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516 4.3.3. O acolhimento institucional temporário em Portugal Os dispositivos de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco, em Portugal, são relativamente recentes. Na verdade, trata-se de um recurso que registou um aumento exponencial na segunda metade da década de 1990, altura em que se verificaram no País condições políticas favoráveis para responder às solicitações crescentes que se faziam sentir neste domínio. Face à ausência de regulamentações específicas, as orientações que presidem ao funcionamento e à organização destes serviços permaneciam largamente desconhecidas, carecendo de investigação. Este estudo, de carácter assumidamente exploratório, focado nos centros de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco (C.A.T.), procura constituir uma primeira abordagem a estes dispositivos de protecção infantil, traçando os contornos gerais que permitam definir o seu perfil funcional. Não se trata de uma avaliação específica; pelo contrário, pretende-se captar uma imagem sintetizadora de algumas das suas dimensões, obter uma fotografia destes centros, definir os traços gerais de um panorama, a partir do que será possível focar olhares mais diferenciados e profundos. A opção pelo questionário Dada a complexidade do domínio em estudo e a consequente dificuldade de aceder ao mesmo, compreendendo-o nas suas múltiplas facetas, pareceu apropriado fazer uma primeira aproximação pelo olhar daqueles que, do ponto de vista do trabalho que realizam, têm uma compreensão própria do funcionamento do sistema, dos seus equipamentos e respostas, a partir de dentro. É este conhecimento dos profissionais que aqui se pretendeu solicitar e revelar. Um formato de avaliação sumativa, que permitisse descrever os C.A.T em traços gerais e sintéticos, pareceu ser uma opção ajustada, tendo em conta a abrangência dos aspectos a observar e a inexistência, em Portugal, de um corpo de estudos neste domínio susceptível de enquadrar ou apontar percursos metodológicos possíveis ou preferíveis. Considerando o número relativamente elevado de centros, a adequação do questionário como método de pesquisa afigurou-se óbvia. Funcionou como instrumento de recolha de informação sobre a estrutura e o funcionamento dos centros, bem como das crenças e atitudes profissionais das equipas relativamente a determinados aspectos do seu trabalho.

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4.3.3. O acolhimento institucional temporário em Portugal

Os dispositivos de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco, em Portugal, são relativamente recentes. Na verdade, trata-se de um recurso que registou um aumento exponencial na segunda metade da década de 1990, altura em que se verificaram no País condições políticas favoráveis para responder às solicitações crescentes que se faziam sentir neste domínio. Face à ausência de regulamentações específicas, as orientações que presidem ao funcionamento e à organização destes serviços permaneciam largamente desconhecidas, carecendo de investigação.

Este estudo, de carácter assumidamente exploratório, focado nos centros de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco (C.A.T.), procura constituir uma primeira abordagem a estes dispositivos de protecção infantil, traçando os contornos gerais que permitam definir o seu perfil funcional. Não se trata de uma avaliação específica; pelo contrário, pretende-se captar uma imagem sintetizadora de algumas das suas dimensões, obter uma fotografia destes centros, definir os traços gerais de um panorama, a partir do que será possível focar olhares mais diferenciados e profundos.

A opção pelo questionário

Dada a complexidade do domínio em estudo e a consequente dificuldade de aceder ao mesmo, compreendendo-o nas suas múltiplas facetas, pareceu apropriado fazer uma primeira aproximação pelo olhar daqueles que, do ponto de vista do trabalho que realizam, têm uma compreensão própria do funcionamento do sistema, dos seus equipamentos e respostas, a partir de dentro. É este conhecimento dos profissionais que aqui se pretendeu solicitar e revelar.

Um formato de avaliação sumativa, que permitisse descrever os C.A.T em traços gerais e sintéticos, pareceu ser uma opção ajustada, tendo em conta a abrangência dos aspectos a observar e a inexistência, em Portugal, de um corpo de estudos neste domínio susceptível de enquadrar ou apontar percursos metodológicos possíveis ou preferíveis. Considerando o número relativamente elevado de centros, a adequação do questionário como método de pesquisa afigurou-se óbvia. Funcionou como instrumento de recolha de informação sobre a estrutura e o funcionamento dos centros, bem como das crenças e atitudes profissionais das equipas relativamente a determinados aspectos do seu trabalho.

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Em suma, trata-se de uma avaliação expressa em termos quantitativos, levada a efeito por pessoas externas às instituições em estudo (Thomas, 2000), mas a partir dos dados por estas fornecidos. Não procede, pois, da observação ou recolha directa da informação por parte do avaliador, mas do conhecimento mediado da realidade a partir do olhar de quem a co-constrói e co-determina.

Sabe-se, porém, que, de acordo com os relatos de algumas equipas dos C.A.T. inquiridos, o preenchimento do questionário constituiu um motivo de reflexão sobre as suas práticas e de definição de algumas mudanças (sublinhe-se a elaboração de regulamentos de centro, referida por mais do que uma estrutura). Neste sentido, o procedimento de avaliação adoptado estimulou processos com eventual impacto funcional sobre as instituições, o que remete para alguns elementos caracterizadores da avaliação formativa.

As fontes do questionário

As questões que compõem este instrumento não traduzem a definição de uma perspectiva em particular (das crianças, dos pais, ou outra). Também não se baseia num constructo ou numa teoria psicológica ou outra de referência. Em última análise, pode dizer-se que tem como ponto de partida a perspectiva dos académicos sobre este domínio de prestação de serviços (Thomas, 2000); a sua elaboração partiu de um núcleo fundador de itens que pretendeu cobrir exaustivamente as dimensões-chave da caracterização das instituições, ainda que, nas palavras de Pasquali (1999), de forma algo intuitiva e aleatória.

Fundamentalmente, a selecção das perguntas decorre do cruzamento de quatro fontes:

a) a bibliografia especializada na área: a partir da revisão da literatura da especialidade, foi possível identificar um conjunto de domínios ou áreas críticas do funcionamento das instituições de acolhimento;

b) alguns instrumentos de pesquisa já utilizados noutros estudos e de monitorização das práticas neste domínio;

c) as questões que decorrem da própria compreensão dinâmica que o investigador tem da realidade com a qual dialogou;

d) os contributos dos actores no terreno dados na fase de teste do questionário.

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A bibliografia especializada

A investigação nesta área tem um carácter marcadamente aplicado, sobretudo produzida pelos serviços e mais tarde apropriada pelos académicos, na sua maior parte com formação no domínio do Serviço Social. Trata-se, pois, de uma área de difícil acomodação, heterogénea, diversa nas fontes, formatos, objectivos e resultados, cuja organização e estrutura se revelam tão ricas como complexas. O capítulo 3 deste trabalho, no ponto 3.2.3, procurou reunir e analisar o essencial da informação considerada pertinente no domínio, a partir da qual foi possível extrair elementos estruturantes do questionário elaborado.

Instrumentos de pesquisa

A análise da investigação nesta área permitiu tomar conhecimento de diversos instrumentos de pesquisa potencialmente relevantes, quer através de descrições e apresentações sumárias dos mesmos, quer a partir da análise dos resultados obtidos. Neste contexto, salientou-se o Looking After Children, oportunamente apresentado, cujo interesse radica:

a) no corpo de investigação associado à elaboração, reformulação e aplicação do instrumento;

b) na sua utilização sistemática e monitorizada pelos serviços do Reino Unido, com disponibilização de dados comparativos;

c) no seu nível de estrutura e organização;

d) na sua acessibilidade e disponibilidade para aquisição.

Estas características pareceram, numa primeira fase, recomendar um estudo mais desenvolvido deste instrumento, com vista à sua eventual utilização no âmbito da presente pesquisa. Neste sentido, procedeu-se à sua aquisição e tradução dos primeiros cadernos (registos de síntese da informação dos cadernos específicos para cada uma das faixas etárias contempladas). Tratou-se de um trabalho moroso e de pormenor, dados o rigor e a precisão do instrumento em questão (o anexo 6 mostra, a título de exemplo, a tradução, em diferentes fases de execução de dois destes cadernos, acompanhada dos respectivos originais).

Esta tarefa desenrolou-se a par de um conhecimento gradual da realidade das instituições de acolhimento temporário em funcionamento no território nacional, do envolvimento progressivo

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nas suas dinâmicas de acção e de formação e dos contactos pessoais com os actores deste sistema, em particular com as direcções de alguns dos C.A.T. Tal aproximação permitiu ir construindo uma compreensão implícita da realidade, face à qual vários aspectos do instrumento na altura em estudo pareciam desajustados.

Na verdade, em Portugal não parece existir uma cultura de avaliação, nas suas diferentes vertentes; raramente é uma prática frequente, sistemática ou mesmo provável nos meios profissionais, nos quais não encontra tradição nem disposição favorável. Pelo contrário, à pulsão atávica do improviso é alheia – por vezes até avessa – uma atitude consistente de planificação da acção sustentada na avaliação. Vários podem ser os motivos aduzidos para este défice, entre os quais se salientam:

a) a preocupação com eventuais mudanças decorrentes da avaliação, nomeadamente a possibilidade de implicar mais trabalho e incómodos (Thomas, 2000);

b) a apreensão face à eventualidade de exposição pessoal (Thomas, op. cit.);

c) o receio de que possa suscitar questões complexas ou problemáticas (Thomas, op. cit.),

d) os custos envolvidos, em termos materiais e de tempo (Thomas, op. cit.);

e) a convicção ou crença de que a avaliação não é útil nem necessária;

f) a falta de competências e de conhecimento para conduzir estes processos;

g) a falta de profissionalismo;

h) o défice de planeamento e de organização do trabalho.

Acrescem, no caso vertente, o carácter relativamente recente da maior parte das estruturas de acolhimento temporário e a reduzida dimensão que costuma caracterizar as suas equipas técnicas, que acumulam um excesso de funções e tarefas cuja gestão as ocupa e preocupa, dentro e fora do horário de trabalho.

Assim, a partir de uma versão preliminar traduzida dos documentos do Looking After Children procurou-se sondar da sua aplicabilidade, comprovando-se a sua inadequação à realidade. Trata-se de um instrumento cujo grau de sistematização e formalização requer hábitos de registo contínuo e regular, o que, pelos motivos acima apontados, não se coaduna com os modos de trabalho mais comuns nas instituições visadas.

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Impôs-se, deste modo, a necessidade de abandonar a ideia inicial e de optar pela elaboração de um novo instrumento. Não obstante, retiveram-se as áreas contempladas naquele, dada a sua importância, justificada do ponto de vista teórico.

A compreensão que o investigador tem da realidade

Como oportunamente foi sublinhado, a realidade psicossocial visada por este trabalho coloca ao investigador delicadas questões éticas e deontológicas. Inicialmente desconhecida, envolveu um período longo de aproximação e de apropriação das regras tácitas de funcionamento e relacionamento, dos procedimentos instituídos, das expectativas implícitas, das margens de limite e de possibilidade para a intervenção. Assim, prévio ao início da investigação, propriamente dito, há um itinerário silencioso, já pautado pelos requisitos da pesquisa, de uma escuta activa e atenta das vozes e dos gestos próprios dos cenários visados.

