ARTIGO - Avaliação de processo do programa Saúde da Família

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  • JOURNAL OF NURSING AND HEALTH / REVISTA DE ENFERMAGEM E SADE (JONAH / REnS)

    ARTIGO ORIGINAL

    Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da

    aceitabilidade Evaluation process of the Family Health program: support of aceitability

    Evaluacion del proceso del programa Salud de la Familia: la sustentacion de la aceptabilidad

    Michele Mandagar de OLIVEIRA, Ione Carvalho PINTO, Valria Cristina Christello COIMBRA4, Uememson Silva SOARES5,

    Eneida Mandagar de OLIVEIRA6, Poliana Farias ALVES7.

    A anlise da aceitabilidade da Estratgia de Sade da Famlia pela comunidade um dos instrumentos avaliativos essenciais para apoiar a transformao do modelo assistencial. Esse artigo tem como objetivo analisar a organizao da Unidade de Sade da Famlia com vistas aceitabilidade do usurio, no que se refere o desenvolvimento das atividades educativas, o acolhimento, a organizao do sistema em rede e a precarizao do trabalho. Ele se caracteriza por ser um estudo descritivo e exploratrio com abordagem qualitativa. Foram utilizados entrevistas e observao. O caminho da aceitabilidade do usurio/famlia pode ser construdo com a ajuda dos profissionais de sade e dos gestores, porque o processo de trabalho dos primeiros, no que se refere lgica assistencial e relacional, ajuda a construir a aceitabilidade do usurio com o trato recebido. Os gestores podem contribuir para a aceitabilidade do usurio/famlia por meio das suas decises sobre as prioridades das polticas de sade local. Descritores: programa de sade da famlia; avaliao de programas; aceitao pelo paciente de cuidados de sade. The analysis of acceptability of the Strategy of the Family Health by the community is one of the evaluative instruments essential to support the transformation of the care model. This article aims to analyze the organization of the Health Unit of the Family with a view to acceptance of the user, as regards the development of educational activities, the host, the network systems organization and job precarious. It is characterized as a descriptive and exploratory study with a qualitative approach. The way of acceptance of user/family can be built with the help of health professionals and managers, because the work process of the first, with regard to assistance and the relationship logic, helps to build acceptance of the user with the care received. The managers also contribute to the acceptability of the user/family through their decisions on the priorities of local health policies. Descriptors: family health program; program evaluation; patient acceptance of health care.

    La anlisis de la aceptabilidad de la estrategia de la Salud de la Familia por la comunidad es uno de los instrumentos de evaluacin esencial para apoyar la transformacin del modelo. Este artculo tiene como objetivo analizar la Unidad de Salud de la Familia, con miras a la aceptacin del usuario, en cuanto al desarrollo de actividades educativas, sistema de rede de la organizacin de acogida y la precariedad laboral. Se caracteriza como un estudio descriptivo con enfoque cualitativo. Fue utilizado la entrevista y observacin. La forma de aceptacin de usuario/familia puede construirse con la ayuda de profesionales de la salud y administradores, porque el proceso de trabajo de la primera, con respecto a la lgica y la atencin de relacin puede ayudar a construir la aceptacin de los usuarios con el trato recibido. Los administradores tambin contribuyen a la aceptabilidad del usuario/familia por meo de sus decisiones sobre las prioridades de las polticas de salud. Descriptores: programa de salud familiar; evaluacin de programas; la aceptacin por los pacientes de la atencin de la salud. ____________________ Este artigo apresenta a discusso de parte dos dados da Tese de Doutorado intitulada: Avaliao da Aceitabilidade do usurio/famlia sobre a Estratgia Sade da Famlia, 2008. Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. 2Professora Doutora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas. E-mail: [email protected] 3Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Materno Infantil da Escola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. 4Professora Doutora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas. 5Acadmico de Enfermagem do 6 semestre da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia. Bolsista PIBIC/CNPQ. 6Enfermeira do Programa Sade da Famlia da Prefeitura Municipal de Itaja/SC. 7Acadmica de Enfermagem do 9 semestre da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia.

