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Eixo: Pedagogia Histórico-Crítica
ARTICULAÇÕES DE PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA NUMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA: IMPACTOS DA
SOCIALIZAÇÃO DO SABER PARA DESENVOLVIMENTO
INTELECTUAL E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Gilcilene de Oliveira Damasceno Barão (FEBF/UERJ)
Leandro Sartori Gonçalves (UNICAMP)
Resumo: O presente trabalho analisa a experiência pedagógica que utiliza princípios da
Pedagogia Histórico-Crítica e tem sido desenvolvida por professores e estudantes da
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, unidade da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, em uma escola pública da região periférica do município de Duque de
Caxias, Rio de Janeiro. As produções clássicas têm relevância metodológica para a
socialização do saber e, por isso, foi proposto o estudo de autores da literatura clássica no
“Curso de Extensão Formação de Comunidade Escolar: Literatura e Lutas na América
Latina”. Na prática o curso tem como proposta pedagógica viabilizar a apreensão do
pensamento social latino-americano pelos estudantes da EJA, pais de alunos do ensino
fundamental e profissionais da escola, bem como, possibilitar aos alunos bolsistas da
graduação e estudantes de pós-graduação experiências formativa na Pedagogia Histórico-
Crítica. A experiência em analise aponta elementos para o desenvolvimento
metodológico para contribuir com a socialização do saber, o desenvolvimento intelectual
e a formação de intelectuais orgânicos na apreensão dos problemas sociais e das formas
de lutas apresentadas nas obras clássicas estudadas. Trata-se de uma atividade extra-
curricular que tem contribuído para a formação curricular dos estudantes da EJA e
acentuar o papel formativo que a escola deve propiciar aos seus estudantes e comunidade
escolar.
Palavras-chave: Pedagogia Histórico-Crítica; Desenvolvimento Intelectual; Intelectual
Orgânico; Socialização do Saber.
2
Introdução
“As [...] formulações da pedagogia histórico crítica,
pedagogia socialista de inspiração marxista, [afirmam] o
caráter político da educação e a inserção da educação na luta
contra-hegemônica [...] mostrou-se novamente profícua para
os estudos e pesquisa que polemizavam com o tecnicismo e
com o anúncio de que a educação nada podia fazer além de
ser reprodutora das relações sociais capitalista” (FONTE,
2011, p.24).
Os slogans “educação para todos” e “todos para a educação”, pedagogia do
“aprender a aprender” ou “pedagogia das competências” marcam um campo teórico que
recolocam a necessidade da afirmação da Pedagogia Histórico-Crítica na luta contra-
hegemônica de esvaziamento teórico colocado para escola, a formação docente e a
escolarização desde a educação infantil a universidade. Neste trabalho tem-se como
finalidade analisar uma experiência pedagógica realizada no trabalho de extensão
universitária que teve como referencia teórica os princípios da Pedagogia Histórico-
Crítica, as categorias de desenvolvimento intelectual (Florestan Fernandes) e de
intelectual orgânico (Gramsci). Para isso, optou-se por trabalhar com os clássicos da
literatura latino-americana.
O curso de extensão1 acontece na Escola Municipal Barro Branco, pois esta tem
mantido relação com a universidade através de implementação de projetos, grupos de
estudos e etc. A UERJ, mantém a interlocução com a comunidade escolar visando
problematizar os limites e possibilidades da participação popular na realização da
educação escolarizada e da gestão pública e democrática. Além disso, favorece a práxis
da universidade como promotora de bens culturais e socialização do saber para aqueles
que historicamente foram expropriados de seus direitos educacionais. Tal atividade de
extensão contrasta com as políticas educacionais vigentes, pois contesta a
1 O curso de extensão está vinculado ao projeto de extensão “Educação como políticas pública: perspectiva
histórica, embates e contradições” que acontece na UERJ desde de 2004 e encontra-se organizado em três
eixos de atividades: pesquisa, formação e intervenção. Na atividade de intervenção, objeto deste texto, são
cursistas: pais de alunos, funcionários e professores da escola e ainda, majoritariamente, estudantes da
Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os estudantes da EJA, de modo geral, analfabetos ou semianalfabetos
são pessoas que tiveram seu direito à educação negado na medida em que foi-lhes exigido, por duras
condições de manutenção da existência, que se dedicassem ao mundo do trabalho desde tenra idade.
3
superficialidade imposta a educação pública e o enfraquecimento da escola como lócus
de conhecimento sistematizado, científico e que parta dos clássicos. Nele a relação entre
escola e comunidade é repensada, porque se coloca centralidade no papel formativo da
escola.
Com o exposto, o texto é organizado a partir de dois eixos base. No primeiro eixo,
encontra-se a discussão dos fundamentos educacionais que cooperam ao entendimento do
curso enquanto atividade de extensão universitária. Já no segundo eixo, verificamos os
traços essenciais do curso e seus desdobramentos elencados a partir das experiências que
tem sido postas em prática há três anos e que tem auxiliado para consolidação de relações
emancipatórias no âmbito escolar.