Só quando foi reconhecido o desenvolvimento de um saber-estar considerado crítico não só para a conquista do espaço necessário da pesquisa, mas também para a compreensão dos seus movimentos e da sua evolução, se entendeu estarem reunidas as condições para iniciar o estudo empírico. Este período foi, então, preenchido por contactos pessoais com alguns centros de acolhimento, pela participação e co-organização de sessões de formação nos domínios da criança em risco, da sua protecção e acolhimento institucional.

Os contributos dos actores no terreno

Os contactos com os profissionais deste domínio constituíram uma fonte importantíssima de conhecimento e de contextualização da informação entretanto reunida.

Posteriormente, elaborada uma versão inicial do questionário, o recurso a três directores de C.A.T. foi decisivo para a sua formulação definitiva. O número e as pessoas que prestaram este contributo justificam-se do seguinte modo:

a) tratando de um estudo de âmbito nacional, que pretendia abranger o universo dos centros de acolhimento temporário do País, necessariamente as pessoas que responderiam a esta versão do questionário, com a finalidade de testar a sua adequação, seriam elementos das equipas técnicas, mais tarde, novamente solicitadas para o

preenchimento definitivo do mesmo. Ora, assumida a morosidade desta tarefa −dada a

sua dimensão e por motivos que se prendem com o conhecimento e a reflexão feita

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sobre os conteúdos, com eventual impacto nas respostas− procurou-se reduzir tanto

quanto possível o número de colaboradores nesta fase;

b) as pessoas/centros foram escolhidos com base:

- na sua disponibilidade pessoal;

- na relação facilitadora entretanto desenvolvida com o autor desta pesquisa;

- na capacidade de reflexão reconhecida sobre as questões pertinentes para a avaliação pretendida;

- na tipologia dos centros –a diversidade de estruturas existentes constituiu desde sempre um factor de dificuldade para a formulação do questionário, nomeadamente quanto ao conteúdo das questões, com graus de pertinência diferentes conforme as instituições em causa. Assim, procurou-se escolher três C.A.T. cujas direcções técnicas fossem asseguradas por profissionais com formação distinta – Serviço Social, Educação de Infância e Psicologia – e de dimensão diversa – oito, dez e sessenta crianças. Um dos centros também se distingue pela idade das crianças acolhidas (0-6 anos), enquanto que os restantes acolhem crianças até aos dez anos de idade. Pensou-se, desta forma, que a incorporação da diversidade de pontos de vista potenciaria a abrangência e o alcance do questionário, alargando o leque e aumentando o ajustamento às situações-alvo.

O teste da adequação das questões revelou-se uma tarefa intensa e extensa, que envolveu uma reflexão profunda e alargada suscitada pela análise das perguntas.

As questões – conteúdo e forma

A indagação foi uma experiência que atravessou todo o trabalho aqui apresentado, desde a sua introdução, formulação teórica até à definição e execução da componente empírica e, finalmente, à sua análise, reflexão e à enunciação de linhas de pesquisa futura.

A elaboração do questionário foi, ela própria, um longo processo de formulação e reformulação de questões, de definição e refinamento de perguntas concretas sobre aspectos

diversos, complexos e, por vezes, subjectivos − sem dúvida, uma dificuldade patente. A par da

especificação das questões, foi-se operando, numa relação causal recíproca, o refinamento das próprias concepções do investigador, o aprofundamento da sua compreensão do campo de

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estudo, o maturar e modificar dos seus entendimentos, em novas formas de ouvir as perguntas e na procura de novas respostas. Desenrolava-se assim um processo paralelo de capacitação do investigador, que aprendia ao perguntar.

Desta forma, o questionário delimita uma realidade, organizando um esquema da mesma, que resulta do diálogo entre os conhecimentos definidos no domínio como os mais relevantes e as opções de síntese e a actividade de reflexão do próprio investigador, que assim organiza uma perspectiva de análise da realidade. O instrumento desempenha, assim, um papel duplo, mediando tanto a recolha da informação julgada necessária, quanto a definição e clarificação teórica do próprio investigador –define-se, então, um formato de representação da realidade que procura orientar a tarefa do respondente, limitando as possibilidades de resposta e restringindo os percursos de análise e reflexão, numa apreensão própria mas constrangida.

As maiores dificuldades com que a elaboração deste questionário se debateu foram a extensão e a objectividade da formulação das questões. Por um lado, a caracterização destas instituições nos aspectos relevantes condensa uma multiplicidade de dimensões e de tópicos que, não obstante sujeitos a sucessivas reduções, mantém a sua amplitude. Por outro, o formato escolhido de resposta – fechada – requereu a definição de perguntas objectivas e directas, focadas apenas num aspecto estrito da questão, com a consequente multiplicação. Todavia, importa lembra que se trata de um questionário dirigido a profissionais, sobre aspectos do seu trabalho, para os quais estão, à partida – e segundo foi posteriormente confirmado – altamente motivados, o que, de algum modo, é corroborado pela taxa de respostas, que oportunamente se apresenta.

Acresce ainda que, pelo seu conteúdo, determinadas questões apelam necessariamente a uma resposta reflexiva, envolvendo alguma ambiguidade e requerendo aprofundamento, com especial relevo para a formulação de perguntas objectivas sobre conteúdos subjectivos.

Uma vez que não é possível avaliar todos os aspectos relevantes da estrutura e do funcionamento dos C.A.T., nem auscultar uma diversidade suficiente de interlocutores/actores, tradutores de olhares plurais, optou-se por seleccionar e focar os aspectos reconhecidos como centrais pela literatura e investigação da especialidade. As questões básicas de cada um destes aspectos são exemplificadas a seguir:

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I. Inserção local, perfil arquitectónico, instalações e equipamentos do C.A.T.

• onde se localiza o C.A.T.?

• está perto de que serviços?

• que condições de acessibilidade possui?

• como são as suas instalações?

• dispõe de espaço adequado para as crianças que recebe?

• as crianças participam no arranjo e manutenção destes espaços?

II. Os processos de entrada, permanência e saída do Centro de Acolhimento Temporário

• a população-utente do C.A.T. – que crianças acolhe (problemáticas, género, idade) e em

que número?

• como são feitas as colocações – que entidades são responsáveis, quais os problemas

mais frequentes, existem procedimentos de colocação?

• as crianças e as famílias participam neste processo?

• qual é a duração dos acolhimentos temporários?

• quais os seus motivos?

• como é feito o encaminhamento das crianças (projecto de vida) – quem participa, quais

os encaminhamentos mais frequentes, que problemas se colocam, existem procedimentos definidos para esta fase?

III. A planificação do trabalho desenvolvido nos C.A.T.

• quais são as principais diferenças entre o acolhimento institucional e outras alternativas

de acolhimento temporário de crianças em risco?

• qual é o modelo de funcionamento dos C.A.T.? – metas, estratégias de trabalho,

valências e orientações privilegiadas

• que trabalho realizam com as crianças? – é planificado? Como trabalham as diferentes

áreas de desenvolvimento/educação?

• têm procedimentos de registo e revêem os casos?

Page 9: Artigo Cat Portugal

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IV. A gestão do C.A.T.

• quais são os órgãos de gestão administrativa, financeira e funcional dos C.A.T.?

• qual é o grau de participação das equipas técnicas?

• qual é a dimensão e a composição das equipas dos C.A.T.?

• como se processa a formação dos profissionais destes centros?

• quem os recruta e selecciona e quais as competências requeridas?

V. O relacionamento com as famílias

• que tipo de trabalho realizam os C.A.T. com as famílias das crianças acolhidas?

VI. O relacionamento com a comunidade envolvente

• que tipo de relação é estabelecida pelos C.A.T. com a comunidade envolvente em torno

das crianças acolhidas?

VII. A articulação com as entidades competentes

• qual é o grau de satisfação dos C.A.T. relativamente à cooperação prestada pelas

demais entidades com competência em matéria de infância na resolução da situação psicossocial das crianças acolhidas?

Não foi definido qualquer número-limite de questões para cada uma das categorias temáticas acima mencionadas. Do mesmo modo, também não existe qualquer relação numérica entre as questões das diferentes categorias.

Optou-se pela elaboração de um questionário restringido ou de tipo fechado (Best, 1982), contendo perguntas que:

• em termos de conteúdo, englobam (Junyent, 1994):

− questões de identificação;

− questões sobre o tema da investigação, centradas em informação objectiva e na opinião

dos inquiridos;

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• quanto à forma, incluem:

− questões fechadas ou dicotómicas (Junyent, 1994), de escolha fixa, do tipo sim/não (Best,

1982);

− questões de resposta categorizada em abanico (Junyent, 1994), que envolvem a selecção

de um item numa lista sugerida (Best, 1982), e de estimação (Junyent, 1994), que requerem a ordenação de uma lista de itens por ordem decrescente de importância.

− questões de resposta livre, breve.

• quanto à função, têm a designação de questões informativas (Junyent, 1994), que visam a

obter os dados pretendidos

São excepcionais e em pequeno número as questões de resposta livre, geralmente reservadas àqueles aspectos cujo conhecimento inicial era insuficiente ou cuja variabilidade de resposta antecipada era tal que invalidava a definição de alternativas abrangentes. Maioritariamente, as perguntas são fechadas, sendo, todavia, variável o formato da resposta.

Se se sabe que a variação de formatos de resposta pode introduzir factores de ruído susceptíveis de dificultar a compreensão e interferir negativamente no preenchimento do questionário, esta pareceu, não obstante, uma opção apropriada pelas razões a seguir enunciadas:

a) a incontornável extensão do instrumento em questão, com risco acrescido de se tornar monótono, favorecendo respostas estereotipadas;

b) a diversidade das questões formuladas, que requer sistemas de registo qualitativamente diferenciados.

Na verdade, é particularmente relevante neste processo o confronto de estruturas de inteligibilidade distintas. Os ensaios de adequação e de adaptação do questionário à população

a inquirir implicaram alterações na forma, no conteúdo e na organização − inicialmente

subordinadas às lógicas do investigador, considerando os guiões da formalidade académica. Se estas modificações podem ser entendidas como concessões, traduzidas na perda de rigor do instrumento de medida, crê-se que se trata de um processo necessário de negociação de perspectivas, entre quem pergunta e quem responde, para, em última análise, as questões

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fazerem sentido, serem pertinentes e compreendidas pelos inquiridos. Nomeadamente, no quadro do estudo inicial do questionário, os contributos recebidos foram fundamentais. Para além dos aspectos mais óbvios que se prendem com o formato do instrumento, a clareza das instruções e a duração do seu preenchimento, permitiram redefinir (United Way of America, 1996):

- o formato das perguntas, com linguagens mais familiares aos actores no terreno, de forma a potenciar a sua compreensibilidade;

- os conteúdos das questões, tendo sido possível acrescentar aspectos inicialmente não contemplados, para os quais os participantes neste processo chamaram a atenção;

- a adequação das categorias de resposta, que por vezes se traduziu no abandono de categorias logicamente estabelecidas, mas cujo espectro ou não se revelava totalmente pertinente ou não era completamente entendido.

