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VII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PESQUISADORES EM EDUCAÇÃO ESPECIAL Londrina de 08 a 10 novembro de 2011 - ISSN 2175-960X – Pg. 3423-3436
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APRENDENDO COLABORATIVAMENTE A MEDIAR O ENSINO DO ALUNO/A
COM SÍNDROME DE DOWN: PESQUISA-AÇÃO COM OS PROFESSORES DA
CLASSE REGULAR.
ROSINETE DOS SANTOS RODRIGUES1;
MARINALVA SILVA OLIVEIRA2;
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ/UNIFAP.
Introdução
Este artigo apresenta parte da pesquisa de mestrado intitulada “A inclusão da criança com
síndrome de Down: um estudo crítico-colaborativo junto aos professores da classe regular de
ensino”. Essa pesquisa tem embasamento na teoria Sócio Histórica de Vygotsky e trata-se de
uma pesquisa-ação que teve como objetivo geral “analisar em que medida a metodologia de
formação de grupo de estudo (pesquisa-ação) apresenta-se como uma estratégia adequada de
formação continuada de professores, quando a intenção é provocar mudanças na prática
pedagógica numa perspectiva crítica e inclusiva”. Esse recorte possibilitará uma abordagem
da categoria nomeada “Significações sobre si”, na qual se evidencia o que as professoras
disseram sobre sua formação, seus sentimentos e suas dificuldades.
Aqui penso ser importante fazer uma trajetória histórica, mesmo que breve, do contexto
sócio-econômico em que as políticas de formação docente foram escritas e do surgimento do
discurso da escola inclusiva e de como estes vem se entrelaçando desde a década de 90 no
Brasil. Segundo Gentili e Alencar (2005) o século XX termina com grandes reformas no
campo educacional, pois foram percebidas mudanças na legislação que cria e sustenta o
sistema de ensino, na organização da escola, no currículo, na avaliação e na formação
docente. No entanto, não se perceberam mudanças no cotidiano escolar, onde as promessas
“milagrosas” da modernização neoliberal não se efetivaram, dentre as quais temos a proposta
da escola inclusiva, que passa a fazer parte do discurso político, com a Conferência Mundial
de Educação para Todos, em 1990.
Ressalta-se que essa Conferência foi realizada no momento econômico em que o capitalismo
enfrentava uma grave crise e buscava sua reestruturação, tendo como base ideológica o
neoliberalismo, que em face de um processo de legitimação da economia globalizada, tem
dentre suas metas conquistar novos mercados e novos consumidores para os países
industrializados. Portanto, a reforma educacional, empreendida pelo governo federal entre
1995 e 2001, no Brasil, acontece mediante prescrições dos organismos internacionais que
passam a orientar as escolas no desenvolvimento de um ensino que ofereça uma qualificação
1 Profª.Msc.End. Av. Antonio C. de Carvalho, 2149, Santa Rita. Macapá/ AP. email:
[email protected] . 2 Profª. Drª. End. Rua Carlo Cantídio Cortez, 994, Jardim M. Zero. Macapá/AP. email:
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polivalente voltada para as competências, como forma de atender a versatilidade e ao novo
cenário do mercado de trabalho (SAVIANI, 2008; GENTILI E ALENCAR, 2005).
Neste contexto, a efetivação da escola inclusiva vai esbarrar na concepção neoliberal
pulverizada pelas políticas públicas educacionais que não estão na perspectiva da educação
inclusiva que ao invés de ofertar um ensino comum, conjunto, efetiva a escola excludente,
com um ensino individualizado, competitivo, para atender as ofertas da empregabilidade. O
que se verifica é a transposição do conceito de “qualidade total” das empresas para a escola, e
esta passa a ver na empresa um cliente, e no aluno o produto a ser oferecido. É nesse sentido
que Pereira (1999, p. 196) adverte, quando menciona que “toda e qualquer política pública de
um Estado capitalista e qualquer reforma que dele advenha não é para transformar o que está
posto [...]”.
Desta forma, é na década de 90, que se dá a elaboração de políticas norteadoras da educação
especial na perspectiva da educação inclusiva em âmbito internacional a partir de agências
multilaterais, servindo de modelo para a criação de outras em âmbitos nacional, estadual e
municipal. Gentili e Alencar (2005) afirmam que as legislações não foram submetidas à
apreciação pública e às realidades locais, portanto, não possibilitaram transformações para a
realidade vigente das escolas e ainda legitimaram a realidade lá existente. Nesse sentido, o
Brasil segue a mesma política de educação comum, uniformizada, implantada e estruturada,
em diversas partes do Mundo, pensada de forma descontextualizada da prática
socioeconômica, sem vivência real de “sujeitos concretos que representam forças sociais
diferenciadas e em luta constante” (GARCIA, 2007, p 12).
