4
Aron)os Cor ong ueleiros I f u arrepio percorre a espinha dorsal de I I todos quantos, não familiarizados com 1--l u, ,or.u. matas, pela primeira vez es- barram com uma aranha caranguejeira, seja na beira do caminho ou entrando pela barraca a dentro. Esta sensação desagradável ao avistar aranhas e cobras é muito generalizada, pois a ideia de uma mordedura venenosa ocorre ins- tintivamente. Daí o sentimento de horror. Mesmo entre os caboclos essa impressão, como tive ocasião de comprovar no sertão do Paraná, quando pedi a um dêles gue me apa- nhasse uma dessas aranhas. No dia seguinte apareceu êle com uma delas espetada na ponta de uma taquara de dois metros de comprimento, mantendo-a bem longe do corpo, avisando-me que deveria tomar cuidado pois o "bicho" era perigoso. Na realidade, as caranguejeiras" são prà- ticamente inofensivas, pois sua mordedura, em- bora causando dôres fortes, não é fatal, e é sô- mente em conclições excepcionais que alguém é picado. Se vencermos êste primeiro impulso de pavor e examinarmos a aranha de perto verifi- caremos que é um animal realmente interes- sante, bonito mesmo, se [ôr observado logo após uma das mudas. E isso pode ser feito com tôda a calma estando as aranhas num vivário apro- priado, onde podem ser criadas com a maior [a- cilidade, ao contrário do que comumente se pensa. muitas espécies de caranguejeiras no Brasil, distribuídas desde o extremo norte até o Rio Grande do Sul. Algumas são encontradas nas árvores, mas a maioria prefere o chão onde procuram esconderijos apropriados para f.azer suas tocas, geralmente em baixo de pedras ou árvores caídas. Essas tocas são fàcilmente iden- tificadas, pois têm uma abertura circular de al- Vrron Srevlensxt Tecnico de Educação da Seção de Extensão Cultural do Museu Nacional guns centímetros de diâmetro, cuidadosamente revestidas de teia que se estende mesmo um pouco para fora. A entrada é sempre bem limpa quando alguém morando. Nos meses de ja- neiro e fevereiro, quando as fêmeas estão to- mando conta dos ovos ê muito comum encon- trá-las na entrada da toca apanhando sol com a bôlsa dos ovos debaixo dos palpos. A presença de uma pessoa que passa as assusta e então correm ràpidamente para se es- conder. É êste movimento de defesa que as de- nuncia e facilita a captura. Esta pode ser reali- zada levantando a pedra ou a árvore caída, ou se isso não for possível abre-se a toca com um Í.acáo, tendo-se naturalmente o cuidado de não esmagá-las. Depois, com um pedaço de pau, é fácil encaminhá-las para dentro de uma caixi- nha. Nos primeiros momentos podem f.azer uma certa oposição, mas agindo corn calma, depressa se acomodam. Sendo uma fêmea com a bôlsa de ovos, de forma alguma a abandonará, indo com ela para dentro da caixinha de papelão ou de madeira adrede preparada. Quando se pretende apanhar várias destas aranhas convém levar tantas caixas guantas se desejem capturar pois, em virtude dos seus hábitos anti-sociais, no rlo- mento que duas delas se juntam inicia-se uma iuta de morte, terminando a mais fraca por ser devorada pela outra. Quando se deparar com uma destas câran- guejeiras perambulando pelas estradas, pode-se quase ter a certeza gue se trata de um macho. Êles são, aliás, muito menos fregüentes que as fêmeas pois, como é sabido, entre as aranhas é comum a fêmea calmamente devorar o macho após o acasalamento. Querendo mantê-las em cativeiro nas sa- las de aula ou laboratórios, pâÍâ despertar a curiosidade dos alunos e ao mesmo tempo ensi- t2 REVISTÀ DO I,IUSEU NÀCIONÀL

Aron)os Cor ong ueleiros - museunacional.ufrj.br · Na realidade, as caranguejeiras" são prà-ticamente inofensivas, pois sua mordedura, em- ... visão das caranguejeiras deixa bastante

