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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI
APOSTILA HABILIDADES METALINGUÍSTICAS
E A ALFABETIZAÇÃO
ESPÍRITO SANTO
2
LINGUAGEM
O termo linguagem durante muito tempo, pensou-se que ela era uma invenção
cultural, o que diferenciava o homem dos outros animais. Mesmo sendo considerado ainda
um diferencial entre homens e animais a linguagem não é exatamente um produto da cultura,
é uma habilidade que desenvolvemos por instintos. Mesmo sem instrução formal ou esforço
consciente, ainda bebês aprendemos a falar. Com o passar do tempo, essa habilidade vai
se desenvolvendo e, sem percebermos, logo passamos da produção de palavras soltas à
produção de textos cada vez mais complexos.
Nosso universo social é repleto de símbolos. São placas, textos, objetos, gestos,
imagens, etc. É por meio da linguagem que conseguimos relacionar esses símbolos para
interagir com nossos semelhantes, refletir sobre a realidade, transmitir valores,
conhecimento... Enfim, relacionando símbolos, produzimos sentido.
A linguagem se divide em não verbal e verbal.
LINGUAGEM NÃO VERBAL
Utiliza imagens para realizar a comunicação.
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Exemplos: sinais de trânsito, placas de sinalização, gestos, etc. Observe que uma placa de
transito comunica algo mesmo sem utilizar palavras. Assim, essa placa de trânsito é um
exemplo de texto não verbal.
LINGUAGEM VERBAL
Comunica por meio de palavras escritas ou faladas.
Exemplos: uma carta, um relatório, uma conversa pelo telefone, etc. Nesse exemplo,
mesmo sendo uma placa de trânsito, observamos o uso da linguagem verbal. A informação
foi passada por meio de palavras.
FUNÇÕES DA LINGUAGEM
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Para melhor compreensão das funções de linguagem, torna-se necessário o estudo
dos elementos da comunicação.
ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO
Emissor - emite, codifica a mensagem;
Receptor - recebe, decodifica a mensagem;
Mensagem - conteúdo transmitido pelo emissor;
Código - conjunto de signos usados na transmissão e recepção da mensagem;
Referente - contexto relacionado a emissor e receptor;
Canal - meio pelo qual circula a mensagem;
Obs.: as atitudes e reações dos comunicantes são também referentes e exercem influência
sobre a comunicação.
FUNÇÕES DA LINGUAGEM
Função emotiva (ou expressiva)
Centralizada no emissor, revelando sua opinião, sua emoção. Nela prevalece a 1ª
pessoa do singular, interjeições e exclamações. É a linguagem das biografias, memórias,
poesias líricas e cartas de amor.
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Função referencial (ou denotativa)
Centralizada no referente, quando o emissor procura oferecer informações da
realidade. Objetiva, direta, denotativa, prevalecendo a 3ª pessoa do singular. Linguagem
usada nas notícias de jornal e livros científicos.
Função apelativa (ou conativa)
Centraliza-se no receptor; o emissor procura influenciar o comportamento do receptor.
Como o emissor se dirige ao receptor, é comum o uso de tu e você, ou o nome da pessoa,
além dos vocativos e imperativos. Usada nos discursos, sermões e propagandas que se
dirigem diretamente ao consumidor.
Função fática
Centralizada no canal, tendo como objetivo prolongar ou não o contato com o
receptor, ou testar a eficiência do canal. Linguagem das falas telefônicas, saudações e
similares.
Função poética
Centralizada na mensagem, revelando recursos imaginativos criados pelo emissor.
Afetiva, sugestiva, conotativa, ela é metafórica. Valorizam-se as palavras, suas
combinações. É a linguagem figurada apresentada em obras literárias, letras de música, em
algumas propagandas etc.
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Função metalinguística
Centralizada no código, usando a linguagem para falar dela mesma. A poesia que fala
da poesia, da sua função e do poeta, um texto que comenta outro texto. Principalmente os
dicionários são repositórios de metalinguagem. Obs.: Em um mesmo texto podem aparecer
várias funções da linguagem. O importante é saber qual a função predominante no texto,
para então defini-lo.
