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Introducción a la versión rusa del libro de K. Bühler “Ensayo sobre el desarrollo espiritual del niño” In: VYGOTSKY, Lev S. Obras Escogidas I: problemas teóricos y metodológicos de la psicología. 2.a. ed. Trad. José María Bravo. Madrid: Visor, 1997. Trata-se de um texto da autoria de Vigotski para a ocasião da tradução do livro de Karl Bühler “Ensaio sobre o desenvolvimento espiritual da criança”, publicado em 1930, como sua introdução. Karl Bühler, nascido em 1879 e falecido em 1963, foi um pedagogo, psicólogo, linguista e filósofo alemão, sobre o qual Vigotski escreve nesta introdução: “é um dos mais notáveis psicólogos alemães atuais, psicólogo investigador e pensador”. Membro da Escola de Wurtzburgo, liderada por Oswald Külpe, que advogava o método instrospectivo, com formação na psicologia da Gestalt, Karl Bühler criou, também, a sua própria teoria: o funcionalismo. Foi também professor do ilustre filósofo da ciência Karl Popper, sobre quem desempenhou grande influência. Além disso, a sua teoria da linguagem foi amplamente aceita e divulgada na Rússia pelo linguista Roman Jakobson (1896-1982), que, aos 18 anos, em 1914, impulsionou a criação do Círculo Linguístico de Moscou, berço do Formalismo Russo, e, mais tarde, em 1920, ao mudar-se para Praga, estabeleceu também o Círculo Linguístico de Praga. É preciso notar, também, que Bühler havia publicado um livro sobre a crise da psicologia, Die Krise der Psychologie, em 1927, mesmo ano em que foi publicado o texto de Vigotski sobre o mesmo tema: O significado histórico da crise da psicologia. A minha apresentação do texto de Vigotski ficará reduzida à sua primeira seção, por uma questão de tempo. Creio que esta seção é já suficiente para localizar os problemas principais sobre os quais se desdobraram as demais seções e, assim, servirá como guia de leitura para elas. Ao apresentar o livro de K. Bühler em questão, Vigotski diz: “saturado de conteúdo e lacônico de forma”, “exaustivo”, dotado de uma “amplitude sistemática com a qual abarca todos os aspectos do desenvolvimento psicológico da criança, a riqueza dos dados que inclui, as

Apresentação da Introdução de Vigotski ao livro de Bühler

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Page 1: Apresentação da Introdução de Vigotski ao livro de Bühler

Introducción a la versión rusa del libro de K. Bühler “Ensayo sobre el desarrollo espiritual del niño”

In: VYGOTSKY, Lev S. Obras Escogidas I: problemas teóricos y metodológicos de la psicología. 2.a. ed. Trad. José María Bravo. Madrid: Visor, 1997.

Trata-se de um texto da autoria de Vigotski para a ocasião da tradução do livro de Karl Bühler “Ensaio sobre o desenvolvimento espiritual da criança”, publicado em 1930, como sua introdução. Karl Bühler, nascido em 1879 e falecido em 1963, foi um pedagogo, psicólogo, linguista e filósofo alemão, sobre o qual Vigotski escreve nesta introdução: “é um dos mais notáveis psicólogos alemães atuais, psicólogo investigador e pensador”. Membro da Escola de Wurtzburgo, liderada por Oswald Külpe, que advogava o método instrospectivo, com formação na psicologia da Gestalt, Karl Bühler criou, também, a sua própria teoria: o funcionalismo. Foi também professor do ilustre filósofo da ciência Karl Popper, sobre quem desempenhou grande influência. Além disso, a sua teoria da linguagem foi amplamente aceita e divulgada na Rússia pelo linguista Roman Jakobson (1896-1982), que, aos 18 anos, em 1914, impulsionou a criação do Círculo Linguístico de Moscou, berço do Formalismo Russo, e, mais tarde, em 1920, ao mudar-se para Praga, estabeleceu também o Círculo Linguístico de Praga. É preciso notar, também, que Bühler havia publicado um livro sobre a crise da psicologia, Die Krise der Psychologie, em 1927, mesmo ano em que foi publicado o texto de Vigotski sobre o mesmo tema: O significado histórico da crise da psicologia.

