, por sua vez, se constitui a partir das ideias, submetidas sempre ao crivo da razo. H, assim, isolamento do eu

    (solipsismo) em relao a todo o mundo externo, incluindo o prprio corpo: a conscincia est con-denada certeza solitria de si mesma.

    No podemos esquecer, contudo, que o ob-jetivo de Descartes fundamentar a possibilidade do conhecimento cientfico. Afirmar a existncia de Deus foi o modo que encontrou para superar seu idealismo em direo a uma filosofia realista, capaz de estabelecer a ponte entre o mundo inte-rior e o exterior e, com isso, fundamentar o conhe-cimento cientfico.

    Em suma, Descartes rompe com a tradio filosfica ao preocupar-se com o desenvolvimen-to de uma metodologia rigorosa, capaz de funda-mentar a cincia nascente, e, nesse sentido, se faz moderno. Todavia, ao invocar Deus para no cair no ceticismo que pretendia refutar, conserva um aspecto da filosofia tradicional, qual seja, o recurso metafsica.

    Por sua vez, John Locke (1632-1704) defendia uma teoria do conhecimento, que, posteriormen-te, ficou conhecida como empirismo. A palavra empeiria vem do grego e significa experincia. Em sua obra Ensaios sobre o entendimento humano, ope-se a Descartes e combate a tese das ideias inatas. Para o filsofo ingls, o processo de conhe-cimento nunca anterior experincia. Antes o contrrio, sempre o resultado das elaboraes que fazemos de nossa experincia, sentidos e im-presses sobre o real.

    Locke, portanto, no adota uma abordagem racionalista, ou seja, o ponto de partida do conhe-cimento no a razo. Antes disso, ele afirma que a mente do ser humano, ao nascer, uma tbula rasa, isto , uma folha em branco, vazia, e que a experincia vai, aos poucos, fornecendo os dados para a futura elaborao do conhecimento. Se no fosse assim, as crianas j estariam aptas a encontrar em si as ideias inatas. Ademais, observa Locke, a ideia de Deus no se encontra em toda parte ou, no mnimo, h povos que no desenvolvem a re-presentao de um Deus como ser perfeito.

    DicionrioDicionrio

    Empeiria: palavra que vem do grego e que sig-nifica experincia. Aplica-se ao que tem origem na experincia (por oposio ao conhecimento racional ou a priori).

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    Antonio Carlos Banzato A. Santos

    Sendo assim, sustenta que h duas fontes possveis para o desenvolvimento do conhecimen-to: a sensao e a reflexo. A sensao resultado dos estmulos externos e fornece elementos para o desenvolvimento das ideias simples. A reflexo, por seu turno, se reduz elaborao interna das sen-saes, produzindo as ideias complexas. As ideias simples so as que resultam da percepo da qua-lidade das coisas, como solidez, extenso, cor, som, sabor etc., que relativa e subjetiva, podendo va-riar de sujeito para sujeito. Finalmente, por meio da anlise, o sujeito ata e desata as ideias simples, pro-duzindo ideias complexas, as quais so formadas exclusivamente pelo intelecto e no tm validade objetiva; so nomes que criamos para ordenar as coisas. Seu valor prtico e no cognitivo.

    Ao aceitar a sensibilidade como ponto de partida do conhecimento, Locke rejeita a Metafsi-ca e conclui que no podemos conhecer as coisas em sua essncia. Em outras palavras, podemos ter opinies sobre o mundo natural, mas no conheci-mento verdadeiro.

    Se compararmos o racionalismo cartesiano com o empirismo de Locke, podemos dizer que este privilegia a experincia sensvel como fonte inicial do processo de conhecimento enquanto Descartes privilegia a razo. Isso no quer dizer que o racio-nalismo despreza a experincia sensvel, mas que ela est sujeita a enganos e, portanto, o verdadeiro conhecimento se elabora no esprito. O empirismo, por sua vez, no despreza o uso da razo, apenas subordina o seu uso ao resultado da experincia.

    As consequncias de se adotar uma teoria ou outra so enormes. Os racionalistas confiam na possibilidade de se atingir verdades universais e eternas. J os empiristas admitem que o conheci-mento se inicia sempre a partir de uma realidade em constante transformao e, com isso, acabam por questionar o carter absoluto da verdade, con-cluindo que tudo relativo ao espao, ao tempo, ao humano.

    Foi, contudo, o filsofo escocs David Hume (1711-1776) quem levou ao limite o pensamen-to empirista. Assim como Locke, Hume descarta a possibilidade de se conhecer a essncia das coisas.