1) O caráter político da Educação e a luta de classes: elementos para analisar
uma prática pedagógica
Os comunistas não são apenas, no terreno da prática, os
agentes ‘mais decididos’ e ‘impulsionadores’ na defesa e na
promoção dos interesses dos trabalhadores e do povo, em
geral; eles têm também que procurar como vantagem sobre
os demais, no plano e no registro da teoria, ‘a penetração (a
inteligência) nas condições, no curso e nos resultados do
movimento proletário’.
Não se trata (...) de um cimento ideológico (...) mas, bem pelo
contrário, de desenvolver um efetivo programa de
investigação do real, e das contradições em desenvolvimento,
que fundamente e perpective uma empenhada intervenção de
classe e de partido nos processos históricos reais e nos seus
combates.” (BARATA-MOURA, 2010, p. 14-15)
Um ponto de partida imprescindível nos estudos das ciências humanas, mais
detidamente da educação na pedagogia Histórico-crítica, é a sua interseção e
compromisso com uma dada concepção político-filosófica de mundo. A despeito dos
silêncios que ora se possa encontrar em diferentes documentos e práticas de educação,
queremos marcar aqui a impropriedade de enxergar neutralidade no que tange a atuação
formativa entre os sujeitos sociais. Fica exposto a existência de diferentes
4
posicionamentos frentes as questões sociais e, por conseguinte, a possibilidade de
contradições e antagonismos, de embates e lutas.
Foge, no entanto, ao escopo deste trabalho discutir as especificidades de cada uma
das concepções de mundo postas. Com tais fins outros trabalhos cooperaram no
robustecimento da discussão, tal como a tese de livre docência de Lombardi (2010), que
traz uma longa discussão a respeito das diferentes concepções que fundamentam, por
exemplo, a produção científica em história da educação. Interessa-nos aprofundar alguns
contornos da política educacional hegemônica e apresentar os fundamentos da pedagogia
Histórico-crítica que foram aportes teóricos para a experiência analisada neste trabalho.
1.1. A “Sociedade do Conhecimento” e a conclamação de “todos” na efetivação
da “competência” de “aprender a aprender”: algumas aproximações à
política do Capital
Nestas condições, a educação contribui para consolidar o
“status quo”, ou seja, contribui para a manutenção da
desigualdade social, haja vista se sustentar em bases
econômicas excludentes, que geram a concentração de renda,
a produção de riqueza e miséria, a produção coletiva e
apropriação privada de bens e serviços. (GOMIDE, 2007)
É marco para as pesquisas sobre as políticas educacionais e seus desdobramentos
nas práticas escolares a reforma do Estado empreendida a partir dos anos de 1990 e que,
salvaguardadas as vicissitudes colocadas pela luta de oposição ao capital no país,
aprofundam a articulação do Brasil com os interesses do Capital internacional. Em
verdade, consta o reforço das premissas liberais que repercutem em diferentes sentidos,
tais quais:
Desregulamentação, que contém o significado mais amplo de retirar os
direitos conquistados e não produzir políticas sociais; flexibilização,
que implica propor um mínimo de regras para que a lei seja a da oferta
e a da procura num mercado aberto; autonomia, descentralização e
privatização. É importante ressaltar que o Estado, nesse contexto, abre
mão de realizar políticas sociais e os indivíduos precisam, então, passar
a comprar os ‘serviços’ de saúde, educacionais, de bem-estar e demais
‘serviços’ que passaram a ocupar o lugar dos direitos sociais
conquistados ao longo da trajetória da identidade sociais das classes.
(NORONHA, 2006, p. 52)
5
No que se refere à educação, fica demarcado seu uso em favor da internalização
de valores oportunos à perpetuação do regime de classe em favor do capital
(MÉSZÀROS, 2008), conforme podemos notar pelas indicações postas pela UNESCO:
Tal definição reforçou sua imagem simbólica em favor da paz, da
segurança nacional e mundial de modo a estabelecer um pensamento
unitário para um projeto de uma sociedade ideal: sem guerras, sem
violências, sem conflitos, sem contradições. Definida como um “[...]
laboratório de ideias e uma instituição com padrões para tecer
consensos universais sobre temas emergentes” (UNESCO apud
GOMIDE, 2012)
Ademais, indica-se a preparação de mão-de-obra para o trabalho produtivo
(NORONHA, 2006) como outro ponto-chave. Nesse sentido, com o advento da
acumulação flexível marcada pelo surgimento do toyotismo e suas novas articulações que
vislumbram características, como a questão da flexibilidade na formação deslindada pelo
slogan de “aprender a aprender”, são designadas adequadas ao novo padrão de produção.
Neste novo padrão é valorizada a capacidade de adaptação do trabalhador a realidade
dinâmica do mercado, tornando-se crivo de seleção e legitimação para obtenção dos
postos de trabalho e inserção no mundo do trabalho.
Importa perceber o desdobramento ideológico pró-capital que indica esta como a
“sociedade do conhecimento”, cooperando a manutenção de seu status e reprodução das
relações desiguais entre os homens. Nesse sentido, cabe a longa citação que ajuda a
observarmos as mistificações discursivas produzidas pelos intelectuais orgânicos do
capital:
Primeira ilusão: O conhecimento nunca esteve tão acessível como hoje,
isto é, vivemos numa sociedade na qual o acesso ao conhecimento foi
amplamente democratizado pelos meios de comunicação, pela
informática, pela Internet etc.
