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IX ENCONTRO DA ABCP Área temática: Instituições Políticas Trabalho: O ESPAÇO DAS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL: Institucionalização de partidos, carreiras políticas e perfis intelectuais. Autores: Profa. Dra. Eliana Tavares dos Reis (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA) Prof. Dr. Igor Gastal Grill (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA) Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

Área temática: Instituições Políticas · Resumo: O artigo analisa o espaço das fundações partidárias no Brasil, ... Desde as reflexões de Max Weber 2 até a chamada redescoberta

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IX ENCONTRO DA ABCP

Área temática:

Instituições Políticas

Trabalho: O ESPAÇO DAS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL:

Institucionalização de partidos, carreiras políticas e perfis intelectuais.

Autores: Profa. Dra. Eliana Tavares dos Reis (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA)

Prof. Dr. Igor Gastal Grill (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA)

Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

1

O ESPAÇO DAS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL: Institucionalização de partidos, carreiras políticas e perfis intelectuais.

Profa. Dra. Eliana Tavares dos Reis (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA)

Prof. Dr. Igor Gastal Grill (PPGCSoc/LEEPOC-UFMA)

Resumo: O artigo analisa o espaço das fundações partidárias no Brasil, alicerçado em dois eixos que informam a relevância dessa arena de formulação e transmissão ideológica: 1) apreender múltiplas intersecções possíveis entre lógicas e domínios políticos e intelectuais a partir da exploração de uma arena específica; 2) a configuração (estrutural e sociográfica) dos mesmos constitui-se em indicador robusto do grau de institucionalização dos próprios partidos políticos, haja vista a correlação entre a relativa autonomia ou dependência que possuem vis-à-vis às organizações partidárias. São, então, cotejados dados referentes à emergência e à cronologia de criação das fundações partidárias, à estrutura organizacional das mesmas (site; sedes; setores; divisão de tarefas/papeis; exigências de especialistas variados; produtos, como cartilhas, atas, publicações; cursos; etc.), bem como ao perfil dos presidentes e ex-presidentes, sempre correlativamente à caracterização dos partidos correspondentes e às conjunturas históricas e políticas. As informações foram sistematizadas mediante a construção de um banco de dados sobre as entidades e de um quadro prosopográfico de suas equipes. Palavras-chave: fundações, elites, intelectuais, partidos.

Apresentação

Apesar da significativa produção acerca das organizações políticas no Brasil, é

possível afirmar que o estudo dos institutos de pesquisa e das fundações partidárias ocupa

uma posição relativamente marginal nas reflexões desenvolvidas no âmbito da Ciência

Política no país. No paper ora proposto, pretende-se demonstrar que a análise tanto das

características institucionais como das propriedades sociais, políticas e culturais dos

agentes, conjugada à apreciação das condições históricas nas quais emergem e das

modificações que passam no decorrer do tempo, revelam o valor heurístico de se concentrar

na investigação desse espaço.Em primeiro lugar, grifa-se que a configuração (estrutural e

sociográfica) dos institutos e fundações constitui-se em indicador robusto do grau de

institucionalização dos próprios partidos políticos. Em segundo lugar, sublinha-se a

possibilidade de apreender diferentes estágios das múltiplas intersecções possíveis entre

lógicas e domínios políticos e intelectuais a partir da exploração de uma arena específica.

Logo, permitindo averiguar como os mesmos são, a um só golpe, produto e produtores de

investimentos mais ou menos direcionados dos seus componentes1.

Alguns apontamentos sobre a perspectiva analítica

Desde as reflexões de Max Weber2 até a chamada redescoberta das “instituições”

por diversas vertentes denominadas de “neo-institucionalistas”, o exame da vinculação entre

fatores macro-históricos (sociais, culturais, ideológicos, políticos) e comportamentos de

indivíduos, atores, agentes, etc., é ponto nevrálgico de debates. As dinâmicas e regras

institucionais têm fornecidovariáveis centrais para capturar a estruturação e o funcionamento

1 Este é o primeiro mapeamento de uma investigação que será desdobrada, mormente, em análises de casos representativos, o que permitirá uma apreensão mais qualitativa dos princípios e práticas, dos interesses e concorrências, das estratégias e constrangimentos que nutrem o espaço das fundações partidárias no Brasil. 2WEBER, M. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.

de instâncias de mediação situadas entre processos mais amplos que condicionam lógicas

de atuação (do ponto de vista diacrônico e/ou sincrônico) e práticas distintivasanalisadasa

partir de domínios específicos de inscrição dos agentes 3.

No plural, as “instituições” ou os processos de institucionalização constituem um

terreno fértil para a observação, a comprovação e a refutação deprincípios que presidem os

comportamentos humanos; no singular, a “instituição” se afirma como conceito intermediário

que permiteproblematizar oposições binárias (não raro estéreis) que atravessam as Ciências

Sociais, como as antinomias entre macro x micro; sociedade x indivíduo; holismo x

atomismo; dedutivismo x indutivismo;etc4.

Partindo das orientações de Weber, o grau de coesão e de durabilidade das

diferentes formas de organização da atividade política, ao longo do tempo, é tributária da

articulação indissociável de duas dimensões.Uma dimensão de identificação, vinculando

horizontalmente agentes que compartilham crenças e valores traduzidos na

imprescindibilidade da ordem da qual participam; e uma dimensão de autoridade, que os

associa verticalmente em um sistema de mandos e obediências a agentes, competências,

rituais, regras, estatutos, etc. instituídos como legítimos. Dimensões cujos conteúdos (mais

ou menos estáveis ou formais) são congruentes com as distintas fases das configurações

históricas, sociais e institucionais. O que se expressou na verificação do continuum

polarizado entre agrupamentos de notáveis e empresas de dominação.

Valem aqui duas ponderações. A primeira,queessadistinção analítica5 – que anda

pari passu com a descrição do processo de afirmação crescente dos profissionais da política

em detrimento do domínio dos “homens de prol” – não deve corresponder à atribuição de

uma mera substituição ou ruptura, mas à adoção de uma perspectiva que focaliza dinâmicas

de oposições/tensões, osmoses/interpenetrações6. A segunda é que é preciso relativizar o

peso dado à ausência de remuneração como critério principal de definição do “notável”, e

explorar cenários de ajuste de notabilidadesà formação de uma elite política

profissionalizada7. Quer dizer, é frutíferoquestionarcomo gerações de políticos profissionais

reúnem e mobilizam suportes de reputação pessoal oriundos de uma diversidade de

domínios e lógicas,erguendo carreiras profissionalizadas e habilidades para o exercício de 3 O que pode ser indicado com base nos dois eixos de comparação entre as versões histórica, de escolha racional e sociológica de “neoinstiticionalismos” utilizados por Peter Hall e Rosemary Taylor (2003), referentes às relações entre instituições e comportamentos; e o surgimento e a modificação das instituições. 4 DULONG, D. Sociologiedesinstitutions politiques. Paris: La Découverte, 2012; FREYMOND, N. La “redécouverte” desinstitutions par lessociologues;paradoxes et oppositionsdanslerenouvellement de l’analyseinstitutionelle. In: LAGROYE, J.; OFFERLÉ, M. (Org.). Sociologia de l’institution.Paris: Belin, 2011. 5 Por meio dessa oposição, foram estabelecidas tipologias que visam tanto distinguir os partidos próprios às etapas de constituição dos regimes representativos (transferência gradual do controle dos notáveis para as burocracias partidárias), como compará-los dentro de um mesmo contexto nacional no que se refere ao grau de institucionalização das agremiações ou objetivação dos aparelhos. Diversos autores elaboram modelos de caracterização dos partidos que refletem sobre o grau de controle e distribuição de recursos (materiais e simbólicos) por parte das lideranças e organizações partidárias nos resultados do jogo político e nas chances efetivas de ingresso/ascensão em carreiras políticas. Ver, entre outros, MANIN, B.As metamorfoses do governo representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. n.º 29,1995; OFFERLÉ, M. Les Partis Politiques. Paris: PUF, 1987; PANEBIANCO, A. Modelos de Partidos. São Paulo: Martins Fontes, 2005; DUVERGER, M. Os Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. 6 GRILL, I. G. Processos, condicionantes e bases sociais da especialização política no Rio Grande do Sul e no Maranhão. Revista Sociologia e Política, n.º 30, 2008; PHELIPPEAU, E. L’invention de l’homme politique moderne. Paris: Bélin, 2002. 7 Ver POLITIX, “Dossier: Trajectoires de la notabilité”.Revuedessciencessocialesdu politique. Vol. 17, N°67. Troisième trimestre, 2004.

