Armindo Trevisan Classicos Século Xxi

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  • 8/19/2019 Armindo Trevisan Classicos Século Xxi

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    CLÁSSICOS DO SÉCULO XXI.

     Armindo Trevisan

    I. O Termo “Clássico”.

    Os Dicionários de Literatura atribuem a expressão

    clássico  ao gramático Aulus Gellius (Roma, 1301!" d#$#%,

    &ue, por primeiro, estabeleceu uma distin'ão entre scriptor 

    classics e scriptor proletaris! ou sea, entre o autor &ue

    escre)e para leitores cultos e o autor &ue escre)e para o

    p*blico em geral# +oderamos, &uase, di-er, em linguagem

    atual, &ue Aulus Gellius pretendia distinguir autores de alto

    n)el literário de autores de n)el m.dio, como o são os

    autores da maioria dos best-sellers &ue constam nas listas

    semanais de /Os mais endidos de re)istas de atualidades

    como Veja  na 2rasil,  Panorama na tália e  Der Spiegel  na Aleman4a#

     A expressão clássico  come'ou  a ser usada, no

    Renascimento, para caracteri-ar poetas &ue de)iam ser

    considerados modelos pelos o)ens autores# 5 o caso de

    64omas 7ibillet no seu  L’Art Poétique Français  (1"89%# :ão

    tardou &ue a expressão ;osse estendida aos autores lidos nasclasses, isto ., aos &ue eram considerados autoridades# $om

    o passar dos anos, o termo passou a ser reser)ado aos

    autores da Antiguidade, )isto &ue s< eles tin4am resistido =

    pro)a do tempo# >inalmente, em 19"0, $4arles Augustin

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    7ainte2eu)e publicou o seu con4ecido ensaio? /@uestce um

    classi&ueB1  tentando deCnir, pela primeira )e- em termos

    modernos, o conceito de classicismo literário#

    :esse ensaio, o crtico ;rancs expEe os crit.rios

    segundo os &uais um autor de)eria ser considerado clássico?

    Um er!a!eiro clássico " escre)ia 7ainte2eu)e - como

    me agra!aria !e#ni-lo$ é um autor 

    que enriqueceu o esp%rito &umano$ que realmente

    aumentou o seu tesouro$ que l&e 'e( 'a(er um passo a!iante$

    que !escobriu alguma er!a!e moral inequ%oca$

    ou que surpreen!eu alguma pai)*o eterna no coraç*o

    on!e tu!o parecia já con&eci!o e e)plora!o$

    que nos comunicou seu pensamento$ sua obseraç*o ou

    sua inenç*o sob uma 'orma mais ampla e gran!e$ #na e

    sens%el$ sau!áel e bela em si mesma$

    que 'alou a to!o o mun!o num estilo que é$ ao mesmo

    tempo$ seu estilo pessoal e o estilo !e to!os$

    um estilo que é noo sem neologismos$ noo e

    antigo$ 'acilmente contempor+neo !e to!as as épocas, 

    7ainte2eu)e lembra)a &ue não existia receita para se

    ;a-er um clássico, e &ue se de)ia desconCar dos (assim ditos%

    /clássicos precoces#3

      Acrescenta)a? /os clássicosimprevistos  são os mel4ores#8  Recorda)a &ue o pr

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    74aHespeare não era considerado clássico na .poca de

     Alexander +ope (1I991!88%#"  nsistia em &ue cada leitor

    escol4esse seus pr

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    Nontaigne, Nal4erbe, La >ontaine, $orneille, +ascal,

    2ossuet, Nolire, 74aHespeare, 7Pi;t# A lista completase

    com $er)antes, Nilton, oltaire, Goet4e#

    Jm lin4as gerais, os clássicos de 7ainte2eu)e eram,

    nada mais, nada menos &ue de nossa tradi'ão 4umanista

    ocidental#

    O autor do presente ensaio ;oi aluno de um seminário

    cat

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      :o &ue concerne = min4a inicia'ão ao grego, ela

