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APRENDIZAGEM DE LEITURA NA AULA DE INGLÊS1
Josilene Patrial Oliveira2
Resumo O presente artigo descreve a experiência, a produção pedagógica e o processo de implementação de material didático com foco na aprendizagem em práticas de leitura em língua inglesa em uma turma de primeiro ano no Ensino Médio do Colégio Estadual Pedro Macedo em Curitiba. Esse trabalho caracterizou-se como parte do Programa de Formação Continuada em Rede do Governo do Paraná – PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), realizado através da Secretaria de Estado da Educação (SEED). O artigo foi organizado a partir da reflexão teórica sobre práticas de leitura, a elaboração do material didático, os desafios da implementação na escola, a troca de experiência com o grupo de professores participantes do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) e os resultados obtidos ao longo do programa. A pesquisa foi desenvolvida a partir da perspectiva que reflexões e novas propostas de ensino podem contribuir de forma colaborativa em diferentes contextos educacionais, ampliando assim as discussões sobre as práticas de leitura e os objetivos do ensino de inglês. Palavras-chave Ensino de inglês, práticas de leitura, língua como discurso, construção de sentidos. Abstract This article describes the experience, the pedagogical production, and the process of implementing a didactical material with the focus on learning English in reading practices in a State High School called Pedro Macedo in Curitiba. This work was characterized as part of the Continuing Education Program in the State Government Network (PDE – Educational Development Program), performed by the State Secretary of Education (SEED). The article was organized considering the theoretical reflections on reading practices, the development of teaching materials, the challenge of implementing a practical experience at school, the exchange of experience with a group of teachers taking part into a networking experience (GTR) and the results throughout the program. The research was developed by the perspective that new ideas and proposals for education can contribute collaboratively in different educational contexts, thus broadening the discussion about reading practices and goals of teaching English Keywords Teaching of English, reading practices, language as discourse, meaning making.
1 Este artigo é resultado da experiência ao longo do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) no período de 2010 a 2012; e foi desenvolvido sob a orientação da Professora Juliana Zeggio Martinez, do NAP-UFPR. 2 Professora Especialista em Educação, Licenciada em Letras e Professora de Língua Inglesa QPM da Rede Pública de Ensino no Estado do Paraná.
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Considerações Iniciais
“... estar no mundo necessariamente significa estar com o mundo e com os outros. Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem "tratar" sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.” (FREIRE, 1996, p. 64).
O principal objetivo desta pesquisa foi trabalhar com a leitura na sala de aula
considerando-a como um fator indispensável no aprendizado de língua inglesa (LI).
Procurei analisar mais criticamente como esta prática vem sendo conduzida na rotina
escolar. Dentro deste contexto, elaborei um projeto de pesquisa e material didático para
perceber as diversas utilidades da prática da leitura em situações que também pudessem
promover uma aprendizagem mais significativa aos meus alunos. Desta forma, busquei
proporcionar recursos aos alunos para que pudessem enfrentar com mais segurança e
interesse as atividades de leitura.
Procurei também, ao longo deste projeto, criar condições para que essa prática
de leitura pudesse ser desenvolvida em contextos diferentes dos que eu já havia visto
em sala de aula na disciplina de LI. Para tanto, busquei trabalhar com diversos tipos de
textos que já circulam atualmente entre os alunos e no espaço da escola, tentando
aproximar sempre meu aluno a um exercício de sua cidadania e mostrar aos alunos que
com o gosto e o hábito da leitura eles podem ser capazes de uma maior reflexão e
elaboração do seu próprio conhecimento.
Caminhar em direção ao sujeito que quero formar me levou a um objetivo de
enfrentar esse desafio e buscar formas diferentes em que pudesse repensar a minha
prática dentro de sala de aula. Meu alvo passou a ser não a simples transmissão de
conhecimento, mas a valorização, a percepção das possibilidades de expressão e
compreensão do meu aluno e também a sua capacidade de leitura, tentando possibilitar
que ele seja mais ativo em sala e até mesmo fora dela, de forma consciente, construtiva
e crítica. Planejei também levar meu aluno a lançar mão dos conhecimentos
desenvolvidos em sala de aula para que pudesse intervir em sua própria realidade de
vida, trazendo mais qualidade em seu aprendizado e em sua formação educacional.
Já sabemos que muitos pesquisadores têm dedicado seus trabalhos a investigar a
leitura, mostrando que as intenções dessa prática educativa são muito abrangentes e que
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avançam muito além do simples processo de transmissão dos conteúdos dentro da rotina
de uma sala de aula. É consensual no âmbito acadêmico, que como professores,
devemos contribuir para a formação de nossos alunos em leitores críticos. Entretanto, as
intervenções nesta prática ainda se mostram um tanto pequenas e quando ocorrem
podem variar muito de acordo com as concepções de leitura que cada professor adota.
Durante o desenvolvimento e a aplicabilidade do projeto que desenvolvi no período
deste PDE3, percebi com mais clareza algumas falhas que ocorriam em minha prática e
uma defasagem considerável no que dizia respeito à prática de leitura.
Por outro lado, pude perceber também a ânsia de buscar um caminho, mesmo
que a qualquer preço, que trouxesse resultados, pois qual outro caminho para
desenvolver um pensamento crítico em nossos alunos senão através da leitura? E como
minimizar dificuldades em nossos alunos, em sua capacidade de comunicar ideias de
forma mais coerente? Contudo, ainda que tentasse minimizar as falhas em minhas
práticas em situações reais na medida em que confrontamos algumas necessidades
dentro da rotina escolar, como por exemplo, a de seguir o planejamento anual, fica mais
evidente a complexidade de se integrar a uma atividade de leitura que seja mais
significativa. Construir e desenvolver um trabalho significativo requer tempo e uma
análise profunda da trajetória e necessidades de nossos alunos.