Ainda para Gentili e Alencar (2005, p. 18), as reformas que vêm sendo propostas à educação
não exerceram outro papel que não o de efetivar corte no orçamento, alegando que a crise na
educação se deve à pouca qualidade no ensino apontando como principal culpado os
professores que “trabalham pouco e mal”. Com isto se desconsidera que a falta de
investimento financeiro na educação é justamente um dos principais fatores que
impossibilitam a escola inclusiva, pois sem investimento não se propicia aos professores
formação inicial e continuada de qualidade, não cria condições ambientais, estruturais de
ensino, pela reforma/ampliação e construção de outros ambientes escolares, não se adquire
recursos didáticos/pedagógicos, instrumentos de mediação para um ensino que signifique.
Para Andrade (2006, p. 110), a mudança paradigmática na educação implica desprender
transformações significativas e transformadoras “na prática educativa, na identidade
profissional dos docentes e na própria concepção de educação” que negue práticas
integrativas e segregacionistas que vem sendo direcionadas aos alunos com deficiência. Mas,
para isso, faz-se necessário dar ao professor uma formação que rompa com a lógica da
homogeneização.
Com certeza, a presença de crianças com necessidades educacionais específicas provenientes
de uma deficiência na escola regular produz mudanças contextuais que refletem nas
concepções e nas representações da sociedade. Todavia, para o sistema escolar proporcionar
apoios específicos a estes alunos, outros aspectos precisam ser problematizados, como a
formação inicial e continuada de educadores na perspectiva da educação inclusiva, as políticas
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de inclusão escolar e as possibilidades diferenciadas de organização da escola (CARNEIRO,
2006).
Saviani (2009) aborda que o Curso de Pedagogia deveria ser o lugar de formação para
professores da educação especial, para a escola inclusiva, pois poderia contemplar as
especificidades necessárias ao desenvolvimento da prática pedagógica inclusiva. Todavia,
essa temática é tratada na Resolução CNE/CP 01/2006, que institui as Diretrizes Curriculares
para o Curso de Pedagogia, de forma tênue sem grande interesse, no Artigo 5º, inciso X, a
referência não foi propriamente à modalidade, mas esta foi alcançada e incluída numa lista de
exemplificação sobre a “consciência da diversidade”; e no Artigo 8º, inciso III, ela é referida
dentro da disciplina atividade complementar, como uma opção, entre outras temáticas, de
integralização de créditos.
Dessa forma, Saviani (2009) acrescenta que é necessário que se coloque na pauta de
discussões, a formação do professor para a escola inclusiva, e que esta formação esteja
centrada em dois modelos: o dos conteúdos culturais-cognitivos que diz respeito ao domínio
específico dos conhecimentos correspondentes a disciplina de atuação, e os pedagógico-
didáticos, ou seja, assegurar de forma sistemática através de organização curricular, o preparo
pedagógico didático, sem o qual não se estará formando professor.
Desta maneira, é possível inferir que as políticas públicas voltadas para a formação de
professores não possibilitam outro modelo de escola, não colaboram com a implantação da
escola inclusiva, superando o processo de exclusão, e nem o contrapondo. Segundo pesquisas
de Bueno (2001), Carvalho (1997), à imprecisão do local e do nível de formação dos
professores são acrescentados, a partir do Decreto 5800/2006 que cria a Universidade Aberta
do Brasil, os cursos de educação a distância, que passam a ser o centro das políticas públicas
de formação de professores.
Duarte (2001, p.03) tece uma crítica à teoria do “aprender a aprender”, que estabelece uma
espécie de “hierarquia valorativa na qual aprender sozinho, situa-se no nível mais elevado do
que a aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por alguém”.
De acordo com Garcia (2004, 2009), a formação continuada que possibilitaria ao professor,
rever conceitos, teorias e práticas, está sendo disponibilizada por módulos à distância, e
através de técnicas que primam pelo autodidatismo, que não permitem ao professor avanços
na construção do conhecimento para além do seu real; cursos que em conformidade com o
disposto nas políticas e legislações, buscam desenvolver competências no professor para que
este se ajuste ao perfil de articulador, protagonista das ações escolares que, de forma pró-
ativa, consiga identificar, dentro da comunidade, possíveis voluntários. Assim é para esse tipo
de formação que os financiamentos se voltam, deixando ainda mais deficitárias as
Universidade e Faculdades de educação, que historicamente travam lutas pela melhoria e
qualidade do ensino (FREITAS, 2007).