3

funções especializadas justamente dasmultiposicionalidades, multidimensionalidades e

multinotabilidades8 usufruídas (o que pode parecer ambivalente).

Conjuga-se a isso, a tentativa aqui empreendida de superação da clivagem que

polarizou as pesquisas sobre organizações políticas,particularmente no interior da tradição

de investigações sobre partidos políticos. Nas diferentes ênfases assumidas, têm-se, por um

lado, asanálises de cunho mais societais/externalistas, que privilegiam aspectos

heterônomos como chaves-explicativas (influência das bases e pertencimentos sociais);e,

por outro lado, asabordagens mais organizacionais/internalistas, que priorizam variáveis

estritamente políticas (estrutura organizacional, sistemas partidários, regimes políticos)

como fatores elucidativos9. Expediente eficaz para romper com essa dualidade é o recurso

àanálise sócio-histórica de construção dessas organizações, que implica na exploração

regressiva e na reconstituição progressiva do sistema de posições, rivalidades e alianças,

das propriedades sociais, das gratificações almejadas e das fontes (públicas e privadas)

para satisfazê-las, da objetivação de capitais políticos (coletivos e individuais) acionáveis

pelos agentes nas disputas, da invenção de repertórios de luta, entre outros10.

Tendo em vista que para a reflexão em questão os institutos e fundações, de certo

modo, reverberam características detidas eestratégiasativadas na organização partidária

mais ampla, acredita-se no potencial heurístico do estudo dos perfis e das modalidades de

apresentação dessas entidades para o tratamento dos partidos a partir do vínculo entre

peso institucional e meio de expressão cultural. Evidencia-se, pois,aconsonância entre

processos de complexificação/diversificação dessas instituições e o trabalho intelectual de

politização de questões variadas. O que traz à tona, por um lado, disputas em torno de

jurisdições que podem resultar em “requalificações da política”11eserem, ao mesmo tempo,

resultantes e edificadoras da própria institucionalização do domínio político.E, por outro lado,

a imposição mais ampla de linguagens e critérios de excelência social, profissional e

cultural.

Propõe-se, então, uma discussão dos institutos e fundações partidárias a partir da

conexão entre três eixos fundamentais de análise: o histórico, o organizacional e o

sociográfico. Para tanto, o texto é esteado em dados referentes à emergência e à cronologia

de criação das fundações partidárias, à estrutura organizacional das mesmas (sites; sedes;

setores; divisão de tarefas/papeis; exigências de especialistas variados; repertórios e

modalidades de intervenção; produtos, como cartilhas, atas, documentos; publicações

variadas; cursos; etc.), bem como ao perfil dos presidentes e ex-presidentes, sempre

8 REIS, E.T. dos & GRILL, I.G. Trajetórias de multinotabilidades: carreiras políticas e inserções culturais de parlamentares brasileiros. Paperapresentado no XXVI Congresso brasileiro de Sociologia, 2013. 9SAWICKI, F. Les réseaux du Parti Socialiste : sociologie d’un milieu partisan. Paris : Belin, 1997. 10 LACROIX, B. “Ordre politique et ordre social: Objetivisme, objetivation et analyse politique”. In: GRAWITZ, M. e LECA, J. (Dir.). Traité de Science Politique. La Science Politique; L’Ordre Politique. v.1. Paris. PUF, 1985;OFFERLÈ, M., idem., 11 LAGROYE, J. “Les Processus de politisation”. In: LAGROYE, J. (Org.). La Politisation.Paris: Belin, 2002.

correlativamente à caracterização dos partidos correspondentes e às conjunturas históricas

e políticas.

Como nascem os institutos e fundações partidárias?

A pretensão aqui não é a de realizar um trabalho arqueológico da gênese dos

institutos e fundações nem de reconstituir todas as tramas que incidiram sobre seus

desdobramentos e funcionamentos, mas somente situá-las sincrônica e diacronicamente

relativamente às conjunturas e siglas partidárias a partir das quais se constituíram. Há que

assinalar a eventual imprecisão na descrição, sobretudo para as primeiras fases dos

institutos, resultante tanto da inexistência de repositórios públicos de informações sobre o

universo, como do caráter efêmero dessas instituições em certos formatos e composições.

Exigindo, portanto, esforços extras (nem sempre conclusivos) de reunião e sistematização

dos dados.

O que, de certa forma, se aplica às próprias denominações como“instituto” ou

“fundação”, que geralmente aparecem,na rara bibliografia sobre o tema, de forma

indiscriminada. Contudo, tais classificações podem estar relacionadas tanto a estratégias

específicas das suas respectivas organizações partidárias, nas diferentes fases de

existência, como (e não excludentemente) podem responder a condições ou exigências

históricas e políticas mais ou menos auspiciosas à constituição de espaços desse tipo.

Desde já, enfatiza-se que os “institutos” são mais próprios às experiências inaugurais e, por

assim dizer, têm um caráter de mobilização mais diletante e notável, vinculados às

modalidades disponíveis de atuação política e de intervenção intelectual e militante. Ao

passo que as “fundações” preponderam nos formatos contemporâneos, mais

profissionalizados e compatíveis com o processo mais amplo de imposição de princípios

gerais de divisão, burocratização e hierarquização do mundo social e político. A discussão

que segue visa, muito sinteticamente, pontuar alguns aspectos que conectam os

condicionantes mencionados em um contínuo de cenários.

(1° Cenário)A atenção voltada para o objeto em pauta foi ativada em dois

momentos. O mais recente foi durante a operacionalização de uma pesquisa sobre “os

políticos que escrevem”, na qual se observou a recorrência com que parlamentares

(especialmente Deputados e Senadores) – com carreiras políticas e intelectuais

relativamente simultâneas e consistentes (em termos de longevidade e ocupação de cargos

do topo da pirâmide política), que se empenharam (ou ainda se empenham) na produção e

publicação de textos– participaram, em diferentes períodos, de distintas formas e

intensidades, de institutos e fundações disponíveis nos partidos12.

12GRILL, I. G.; REIS, E. T. dos.“O que escrever quer dizer na política? Carreiras políticas e gêneros de produção escrita”. Revista Pós Ciências Sociais, vol. 09, n. 17, 2012.

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O momento anterior foi uma pesquisa sobre os espaços de atuação e os repertórios

de mobilização no MDB gaúcho dos anos 197013, na qual se verificou o peso de um instituto

no trabalho de intervenção política. Tratava-se do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos

e Sociais (IEPES), formado em 1972 no MDB, como resultado da iniciativa de professores,

militantes e lideranças partidárias no sentido de criarem um espaço de interlocução política

e intelectual. O ápice das atividades do IEPES foi o conjunto de grandes seminários

realizado na Assembleia Legislativa do RS com intelectuais de notoriedade nacional,

principalmente os vinculados ao CEBRAP, que naquele período demarcaram sua inserção

no partido oposicionista (como Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Francisco de

Oliveira, Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Bolívar Lamounier e Darcy Ribeiro).

Segundo entrevistas realizadas com agentes que estrearam sua atuação política

naquele momento e que posteriormente conquistaram posições de destaque no cenário

público regional e nacional, a ideia fora justamente criar uma espécie de “cebrapinho” dentro

do partido. O que era possível graças ao texto do Título XI, das Disposições Gerais da Lei

orgânica dos partidos políticos de julho de 1971, Artigo 118, que assegurava aos Partidos,

entre as funções permanentes, a “manutenção de instituto de instrução e educação política,

destinado a formar, aperfeiçoar e renovar quadros e líderes Partidários”. Seria algo nos

moldes do que já existiria no Partido Social Democrata alemão (SPD), com a Fundação

Friedrich Eber (FES)14 – sugestão de um dirigente trabalhista (MDB-PDT) que veio a ser,

em 1976, consultor do Instituto Latino-Americano do Desenvolvimento – ILDES, órgão da

FES no Brasil15 . Aliás, em 1952, o PTB, quando João Goulart assumiu a presidência

nacional do partido, já havia instituídoum “departamento de estudos do partido, destinado a

conferir maior substância doutrinária ao partido”, organizado por Alberto Pasqualini

que,posteriormente, foi homenageado no nome da entidade do PDT16.

Antes do IEPES, a Fundação Konrad Adenauer (KAS) 17 , vinculada a União

Democrata Cristã (CDU), já funcionava no país desde o final da década de 196018.