    RESUMO

    ABSTRACT

    RESUMEN

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

    mar;1(1):14-23.

    INTRODUO

    A Estratgia de Sade da Famlia (ESF) foi lanada oficialmente, no pas, pelo Ministrio da

    Sade1 no ano de 1994. Foi apresentada com o nome Programa Sade da Famlia (PSF), entendido

    como uma estratgia de re-orientao do modo de produo em sade. Entretanto, uma estratgia

    to importante quanto esta no poderia ser apenas simplificada a um programa, ao que

    geralmente se d verticalizada as necessidades de sade da populao, atendendo

    preferencialmente alguns grupos.

    O Ministrio da Sade, inicialmente, concebeu a sade da famlia como um programa, no

    entanto com a expanso e com o impacto positivo em alguns indicadores de sade, passou a

    considerar a sade da famlia como uma estratgia estruturante dos sistemas municipais de sade,

    sendo essa substitutiva da rede bsica tradicional.1

    A sade da famlia toma como base, alguns princpios operacionais, entre eles a

    integralidade das aes e a equipe multiprofissional, considerando que estes instrumentos possuem

    maior proximidade com a complexidade das necessidades das pessoas na Ateno Primria Sade

    (APS), promovendo maior resolutividade das necessidades ou problemas de sade.2

    A qualidade de ateno sade oferecida pela ESF precisa ser fortalecida, e as prticas

    avaliativas, atualmente, surgem como mais um importante instrumento de gestores,

    profissionais/equipe, pesquisadores e usurios na conquista de maiores negociaes sobre a

    equidade e representao social na garantia de direitos j conquistados na histria da sade

    brasileira.

    A anlise da aceitabilidade da ESF pela comunidade um dos instrumentos avaliativos

    essenciais para apoiar a transformao do modelo assistencial. O caminho da aceitabilidade do

    usurio/famlia pode ser construdo com a ajuda dos profissionais de sade e dos gestores, porque o

    processo de trabalho dos primeiros, no que se refere lgica assistencial e relacional, ajuda a

    construir a aceitabilidade do usurio com o trato recebido. A qualidade do cuidado prestado poder

    influenciar na deciso do usurio de seguir as orientaes, o tratamento prescrito, bem como o seu

    retorno a Unidade Sade da Famlia (USF).

    Os gestores tambm podem contribuir para a aceitabilidade do usurio/famlia por meio das

    suas decises sobre as prioridades das polticas de sade local, no que se refere a organizao dos

    servios complementares como, por exemplo: a facilitao das referncias e contra-referncias

    para a rede de sade; a garantia da oferta de exames (laboratoriais e outros); e a motivao para a

    participao social. Essas aes e decises podem despertar um feedback do usurio/famlia,

    para a construo efetiva de um novo e fortalecido modelo assistencial voltado para a promoo da

    sade e fortalecimento do SUS.

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

    mar;1(1):14-23.

    OBJETIVO

    Esse artigo tem como objetivo analisar a organizao da Unidade de Sade da Famlia com

    vistas aceitabilidade do usurio, no que se refere o desenvolvimento das atividades educativas, o

    acolhimento, a organizao do sistema em rede e a precarizao do trabalho.

    METODOLOGIA

    O presente estudo um recorte de uma tese de doutorado que avaliou a aceitabilidade do

    usurio/famlia sobre a ESF. Ele se caracteriza por ser um estudo descritivo e exploratrio com

    abordagem qualitativa.

    O estudo foi realizado em um municpio do interior do estado da Bahia. Este municpio

    apresenta 80% de sua rea territorial coberta pela ESF. Segundo a diviso usada pr Mendes para os

    momentos de implantao da ESF, o municpio estudado encontra-se no estgio de consolidao e

    institucionalizao definitiva do programa, uma vez que tem a abrangncia populacional superior a

    70%.3

    Foi selecionada uma USF, da rea urbana, com equipe completa, que no fosse considerada

    unidade mista (Unidade tradicional e ESF no mesmo espao fsico), que possusse equipe de Sade

    Bucal e que tivesse na rea o Conselho Local de Sade.