    e)aporouse# @uanto ao latim, desde &ue não se trate do latim

    de $cero, leioo com certa ;acilidade# Retornemos, por.m, =

    &uestão do clto posti,o  ou artiCcial dos clássicos, ao

    &ual me re;eri 4á pouco#

    Qm crtico, &ue se tornou brasileiro por adop'ão, o

    tc4eco de nascimento, Otto Naria $arpeaux, re;ere &ue +aul

     al.r perguntou, um dia, a Gide? // Sr, con&ece uma coisa

    mais te!iosa !o que  Virg%lio23 Gide l4e replicou?  4Sim$

     5omero3#9 

    6ais anedotas, a respeito de clássicos e de outros

    autores não lidos, são di)ertidas# :um interessante li)ro?  A

     6iblioteca e seus 5abitantes$ obra &ue, no di-er de $arlos

    Drummond de Andrade, /encerra um mundo de leituras e

    id.ias, em notá)el concentra'ão, o erudito Am.rico de

    Oli)eira $osta recol4eu algumas dessas estran4as /p.rolas?+aul $audel ;ala)a de Nontaigne como de um /esprito

    medocre e superCcial# :iet-sc4e &ualiCca)a George 7and

    de /incr)el )aca de escre)er### ictor Kugo, não includo por

    7ainte2eu)e na sua lista, despre-a)a Goet4e# 2ron

    considera)a 74aHespeare um /impostor audacioso# $4arles

    +.gu c4egou = insolncia de di-er sobre Dante? /JsseturistaS Nallarm. extrema)a o seu desd.m ao re;erirse a

     ictor Kugo? /@ue grande poeta seria ictor Kugo se ti)esse

    tido alguma coisa para di-erS +ior ainda o &ue se relata de

    9 /rigens e Fins, Rio de Taneiro, Jdi'Ees da U$asa do Jstudante, 183#p#13#

    "

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    6olstoi (&ue 4oe seria includo em &ual&uer lista%V 6olstoi não

    se )exou de di-er a 6c4eH4o)? /oc sabe &ue eu detesto a

    poesia de 74aHespeareS +ois bem, o seu teatro . pior ainda###

    6olstoi era um notalando sobre /s 7rm*os

     8arama(o, de Dostoie)sH, o autor de 9uerra e Pa(  ;oi

    taxati)o? $omo este li)ro . ;al4o de arteS Tulien 2enda,

    com um pouco menos de )itrolo, exclama)a? /Admiro al.r

    por não ter amais lido +roust# 6amb.m o con4ecido

    romancista, D#K# LaPrence não gosta)a de +roust# 

    7e oltaire (includo por 7ainte2eu)e na sua ;amosa

    lista% te)e o desplante de di-er? /Dante era um louco,

    aCrmando &ue o >lorentino não seria lido no ;uturo, seu

    compatriota, $4arles +.gu contradisse, solenemente Andr.

    Gide? / Komero . no)o nesta man4ã, e nada pode ser mais

     )el4o do &ue o ornal de 4oe#10 Nas &ue diremos sobre as

    pala)ras de L.on 2lo? ? /Outrora, tentei ler Dante na suamel4or )ersão#(###% O t.dio me deitou abaixo, um t.dio

    insuperá)elB11 

    +ermitamme uma conCssão pessoal? li, no mnimo,

    &uatro )e-es a  Diina .omé!ia, e ainda 4oe a leio, com

    muita ;re&uncia# Li )árias )e-es  Dom :ui)ote, e me sinto

    cada )e- mais ;ascinado por essa obraprima# Tá não sei o

     $;# todo o captulo M# p# 108111#10 $it# por Andr. 2lanc4et, in?  La littérature et le Spirituel# 6ome # +aris,

     Aubier, 1IF# pV 39V p#11#11  $it# por Octa)io de >aria, in?  Le1n 6lo;, Rio de Taneiro, GráCca Record

    Jditora, 1I9#1I1#

    I

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    n*mero de )e-es &ue li a 6%blia$ e alguns pensadores, como

    +ascal# @uanto aos poetas, não compreendo um leitor de

    poesia &ue não leia muitas )e-es seus poetas prediletosS

     ACrmol4es, pois, com con)ic'ão? mais do -e m leitor! e

    so m re'leitor.