As práticas de leitura no sentido de construção de sentidos dentro das
abordagens que costumava vivenciar com meus alunos antes deste projeto, ao meu
entendimento, não consideravam a língua como um fator que verdadeiramente pode
auxiliar a reflexão e a construção de sentidos dos nossos alunos. O trabalho anterior
estava fadado apenas em discussões que se restringem a temática textual e aos aspectos
gramaticais isolados que não traziam resultados esperados com relação à construção de
sentidos.
Para tanto, me motivei a esta pesquisa visando preparar meu aluno para além de
sua competência linguística. Embora parecemos estar sob o excesso de discursos que
apontam uma escola reflexiva onde encontramos perspectivas críticas para o nosso
3 PDE significa Programa de Desenvolvimento Educacional, que é promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná, na rede pública de ensino. Seu objetivo é oferecer aos profissionais da educação uma formação continuada de qualidade. Seguindo a LDB (n. 9394/96), este programa propõe princípios que devem nortear a formação dos profissionais da educação: a formação de profissionais da educação terá como fundamentos a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço, período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho. (Documento Síntese do PDE, p.11). Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/ portals/portal/pde/documento_sintese.pdf Acesso em: 13 de julho de 2012.
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educando, ainda me parece pouca a preocupação no sentido da formação crítica do
aluno enquanto cidadão que vive, age e interage em sociedade. Nesse contexto me
pareceu necessário buscar uma mudança e inovação dentro das minhas práticas.
Em uma incansável busca por um material pedagógico que apresentasse uma
série de atividades em que o foco fosse a construção de sentidos do aluno, ou seja, ao
mesmo tempo em que o aluno está pensando, refletindo, fazendo exercícios de análise
crítica, ele está também aprendendo inglês, de forma não tradicional, nasceu o material
didático e a experiência que serão relatados neste artigo. Diante do ponto de vista dos
autores e pressupostos que foram lidos e também do meu contexto de pesquisa,
compreendi que a leitura pode ser vista sob óticas diferentes, por isso há muito para ser
discutido sobre a importância de ler e a formação do leitor.
Concepções de leitura – uma relação entre os estudos teóricos e a prática escolar
Com este trabalho, almejei superar uma visão única de levar o aluno apenas a
escutar, decorar e repetir uma informação sobre o que está lendo, pois passei a acreditar
que é possível oferecer uma ação pedagógica sobre a leitura que seja reflexiva, crítica e
ao mesmo tempo permita ao aluno buscar a produção e a construção do seu
conhecimento, criando assim uma vivência de sua própria cidadania. Na tentativa de
extrair ou atribuir significados e sentidos a leitura, vivenciei um exercício criativo de
muita reflexão e de entendimento, onde algumas vezes com meus alunos foi possível
chegar à formação de nossos próprios conceitos, ainda que esses tenham sido
processados num sentido mais amplo, ou até mesmo mais restrito do que os
pressupostos teóricos norteadores desta pesquisa.
Minha intenção era a de me aproximar da possibilidade de preparar meus alunos
criticamente para a sociedade em que estão inseridos onde a fronteiras se apresentam
cada vez mais dissolvidas numa realidade globalizada, a leitura como prática discursiva
teve então um papel fundamental, assim como Moita Lopes (2003, s/p in RIGO, s/d) já
havia ressaltado
[...] se a educação quer fazer pensar ou talvez pensar para transformar o mundo de modo a se poder agir politicamente, é crucial que todo professor e, na verdade todo cidadão entenda o mundo em que vive e, portanto, os processos sociais, políticos, econômicos, tecnológicos e
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culturais que estamos vivenciando. Não se pode transformar o que não se entende. Sem a compreensão do que se vive, não há vida política.
Desejando então inserir os pressupostos teóricos que me conduziram a possíveis
respostas para a construção e o desenvolvimento deste projeto, busquei conceituar
leitura, articulando diferentes entendimentos, e confesso que não consegui relacionar e
perceber diferentes perspectivas em um primeiro momento, me fazendo enxergar
possibilidades que se apresentam e se formam dentro e fora de um texto. Embora tenha
me confrontado com diferentes concepções de leitura que muito se distanciam das
tradicionais, percebi ao longo da pesquisa que esses tipos diferentes de leitura
acontecem em nossa vida e podem ser uma forma de acharmos ou construirmos uma
resposta aos nossos questionamentos.
Primeiramente, passei a entender que para falar sobre concepções de leitura, é
necessário nos aproximar de uma série de pontos de vista diferentes, buscando com isso
refletir e discernir diferentes perspectivas, já que há diferentes concepções de leitura.
Por exemplo, na concepção de alguns pesquisadores, a leitura é a captação da ideia de
um autor; para outros é o entendimento da estrutura ou do código linguístico como
produto de codificação; para outros ainda, leitura é a apresentação de um pensamento, a
interação entre texto-autor-leitor, mas que pode se dar até mesmo quando estabelecemos
uma relação com uma pintura, como num quadro ou quando observamos um rosto de
uma pessoa, uma fotografia ou uma paisagem qualquer, ou seja, a leitura que ocorre
fora do objeto que chamamos livro.
Na busca por novos entendimentos de leitura, destaco abaixo um trecho dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997) que me mostram uma
reflexão interessante sobre o processo da leitura.
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão, na qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita. [...] qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê.
(BRASIL, 1997, p. 53).