Crê-se que estas alterações permitiram aumentar a relevância das questões para os inquiridos e a familiaridade dos termos em que foram propostas, não obstante algumas perdas para a economia global do questionário.

A ordem das questões foi ponderada. Não obstante enquadradas em diferentes categorias temáticas, procurou-se que os assuntos e as perguntas que, pela sua natureza, exigissem maior

ponderação −por apelarem à opinião pessoal fundamentada ou à abstracção− fossem

subsequentes àqueles de resposta imediata ou breve. Todavia a ordenação lógica das questões não constituiu critério único de organização deste instrumento, que teve em consideração as formas de relação entre conteúdos sugeridas pelos profissionais na fase de teste.

A versão final do questionário consta do anexo 7.

A definição do universo de C.A.T.

A definição da amostra iniciou-se com o pedido, dirigido ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, de uma relação dos Centros de Acolhimento Temporário de Crianças e Jovens em funcionamento no território nacional.

A lista então enviada por estes serviços (anexo 8) revelou dois problemas:

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a) do ponto de vista formal, a sua apresentação tornava-a praticamente ilegível, dada a redução e a distorção dos tipos e tamanhos de letra;

b) do ponto de vista do conteúdo, numa primeira aproximação, o conjunto dos centros identificados pareceu incompleto. De facto, por esta altura já se havia constituído um conhecimento relativamente próximo, e em certos casos pessoal, de algumas destas instituições, dispondo-se já de informação da existência de várias estruturas que não vinham contempladas no documento citado45.

A insuficiência da informação prestada obrigou ao recurso a outros meios de identificação das

instituições existentes − um expediente que implicou um atraso significativo do início previsto

para o trabalho de campo, propriamente dito. Iniciou-se, então, outra forma de pesquisa dos dados necessários, essencialmente a partir de dois procedimentos:

a) através da internet, por pesquisas numa variedade de sítios, designadamente na página do I.S.S.S., pela consulta de jornais locais e regionais, de instituições não governamentais, entidades com competência em matéria de infância e juventude, I.P.S.S., através da das páginas amarelas, dos CTT, etc.;

b) indagando junto dos C.A.T. de cujo registo já se dispunha se tinham conhecimento da existência de outros congéneres no território nacional.

Simultaneamente, procedeu-se à tentativa de releitura da lista disponibilizada pelo I.S.S.S. e, a partir dos dados legíveis, procurou-se reunir outra informação, nomeadamente pelo recurso ao serviço telefónico 118 e ao contacto telefónico com algumas instituições das localidades designadas (Santa Casa da Misericórdia, Caritas, Associações, Centros Sociais, etc.).

A partir destes procedimentos, constituiu-se uma lista provisória de C.A.T. Num segundo momento, procedeu-se ao contacto telefónico com cada uma destas estruturas no sentido de confirmar e completar a informação reunida, nomeadamente, o tipo de instituição, endereço, números de telefone, responsáveis, esclarecendo os motivos do contacto e, sempre que possível, apresentando brevemente o estudo em curso.

45 Note-se que já em 1999, as informações fornecidas ao I.D.S. pela D.G.A.S. e pelos C.R.S.S. sobre o nº de CAT existentes no País não eram correctas (I.D.S, 1999).

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Esta fase revelou-se morosa e difícil. Foi então possível perceber que a informação legível da lista inicialmente fornecida pelos serviços do I.S.S.S. não só não estava actualizada como não era totalmente correcta, na medida em que incluía, para além dos C.A.T., Lares para Crianças e

Jovens, que não constituem objecto desta pesquisa − não obstante o conhecimento de que

muitas crianças e jovens em risco se encontram nestas instituições e a consciência de que a distinção de facto destes dois tipos de estruturas nem sempre ocorre. Na verdade, esta foi uma dificuldade que se sentiu em alguns contactos telefónicos em que o interlocutor da instituição, por vezes o telefonista ou outro pessoal não diferenciado, não estava à altura de prestar este esclarecimento, induzindo em erro ou obrigando a repetir os contactos com várias pessoas da instituição, no sentido de ser prestada a informação requerida. Note-se que, em alguns casos, nem os responsáveis puderam fazer esta aclaração.

Relativamente às regiões autónomas − não contempladas na listagem inicialmente fornecida

pelo I.S.S.S. − procedeu-se a um contacto com os serviços competentes locais, de que resultou

o envio de uma lista dos centros em funcionamento (anexo 8).

No final deste processo, constitui-se uma lista de oitenta e seis C.A.T., acrescidos de um conjunto de seis que, nessa altura, não estavam em funcionamento (anexo 9).

Importa ainda referir que não foi possível estabelecer este contacto telefónico com todos os C.A.T. identificados. Nestes casos, sempre que possível, recorreu-se a outras fontes que, com toda a certeza, fornecessem a informação pretendida. Nas situações em que esta possibilidade não se verificou, o questionário não foi enviado – quatro centros (anexo 10).

A pesquisa dos dados necessários à composição da relação de centros foi, em todos os momentos, norteada por preocupações de exaustividade, de rigor e de actualidade da informação recolhida.

Procedimento

O questionário foi distribuído durante a última quinzena do mês de Julho de 2003, acompanhado de uma carta em que se apresentava brevemente o estudo que o enquadrava, solicitando a colaboração da instituição no seu preenchimento no prazo aí definido (anexo 11). Juntava-se ainda um sobrescrito selado com o endereço da Universidade para o seu reenvio.

No decurso deste período e, inclusivamente, para além dele, algumas instituições tomaram a iniciativa de estabelecer um contacto para justificar o atraso no envio do questionário, em alguns

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casos para pedir outro exemplar ou o endereço da Universidade por terem extraviado ou inadvertidamente destruído o sobrescrito incluso, e para solicitarem bibliografia sobre o domínio em estudo.

Em relação aos C.A.T. que, passado o prazo definido para remessa do questionário preenchido, o não haviam feito, enviou-se uma carta (anexo 12) a reiterar o interesse e a importância da sua participação no estudo. Quinze dias depois fez-se um telefonema àqueles ainda em falta para averiguar os motivos da demora verificada, bem como da viabilidade de recolha do mesmo em tempo útil. Todavia, este contacto não foi possível em relação a todos os centros. O essencial destes contactos, está esquematizado no anexo 9. Deste modo, a recolha de questionários prolongou-se até final do mês de Novembro.

Sessenta e quatro centros remeteram o questionário preenchido, o que corresponde a cerca de 78,1% das instituições contactadas.

Aos C.A.T. que participaram neste estudo foi enviada uma carta a acusar a recepção do questionário preenchido, agradecendo a colaboração prestada (anexo 13).

Os resultados – descrição e análise

Os dados obtidos foram objecto de tratamento mediante técnicas de estatística descritiva. Fundamentam esta opção dois argumentos básicos:

a) a natureza descritiva do estudo;

b) o facto de o conjunto dos centros que foi objecto desta pesquisa se aproximar do universo dos C.A.T. existentes em Portugal, retirando sentido à utilização de técnicas de análise inferencial.

OOOsss CCC...AAA...TTT... ––– iiinnnssseeerrrçççãããooo lllooocccaaalll ,,, pppeeerrrfff iii lll aaarrrqqquuuiii ttteeeccctttóóónnniiicccooo,,, iiinnnssstttaaalllaaaçççõõõeeesss eee eeeqqquuuiiipppaaammmeeennntttooosss

Os resultados a seguir apresentados estão organizados por rubricas, a saber:

• distribuição geográfica

• inserção local e proximidade

• transportes e acessibilidade

• tempo de actividade

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• enquadramento institucional

• valências das instituições

• capacidade dos C.A.T. – número de utentes

• instalações e equipamentos

• Distribuição geográfica

A localização dos centros de acolhimento constitui um aspecto de grande importância, com influência na vida das crianças acolhidas, na dinâmica das instituições bem como nas comunidades em que se situam, portanto relevante do ponto de vista da sua normalização e integração social (cf. Cap. 3, ponto 3.2.3.).

No segundo semestre de 2003, estavam identificados oitenta e seis (86) estruturas de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco, no conjunto do território nacional. A sua distribuição geográfica é apresentada no quadro 5 (cf. anexo 14).

QUADRO 5: Distribuição dos C.A.T. no território nacional por região* e distrito

Regiões Distritos Nº de C.A.T. Σ

Nº de C.A.T. que respondeu ao questionário

Σ

Braga 10 8 Bragança 2 2 Porto 11 6 Viana do Castelo 2 2

NNNooorrr ttteee

Vila Real 3

28

3

21

(75%)

Aveiro 7 6 Castelo Branco 1 1 Coimbra 4 2 Guarda 1 1 Leiria 4 3

CCCeeennnttt rrrooo

Viseu 1

18

1

14

(77,8%)

Beja 1 1 Faro 4 4 Lisboa 13 6 Évora 2 2 Portalegre 1 1 Santarém 4 3

SSSuuu lll

Setúbal 7

32

6

23 (71,9%)

Angra do Heroísmo 2 1 Horta 1 1 Ponta Delgada 3 3

AAAçççooorrreeesss

Graciosa 1

7

0

5 (71,4%)

MMMaaadddeee iii rrraaa Funchal 1 1 1 1 TTToootttaaa lll 86 64 (74,4%)

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531

Verifica-se que são os distritos mais populosos os que reúnem maior número de equipamentos deste tipo. Assim, Lisboa, Porto e Braga reúnem cerca de 40% da totalidade dos C.A.T. do território nacional, ilhas incluídas. Seguem-se os distritos de Setúbal e de Aveiro.

Note-se a existência de cinco distritos, no continente, que apenas dispõem de uma estrutura com esta finalidade.

Se, à partida, pode pensar-se que esta distribuição desigual de C.A.T. nas várias regiões do País remete para uma resposta diferenciada, conforme e, eventualmente, determinada pelas necessidades identificadas, importa relevar que a densidade populacional e de povoamento é apenas um critério, eventualmente o mais imediato e grosseiro, da adequação da distribuição destes equipamentos. Na verdade, ela deve ser equacionada tendo em conta os padrões de solicitação que caracterizam cada área e a tipologia das populações-alvo (Sandomingo, 1998).

Não se conhecem nem se dispõe, nesta análise, de dados que permitam fazer esta equação. À falta de um estudo nacional do perfil de necessidades de crianças e jovens, por região, esta informação apenas poderá ser extraída indirectamente, a partir de indicadores psicossociais e sócio-económicos.

• Inserção local e proximidade

A extensa maioria dos centros de acolhimento (90,5%) situa-se nos centros urbanos ou próxima dos centros urbanos das comunidades a que pertence (quadro 6).

QUADRO 6: A inserção local dos C.A.T.

Situação do C.A.T. Freq. %

no centro* 31 49,2%

próximo do centro* 26 41,3%

afastado do centro* 6 9,5%

Total 63 100%

Trata-se de um dado importante, porque condiciona a acessibilidade e os contactos dos seus utentes, profissionais e das famílias das crianças/jovens, repercutindo-se nas trocas sociais com a comunidade envolvente.