  • Upload
    lamnhan

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Aron)os Cor ong ueleiros

I f u arrepio percorre a espinha dorsal deI I todos quantos, não familiarizados com1--l u, ,or.u. matas, pela primeira vez es-barram com uma aranha caranguejeira, seja nabeira do caminho ou entrando pela barraca adentro. Esta sensação desagradável ao avistararanhas e cobras é muito generalizada, pois aideia de uma mordedura venenosa ocorre ins-tintivamente. Daí o sentimento de horror.Mesmo entre os caboclos há essa impressão,como tive ocasião de comprovar no sertão doParaná, quando pedi a um dêles gue me apa-nhasse uma dessas aranhas. No dia seguinteapareceu êle com uma delas espetada na pontade uma taquara de dois metros de comprimento,mantendo-a bem longe do corpo, avisando-meque deveria tomar cuidado pois o "bicho" eraperigoso.

Na realidade, as caranguejeiras" são prà-ticamente inofensivas, pois sua mordedura, em-bora causando dôres fortes, não é fatal, e é sô-mente em conclições excepcionais que alguém épicado. Se vencermos êste primeiro impulso depavor e examinarmos a aranha de perto verifi-caremos que é um animal realmente interes-sante, bonito mesmo, se [ôr observado logo apósuma das mudas. E isso pode ser feito com tôdaa calma estando as aranhas num vivário apro-priado, onde podem ser criadas com a maior [a-cilidade, ao contrário do que comumente sepensa.

Há muitas espécies de caranguejeiras noBrasil, distribuídas desde o extremo norte até oRio Grande do Sul. Algumas são encontradasnas árvores, mas a maioria prefere o chão ondeprocuram esconderijos apropriados para f.azersuas tocas, geralmente em baixo de pedras ouárvores caídas. Essas tocas são fàcilmente iden-tificadas, pois têm uma abertura circular de al-

Vrron SrevlensxtTecnico de Educação

da Seção de Extensão Culturaldo Museu Nacional

guns centímetros de diâmetro, cuidadosamenterevestidas de teia que se estende mesmo umpouco para fora. A entrada é sempre bem limpaquando há alguém morando. Nos meses de ja-neiro e fevereiro, quando as fêmeas estão to-mando conta dos ovos ê muito comum encon-trá-las na entrada da toca apanhando sol coma bôlsa dos ovos debaixo dos palpos.

A presença de uma pessoa que passa asassusta e então correm ràpidamente para se es-conder. É êste movimento de defesa que as de-nuncia e facilita a captura. Esta pode ser reali-zada levantando a pedra ou a árvore caída, ouse isso não for possível abre-se a toca com umÍ.acáo, tendo-se naturalmente o cuidado de nãoesmagá-las. Depois, com um pedaço de pau, éfácil encaminhá-las para dentro de uma caixi-nha. Nos primeiros momentos podem f.azer umacerta oposição, mas agindo corn calma, depressase acomodam. Sendo uma fêmea com a bôlsa deovos, de forma alguma a abandonará, indo comela para dentro da caixinha de papelão ou demadeira adrede preparada. Quando se pretendeapanhar várias destas aranhas convém levartantas caixas guantas se desejem capturar pois,em virtude dos seus hábitos anti-sociais, no rlo-mento que duas delas se juntam inicia-se umaiuta de morte, terminando a mais fraca por serdevorada pela outra.

Quando se deparar com uma destas câran-guejeiras perambulando pelas estradas, pode-sequase ter a certeza gue se trata de um macho.Êles são, aliás, muito menos fregüentes que asfêmeas pois, como é sabido, entre as aranhas écomum a fêmea calmamente devorar o machoapós o acasalamento.

Querendo mantê-las em cativeiro nas sa-las de aula ou laboratórios, pâÍâ despertar acuriosidade dos alunos e ao mesmo tempo ensi-

t2 REVISTÀ DO I,IUSEU NÀCIONÀL

ná-los a observar coisas vivas, basta obedecer auns tantos princípios, condicionados aos hábi-tos e exigências dêsses aracnídeos. São êles:a ) conservá-las sempre em compartimentos in-dividuais, pois nem os machos podem ficar comas fêmeas. Êsses compartimentos poclem serÍeitos especialmente de vidro, mas é perfeita-

pouco uns irão devorando os outros e no fim deum mês haverá apenas uma centena. Havendointerêsse em criá-los, deverão ser separados unsdos outros o que naturalmente irá éxigir fluÍrre-rosas caixinhas.