Segunda ilusão: A capacidade para lidar de forma criativa com
situações singulares no cotidiano ou, como diria Perrenoud, a
habilidade de mobilizar conhecimentos, é muito mais importante que a
aquisição de conhecimentos teóricos (...)
Terceira ilusão: O conhecimento não é a apropriação da realidade pelo
pensamento mas, sim, uma construção subjetiva resultante de processos
semióticos intersubjetivos nos quais ocorre uma negociação de
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significados. O que confere validade ao conhecimento são os contratos
culturais, isto é, o conhecimento é uma convenção cultural.
Quarta ilusão: Os conhecimentos têm todos o mesmo valor, não
havendo entre eles hierarquia quanto à sua qualidade ou quanto ao seu
poder explicativo da realidade natural e social.
Quinta ilusão: O apelo à consciência dos indivíduos, seja através das
palavras, seja através dos bons exemplos dados por outros indivíduos
ou por comunidades, constitui o caminho para a superação dos grandes
problemas da humanidade. Essa ilusão contém uma outra, qual seja, a
de que esses grandes problemas existem como conseqüência de
determinadas mentalidades. (...) Assim, acabar com as guerras seria
algo possível através de experiências educativas que cultivem a
tolerância entre crianças e jovens. A guerra é vista como conseqüência
de processos primariamente subjetivos ou, no máximo intersubjetivos.
(...) Deixa-se de lado toda uma complexa realidade política e econômica
gerada pelo imperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos
românticos (DUARTE, 2001)
Os elementos que destacamos têm sido privilegiados para pensar a política pública
no Brasil. Já que, como afirma Fernandes (2011), a burguesia no Brasil continua fazendo
a dupla opção: por um lado a obtenção de “...‘vantagens relativas’ da associação com as
nações capitalistas centrais...” e, por outro “... o ‘equilíbrio de poder’ a qualquer preço,
pelo qual a nação tem que crescer fatalmente contra a sociedade politicamente
organizada.” (p. 31-32).
A reforma do Estado, organizada no governo de Fernando Henrique Cardoso,
também trouxe essas estratégias para o campo educacional e a pedagogia do capital
aprofunda e explicita as diretrizes da gestão empresarial para serem referências na escola
pública. Elas terão, posteriormente, continuidade nos governos Lula e Dilma,
especialmente, com o surgimento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que
teve como parceiros de primeira ordem o movimento empresarial “Todos pela Educação”.
(BARÃO, 2009).
Outro problema de gestão se refere à enunciação da gestão democrática enquanto
princípio legal de organização das instituições, e a contrapartida através dos mais diversos
programas e projetos postos, sobretudo posteriormente a implementação do PDE que
secundarizam, entre outras coisas, a participação dos pais e comunidade escola. À estes
atores fica disposto o papel de cuidar da manutenção da escola, além da fiscalização do
cumprimento das metas indicadas a escola, em especial, a metas elencadas como padrão
7
de qualidade pelo sistema nacional de avaliação externas. Aqui está o modelo de
“Educação para todos” e “Todos pela Educação” tão utilizadas como estratégica de
marketing pelo governo2. A organização do o curso de extensão “Formação de
Comunidade Escolar: literatura e lutas na América Latina” teve como finalidade se
contrapor a essas políticas que esvaziam o papel formativo da escola pública.
Outro aspecto significativo remonta a questão dos posicionamentos pedagógicos
na escola e, por isso, cabe voltar brevemente ao slogan “aprender a aprender”. De fato, o
principal apontamento teórico-metodológico disposto, por exemplo, através do
documento-base da Conferência de Jomtien (1990) indica a necessidade de que os sujeitos
aprendam a aprender. Os impactos da “pedagogia das competências” e do “aprender a
aprender” é restringir a formação escolar a preparação para o trabalho e ajustamento ao
padrão de sociabilidade alienada capitalista (DUARTE, 2001)
A educação institucionalizada nestes moldes atua na legitimação do pensamento
burguês e preparo de capital humano e retira da escola o seu papel formativo e de
socialização do saber. A escolarização denotaria, portanto, embrutecimento unilateralista
do homem (MANACORDA, 2010), pela cisão trabalho manual e trabalho intelectual, que
é reproduzida na escola dualista3.
2) A contra-hegemonia e a proposição da Pedagogia Histórico-Crítica: a
centralidade da socialização do saber sistematizado
A Pedagogia Histórico-Crítica surge no Brasil como uma proposta contra-
hegemônica ao tecnicismo presente na política educacional do período da ditadura civil-
militar e, também, a falta de perspectiva transformadora que as denominadas teorias
critico-reprodutivista trouxeram para as práticas pedagógica. Atualmente, diante do novo
2 Isso para destacar somente a as estratégias dispostas pelo governo federal, posto que no município do Rio de Janeiro, por exemplo, a campanha ‘Fabrica de Escola” é bastante elucidativa enquanto expressão do modelo educacional pretendido nas atuais políticas educacionais. 3 “A dualidade estrutural expressa uma fragmentação da escola a partir da qual se delineiam caminhos diferenciados segundo a classe social, repartindo-se os indivíduos por postos antagonistas na divisão social do trabalho (...)” (CAMPELLO, 2008, p. 136).