* As três regiões (Norte, Centro e Sul) correspondem às áreas de abrangência dos Centros Regionais de Solidariedade e Segurança Social e Serviços Sub-Regionais, resultando a zona Sul da agregação dos C.R.S.S.S. de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve (http://www.dgotdu.pt/DGOTDU/reot/22sesoc.htm).

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532

A proximidade dos C.A.T. relativamente às instituições e entidades relevantes para o seu funcionamento difere, assim, conforme a sua localização e distância em relação aos centros urbanos, onde estes serviços tendem a concentrar-se.

Os centros que participaram neste estudo avaliaram a sua proximidade em relação aos seguintes serviços:

a) Hospital da área,

b) Centro de Saúde da área,

c) Estabelecimentos de ensino frequentados pelas crianças,

d) Tribunal (de Comarca ou de Família e Menores),

e) Segurança Social,

f) espaços recreativos/de lazer mais frequentados pelas crianças,

g) espaços comerciais onde são clientes,

h) outro serviços relevantes.

A figura 1 ilustra as percentagens de C.A.T. que se consideram próximos destas entidades, conforme se localizam nos centros urbanos e próximos dos centros urbanos ou afastados dos mesmos.

Figura 1: A proximidade relativa dos C.A.T., conforme a sua localização, em relação a entidades relevantes

Observa-se ser notória a diferença, particularmente no que concerne aos espaços comerciais, ao Hospital, ao Tribunal e à Segurança Social. De facto, considerando o conjunto

78,6%90,7% 98,2% 92,7%100%100%

77,8% 83,3% 66,7% (4)

16,7% (1)33,3%

(2)

66,7% (4)33,3%

(2) 0%0%

20%

40%

60%

80%

100%

Hosp

ital

Cent

ro d

eSa

úde

esco

las

Trib

unal

Segu

ranç

aSo

cial

espa

ços

recr

eativ

os

espa

ços

com

ercia

is

C.A.T. próximos dos/nos centros urbanos C.A.T. afastados dos centros urbanos

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533

dos C.A.T. distante das áreas urbanas (N= 6), nenhum se diz próximo das áreas comerciais e apenas um (1) se localiza perto do Hospital. Note-se, também, que no universo dos C.A.T. centrais ou próximos dos meios urbanos (N= 57), o Hospital e o Tribunal são as entidades relativamente às quais um menor número de centros, não obstante elevado, se considera próximo (77,8% e 78,6%, respectivamente).

• Transportes e acessibilidade

A distância entre os C.A.T. e os serviços da comunidade não constitui um facto absoluto, mas depende da mobilidade de ambas as partes e dos meios colocados ao serviço da comunicação e dos contactos entre si. Na prática, são os centros que devem disponibilizar-se para esta aproximação, competindo-lhes munirem-se dos meios necessários para o efeito (telefone, fax, correio electrónico e internet, transportes, etc.).

Torna-se, por isso, pertinente questionar os centros sobre os meios de transporte de que dispõem, nomeadamente se possuem:

a) transporte próprio (automóvel/carrinha para uso da instituição),

b) transportes públicos próximos.

Por outro lado, e relativamente aos transportes públicos, pediu-se-lhes que apreciassem a cobertura oferecida, face às suas necessidades.

Apurou-se que todos os C.A.T. –incluída a totalidade dos que se situam afastados dos centros urbanos– à excepção de dois, dispõem de transporte próprio (96,8%); 79,2% afirmam ter transportes públicos acessíveis.

Independentemente do uso feito pelos utentes dos C.A.T., a cobertura dos transportes públicos é qualificada como globalmente razoável por pouco mais de metade dos centros (51,7%). Os restantes dividem-se pelas opiniões extremas: um quarto dos centros qualifica-a como má, enquanto que 23,3% a consideram boa.

• Tempo de actividade

Estes centros, assim localizados no espaço do território nacional, têm tempos também diferenciados, distinguindo-se quanto aos anos de funcionamento (figura 2).

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534

27,3%

49%

16,4%

7,3%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

[0-3] anos [4-8] anos [9-13] anos [14-18 anos]

Figura nº 2: Tempo de actividade dos C.A.T.

Quase metade dos centros (49%) tem quatro a oito anos de actividade, sendo possível afirmar que 76,4% dos C.A.T. existentes entraram em funcionamento a partir de 1996.

Na verdade, estes números traduzem o investimento realizado no País, na segunda metade da década de 1990, traduzido na concepção e instalação de uma rede integrada de acolhimento, que envolveu a multiplicação de C.A.T. e a criação e formalização do acolhimento de emergência (cf. Cap. 2, ponto 2.1.2.).

Um pequeno número de instituições (N= 4) conta com uma experiência de 14-18 anos, funcionando, portanto, desde a segunda metade da década de 1980. É interessante notar que estes primeiros C.A.T., os únicos existentes em finais desses anos, têm uma distribuição geográfica estratégica: Braga, Aveiro, Lisboa e Faro.

• Enquadramento institucional

Em Portugal, contrariamente a outros países, a prestação de serviços de acolhimento está tradicionalmente atribuída a instituições particulares, sendo residual a existência de estruturas do Estado nesta área. Assim acontece com o acolhimento permanente (cf. Cap. 3, ponto 3.2.3), tal como com o acolhimento temporário: 98,4% dos C.A.T. que responderam a este inquérito são instituições particulares sem fins lucrativos.

O enquadramento institucional dos centros de acolhimento temporário é diverso, como se mostra no quadro 7. Note-se, todavia, que cerca de metade dos C.A.T. do País são enquadrados, no seu conjunto, por Associações e pelas Santas Casas da Misericórdia, salientando-se depois os Centros Sociais Paroquiais e as Instituições Religiosas (Congregações, Obras Diocesanas, etc.).

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535

Quadro 7: Entidades responsáveis pelos C.A.T.

13 21,16 26,7 1 1,72 3,36 10,0

9 15,0

8 13,3

1 1,7

1 1,71 1,71 1,71 1,760 100

Santa Casa da MisericórdiaAssociaçãoCooperativaFundação Cent. SocialCent. Soc. Paroq., Cent.Paroq. de Bem-EstarInstit.relig. (congreg., obrasdioces. Instituto de Solidariedade eSegurança SocialInstituto Casa do PovoComissão de MelhoramentosCruz Vermelha PortuguesaTotal

Frequência % álid

• As valências das instituições

A maior parte das instituições em que os C.A.T. se enquadram (69,4%) possui outros tipos de valências no mesmo local; destas, 46,7% têm, para além do C.A.T., uma a três valências e 22,7% têm mais de três valências diferenciadas.

Em termos gerais, estas estruturas beneficiam a população a que se dirigem, podendo incluir directa ou indirectamente crianças e jovens em risco, bem como os seus familiares. A participação dos C.A.T. como uma valência entres outras facilita, certamente, a sua inserção social, reforçando a reciprocidade desejável entre as instituições locais e a comunidade em que se inserem.

A diversidade de valências encontrada (mais de vinte e uma) pode também ser entendida como um indicador da capacidade de resposta diferenciada das instituições, de acordo com as necessidades das populações, denotando a sua utilidade social (Sandomingo, 1998).

De especial interesse são as valências que se dirigem directamente à infância e juventude, pelo facto de se crer poderem afectar directamente os serviços prestados às crianças dos centros de acolhimento temporário, se constituídas como utentes das mesmas, e as que podem beneficiar as famílias destas crianças. Salientam-se, assim, as seguintes:

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536

a) creche,

b) jardim-de-infância,

c) A.T.L.,

d) Lar de crianças e jovens,

e) Apoio familiar e aconselhamento parental,

f) Intervenção precoce e reabilitação,

g) C.A.T. para mães jovens,

h) outros C.A.T.,

i) centro de estudos,

j) colégio,

k) clínica médica.

Destas, apenas quatro têm alguma expressão, designadamente o jardim-de-infância, a creche e o ATL, que constituem valências anexas de vinte e um, dezassete e dezasseis centros, respectivamente. Oito dispõem de Lar de crianças e jovens (quadro 8).

QUADRO 8: As valências mais frequentes directamente relevantes para os menores

Valência % jardim-de-infância 33,9% creche 27,4% A.T.L. 25,8% Lar de crianças e jovens 12,9%

Cerca de 66,1% dos C.A.T. dispõem de um nº limitado de camas, variável conforme a capacidade da estrutura, para acolher crianças em situação de emergência, portanto por um período máximo de dois dias.

• A capacidade dos C.A.T. – número de utentes

A dimensão dos centros tem recebido muita atenção da parte dos investigadores, constituindo-se como factor crítico da distinção entre macro e micro-estruturas e registando uma tendência consistente de diminuição. Se actualmente é consensual que a qualidade dos serviços prestados pelos C.A.T. resulta da conjunção de um conjunto de condições, a nível físico e material, funcional e relacional, o tamanho dos centros é, sem dúvida, uma destas componentes,

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537

eventualmente a mais óbvia. Provada que está a organização espacial do comportamento, e a sua capacidade de adaptação aos cenários em que decorre (Cohen & Siegel, 1991), compreende-se que certas características dos contextos possam imprimir diferenças nas dinâmicas relacionais que neles se instalam.

Se não existe um número de referência para a capacidade dos centros, autores como Sandomingo (1998) consideram positiva a existência de equipamentos de dimensão diversa, com uma tendência central em torno dos 25–30 lugares.

Em Portugal, uma grande parte dos C.A.T. (41,9%) tem capacidade para acolher 13 a 20 crianças, seguidos de outros de menor dimensão, que acolhem um máximo de 7-12 crianças (figura 3).

3,2%

35,5% 41,9%

16,1% 1,6% 1,6%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

0-6 crs 7-12 crs. 13-20crs.

21-30crs.

31-50crs.

+ de 50crs.

Figura 3: Percentagem de CAT por número de utentes agrupado

Um número expressivo de centros (N= 11) acolhe 12 crianças, logo seguido de 9 que estão preparados para receber 20 crianças (figura 4).

Figura 4: O número de C.A.T. em função da capacidade

1 1

4

1

5

1

11

35

7

1 1

9

31 2 1 1 2 1 1

02468

1012

5 6 8 9 10 11 12 13 14 15 17 18 20 22 24 25 27 28 30 40 105

Nº máximo de crianças

Nº d

e C.A

.T.

Page 23: Artigo Cat Portugal

538

Note-se que os 2 centros que recebem mais de trinta crianças, portanto os de maior dimensão, têm entre 14-18 anos de actividade, sendo, pois, daqueles com mais tempo de actividade. A sua criação data de uma época em que a ênfase nas estruturas pequenas apenas começava a fazer-se sentir nos países da Europa do Sul.

Saliente-se ainda que a maior parte dos centros criados entre 1995-99 (77,8%) acolhe 7-20 crianças. Estes são números relativamente próximos e até inferiores àqueles definidos na vizinha Espanha, que situa a capacidade óptima de dispositivos afins aos C.A.T. entre os 15-25 utentes (Sandomingo, 1998).