EXPRESSÃO ORAL
A Expressão Oral é uma das formas pelas quais se opera a transmissão de ideias,
aliás, sendo a mais comum. É também a forma em que as pessoas mais erram em termos
de eficiência da comunicação. Trata-se da mensagem falada. Podemos dividir a palavra
falada, ou expressão oral, em alguns tópicos principais, os quais estudaremos com mais
detalhes em seguida.
DICÇÃO
A dicção, que consiste na “maneira de dizer ou falar com a articulação e modulação
corretas” é algo que deve receber especial dedicação por parte daqueles que desejam se
expressar melhor, pois a dicção, quando alcançada pelo Orador, torna a sua expressão oral
mais compreensível, e:
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a) Aumenta a eficiência da argumentação do orador (pelo simples fato de que ele será bem
mais compreendido);
b) Cansa menos a plateia;
c) Melhora a imagem do orador perante seus ouvintes.
No que diz respeito ao último item (“c”), não é preciso muito para explicá-lo, vez que
há aqueles cuja dicção é tão deficiente que passam, muitas vezes, como despreparados, o
que nem sempre corresponde à realidade, pois existem pessoas que, a despeito de muito
cultas, possuem problemas terríveis de dicção.
A questão é, enquanto cultura é algo que pode levar muito tempo para ser percebida
(na convivência profissional, política etc.), a má dicção leva apenas alguns segundos. Ora,
e o que os ouvintes associam a uma expressão oral má, em geral, é uma formação cultural
deficiente ou inferioridade intelectual.
Portanto, uma pessoa com má dicção terá, consequentemente, problemas no que
respeita à sua argumentação, pois encontrará barreiras à persuasão da plateia a que se
dirige. E isto se dá em razão de ter a sua autoridade diminuída em face da associação que,
como dito acima, os ouvintes fazem entre o intelecto e a expressão oral.
ERROS MAIS COMUNS
a) troca de “pr” por “p + vogal + r”. Ex.: precisa por “percisa”.
b) omissão do “r” final ou vogal final. Ex.: Ao invés de vou buscar, usar “Vô buscá”.
c) supressão de vogais internas: Ex.: leiteiro por “leitero”.
d) erro de colocação de consoantes. Ex.: iogurte por “iorgute”.
e) troca de consoantes. Ex.: Salsicha por “chalsicha” ou “chalchicha”.
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VÍCIOS
Existem diversos vícios relativos ao vocabulário que, se não evitados, podem
comprometer a mensagem do orador e, até, sua própria imagem.
Dentre os principais há que destacar-se:
Uso de palavrão ou gíria
Um dos mais tolos enganos que um orador pode cometer é imaginar que, ao usar
gírias ou palavrões irá se aproximar, ganhar intimidade com seus ouvintes. Pelo contrário, a
experiência demonstra que o uso de tal “recurso” apenas diminui o respeito e a credibilidade
em relação ao orador.
Obscuridade
Trata-se do uso inapropriado de termos (geralmente por não se saber o real
significado da palavra empregada) ou má colocação das palavras.
Cacofonia
Diz respeito à construção frasal de má sonoridade.
Ex.: “..um por cada...”, “...na boca dela”, “...gosto da cor vinho”, “...da vez passada”.
Vejamos um belo exemplo: “O Sr. Oscar Neiro irritou-se por ver na bocadela a cor vinho
na vez passada”.
Pleonasmo
É a redundância dos termos. Ex.: “subir para cima”, “descer para baixo”.
Chavões
O uso de chavões serve apenas como indicativo da falta de preparo do orador. É
necessário evitá-los ao máximo.
Ex.: “...o futebol é uma caixinha de surpresas...”
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INTERPRETAÇÃO DE TEXTO
Interpretar um texto não é simplesmente saber o que se passa na cabeça do autor
quando ele escreve seu texto. É antes inferir. Se eu disser: “Levei minha filha caçula ao
parque.”, pode-se inferir que tenho mais de uma filha. Ou seja, inferir é retirar informações
implícitas e explícitas do texto. Há de se tomar cuidado, entretanto, como o que chamamos
de “conhecimento de mundo”, que nada mais é do que aquilo que todos carregamos
conosco, fruto do que aprendemos na escola, com os amigos, vendo televisão, enfim,
vivendo. Isso porque, muitas vezes, uma questão leva o candidato a responder não o que
está no texto, mas exatamente aquilo em que ele acredita.