8
tecnicismo e das concepções e políticas baseadas nos slogans (educação para todos e
todos para a educação, aprender a aprender, pedagogia das competências, qualidade como
resultado de desempenho) a Pedagogia Histórico-Crítica torna-se uma trincheira teórica
para a formação docente através do ensino, da pesquisa e de atividades de extensão.
Quanto as denominadas “novas” concepções, que partem de lemas e slogans,
concordamos com Evangelista sobre a necessidade de compreensão destas na política
educacional e na prática escolar, pois
A ideia de que o “educador precisa ser educado” revelou-se
fundamental para discutirmos os meios pelos quais a estratégia
capitalista, violenta e insidiosamente, invade nossa capacidade de
intelecção e se esforça para inviabilizar nossa compreensão do
mundo. Apresentando suas promessas como o “pote no fim do arco-
íris”, a burguesia organiza suas propostas para a educação com uma
ciranda de slogans. Cria a “ilusão” da consecução de tais promessas
obliterando a impossibilidade de serem alcançadas no capitalismo.
(2014, p.9)
Para Saviani e Duarte (2012, p.34) “não cabe, pois, aderir a elas [correntes
pedagógicas] ou rejeitá-las em razão de slogans por meio dos quais se deu ou vem dando
a sua divulgação”. O histórico dos embates pedagógico impõem aos educadores, na
perspectiva marxista e comunista, a apropriação dos fundamentos da Pedagogia
Histórico-Crítica para alargar o horizonte cultural dos jovens e contribuir na
transformação da sociedade.
Neste contexto, a Pedagogia Histórico–Crítica tem, pelo menos, dois desafios
enquanto pedagogia contra hegemônica. De um lado, estabelecer combate com
neoprodutivismo e suas variantes: neo-escolanovismo, neoconstrutivismo e neotecnismo
(SAVIANI, 2007), pois estes não são especificidades da realidade educacional brasileira.
O horizonte de desenvolvimento dessas ideias pedagógicas é o imperialismo total, como
afirma Florestan Fernandes, que imprimi os seus projetos ao conjunto das instituições
sociais. De outro lado, os slogans educacionais cujas concepções pedagógicos têm raízes
nas deliberações das Conferências Internacionais, por exemplo a realizada em Jomtien
(1990), nas reuniões internacionais sobre educação, nas publicações e nos relatórios
produzidos pelos organismos internacionais. Muitos destes organismos, Banco Mundial
9
e UNESCO para citar alguns, passaram a participar de pesquisas patrocinadas pelos
ministério e secretarias de educação em diversos países articulando com os governos
concepções educacionais com aparência de novidade pedagógica. Entretanto, reafirmam
políticas pedagógicas esvaziadas de sentido histórico e de compromisso com a formação
humana na perspectiva histórico-ontológica.
O papel social da universidade pública na formação inicial (ensino), pesquisa ou
nas atividades de extensão é se contrapor a essa concepção hegemônica e organizar
concretamente, como propõe a Pedagogia Histórico-Critica, indicações metodológica
para a educação escolar. Assim, a experiência em analise recorre a aportes teóricos da
Pedagogia Histórico-Crítica e trabalha com suas indicações metodológicas na prática
pedagógica do curso de extensão “Formação de Comunidade Escolar: Literatura e Lutas
na América Latina” .
Um dos aportes teóricos utilizados tem relação com a perspectiva histórico-
ontológica da formação humana quando aponta a finalidade de
Superar a alienação para alcançar-se o pleno desenvolvimento da
individualidade livre e universal: essa é a perspectiva da sociedade
comunista em Marx. E como a filosofia pode contribuir para que a
educação s e insira nesse processo de construção dessa nova sociedade
a partir das condições atuais, marcadas por relações sociais alienadas?
Pensamos ser possível sintetizar as contribuições da filosofia
recorrendo ao conceito de ‘clássico’ que se reporta ao patrimônio
cultural da humanidade, que deve ser assimilado pelas novas gerações
como elemento de sua plena humanização (SAVIANI; DUARTE,
2012, p.30)
Considerar a humanização nas condições das relações sociais alienadas foi uma das
diretrizes e nos remeteu aos clássicos da Literatura Latino Americana que aqui tratamos.
Saviani e Duarte apontam a necessidade da pedagogia entrar na fase clássica, pois
por esse caminho a pedagogia ganha condições de assumir a perspectiva
ontológica, apreendendo a educação, isto é, o processo de formação
humana, como o contínuo movimento de apropriação das objetivações
humanas produzidas ao longo da história. Eis como a filosofia estará
concorrendo, na educação, para, a partir das relações alienadas, abolir
os entraves que a forma social capitalista vem impondo ao
desenvolvimento plenamente livre e universal do ser humano e de sua
formação (2012, p.34)
10
Nas considerações finais do relatório da pesquisa “Formação de Comunidade
Leitora” (2013) apontamos o trabalho com a literatura clássica como um dos subsídios
possíveis e necessários para garantir a constituição da formação de comunidade leitora
(pais, professores, funcionários e estudantes da Educação de Jovens e Adultos) na Escola
Municipal Barro Branco. A literatura clássica, e em específico a latino-americana,
“desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais
compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”. (CANDIDO apud
FESTER, s/d).