Do mesmo modo, Fontes (2007) alega que essa formação deficitária que está sendo oferecida
ao professor, seja no âmbito inicial ou continuada, consolida um estado de alienação,
impedindo-o de se aperceber como sujeito construtor de mudanças, não entendendo a
importância do seu papel diante das lutas sociais e políticas. Essa falta de percepção e
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posicionamento crítico diante das transformações que se efetivam na realidade tem relação
direta com a prática pedagógica exercida na sala de aula, consolidando concepções de
descrédito sobre a inclusão do aluno com deficiência no sistema regular, assim como sobre o
processo de aprendizagem e desenvolvimento deste aluno.
Nessa mesma lógica em que ocorre a formação de professores à distância com pouco
investimento na educação, nos anos de 2008, 2009 e 2010, são elaboradas políticas e projetos
de educação, todos denominados na perspectiva da educação inclusiva3, dentre os quais
temos: a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva /2008,
elaborada por pesquisadores e funcionários da Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação (SEESP/MEC). No que concerne à formação de professores para atuar na
educação especial, ela não esclarece em que nível essa formação deve acontecer, portanto
continua a indefinição e ratifica a ênfase para o currículo do curso de formação que deve
contemplar conhecimentos de gestão de sistema educacional inclusivo que possibilite o
professor desenvolver parcerias com outras áreas. E o Decreto 6571/2008, que regulamenta o
parágrafo único do Art. 60 da Lei no 9.394/1996, e em seu Art. 3
o o apoio técnico e financeiro a
ações voltadas à oferta do atendimento educacional especializado, tendo por objetivo, entre
outros, a implantação de salas de recursos multifuncionais e a formação continuada de
professores para o Atendimento Educacional Especializado.
Método
Pesquisa qualitativa, e tem como método de abordagem a pesquisa-ação, tem origem nos
resultados dos trabalhos, em nível de graduação e pós-graduação, alguns já citados nesse
estudo e outros realizados pelo grupo de pesquisa NEC/UNIFAP, que trouxeram como
indicativos que a criança com síndrome de Down está sendo inserida na classe regular, onde o
professor - pela falta de conhecimento sobre as limitações e as possibilidades de
aprendizagem dessa criança - se sente despreparado para mediar o processo de ensino, não
conhecendo e nem utilizando os instrumentos sociais que poderiam colaborar nesse processo.
Daí a importância não só de construir junto aos professores conhecimentos pertinentes à
temática que lhes propicie vislumbrar possibilidades de inclusão desses alunos e a construção
de outras estratégias de ensino, mas também a necessidade e a importância de possibilitar
momentos de interação e de reflexão de sua práxis onde possam emitir opiniões e apresentar
suas dúvidas, suas experiências, vivências reais e cotidianas, a partir do seu próprio local de
trabalho e do seu próprio fazer pedagógico.
A pesquisa-ação colabora quando propicia uma reflexão crítica, sobre as diversas situações
que interferem no contexto escolar, quando possibilita formação contínua aos professores que
lhes indique caminhos, conhecimentos para mediar o processo ensino-aprendizagem da
criança com síndrome de Down, além de problematizar a forma como a escola está
organizada estrutural e pedagogicamente para o atendimento dessa criança, e como as
políticas públicas estão instituindo esse processo. Franco (2005) considera que se pode extrair
3 Segundo a concepção das políticas governamentais, este termo está sendo utilizado pela Secretaria Nacional
de Educação Especial (SEESP/MEC) para nomear as políticas de educação especial.
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dessa reflexão o oculto, as perspectivas e o desconhecido que estão na base de sustentação do
ato de ensinar. Desta forma, me proponho a contribuir com o coletivo dos professores de
crianças com síndrome de Down, criando espaços para troca de experiência que possam
desvendar outros/novos conhecimentos, instituindo possibilidades para a transformação das
práticas integrativas e/ou segregacionistas em práticas inclusivas.
Segundo alguns autores (THIOLLENT, 2008; FRANCO, 2005; BARBIER, 2004), esse tipo
de pesquisa tem se tornado relevante nas pesquisas educacionais, pois adota os sujeitos da
prática como colaboradores, interlocutores e co-autores que buscam o sentido na relação entre
os saberes da prática e o conhecimento para uma reconstrução mais crítica dos saberes. Esse
método se apresenta para as Ciências Humanas como uma nova forma de conceber e fazer
pesquisa, de cunho eminentemente pedagógico e político, tendo como finalidade servir de
instrumento de mudança social, contrapondo-se a ciência tradicional, na qual o pesquisador é
tido como neutro e objetivo que descreve, explica e prevê fenômenos.