Durante o crescimento veriÍica-se umgrande número de mudas. Após atingirem um

Às adversárias entrâm em contato

mente possível criá-las debaixo de um funil devidro que tenha uns 15 cm de diâmetro de bôca,ou debaixo de um cristalizador comum dos la-boratórios de química; á) manter sempre um pe-queno recipiente com água, que pode ser um pe-queno pires, uma concha ou er1l último caso, umalgodão molhado; c) alimentá-las uma ou duasvêzes por semana, fornecendo-lhes baratas, ga-fanhotos (insetos em geral) ou então um pe-queno pedaço de carne crua (de um centímetrocúbico aproximadamente); d) expô-las uma ouduas vêzes por mês a um banho de sol, quenão precisa ser muito demorado. Assim é per-feitamente possível mantê-las vivas, em cati-veiro, por tempo longo, 4. ou 5 anos ou mesmomais.

No caso de uma fêmea ser capturada coma bôlsa de ovos poderá ficar corir ela atê aeclosão dos filhotes, desde que seja convenien-temente alimentada, pois levada pela sêde efome não vacila em destruir a bôlsa para sugaros ovos. Cs filhotes furain o envólucro e se es-palham ao redor procurando logo tratar da vida.A produção é grande, subindo a várias cente-nas. No caso do compartimento ser bem fe-chado êles ficarão todos juntos podendo ser ali-mentados com pequeninos pedaços de carnecrua. Devido aos hábitos canibais, dentro em

( Fotografia de Moacir Leáo )

certo tamanho as mudas se limitam a uma ouduas por ano. Ao atingirem a época da mudaas aranhas deixam de comer desde, às vêzes, 20dias antes, ficando numa atitude gue f.az lem-brar doença. Sua côr torna-se mais desmaiadae a parte superior do abdome guase que intei-ramente pelada. Um belo dia vamos depararcom o animalzinho deitado de costas com a apa-rência de morto, mas uma observação atentarevela pequenos movimentos com as pernas.Após várias horas surge a aranha com suaroupa nova de belo colorido enquanto que aroupa velha, fendida longitudinalmente nodorso do cefalotórax, fica a um canto como beloexemplo de crescimento dos artrópodes. Após amuda, a aranha rejeita a alimentação por umasemana, provàvelmente para dar tempo ao en-durecimento das quelíceras e da quitina emgeral.

Quando se llres fornece alimento pode-seÍazer observações interessantes. Assim, se dis-pusermos de uma barata viva (qualquer insetogrande poderá servir) e a jogarmos dentro docompartimento em que vive a aranha, observa--se uma série de movimentos rápidos das pernaspara sentir pelo tato onde está.a vítima, pois avisão das caranguejeiras deixa bastante a dese-jar. No mesmo instante que a vítima é tocada, a

ÀBRrL, 1945 13

*'Ç

r)"

T

aranha se lança sôbre ela e num abrir e Íecharde olhos mete-lhe as quelíceras, injetando o ve-neno que irá atuar como fermento digestivo des-tinado a dissolver o animal, permitindo assim,sugá-lo. E sabido que as aranhas não comemas suas vítimas, mas apenas sugam-nas e de talforma gue no fim de algumas horas vâmos er-contrar uma pequena bolinha de quitina comoresto de um inseto. Imediatamente após a cap-tura da vítima, agorê bem segura pelas guelí-ceras, começa a aranha a forrar todo o chãocom teia, descrevendo um movimento rotativolento, ao mesmo tempo que se ergue como guena ponta dos pés assumindo uma atitude muitocaracterística. Essas caranguejeiras liquidamum camondongo com a maior facilidade, masevidentemente não podem sugá-lo todo e assim,após dois dias de refeição contínua, o ratinho eposto de lado, pois além do mais já está eÍr es-tado de putrefação adiantada, em virtude daação digestiva do veneno. Com relação a peda-ços de carne crua dá-se o mesmo - sugam atéonde é possível e depois abandonam o resto, quenaturalmente deverá ser retirado com umapinça.