    Os sujeitos do estudo foram: o Secretrio Municipal de Sade, o Coordenador Municipal da

    ESF, e os 17 profissionais da Equipe de Sade da Famlia.

    A coleta de dados s foi iniciada aps a aprovao do Comit de tica e Pesquisa da Escola

    de Enfermagem da Universidade de So Paulo. Ela foi realizada no perodo de 20 de novembro a 1

    de dezembro de 2007. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados a entrevista semi-

    estruturada e a observao.

    O roteiro de entrevista semi-estruturada foi utilizado pelos pesquisadores para realizar a

    entrevista com todos os entrevistados com gravao das falas, aps autorizao dos sujeitos.

    As observaes foram registradas no dirio de campo, seguindo um roteiro. No dirio de

    campo foram anotadas as observaes e reflexes das expresses verbais e aes dos sujeitos.

    RESULTADOS E DISCUSSES

    A ESF est organizada, dentre outras diretrizes, no trabalho em equipe multiprofissional e

    na participao social. Entende-se que ambas as diretrizes esto relacionadas medida que

    decorrem e expressam as relaes entre a populao de referncia, o servio e a equipe de

    trabalho, se do em um plano microscpico, s relaes entre trabalhadores e usurios. Ambas as

    propostas, de participao social e do trabalho em equipe, supem um processo de democratizao

    das instituies.4

    Todo profissional da equipe de sade da famlia possui uma determinada atribuio. No

    entanto, cabe a todos eles o desenvolvimento, conjunto de aes preventivas e de promoo da

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

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    qualidade de vida da comunidade, alm de aes de recuperao e de reabilitao da sade na

    USF, aliando, desta forma, a atuao clnica e tcnica prtica da sade coletiva.5

    A ESF deve desenvolver um trabalho com grupos de pessoas atravs dos ciclos vitais, mas

    tambm deve acompanhar os diversos grupos da populao mais vulnerveis como as crianas, as

    gestantes, os idosos, os portadores de necessidades especiais por meio de aes programadas com o

    objetivo de minimizar ou reduzir os riscos. Tambm pode ser realizado o monitoramento das

    doenas crnicas, como, por exemplo, a hipertenso, o diabetes, o alcoolismo e outros, por isso,

    tambm so utilizadas atividades educativas nos servios de sade.6

    Na USF analisada as atividades parecem ser desenvolvidas pelo modo tradicional de

    atividades educativas, ou seja, baseada na informao a populao sobre os diferentes tipos de

    preveno, como por exemplo, a preveno primria de doenas, sendo que, no caso dos idosos, a

    realizao de atividades estava direcionada para o controle de doenas crnico degenerativas.

    Alm disso, tambm era desenvolvida a preveno secundria por meio da vacinao, e por meio da

    triagem de cries dentrias.

    Na dinmica do processo de trabalho dos trabalhadores de sade, sejam eles da APS ou no,

    se faz necessrio que a equipe conhea os problemas existentes, e o conhecimento de problemas

    no uma tarefa fcil. Entretanto, o diagnstico de problemas um desafio para a equipe e a

    populao, acostumadas com o modelo hegemnico, centrado no tratamento de doenas e

    aprisionador das relaes interpessoais, onde possibilidades de negociao so praticamente

    inexistentes. Para a negociao das necessidades necessrio haver uma interao entre os

    profissionais da equipe, gestores e toda a comunidade.7

    [...] no incio para atrair a populao se fazia palestras dando caf da manha, dando lanche

    [...] com o tempo eu fui vendo que s aumentava o nmero de participantes nas palestras,

    nas consultas, principalmente em dia de atividades educativas [...] duas semanas seguidas eu

    no tive como fazer o lanche e na terceira, das que sempre vinham aqui em mdia de 20-30-

    40 pessoas s vieram cinco e a eu perguntei as outras que eram vizinhas, [...] porque no

    estavam vindo?e elas disseram que no estava mais tendo lanche ento era uma estratgia

    que eu tinha de fazer caf da manh para todos, da eu parei, porque eles no estavam vindo

    para a palestra para ter e adquirir conhecimento, mas porque eles estavam se alimentando