    Nencionemos, agora, um episil4o, poeta e

    crtico literário, &ue pertenceu = Academia 2rasileira de

    Letras, di-ia? //s Lus%a!as eram um martrio dos meninos do

    meu tempo, uma leitura oCcial e obrigat

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    a&uilo &ue nos parece, num determinado momento da )ida,

    pouco interessante, não tão )alioso, pode, com o tempo, ser

    retiCcado por no)as leituras# eamos o caso de Guimarães

    Rosa? aos 31 anos de idade, &uando era $Wnsul do 2rasil em

    Kamburgo, na Aleman4a, ao terminar de ler  ábio Lucas, in? =eista 6rasileira# >ase , ul4oagostosetembro

    F00I, Ano M, n# 89# p# 90#

    9

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    Outra ad)ertncia? existem clássicos, de tal modo

    identi%cados com sa ln+a e cltra, &ue s< se l4es

    pode abarcar a genialidade, &uando entramos nessa lngua e

    nessa cultura# Ouso dar um exemplo? um leitor, &ue não ;or

    brasileiro, tal)e- portugus, ou ao menos de lngua

    espan4ola, a mais pr

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    .lássico n*o é um liro que necessariamente possui

    tais ou quais méritos é um liro que as geraçBes &umanas$

    urgi!as por !iersas ra(Bes lCem com  pr.)io ;er)or e com

    misteriosa lealdade,? 

    Gosto, tamb.m, de citar a deCni'ão de talo $al)ino,

    &ue completa a de 2orges?

     .lássicos s*o os liros que c&egam até n1s tra(en!o em

    si os est%gios !as leituras anteriores$ e mostran!o na sua

    esteira os est%gios que eles mesmos *o !ei)an!o na

    cultura,?E

    Jncantame, ainda, esta outra regra de $al)ino?

      .lássico é aquele autor em relaç*o ao qual n*o

    consegues ser in!i'erente$ que te aju!a a te auto!e#nires em

    relaç*o a ele$ ain!a que seja em !isputa com ele,?

    III. 1as... 2*istir#o Clássicos no S3clo XXI)Nin4a resposta . positi)a# 

    Jn&uanto existirem leitores, leitores de m certo

    tipo, pertencentes a uma certa estirpe, existirão clássicos#

    :ão acredito em crticos, &ue pretendem tratálos como

    45sseis vivosS 5 con4ecida a boutade? /$lássicos são os

    autores &ue todo o mundo cita, mas ningu.m, l###6en4o s.rias d*)idas sobre crticos &ue se ac4am

    muito ntimos1! /bras .ompletas# 1F31!F# 2uenos Aires, Jmec. Jditores, 1!8# p#!!3#19 Por que ler os .lássicos# 7ão +aulo, $ompan4ia das Letras, 13# p#11#1 bid# p#13#

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    dos clássicos# 5 mel4or con;essar, com perplexidade, &ue não

    conseguimos llos, umas )e-es por incompatibilidade

    est.tica, outras, por&ue nem todos suportam as alturas

    rare;eitas at. onde eles se al'am# Jxistem clássicos &ue

    admiramos, mas &ue diCcilmente regressaremos a eles#

    Jxistem outros &ue lemos continuamente, sem amais

    c4egarmos ao Cm de seus li)ros, por&ue cansamos deles# Dou

    um exemplo? ler Komero )árias )e-es (em )árias )ersEes%#

    :ão consigo nunca c4egar at. ao Cm# +or &ueB +or&ue não

    encontro o +oeta em &uase nen4uma delas# 5 como se

     )isitássemos a casa do poeta, com todos os seus mormei,

    como )em, uma id.ia parcial da genialidade de

    74aHespeare, )isto &ue não consigo llo em lngua inglesa,

    11

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    mas os seus dramas c4egam a me interessar, ou antes, me

    como)em pro;undamenteV e suas com.dias me encantamS

    2endigo o idioma espan4olS :asci numa região do

    2rasil onde . poss)el escutar o espan4ol, )isto &ue o

    intercYmbio com o Qruguai e a Argentina . ;re&uente# sso

    me permitiu ter acesso aos tesouros dessa lngua# >a'o

    min4as as pala)ras de Torge Luis 2orges?

    9racias quiero !ar al !iino

     Laberinto !e los e'ectos ; !e las causas,,,

    por me ter sido concedida a dádi)a de poder ler tantos

    clássicos da literatura espan4ola, sea do passado, sea do

    presente, entre os &uais 7an Tuan de la $ru-, >ra Lus de

    Lerancisco @ue)edo, Lus de G

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    muitos casos, num bre)ssimo lapso de tempo, a um

    espectador! simples consmidor de o/ras literárias, á

    &ue não ;a- es;or'o algum para tradu-ir, para algo is%el na

    sua mente, o elemento abstrato do texto# Jsse tipo de leitor

    interiori-a, inconscientemente, o modo de recep,#o da

    televis#o# Da o seu t.dio# O c.rebro desse leitor digamos

    midiático, . como uma espona saturada de in;orma'Ees

     )ariadas e contradit

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    n

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    popla,#o americana mal c6e+a a m d3cimo do