Contudo não basta retirar informações de um texto para responder corretamente as
questões ou entendimento do texto. É necessário saber de onde tirá-las. Para tanto, temos
que ter conhecimento da estrutura textual e por quais processos se passa um texto até seu
formato final de dissertação, narração ou descrição.
Tudo o que dizemos ou escrevemos em uma situação comunicativa é chamado de
enunciado. Na fala, os enunciados são delimitados pela entonação e, na escrita, pela
pontuação. Podemos identificar três tipos de enunciados a frase, a oração e o período.
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FRASE
O enunciado “Você de novo!” está repleto de sentido, por isso é chamado de frase.
Para construir uma frase, o enunciado não precisa ser extenso. Desde que tenha sentido
completo em um contexto específico, uma simples palavra pode funcionar como frase.
Assim, as frases podem apresentar verbo ou não.
ORAÇÃO
Chama-se oração o enunciado construído necessariamente com um ou mais verbos.
Veja alguns exemplos:
Fiquem parados!
Estamos esperando a hora do almoço.
PERÍODO
Período é um enunciado construído de uma ou mais orações. Se o período apresenta
apenas uma oração, é chamado simples. O período é composto quando é formado por mais
de uma oração.
Exemplo: Chegamos / todavia estava muito cedo.
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PARÁGRAFO
Os períodos se organizam em parágrafos. Mas, diferente do período, o parágrafo não
é uma organização essencialmente sintática. Ele tem uma função estética e também
estrutural.
O parágrafo é identificado no texto pelo seu início afastado da margem do papel, o
que facilita tanto ao escritor como ao leitor, percebê-lo de forma isolada para que de modo
analítico, capte as ideias principais do texto e posteriormente, sintetizá-las compreendendo
então o texto num todo. Ele avisa o leitor de que está começando outro bloco de ideias,
relacionado com o anterior e o posterior, se houver.
O parágrafo é recurso visual, pois o nosso pensamento não é organizado na forma
de parágrafos. Mas na hora de redigir, precisamos organizá-lo numa linguagem comum a
nós e ao nosso leitor.
Parágrafo Narrativo
O parágrafo narrativo deve transmitir fielmente a intenção da narração. Ele tem como
matéria o fato, ou seja, qualquer acontecimento de que o homem participe direta ou
indiretamente. O relato de um episódio é composto por elementos como, enredo,
personagens, ação, tempo, espaço, causa, consequência, foco narrativo, clímax e desfecho.
Estes podem aparecer em sua totalidade ou parcialmente dentro de um parágrafo narrativo.
É certo que todos os elementos nem sempre estarão contidos em um só parágrafo,
sendo assim presentes em outras unidades da narração, contudo há a possibilidade de estes
serem observados num mesmo parágrafo, devido a capacidade do autor e sua perícia na
utilização dos recursos de linguagem a ele disponibilizados.
O parágrafo narrativo tem como núcleo o incidente, o fato ocorrido, nele também,
geralmente, não se tem o tópico frasal explicito, pois este está diluído implicitamente no
ordenamento da narração.
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Parágrafo Descritivo
É aquele que descreve o objeto, ser, paisagem ou até mesmo um sentimento. Tal
descrição se dá pela apresentação das características predominantes e pelo detalhamento
destas. É, portanto o objeto matéria da descrição.
Uma descrição perfeitamente realizada, não se mostra pelas minúcias descritivas do
objeto. A descrição deve apresentar o ângulo do qual será feita a descrição, não só o físico,
mas também a atitude da observação.
QUALIDADE DO TEXTO
COESÃO
Um texto não é uma unidade construída por uma soma de sentenças, mas pelo
encadeamento semântico delas, criando, assim, uma trama semântica a que damos o nome
de textualidade. O encadeamento semântico que produz a textualidade chama-se coesão,
mais especificamente, dizendo que se trata de uma maneira de recuperar, em uma sentença
B, um termo presente em uma sentença A.