Não por acaso, em todos os poucos textos dedicados ao exame de institutos e

fundações partidárias brasileiras, há a ênfase na influência da experiência e no papel

desses órgãos alemães na projeção de um repertório de princípios “democráticos”, sendo o

contexto do pós-1945 percebido como “laboratório de um regime democrático moderno” que

13REIS, E. Juventude, Intelectualidade e Política:espaços de atuação e repertórios de mobilização no MDB dos anos 70. Dissertação de mestrado, UFRGS-IFCH-PPG Ciência Política, 2001. 14 Para o histórico da fundação, o perfil do personagem homenageado com o nome da entidade e a apresentação das suas formas atuais de atuação voltadas para a “formação e consolidação de estruturas da sociedade civil e do Estado com projetos em mais de 100 países, apoiando a democracia e a justiça social, sindicatos livres e fortes bem como a defesa dos direitos humanos e a igualdade étnico-racial e de gênero”, ver as seguintes Fontes: www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien/; www.historylearningsite.co.uk/friedrich_ebert.htm, em 27/04/2014; www.fes.org.br/. 15 Trata-se do cientista político Miguel Bodea. Para mais detalhes sobre a sua trajetória política e intelectual, bem como as vinculações regionais, nacionais e internacionais possuídas, ver REIS. E. T. dos. O IEPES do Rio Grande do Sul: "guarda-chuva" institucional e "universidade política" para os militantes de esquerda durante o regime militar. Revista de História, v. 16, 2004.GRILL, I. G. Bases sociais e intérpretes da tradição trabalhista no Rio Grande do Sul. Dados, v. 48, n.3, 2005; REIS. E. T. dos. O IEPES do Rio Grande do Sul: "guarda-chuva" institucional e "universidade política" para os militantes de esquerda durante o regime militar. Revista de História, v. 16, 2004. 16Ver http://www.ptb.org.br/ (acessado em 14/05/2014). 17 Sobre o histórico da KAS, seu perfil ideológico e os valores que propaga pelo mundo, consultar:http://www.kas.de/brasilien/pt/about/. 18Ver http://www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien/ (acessada em 16/04/2014).

justificaria a existência desses espaços nos partidos políticos com o intuito de: “oferecer

educação política”; “promover a pesquisa e organizar a documentação da história e

evolução da corrente ideológica que defende”; “servirem de ‘refúgios’ dignos e

momentâneos para quadros partidários que sofreram eventuais reveses eleitorais”, entre

outros19.

Teria sido na esteira dessas experiências que, em 1975, a ARENA criou a Instituto

Milton Campos para Pesquisas e Estudos Políticos, cujo estatuto original foi publicado no

Diário Oficial da União em 08 de abril de 1976. Mesmo ano em que os órgãos dos dois

partidos existentes foram fixados como “institutos de doutrinação e educação política

destinados a formar, renovar e aperfeiçoar quadros e lideranças partidárias” (Artigo 188 da

Lei número 6.339 de 1° de julho de 1976).

Para esse primeiro cenário, ressaltam-se os contextos de crise política que, por se

caracterizarem tanto por uma sucessão de conjunturas de restrição dos espaços e

repertórios possíveis de intervenção política como pela fluidez dos parâmetros/regras que

possam reger os cálculos eficientes, oportunizam a constituição de lugares de aglutinação

da heterogeneidade, de cooperações ou alianças que poderiam parecer insólitas em outras

circunstâncias20. Os institutos de estudos, nesse caso, refletiriam a composição de forças

entre agentes “homogeneizados” em torno de uma bipolarização.Frisando para o âmbito

nacional a interferência da recomposição do espaço político e intelectual internacional, de

super-politização em razão dos efeitos materiais e simbólicosda segunda guerra mundial e

da nova ordem estabelecida pelos vitoriosos, desde a guerra fria.

(2° Cenário)O final da década de 1970 e os anos 1980 foram marcados pelo debate

e a articulação dos partidos (em 1979 foi instituída a Lei n° 6.767 que extinguiu os partidos

existentes), bem como pela edificação de uma gramática relacionada à “democratização” do

país e aos seus porta-vozes legítimos. Ou seja, era o momento favorávelà afirmação de

lideranças políticas, tanto as já notórias que investiram na reconversão de trunfos trazidos

da inserção em outros contextos e eventos históricos, como as emergentes que

inauguraram sua atuação institucional no bipartidarismo sob o regime militar, e disputaram a

consagração de novos repertórios de questões e a direção dos partidos em organização.

Num primeiro momento, como se sabe, a batalha eleitoral (particularmente as

eleições de 1982) teria revelado a persistência da polarização dos sucedâneos da Arena e

do MDB, respectivamente PDS e PMDB, que concentraram o maior percentual de votos

para os governos estaduais e para as vagas no Senado e na Câmara. No entanto, cisões no

PDS resultaram na formação da chamada Frente Liberal que se aliançou a líderes

19 CARDIM, Carlos Henrique. Cultura Política e Fundações Partidárias no Brasil. Ministério das Relações Exteriores. IPRI. Brasília. Sobre as condições de emergência das fundações alemãs. 20 DOBRY, M. Sociologiedes crises politiques. Paris: Presses de laFondationNationaledesSciences Politiques, 1992.

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peemedebistas que vislumbravam a viabilização de votos no Colégio Eleitoral para a eleição

do novo presidente da República em 1985.A promulgação no Congresso da Emenda

Constitucional n° 25 (que “restabeleceu as eleições presidenciais diretas”; suprimiu da

Constituição “o dispositivo referente à fidelidade partidária”; permitiu a “livre criação de

novos partidos políticos” e a reorganização daqueles que tiveram seus registros indeferidos,

entre outros dispositivos) e, depois, a Constituição de 1988, determinariam o

estabelecimento de uma maior autonomia dos partidos políticos e da institucionalidade

democrática. Sobrelevam-se também as restrições com relação aos apoios financeiros

estrangeiros, que foram revistas posteriormente e se traduziram no fortalecimento das

fundações partidárias.

Para esse período, destaca-se a criação da Fundação Pedroso Horta (IPH) no

âmbito do PMDB; do Instituto Alberto Pasqualini (IAP) do PDT; do Instituto Wilson Pinheiro

(IWP) do PT; e do Instituto Astrojildo Pereira (IAP) do PCB. O PDS deu continuidade à

Fundação Milton Campos (FMC) que posteriormente foi ativada pelo PP, constituído na

década de 1990. Para o PRONA, foi localizado o Instituto de Ciência Política Marechal

Rondon (ICPMal.R).

Nesse segundo cenário (pós-regime militar), os agentes definiam e se distribuíam em

diferentes partidos que estavam sendo relacionalmente contornados,delineando suas

fronteiras políticas, ideológicas e sociais. Do mesmo modo, eles passaram a competir com

uma multiplicidade de espaços, porta-vozes, causas e repertórios de mobilização ebulientes

da “sociedade civil” e do afã de inventar/consolidar, como arranjo e como crença, “a

democracia brasileira”. A ordem nesse momento é institucionalizar o dissenso construindo

lugares e meios de consensospara a concorrência política,a partir da pluralidade de

posições dispostas no jogo. E, nos marcos do credo democrático, a disponibilidade para

“debater” (que comporta a habilidade para “convencer”) objetiva-se como “categoria de

conflito” e como trunfo por excelência, cujo principal objetivo é a imposição de princípios de

classificação do mundo social21.

Então, numa ordem histórica em que confrontar pontos-de-vista é uma “forma de

competência que pertence ao universo das lutas simbólicas”, o “debate de ideias”conquista

centralidade como forma de “cultura democrática”, tornando-se cada vez mais complexo,

diversificando tanto os níveis e conteúdos articulados como os interlocutores envolvidos.

Nos desdobramentos das lógicas e práticas democráticas legítimas, além do debate entre

os profissionais da política (fixação da “Parlamento” como lugar privilegiado de deliberação),

21As fundações, como destaca Prado (2009)21, nesse contexto, refletiriam a “necessidade do envolvimento com a sociedade civil em geral, da participação em debates de temas contemporâneos, de estudos acadêmicos e principalmente, em quebrar os obstáculos que os partidos políticos possuem no que concerne à aceitação pelos diferentes segmentos da sociedade. Cabe às fundações discutir a democracia, a história dos partidos políticos, os ideais de liberdade do homem, soberania nacional, economia, direitos humanos, e, sobretudo, a preparação de novas lideranças políticas que serão no futuro próximo, porta-vozes de suas idéias” . PRADO, S. de Almeida. O Papel das fundações partidárias na consolidação da democracia brasileira (www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1096, acessado em 18/11/2010).

há cada vez mais a diversificação e multiplicação de categorias de profissionais aptos a

competir por posicionamentos legítimos. Agentes autorizados (pelo peso político e/ou

reconhecimento intelectual) a atuar nesse meio, que se investem da missão de fazer o

“proselitismo da política”, isto é, de edificar e reproduzir a “moral cívica vigente” e, por

consequência, o “dever moral da participação”, as competências mínimas para participar, a

inculcação de repertórios e gramáticas legítimas de intervenção no jogo democrático, a

naturalização de categorias e sistemas de classificação gestados concorrencialmente pela

oferta política, enfim, a accoutumance ao ideal democrático22.