Além da capacidade de acolhimento dos centros, importa conhecer a taxa de ocupação, assim como a estabilidade deste valor. De facto, são aspectos de grande importância para a gestão destes dispositivos. A disponibilização e rendibilização dos recursos baseia-se numa previsão das solicitações; em contextos onde o preenchimento das vagas registe oscilações acentuadas, as tarefas de planificação tornam-se mais complexas. Não parece ser este o caso dos C.A.T

A taxa de ocupação tende a manter-se relativamente constante ao longo do ano em 74,6% dos C.A.T. Os restantes centros registam uma ocupação variável, cujas causas ou lógicas subjacentes não são conhecidas pelos próprios, que não identificam um padrão de variação. A ocupação aproxima-se dos 100% na maior parte dos C.A.T. (61,9%).

• Instalações e equipamentos

A grande maioria dos centros de acolhimento temporário (91,5%) funciona em edifícios de construção definitiva, tem aparência de habitações comuns (71,7%), não obstante apenas menos de metade (41,7%) serem construções de raiz, desenhadas para o desempenho das suas funções específicas.

O seu estado de conservação é considerado bom em 96,2% dos casos, salvaguardando-se a necessidade de obras pontuais em pouco mais de metade dos centros (53,8%) e de obras estruturais em 21,7%.

Se se comparar estes dados com aqueles já disponíveis relativos aos equipamentos de acolhimento prolongado (Cap. 3, ponto 3.2.3), verifica-se que há mais C.A.T. com uma configuração arquitectónica próxima das residências familiares do que Lares (62,%). Tratando-se de estruturas mais recentes, também não surpreende que o seu estado de conservação seja,

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539

globalmente, superior aos dos Lares, de 60%-68%. No seu conjunto, estas diferenças ao nível das características físicas dos equipamentos reflectem a preocupação com a normalização dos dispositivos institucionais.

O espaço interior e as divisões dos centros são, em termos globais, entendidos como adequados ao número de crianças acolhidas e à dinâmica inerente a estas instituições. De facto, quando questionados a este respeito, 88,9% dos C.A.T. responderam afirmativamente, mantendo-se esta tendência de resposta a propósito das instalações mais relevantes (quadro 9).

QUADRO 9: As instalações dos C.A.T. consideradas adequadas

Instalações adequadas %

Nº de quartos 87,3%

Nº de WC 93,7%

Espaço para refeições 98,4%

Espaço para o lazer das crianças 90,5%

Espaço para as crianças estudarem (se aplicável) 87,9%

Instalações para receber as visitas 81%

Instalações para os funcionários do C.A.T. 92,1%

Note-se que o valor relativamente mais baixo (81%), contudo elevado, se refere à disponibilidade de instalações adequadas para a recepção de visitas e para as reuniões com os

familiares das crianças em condições de privacidade − um aspecto crucial do acolhimento

temporário de crianças e jovens.

Conforme a figura 5 mostra, mais de metade dos centros (54%) tem quartos cuja dimensão média oscila entre as 3-4 camas, o que, aliás, corresponde ao limite máximo apontado por especialistas neste domínio (Sandomingo, 1998).

23,8%

54%

15,9%

4,8%

1,6%

0% 20% 40% 60%

1 cama

2 camas

3-4 camas

> 4 camas

2 camas e 3-4 camas

3-4 camas e > 4 camas

Figura 5: O número de camas por quarto nos C.A.T.

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540

Seguem-se as estruturas com quartos de 2 camas (23.8%) e quartos com mais de 4 camas (15.9%).

Nenhum C.A.T. possui quartos individuais, o que pareceria justificar-se, dada a susceptibilidade de algumas situações, com exigências acrescidas de privacidade.

Comparativamente, os Lares apresentam maior variabilidade, desde os quartos individuais às camaratas de 16 crianças/jovens.

A grande maioria dos centros inquiridos (90,5%) dispõe de espaço para guardar as coisas pertencentes a cada criança; o procedimento de marcar ou identificar de algum modo os pertences das crianças, quando guardados em comum, é igualmente extensivo (92,1%).

O arranjo de espaço próprio para cada criança e a marcação das suas roupas, de forma a serem usadas apenas pela própria, são pequenas práticas de grande importância em contextos colectivos de atendimento, pouco propícios à atenção personalizada, em que o grupo dificilmente se conjuga com o indivíduo. A inclusão num grupo em permanente mudança não favorece o desenvolvimento da identidade de cada criança, já comprometida pelas rupturas da/com a sua família de origem e pela falta de uma perspectiva confiável a longo prazo, com referências firmes sobre as quais lançar as âncoras da pertença.

De facto, a expressão e o desenvolvimento do sentimento de pertença, constitutivo e estruturante da identidade, tem uma dimensão espacial e material: a pertença a espaços e a propriedade material têm uma importância filogenética e ontogénica capital na demarcação de territórios físicos e psicológicos.

Note-se que, em centros de pequena dimensão, a marcação de roupa pode não se justificar. Pontualmente, os C.A.T. relatam ainda a rejeição desta prática por parte das crianças mais velhas.

Em geral, os C.A.T. não parecem dispor de condições físicas ou materiais para acolherem crianças e jovens com deficiências. Apenas 29,5% afirmam possuir instalações com os requisitos necessários à mobilidade de crianças com deficiências físicas e um número ainda menos expressivo (16,4%) refere possuir alguns materiais e equipamentos para crianças com este tipo de dificuldades.

Note-se que esta limitação é extensiva aos Lares, 82% dos quais não estão adaptados a populações com este tipo de dificuldades.

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541

AAAsss cccrrr iiiaaannnçççaaasss

• As crianças – género e idade

No que respeita ao género, todos os centros, à excepção de um, são mistos, admitindo crianças e jovens de ambos os sexos. Note-se que o centro em questão se destina a jovens entre os 12-18 anos, o que, por si, não parece constituir condição suficiente para a admissão selectiva, tendo em consideração os restantes onze centros que, trabalhando com esta faixa etária, não estabelecem restrições a este nível.

Se se considerar o universo dos C.A.T. que admitem menores dos dois sexos (N= 62), 67,7% não identificam qualquer predomínio de um ou outro género nas crianças/jovens que acolhem, considerando que são, regra geral, em número sensivelmente idêntico (27,4%) ou variável (40,3%), mas sem uma tendência consistente de um género sobre outro (figura 6). Já relativamente àqueles que referem receber mais crianças de um género do que outro, as respostas divergem acentuadamente:

27,4%

4,9%

40,3%

27,4%CAT c/ + meninos

CAT c/ + meninas

CAT c/ nº meninos = nº meninas

CAT c/ nº variavel de meninos emeninas

Figura 6: O género dos utentes dos C.A.T.

Os C.A.T. que recebem mais crianças do sexo masculino (17) são em nº muito superior àqueles que recebem mais meninas (3).

Quanto à idade, verifica-se uma considerável variedade no que respeita aos grupos etários-alvo dos C.A.T., não parecendo haver qualquer padrão uniforme de definição das faixas etárias, que se dispersam entre os [0,5], [0,6], [0,7] ou [0,14], [0,15], [0,16], entre outros. A título de exemplo, oito (8) centros definem faixas etárias ímpares, ou seja, cujos limites inferior e superior

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542

não encontram paralelo em mais nenhum centro do País. Dada esta dispersão, salientam-se apenas os quatro grupos etários mais frequentes: 43,8% destes equipamentos têm em comum o facto de receberem crianças entre os 0-12 anos, verificando-se ainda valores relativamente expressivos no que respeita aos grupos etários entre os 0-10 anos (14,1%), os 0-6 anos (12,5%) e os 0-16 anos (figura 7).

12,5%14,1%

43,8%

6,3%

0%

15%

30%

45%

Perc

enta

gem

[0,6] [0,10] [0,12] [0,16]

Figura 7: As faixas etárias mais frequentemente definidas pelos CAT

Considerem-se três grupos de idade: 0-6 anos, 6-12 anos e 12-18 anos. Independentemente de constituírem grupos isolados ou se integrarem em faixas etárias mais amplas, observa-se o seguinte:

a) a faixa etária entre 0-6 anos tem uma ampla cobertura nos C.A.T. do País, registando valores na ordem dos 91,8% dos centros;

b) a faixa etária entre 6-12 anos tem um número relativamente menor de estruturas, não

obstante altamente expressivo − 80,3%;

c) a faixa etária entre 12-18 anos apenas é servida por 19,7% dos centros.

Estes resultados corroboram os relatos informais dos técnicos, nomeadamente da Segurança Social e das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, sobre a dificuldade de colocação institucional temporária de jovens, uma necessidade cada vez mais premente e frequente.

Estamos em presença de centros verticais, na terminologia de Sandomingo (1998), que acolhem crianças de diferentes idades, não obstante parecer, em função do número de C.A.T., que estes se configuram como dispositivos mais vocacionados para o acolhimento de crianças

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543

pequenas. A taxa de ocupação dos centros permite concluir que as solicitações de acolhimento de crianças nas primeiras idades justificam a existência deste número de dispositivos; aliás, os dados disponíveis relativos ao início dos anos de 1990 remetiam, já nessa altura, para uma

representação importante das crianças com menos de seis anos entre a população acolhida −

cerca de metade (cf. Cap. 3, ponto 3.2.3.).

Todavia, no contacto com os profissionais deste sector é possível apreender as necessidades crescentes em relação às crianças mais velhas e jovens adolescentes, não se dispondo de dados comparativos que permitam traçar a evolução dos números. Na verdade, esta é uma tendência verificada na maior parte dos países europeus, assim como nos E.U.A., que dispõem de equipamentos para jovens em número significativamente maior do que para crianças pequenas. A Espanha parece apresentar um padrão de institucionalização semelhante ao nosso, registando números elevados entre a população não adolescente.

AAAsss eeeqqquuuiiipppaaasss dddooosss CCC...AAA...TTT...

Os trabalhadores dos centros de acolhimento temporário distinguem-se em função do seu nível de formação, com implicações nos papéis e funções que desempenham. Neste sentido, podem identificar-se duas equipas:

• a equipa técnica;

• a equipa não técnica (pessoal auxiliar).

• As equipas técnicas

O art. 54.º da Lei nº 147/99 determina a obrigatoriedade da existência de equipa técnica para as instituições de acolhimento, a quem compete o diagnóstico da situação das crianças e jovens acolhidos e a definição e execução do projecto de promoção e protecção. Dispõe ainda sobre a composição da equipa, que deve ser pluridisciplinar, integrando necessariamente profissionais das áreas da Psicologia, Serviço Social e Educação e, desejavelmente, de Medicina, Direito e Enfermagem.

Em 1999, o I.D.S. definia a composição-tipo das equipas técnicas dos C.A.T. com uma capacidade média de 20 crianças/jovens: além do director técnico, deveriam contar com um técnico do Serviço Social, com um educador de infância ou de estabelecimento, um psicólogo a meio tempo e um enfermeiro também a meio tempo (I.D.S., 1999).

Page 29: Artigo Cat Portugal

544

Na prática, o número e o tipo de profissionais que integram as equipas técnicas dos C.A.T. apresentam uma grande variabilidade (figura 8).