Procedimentos metodológicos
Para alcançar os objetivos traçados nessa pesquisa, foi necessário constituir um grupo de
estudo com professores que estivessem em sala regular, tendo aluno/a com síndrome de Down
inserido.
Primeiramente submeti meu projeto de pesquisa ao Conselho de Ética que foi dado parecer
positivo, só então, selecionei três escolas públicas estaduais que sabia possuírem alunos com
síndrome de Down, inseridos na classe regular, no primeiro ano.
Assim participaram 4 professoras que possuíam alunos com síndrome de Down, atuantes na
classe regular, nas séries iniciais e eu pesquisadora.
Os encontros aconteceram no período de 1 de junho à 7 de dezembro de 2010, exceto o mês
de julho, com periodicidade quinzenal a partir de agosto, com duração em média de 3 horas,
totalizando 11 encontros. As discussões foram registradas no MP4, com anotações ao final do
encontro no Diário de Campo. Foram realizadas duas entrevistas com cada participante, em
caráter individual, uma antes de iniciar os encontros no grupo, que teve por objetivo analisar a
concepção inicial das professoras sobre o processo de inclusão da criança com síndrome de
Down, e outra após o último encontro do grupo com o objetivo de identificar e analisar
mudanças e permanências na compreensão dos professores sobre a aprendizagem da criança
com SD.
Foi totalizado uma carga horária de 45 horas, distribuídas desde a apresentação do projeto aos
professores até sua finalização, incluindo horas para leitura dos textos e para as entrevistas
inicial e final que se realizaram individualmente.
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Resultado
A análise aqui proposta leva em consideração o sujeito, a história e a linguagem. Foi preciso
analisar o sentido e o significado da fala das professoras enquanto sujeitos históricos
pertencentes a um meio, a uma sociedade, mas também como essas pessoas vêm se
constituindo individualmente, suas singularidades, a sua ontogênese, como se inscrevem na
história e o lugar de onde falam.
As informações obtidas no grupo de estudo e complementadas pela entrevista semi-
estruturada me possibilitou alcançar meus objetivos específicos: objetivo prático: Possibilitar aos professores através do grupo de estudo (pesquisa-ação), um espaço de interlocução, troca de experiências e aprendizagens sobre o processo de ensino e aprendizagem da criança com síndrome
de Down, e o objetivo de conhecimento: Analisar as mudanças e permanências na
compreensão dos professores sobre o processo de aprendizagem da criança com síndrome de
Down. Considerando, segundo Orlandi (2009), a compreensão como parte de um processo
onde é necessário que numa dada situação haja primeiramente um entendimento, para
posteriormente ocorrer a sua interpretação e a partir dessa interpretação a sua compreensão, a
fala da professora acima descrita indica que quando o assunto é ensino e aprendizagem da
criança com síndrome de Down, há ausência total desse processo ou errôneas compreensões,
conseqüência de errôneos entendimentos.
Sendo assim, lendo e relendo todas as falas que foram transcritas do MP4 dos encontros, das
entrevistas – inicial e final -, das avaliações e as minhas anotações do Diário de Campo,
percebi os pontos em comum ditos pelas professoras que organizei em quatro categorias:
Significações sobre si, Significações sobre o aluno com síndrome de Down, Significações
sobre o processo de inclusão escolar, Mudanças na compreensão das professoras sobre o
processo de ensino aprendizagem da criança com síndrome de Down. Todavia, como já foi
anunciado na introdução, pelo recorte necessário feito ao trabalho apresentarei apenas a
primeira categoria.
Primeira categoria: Significações sobre si
No primeiro encontro, iniciei uma auto-apresentação, onde expus que a constituição do grupo
de estudo era parte de minha pesquisa de Mestrado, na qual tinha feito opção pelo método da
pesquisa-ação. Coloquei-me a disposição para colaborar com as professoras em suas escolas
no caso na realização de uma palestra ou outra ação que desejassem.
Deixei a palavra livre para quem quisesse dar continuidade às apresentações, e conforme as
falas a seguir todas as professoras tocaram em dois pontos em comum: primeiro, que os
encontros serviriam como espaço para fazer exposição de suas angústias e, segundo, como
espaço para troca de experiência e aprendizagens. Era a primeira vez que as quatro
professoras estavam trabalhando com crianças com síndrome de Down.