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É comum também quando buscamos conceituar leitura observar que a
etimologia da palavra ler, que tem origem no latim legere, abrange muitos significados,
por exemplo, soletrar ou agrupar as letras em sílabas etc., ou relacionam o ato de ler
como a busca de sentidos que se dá no interior do próprio texto. Ainda, em outra
concepção, a ênfase da leitura é dada ao autor do texto que está sendo lido, mas é o
leitor quem lhe traz vida, criando e construindo significados. Neste caso, além da
leitura, também o leitor é conceituado, se tornando também um objeto de reflexão
teórica. Conceitos de leitura que usarão o lugar, a época, a ligação com o tempo ou com
o espaço, reflexões feitas a partir de questionamentos como: o que, quando, por que,
quem devem ser considerados no exercício da prática da leitura. Essa questão fica
evidenciada quando observamos as considerações de Luckesi (2003, p.119) e
entendemos que
[...] a leitura, para atender o seu pleno sentido e significado, deve, intencionalmente, referir-se à realidade. Caso contrário, ela será um processo mecânico de decodificação de símbolos. Logo, todo o ser humano é capaz de ler e lê efetivamente.
Examinando outro pesquisador, Foucambert (1994, p.5), podemos perceber que
este considera a leitura como uma opinião sobre a escrita, no sentido de que o leitor
deve questionar e explorar o texto na busca de respostas textuais ou que fazem parte do
contexto já estabelecido no próprio texto, o leitor não deve se interessar apenas pelo
enredo da obra, mas pelas características estruturais que a compõem. Em suas palavras,
o autor explica que
ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é.
Podemos notar também que há ainda os que afirmam que não é apenas o
domínio do conhecimento da língua ou ainda o domínio da gramática que é importante
no momento da leitura de um texto, em LI por exemplo, e sim um complexo sistema de
relações entre as várias áreas do conhecimento humano, das circunstâncias de mundo
em que o aluno pode ter vivenciado em suas experiências de vida, de conhecimento pré-
adquirido e até mesmo da experiência vivida na escola. A partir desta constatação, é
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possível afirmar que podemos também entender leitura a partir do contexto pessoal,
individual de cada aluno ou do conjunto daquilo que consideramos vivências.
Essa concepção de leitura nos faz pensar que se aprender a ler significa também
a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós mesmos, a função do professor vai além de
apenas ensinar os sentidos das palavras e os do texto, mas a de criar condições para que
o aluno possa ter uma aprendizagem também conforme as necessidades e as exigências
que seu mundo apresenta, possibilitando-o a construir sentidos e significados. Desta
forma, poderíamos entender que ler deixa de ser um ato mecânico e passa a ser um
processo criativo, pois o leitor se torna capaz de compreender e perceber o que ocorre
no mundo ao redor dele no âmbito econômico, social, cultural e essa leitura pode tornar
o leitor mais consciente de sua realidade. Pretendo com isto afirmar que o aluno então
irá questionar-se a si mesmo tanto quanto o mundo que o cerca, assim como já nos dizia
Freire (2001; p.11) “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”.
Essas reflexões sobre concepção de leitura me fizeram também pensar sobre
outra questão que merece destaque: a relação entre aprendizagem de língua e cultura.
Se aprender uma língua estrangeira é permitir uma abertura para um mundo
desconhecido, o aprendizado fica sem sentido quando se pensa que a língua e a cultura
estão desagregadas. Um idioma vem carregado de uma forma de agir, pensar e
relacionar-se a diferentes culturas, por isso fica fácil perceber que uma mesma língua,
como o inglês, pode possibilitar a construção de diferentes entendimentos de mundo. É
importante que o aluno entre em contato com o mundo cultural que uma língua
estrangeira pode oferecer, evitando criar a expectativa de uma relação imediatista com
seu aprendizado, é nesse contexto que o desenvolvimento da leitura é importante, pois é
a partir daí que o aluno torna-se leitor de outra cultura, caso contrário, seu aprendizado
fica muito limitado.
Considerando essa possibilidade de aproximação de culturas e diferentes
sentidos, podemos trazer para nosso aluno a possibilidade de decifrar, entender, inteira-
se e ter contato com culturas diferentes e distantes de nós, nos possibilitando saber
como determinado povo se comporta, os motivos pelos quais agem de forma tão distinta
da nossa. Além disso, compreendemos melhor o outro quando passamos a conhecer a
história de vida que o cerca e quando somos confrontados pela diferença é que
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consequentemente lidaremos melhor com o outro. Nesse contato com o outro, passamos
também e entender mais sobre nós mesmos, quando nos vemos diferentes.
A prática de leitura então é a possibilidade que temos também de entrar em
contato com outras formas de ser e entender através do outro e de nós mesmos. Mais
que uma simples atividade desafiadora, mais que uma descoberta, interiorização ou
reflexão, mais que uma atividade de assimilação de conhecimentos, mais que
decodificação, ler é uma experiência única para cada um de nós. Quando conseguimos
construir sentidos através de um estímulo qualquer ou quando transmitimos
significados, uma informação coerente ao outro ou ao que lê, desempenhamos
modalidades e estilos de linguagens diferentes e com isso nos aproximamos de
concepções discursivas. Essas concepções implicam na maneira como entendemos e nos
relacionamos com o mundo, para isso a leitura como meio de construção de sentidos é
um elemento muito importante no processo de comunicação, é uma concepção
discursiva da língua, como bem disse Fairclough (1992, p. 63)
[...] o discurso é um modo de agir, uma forma pela qual as pessoas agem em relação ao mundo e principalmente em relação às outras pessoas.