É possível indicar que, aqui, os institutos ou fundações partidárias poderiam explicitar

a distinção entre as siglas, contribuindo na fundamentação/certificação das identidades

partidárias. Ou mesmosimplesmente atender a uma modalidade de atuação pró-forma,

consoante com a gramática democrática e em uma situação de fragilidade das

organizações– não necessariamente por serem efêmeras ou ideologicamente precárias,

mas por se encontrarem mesmo em processo de construção.

(3º Cenário) Entre os acontecimentos internacionais da década de 1990 estão o fim

do Apartheidna África do Sul, a dissolução da União Soviética – selando o êxito do

imperialismo norte-americano na guerra-fria – bem como a Reunificação da Alemanha, com

a vitória dos CDU nas primeiras eleições. No plano nacional, o primeiro presidente eleito

democraticamente também teve o mandato impugnado(1990-1992). O economista

Fernando Collor de Melo, então do PRN (Arena-PDS-PMDB-PRN-PRTB-PTB), venceu

candidatos como os engenheiros Mário Covas, do PSDB (PST-MDB-PMDB-PSDB); Paulo

Maluf, então do PDS (Arena-PDS-PP); e Leonel Brizola, do PDT (PTB-PDT); os advogados

Ulisses Guimarães, do PMDB (PSD-MDB-PMDB), e Roberto Freire, do PCB (MDB-PCB-

PPS); e o metalúrgico/sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, sendo que este último foi

derrotado no segundo turno. Na sequencia, o também engenheiro civil, vice de Collor e

então do PMDB, Itamar Franco (PTB-MDB-PMDB-PL-PRN-PMDB-PPS), assumiu a

presidência e contou com o seu ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso (MDB-

PMDB-PSDB), na condução da política econômica a partir do Plano Real. Atuação esta que,

acumulada a outros trunfos, foi reconvertida na conquista da Presidência da República por

duas ocasiões sucessivas (1993-2003) pelo sociólogo.

Data do início da década de 1990 a instalação no Brasil da Fundação Friedrich

Naumann (FNS). No entanto, é salientado, na apresentação da fundação alemã, que ela

vem influenciando “parceiros brasileiro em relevantes projetos políticos e econômicos”

desde 196523.

22Ver Lacroix(1985) eOfferlé(1987), op. cit. 23 Há registro de que seria desde 1984. Para dados detalhados acerca dos históricos, perfisideológicos e justificativas para o nome homenageado, acessar: www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien/pt/07; http://www.brasil.diplo.de/Vertretung/brasilien.

9

Em 1995 foiinstituída anova Lei Orgânica dos partidos políticos que incorporou o

requisito de que no mínimo “vinte por cento do total recebido” como Fundo Partidário deveria

ser aplicado nas entidades “de pesquisa e doutrinação e educação política”, e estipulou que

elas seriam autônomas “para contratar com instituições públicas ou privadas, prestar

serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda,

manter intercâmbio com instituições não-nacionais” (Lei número 9096, Artigos 44 e 53).

Das informações localizadas, acentua-se que oito partidos apresentaram fundações

com data de criação nos anos 1990: a Fundação Ulysses Guimarães (FUG) do PMDB; a

Fundação Perseu Abramo (FPA) do PT; o Instituto Tancredo Neves (ITN) do PFL; a

Fundação João Mangabeira (FJM) do PSB; o Instituto Maurício Grabois (IMG) do PCdoB; a

Fundação Teotônio Vilela (FTV) do PSDB; o Instituto Jânio Quadros (IJQ) do PTR (depois

PRTB); e o Instituto de Pesquisa Humanista e Solidarista (IPHS) do PHS. Como é possível

apreciar, seis das entidades são vinculadas a partidos formalizados nos anos 1980 e,

dessas, duas são reformulações de entidades criadas naquela década (o PMDB mudou o

IPH para FUG e o PT, depois de encerrar as atividades do IWP, criou a FPA). Portanto, dois

partidos e suas respectivas entidades teriam sido constituídos nos anos 1990.

Foram igualmente detectados institutos ou fundações para outros oito partidos

deferidos na década em pauta (1990), porém não foram encontradas as datas de formação

dos respectivos institutos/fundações. São eles: o Instituto Juscelino Kubitschek (IJK) do

PMN; o Instituto Pedro Aleixo (IPA) do PSC; o Instituto de Estudos Políticos de São Paulo

(IESP) do PRN (depois PTC); a Fundação Barão e Visconde de Mauá (FBVM) do PTdoB; o

Instituto José Luís e Rosa Sundermann (IJLeRS) do PSTU; o Instituto Democrata Cristão de

Formação Política (IDCFP) do PSDC; e o Instituto Milton de Lyra Bivar (IMLB) do PSL.

Já em 2000, vale registrar a implementação no Brasil da Fundação Heinrich Böll

(FBBöll)24 , ligada ao Partido Verde alemão, e, em 2002, foi a vez da Fundação Rosa

Luxemburgo (FRLuxemburgo), criada em 1990 e associada ao Partido de Esquerda alemão

(Die Linke/DL)25.

São desse período (2000) a criação da Fundação Astrojildo Pereira no âmbito do

PPS, outrora Instituto vinculado ao PCB; o Instituto Herbert Daniel (IHD) ligado ao PV; por

conta da morte de uma das principais lideranças do PDT (em 2004), foi feito o acréscimo do

seu nome à entidade do partido, agora Fundação Leonel Brizola- Alberto Pasqualini (FLB-

AP); com a dissolução do PFL e a criação do DEM, o ITN deu lugar à Fundação Liberdade e

Cidadania (FLC). Institutos associados a outros partidos formalizados nos anos 1990 foram

transformados em Fundações, como o Juscelino Kubitschek (FJK), do PMN; o Maurício

24 Sobre o histórico da fundação, a localização do espectro de posições ideológicas, o perfil do homenageado e as causas às quais se vincula, ver http://br.boell.org/web/133.html. 25 Para detalhes, acessar http://www.rls.org.br/.

Grabois (FMG) do PCdoB; e o José Luís e Rosa Sundermann (FJL e RS), do PSTU. Dos

partidos deferidos nos 1990, somente para o PCO não foi detectado nenhum órgão desse

tipo. Avançando no tempo, do PR foi localizado o Instituto Republicano (IR); do PSOL a

Fundação Lauro Campos (FLC); do PRB a Fundação Republicana Brasileira (FTB);e do

PSD o Espaço Democrático (ED).

Em dezembro de 2005 foi editada a Resolução n° 22.121,na qual ficou determinado

que“osentes criados pelos partidos políticos para a pesquisa, doutrinação e educação

política devem ter a forma de fundações de direito privado” (Art. 1°). A resolução do Tribunal

Superior Eleitoral foi fundamentada na necessidade de adequar essas entidades às normas

fixadas no Código Civil de 2002, “considerando”, entre outros fatores: a “necessidade” de

adequá-las “à forma jurídica que mais se amolda aos objetivos da Lei n° 9.096/95”; à

inexistência de “institutos partidários como entes personalizados” na “nova ordem civil”; à

aproximação das “finalidades dos institutos partidários como de cunho moral” aos “objetivos

morais próprios das fundações”; à “atribuição legal [que é] do Ministério Público” de “velar

pelas fundações”, à exigência de aplicação de “no mínimo vinte por cento dos recursos do

Fundo Partidário”; à possibilidade de “velamento civil sobre as fundações” do MP por “força

de lei”; e à “necessidade de se estabelecer rotina procedimental para igualar o tratamento

da aplicação, fiscalização e prestação de contas de recursos do Fundo Partidário”.

Aforma de fundações partidárias de direito privado fixadas para os “entes criados

pelos partidos” (Art. 1°) ajustava-os aos“termos e prazos da lei civil” (arts. 2.031 e 2.032 do

Código Civil de 2002)” (§1°). Entre outras coisas, ficou determinado quedevem “as

atribuições destas e as das representações serem fixadas em estatuto” (Art. 3°), sendo

que“cada partido político poderá criar uma única fundação” (§1°), assim como para os

partidos, a atuação da fundações “dar-se-á por meio da criação de representações

nacionais, estaduais e municipais” (§3°) e “as representações não terão autonomia nem

personalidade próprias. Seus órgãos de deliberação e (ou) de fiscalização ficam vinculados

aos da pessoa jurídica que representam” (§4°).