A partir da opção metodológica pela literatura clássica é possível destacar o outro
aporte teórico que é a socialização do saber, porque
no que se refere à identificação dos elementos culturais, a escola
deve socializar o conhecimento construído historicamente
possibilitando aos educandos o acesso a cultura erudita [...],
superando o senso comum e a imersão na cotidianidade, levando
os alunos à desmistificação da realidade, possibilitando
compreender a totalidade, a essência que se desvela por detrás da
aparência dos fenômenos (MARSIGLIA, 2011, p.103).
Ao longo do curso pudemos identificar como a relação com os clássicos da
literatura permitiu o alargamento cultural e a superação do senso comum, bem como, a
exigência dos estudantes da EJA que a escola, através da sala de leitura, e no curso de
extensão propiciasse mais instrumentais para eles alcançaram a autonomia da leitura e na
escrita, pois eles queriam ler os autores e suas obras. A própria equipe da escola ficou na
dúvida se estudantes da EJA e pais iriam se interessar pelo curso e, atualmente, o curso é
considerado como uma atividade extra-escolar significativa da EJA na Escola Municipal
Barro Branco.
Buscamos, ainda, articular fundamentos da Pedagogia Histórico-Crítica com as
contribuições de Florestan Fernandes (desenvolvimento intelectual/cultural) e Antonio
Gramsci (intelectual orgânico).
Florestan Fernandes confere centralidade a discussão do desenvolvimento
intelectual dos trabalhadores e seus filhos, bem como, a concepção de escola pública e a
sua sala de aula como experimentum crucis na política educacional. Para este autor, é
11
preciso estabelecer um novo ponto de partida na interlocução com os pais, os responsáveis
e os estudantes na escola pública de hoje e, ao mesmo, tempo é urgente uma educação
para além da perspectiva do capital, numa pedagogia para emancipação.
O desenvolvimento intelectual mencionado por Florestan difere intrinsecamente
de intelectualismo, é acesso a cultura - e cultura como aponta Gramsci - não menos que
organização, disciplina do próprio eu interior, apropriação da
própria personalidade, conquista de consciência superior: e é
graças a isso que alguém consegue compreender seu próprio valor
histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos e seus
deveres. [...] e essa consciência se forma não sob a pressão brutal
das necessidades fisiológicas, mas através da reflexão inteligente
(primeiro de alguns e depois de toda uma classe) sobre as razões
de certos fatos e sobre os meios para convertê-los, de ocasião de
vassalagem, em bandeira de rebelião e de reconstrução social”.
(GRAMSCI, apud COUTINHO, 2011, p. 55)
Busca-se, além do aspecto da cultura como dimensão humana, que essa prática
pedagógica contribua para que escola seja um espaço de formação e de protagonismos
dos jovens e, portanto, de formação de intelectuais orgânicos porque
cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função
essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao
mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de
intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria
função, não apenas no campo econômico, mas também no social
e no político [...] (GRAMSCI, 1991)
3) Perspectivas de contra-hegemonia em educação: uma experiência
pedagógica na extensão e seus impactos na escola como espaço de
formação
“O contexto no qual esta apresentação adquire é o da
construção coletiva da pedagogia histórico-crítica. [...] a
construção coletiva dessa pedagogia está em andamento tanto
no que diz respeito à elaboração teórica, quanto no que diz
respeito ao ao enfretamento dos problemas postos pela prática
no campo educacional. Há muito por ser feito nessas duas
direções” (DUARTE, 1994, p.129-130.)
12
No município de Duque de Caxias (RJ) as concepções educacionais que viemos
elencando como marcas da política educacional que tem relação com a reforma do Estado
são postas em prática em quase toda rede, à exceção de uma escola, a Escola Municipal
Barro Branco que está localizada na periferia do Município. Atualmente atende a
aproximadamente 380 alunos do pré-escolar ao 5° ano de escolaridade e nas modalidades
de Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos (EJA). É uma escola da rede
pública de ensino que ao longo de mais de 25 anos de existência tem obtido, com muitas
lutas, conquistas significativas no espaço educacional do município, chegando hoje a ser
referencia para demais instituições públicas que busquem desenvolver um projeto
educacional referendado na gestão democrática, com uma visão crítica da realidade.
Dadas as circunstancias diferenciadas da instituição, variados projetos de pesquisa
junto a universidades públicas são desenvolvidos a fim de estudar as contradições,
avanços e retrocessos desse projeto educacional. Dentre os projetos, mencionamos dois
vinculados a Faculdade de Educação da Baixada Fluminense que discorreremos a seguir.
O Projeto de Pesquisa “Formação de Comunidade Leitoras na Periferia: a
Articulação da Dimensão pedagógica e Política no Acesso à Leitura”4 foram realizadas
diversas atividades com pais, responsáveis e alunos. No relatório final da pesquisa consta
o inventário dessas atividades. Em avaliação a estas atividades feita pelos participantes
chama atenção o encantamento com o conhecimento adquirido, o respeito, o direito a
estar num espaço como a universidade e do filho estudar numa escola pública que
proporciona momentos de encontro, de troca, e de humanização que deixa o “coração
aliviado”, como diz a dona Antônia (aluna do curso).