    [...]. (P.9)

    A USF utilizava o fornecimento de lanches como um atrativo para a populao participar das

    atividades educativas. Foi observada a falta de sucesso de algumas atividades educativas

    desenvolvidas na USF, principalmente, no que se refere educao em sade direcionada aos

    usurios portadores de doenas crnicas.

    necessrio que inicialmente se compreenda a difcil situao socioeconmica dos usurios

    deste servio, que na sua maioria, tem srias dificuldades econmicas e que possivelmente,

    motivados pela barganha e no pela valorizao deste tipo de atividade decidem ou no participar

    das atividades.

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

    mar;1(1):14-23.

    A equipe responsvel pela deciso que tomou para motivar os usurios a comparecerem nas

    atividades, assim como responsvel pela deciso de suspender tais atividades. As pessoas

    precisam participar efetivamente deste processo de construo das atividades educativas, pois ser

    considerando seus desejos e necessidades em sade que atividades desta natureza tero sucesso ou

    no.

    A barganha do se participar ganha caf teve um preo alto para o insucesso desta prtica

    na USF, as pessoas estavam motivadas pelo caf que iriam ganhar e no pela importncia da

    proposta para a manuteno da sua sade.

    Estas atividades precisam ser negociadas com todas as partes interessadas, negociadas, no

    sentido de contratualizarem a existncia de espaos para a educao em sade, bem como a

    importncia dos seus resultados na qualidade de vida das pessoas. Entende-se que a educao

    problematizadora, tambm uma educao popular, que objetiva uma maior aproximao das

    pessoas e com o envolvimento destas e de suas comunidades com o cuidado a vida.

    Entende-se desta forma que, enquanto as atividades de educao em sade apenas tiverem a

    finalidade de depositar conhecimento sobre riscos, normas, causas e efeitos, dificilmente

    conseguiro mobilizar e motivar as pessoas a terem atitudes e comportamentos saudveis. Isso

    porque, mais uma vez o modelo tradicional ser fortalecido, em detrimento do modelo alternativo,

    estando com isso, possivelmente fadadas ao fracasso da mobilizao das pessoas para a

    transformao do modelo assistencial, bem como, da sua participao e responsabilizao na

    promoo da sade.

    Na educao problematizadora aplicada sade no acontece, na maioria dos casos, aes

    imediatas na transformao do comportamento. Esta mudana s poder ser percebida quando o

    usurio der marcas da transformao de seu saber, que no so imediatas. Elas vo acontecer em

    processos contnuos, na intermediao e construo de novos saberes. A educao popular em

    sade pressupe a abertura e a disponibilidade para ouvir o outro, pois, neste encontro, quem

    educa dialeticamente educado.8

    Uma relao acolhedora da equipe com a comunidade influencia no sucesso das atividades de

    educao em sade. Por isso, neste estudo o acolhimento est sendo entendido como uma relao

    humanizada, acolhedora, que os trabalhadores estabelecem com os diferentes usurios para

    fortalecer a produo do vnculo. A criao de vnculos implica na criao de relaes que

    aproximem o profissional dos usurios.9

    A produo do trabalho em sade se d por meio das relaes interpessoais e por isso as

    pessoas precisam ser respeitadas como a outra parte essencial da relao, uma vez que sem a

    existncia de usurios com necessidades, no existiriam profissionais de sade.10

    Logicamente necessrio compreender que a qualidade e as condies de trabalho podem

    influir no processo de trabalho da equipe, entretanto importante refletir sobre a importncia

    desse processo para a reverso do modelo e qualificao das prticas de sade.

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

    mar;1(1):14-23.

    O processo de trabalho da equipe norteado pelo acolhimento tambm deve garantir a

    qualidade da assistncia no s no nvel primrio, mas tambm no nvel secundrio e tercirio.

    Como contribuio para a qualidade desta assistncia a gesto municipal se incorporou ao

    Programa de Pactuao Integrada (PPI) entre a Unio, o Estado e o municpio que objetivou

    implementar os programas em comum, considerando a demanda da sociedade e priorizando um

    projeto de desenvolvimento em nvel sub-regional articulado a estratgia de desenvolvimento

    nacional.