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TIPOS DE COESÃO
Referencial:
Anafórica: referência anterior;
Catafórica: referência posterior;
Exemplo de coesão referencial anafórica:
Pegue Três maçãs. Coloque-as sobre a mesa.
Exemplo de coesão referencial catafórica;
Meu sonho é este: Viajar para Europa.
Substituição: Colocação de um termo, em lugar de outro ou até mesmo em frases inteiras.
Exemplo: Lucas comprou um carro e João também.
Elipse: Supressão de um termo.
Exemplo: Minha amiga está doente. Não foi trabalhar hoje.
Coesão lexical: Substituição de um item lexical ou substituição por sinônimos ou
hiperônimos.
Exemplo: Você já guardou o carrinho e a boneca? Sim, guardei os brinquedos.
Conjunção: Liga nomes ou orações evitando repetições.
Exemplo: O homem vive, corre, chora e morre.
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DOCUMENTOS OFICIAIS
Além dos critérios exigidos numa boa redação, a correspondência oficial traz
particularidades que mostraremos dentro de cada modelo.
OFÍCIO
É a correspondência trocada entre órgãos públicos e outros organismos de governo
ou entre eles e os cidadãos ou entidades civis. Suas características são:
O papel utilizado: ofício (de 22 cm x 32 cm), em geral com timbre. Abaixo do timbre
vem a indicação do número do ofício seguido de uma barra oblíqua e dos algarismos finais
do ano em curso. Na mesma linha de numeração, à direita, localidade e data, abaixo, à
esquerda do papel, depois do espaço de separação, vem à indicação do remetente, do
destinatário e do assunto (ementa). A invocação vem depois do espaço de separação e é
sempre impessoal, o texto do ofício vem a seguir, o fecho do ofício vem a seguir. O fecho do
ofício vem separado do texto por espaço. Contém a despedida com votos de amizade e
respeito, deixando-se espaço de separação, coloca-se sob uma linha o nome do remetente,
indicando-se embaixo o cargo que ocupa com letras maiúsculas. A assinatura será feita
sobre a linha. Na parte inferior do papel, à esquerda, são escritos o nome e o endereço do
destinatário. Ao pé da folha, à esquerda, aparecem às iniciais do redator e as do datilógrafo
ou digitador, separadas por uma barra. Os ofícios são digitados com cópia para os arquivos
da entidade que expede. O ofício quando posto em envelope, deverá ser dobrado em forma
de z.
REQUERIMENTO
Petição por escrito, segundo as formalidades legais. É uma solicitação que se faz a
uma autoridade. Constam do requerimento: invocação (cargo da autoridade a que se
destina, precedido do tratamento conveniente, por extenso); nome e identificação do
requerente (nacionalidade, estado civil, endereço, número da Cédula de Identidade e do
15
CPF, além daqueles que o assunto exija); exposição do que se deseja e justificativa; fecho;
data; assinatura.
Observação: Entre o endereço e o texto – 14 espaços, quando digitados, 7 linhas, quando
manuscritos em papel pautado, ou 7 centímetros, quando manuscrito em papel sem pauta.
O fecho ou a conclusão, geralmente é imutável e se faz em duas linhas: Nestes
termos, Pede deferimento.
MEMORANDO
Definição e finalidade o Memorando é a modalidade de comunicação entre unidades
administrativas de um mesmo órgão, que podem estar hierarquicamente em mesmo nível
ou em nível diferente. Trata-se, portanto, de uma forma de comunicação eminente interna.
Pode ter caráter meramente administrativo, ou ser empregado para a exposição de
projetos, ideias, diretrizes etc. a serem adotados por determinado setor do serviço público.
Sua característica principal é a agilidade. A tramitação do memorando em qualquer órgão
deve pautar-se pela rapidez e pela simplicidade de procedimentos burocráticos. Para evitar
desnecessário aumento do número de comunicações, os despachos ao memorando devem
ser dados no próprio documento e, no caso de falta de espaço, em folha de continuação.
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Esse procedimento permite formar uma espécie de processo simplificado, assegurando
maior transparência à tomada de decisões, e permitindo que se historie o andamento da
matéria tratada no memorando.