Como foi dito, o “velamento” das fundações de direito privado, em termos das suas

finalidades e patrimônios seria, então, função do Ministério Público, cuja “chancela” foi

interpretada como conferindo “segurança e credibilidade a essas pessoas; [tornando-as]

mais atrativas e competitivas, por ostentar verdadeiro diferencial quando em comparação às

sociedades empresariais e associações” 26 .É claroque tais normatizações sãoalvo de

debates e ajustes. Por exemplo, registra-se a reivindicação de alguns partidos políticos do

reconhecimento acerca do “caráter especial das fundações, [sendo necessário fazer] uma

26 Ver http://www.jurisway.org.br/, texto de 24/10/2012 (acessado em 20/05/2014).

11

diferenciação legal das demais instituições presentes no Código civil e que as fundações

possam ser vinculadas aos objetivos do partido instituidor”.

Em 2007, o dep. Eliseu Padilha (PMDB-RS) (presidente da Fundação Ulysses

Guimarães)encaminhou o Projeto de Lei 2102/07 visando instituir a possibilidade das

fundações aplicarem os recursos que recebem do Fundo Partidário “na pesquisa e na

educação política de interesse do partido mantenedor”, legitimando as ações associadas

das “instituições e seu partido fundador”, haja vista “a importância dos partidos políticos para

a vida democrática, a autenticidade do sistema representativo e a defesa dos direitos

fundamentais definidos na Constituição”27. A proposta alterando a Lei Orgânica dos Partidos

Políticos (9.096/95)foi aprovada em 12/12/2007.

Em 2010, o PSDB remeteu um pedido de revisão daResolução n° 22.121,

questionando “a obrigatoriedade de criação de fundação de direito privado” pelos partidos

uma vez que isso “afronta a autonomia constitucional do partido para ‘definir sua estrutura

interna, organizacional e funcionamento’” (Pet. n° 1.499 (1305-74.2004.6.00.0000)/DF, grifos

no original). O TSE votou unanimemente pelo indeferimento do pedido. Com o mesmo

argumento, em 2011, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4591) foi ajuizada no

Supremo Tribunal Federal pelo PSDB e DEM. Da mesma maneira, a “Procuradoria Geral da

República se manifestou pela inexistência de ofensa à autonomia constitucional das

agremiações partidárias pela Resolução 22.121/2005”28.

Também foi em 2010 que os tucanos teriam cogitado “entregar seu instituto como

prêmio de consolação ao ex-presidenciável José Serra, caso ele não presida a sigla”29.O

que não teria se efetivado devido à resistência de “alas associadas a Aécio Neves” que

desejavam impedir o fortalecimento da liderança que deteria “uma organização que oferta

liberdade de trânsito pelo país e teria um orçamento superior a sete milhões de reais em

2011”30.

A referência ao “prêmio de consolação” foi feita em matéria do jornal Folha de São

de Paulo que trouxe questionamentos não somente ao aumento de 50% das transferências

derecursos às fundações partidárias, como à efetiva aplicação do montante recebido e ao

lugarocupado por essas entidades que seriam presididas por “políticos derrotados”. No

período, o ministro do TSE, Henrique Neves da Silva,“defendeu o aprimoramento do

sistema”, pois:"O problema é que essas instituições se encontram no meio termo. Ao

mesmo tempo em que elas têm vida própria, os partidos podem se imiscuir em sua

administração, nomear dirigentes, o que destoa da normalidade”31. Naquele ano, R$ 53

27 Ver http://www2.camara.leg.br/, matéria de 11/12/2007 (acessado em 23/05/2014). 28 Ver http://noticias.pgr.mpf.mp.br/, matéria de 19/4/2012 (acessado em 20/11/2013). 29

Ver http://www1.folha.uol.com.br/, matéria de 13/01/2011 (acessado em 05/11/2013). 30 FERNANDES, I.F.A.L e DANTAS, H. Fundações partidárias no Brasil e no mundo: funções legais, ações formativas e análise em perspectiva comparada . Paperapresentado no 8° Encontro ABCP. AT06: InstituiçõesPolíticas, 2012 (p. 02). 31 Em http://www.estadao.com.br/, matéria de 22/11/2011 (acessada em 05/11/2013).

milhões, de um total de R$ 265,3 milhões de recursos públicos destinados aos partidos,

foram para as fundações (20% determinados por legislação).

Todas essas discussões servem como indicadores do peso que essas entidades

paulatinamente conquistam no jogo político mais amplo.Polêmicas e disputas em torno de

interesses e representações (no duplo sentido do termo) sobre o que são ou devem ser

comprovam lógicas muitas vezes ambivalentes que subjazem não apenas os processos

mais específicos de objetivação dasfronteirasorganizacionais, como aquelas que

condicionam as configurações sociais e políticas mais gerais.

Nesse terceiro cenário entra em cena fatores que explicitam a coadunação das

fundações partidárias com uma dinâmica de setorialização, possível em fases mais

avançadas de assentamento das empresas partidárias. Da mesmaforma, colocam-se mais

pesadamente em sintonia com as estratégias de gestão de programas internacionais que

influenciam na reconfiguração de perfis (militantes, políticos e intelectuais fundados) e

competências (saberes de perícia, conhecimentos técnicos, contatos qualificados, etc.)

próprios às necessidades de avaliação, de produção de laudos e de prescrição de condutas

ajustadas ao mundo “dolarizado”32.

Os sites e a objetivação das fundações partidárias

Para enfocar variáveis mais organizacionais que informam o estado da composição

de fundações partidária no Brasil, foram mapeadas as páginas administradas na

internet(sites, blogs, redes sociais, etc.) por instituições vinculadas aos 32 partidos

atualmente inscritos no Tribunal Superior Eleitoral33.Tal opção se justifica, por um lado, em

virtude de serem fontes que reúnem informações facilmente acessíveis e panorâmicas de

diferentes modelos de fundações e, por outro lado, em razão da existência, atualização e

organização dessas páginas se constituírem, por si mesmas, em indicadores do grau de

profissionalização das mesmas.

Para a operacionalização, foi construídoum pequeno banco de dados a partir do

material agrupadopara 22fundações presentesna rede mundial de computadores,

sistematizando informações como: nome da fundação; abas que apresentam na sua página

inicial; e linksdisponibilizados (para outros sites, redes sociais, publicações, editora e

diretoria da fundação). Foram localizadasapenas 16 fundações que possuem seu próprio

site, enquantopara outras 05 o acesso apenas pode ser feito por linksresidentes nossites

dos partidos, epara 01 foi encontradaapenas um “perfil” numa rede social.

32 Ver: DÉZALAY, Y. e GARTH, B “A dolarização do conhecimento técnico-profissional do Estado: processos transnacionais e questões de legitimação na transformação do Estado (1960-2000)”. RevistaBrasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 43, 1998; GUILHOT, N.“Les professionnels de la démocratie. Logiques militantes et logiques savantes dans le nouvel internationalisme américain”. Actes de laRechercheenSciencesSociales, Paris, n.139, 2001. 33 Emhttp://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos (acessado em 3/03/2014).

13

Dos 32 partidos atualmenteexistentes, obteve-se o nome de institutos ou fundações

para 25 deles. O primeiro dado a ser apontado é a “homenagem” que 18 das fundações

fazem a “ícones” da política brasileira. Fundamentalmente,tratam-se de personagens da

vida política pós-redemocratização de 1945 e que tiveramsignificativa produção intelectual,

como Pedroso Horta, Ulysses Guimarães (PMDB), Alberto Pasqualini, Leonel Brizola (PDT),

Milton Campos (PP), Tancredo Neves (DEM)34, Teotônio Vilela (PSDB) e João Mangabeira

(PSB). Realça-se que a estratégia de associação a personagens heroicizados da política

republicana é mobilizadapelos maiores partidos, com algumas exceções. A autoridade para

o uso do patrimônio coletivo investido nesses nomes consagrados e consagradores

pareceestar relacionado, em alguns casos, à convergência entre o peso das agremiações, a

posição conquistada por seus quadros nas últimas décadas e as biografias dos principais

dirigentes que participaram dos partidos desde a fundação.

Os partidos menores e consideradosde direita, por seu turno,

condecorampersonagens mais controversos e de expressões mais localizadas, como Jânio

Quadros (PRTB), Pedro Aleixo (PSC) e Barão de Mauá (PTdoB). Ou mesmo não enaltecem

personagens(aliás, esse é o segmento no qual se encontra a maior parte das fundações que

não homenageiam figuras ilustres).