3,2%4,8%

12,7%30,2%

15,9%7,9%

4,8%9,5%

1,6%1,6%

7,9%

0% 10% 20% 30%

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Nº d

e téc

nico

s por

equi

pa

Percentagem de C.A.T.

Figura 8: A dimensão das equipas técnicas dos C.A.T.

• Quanto à sua dimensão, grande parte dos centros de acolhimento do País (30,2%) tem

uma equipa técnica constituída por 3 elementos. As equipas de 4 (15,9%) e 2 (12,7%) técnicos seguem-se por ordem de frequência. Sublinhe-se que 20.6% dos centros têm equipas que oscilam entre os 7-10 elementos com formação superior e/ou especializada.

Importa ainda relevar a existência de 2 C.A.T. (3,2%) sem equipa técnica constituída e de outros 3 (4,8%) em que esta é unipessoal.

Quando se procura fazer o estudo do tamanho das equipas, tendo em consideração a dimensão dos centros, tomando como indicador o número máximo de crianças que atendem – capacidade do C.A.T. – os dados disponíveis não permitem fazer inferências sustentadas. Como já foi referido, a maior parte dos centros é de dimensão média; considerando as duas categorias de C.A.T. mais representativas quanto ao número de crianças que acolhem – 7-12 e 13-20 crianças – verifica-se que a maior parte destas estruturas tem uma equipa técnica de três a quatro elementos (figura 9).

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545

6

9

7

4

14

8

02468

101214

Nº d

e equ

ipas

/cent

ros

7-12 crianças 13-20 crianças

< 3 técnicos3-4 técnicos> 4 técnicos

Figura 9: A dimensão das equipas técnicas em função da capacidade dos C.A.T.

O número de centros de menor e de maior tamanho (N= 1 e N= 2, respectivamente) não permite tecer outras considerações. Como observação pontual, assinale-se o facto de um C.A.T. que atende mais de cinquenta crianças ter uma equipa técnica de quatro elementos, enquanto outro, que atende um máximo de seis crianças, conta com oito profissionais com formação superior e/ou especializada.

A dimensão das equipas técnicas, por si só, tem um significado limitado. Outro aspecto que importaria considerar, e relativamente ao qual não se dispõe de dados, seria o tempo de trabalho de cada profissional. Na verdade, neste domínio é frequente a prestação de serviços técnicos a meio tempo ou em regime de avença, que contempla um determinado número de horas ou dias por semana ou mês, ou em voluntariado, que raramente funciona a tempo inteiro. De qualquer modo, se o contributo prestado e o trabalho desenvolvido dependem do tempo dedicado, a existência de uma equipa técnica mais ou menos alargada remete para um conjunto de recursos técnicos e profissionais mobilizados ou mobilizáveis ao serviço do centro. Por outro lado, nas instituições que têm outras valências, frequentemente a equipa técnica é única e comum, portanto, acumulando um conjunto de tarefas bastante mais extenso.

• Outro aspecto relevante das equipas técnicas é a sua composição.

Como se verifica pela análise da figura 10, o psicólogo e o técnico superior de serviço social são os profissionais mais largamente representados nas equipas técnicas dos C.A.T, seguidos do educador de infância.

Page 31: Artigo Cat Portugal

546

69,8%

85,7%

46,0%

7,9%17,5%

25,4%31,7%

6,3%

0%

25%

50%

75%

100%

TSS

Educ. Inf.

Prof. P

rim.

Juris

ta

Educ. Soc.

Enfermeir

o

profissionais

perc

enta

gem

de

C.A

.T.

0 elem.1 elem.2 elem.+ de 2 elem.

Figura 10: As profissões mais representadas nas equipas técnicas

Considerando as valências profissionais mais representativas – psicologia e serviço social –veja-se o diagrama seguinte (figura 11):

Figura 11: As equipas com psicólogo(s) e técnico(s) de serviço social

A maior parte das equipas (81%) possui psicólogo e técnico do serviço social, não se distinguindo aqui os centros que têm mais do que um profissional destas áreas. Quando a equipa apenas pode contar com um destes técnicos, é o psicólogo que surge com maior frequência (11,1%). Todavia, importa ressaltar que 6,3% das equipas (N= 4) não têm nenhum destes dois tipos de profissionais.

O mesmo não acontece no que respeita à valência da educação. Quando se agrupam as distintas formações susceptíveis de serem enquadradas nesta área – educação de infância, ensino primário, técnico superior de educação, licenciatura em educação e licenciatura em

11,1%1,6%

81%

6,3%

0%

25%

50%

75%

100%

PsicólogoTSSPsicólogo+TSS0 (Psicólogo+TSS)

Page 32: Artigo Cat Portugal

547

psicopedagogia46 – verifica-se que as equipas de 24 centros (38,1%) não integram nenhum profissional desta área (quadro 10).

QUADRO 10: Os profissionais da educação nos C.A.T.

24 38,122 34,911 17,55 7,91 1,663 100,0

01234

Total

nº de profissionaisFrequênciade C.A.T.

Percentagem deC.A.T.

Aliás, considerando as três valências técnicas definidas nos termos da Lei – Psicologia, Serviço Social e Educação – verifica-se que praticamente metade (50,8%) dos C.A.T. existentes no País não cumpre as disposições legais relativamente à composição das equipas técnicas (quadro 11).

QUADRO 11: Os C.A.T. com as três valências técnicas obrigatórias

Os C.A.T. têm as 3 valências obrigatórias Frequência Percentagem

Não 32 50,8% Sim 31 49,2% Total 63 100%

Os restantes profissionais têm representações variáveis, em qualquer caso minoritárias, existentes num ou dois C.A.T., a saber:

a) Sociologia (2 C.A.T.),

b) Terapia da fala (1 C.A.T.),

c) Educação Especial e Reabilitação (2 C.A.T.),

d) Nutricionismo (2 C.A.T.),

e) Animação sócio-cultural (2 C.A.T.).

46 Dada a designação similar, todavia distinta dos cursos, e na falta de informação que permita identificá-los com

Page 33: Artigo Cat Portugal

548

Nos estudos realizados neste domínio, frequentemente, é usado o ratio crianças/técnicos como indicador da adequação da dimensão das equipas técnicas. O cálculo aproximado da razão entre o número máximo de crianças aceite por cada C.A.T. e o número de técnicos que compõem a equipa de cada um destes dispositivos está representado na figura 12.

Figura 12: O ratio crianças/técnico nos C.A.T.

Torna-se evidente a heterogeneidade das instituições quanto a esta dimensão: desde centros têm um técnico para cada criança até outros que, no extremo, têm um ratio de 21 crianças por técnico, há uma variedade de arranjos com quocientes adulto/criança diferenciados. Pode todavia, verificar-se que mais de metade dos C.A.T. (53,2%) tem um ratio aproximado de 2-4 crianças por técnico. Em termos gerais, considerando a totalidade dos centros, por cada técnico existem cinco crianças acolhidas (aproximação por excesso).

• As equipas não-técnicas

O pessoal auxiliar das instituições de acolhimento, sem qualificação específica para o exercício das suas funções, é um factor crítico da qualidade dos serviços prestados, dado o seu contacto próximo e prolongado com as crianças. Assim, o comprova esta pesquisa, mostrando que, entre os profissionais, (para)profissionais e responsáveis pelos C.A.T., é o pessoal auxiliar que garante uma presença mais consistente e contínua, não obstante organizada em turnos, conforme os períodos do dia e do ano.

rigor, mantêm-se com o enunciado fornecido pelos C.A.T.

911

22 1 14

1

13

5

76

0

4

8

12

16

Nº de

CAT

nº de C.A.T. 2 2 9 13 11 5 6 7 1 4 1 1

s/ técnic

1cr/ 1tec

2cr/ 1tec

3cr/ 1tec

4cr/ 1tec

5cr/ 1tec

6cr/ 1tec

7cr/ 1tec

9cr/ 1tec

10cr/ 1tec

14cr/ 1tec

21cr/ 1tec

Page 34: Artigo Cat Portugal

549

O quadro 12 mostra os arranjos mais frequentes no seio das equipas de forma a garantir as escalas de trabalho.

QUADRO 12: Os profissionais dos C.A.T. que fazem turnos

noite fins-de-semana feriados férias

direcção r r r r r equipa técnica r r r r r r r r r pessoal auxiliar r r r r r r r r r r r r r

%

80,6%

11,3%

3,2

%

43,5%

38

,7%

6,5%

56

,5%

24,2%

6,5

%

8,3%

53

,3%

15%

8,3

%

6,7%

• Verifica-se que, no período da noite, grande parte dos centros (80,6%) apenas dispõe de

pessoal auxiliar, salvaguardando-se, todavia, que os responsáveis permanecem sempre contactáveis em caso de necessidade.

Ao fim-de-semana, a maioria dos C.A.T. organiza-se de dois modos: com equipas constituídas apenas por pessoal auxiliar (43,5%) ou com pessoal auxiliar e técnicos (38,7%).

Nos feriados, é também o pessoal auxiliar que, na maior parte dos centros, assegura os turnos, não obstante o número de instituições que combina elementos das equipas técnica não técnica (24,2%).

As férias são, em mais de metade dos C.A.T. (53,3%), tempos assegurados em termos profissionais tanto pela equipa técnica como pelo pessoal auxiliar. Note-se que este é o período em que mais frequentemente as direcções dos centros participam nos turnos, conjuntamente com o restante pessoal, de actividade, eventualmente para suprir o facto de alguns profissionais não se encontrarem ao serviço, exactamente por motivo de férias. Todavia, as soluções adoptadas são distintas e dispersam um número considerável de centros em torno de cada uma.

• A figura 13 ilustra a dimensão das equipas não técnicas ou de pessoal auxiliar dos C.A.T.

Page 35: Artigo Cat Portugal

550

1,93,7%

11,1%

16,7%14,8%

9,3%9,3%5,6%7,4%

1,9% 5,6% 5,6% 3,7%1,9% 1,9%

0

5

10

15

20

1 2 3 5 6 7 8 9 10 11 12 13 15 17 19Nº de elementos por equipa

Perc

enta

gem

de C

.A.T

.

Figura 13: A dimensão das equipas de pessoal auxiliar

Verifica-se que grande parte dos centros de acolhimento temporário de crianças e jovens em risco (31,5%) dispõe de 6-7 elementos. Imediatamente a seguir vêm seis centros (11,1%) com 10 elementos. Um número similar de C.A.T. dispõe-se a montante e a jusante:

• 18,5% das equipas têm menos de 6 elementos;

• 20,6% têm mais de 10.

Note-se que o I.D.S. recomenda um total de 12 elementos auxiliares para C.A.T. com capacidade para acolher 20 crianças/jovens, especificando a composição destas equipas (I.D.S.):

− 6 auxiliares de educação

− 1 encarregado de serviços gerais

− 1 cozinheiro

− 1 costureira

− 2 trabalhadores auxiliares

− 1 administrativo

• No que respeita aos níveis de instrução do pessoal auxiliar (figura 14), cerca de 39% possui

como habilitações o ensino secundário, seguindo-se pessoas com o 2º e o 1º ciclos. O pessoal com 12º ano, frequência de ensino superior ou outro tipo de formação representa apenas 4% do

3º ciclo16%

2º ciclo22%

1º ciclo19%

secundário39%

+ secundário4%

Page 36: Artigo Cat Portugal

551

total.