Da mesma forma, os conceitos do grande filósofo da linguagem, Mikhail
Bakhtin (2000) também nos ajudam e compreender esse sentido da língua como
discurso. O autor afirma que a língua não é apenas uma parte da linguagem, é muito
mais ampla do que ela, como ele mesmo disse “a língua penetra na vida através dos
enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que
a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 2000, p.282). Essa questão é também discutida
pelas autoras Jordão & Martinez (2009, p.257) quando tratam da importância de se
refletir sobre a língua como discurso nos espaços escolares, onde se usa a língua para
aprender além de suas estruturas. Nas palavras das autoras,
[...] conceber a língua como discurso confere à leitura um papel fundamental na formação da cidadania: “ler” deixa de ser um processo restrito à recepção passiva de sentidos e passa a ser concebido como um processo de relacionar-se com o mundo e de construir sentidos junto aos textos – textos aqui concebidos como unidades de sentido, não apenas escritos verbais, mas imagens, sons e gestos são considerados “textos”! Assim que a eles se atribua algum sentido.
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Fazer o uso de uma estratégia de leitura pode ser um ótimo recurso, quando
temos como proposta ajudar o aluno a refletir melhor sobre sua própria construção de
sentidos de sua leitura e também a refletir não só sobre a cultura do outro, como
também a sua própria. Tudo isso pode favorecer um vínculo afetivo do aluno com a
leitura, fazendo dessa forma com que ele possa lidar melhor com outro código
linguístico que não o seu próprio. Isso significa entender realmente a leitura como
produção de sentido, o que afirma Orlandi (1996, p.37-38), quando explica que
[...] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo de leitura, se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.
Ler é encontrar não só o que está explícito e implícito no texto, mas como
construir sentidos formando o nosso próprio pensamento crítico. É fundamental que
nós, enquanto educadores, tenhamos a sensibilidade de perceber as dificuldades dos
alunos e façamos intervenções de maneira adequada e satisfatória para poder levar o
aluno à construção da leitura. Desta forma, cabe ao professor a tarefa de trabalhar com
uma diversidade de textos e estratégias em sala de aula, para ampliar as possibilidades
de construção de sentidos de nossos alunos.
Uma vez que o professor consiga fazer com que o aluno se identifique com a
leitura, ele também permitirá que os alunos se atrevam a persistirem na aprendizagem
do hábito e constância, levando-os a formular hipóteses acerca dos sentidos do que estão
lendo, do que estão vivenciando, assumindo pontos de vista próprios, promovendo com
isso um diálogo crítico e eficaz. O aluno somente terá habilidades críticas de leitura se
tiver primeiramente o hábito de ler. Aliado ao desenvolvimento de um trabalho crítico
de leitura está o desafio de fazer os alunos gostarem das aulas. A fim de garantir um
maior desenvolvimento da prática de leitura nas aulas de LI, penso que é necessário em
qualquer momento ou proposta oferecer a possibilidade de diversificar os
conhecimentos do aluno, ou seja,
[...] ler implica não só apreender o significado, mas também trazer para o texto lido a experiência e a visão de mundo do leitor. Existe, portanto, uma interação dinâmica entre leitor e texto, surgindo da leitura um novo texto (ZILBERMANN, 1988, p.14).
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Em meio a essas reflexões, almejei que este projeto formasse sujeitos do
conhecimento e não apenas apresentasse informações aos meus alunos. Desejei também
trabalhar numa perspectiva que atendesse e conciliasse os objetivos pedagógicos da
minha prática dentro de sala, porque entendo que o conteúdo é um instrumento de
aprendizagem e não se pode apenas considerar fatores ideológicos para contribuir na
compreensão do meu aluno. No decorrer dos meus anos de trabalho como professora de
LI no Ensino Médio, tenho percebido que a maioria dos alunos apresenta imensa
dificuldade com a prática da leitura em LI e que na maioria das vezes os professores
abordam, tradicionalmente em seus conteúdos, somente a gramática normativa em suas
aulas, que apesar de não deixar de ser importante, pode estar contribuindo para maior
dificuldade para os alunos na área de leitura. O tratamento que é dado à leitura desde a
pedagogia tradicional até os dias de hoje não tem desenvolvido em nossos alunos o
gosto ou o hábito tão característico de leitores ativos e consequentemente a forma como
a leitura tem sido colocada também contribui para uma grande resistência e uma enorme
dificuldade dos alunos com a leitura.
Quando estamos em sala e temos que trabalhar com um novo conteúdo, um novo
tema e o fazemos de maneira tradicional explicando e expondo simplesmente este
conteúdo, quantos alunos de fato conseguem ver sentido no que foi ensinado? Ao
ajustar esse mesmo conteúdo e apresentá-lo dentro de outro estilo de aprendizagem,
passei a perceber que ocorre um envolvimento maior da turma e da relação entre
professor e alunos. Ao acrescentarmos novas práticas, podemos trazer muitos benefícios
aos nossos alunos, além de estimular uma nova percepção de aprendizagem da LI.
A prática de leitura é uma grande fonte de exposição ao idioma em contextos
como o nosso, onde há pouco contato com falantes da língua aprendida. Considerando
também que a leitura pode ser uma boa estratégia para vivenciar a língua estrangeira
uma vez que em nossa rotina nossos alunos não têm a possibilidade de ter contato com
falantes de língua inglesa, uma vez que muitas vezes não temos oportunidades de
prática oral real. Assim, através de um novo estímulo podemos perceber que os alunos
aproximam-se dos novos saberes, conhecimentos que eles não podem adquirir
unicamente através da rotina tradicional de sala. Sabemos que questionamentos são
importantes, e se forem despertados a partir da leitura, serão mais profundos e
complexos.