HABILIDADES METALINGÜÍSTICAS E
ALFABETIZAÇÃO
Tfouni (1988) distingue dois termos envolvidos no processo da aquisição a leitura e
da escrita: Alfabetização e Letramento: “Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da
escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos sócio-
históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (Tfouni, 1988 apud
Soares, 2002, P.3).
A alfabetização compreende a aprendizagem da leitura e escrita, e é um importante
objeto do conhecimento humano. A criança que não aprende a ler e escrever, desde cedo
fica excluída do sistema escolar e posteriormente tem suas possibilidades de entrada no
mercado de trabalho, limitadas. No entanto, tem se argumentado que a mera aprendizagem
do código escrito, ou alfabetização, sem que o aprendiz se torne letrado não permite que
este indivíduo se insira verdadeiramente em uma sociedade letrada como a nossa (Soares,
2002). Assim, discussões que permearam o ensino da língua escrita na década de 80 e 90
tenderam a desvalorizar o papel da alfabetização e dissociá-lo do processo de letramento.
Nossa posição é que este tipo de abordagem pouco contribui para a melhoria do
ensino da língua escrita e precisa ser revista. Soares (1998, 2005) nos lembra que “o ideal
seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais
da leitura e escrita, de forma que o indivíduo se torne ao mesmo tempo, alfabetizado e
letrado” (Soares, 2005, P.47).
17
O domínio da alfabetização acontece de forma gradual. O sistema de representações
fonológicas e ortográficas da língua é construída de forma dinâmica pelo aprendiz (Ferreiro,
1985; Read, 1986). Entender os processos de aquisição da alfabetização é importante para
que possamos pensar em práticas pedagógicas mais eficazes que possam prevenir os
problemas escolares, e em última análise possam alfabetizar letrando.
Nas últimas três décadas a atenção dos pesquisadores interessados na alfabetização
se voltou para o papel das habilidades metalinguísticas na alfabetização. Consciência
metalinguística pode ser definida como a cognição sobre a linguagem e a auto regulação
das atividades psicolinguísticas. Isso implica que o sujeito reflita sobre a linguagem como
um objeto independente do significado que veicula; e também que o sujeito manipule
intencionalmente as estrutura da linguagem (Correa, 2004).
Gombert (2003) e Gombert e Demont (2004) defendem que algum grau de
consciência metalinguística é necessário para que se possa aprender a ler e a escrever, no
entanto a habilidade verdadeiramente metalinguística dependeria de aprendizagens
explícitas, principalmente da aprendizagem da leitura e da escrita, mais frequentemente de
natureza escolar.
Vários estudos mostraram que as capacidades metalinguísticas se instalam
paralelamente à aprendizagem da leitura e escrita. De fato, para que a criança aprenda
tarefas linguísticas formais, é preciso que ela desenvolva uma consciência explícita das
estruturas linguísticas, para que assim possam manipulá-las intencionalmente.
Dentre as habilidades metalinguísticas três são identificadas como facilitadoras da
alfabetização: a consciência fonológica, a consciência sintática e a consciência morfológica.
,
18
CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA E
ALFABETIZAÇÃO
A consciência fonológica é a capacidade de refletir e manipular os sons que compõem
as palavras (Cardoso-Martins, 1995). Ela ajuda na alfabetização, pois facilita a aquisição das
correspondências letra-som, que são utilizadas na decodificação, e que assim são
necessárias à aquisição do princípio alfabético. A decodificação facilita o reconhecimento de
palavras que por sua vez facilita o processo de compreensão do texto (Tunmer, 1990; Rego,
1995).
O papel facilitador da consciência fonológica na aprendizagem da leitura e da escrita
vem sendo confirmado por numerosas pesquisas realizadas com indivíduos de diversas
idades, diversos níveis de instrução e falantes de diferentes ortografias. (Goswami & Bryant,
1990, para uma revisão).
A consciência fonológica e a escrita se desenvolvem paralelamente, a consciência
fonológica contribuindo nos estágios iniciais do processo de alfabetização e por outro lado,
a alfabetização levando ao processamento de aspectos fonológicos mais complexos como
a análise fonêmica, que deriva do domínio da alfabetização.