    O esprito, ou a essncia do ser humano, enquanto algo imutvel, no pode ser conhecido. No h metafsica possvel. Tudo que resta a na-tureza humana, entendida no como substncia,

    mas reduzida s maneiras pelas quais a mente as-socia ideias. O que importa, para Hume, investi-gar como se do tais associaes.

    O conhecimento, pode-se argumentar, ini-cia-se na experincia e depende de nossa capaci-dade racional de compreender as relaes de cau-sa e efeito da natureza. Hume, porm, coloca sob suspeita as relaes de causa e efeito que pensa-mos encontrar na natureza.

    O fogo queima? o que a experincia nos confirma. A regularidade da natureza e as relaes de causa e efeito dos fenmenos naturais, contudo, no existem seno em nossa mente. No se trata de uma verdade absoluta, mas de um pressuposto indispensvel ao processo de conhecimento.

    Se, todas as vezes que me encostei ao fogo, queimei-me, se o mesmo aconteceu com todas as outras pessoas, sou capaz de prever, pressupondo a regularidade da natureza, que, no futuro, se en-trar novamente em contato com o fogo, mais uma vez me queimarei. O hbito, e nada mais do que o hbito, nos leva a formular a noo de causa e efeito, que, todavia, no um dado da natureza. A razo, portanto, limitada para conhecer as coisas. O mximo que ela consegue fazer relaes a par-tir do hbito.

    Nesse caso, caro(a) aluno(a), observe bem: o verdadeiro e o absoluto so inatingveis. E mais, as afirmaes metafsicas carecem de provas e funda-mentos. Reside nisso, alis, o ceticismo de Hume.

    Uma certeza um conhecimento plenamen-te demonstrado, que no admite dvidas. Mas o que no admite dvidas? Tudo o que conhecemos depende da nossa sensibilidade, dos nossos instru-mentos de medio, de teorias, de conceitos. O co-nhecimento humano comea e termina no mesmo lugar:

    a) todo conhecimento parte necessaria-mente dos sentidos e da razo;

    b) toda certeza esbarra, necessariamente, nas limitaes dos sentidos e da razo.

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    Filosofia

    Immanuel Kant (1724-1804) foi um dos prin-cipais nomes do iluminismo alemo. De incio, se-duzido pelo racionalismo, torna-se leitor de Hume e compreende que no s possvel como acon-selhvel colocar a razo em dvida, chegando, por isso, a dizer que Hume o despertou de seu sono dogmtico.

    Dogmtico aquele que aceita, sem questio-namentos sem crtica, portanto , algumas ideias. nesse sentido, denuncia Kant, que toda a Filosofia anterior a Hume incorreu no erro dogmtico, pois aceitou, sem questionar, sem criticar, que concei-tos como Deus, alma, infinito e finito, causa e efei-to, matria e forma, substncia etc. pudessem ter uma realidade em si mesmos, que fosse, de algum modo, apreensvel pela razo. Ou, dito de modo inverso, nada prova que as ideias produzidas por nossa razo correspondam exatamente a uma re-alidade externa, que existe em si e por si. Dessa forma, ao elaborar a sua teoria do conhecimento, Kant coloca a razo em um tribunal, a fim de ava-liar cuidadosamente o que pode ser conhecido de modo legtimo e qual o tipo de conhecimento que no tem fundamento.

    Sua crtica da razo pura, como o nome indi-ca, tem o objetivo de avaliar criticamente at que ponto possvel falar em razo pura, independen-temente da experincia individual. Por esse moti-vo, alis, seu mtodo conhecido como criticismo.

    A ambio filosfica de Kant superar a di-cotomia entre o racionalismo e o empirismo. Para tanto, prope aquilo que ele mesmo chama uma revoluo copernicana em Filosofia. De acordo com Kant, toda Filosofia anterior, incluindo racio-nalistas e empiristas, cometeram o mesmo erro: elaboraram teorias do conhecimento partindo da realidade (podemos dizer: dos objetos, das coisas) e no da razo, ou seja, colocaram os objetos no centro do processo de conhecimento e deixaram os sujeitos girando em torno deles. Acreditaram, ainda, que a realidade era racional, podendo ser conhecida integralmente pelas ideias da razo.

    A revoluo copernicana em Filosofia in-verteu o jogo, deslocando os objetos do centro do processo de conhecimento e, em seu lugar, co-locando o prprio sujeito do conhecimento. Ora, se o iluminismo procurou elevar a razo ao status de Sol, capaz de iluminar as trevas da ignorncia, cumpria colocar esse Sol no centro do conheci-mento e indagar:

    a) o que a razo?

    b) o que a experincia?

    c) o que elas podem e no podem conhe-cer?