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Desejei com essa pesquisa reafirmar que a prática da leitura pode desenvolver
nos nossos alunos uma visão mais crítica da sociedade em que ele está inserido, bem
como ser uma ferramenta significativamente apropriada para um conhecimento cultural
relevante que levará o aluno a melhorar sua relação com a língua estudada e
desenvolver sua autonomia como aprendiz. A ênfase dada à necessidade de mostrar o
valor da leitura nas aulas de LI como um trabalho bem ajustado, perceptível a ponto de
ter um valor que ultrapasse a sala de aula foi um grande desafio em minha prática e
estudos ao longo do PDE.
A trajetória: do projeto à intervenção no PDE
De acordo com os princípios político-pedagógicos do PDE, o professor é
entendido como “um sujeito que aprende e ensina na relação com o mundo e na relação
com outros homens, portanto, num processo de Formação Continuada construída
socialmente” (SEED-PR, 2007, p.13). O PDE, pessoalmente, foi significativo nesse
processo de formação continuada, quando me fez perceber mais profundamente essa
relação entre o aprender e o ensinar.
Em minha trajetória como professora de LI já havia participado de programas de
capacitação que abordaram o ensino da língua, partindo de diferentes alternativas
metodológicas, alguns até oportunizando a discussão da realidade da docência da
disciplina nas escolas, mas o PDE se caracterizou de forma inovadora e muito mais
abrangente, fomentando não apenas minha formação linguística, mas principalmente
metodológica. As atividades teórico-práticas me oportunizaram maior aprofundamento
teórico mais próximo de nossa realidade da educação básica em escolas públicas.
O PDE foi um momento onde tive a oportunidade de instrumentalizar minhas
práticas educativas reflexiva e criticamente, observando por exemplo o quanto estava
ocupada em transmitir tão somente o conteúdo aos meus alunos, deixando passar
desapercebido muitas vezes as ações que não estavam ligadas à construção do
conhecimento. Pude também ter um olhar do papel social e político do professor na
realidade em que nos encontramos enquanto escola. Foi um momento de maior
exposição às minhas práticas didático-pedagógicas, frente ao processo de ensino-
aprendizagem.
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Realizei inúmeras atividades ao longo de 2010 e 2012. Tais atividades foram
divididas em períodos semestrais. Tivemos um momento juntos com todos os
professores envolvidos no programa do PDE, desde a nossa aula inaugural como
também os seminários que serviram para integrar toda a equipe e turma de 2010, a
formação tecnológica presencial e à distancia, a tutoria, os encontros de orientação e as
inserções acadêmicas. Além disso, cada professor PDE também coordenou um Grupo
de Trabalho em Rede (GTR) e como finalização da participação no PDE, a elaboração
deste artigo foi providenciada.
Durante o segundo período do programa, tivemos cursos de capacitação através
de oficinas, palestras que foram ofertados pela IES. Nossa primeira atividade foi a
elaboração de um Plano de Trabalho que foi uma intenção de pesquisa e posteriormente
culminou no Projeto de Intervenção Pedagógica , que deveria constar a proposta da
produção de material didático, podendo ser uma unidade didática que é um material
elaborado para orientar o desenvolvimento de um determinado conteúdo podendo ser
direcionado para professores e alunos.
Considerando o material didático como um grande instrumento auxiliador no
processo da aprendizagem, entendo que este não poderia estar desvinculado de valores
ideológicos e culturais. Por outro lado, encontrar um caminho de não apenas transmitir
uma ideologia intencionalmente ou por outro extremo deixá-la totalmente isenta da
minha opinião foi o maior desafio, ou seja, tentar não desestimular o aluno com excesso
de informações ou ainda com a falta de curiosidades, o que pode caracterizar uma obra
muito sintetizada que não vem a contribuir com o processo de aprendizagem.
Ao pensar em minhas dificuldades dentro de sala com o material pedagógico a
ser utilizado sempre observei que os alunos não se interessavam muito por atividades
meramente gramaticais e o quanto sempre é comentado que o material necessitaria estar
mais próximo da realidade do aluno. Estabelecer relações e conexões pensando em
agradar e formar este aluno não foi um trabalho fácil, pois em minha opinião o aluno
parece imaturo nas decisões que envolvem os conhecimentos a serem construídos por si
mesmo. Por esta razão, para repensar as atividades de prática de leitura é preciso que
estejamos bem instrumentalizados e também apropriados de embasamento teórico para
uma produção mais significativa.
A produção do material para fase de intervenção no PDE teve seu início com
uma pesquisa teórica onde busquei através da construção dos pressupostos teóricos e
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objetivos do projeto articular o entendimento de língua e de leitura através de pesquisas
e de conceitos, como por exemplo, considerando primeiramente a língua como uma
prática social coletiva e a leitura como visão de mundo e experiência pessoal de cada
indivíduo. Partindo de perspectiva de língua como discurso, a leitura é utilizada para a
construção de sentidos, ou seja, a produção de material didático para o projeto do PDE
não poderia mais continuar nos moldes tradicionais de ensino, passou então a ser
pensada a partir da língua como discurso.
O material proposto para intervenção foi organizado a partir de atividades que
desenvolvessem a prática de leitura na perspectiva da língua como discurso. Para
organizar o material de forma mais didática, os textos foram divididos em quatro
unidades temáticas: concepção de leitura, cidadania, formas de poder e literatura, de
George Orwell. Em cada uma dessas unidades, as atividades foram organizadas com
textos verbais e não verbais, exercícios e, em alguns momentos, com atividades mais
lúdicas e uso de vídeos.