     voca/lário de S6a7espeare& :o entanto, o &ue o autor de

     5amlet di-ia de)ia ser intelig)el ao cidadão comum de sua

    .poca, /dado &ue eram pala)ras usadas em pe'as &ue tin4am

    sucesso comercial# $onclui Russell? /o ponto de )ista

    moderno . &ue tem suCciente domnio da lngua o 4omem

    &ue se ;a- entenderV o antigo era de &ue tanto ao ;alar como

    ao escre)er, ele de)ia estar em condi'Ees de proporcionar

    pra-er est.tico#FF 

    $om tal indigncia l.xica, a sonega'ão emocional

    aumenta assombrosamente# As pessoas, para expressarem

    suas emo'Ees, parecem ter um *nico )ocábulo, ou antes,

    algumas palavras'8ni/s# Qma delas, pelo menos em

    portugus? />antásticoS Outra? /6rilegalS $omo poderão

    tais pessoas ler textos di)ersiCcados, mais pro;undos, mais

    sutisB 7omente indi)duos com um )ocabulário mais ricopoderão assimilar (e expressar% )erdadeiras emo'Ees, não

    emo'Ees construdas, reco-idas, ou /bricoladas (de

    /bricolage%, isto ., tomadas de empr.stimo aos meios de

    comunica'ão# $aso contrário, tais pessoas teriam de tornar

    se gnios como Nac4ado de Assis ou Alessandro Nan-oni e

    Gio)anni erga para di-erem o máximo com um mnimo depala)ras# 5 o caso dos )erdadeiros grandes escritoresS

    FF Hnsaios .éticos#(6rad# de ]ilson elloso%# 7ão +aulo, $ompan4ia Jditora

    :acional, 1""# p# !!#

    1"

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    @ue diremos sobre a de/ilita,#o da mem5ria

    coletiva)

     As na'Ees e institui'Ees não são regidas por leis &ue

    l4es impEem certa capacidade memorati)a, como a do

    c.rebro 4umano# :outras pala)ras, não existe nelas nada &ue

    corresponda ao ;undamento biol

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    nossa mem

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    materna (ou tornada -ase'materna, como ;oi o caso do

    romeno;rancs $ioran% existirão clássicos.  As lnguas de

    cada po)o preser)arão esses po)os de serem de)orados pela

    globali-a'ão, pelo terrorismo cultural, e por outros delrios

    da Kumanidade# 5 at. poss)el &ue a globali-a'ão econWmica

    e Cnanceira sea acompan4ada de um ;enWmeno positi)o? a

    globali-a'ão do capital sim/5lico da 4umanidade, ben.Cco

    para todos os po)os e na'Ees do mundo#

    Jm abril de 1"", por ocasião de uma cerimWnia

    ;*nebre em 4omenagem a Albert Jinstein, na Qni)ersidade

    de +rinceton, o Rabino r)ing DePe e)ocou uma de suas

    *ltimas con)ersas com o cientista# O Rabino contou ter

    apresentado a Jinstein a seguinte &uestão?

    / @ue di;eren'a 4a)eria se a terra se desC-esse,

    repentinamente, como uma nu)emB

    Jisntein replicoul4e?/ :unca mais se ou)iria a m*sica de No-art#F8

     Atre)ome a di-er &ue, en&uanto um poeta ;or capa- de

    compor sonetos como os de +etrarca, ou os de Dante, e um

    leitor se sentir emocionado e encantado com )ersos como os

    seguintes

    Ianto gentile e tanto onesta pare La !onna mia quan!’ella altrui saluta

    .&’ogne l%ngua !eem treman!o muta$

     H li occ&i no l’ar!iscon !i guar!are

    F8 $it# por Am.rico de Oli)eira $osta# n? A 6iblioteca e seus 5abitantes# p##

    19

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    etc# J

    en&uanto repito existirem pessoas &ue seam

    capa-es de se como)er com )ersos tão puros e sugesti)os,

    existirão clássicos no s.culo MM, pelo menos nessas lnguas

    bema)enturadasS

    F"  Dante# /pere  (a cura di Nan;redi +orena e Nario +a--aglia%# 2ologna,

    :icola ^annic4elli, 1II# p#I1IF#

    1