19
CONSCIÊNCIA SINTÁTICA E
ALFABETIZAÇÃO
A consciência sintática é a capacidade de refletir sobre os aspectos sintáticos das
sentenças, e envolve o controle deliberado da aplicação dos aspectos sintático-semântico
da língua, também chamada de informação contextual. Ajudaria na leitura e na escrita
porque ao reconhecer e controlar deliberadamente tais aspectos, a criança usa estas
informações contextuais como pistas, tanto na leitura para reconhecer as palavras no texto
que não conseguem decifrar ou compreender, como na escrita. No caso da escrita as pistas
contextuais parecem ajudar a criança a decidir sobre a grafia das palavras com ortografia
ambígua ou com mesma origem semântica. Um exemplo, seria a de palavras como
“conserto” e “concerto”. Estas palavras serão grafadas corretamente pela criança somente
se esta usar as pistas contextuais (Rego & Buarque, 1997; Mota, 1996; Correa, 2005; Rego,
1995).
Ao contrário do que acontece na consciência fonológica poucos estudos têm
investigado o desenvolvimento da consciência sintática e sua relação com a alfabetização.
Rego & Bryant (1993) acharam uma relação causal entre a consciência sintática e a leitura
de crianças inglesas em processo de alfabetização. Plaza & Cohen (2003) investigaram a
20
contribuição da consciência fonológica, consciência sintática e velocidade de nomeação
para a alfabetização de crianças em processo de alfabetização falantes do francês. O
resultado deste estudo mostrou que as medidas de consciência sintática contribuíram de
forma independente para as medias de leitura e escrita, mesmo depois de controlarem o
efeito da consciência fonológica e velocidade e nomeação.
No português o papel da consciência sintática na alfabetização precisa ser mais bem
explorado. Em um estudo com crianças brasileiras, Rego (1995) identificou a consciência
sintática como facilitador da leitura das crianças entrevistadas. Em um outro estudo,
Guimarães (2003) investigou a relação entre consciência sintática e consciência fonológica
e o desenvolvimento da leitura e escrita em crianças com dificuldades de aprendizagem
cursando a terceira e quarta série do ensino fundamental. A autora não achou diferença
entre a performance de crianças com dificuldades de alfabetização e os controles de mesma
habilidade de escrita, mas mais jovens em idade. No entanto, as crianças de terceira e quarta
série sem dificuldades de leitura tiveram performance superior à das crianças com
dificuldade e a das mais jovens. Estes resultados sugerem que embora não pareça haver
um déficit específico da leitura das crianças com dificuldades de aprendizagem no que diz
respeito à consciência sintática, a escolarização tem um papel no desenvolvimento desta
habilidade.
No entanto, Mota e cols. (em preparação) acharam correlações significativas e
positivas entre as tarefas de consciência sintática realizadas por crianças de primeira e
segunda série do ensino fundamental e medidas de leitura e escrita. Estes resultados
apontam para importância de conhecermos melhor como a consciência sintática contribui
para a alfabetização numa língua regular como o português.
21
CONSCIÊNCIA MORFOLÓGICA E
ALFABETIZAÇÃO
Além da consciência sintática e fonológica uma terceira habilidade que tem sido
investigada em relação a sua contribuição com a alfabetização é a consciência morfológica.
A consciência morfológica diz respeito à reflexão e manipulação intencional da
estrutura morfológica da língua (Carlisle, 2000). Dessa forma, a consciência morfológica se
refere à reflexão sobre o processo de formação das palavras. A investigação sobre o
desenvolvimento da consciência morfológica tem incidido sobre a sensibilidade da criança
aos processos de derivação lexical (morfologia derivacional) ou aos processos de flexão das
palavras (morfologia flexional) de forma separada. De fato Deacon & Bryant (2005)
mostraram que as crianças reagem de forma diferente a estes dois tipos de morfema.
Na morfologia derivacional, investiga-se a habilidade para a manipulação do
acréscimo de prefixos e/ou sufixos na formação de palavras, ou ainda, na decomposição de
palavras derivadas em palavras primitivas. De particular importância aqui é a criança
entender que apesar de possíveis extensões de sentido (Laroca 2005), em geral, as palavras
derivadas mantêm sua relação semântica e a grafia das palavras que a originaram.