    A Portaria n 648/GM de 28 de maro de 2006 dispe como responsabilidade do municpio o

    cumprimento dos princpios da Ateno Bsica, no que se refere organizao dos fluxos dos

    usurios, visando a garantia das referncias servios e aes de sade fora do mbito da Ateno

    Bsica

    A organizao do servio de sade est baseada nas diretrizes do Plano Diretor de Regulao

    (PDR). O plano organiza o estado em rede, onde ela composta por 09 macrorregies de sade no

    estado da Bahia.11

    Organizao em rede apresenta um modelo de recursos que so compartilhados,

    contemplando assim a continuidade e a complementaridade necessria, mais que em qualquer

    outra rea da sade, para pensar uma estratgia resolutiva de cuidados que tenha de responder

    necessidades mltiplas de ordem afetiva, material, clnica requerem cada vez mais aes solidrias

    de governos, voluntariado e cidados comuns.12

    O municpio tem uma rede de cuidados no que se refere infra-estrutura, entretanto, em

    alguns momentos a rede parece se enrolar, ou seja, os recursos existentes nem sempre contemplam

    a todas as pessoas e as suas necessidades.

    A articulao do trabalho das diversas equipes e servios de uma rede no construda s

    por normas e formulrios, mas pela discusso conjunta de processos de trabalho e objetivos

    pactuados entre si e com a populao. O papel dos gestores dos servios fundamental na

    conduo desses pactos para o pleno funcionamento da rede.13

    Tambm foi observado outro problema com relao precarizao do trabalho, desta vez,

    no que se refere a insuficiente capacitao e motivao para o trabalho, como por exemplo,

    convite para cursos e/ou participao nas decises de sade. Foi observado que a falta de

    valorizao do trabalho decai de acordo com o nvel educacional.

    Considerando a perspectiva da ESF como uma proposta importante de transformao, a que

    se considerar a necessidade permanente de capacitao dos profissionais de sade, com vistas a um

    melhor desempenho de atividades complexas que permeiam a promoo da sade na comunidade,

    favorecendo com isso o sucesso da estratgia, bem como o alcance dos resultados esperados.14

    Os profissionais de sade podem se sentir frustrados, quando percebem que suas angstias e

    necessidades no so percebidas pelos gestores, que em algumas situaes no reconhecem a

    valorizao do seu trabalho e continuam a exigir maior produtividade desconsiderando muitas vezes

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

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    que os profissionais de sade so trabalhadores e como qualquer outro tipo de trabalho precisam de

    motivao para desenvolver um trabalho de qualidade que tambm lhes d satisfao.

    O profissional deveria ser mais valorizado [...], principalmente a gente do nvel mais baixo da

    pirmide, a gente no muito valorizado no, [...] da parte da gesto, por que a comunidade

    da at mais ateno para a gente [...] a gesto que esta l em cima no liga muito no, no

    convidam a gente para nada, no fazem nada pela gente, [...] somos o famoso Severino,

    quebra-galho [...]. (P.7)

    Por isso, to importante que os gestores concedam aos seus trabalhadores satisfao

    consigo mesmo e com a instituio, para que seja ampliada a sua auto-estima e a percepo da sua

    contribuio social dentro do contexto sade.14

    Outra caracterizao da precarizao do trabalho se refere as regulares condies de

    trabalho oferecidas aos trabalhadores, pois foi observado que em alguns momentos acontece a falta

    de material para curativo e medicao, principalmente de medicao anti-hipertensiva, o que se

    transforma num problema para a equipe e tambm para os pacientes, para os primeiros por que so

    eles que recebem todas as queixas dos usurios sobre a falta de medicao e de materiais, sem

    serem os responsveis por isso, e os segundos por que ficam sem a medicao e o tratamento e o

    controle da doena interrompido, favorecendo com isso um descontrole na manuteno da sade.