Joana: [...] nós possamos aqui é expor nossas angústias, porque é difícil alguém escutar o professor nós somos vistos sempre como alguém que só reclama [...]
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Marina: [...] eu tive o interesse para pensar assim como troca de experiências, aprender [...]
Márcia: [...] é uma experiência a mais, tudo que vim para somar né? Que seja bem vindo estou aqui para isso, para aprender.
Rosana: [...] por isso que estou aqui, o meu problema eu me vi na situação sem saber o que fazer, e quando surgiu a proposta né? Eu vou, não tem problema, eu vou sim, eu quero aprender sim, eu quero falar, quero saber o que está acontecendo, como eu não estou sabendo o que fazer com essa situação.
Pude perceber nas falas que a escola não está disponibilizando espaço de interlocução – onde
se possa ouvir, mas também se possa falar - e de aprendizagens. Não está pensando na
formação continuada que possibilite aos professores preencher lacunas que ficaram na sua
formação inicial e acrescentar novos temas que estejam em voga no cenário educacional.
Segundo Pimenta (2005) esses espaços possibilitam a transformação dos professores em
pesquisadores, a construção de novos conhecimentos, a partir de uma ação coletiva, reflexiva
e crítica, que os levem a problematizar, mediante um aporte teórico, sua atividade docente e o
contexto institucional, histórico e social no qual estão inseridos.
A fala da professora Rosana (acima) pode ser entendida como um grito não silenciado, que
diz que os professores estão atendendo ao chamado para iniciar ou dar continuidade a sua
formação, mesmo abrindo mão de suas férias e de seus finais de semana, estão pedindo que os
ensine, eles querem aprender, não querem só ouvir querem ter direito a voz, estão ávidos em
compreender o que está acontecendo na escola e em suas salas de aula. As falas mencionadas
possibilitaram a abordagem sobre o processo de formação dos professores, que foi escrito
como subcategoria.
a) Formação de professores
Percebi no decorrer dos encontros que as professoras foram veementes em anunciar a sua falta
de formação para ensinar o aluno/a com síndrome de Down, pois não foram preparadas para o
ensino daqueles que fogem do modelo de aluno ideal. Conforme as falas abaixo, que foram
selecionadas a título de exemplo geral:
Marcia: [...] a gente não foi formado assim nessa área e a gente tem que ter
conhecimento do aluno que está incluso [...]
Rosana: [...] nunca fiz um curso ou uma palestra ou um seminário, qualquer coisa
no gênero, então eu não sei nem como lidar.
Joana: [...] eu não fui formada para isso e não é nem tanto pela formação porque a
gente busca também, mas pelo lidar mesmo no dia a dia, nem sempre a gente sai da
faculdade pronta para a sala de aula [...]
Mediante essas falas, senti necessidade de instigar um pouco mais sobre a formação inicial e
contei-lhes sobre uma atividade que desenvolvia na graduação, principalmente com os
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graduandos que já eram professores. Disse-lhes que a atividade consistia em solicitar aos
professores que elencassem os alunos que trazem dificuldades (segundo o professor) para o
desenvolvimento da aula, estes geralmente respondiam que eram aqueles que escrevem muito
devagar; os que escrevem rápido; os que não ficam quieto, os que são muito quietos; os que
não aprendem; os que sabem muito e, etc., nessa atividade chega um momento que quase
todos os alunos estão elencados, ou seja, não fica de fora nenhum. Depois dessa narração,
então, fiz às professoras a mesma pergunta que finalizo a atividade: “nós fomos formados
para dar aula para quem?” Professora Joana responde: “fomos formados para ensinar o
aluno padrão, modelo, aquele que aprende sem grandes problemas” Para a professora
Rosana “é difícil para nós atuarmos fora de nossa área, então se eu ver que o aluno é
especial vai ser difícil, pra mim ensinar ele” e na continuidade do diálogo a Professora
Marina enxergando a heterogeneidade da classe diz: “você pode pegar duas 8ªs series que vão
ser completamente diferentes, nunca que vão ser iguais”. Observei junto às professoras que o
fato dos cursos de formação inicial ainda hoje falar de um aluno ideal que não existe, pois
todos possuem características diferentes e aprendem por diversos caminhos também
diferentes, somado a ausência de formação contínua que possibilite aos professores preencher
as lacunas (muitas) deixadas pela formação inicial, só piora o cenário da educação visualizado
hoje.