A morfologia flexional investiga a sensibilidade às flexões de gênero e de número dos
substantivos e adjetivos e as flexões de modo-tempo e número-pessoa dos verbos. Neste
caso, informações semânticas e sintáticas interagem. Existem regras claras para grafar as
flexões. Por exemplo, no caso da palavra “cobrisse”, que é escrita com “ss” e não “c” pois
se trata de um morfema que indica o tempo condicional.
Uma série de estudos que visavam explorar a relação entre a consciência morfológica
e a alfabetização demonstram que a consciência Morfológica está associada ao
desempenho na leitura de palavras isoladas e na compreensão de leitura (Carlisle, 1995,
2000; Carlisle & Fleming, 2003; Deacon & Kirby, 2004; Nagy, Berninger & Abbot, 2006), e
22
também ao desempenho da escrita (Carlisle, 1988; 1996; Deacon & Bryant, 2005; Nunes,
Bindman & Bryant, 1997).
Os estudos citados foram realizados em crianças de língua inglesa. A argumentação
principal para explicar a relação encontrada entre o processamento morfológico e a
alfabetização no inglês diz respeito à natureza da ortografia inglesa. O princípio alfabético é
o de que letras devem ser mapeadas perfeitamente aos sons das palavras, mas as línguas
alfabéticas variam quando ao grau de correspondência entre as letras e os sons da fala. No
inglês essas relações são mais opacas do que em ortografias como o português ou
espanhol. Muitas das irregularidades encontradas no inglês podem ser explicadas pela
estrutura morfológica das palavras. Por isso o processamento das palavras ao nível do
morfema pode ajudar as crianças a ler e escrever.
No entanto, não é só no inglês que tem se observado um efeito facilitador da estrutura
morfológica no desenvolvimento da leitura. No francês, Colé, Marec-Breton, Royer e
Gombert (2003) investigaram o papel da consciência morfológica na leitura e encontraram
resultados semelhantes aos estudos de língua inglesa. Embora o francês seja uma língua
mais regular que o inglês ainda assim, em muitos casos, sobre tudo no caso das flexões, há
muita ambigüidade. È possível que em línguas com ortografias mais regulares como o
português ou o espanhol o mesmo fenômeno não ocorra.
Alguma evidência de que o processamento morfológico influencia a escrita no
português foi encontrada por Mota (1996). Em um estudo com crianças de segunda a quarta
série, a autora mostrou que a partir da segunda série as crianças são capazes de utilizar
regras gramaticais para decidir a grafia de palavras flexionadas. Em um outro estudo, Mota
& cols. (2000) mostraram que adolescentes com baixa escolaridade demonstravam a
capacidade de processar os morfemas das palavras. Mota & cols (2002) também
observaram que as crianças de primeira série com os melhores escores nos testes de
Consciência Morfológica eram as crianças que escreviam melhor pseudo-palavras com
ortografia ambígua (ex., “muge”-“mugidor”).
Um problema metodológico que vem sendo levantado quando se estuda Consciência
Morfológica é até que ponto a consciência morfológica contribui de forma independente da
consciência fonológica para aquisição da leitura. Palavras morfologicamente semelhantes
são também fonologicamente semelhantes e, portanto, é possível que a contribuição
23
encontrada em estudos como de Carlisle (2000), que não controlou para o efeito da
Consciência Fonológica, seja parte de uma habilidade metalinguística geral e não específica.
Para investigar se a Consciência Morfológica contribui para a leitura
independentemente da Consciência Fonológica, Deacon & Kirby (2004) realizaram um
estudo longitudinal que durou quatro anos. Os autores investigando a morfologia flexional
mostraram que a Consciência Morfológica contribui para os escores de leitura em todas as
tarefas apresentadas (leitura de palavras simples, pseudo-palavras e compreensão da
leitura) independente da contribuição da Consciência Fonológica. Resultados semelhantes
foram encontrados por Naggy, Abbot & Berninger (2006).
Em conclusão, como no caso a consciência sintática mais estudos precisam ser
realizados para investigar a relação da consciência morfológica e a leitura e escrita no
português. Sendo o português uma língua com correspondências letra e som transparentes
é de fundamental importância que essa relação seja estudada independentemente da
contribuição a consciência fonológica.
24
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