    A ESF ampliou o acesso de certa forma liberou uma demanda reprimida, no entanto, isso

    implica em aumento de gastos e de necessidade de potencializar a capacidade de comunicao e

    otimizao dos servios de sade. A fragilidade em oferecer um suporte de materiais,

    medicamentos e fluxos seguros de referncia e contra-referncia podem comprometer a

    materializao da integralidade.15

    [...] o municpio tem uma pactuao com o estado, uma programao e eles no conseguem

    cumprir nada [...] porque no ano passado eu deixei de cumprir algumas coisas e nesse ano eu

    no sei se vou conseguir cumprir por conta de todas estas mudanas que acaba fazendo a

    gente no tem governabilidade para decidir sobre elas, ter governabilidade para negociar o

    salrio de mdico, no ter governabilidade para negociar quantas equipes permanecem,

    quantas equipes no permanecem, para negociar a expanso, tinha que fazer a seleo para

    os ACS, na realidade de hoje a gente faz de conta que cobre famlia, mas muitas famlias no

    esto cobertas , eu tenho agente com mais de trezentas famlias e sabemos que

    humanamente impossvel a gente dar uma assistncia a uma quantidade to grande de

    famlias, ai voc tem que comear a trabalhar numa flexibilizao que compromete a

    estratgia como um todo, compromete todos os programas [...]. (P. 11)

    A participao dos usurios e profissionais nas decises em sade precisa ser realizada na

    ESF, visto que estas atividades potencializam a cidadania e o comprometimento destes com o

    fortalecimento da APS no nvel local e tambm na organizao da rede de servios complementares

    de sade. Contudo as decises parecem est centralizadas nos gestores.

    O municpio tinha oito equipes de sade bucal que estavam lotadas nas USF, entretanto, na

    ocasio da coleta dos dados as equipes haviam sido desativadas pela gesto municipal sem

    nenhuma consulta prvia aos profissionais e usurios. As equipes foram implantadas de acordo com

    a Poltica Nacional de Sade Bucal (PNSB) proposta pelo Ministrio da Sade.

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

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    As oito equipes foram desativadas pela gesto sob o argumento do alto gasto com a folha de

    pagamento da SMS. O Conselho Municipal de Sade (CMS) foi apenas informado da deciso.

    [...] no foi feita uma consulta para a retirada, no houve nenhuma reunio prvia para se

    discutir, tentassem encontrar uma alternativa para que a gente no precisasse fazer esta

    mudana to drstica ou acabando o programa [...]. O que nos deixa muito triste que a rea

    de sade bucal melhorou bastante, impactou bastante, quando se conversa com muncipes e

    usurios, eles falam que melhorou a assistncia, mas parece que a gesto central no

    consegue enxergar isto [...]. (P.11)

    Esta situao de desativao das equipes de sade bucal vivenciada pelo municpio em

    novembro de 2007, pode sugerir a existncia de problemas no planejamento das aes de sade, no

    que se refere a conduo dos programas institudos, uma vez que foram implantadas dez USF e oito

    equipes de sade bucal no perodo de um ano, tendo como meta a implantao de mais trs USF o

    que tonalizaria treze USF at 2009 no Plano Municipal de Sade.

    Em contrapartida so desativadas as equipes de sade bucal vinculadas a ESF, h a tendncia

    da reduo das equipes de sade da famlia devido a problemas de ordem econmica, para reduo

    de gastos com a rea da sade no municpio.

    possvel pensar que os prejuzos para a sade da populao so imensurveis, uma vez que

    houve um retrocesso nas atividades propostas para o quadrinio de 2005 a 2009 do ponto de vista

    do acesso ao programa de sade bucal, considerando a desativao das equipes. Entretanto,

    segundo a fala abaixo a gesto esta trabalhando numa proposta alternativa criada pelo prprio

    gestor municipal.