    O erro dos racionalistas (entre eles Descartes) foi supor que as ideias so inatas, o que no se pode provar; o erro dos empiristas (entre eles Locke e o prprio Hume) foi supor que a estrutura da razo adquirida pela experincia. Kant procura superar o impasse. A razo, afirma, uma estrutura vazia, sem contedo, pura forma. Essa estrutura no adquirida pela experincia nem subjetiva. Antes disso, inata (todo ser humano nasce com ela) e, assim, universal. A estrutura da razo, portanto, anterior experincia ou, como diz Kant, usando um termo latino, a priori: uma condio para que, posteriormente, o conhecimento seja atingi-do.

    Se a razo uma estrutura formal, a experin-cia, por sua vez, fornecer a matria, isto , o conte-do (varivel) do conhecimento, ou melhor, o co-nhecimento racional a sntese que a razo realiza entre uma forma universal inata e um determinado contedo oferecido pela experincia.

    De acordo com Kant, a estrutura a priori da ra-zo constituda pela forma da sensibilidade (isto , a capacidade da percepo sensorial) e pela for-ma do entendimento (isto , a capacidade da inteli-gncia ou do intelecto). A funo da razo, separa-da da sensibilidade e do intelecto, no conhecer coisa alguma, mas regular e controlar a sensibilida-

    3.3 O Criticismo de Kant

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    Antonio Carlos Banzato A. Santos

    de e o intelecto. A partir dos dados da experincia (contedo varivel), colhidos pela sensibilidade e pelo intelecto (estrutura inata e universal), a razo produz uma sntese, quer dizer, organiza as percep-es, transformando-as em conhecimentos inte-lectuais ou conceitos.

    Para se explicar melhor, Kant desenvolve os conceitos de juzo analtico, juzo sinttico e juzo sinttico a priori. No juzo analtico, o predicado, isto , a qualidade, a caracterstica, faz parte da prpria existncia do sujeito; ele no produz co-nhecimento, apenas descreve o prprio sujeito. Por exemplo: o tringulo possui trs lados. O predi-cado trs lados independe da experincia, sendo universal e necessrio; , como diz Kant, a priori. Outros exemplos: o calor uma medida de tem-peratura dos corpos; a gua um elemento.

    Quando, porm, o predicado nos d novas informaes sobre o sujeito e permite a sntese entre ambos, fazemos um juzo sinttico. Veja: o calor dilata os corpos ou a gua ferve a 100 graus centgrados. O que acontece nesses enunciados? Os predicados dilata os corpos e ferve a 100 graus so informaes novas sobre os sujeitos corpos e gua, respectivamente. No juzo sinttico, portan-to, nota-se uma relao causal entre sujeito e pre-dicado.

    Em resumo, o juzo analtico uma verdade da razo. O juzo sinttico, porm, no pode ser

    considerado uma verdade de fato, pois os hbitos associativos de nossa mente (por exemplo: a gua ferve toda vez que chega aos 100 graus centgra-dos) foram colocados sob suspeita desde Hume e Kant, por sua vez, admite a insuficincia do hbito e, portanto, da experincia para se atingir um conhecimento verdadeiro, universal e necessrio.

    Para superar o impasse, Kant introduz a ideia de juzo sinttico a priori, isto , um tipo de juzo cuja sntese depende da estrutura universal e ne-cessria da razo e no da variabilidade das expe-rincias individuais. A noo de causalidade, por exemplo (assim como a de quantidade e de qua-lidade, entre outras), no dada pelos sentidos. Trata-se, como diz Kant, de uma categoria do en-tendimento, ou seja, a causalidade no tem uma existncia em si mesma, ela no est na natureza; antes disso, faz parte da estrutura a priori da razo. Ou, ainda, a noo de causalidade uma sntese a priori feita pela razo humana e que permite a elaborao de enunciados universalmente vlidos, independentemente da experincia.

    Concluindo, todo conhecimento comea pela experincia, mas resulta, em ltima instn-cia, das relaes estabelecidas entre as impresses (que possibilitam a experincia) e a estrutura a priori da razo (que permite a elaborao do juzo sinttico a priori), ou seja, o conhecimento uma composio entre a matria (resultado da expe-rincia) e a forma (estrutura a priori da razo). Ao levar seu rigoroso raciocnio s ltimas consequn-cias, Kant conclui pela impossibilidade de conhe-cermos os seres da metafsica, afinal, no temos qualquer experincia sensvel sobre eles.

    Assim, finaliza Kant, no podemos conhecer a coisa em si, no podemos conhecer a essncia, a substncia (o noumenon, como diz o filsofo) das coisas. Tudo o que podemos conhecer so os fen-menos (phainomenon), isto , aquilo que aparece para ns. A realidade, portanto, no exterior ao

    A vida de Kant foi austera (e