A minha apresentação do texto de Vigotski ficará reduzida à sua primeira seção, por uma questão de tempo. Creio que esta seção é já suficiente para localizar os problemas principais sobre os quais se desdobraram as demais seções e, assim, servirá como guia de leitura para elas.

Ao apresentar o livro de K. Bühler em questão, Vigotski diz: “saturado de conteúdo e lacônico de forma”, “exaustivo”, dotado de uma “amplitude sistemática com a qual abarca todos os aspectos do desenvolvimento psicológico da criança, a riqueza dos dados que inclui, as teorias e hipóteses que aborda.” (p. 163). São estas teorias e hipóteses sobre o desenvolvimento psicológico da criança que Vigotski discutirá criticamente à luz dos princípios de sua própria estratégia metodológica, que estão fundados, essencialmente, na dialética, como transparecerá em diversos momentos deste texto.

Na primeira seção desta introdução ao livro de Bühler, Vigotski apresenta o autor e a sua obra, aponta os seus pontos positivos com elogios e critica os seus pontos negativos. Podemos citar um exemplo de como Vigotski avalia a perspectiva de Bühler:

[...] Bühler se mostra partidário de uma amplíssima síntese de todos os traços essenciais da investigação psicológica moderna, síntese que inclui estruturalmente a psicologia subjetiva e objetiva, a psicologia das vivências e do comportamento, a psicologia do inconsciente e a estrutural, a científico-natural e a psicologia como ciência do espírito. Nesta síntese, Bühler enxerga a confirmação de uma unidade da psicologia como ciência e o destino histórico da mesma. (p. 164).

Page 2: Apresentação da Introdução de Vigotski ao livro de Bühler

Aqui, Vigotski faz uma apreciação elogiosa da perspectiva do autor, que parece se acomodar a muitos dos propósitos do próprio Vigotski, conforme podem ser encontrados em seu texto de 1927, já citado, sendo o principal deles a busca de unidade para a psicologia. A partir da frase seguinte do mesmo parágrafo, Vigotski enuncia alguns aspectos críticos da perspectiva de Bühler:

Em boa parte, esta síntese se sustenta sobre um fundamento teleológico, que não se chegou a superar. A tendência a sintetizar as correntes mais díspares e, com frequência, irreconciliáveis do pensamento psicológico e a analisar toda uma série de problemas sob um prisma teleológico conduz, às vezes, o autor a matrimoniar ecleticamente as doutrinas e os pontos de vista teóricos mais heterogêneos, a constranger os fatos e embuti-los em esquemas comuns. É verdade que isto se deixa notar muito pouco no “Ensaio”. Em troca, salta muito mais à vista outro traço negativo do trabalho: a não diferenciação dos fatores biológicos e sociais na evolução psicológica da criança. (p. 164).

Também critica, na teoria de Bühler, “o conceito unilateral e errôneo do desenvolvimento psicológico da criança como um processo único e igualmente biológico por sua natureza” (p. 164), erro partilhado “com quase toda a psicologia infantil moderna” (p. 164). E acrescenta Vigotski: “A confusão e a falta de diferenciação entre o natural e o cultural, o natural e o histórico, o biológico e o social no desenvolvimento psicológico da criança conduz inevitavelmente a uma compreensão e intepretação dos fatos essencialmente errônea” (p. 164). O que leva Bühler, na interpretação de Vigotski, a uma série de incompreensões sobre alguns processos psicológicos especificamente humanos; quer dizer, leva Bühler a “reduzir a um denominador comum os fatos do desenvolvimento biológico e sociocultural e ignorar a especificidade básica da evolução da criança humana.” (p. 164). Deste modo, se Köhler busca descobrir atos inteligentes em chimpanzés, Bühler busca, em contrapartida, descobrir o “caráter antropoide” da criança pequena. Ainda, Bühler considera “todo o caminho da evolução do macaco até o homem adulto culto é uma ascensão por uma escala biológica única” (p. 164). E isto se deve ao fato de ele desconhecer a transição existente em todo desenvolvimento biológico entre a evolução biológica e a evolução histórica. O que leva, também, a uma desconsideração da “influência formadora do meio social” sobre o desenvolvimento da criança, em detrimento das “leis internas” do desenvolvimento. E, então, Vigotski coloca a sua tese como contraponto: “A história da evolução das formas superiores de comportamento da criança se diferença essencialmente da história geral do desenvolvimento dos processos biológicos elementares.” (p. 165).