As dificuldades enfrentadas pelos professores no atual cenário escolar corresponde não só as
lacunas deixadas nos cursos de formação inicial e continuada, como também as exigências
impostas historicamente a esses profissionais no desempenho de suas funções. Saviani (2008)
narra em quatro atos, as tendências pedagógicas que fortemente influenciaram a formação do
professor e consequentemente sua prática pedagógica: o primeiro ato está alicerçado pelo
ideário da Escola Nova na qual o aluno era o centro do processo educativo e o professor era
formado para ensinar uma turma com poucos alunos, com material didático à disposição,
além de outros recursos e a realidade da escola era exatamente o contrário do que lhe
disseram. O segundo ato se dá quando o professor é chamado pela pedagogia oficial a ser
eficiente e produtivo, através do planejamento, do preenchimento de formulários delimitando
objetivos, estratégias e outros. No terceiro ato, atingido pela tendência “crítico-
reprodutivista”, o professor passa de vítima para réu, responsável pela reprodução da
sociedade e da exploração capitalista. E, no quarto ato, o professor encontra-se sob o império
do mercado, da teoria do “aprender a aprender”, da pedagogia da “inclusão excludente”, e a
partir de uma formação inicial aligeirada, de baixo custo é chamado a assumir a
responsabilidade não só na docência, mas no planejamento, na gestão, na efetivação de
parcerias, agora também sob a égide da “qualidade total”.
A partir desse contexto é possível entender o porquê do despreparo do professor (conforme as
falas já expostas) para exercer sua profissão diante da diversidade de alunos. E assim, se
encontra o professor impregnado pelo utilitarismo e pelas questões imediatistas do cotidiano,
não dispondo de tempo e nem de espaço para o desempenho da docência, no acontecimento
do processo de ensino e de aprendizagem da cultura humana (SAVIANI, 2008).
b) Sentimentos
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Essa subcategoria trata dos sentimentos que cada professora externalizou no primeiro
encontro, chegando a dizer, que os encontros eram espaços de terapia, como se fosse um divã,
de escuta para o desabafo de suas angústias e aflições. Foi possível perceber em suas falas
uma mistura de sentimentos que refletia a vontade e ao mesmo tempo a incapacidade de poder
fazer algo pelo aluno. O que me buscou saber qual a causa do imobilismo, do engessamento,
que amarras os prendiam/em. Com suas respostas, foi possível perceber que as amarras não
são somente de ordem técnica, mas vinculadas a orientações e interesses políticos, as
condições de trabalho, a desprofissionalização docente (PLETSCH, 2009). Observe:
Márcia: [...] angustia de ter que dar atenção para ela, vinte oito alunos na sala não
é fácil. (sentimento de impotência)
Rosana: Fiquei assustada na hora quando ouvi né? Olha na tua turma existem
crianças especiais (síndrome de Down, deficiência física). (sentimento de medo)
Joana: [...] mas você se sente meio que não está dando conta do recado e eu não
gosto de me sentir assim [...] (sentimento de fracasso)
Mariana: [...] eu queria fazer alguma coisa por ela, então eu fiquei desesperada
assim, né? Querendo ajudar e de qualquer maneira, a minha preocupação era
assim: será que eu estou ajudando, ou será que estou prejudicando [...] (sentimento
de incapacidade)
A professora Márcia relata um sentimento de impotência diante de uma sala de aula com vinte
e oito alunos. Em tal situação é quase impossível dar uma atenção mais individualizada a
qualquer criança, ficando extremamente difícil a professora exercer o papel de mediadora
social junto a sua classe, colaborando no processo de internalização e construção de funções
psicológicas superiores. Assim, sua ação docente alcança uma pequena parte do alunado, com
isso se delega à criança com síndrome de Down e principalmente, à síndrome, a
responsabilidade pela sua não aprendizagem (VOIVODIC, 2008).
O sentimento de medo expresso na fala da professora Rosana está muito presente na escola
hoje. Mas o que assusta as professoras quando sabem do aluno com síndrome de Down na
sala? Os mitos construídos socialmente de que ele é agressivo? A falta de preparo
profissional? Não saber como lidar com ele? Esses são alguns dos questionamentos que
trazem resposta ao sentimento de medo.
Outro sentimento revelado pela professora Joana é o sentimento de fracasso, de não estar
dando conta de sua tarefa, de seu trabalho, e ainda a percepção de que não é somente o aluno
com síndrome de Down que ela não consegue ensinar, este só veio anunciar que a escola não
está ensinando nenhum aluno, seja com ou sem deficiência. Para Frigoto (2003) a crise
existente na escola, não está desassociada da crise societária, esses sentimentos apontados
pelas professoras a seguir, fazem parte do encadeamento ideológico próprio das políticas
neoliberais, que nos fazem crer, que nada mais é possível, nos imobilizando, paralisando e
fazendo-nos acreditar que nada mais pode ser feito.