A implementação da proposta foi desenvolvida no Colégio Estadual Pedro
Macedo em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio do período matutino. Em
princípio, como desconhecia o fato de que essa turma foi destinada ao projeto somente
após a elaboração do material, foi necessário primeiramente analisá-la para depois
começar a desenvolver o projeto realmente, o que causou certa dificuldade inicial.
Ainda, em um primeiro momento, como sempre trabalhei no período noturno, pensei
em desenvolver a intervenção com o primeiro ano do Ensino Médio noturno, mas como
havia poucos alunos, decidi trabalhar com outra turma também de primeiro ano do
período matutino, mesmo porque esta clientela matutina era mais assídua às aulas.
Diante dos grupos selecionados, foram três os momentos de aplicação desta proposta de
implementação. O primeiro de esclarecimentos acerca do projeto, o segundo da
utilização do material em si e o último da aplicação de um instrumento avaliativo.
Quando iniciei este projeto pude observar uma forte cobrança motivacional até
negativa da minha parte todas às vezes em que iria dar início ao trabalho, pois sempre
constatei que o aluno do Ensino Médio é contestador e algumas vezes quer o
acompanhamento de um professor que seja não somente qualificado, mas extremamente
motivado. Em todo trabalho que envolve o relacionamento com adolescentes, penso ser
comum encontrar este tipo de situação, não querendo com isso enfatizar as relações
afetivas em sala de aula, mas aproveito aqui para colocar também este momento como
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mais um desafio sempre constante para o educador atualmente. Considerando ainda que
para o nosso aluno, assim como em todo aprendizado, a leitura não parece ser uma
tarefa que este queira cumprir com satisfação desde o princípio da aula. Não é tão
simples assim gerar um ambiente harmoniosamente preparado para a participação e
conseguir motivar os alunos para a aprendizagem, dar razões além do suficiente para
que eles aprendam e se envolvam é tarefa desafiadora.
Como a proposta do material entrelaçou o uso de tipos diferentes de textos, achei
melhor começar o desenvolvimento da primeira parte com uma atividade que permitisse
uma perspectiva de melhor aproximação e de sensibilização do aluno, com um warm-up
em que os alunos desenvolveriam uma parte oral como atividade lúdica relacionada ao
assunto que seria desenvolvido. No entanto, como não foi bem receptiva essa proposta
inicial, logo passei para a prática onde construímos em um grande grupo, em pequenos
cartazes em folhas sulfite, algumas figuras com a utilização de materiais de sucata. O
objetivo era mostrar aos alunos que a leitura pode ser um mecanismo de entender
comportamentos, imagens, enfim tipos de textos diversos, e consequentemente fazer
construções de sentidos localizadas.
Para tal, foram entregues aos alunos individualmente onde eles representariam
em figuras e desenhos a sua própria definição de leitura. Foi solicitado aos alunos que
fizessem um grande círculo e todo o material de sucata foi exposto sobre a mesa do
professor onde eles mesmos escolhiam o material de sua preferência que desejariam
utilizar para a construção de seus desenhos. Terminada a construção do trabalho
realizado, cada um iria explanar sobre o que estava visualizando no trabalho que foi
construído. Foi observado que houve um interesse em figuras que representavam
personagens, pois as imagens mais abstratas geraram apenas descontração, mas aos
poucos houve discussão sobre como os sentidos dos desenhos eram construídos e
interpretados pelo grupo.
Após essa troca de ideias sobre os sentidos dos desenhos construídos, os alunos
assistiram ao vídeo “Ler” de Fernando Veríssimo4 para que depois pudéssemos debater
coletivamente sobre a sugestão de leitura que o vídeo mostra. A intenção era fazer uma
relação entre as atividades dos desenhos e as informações do vídeo. Nesse momento, os
alunos se mostraram interessados, percebi que os alunos se envolveram na discussão e
entenderam a função da atividade anterior. Em vez de impor aos alunos atividades de
4 Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=jjU9j17vTOY. Acesso em 13 de julho de 2012.
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leitura, conversamos sobre a possibilidade de trabalhar com a construção da leitura e de
nossas ideias em grupos.
Após a análise do vídeo e a discussão sobre qual era a sua intenção quais as
possíveis conexões que havia entre o vídeo e os trabalhos criados, com mais detalhes os
alunos comentaram sobre a riqueza que ele continha e da liberdade de poder ler e
interpretar. Levantaram-se alguns questionamentos e elogios sobre a necessidade dessa
liberdade de leitura e foi feita uma análise de comparação entre os trabalhos que eles
produziram e o vídeo mostrado. Os alunos perceberam com isso que o objetivo daquela
atividade era mostrar que a leitura pode ser um mecanismo de entender
comportamentos, imagens, sonoridades, enfim tipos de textos diversos. Após estas
atividades, foi marcada outra data para que os alunos realizassem as atividades
seguintes com relação às respostas pessoais sobre tipos de leitura que eles tinham e a
freqüência que faziam suas leituras. O desenvolvimento das partes I e II da
implementação foram bem aceitos e houve participação dos alunos envolvidos, tanto na
parte oral quando na escrita. Nessas unidades um e dois, os temas discutidos
abrangeram a questão da concepção de leitura e a cidadania.