Figura 14: Os níveis de instrução do pessoal auxiliar dos C.A.T.

• A estabilidade das equipas, técnicas e auxiliares, é um elemento crítico dos serviços

prestados pelas instituições de acolhimento. A literatura especializada refere que as frequentes mudanças na composição das equipas, motivadas por um conjunto vasto de motivos, associada à sua alta rotatividade, constituem factores disruptivos deste sistema, não obstante frequentes.

Os dados obtidos junto dos C.A.T. não apontam neste sentido. De facto, as equipas técnicas são estáveis na esmagadora maioria dos centros (94,9%), aliás como o pessoal auxiliar (96,7%). Já o mesmo não acontece com os voluntários, cujos níveis de adesão/persistência e de desistência são aproximados (53,5% e 46,5%, respectivamente).

AAA aaadddmmmiiissssssãããooo eee cccooolllooocccaaaçççãããooo

Os processos de admissão e de colocação institucional de crianças e jovens − objecto desta

pesquisa − são aqui analisados em quatro aspectos essenciais:

• a origem dos pedidos de acolhimento

• os critérios de colocação

• os motivos do acolhimento

• a planificação e as dificuldades do acolhimento inicial

• A origem dos pedidos de acolhimento

O acolhimento em instituição constitui uma medida de promoção e protecção cuja aplicação, nos termos do art. 38º da Lei nº 147/99, compete exclusivamente às Comissões de Protecção e aos Tribunais.

Na prática, a Segurança Social, as Comissões e os Tribunais constituem a tríade que protagoniza os pedidos de acolhimento institucional (figura 15). A maior parte dos C.A.T. (74,6%) identifica a Segurança Social como a entidade que mais frequentemente solicita a institucionalização, seguida das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, que constituem, igualmente, a primeira entidade 49,2% dos centros. O Tribunal lidera estes processos em 39,7% dos C.A.T., surgindo em segundo lugar num número sensivelmente idêntico de centros (36,5%).

Page 37: Artigo Cat Portugal

552

74,6%

12,7% 9,5%

49,2%

23,8%14,3%

39,7% 36,5%

11,1%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Seg. Soc. CPCJ Tribunal

Figura 15: A origem + frequente dos pedidos de acolhimento

1º + freq.2º + freq.3º + freq.

As forças policiais (P.S.P. e G.N.R.) e os Hospitais têm menor relevância neste domínio,

surgindo com alguma expressão enquanto terceira ou quarta entidade a solicitar o acolhimento de crianças e jovens, em qualquer caso, numa minoria de centros (figura 16).

15,9%17,5%

0% 0%

54,1%

1,6%

12,7%9,5%

3,2%

69,8%

4,8% 4,8%

9,5%

1,6%

77,8%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Hospital Policia Família

Figura nº 16: A origem - frequente dos pedidos de acolhimento

3º + freq.

4º + freq.

5º + freq.

6º + freq.

Não é relevante

Interessante será salientar as assimetrias registadas em torno dos vários C.A.T. De facto, as

dinâmicas interinstitucionais de determinados concelhos e as vias de intervenção e comunicação instituídas podem explicar estas discrepâncias. A título de exemplo, note-se o papel dos Hospitais, que em 45.9% dos casos está entre as primeiras quatro ordens de frequência nos pedidos de institucionalização e, no entanto, não intervém directamente em 54,1% dos C.A.T.

Também relativamente às entidades consideradas cruciais neste processo – Segurança Social, Tribunal e C.P.C.J. – se verifica que a sua intervenção não é habitual em relação a todos os centros (respectivamente em dois, sete e seis C.A.T.).47

47 No que concerne às C.P.C.J., importa salientar que a cobertura nacional não é, todavia, completa.

Page 38: Artigo Cat Portugal

553

• Critérios de colocação

Se a iniciativa do pedido de colocação de crianças/jovens em centros de acolhimento temporário parte das entidades acima identificadas, os C.A.T. não parecem assumir um papel completamente passivo, de recepção das crianças propostas. Na verdade, são relativamente frequentes os relatos de profissionais da Segurança Social ou com assento nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que apontam para um papel selectivo destas estruturas na admissão das crianças por eles indicadas. Independentemente da existência de vagas, nem sempre responderiam afirmativamente a todas as solicitações, o que remete para a existência de critérios próprios de admissão/colocação das crianças e jovens.

Para averiguar este aspecto, pediu-se aos C.A.T. que ordenassem um conjunto dado de critérios de admissão segundo a importância que lhes atribuem, a saber:

a) as vagas existentes ou previstas no C.A.T.,

b) a área geográfica de proveniência das crianças,

c) as problemáticas das crianças (sócio-familiares, de saúde, etc.),

d) o historial de colocações anteriores das crianças ou das suas colocações previstas,

e) a idade das crianças,

f) o género das crianças,

g) eventuais laços de parentesco próximo com outras crianças acolhidas na instituição,

h) outros critérios.

O quadro 13 apresenta os resultados obtidos nas três primeiras ordens de importância. A percentagem de C.A.T. que não assinalou cada um dos critérios é igualmente indicada.

QUADRO 13: Os critérios de admissão mais relevantes

Vagas Idade Género Área de proveniência

Parentesco c/ crs. do C.A.T.

Outras colocações

Problemas das crianças

1ª importante 74,2% 30.6% 8,1% 12,9% 12,9% 1,6% 22,6% 2ª importante 6,5% 33,9% 3,2% 14,1% 22,6% 3,2% 21% 3ª importante 12,9% 12,9% 1,6% 17,2% 8,1% 8,1% 17,7%

Não é importante 4,8% 11,3% 61,3% 25,8% 32,3% 58,1% 22,6%

Page 39: Artigo Cat Portugal

554

• Verifica-se que o primeiro aspecto considerado quando de um pedido de admissão é a

disponibilidade de vagas (74,2%).

• A idade constitui o segundo critério com maior expressão, equacionado em primeiro ou

segundo lugar por 64,5% dos C.A.T.

Estes são, de facto, os critérios mais óbvios, constantes, inclusivamente, dos acordos de cooperação celebrados entre os C.A.T. (ou as instituições a que pertencem) e a Segurança Social, portanto definidores do seu papel e da sua prestação. Parecem, pois, ser critérios passivos, isto é, cujo cumprimento não depende de outras agendas ou condições dos responsáveis pelos C.A.T. Contudo, pode afirmar-se que existe uma margem de decisão inclusivamente em relação a estes aspectos.

De facto, os C.A.T. revelam-se flexíveis na ponderação e utilização dos critérios de admissão, adaptando-os em função das solicitações. A maior parte dos centros (82%) admite, em situações de extrema necessidade, acolher crianças que não preencham os critérios definidos. Em particular no que se refere ao número máximo de crianças que os C.A.T. podem acolher, 78% dos centros afirmam já ter excedido este limite, pontualmente (59%) ou muitas vezes (19%), a par dos 22% que declaram nunca ter excedido a capacidade máxima de colocação.

• O género não constitui critério relevante, dado que, como oportunamente foi demonstrado,

a quase totalidade dos centros não estabelece restrições à admissão de crianças em função deste factor.

• O mesmo raciocínio pode aplicar-se à área de proveniência das crianças, que se distribui

mais ou menos uniformemente pelas três ordens de prioridade assinaladas, mas não é tida em consideração por um número de centros equivalente àquele que a equaciona em primeiro e segundo lugar.

Quando se procura pormenorizar a compreensão deste critério, verifica-se que, em termos globais, se esboça uma tendência dos C.A.T. para conferirem prioridade às crianças provenientes das zonas próximas (quadro 14). Porém, a inexistência de áreas geográficas de

abrangência destes dispositivos − ora entendidas como o distrito (65,4%), ora como o concelho

(26,9%), a par de outras circunscrições sem critérios de delimitação comuns e estáveis (7,7%) −

retira pertinência à área geográfica do C.A.T., que não constitui critério relevante para mais de metade dos centros (55%).

Page 40: Artigo Cat Portugal

555

QUADRO 14: A área de proveniência das crianças como factor a ponderar na sua admissão

Σ% Proximidade do C.A.T.

Σ% Área geográfica do C.A.T.

Σ% Todo o País

1ª prioridade 30 (50%) 19 (31,7%) 11 (18%) 2ª prioridade 8 (13,3%) 6 (10%) 12 (19,7%) 3ª prioridade

65% 1 (1,7%)

45% 2 (3,3%)

59% 13 (21,3%)

Não é relevante 21 (35%) 33 (55%) 25 (41%) Total 60 60 61

Esta baixa relevância atribuída à proveniência geográfica das crianças como critério de admissão mantém-se mesmo quando se solicita aos inquiridos que equacionem o grau de prioridade a conceder aos casos que provenham de qualquer parte do território nacional (41%).

Se este não é um critério relevante para os C.A.T., a quem cabe responder às solicitações concretas que lhes são feitas, sê-lo-á, certamente, para as equipas responsáveis pela colocação das crianças, a quem compete procurar e seleccionar as respostas de protecção e acolhimento mais adequadas a cada caso/situação.

De facto, os especialistas nesta área reconhecem a importância de as crianças/jovens em situação de perigo serem acolhidas no seu meio social, para que a própria medida de protecção não contribua para acentuar a situação de ruptura de laços e referências, criando condições de desenraizamento.

Não se ignora, todavia, que a pressão exercida pelas necessidades de protecção de crianças e jovens sobre um número limitado de respostas do sistema, obriga, por vezes, ao recurso a soluções menos apropriadas deste ponto de vista, todavia factíveis, levando a preterir critérios técnicos de resolução das situações problemáticas em favor de outros funcionais, como a disponibilidade das respostas existentes.

• O parentesco das crianças a admitir em relação a outras actualmente em acolhimento nos

C.A.T. é, também, um critério ambivalente; 35,5% dos centros equaciona-o em primeiro ou segundo lugar, conferindo-lhe, assim, uma elevada prioridade, enquanto que uma percentagem

sensivelmente próxima desta − 32,3% − o exclui.

As relações das crianças em regime de colocação com os irmãos não têm sido muito estudadas, apesar do conhecimento de facto de que uma elevada proporção destas crianças tem irmãos e irmãs, alguns dos quais também colocados fora do contexto familiar (Rowe et al., 1989). Todavia, a prática das colocações é sensível à necessidade de contacto regular entre os

Page 41: Artigo Cat Portugal

556

membros das fratrias, procurando, sempre que possível, juntar os irmãos na mesma colocação, como uma forma de prevenção de resultados negativos para as crianças. Estes laços afectivos funcionam como rede de suporte, preservando o sentimento de pertença das crianças e ajudando-as a partilhar a adversidade (Parker et al., 1991). Por isso, o acolhimento conjunto de fratrias é uma recomendação universal na literatura da especialidade. Neste sentido, Sandomingo (1998) aconselha a flexibilização dos critérios de colocação e de permanência para, sempre que a situação se coloque, poder preservar a união de irmãos.