Para as entidades vinculadas a partidos menores eque se situam mais à esquerda

no espectro de forças partidárias,os nomes próprios são exaltados como protagonistas de

causas revolucionárias, personagens que teriam participado de “feitos”, “movimentos”e

“eventos” concebidos como exemplares para a certificação das “causas” defendidas e dos

atributos pessoais valorizados. São exemplos disso: o seringueiro Wilson Pinheiro (Instituto

do PT na década de 1980); o dirigente comunista e comandante da guerrilha do Araguaia

Maurício Grabois (PCdoB), o casal de militantes José Luís e Rosa Sundermann (PSTU); o

dirigente comunista Dinarco Reis (PCB); e o militante da luta armada durante a ditadura

militar, depois porta-voz da causa ecológica Herbet Daniel (PV).

Ressalta-se ainda a celebração de agentes cujo destaque adquirido e as qualidades

louvadas são relacionados a recursos culturais, à posse de títulos escolares e à condição de

intelectual, tais como o jornalista Astrojildo Pereira (PPS), o jornalista e sociólogo Perseu

Abramo (PT) e o jurista Lauro Campos (PSOL), cujos bens simbólicos produzidos foram e

são politizados nas lutas pela definição de problemáticas legítimas.

O investimento simbólico vem acompanhado de um paulatino fortalecimento das

empresas. Alguns indicadores mais objetivistas auxiliam o trabalho de identificação do grau

de estruturação dessas fundações.

34 Depois a fundação do DEM foi denominadaLiberdade e Cidadania.

Por meio do endereço da sede divulgado em 21 das fundações, foi possível verificar

quepara 12eles são diferentes daquele da direção nacional do partido, o que denota

minimamente uma segmentação das atividades. 18 fundações informam suas diretorias,

sendo que 12 delas elencam a composição de pelo menos dois Conselhos, o Conselho

Fiscal, o Conselho Curador e/ou o Conselho Deliberativo, adicionando os cargos de direção

como presidência, vice-presidência, secretaria, tesouraria, etc. E apenas 04 possuem

entidades organizadas em vários estados. Não por acaso, estão entre aquelas formadas há

mais tempo como a FUG (PMDB), FMC (PP), FLB-AP (PDT) e a FMG (PCdoB).

Ainda que não tenham sido detectadas no material examinado informações sobre

parcerias e convênios firmados com organismos internacionais,focaliza-se a existência dos

mesmos (o que será investigado no próximo momento da pesquisa) ao menos para

algumase relativas a ligações com fundações alemãs de longa inserção nesse espaço.

A Fundação Friedrich Eber (FES)e a Fundação Konrad Adenauer (KAS), além de

serem as duas que atuam há mais tempo no Brasil, são as que divulgam o maior número de

parcerias com instituições brasileiras (por volta de 40 e de 22, respectivamente).

Considerando as causas e os públicos a que se dedicam, nota-se na primeira35o vínculo

com a Fundação Perseu Abramo (PT) e na segunda36com as Fundações Liberdade e

Cidadania (DEM) e Teotônio Vilela (PSDB). Sendo que a Perseu Abramo também consta

entre os parceiros da Fundação Rosa Luxemburgo e outros setores do DEM associados à

Fundação Friedrich Naumann37.

Como não poderia deixar de ser, uma preocupação recorrente é demonstrar que a

fundação exerce seu papel de “formação política”. A referência a cursos e seminários é uma

constância que abrange todas as modalidades de páginas, no entanto somente 2/3 das

páginas das fundações disponibilizam atividades efetivas com data de realização (ano,

período,etc.), local (mesmo que seja a organização de curso à distância) ou material

(cartilhas, leituras, vídeos, etc.). Soma-se a isso o próprio site como um veículo de

organização, seleção, divulgação e transmissão de textos em forma de livros, revistas e

jornais que confluem com a posição político-ideológica do partido e da fundação. Mais de

80% dos espaços virtuais mantidos servem como depositório de acervos e bibliotecas que

incluem livros, revistas, jornais, vídeos e documentos diversos.

A existência de setor específico de formação no âmbito das fundações é um

indicador do nível de complexificação que algumas já assumiram. Mais

35 Entre os outros parceiros da FES estão o próprio Partido dos Trabalhadores (PT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (ABONG); Instituto Brasileiro de Análise Sócio-Econômica (IBASE), o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EDESP/FGV), Revista Viração, entre outros. 36 Entre os parceiros da KAS, encontram-se o Fórum das Secretarias de Meio Ambiente das Capitais Brasileiras, a Escola de Formação de Governantes (EFG), e as Universidades de: São Paulo (USP), de Brasília (UND), de Minas Gerais (UFMG), bem como as Católicas do Rio de Janeiro (PUC/RJ) e de Pernambuco (PUC/PE). 37 Parceira do Instituo Millenium (RJ), do Instituto de Estudos Avançados (SC), Instituto de Estudos Empresariais (RS), Juventude Democrata e Democratas (RS).

15

precisamente,07entre elas formaram escolas ou universidades no seu interior, apresentando

cursos de formação permanente, com conteúdos relativamente fixos, módulos ou unidades,

materiais didáticos organizados e procedimentos explícitos de transmissão.

Os empreendimentos editoriais efetuados, sustentados e divulgados revelam com

maior clareza a hierarquização do espaço das fundações. Acentua-se a recorrência de

investimentos em publicação de livros por parte de editoria própria ou em parcerias para 11

dos casos, sendo que 07 das fundações possuem sua própria editora. Mais importante

ainda é que apenas 08sites trazem acesso a uma revista financiada pela fundação.

Outro meio que exige estrutura burocrática, técnica e financeira para seu

funcionamento são as TVs. Contendo vídeos de entrevistas, reportagens, eventos

partidários e documentários, foi identificado oacesso específico para esse meio de

expressão e divulgação em 06 entidades.

Em que pese a concentração desses meios de intervenção nas grandes

agremiações,sobressai-se a presença de alguns desses repertórios de luta nas fundações

de partidos menores (especialmente as reconhecidas comode esquerda). Ou seja, são

marcas igualmente associáveis a fundações pertencentes a agremiações com perfis tidos

como mais “ideologizados” e “intelectualizados”. Por conseguinte, compreende-se o motivo

pelo qual as fundações mais afinadas às exigências legais, morais, pragmáticas e, portanto,

respondendo a ajustes normativos e institucionais, distribuem-se em siglas distintas e

antagônicas. Afora a capilarização(em termos de estruturação em vários estados)

conquistada pelas FUG (PMDB), FLB-AP (PDT) e FMC (PP), pode-se pontuar a editora da

FJLeRS (PSTU) e as revistas da FLC (PSOL); assim como a estrutura montada na FMG

(PCdoB). Tomando especificamente a FPA (PT) – que contempla o maior número de

critérios de institucionalização arrolados acima – há uma combinação equilibrada dos

seguintes elementos que convergem para a força organizativa da sua instância de

formação: desempenho eleitoral do partido, tempo de existência da sigla e importância

daformação ideológica, profissional e culturalentre os militantes da agremiação.

Sociografia dos Presidentes de Institutos e Fundações Partidárias

O delineamento dos agentes recrutados para a direção pode se constituir num

vigoroso indicadordas estratégias de sustentação/apresentação das distintas fundações.Isto

é, os recursos e os trunfosagilizados por seus porta-vozes informam critérios privilegiados

na constituição das identidades políticas organizacionais. A alternativa no momento é

centrar a análise nos perfis profissionais, culturais e políticos dos presidentes e ex-

presidentes, bem como nas diferenciações concernentesaos condicionantes em voga nos

períodos em que estiveram à frente dessas instâncias partidárias.Fatores esses cotejados

relativamente à identificação ideológica dos partidos aos quais pertencem. Assim, em um

primeiro momento, foi realizada uma pesquisa para identificar o rol de presidentes de todos

os institutos e fundações localizados. Chegou-se a 47 nomes e, desses, conseguiu-se reunir

informações sobre 41, que constituem uma coleção de casos ilustrativa do know-how

detido/valorizado.

Estimando como indicador de origem social a profissão do pai, sublinha-se para

20/41 dos casos uma relativa diversidade social, com a presença de políticos advindos de

extrações sociais mais altas (rurais ou urbanas), de segmentos médios da hierarquia social

(profissionais liberais e funcionários públicos) e de origens maismodestas. Mais

precisamente, tem-se 04 filhos de grandes fazendeiros, 05 filhos de empresários, 07 filhos

de profissionais liberais, 07de funcionários públicos e 04 de pequenos agricultores e

operários (alguns apresentando mais de uma profissão).

No que tange especificamente à principal ocupação exercida pelos agentes, é

necessário destacar que a população é formada majoritariamente por “políticos

profissionais”. Isto é, 32/41 deles exerceram, ao longo de suas vidas adultas, cargos eletivos

e/ou de nomeação e/ou cargos partidários de direção durante duas décadas ou mais.