O Curso de Formação de Comunidade Escolar: Literatura e Lutas na América-
latina é proposto como atividade de intervenção do projeto de extensão e, igualmente, em
resposta as demandas elencadas na pesquisa do projeto de formação de comunidades
leitoras. Esta atividade de intervenção contrasta com as políticas que mencionamos ao
longo deste texto através de seu referencial teórico-metodológico, embasado na
4 Este projeto contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
13
Pedagogia Histórico-Crítica contestando o barateamento da educação pública e o
enfraquecimento da escola como lócus de conhecimento sistematizado.
Nesse sentido, o curso foi pensado com a finalidade socializar saberes do
pensamento latino-americano e através da literatura e obras políticas de autores que são
referências clássicas. Visa-se, assim, contribuir na superação da miséria cultural imposta
aos jovens e no desenvolvimento do sentimento de pertença e de solidariedade entre o
povo latino-americano. Para isso, propõe-se o estudo e a apresentação de estudiosos,
lutadores, literatos e poetas clássicos do pensamento latino-americano para alcançar o
‘desenvolvimento intelectual’ (Fernandes) por meio da ‘socialização do saber’ (Saviani)
e cooperando na formação de ‘intelectuais orgânicos’ (Gramsci).
No “Curso de Formação de Comunidade Escolar: literatura e Lutas na América
Latina são desenvolvidas atividades variadas: aulas (organizadas com mística,
apresentação de slides e vídeos sobre o país do autor em estudo, sua biografia, leitura-
discussão de algumas de suas produções e, por fim, degustação de alguma comida típica
do país em estudo ), exibição de filme, palestras com convidados externos e visitas a
espaços não-escolares. O trabalho com a literatura e socialização dos clássicos difere, no
entanto, do que Ferreira (2012) aponta com chave da política das competências no âmbito
da literatura:
Um exemplo bastante comum é o da retórica da pedagogia das
competências, que inclui a necessidade da chamada competência
literária. Nesse argumento a literatura erudita não é considerada
fundamental para o desenvolvimento do aluno. O discurso
pedagógico hegemônico na atualidade privilegia, porém, a
chamada contextualização dos conteúdos escolares, incluindo-se
os conteúdos literários. As orientações curriculares oficiais, em
última instância, estimulam apenas a contextualização sócio-
cultural dos conteúdos literários. (p. 106)
Nessa atividade de extensão interessa apresentar os conhecimentos da Nuestra
América, como disse José Martí, que viabilizem ampliação do horizonte intelectual a fim
de compreender que, apesar da sociedade capitalista afirmar ao contrário, os
trabalhadores e seus filhos são intelectuais. Com isso, aprofunda-se a relação e se
estreitam os laços que fazem perceber que há uma realidade aparentemente distante, do
14
estrangeiro como havia enfatizado uma aluna nos primeiros dias de aula, passa, com o
tempo, a ser próxima, sobretudo àqueles que vivem da venda da sua força de trabalho.
Nessa direção, são objetivos importantes: 1) possibilitar o acesso a literatura como
direito inalienável e fator de humanização; 2) conhecer lutadores, estudiosos, literatos e
poetas que são escritores clássicos do pensamento latino-americano propiciando
desenvolvimento intelectual aos partícipes do curso; 3) desenvolver o sentimento de
pertença e de solidariedade entre o povo latino-americano; 4) estreitar articulação entre
universidade e escola pública e; 5) reafirmar a concepção de escola como espaço de
formação humana e socialização do saber.
Fica claro, portanto, o entendimento de que o estudo da literatura e, por acréscimo,
dos escritos políticos são fatores indispensáveis à humanização. A literatura e demais
conteúdos dela decorrentes se constituem, não somente como direito, mas como uma
necessidade de vital do homem e da sociedade. Assim, são abordados como temas das
aulas intelectuais clássicos que em algum momento da história latino-americana
desempenharam papel significativo nas lutas progressistas em favor da transformação
social.
Diante das colocações dos alunos durantes aulas é perceptível que esta atividade
de extensão tem servido para professores, bolsistas e voluntários pensarem a escola como
um espaço de formação humana, promotora de bens culturais e sociais.
Florestan Fernandes em sua análise sobre a formação política e o trabalho do
professor denuncia a neutralidade ética cuja centralidade está no conformismo e
alheamento às mazelas sociais como algo prejudicial a pratica docente, que visa cumprir
o objetivo histórico de manutenção da ignorância, exclusão e manipulação.
(FERNANDES, 1989). Assim, quanto mais esvaziado de sua condição de cidadão na sala
de aula, mais apto o professor era considerado aos propósitos de classes dominantes que
tinham por objetivo a manipulação e diante disso, Fernandes afirma em seus escritos que:
“Mas, justamente ali, o professor precisa ser professor-cidadão e um ser humano rebelde”.
(FERNANDES, 1989, p.164). Com a atividade de intervenção, o trabalho a partir da
literatura indica uma prática pedagógica comprometida do professor.
Uma das preocupações iniciais com o trabalho de clássicos de literatura com a
EJA apontadas pela própria equipe da escola seria a dificuldade da leitura e complexidade
15
dos textos para sujeitos que ainda não dominam plenamente as ferramentas de leitura e
escrita. No entanto, o fragmento abaixo pode apontar para importantes elementos. No
que tange a literatura, temos:
(...) o trabalho educativo pode produzir direta e intencionalmente
a aprendizagem da relação catártica com a obra literária?