Do ponto de vista metodológico, o ponto de vista de Bühler é caracterizado por Vigotski como “antidialético”, porque, para o primeiro autor, “[a] natureza não dá saltos, o desenvolvimento se produz sempre paulatinamente” (p. 165), isto é, na concepção de Bühler, o desenvolvimento é um processo cumulativo, no qual as rupturas e as contradições estão ausentes. E isto, uma vez mais, o impede de compreender “o salto real da biologia à história que se produz no desenvolvimento humano, neste processo que o próprio Bühler denomina devir do homem.” (p. 165).

Page 3: Apresentação da Introdução de Vigotski ao livro de Bühler

Vigotski traça duas consequências desta concepção linear e, de certo modo, reducionista do desenvolvimento humano: 1) aquilo que é próprio e específico de uma criança de uma época e de um meio social determinados é apresentado em termos de um dado “absoluto, universal, necessário, do desenvolvimento” (p. 165), de modo que, p.ex., a “idade dos contos” é tomada, na análise de Bühler, como “categoria natural”, como “uma determinada fase biológica do desenvolvimento” (p. 165); e 2) o enfoque evolutivo da psicologia infantil é deformado, porque a) os critérios biológicos e sociais de determinação das fases e épocas do desenvolvimento da criança estão mesclados e b) a “distribuição real de todo o processo do desenvolvimento nas diferentes idades” (p. 165) também o estão, de modo que o domínio da psicologia infantil, de acordo com a perspectiva de Bühler, se concentre restritamente à criança pequena, especialmente a seus primeiros anos de vida, nos quais “maduram as funções psicológicas básicas e fundamentais” (p. 166), porque, para ele, as etapas mais importantes do desenvolvimento infantil se localizam neste período – e, para Vigotski, a psicologia infantil da época, na qual se insere Bühler, não é capaz de ir além do “estudo embrionário das funções superiores [...], considerando-o como seu único objeto de estudo, ainda que admitindo os seus limites metodológicos” (p. 166). Assim, a psicologia infantil da época se reduz a uma “embriologia da alma humana” (p. 166):

Todas as idades são relegadas à primeira infância1, qualquer função se estuda unicamente neste nível evolutivo. A idade infantil se nos mostra reduzida à zona biologicamente limítrofe entre o modo de pensar do chimpanzé e do homem. (p. 166).

O objetivo desta introdução de Vigotski, como ele mesmo enuncia, é o de “oferecer ao estudioso um firme ponto de apoio que lhe sirva para assimilar criticamente o valioso material contido neste ‘Ensaio sobre o desenvolvimento espiritual da criança’ e para refletir de maneira consequente sobre as suas teses e fundamentos” (p. 166).

Para finalizar esta apresentação, é preciso dizer que os pontos colocados nesta primeira seção da introdução de Vigotski ao livro de Bühler serão desenvolvidos em seu decorrer e mais bem esmiuçados tomando como contraponto os princípios teóricos da psicologia de Vigotski. Se lermos o último parágrafo do texto, apenas por curiosidade, teremos uma ideia de seu percurso:

Começamos assinalando que o principal erro metodológico no conjunto da teoria de Bühler consiste em não distinguir os fatores sociais dos fatores biológicos no desenvolvimento psicológico da criança e concluímos a nossa análise crítica de sua obra no mesmo ponto. Evidentemente, este é o alfa e o ômega de seu “Ensaio”. (p. 176).

Com isto, espero que esta apresentação sirva menos como um guia do que como um mapa que indica por onde começar e o que esperar da jornada pelo texto.

1 No texto em espanhol, “a la infância temprana y la primera infancia”. Em português, não há uma distinção semântica como esta: a primeira é uma idade infantil mais originária do que a segunda.