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O sentimento de incapacidade que a professora Marina aborda, diante de uma situação tão
adversa, que somada a outros motivos ou causas lhe impossibilita fazer algo pelo aluno, ou
seja, não lhe permitindo desempenhar o seu papel de professora diante das crianças com
síndrome de Down, mediando o processo constitutivo do aluno (BRZEZINSKI, 2001). Esse
outro trecho retirado da fala da professora Joana resume o que foi dito:
O D. fica lá sentado, olhando para mim, eu não sei o que faço, na hora que eu sento
para ficar com ele, dar uma atenção maior a ele, as outras crianças não sossegam,
aí eu fico angustiada, eu venho aqui, eu escuto tudo isso, eu penso: “poxa tem
tanta coisa para fazer” mas eu não consigo fazer, eu não faço, estás entendendo,
vai dizer que você não se sente incompetente? [...].
As falas das professoras trazem à tona sentimentos que comumente tem afetado a prática de
ensino dos professores, causando-lhe inclusive danos à sua saúde. Para Gentili e Alencar
(2005), o professor enfrenta hoje, problemas que vão além de seus baixos salários, a falta de
condições de trabalho, tem sido a causa de muitos dos males que os tem acometido, como por
exemplo, a síndrome de burnout,4 também conhecida como a síndrome do desencanto. O
desespero ocorre diante de uma situação que os fragiliza, os imobiliza, seja pelo número
excessivo de alunos na sala de aula, seja pela falta de conhecimentos de como ensinar essa
criança. Atente para a fala da professora Marina como ela descreve o início do ano com a
presença da criança com síndrome de Down.
Eu vejo assim a primeira semana em que ela chegou, foi assim muito difícil eu fiquei
assim, chegava isso aqui meu (ombro) sabe, a tarde eu tinha que tentar relaxar
sabe? Ficava extremamente tensa.
Esses fatores de certa forma me conduzem a interpretação das circunstâncias em que o
professor está recebendo o aluno com síndrome de Down na classe regular. Não tem como ser
vitorioso numa empreitada que demanda esforços titânicos para sua realização, assim, é certo
que as mudanças que precisam acontecer não devem ser vistas como pontuais e isoladas, mas
sim como aquelas que perpassem desde a mudança de concepção da sociedade até a
construção de um novo paradigma (ANDRADE, 2006).
Um novo paradigma que nos apresente um novo modelo de escola, porque não é só com a
criança que possui síndrome de Down, que o professor está apresentando esses indícios, eles
também se fazem presentes na tentativa de ensinar a criança comum. O modelo de escola
existente hoje já está dando sinais de desgaste, pois não atende nem mesmo o ideário
neoliberal sob o discurso da equidade social que tem enquanto objetivo formar o cidadão para
a empregabilidade (OLIVEIRA, 2004), conforme a fala da professora Joana.
4 “uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e sucessivo com os outros seres
humanos, particularmente quando estes estão ocupados ou com problemas. O docente se imiscui afetivamente com seus alunos, se desgasta e, em um extremo desiste, não agüenta mais e entra em burnout” (CODO, 1998, p. 238 apud Gentili e Alencar(2005, p. 19).
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[...] tem hora que você não sabe o que faz, eu digo assim, meu Deus do céu eu já
usei todos os cartuchos [...] e a gente não vê o negócio caminhando não só com os
especiais, mas também com os... normais, com os alunos comuns.
A angústia que a professora sente se deve a uma visualização mais ampla de sua sala de aula,
onde as dificuldades de ensino se diluem em decorrência de vários fatores que afetam hoje o
professor, levando-o ao total desencanto, porque ele passa a perceber que a escola não está
cumprindo seu papel com nenhuma criança. Por exemplo, no dia em que a professora/mãe de
uma criança com síndrome de Down, nos visitou, fez relato de experiência enquanto mãe e
também enquanto professora de crianças com deficiência e acrescentou ao final de uma de
suas falas que ensinar essas crianças se constituía num trabalho “muito grande, desde que
você se disponha a fazer um trabalho, porque se a gente não tiver disponibilidade, não
quiser, a gente não faz.”. No entanto, essa fala foi argumentada pela professora Joana, que
suscitou o seguinte diálogo:
Joana: É porque a profissão do professor as vezes tem muitos altos e baixos, né?