Para responder a essa pergunta partirei de um importante
esclarecimento feito por Martins (2012, p.232) sobre as relações
entre o psiquismo do professor e o psiquismo do aluno no trabalho
educativo: Dessa forma, a instrumentalização do trabalho
pedagógico pressupõe as condições teórico-metodológicas para a
operacionalização do “duplo trânsito” requerido ao “bom
ensino”: do abstrato ao concreto e do concreto ao abstrato, isto é,
“de cima para baixo” e “de baixo para cima”. Defendemos, então,
que o percurso lógico do trabalho do professor não reproduza o
percurso lógico do pensamento infantil, do pensamento primário,
mas que encerre um profundo conhecimento sobre ele para poder
transformá-lo, isto é, alçar uma “prática social qualitativamente
superior no ponto de chegada”. Sob tais condições, nas quais o
professor “empresta” ao aluno aquilo que já conquistou – quer em
termos dos processos funcionais superiores quer em termos dos
conteúdos escolares a serem transmitidos –, o ato de ensinar
realizar-se-á como uma interposição que provoca transformações,
isto é, operará como mediação no desenvolvimento do aluno.
Trata-se, portanto, de promover a catarse. O percurso lógico do
trabalho do professor deve se orientar pelo conteúdo a ser
ensinado e não pela reprodução da lógica do pensamento do
aluno. Como Martins esclarece em sua tese, não se trata, em
absoluto de se desconsiderar, em nenhum momento, as
características concretas dos alunos, entre as quais se inclui seu
psiquismo. Trata-se, isto sim, de promover o desenvolvimento
psíquico do aluno levando-o a interiorizar o que poderíamos
chamar de psiquismo objetivado nos produtos mais elevados da
cultura. (...) (FERREIRA, 2012, p.126)
Em continuidade ao explicitado, o curso tem colaborado e influenciado
positivamente a base curricular da escola e modificação da prática docente, de modo
especial da Educação de Jovens e Adultos. Isso é notado, por exemplo, quando os
clássicos latino-americanos são incorporados e trabalhados em concomitância aos
conteúdos escolares básicos da etapa de ensino. Percebe-se com isso um esforço por
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superar a visão mistificadora que supõe neutralidade. Fica disposta aqui uma orientação
e posição diante da sociedade em combate as visões isoladas e fragmentadas de mundo.
Os próprios alunos-participantes da atividade de extensão demandam que sejam
desafiados, a partir dos escritos de literatura, nas práticas de leitura e escrita com textos
que estão para além dos antigos hábitos de leitura, outrora circunscritos ao universo
religioso ou, em ocasiões pontuais, discussões cujo ponto de partida remetia ao universo
da grande mítica conservadora brasileira.
Um aspecto peculiar dessa socialização do saber foi explicitado numa reunião de
avaliação das aulas. Os alunos expuseram que as atividades do curso deveriam exigir
mais produção escrita, pois ao tomar conhecimento das obras de Eduardo Galeano,
Gabriel Garcia Marquez, Jose Martí e Graciliano Ramos propiciaram a mobilização para
alcançar a autonomia na leitura e na escrita. A ânsia por dominar os códigos da leitura e
da escrita não ficou circunscritos a língua portuguesa, pois como sempre apresentamos
músicas, receitas de comida e poemas em espanhol e português os alunos ficaram
mobilizados a aprender mais sobre espanhol5. A socialização do saber e a apropriação,
também, se manifestam através do sentimento de pertencimento a região da nossa
América. .
Nas práticas docentes, por outro lado, começam-se a perceber as características
seguintes:
A consciência, por parte do professor, de seu próprio processo de
homogeneização e catarse na relação com as obras literárias é condição
necessária (embora não suficiente) para que o ensino de literatura seja
um “[...] ato de produzir direta e intencionalmente no indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens.” (SAVIANI apud FERREIRA, 2012, p.127)
O relato de alguns alunos do curso, em relação a presença da universidade na
escola retrata a profundidade e importância desse trabalho:
5 Levaremos uma professora de espanhol da universidade para conversa com ele sobre essa língua estrangeira. Portanto, fica evidente como essa atividade pedagógica abriu um campo intelectual para esses alunos que antes não identificavam as especificidades entre as línguas estrangeiras.
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Depois daquela aula sobre o Prestes, eu e meu marido, não ligamos
mais a televisão a noite, ficamos lendo o livro sobre a vida dele, eu lia
uma pagina e meu marido a outra.
Nesta direção, aula após aula, tem-se notado a contribuição para a finalidade de
ampliação dos horizontes culturais dos alunos. Isto é demonstrado pela luta por uma
escola pública de qualidade, como por exemplo, o embate da Escola Municipal Barro
Branco junto a Secretaria de Educação em relação a extinção da sala de leitura da escola,
quando um dos estudantes da EJA (também pai de aluno) e participante da atividade de
extensão retruca ao Secretário de Educação do Município:
Eu era analfabeto, bruto e quase um animal como o “Fabiano de
Graciliano”, que não pode estudar. Vocês não pode fechar a sala
de leitura e tirar a minha oportunidade e dos meus filhos de
estudar.