Quando começamos a trabalhar a parte II, onde seria trabalhada a cidadania, a
maioria dos alunos da turma não mais se fez presentes em nossas reuniões e perdeu-se
um pouco do interesse. Penso que os alunos consideram cidadania como um assunto
baseado apenas em teorias e citações de livros didáticos, apostilas de professores e que
não haveria oportunidade de opção e conexão com o tema. Foi quando eles sugeriram
que fosse assistido um filme, ao invés de ler e resolver as atividades que estavam no
material. Assistimos então o filme Escritores da Liberdade e então pudemos debater
conceitos de cidadania dentro do nosso país e fora deles numa análise comparativa ao
filme. Nesse contexto, perceber que o aluno, como sujeito que se depara com conteúdos
desconhecidos, e com nível de complexidade elevado, não consegue assimilar
conhecimentos, pela falta de articulação com sua realidade de vida e pela imposição de
conteúdos desconexos, fazendo do estudo uma obrigação. Uma outra questão
importante foi me perceber mais flexível em relação ao material produzido, entendendo
e buscando as vontades dos alunos e ainda fazendo conexão com a temática proposta
naquele momento.
No decorrer do desenvolvimento da implementação pude observar que alguns
alunos mostraram-se totalmente interessados tentando se esforçar para uma participação
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mais ativa e as atividades para eles foram consideradas estimulantes. No entanto, com a
falta de interesse de alguns e o não comparecimento da maioria dos alunos na parte final
da implementação, percebi que já não se mostravam interessados nas atividades e nas
leituras de textos. Com isso limitou-se muito a realização das atividades que tinham
sido propostas de trabalhar na parte III da implementação. Essa terceira parte focava a
questão das formas de poder na sociedade, temática conectada à uma perspectiva de
leitura que entende a construção de sentidos.
Essa experiência me fez perceber que nosso contexto escolar exige uma prática
em que não é possível ignorar o conhecimento do aluno, ou seja, falar exatamente a sua
linguagem e aproximar ao máximo da sua realidade é também admitir que o material
aborda noções de democracia, ou seja, era preciso então aceitar esta escolha dos alunos,
permitindo ser então um exercício de democracia, uma vez que estávamos falando sobre
cidadania. Percebi também que naquele momento o material didático pareceu ser
também deficiente e até mesmo sem uma significativa aplicabilidade, tornando com isso
o ensino menos prazeroso e interessante, sendo necessário não abrir mão do
entendimento de mundo primeiramente que os alunos trazem para depois tentar mostrar
suas aplicações. Além da deficiência e da dificuldade vivenciada com a falta de
interesse nos textos desta parte do material pelos alunos, houve também um fator
importante que foi o tempo, pois o filme proposto era um pouco longo e cansativo para
alguns dos alunos. Foi necessário então solicitar que terminassem de assistir ao filme
em outro momento para depois voltarmos às discussões e análises.
Sempre soube e afirmei que trabalhar com leitura deveria ser um exercício
constante no cotidiano de um educador. No entanto, pude perceber que quando temos
que sair da teorização e partir efetivamente para prática, o desempenho tanto do
professor quanto do aluno se torna muito complexo. Isso ocorre em razão da obrigação
que se vincula ao professor de que todas as vezes que trabalhamos com leitura, há uma
necessidade fundamental de que o professor seja sempre o elo perfeito de ligação entre
o aluno e a leitura, e no momento em que trabalhamos sobre a cidadania notei que há
uma dificuldade para o aluno oralizar suas discussões e opiniões e que eu não era esse
elo perfeito.
Outra dificuldade encontrada durante essa terceira parte do projeto foi fazer com
que os alunos conseguissem identificar e opinar a respeito da temática discutida pelo
Animal Farm, considerando tanto o ponto de vista do autor quanto à história. Os alunos
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mostraram resistência na produção textual ou até mesmo nos comentários oralmente
sobre o que compreenderam sobre a estrutura da obra. A perspectiva do Animal Farm se
mostrou muito chocante aos alunos, e houve dificuldade de ligar a questão das formas
de poder discutida anteriormente. O que isso me faz pensar é que os alunos não estão
acostumados a conectar certas discussões promovidas na sociedade e que a escola
deveria aprofundar esse conhecimento, importantíssimo para a formação da cidadania.
A experiência com o GTR no PDE
Na terceira etapa do PDE, além do trabalho de intervenção com os alunos na
escola, também realizamos o Grupo de Trabalho em Rede (GTR), uma proposta da
Secretaria de Educação na tentativa de promover integração entre os professores da rede
pública. Cada professor que estivesse desenvolvendo seu projeto de pesquisa deveria
assumir a tutoria de um grupo de discussão de professores, promovendo reflexões e
trocas de experiência a cerca da temática de seu próprio projeto de pesquisa. O GTR que
coordenei foi constituído por um grupo de quinze professores de inglês. Esses
professores são docentes da rede pública de ensino do Paraná, e havia representantes de
diferentes áreas geográficas do estado.
O GTR impacta na formação dos professores se entendemos que é importante
para aqueles que exercem qualquer função na área educacional estar buscando se
atualizar em seus conhecimentos, bem como buscar também desenvolver ações que
possibilitem melhorar cada vez mais nossa formação e capacitação. São muitos os
desafios enfrentados pelo profissional docente e desenvolver uma prática pedagógica
eficiente, representa um deles. Por esta razão, refletir e trocar experiências torna-se
tarefa fundamental. Nesse sentido, Freire, (1996, p.43) afirma que: “É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática”.
No período que estive com os professores envolvidos no meu grupo de GTR
pude perceber que ao serem questionados sobre o projeto e a produção didática que
desenvolvi para o PDE, os professores concordaram que trazer a prática de leitura para
nossas reflexões é um aspecto positivo. Pude perceber também que os professores deste
GTR traziam boas reflexões referentes às concepções de leitura, como também práticas
alternativas onde foi possível promover uma discussão do nosso conhecimento teórico
culminando com entendimentos significativos em relação a necessidade do nosso aluno.