Característica que exclui apenas dois professores universitários e personalidades

intelectuais, sem carreiras políticas, que foram presidentes de entidades do PMDB e do PT

na sua fase inaugural; e 07agentes que dirigem fundações de pequenos partidos (de

esquerda e de direita) que nunca concorreram ou tentaram semsucesso chegar a postos

eletivos.

É possível distribuí-los entre as diferentes profissões de acordo com as informações

disponíveis em fontes de dados biográficos como o Dicionário Histórico Biográfico da

Fundação Getúlio Vargas, os repertórios biográficos da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal, e os dossiês fornecidos à justiça eleitoral quando da inscrição de

candidaturas (acessíveis a partir do site do Tribunal Superior Eleitoral-TSE). Notabiliza-se a

presença de: professores universitários(18);advogados(15);funcionários públicos (07);

empresários(06); jornalistas(05); e médicos(03). Outras ocupações aparecem para apenas

um agente.

Cabe grifar, em primeiro lugar, que essas ocupações não são excludentes entre si e

tampouco exclusivas. Além disso, são atividades profissionais que a bibliografia tem

indicado como compatíveis com a intervenção política mais sistemática, em virtude tanto do

tempo livre comoda conciliação de“competências” exigidas. Atenta-se também para a

diversificação de ocupações exercidas pelos presidentes das fundações e o aumento, no

decorrer dos três momentos sucessivos discutidos no início do texto, da presença de

professores universitários, jornalistas, economistas e funcionários públicos. Quer dizer,

17

evidencia-se a reconfiguração de circunstâncias nas quais prevaleciamadvogados e

empresários (urbanos e/ou rurais) para a diversificação de ocupações prévias e o

recrutamento de agentescomsaberes escolares e competências técnicas específicas.

No que diz respeito às formações escolares de 38/41 casospara os quais se

encontrou essa informação,37 agentes possuem título superior (um abandonou a

universidade para atuar na luta armada, depois se tornou poeta, escritor e doutor Honoris

Causa). Desses, 15 também alcançaram algum diploma de pós-graduação, sendo que 07

deles constam com passagens por instituições estrangeiras nos trajetos escolares. Sobre a

distribuição de títulos obtidos em distintas áreas do conhecimento (alguns têm mais de um

diploma), 16 agentes possuem formação em direito; 06 em economia; 05 em engenharias;

03 em medicina; 03 em administração; 03 em comunicação social; 02 em sociologia; 01 em

letras; e 01 em arquitetura.

Conjuga-se a isso, quandose pondera sobrea distribuição de titulações dos

presidentes de acordo com as décadas em que ocuparam cargos (alguns atravessam mais

de uma década, é bom frisar), que paralelamente à diversificação das fundações e à

institucionalização de algumas delas (mostrada na seção anterior), ocorrearelativa

diminuição ou estabilização (proporcionalmente)de agentes formados em direito, em

contraste com o relativo aumento de outros saberes, notadamente economia,

administração,comunicação esociologia. Os quadros abaixo são ilustrativos disso:

Quadro 1 –Ocupação por Décadas

Décadas/Ocupação Advogado Professor

Universitário

Empresário Jornalista Médico Funcionário

Público

1980-1989 3 1 2 0 1 1

1990 – 2000 3 6 3 2 1 2

2001 – 2014 9 10 2 5 1 4 Fonte:Banco do projeto

Quadro 2 –Formação por Décadas

Décadas/Título Direito Comunicação Sociologia Letras Economia Engenharia Administração Medicina Arquitetura

1980-1989 4 - - - - 1 - 1 -

1990 - 2000 6 - 1 - 2 2 2 2 -

2001 - 2014 8 3 1 1 4 5 1 - 1 Fonte:Banco do projeto

Essa variedade de ocupações e de formações refleteuma série de processos de

recomposição interseccionada de domínios culturais (no mundo universitário, no mercado

editorial, nas trocas transnacionais, no desenvolvimento tecnológico, etc.) e

políticos(proliferação de espaços, causas politizadas e politizáveis, dos repertórios de

mobilização, redefinição dos recursos que habilitam/autorizam porta-vozes e representantes,

a afirmação da linguagem técnica do poder, etc.) – que são também efeitos de

transformações globais.

O que se reflete na expansão e diversificação do mercado político mais amplo que

produz, no seu bojo, o acirramento do descrédito de formas de engajamentos militantes

considerados mais “tradicionais”, como o sindical e o partidário. Concomitantemente, há o

efeito da especialização das organizações partidárias que aponta para a substituição dos

bacharéis e notáveis para perfis mais técnicos e especializados. Em uma configuração

caracterizada pela conjunção de referências que depreciam ou desqualificam a posse de

cargos eletivos, adicionada à escalada do conhecimento técnico e à persistente valorização

de uma condição de intelectual, a conquista de altas posições no ranking político parece

depender das aptidões para se apresentar como um profissional híbrido (político, intelectual,

especialista, militante...).

O conjunto dos casos de presidentes de fundações analisado compõe uma “elite

política” para a qualo curso superior é somente um elemento adicional na carreira das

lideranças que ocupama posição em pauta. Cumpre assinalar que 31/41 deles(portanto

75%)exerceram cargos eletivos e, entre os demais,05 concorreram em pelos menos uma

eleição. O mesmo percentual foi obtido para aquelesque ocuparam cargos administrativos

de alto escalão em governos federais e estaduais. Para corroborar a constatação sobre o

pertencimento destes agentes às altas “rodas políticas”,demonstram-se os cargos eletivos e

os cargos administrativos mais altos alcançados pelos presidentes e ex-presidentes das

fundações. Entre os 31 que desempenharam cargos eletivos,06 foram governadores de

estado;01 vice-governador;05 senadores; 17 deputados federais; e 02 deputados estaduais.

E entre os 31 que detiveram cargos administrativos de alto escalão, 11 foram ministros em

governos federais;05 foram presidentes de estatais; e 15 foram secretários em governos

estaduais.

O grau de profissionalização na política desses agentes permite perscrutar uma parte

da sustentação da autoridade que adquirem para “falar” em nome dos partidos e “formular”

suas “doutrinas”, “programas”, “ideologias”, etc. A passagem por cargos eletivos e/ou

administrativos (de preferência associados) confere reconhecimento às lideranças seja

como porta-vozes testados de questões sociais tidas como legítimas (principalmente como

parlamentares) seja como participantes de arenas mais setorializadas pautadas por temas

especializados (como gestores em ministérios, secretarias ou estatais). O que pode ser

ratificado com o dado de que 28 deles ocuparam tanto cargos eletivos como cargos

administrativos, ao passo que somente 03 tiveram carreiras políticas que se restringiram à

arena eletiva e 03 à arena administrativa. Ademais, a análise dos seus trajetos possibilita

perceber que a chegada à presidência das fundações (principalmente as mais consolidadas)

é parte integrante da afirmação política e intelectual dos mesmos. Neste caso, sobressaem

29/41 deles(portanto 70%)que foram indicados àpresidência da respectiva fundação quando

19

ocupavam cargos políticos (27 como deputados e senadores). Porcentagem que se eleva

quando são aferidas apenas as fundações mais institucionalizadas, chegando a 83%. Raros

são os casos de “políticos aposentados” (apenas 02), ou seja, que não ocuparam cargos

políticos simultânea ou posteriormente. Não há ainda ocorrências de indivíduos que utilizam

tal posição para alavancar carreiras políticas de sucesso, quer dizer, que chegaram a postos

eletivos ou administrativos apenas depois de passar pela presidência da fundação (aqueles

que tentaram, sem sucesso, pertencem a partidos pequenos e com fundações pouco

consolidadas).

Apesar de predominarem os “políticos profissionais” não se pode, contudo,

desconsiderar o reconhecimento que tais agentes logram como “intelectuais” em seus

partidos. Um dos meios de atestação dessa condição de formador político e formulador

teórico ou programático do partido se expressa por meio da publicação de livros. Entre os 41

casos analisados, 27 (logo 66%) assinam a autoria de “obras” dos mais diversos gêneros.

Desses, 18 (quase metade do total da população) publicaram 05 livros ou mais ao longo das

suasbiografias, sem deixar de mencionar que 12 deles ostentam mais de uma dezena de

publicações. Tais produtores, ao serem classificados de acordo com o gênero de produção

privilegiada, podem ser, por sua vez, divididos entre: 1) aqueles que se dedicam

privilegiadamente a assuntos especializados e ligados a uma formação acadêmica

específica, que somam 14 presidentes e ex-presidentes; 2) os que priorizam temas gerais,

como posicionamentos sobre modelos de sociedade, que ocupam lugar central na produção

escrita de 08 casos; 3) e aqueles que se investem em produção literária em geral (poesia,

contos, ensaios em geral), que são apenas 05 agentes.