Tem época que a gente está super motivado, entusiasmado [...]
Mãe/professora 1: isso acontece com qualquer um.
Joana: é o ser humano é movido a certa pressão, e tem época que você está bem
como esse grupo aqui é também um grupo para desabafo (rsrsr). Tudo bem, se o
negócio andasse, caminhasse, mas é todo um sistema que não ajuda e por conta de
toda essa conjuntura, a tua motivação vai lá para baixo, não tem motivação para
fazer nada é uma coisa que tu tem que estar buscando, é uma inspiração de luta
porque na escola não tem ninguém para dizer olha professora o teu trabalho tá
“porreta” e as vezes você tá conseguindo mas olha para dizer que não presta, vem
mãe, vem pai, vem coordenador [...]
Esse diálogo propiciou trazer para o bojo da discussão, não só o descumprimento da função
da escola, mas também os acontecimentos que deixaram as professoras paralisadas e
desencantados, chegando a reflexão de que os problemas que afetam a escola, estão nela e
fora dela. São problemas estruturais, concatenados aos problemas enfrentados e criados pela
sociedade capitalista que temos (GENTILI, 2005; FRIGOTO; CIAVATA, 2003; SAVIANI,
2009).
Assim, os sentimentos relatados pelas professoras de angústia, fracasso, impotência
convergem para o imobilismo docente, derivados de toda uma política que os quer produtivos,
eficientes, participantes e atuantes no sistema educacional, conforme reivindicações da
própria classe, responsabilizando-os pelo êxito da escola e do ensino, como se fosse algo que
dependesse única e exclusivamente da dedicação dos professores. De certo, estes também são
vítimas da inclusão excludente sem condições mínimas – de formação e de estrutrura – que
lhes possibilite não só lutar no movimento contra-hegemônico, mas enxergar a sua condição,
a perda do seu papel pelo encadeamento de ações hegemônicas.
No entanto, a escola, como um organismo vivo, possibilita a existência de correntes, de
movimentos contrários que reproduzem, mas também, modificam o cenário social. Como
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demonstrado pela professora/mãe, quando diz que depende do querer do professor para
realizar o trabalho, e em seguida no diálogo ela se percebe pertencente a uma classe que
trabalha muito, mas não é reconhecida, não só financeira, mas socialmente. Eis aí mais um
agravante que afeta a motivação dos professores.
Discussão e Conclusões
O espaço dos encontros serviu como lugar de aprendizagens, de escuta e de fala, para que
pudéssemos nos mostrar, socializar experiências, expor nossas fragilidades profissionais, sem
esquecer suas causas, sem preocupação de sermos vistos, recordo a fala da profa. Joana, como
“alguém que não dá conta do recado”, até porque nesse espaço foi possível a discussão sobre
as responsabilidades para com o processo de ensino da criança com síndrome de Down, haja
vista, considerando o referencial teórico dessa pesquisa, termos percebido que há uma
intencionalidade, tanto nas políticas, quanto nas legislações educacionais, em eleger o
professor como o único responsável por esse processo, seja individualmente pela cobrança de
uma prática eficiente, seja no desempenho de seus alunos e de sua escola (LOPES, DIAS,
2003).
A pesquisa-ação apresentada como método de estudo aqui, mostrou que a efetivação de
Grupos de Estudo, na escola, com carga horária prevista dentro das horas normais de trabalho
do professor, partindo das dificuldades encontradas em sua prática, contando com um aporte
teórico que possa nortear uma prática inclusivista e com temas que abordem conhecer sobre
as características da síndrome de Down e discutindo as potencialidades e dificuldades para a
aprendizagem e desenvolvimento foi uma forma eficaz de mudar a compreensão e a
concepção do professor sobre a inclusão da criança com síndrome de Down na escola regular.
No percurso investigativo, foi adotado o direcionamento metodológico pautado nos
pressupostos da pesquisa-ação favorecendo a construção do pesquisador coletivo, constituído
pelas professoras que possuíam alunos com síndrome de Down inseridos em suas classes
regulares. Assim através do grupo focalizou-se as demandas desse coletivo, no que concerne
ao processo de inclusão desses alunos.
O estudo revelou que no decorrer dos encontros - a partir dos diálogos estabelecidos e das
temáticas discutidas – foi possível visualizar o cenário das escolas, a formação do/as
professore/as, seus sentimentos, sua concepção sobre os alunos com síndrome de Down e suas
condições de trabalho.
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