    Em um municpio do nordeste brasileiro foi observado que o componente tecnolgico das

    prticas de planejamento, constitudo por saberes operantes e saberes prticos, pode assumir a

    conformao de um clculo sistemtico, que articule o conhecimento com a ao e o presente com

    o futuro, para que as decises pactuadas sejam cumpridas, mesmo mediante dos constrangimentos

    externos provocados pelo modelo de financiamento do SUS e a tutela da Prefeitura Municipal sobre

    os procedimentos administrativos necessrios ao funcionamento da rede de servios de sade.16

    Entretanto, no estudo realizado por estes autores foi observado que a percia dos dirigentes

    em construir viabilidade poltica para a implantao do SUS municipal, especialmente, junto ao

    Ministrio da Sade, principal fonte de apoio externo, foi fundamental para a conduo de seu

    projeto de governo, diferentemente, da situao vivenciada no municpio estudado que optou por

    mudanas bruscas nas polticas de APS com a desativao do programa de sade bucal vinculado a

    ESF.

    Como citao anterior, um importante rudo identificado foi deciso de ter sido tomada

    apenas no palco da gesto municipal, uma vez que nem os profissionais e nem os usurios foram

    previamente avisados ou convidados para discutir a deciso. Sendo ainda importante salientar que

    o Conselho Municipal de Sade apenas foi informado da desativao, ou seja, a referida tomada de

    deciso no foi democrtica, por que de certa forma no estimulou e nem considerou a

    participao popular e isso vai de encontro aos princpios do SUS.

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    Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC, Soares US, Oliveira EM, Alves PF. Avaliao de processo do programa Sade da Famlia: a sustentao da aceitabilidade. Rev. enferm. sade, Pelotas (RS) 2011 jan-

    mar;1(1):14-23.

    Para a transformao da forma de ateno a sade necessrio a construo de um projeto

    comum entre a comunidade, profissional de sade e gestores. A comunidade precisa participar

    ativamente desse processo, sendo reconhecida com sujeito da sua sade, no meramente

    expectador dos fatos.

    As decises sobre as prioridades sade no podem ser tomadas apenas pelos gestores e

    profissionais, mas sim em conjunto com a comunidade. Os usurios so a razo da existncia da USF

    e eles precisam ser identificados como sujeitos capazes de avaliar e intervir, modificando o prprio

    sistema de sade, fortalecendo, assim, o fazer democrtico da sade.

    CONCLUSO

    Os profissionais de sade e os gestores podem motivar os usurios sobre a importncia da

    discusso democrtica sobre os princpios da estratgia para a promoo da sade na comunidade.

    Desta forma, possibilidades podem ser criadas para que a aceitabilidade do servio pblico

    se d no momento em que as pessoas comecem a visualizar a ESF como algo seu, custeado por cada

    pessoa de cada famlia, e repassado pelos governos pblicos a comunidade, em forma de acesso aos

    servios de sade, dentro de um processo organizado e representativo quando se prope a

    participao de todos os atores envolvidos.

    A participao dos usurios nas decises em sade e a avaliao precisam ser realizadas na

    ESF, visto que estas atividades potencializam a cidadania e o comprometimento destes com o

    fortalecimento da APS no nvel local e tambm na organizao da rede de servios complementares

    de sade.

    A anlise da aceitabilidade da ESF pela comunidade um dos instrumentos avaliativos

    essenciais para apoiar a transformao do modelo assistencial. O caminho da aceitabilidade do

    usurio/famlia pode ser construdo com a ajuda dos profissionais de sade e dos gestores, porque o

    processo de trabalho dos primeiros, no que se refere lgica assistencial e relacional, ajuda a

    construir a aceitabilidade do usurio com o trato recebido. A qualidade do cuidado prestado poder

    influenciar na deciso do usurio de seguir as orientaes, o tratamento prescrito, bem como o seu

    retorno a Unidade Sade da Famlia (USF).

    Os gestores tambm podem contribuir para a aceitabilidade do usurio/famlia por meio das

    suas decises sobre as prioridades das polticas de sade local, no que se refere a organizao dos

    servios complementares como, por exemplo: a facilitao das referncias e contra-referncias

    para a rede de sade; a garantia da oferta de exames (laboratoriais e outros); e a motivao para a

    participao social.

    Essas aes e decises podem despertar um feedback do usurio/famlia, para a

    construo efetiva de um novo e fortalecido modelo assistencial voltado para a promoo da sade

    e fortalecimento do SUS.

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