Evidencia-se a importância do saber para o desenvolvimento intelectual. Sua
apropriação é ferramenta para a luta e a não aceitação diante das mazelas sofridas
diariamente. Assim, observa-se desdobramentos nas práticas educacionais dos princípios
elencados ao longo do texto: as práticas educacionais que atuam para ampliar a
consciência dos sujeitos, e na formação humana, no sentido de socialização do saber,
como forma de inserção de classe na disputa por transformações econômicas e sociais.
A participação de alunos na mobilização pela defesa das condições pedagógicas
da escola, para que não lhes fossem tiradas algumas conquistas, evidencia que a
socialização do saber viabiliza a formação de intelectuais orgânicos que pensam e
defendem a escola pública, como espaço de formação político e cultural necessária à
classe trabalhadora.
Ao final de cada aula é apresentado um prato típico do país do autor estudado e
neste processo a merendeira da escola participa da leitura da receita e para poder preparar
o prato. Num dos dias ela disse que estava se tornando cozinheira internacional. Este tem
sido um aspecto interessante desse curso cuja finalidade é a formação de comunidade
escolar e tem conseguido envolver professores, demais funcionários, estudantes, pais
através da socialização do saber, o alargamento intelectual e possibilitando a escola como
espaço de formação.
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Ademais, o curso de extensão não estabelece uma crítica pela crítica das políticas
educacionais, ele acontece como ação propositiva, desenvolve atividades que
possibilitem a leitura da realidade e fomenta mudanças. Não acontece como uma ação
isolada, preocupa-se em envolver diferentes agentes da comunidade escolar. Está
ressignificando a visão da escola sobre si e sobre o sistema político. Numa das aulas uma
cursista afirmou:
O tempo é pouco. Não estou reclamando da escola. Essa escola é muito
boa, a gente precisa estudar mais. Saber mais coisas da História. Falta
tempo! O curso da força pra gente. Os políticos não ligam pra gente...
A luta continua... a gente tá aqui lutando! A prova de que a luta vale a
pena é que vocês estão aqui... Pode não ser pra mim, mas pode ser pros
meus netos.
Importa aqui que se observe a citação de Saviani
Em outros termos, concluí que o papel da escola não é mostrar a face
visível da lua, isto é, reiterar o cotidiano, mas mostrar a face oculta, ou
seja, revelar os aspectos essenciais das relações sociais que se ocultam
sob os fenômenos que se mostram à nossa percepção imediata”
(SAVIANI, 2011b, p.201)
A partir das categorias teóricas, da apresentação e do estudo dos autores clássicos
e personalidades políticas fica evidenciado o compromisso das produções e dos escritos
de Marti, Gracialiano, Gabriel, Bolivar e Prestes com a causa dos ‘de baixo’ e como estas
têm possibilitado uma significativa contribuição aos cursistas, especialmente através do
saber sistematizado, que tem ampliado a concepção acerca da realidade de Nossa
América.
Considerações Finais
Este trabalho de extensão com a comunidade escolar tem relação, portanto, com
o giro que Florestan Fernandes (1989) propõe que seja realizado na política educacional:
“devemos dar um giro de 360 graus e situarmos o foco vital onde ele deverá estar: na sala
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de aula, nas relações entre professores e alunos e no influxo que tal situação provocará
sobre a transformação da sociedade pela escola (e vice-versa)” (p.24). Ademais, explicita
o necessário trabalho comprometido que a universidade pública deve realizar através da
extensão, ou seja, como expressão do seu compromisso social com as dimensões políticas
e pedagógicas de suas atividades com as comunidades da periferia, os trabalhadores e
seus filhos.
É fundamental salientar que o curso tem corroborado a educação emancipatória,
na qual estão relacionados às categorias teóricas de socialização do saber,
desenvolvimento intelectual e intelectual orgânico. A lógica presente nas atuais políticas
educacionais, que considera a participação da comunidade escolar sob o prisma do
assistencialismo e fiscalização do docente a partir das notas de alguma avaliação externa
é refutada. Desse modo, através do “Curso de Formação de Comunidade Escolar:
Literatura e Lutas na América Latina” tem-se estudado e estruturado nova metodologia
de trabalho com os pais de alunos e a comunidade escolar que prima pela participação
destes para a construção de uma escola humanizadora e democrática no sentido de
promover a emancipação.
Numa das aulas um cursista afirmou: “Com a palavra se descobre o prazer da
vida”, fazendo menção ao valor significativo da literatura. Os cursistas passam a
perceber-se como viventes de uma sociedade com desigualdades ao se verem frente aos
dilemas dos personagens de Vidas Secas, isto é ler o mundo fora de seu espaço local, dar
os primeiros passos do desenvolvimento intelectual, função precípua da escola.
Com o exposto, pode-se inferir que a universidade ao oportunizar atividade de
extensão favorece a formação discente e amplia seus espaços de atuação na sociedade.
Ao estudante possibilita olhar a realidade de forma crítica, com sustentação teórica, e
instrumentaliza ainda seus os destinatários para apropriação de direitos.
Esta atividade pedagógica está em fase de sistematização e a sua articulação com
o fundamento da Pedagogia Histórico-Crítica esta em fase de desenvolvimento e diversas
são as possibilidades de análise que pode se desdobrar em reflexões que nos permite
pensar a materialidade da Pedagogia Histórico-Crítica no trabalho com jovens e adultos.
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