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De fato, esse posicionamento dos professores não foi surpreendente, pois obviamente
espera-se que os professores acreditem na importância da prática de leitura na escola.
Por outro lado, foi uma surpresa pensar que os professores concordaram que a
construção de sentidos também é uma tarefa importante na escola. Digo isto, pois
muitas vezes cheguei a vivenciar situações em meus contextos de trabalho, em que
nosso conhecimento de professor se mostrou desarticulado das necessidades dos nossos
alunos, distanciando assim o espaço de construção coletiva na escola. Houve por parte
de alguns professores deste grupo a motivação em analisar mais detalhadamente suas
práticas, aceitando em promover discussões abertas e autênticas. Em contrapartida,
houve também aqueles que não quiseram lançar mão de estratégias que talvez pudessem
deixá-los em situação desconfortáveis diante da abertura de trabalho com os alunos.
Uma comparação que pude fazer entre as turmas de alunos na etapa de
intervenção e este trabalho do GTR foi a constatação de que ambos os grupos
apresentam dificuldade em lidar com a perspectiva da língua como discurso, ou seja, de
entender que os sentidos são construídos no grupo e portanto podemos discordar,
concordar, discutir, desfazer entendimentos previamente colocados a qualquer
momento. Isso me faz pensar que os professores também precisam aprender a lidar com
esse desafio de construir sentidos, dentro de trabalhos mais críticos para poder ampliar
uma proposta de aulas mais significativas na escola. Esperava receber críticas deste
grupo de GTR, e não apenas elogios. Pensava que seria interessante discutir as
divergências, e não apenas as concordâncias. Fiz algumas tentativas de provocação,
tentando fazer com que os professores do grupo realmente dissessem o que pensavam
da minha proposta, mas não sei se obtive resultados satisfatórios, pois a criticidade do
grupo foi pequena.
Considerações Finais
A experiência do PDE me fez pensar muito em Freire (2000, p.55), quando
discorre sobre a autonomia do professor e sobre sua própria experiência, afirmando que
(...) como professor crítico, sou um ‘aventureiro’ responsável, predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Nada do que experimentei em minha atividade docente deve necessariamente repetir-se (...) Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacabamento do ser humano. Na verdade, o
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inacabamento do ser ou sua inclonclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.
Durante todo o período do PDE e entre os múltiplos desafios que foram
constituídos neste tempo, houve de minha parte uma preocupação em buscar reflexões
que pudessem me servir de apoio enquanto educadora. Reflexões que pudessem ser
usadas aos meus alunos como uma ponte para a assimilação de seus conhecimentos. As
reflexões foram se formatando numa realidade de que acima de qualquer sistematização
é imprescindível que enquanto professores de LI, criemos oportunidades possíveis de
explorar a prática da leitura e ainda de forma a torná-la atrativa. Considerando que isto
só é possível através da diversificação das atividades desenvolvidas em qualquer
momento do ensino-aprendizagem e do desafio de ressignificar as concepções de língua
e leitura.
Acredito que esta ponte construída neste período, foi o que me conduziu até aqui
a pensar em minhas práticas. Prossigo agora no alvo de me permitir descobrir novas e
outras estratégias que me levem a estar cada vez mais perto do conhecimento que a
sociedade está produzindo, para então compartilhar e construir outros conhecimentos
com meus alunos. Todo o trabalho com o projeto do PDE, desde a produção didática até
este artigo foi sem dúvida um momento de conhecimento, reflexão que se configurou na
perspectiva de que devo estar consciente da necessidade de prosseguir em busca
constante da minha própria formação. Para que eu possa, a partir disso, mediar uma
educação de qualidade e consequentemente favorecer meus alunos na construção crítica
de seu aprender.
Os resultados que penso ter alcançado revelaram que há ainda um extenso
caminho para desenvolver. Contudo, há uma pequena minoria que evidencia opiniões
críticas e claras a respeito de temas sociais que cercam a escola atualmente. Por isso,
este trabalho me fez pensar que vale a pena prosseguir no sentido de aperfeiçoar cada
vez mais esse olhar e contribuir para que as práticas escolares sejam transformadoras e
transformadas no que se refere à leitura. Tentei neste momento coordenar e propor
atividades de maneira que meus alunos pudessem perceber que suas realidades estão
perto de seu próprio alcance e que seria possível talvez compreendê-las ou até mesmo
modificá-las, uma vez que conseguimos adquirir uma consciência crítica do que esta ao
nosso redor. Para que isso acontecesse, foi necessário ouvir, trazer contradições aos
antigos conceitos, tentar compreender os sentidos que já eram atribuídos ao longo do
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processo que as aulas de LI os permitiram construir, e acima de tudo tentar buscar o
diálogo para a construção de um novo pensar.
A despeito das diferentes formas, entendimentos e reflexões na escola, não
podemos perder de vista o desenvolvimento da aprendizagem do nosso aluno como
prioridade. Esse momento de PDE colocou em evidência muitas questões sobre as quais
provavelmente tive oportunidade para (re)pensar, mas é na situação de ouvir o outro que
foi possível gerar diferentes reações no processo ensino-aprendizagem. No entanto, foi
necessário considerar que todos nós envolvidos com a educação temos diferentes
saberes, construídos pela experiência pessoal, e que devem ser valorizados: somos
sujeitos com uma individualidade própria, com convicções, valores, portadores de uma
cultura que é importante respeitar, preservar ou modificar, por isso penso que este
momento apresentou contextos nos quais a prática de leitura ganhou sentido e diversos
aspectos foram articulados de modo a orientar um momento de boa realização do
projeto.
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