Para finalizar, o quadro apresentado a seguir traz alguns dados de perfis de

presidentes de quatro das fundações mais alicerçadas, assumindo basicamente dois

critérios para tal escolha: o tempo de existência das fundações; e sua estrutura organizativa.

Para indicar singularidades e regularidades, foram caraterizados três agentes de cada

entidade que atuaram em três distintos períodos de constituição das mesmas. O primeiro é

o período da redemocratização e formação dos novos partidos; o segundo corresponde ao

de aprovação da alocação de 20% da receita dos partidos para seus institutos ou

fundações; e o terceiro corresponde à instituição da Resolução que estabelece que os

“entes” dos partidos destinados à pesquisa, doutrinação e educação política deveriam se

constituir em fundações.

Quadro 3 – Presidentes e perfis

FMC (PP) IPH -> FUG (PMDB) FAP -> FLB-AP (PDT) IWP -> FPA (PT)

ROGÉRIO REGO JOÃO GILBERTO LEONEL BRIZOLA ANTÔNIO CANDIDO

- Bacharel em Direito, - Advogado e funcionário público; - Passagem por vários cargos de primeiro escalão no governo estadual da Bahia e deputado federal desde 1971; - Publicou, em 1967, Development of the cooperative system in Brazil

- Bacharel em Direito; - Funcionário público e professor de ensino médio; - Líder estudantil, ex-vereador e deputado federal desde 1975, - Se destacou na década de 1970 como um dos líderes dos neo-autênticos do MDB; - Publicou mais de 10 livros na década de 1970.

- Formado em Engenharia; - Proprietário de grandes fazendas; - Deputado estadual, deputado federal, prefeito de Porto Alegre, secretário de obras do governo do Rio Grande do Sul, governador do Rio Grande do Sul, fundador e presidente do PDT, considerado um dos ícones do trabalhismo. Cunhado de João Goulart

- Bacharel em Direito e Formado em Letras, com livre docência e doutorado; - Professor universitário, - Fundador do PT; - Presidiu o IWP do PT na década de 1980; - Autor de dezenas de livros.

JARBAS PASSARINHO JOSÉ PINOTTI NELTON FRIEDRICH LUÍS DULCI Possui formação militar; - Foi governador e senador do estado do Pará, ministro do trabalho, da educação, da previdência (no regime militar), da justiça (no governo Collor de Melo); - Colaborador de revistas e jornais desde a adolescência e autor de dezenas de livros; - Pertenceu à Academia Paraense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico do Pará e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

- Formado em Medicina, com pós-graduação na Itália; - Médico e professor universitário; - Foi reitor da Unicamp; - Foi secretário de educação e de saúde de governos no estado de São Paulo e deputado federal; - É autor de dezenas de livros.

-Bacharel em Direito; - Advogado e agropecuarista; - Foi deputado estadual, deputado federal e secretário de estado no Paraná; - Genro de ex-deputado pelo Paraná, tinha ligação com a igreja católica, com questões ambientais e agrárias.

- Licenciado em Letras; - Professor do Ensino Superior e Médio; - Sindicalista, deputado federal entre 1983 e 1986; - Secretário de governo e de cultura na cidade Belo Horizonte.

ANA AMÉLIA LEMOS ELISEU PADILHA MANOEL DIAS MARCIO POCHMAN -Formada em Comunicação Social (PUC/RS); - Jornalista, trabalhou nos principais veículos de comunicação do Rio grande do Sul; - Casada com o Senador pelo RS, Octávio Cardoso; - Trabalhou em Brasília nas últimas décadas como repórter e comentarista da área de política da Rede Brasil Sul (afiliada à rede Globo); -Senadora eleita em 2010.

- Bacharel em Direito com pós-graduação em filosofia, direito processual civil, direitos reais, direitos políticos, marketing e holdings; - Advogado e empresário; - Líder e presidente da Associação Comercial e Industrial de Tramandaí; - Elegeu-se prefeito desta cidade, deputado federal, secretário dos Negócios do Trabalho, Cidadania e Assistência Social do Rio Grande do Sul e ministro dos transportes.

- Bacharel em Direito; -Advogado; - Ex-vereador, ex- deputado estadual e ex-diretor do Banco do Estado do Rio de Janeiro (BANERJ), ligado diretamente à liderança de Leonel Brizola

- Formado em Economia, com mestrado em Ciência Política e Doutorado em Economia; - Professor Universitário; - Secretario Municipal do Trabalho e Solidariedade em São Paulo e Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do governo federal - Autor de 44 livros, 112 artigos em revistas especializadas e 117 capítulos de livros.

Fontes: CPDOC, Senado Federal e Câmara dos Deputados.

Os primeiros presidentes da década de 1980, aqueles que exerceram o posto no ano

de 1995 e os atuais espelham, então, o aumento da profissionalização política e da

especialização, mas explicitam igualmente as transformações que passaram as siglas e o

lugar dos agentes reputados como “aptos” a dirigir esses lugares de formulação/explicitação

intelectual no seu interior. No PP predominam quadros cujas carreiras e famílias são ligadas

ao regime militar e à Arena, assim como à genealogia de partidos que a sucederam. No

PMDB, há a prevalência de lideranças oriundas do MDB ou da criação do PMDB e a

progressiva substituição de agentes advindos da resistência à ditadura militar por perfis mais

moderados e titulados; ao passo que para o PDT é possível estimar a centralização da

organização partidária e da fundação nas mãos de Leonel Brizola (presidente na maior parte

do período) e de pessoas da sua confiança como veículos de gestão do “legado” e do

“espólio” trabalhistas. Por fim, no PT, repara-se a passagem da “fase heróica”, que se

aproximaram intelectuais e sindicalistas na nova sigla, para a profissionalização dos quadros

21

oriundos do sindicalismo e dos movimentos sociais, bem como a absorção da linguagem

mais técnica de exercício da política38.

Considerações finais

Os institutos e as fundações existem como lugares que são compósitos e propícios à

maximização de saberes e práticas, especialmente com vistas a conquistar e a sedimentar

adesões a causas e projetos concorrencialmente forjados e que, não raro, também estão

endogenamente em disputa. Entretanto, a exigência legal de constituição e as

características assumidas pelas fundações (ao menos aquelas explicitadas virtualmente),

conduzem a pensar sobre condicionantes que, ao mesmo tempo, constrangem e favorecem

meios de intervenção. Por exemplo, repara-se que as novas fundações já são criadas sob

bases mais institucionalizadas e se espelham nos modelos mais organizados e bem

sucedidos, o que, aliado a certas configurações partidárias e disposições profissionais e

militantes de seus membros, possibilitam-nas a mais facilmente movimentar-se nesse

espaço. Assim como algumas fundações mais antigas e consolidadas, de grandes partidos,

aproveitaram as oportunidades das mudanças na legislação para aprimorar sua

organização, bem como se armaram de quadros mais técnicos para enfrentar o estado da

competição esboçado. Ao passo que outras entidades,criadas em partidos com quadros

políticos dotados de baixos volumes de capitais políticos e econômicos e culturais, com

lideranças de menor notoriedade pessoal e política, desprovidos de condições de lograrem

êxito em competições eleitorais, logo, de acumularem cargos eletivos e distribuírem cargos

administrativos, também encontraram terreno fértil nas fundações para maximizar seus

investimentos de proselitismo político.

Ao distribuir as características arroladas no texto entre fundações e seus respectivos

partidos, nota-se que três fatores interferem no investimento de organização e

profissionalização dessas entidades: 1) a representatividade medida em termos de

mandatos conquistados e penetração eleitoral; 2) o tempo de existência dos partidos e das

fundações; 3) e a caracterização social e ideológica dos quadros dirigentes. Ou seja, em

primeiro lugar, observa-se a tendência a serem instituídas e incrementadas nos chamados

grandes partidos; em segundo lugar, parecem planificadas no âmbito de siglas partidárias

inscritas na história política brasileira e/ou que investiram na criação de institutos ou

fundações desde a década de 1980; e, em terceiro lugar, vinculadas a partidos constituídos

de lideranças oriundas de movimentos sindicais, estudantis, comunitários, etc., assim como

advindas de extração social mais baixa e que, por esse motivo, tendem a valorizar ainda

mais espaços desse tipo.

38 Além dos casos arrolados no quadro, foram identificados e analisados 08 ex-presidentes da FMC; 10 FUG; 03 da FLB-AP; e 06 da FPA.