Querendo f.azer demonstrações para osalunos ou visitantes sôbre o comportamento das

é retirada. Não há perigo de fuga pois os mo-vimentos são bastante lentos. Colocando-se atábua na mesa a aranha irá caminhando deva-gar procurando, como é natural, um esconde-rijo, mas é sempre possível f.azer mudar de di-reção com o pedaço de madeira. Sob a ação deuma lâmpada forte, colocada a um metro porcima, o animal pára, provàvelmente por gostardo calor. Se o operador tiver coragem, é muitofácil segurar uma caranguejeira na mão paramostrar o bichinho mais de perto, especialmenteas guelíceras. Para isso é preciso apanhá-la porcima usando os dedos polegar e indicadoÍ, pe-gando-a entre o segundo e o terceiro par depernas. Não querendo pegá-la em movimento,pode-se prêviamente imobilizâ-la, apertando-acom a tábua, com cuidado, contra a mesa. Elasse debatem muito pouco prestando-se a umabela exibição. A única precaução recomendávelé a de evitar tocar na parte superior do abdome,que se acha recoberto de uns pelinhos que sesoltam muito fàcilmente agarrando-se à pele,onde irão provocar, dentro de dois dias, umacoceira bem desagradável, que pode durar l0dias, mas gue não tem maiores consegüências.

Acontece que, quando irritadas, elas àsvêzes lançam no ar êsses pelinhos, retirando-os

,*§*,

Começou a luta !(Fotografia de Moacir Leão)

do abdome com o último par de pernas. Sendolevados pelo vento êles podem cair nos braçosou no pescoço e ai a coceira é certa. Essa co-ceira é motivada pela penetração na pele, poisos pelinhos são extremamente pontiagudos echeios de farpas como um arpão. Tocando apele quase que automàticamente prendem-se aela e penetram cada vez mais como no caso dos

REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

*4

k

T-4-c

Ç

aranhas, retira-se uma delas da caixa ou com-partimento em gue vive, usando um pedaço demadeira de casca mais ou menos áspera, o qualé introduzido no compartimento e, com movi-mentos cuidadosos, levado até o animal que,tocado, tenderá ou a agarrâÍ-se a êle ou a irpara um canto. Com mais algumas tentativasconsegue-se f.azê-la agarrar-se à tábua e assim

qr

i

!l

Completamente cngalÍinhadas, palpos e perflas Íortemente rctesados, procuram unr ponto Íraco da advetúria(FotograÍia de lÍc

espinhos de ouriço, e a reação alérgica não se

faz esperar.

Querendo demonstrar a belicosidade dascarangueieiras basta colocar duas delas em con-tato. Logo gue se apercebem uma da outra, ati-ram-se à luta instantâneamente, adotando asatitudes ilustradas pelas fotografias l, 2 e 3.Atacam-se de frente, quelíceras bem abertas earmadas, os palpos e primeiro par de pernas en-trelaçados a Íazer fôrça como numa queda debraços, em que os contendores dão o que têmpara vencer o adversário. I-lma vez atracadas,em posição de combate, podem ficar vários mi-nutos imobilizadas, procurando um instante dedescuido ou então tentando colocar o adversá-rio numa posição favorável para o golpe mortal.

De repente, estabelece-se uma confusãotremenda de pernas, cada qual procuran,jo virara outra no ar e, neste instante, a mais ágil Íincaas quelíceras na adversária. Se fOr atingido ocefalotórax, eÍa uma vez uma caranguejeira.Caso contrário a luta pode continuar por mais

de meia hora. Às vêzes uma resolve abandonara luta e se afasta da arena, sem que a adversá-ria faça muita fôrça para perseguí-la.

Como uma demonstração dessas não pre-cisa terminar com a morte de um dos comba-tentes, basta para interessar aos alunos deisarque elas se engalfinhem e, logo que a luta atin-gir o auge, pode-se com a tabuinha separar aslutadoras, que não ficarão guardando odio porcausa disso.

Quem dispuser de um casal poderá tenraro acasalamento que é sumamente curioso. dadcos hábitos extremamente particulares dos arac-nídeos nesta questão. Esta tentativa deve serfeita no verão e com tôdas as precauções paraevitar a morte do macho.

Criando caranguejeiras há mais de l5 ancnuma sala de aula de biologia, podemos garan-tir que são sempre motivo de grande curixi-dade para os alunos, que quase todos os .l;-svão observá-las. Do ponto de vista didarico pa-rece correto poder afirmar-se que uma aranhaviva vale mais que um elefante empalhado.

\t

rl

ÀBRIL, 19{5

b

{f

r:

J&..-

ff,1

F

í_

/aEl

\

}r

{