• O projecto de vida das crianças, designadamente, o historial das suas colocações

anteriores e das previstas, é uma questão que não se coloca a mais de metade dos centros (58,1%). Mesmo entre aqueles que a consideram pertinente, são poucos os que lhe atribuem prioridade: apenas 12,9% dos C.A.T. a colocam nas três primeiras posições, enquanto 29,1% a consideram entre o 4º e o 6º lugar (quadro 15)

QUADRO 15: A ordem de prioridade atribuída ao projecto de vida das crianças como critério de admissão

Critério: colocações anteriores/previstas das crianças

1 1,6%2 3,2%5 8,1%6 9,7%8 12,9%4 6,5%

36 58,1%62 100%

1ª prioridade2º prioridade3º prioridade4º prioridade5º prioridade6º prioridadeNão é relevanteTotal

Frequência Percentagem

Na verdade, trata-se de um aspecto de extrema importância, cujo significado carece de aprofundamento. O facto de o historial de colocações das crianças não ser valorizado pelos C.A.T., na qualidade de critério de admissão, tanto pode remeter para a atribuição desta competência às entidades que formulam o pedido de acolhimento, como indiciar o carácter fragmentado e desconexo das decisões de colocação. A deriva por soluções pontuais sem um sentido de continuidade biográfica e evolutiva para as crianças não só constitui, em si, uma situação de risco para o menor, como compromete a sua adaptação aos contextos de acolhimento, portanto afectando, em última instância, a adequação e eficácia da solução institucional.

Page 42: Artigo Cat Portugal

557

• Os problemas das crianças a acolher são um aspecto ambíguo e controverso, que separa

inequivocamente os centros (quadro 16)

QUADRO 16: A ordem de prioridade atribuída aos problemas das crianças como critério de admissão

Critério: problemáticas das crianças

14 22,6%13 21%11 17,7%8 12,9%1 1,6%1 1,6%14 22,6%62 100%

1ª prioridade2º prioridade3º prioridade4º prioridade5º prioridade6º prioridadeNão é relevanteTotal

Frequência Percentagem

De facto, se para alguns C.A.T. (22,6%) constituem objecto de ponderação necessária e prioritária, há os que, exactamente na mesma percentagem, não o julgam relevante. Entre uns e outros dispõem-se os restantes 34 C.A.T. inquiridos, conferindo-lhe graus de importância intermédios.

Na tentativa de determinar os tipos de situações problemáticas que merecem acolhimento por parte dos C.A.T., pediu-se-lhes que ordenassem um elenco de diferentes condições, em função da prioridade que lhes atribuem, designadamente:

a) crianças em situação de emergência,

b) crianças em qualquer situação de perigo,

c) crianças que não disponham de outra alternativa viável de acolhimento em tempo útil,

d) crianças com problemas de adaptação a famílias de acolhimento,

e) crianças com um perfil problemático.

A figura 17 ilustra as situações que mereceram as três primeiras ordens de precedência.

Page 43: Artigo Cat Portugal

558

Figura 17: Os níveis de prioridade para acolhimento nos C.A.T. de situações problemáticas das crianças

Verifica-se que são as crianças em situação de perigo (66,7%) e em situação de emergência (47,6%) que constituem a primeira prioridade de grande parte dos C.A.T. Os menores que não dispõem de outra alternativa viável de acolhimento em tempo útil são considerados depois destas duas opções por 39.7% dos centros.

Como se verifica pela análise do quadro em baixo, a prioridade concedida às crianças em situação de emergência está associada ao facto de os centros disporem de um determinado número pré-definido de vagas para acolhimento de emergência.

QUADRO 17: A prioridade da emergência nos C.A.T. Camas de

emergência

crianças em emergência Não Sim Total

1ª prioridade 6 23 29 2ª prioridade 7 11 18 3ª prioridade 4 3 7 5ª prioridade 0 1 1 Não é relevante 3 1 4 Total 20 39 59

Frequentemente, a população-alvo dos C.A.T. associa ao risco psicossocial diferentes tipos de problemas/dificuldades, nomeadamente:

a) deficiências físicas e sensoriais,

b) problemas crónicos de saúde,

c) dificuldades de aprendizagem moderadas,

66,7%

47,6%

22,2%31,7%

27%

15,9%11,1% 3,2%

39,7%

0%

10%20%

30%40%

50%60%

70%

1ª prioridade 2ª prioridade 3ª prioridade

crs. em perigo crs. em emergência crs. s/ alternativa

Page 44: Artigo Cat Portugal

559

d) dificuldades de aprendizagem severas,

e) problemas emocionais ou de comportamento.

Quando questionados sobre a sua capacidade de resposta, em termos de recursos físicos e humanos, para crianças com estas características, os C.A.T. respondem do modo ilustrado na figura 18.

Figura 18: A capacidade de resposta dos C.A.T. a problemas específicos da população utente

As deficiências físicas e sensoriais (75,9%), os problemas de saúde crónicos (53,6%) e as dificuldades de aprendizagem severas (63,2%) parecem não se enquadrar no âmbito das competências destas instituições, para cujo atendimento não se afiguram especialmente habilitadas ou vocacionadas. Pelo contrário, as dificuldades de aprendizagem moderadas (87,3%) e os problemas de emocionais e de comportamento (93,5%) são claramente entendidos como susceptíveis de gestão pelas possibilidades da maior parte dos C.A.T.

Saliente-se, todavia, a existência de oito C.A.T. (12,7%) que não consideram ser dispositivos adequados para crianças com deficiências moderadas, e de quatro (6,5%) com a mesma opinião em relação aos problemas emocionais e de comportamento.

De facto, esta é uma questão importante, merecedora de uma atenção especial, na medida em que, como oportunamente foi desenvolvido, a problematização crescente da população menor em situação de desprotecção é um dado conhecido (cf. Cap. 3, ponto 3.2.3). A evolução do seu perfil no sentido do aumento e do agravamento das dificuldades e perturbações que afectam várias áreas da vida e funcionamento destas crianças e jovens requereria uma evolução concomitante e adaptada das respostas existentes no sentido da diferenciação e da especialização, aliás, mudanças já registadas noutros países.

75,9%53,6%

12,7%

63,2%

6,5%46,4%

87,3%

36,8%

93,5%

24,1%0%

25%

50%

75%

100%

deficiências problemas desaúde

dificuldades deaprendizagem

moderadas

dificuldades deaprendizagem

severas

problemasemocionais e decomportamento

Não Sim

Page 45: Artigo Cat Portugal

560

• Os motivos do acolhimento

O conhecimento empírico de que se dispunha, à data deste estudo, sobre a fundamentação dos pedidos de admissão de crianças/jovens nos C.A.T., apontava para formas heterogéneas de enunciação dos motivos de acolhimento, mais de acordo a nomenclatura dos diferentes técnicos do que com critérios de diagnóstico precisos. Assim, a este propósito, para não constranger e, consequentemente, confundir as classificações normalmente utilizadas pelos profissionais, optou-se por uma pergunta de formato aberto, solicitando-se aos C.A.T. inquiridos que, a partir da sua experiência, indicassem os cinco motivos de acolhimento mais frequentes.

Tal como se havia antecipado, as variações na terminologia e nas classificações utilizadas pelos centros traduziram-se numa profusão de motivos. A delimitação rigorosa dos conceitos subjacentes é difícil, crendo-se que não se trate de categorias mutuamente exclusivas ou exaustivas; pelo contrário, algumas parecem inclusivas e outras parcialmente sobreponíveis.

As razões que mais frequentemente justificam a solicitação de acolhimento institucional são, de acordo com os dados fornecidos, as seguintes:

1) a negligência,

2) os maus-tratos,

3) o abuso sexual,

4) o abandono,

5) incapacidade parental,

6) situação sócio-económica deficitária,

7) alcoolismo,

8) toxicodependência,

9) violência familiar,

10) privação de meio familiar,

11) disfunção/desestruturação do meio familiar,

12) incapacidade parental temporária,

13) exposição a modelos de comportamento desviantes,

Page 46: Artigo Cat Portugal

561

14) detenção prisional,

15) absentismo escolar,

16) orfandade,

17) mães adolescentes,

18) jovens com processos-crime,

19) problemas de comportamento,

20) consentimento para a adopção.

Cada uma destas categorias foi objecto de tratamento individual, no sentido de estabelecer a sua frequência no conjunto dos C.A.T. Para efeitos deste estudo, apenas foram considerados os motivos, em qualquer ordem de frequência, nomeados por mais de metade dos centros. Na verdade, a maior parte das categorias acima apresentadas apenas foi referida por uma minoria de instituições, sendo o número de centros que as não mencionavam consideravelmente superior ao número dos que o faziam. Foram apenas três as categorias identificadas por mais de 50% dos centros: a negligência, os maus-tratos e o abandono (figura 19).

9,1%16,1%

69,6%

8,9%

33,9%

23,6%

14,5%23,2%

3,6%0%

15%

30%

45%

60%

75%

1ª + frequente 69,60% 16,10% 9,10%

2ª + frequente 8,90% 33,90% 23,60%

3ª + frequente 3,60% 23,20% 14,50%

4ª + frequente 7,10% 5,40% 12,70%

5ª + frequente 1,80% 0,00% 0%

Não é frequente 8,90% 21,40% 40%

negligência maus-tratos abandono

Figura 19: Motivos mais frequentes de admissão de crianças nos C.A.T

Page 47: Artigo Cat Portugal

562

A maior parte das crianças em situação de acolhimento temporário foi vítima de negligência (grave) no seio da família. Esta parece constituir a principal razão da institucionalização

temporária − 91,1% dos C.A.T. referem-na, em diversas ordens de frequência; em 69,6%

constitui mesmo o motivo mais frequente de acolhimento temporário – aliás à semelhança do que acontece com a institucionalização prolongada (cf. Cap. 3, ponto 3.2.3).

Na verdade, como noutra ocasião se teve a oportunidade de desenvolver (Martins, 2002), a negligência é uma categoria de difícil delimitação, que envolve critérios de apreciação complexos e potencialmente equívocos, o que provavelmente contribui para explicar a facilidade com que este diagnóstico é feito. Todavia, é um facto que esta é a forma de mau-trato infantil mais denunciada e, de acordo com alguns especialistas, com maior potencial deletério no desenvolvimento e funcionamento da criança e, mais tarde, do adulto.

Os maus-tratos48 são apontados por 78,6% dos C.A.T. e colocados em segundo lugar por 33,9%.

Segue-se o abandono, enunciado por 60% do conjunto das instituições.

O abuso sexual, o alcoolismo, a toxicodependência, a prostituição e outros padrões desviantes de conduta parental, situações sócio-económicas desfavoráveis, incapacidade parental temporária ou permanente, contam-se entre as razões aduzidas para o acolhimento institucional, não obstante com baixa incidência.

A inexistência de um sistema diagnóstico e de uma classificação nosológica comuns aos serviços responsáveis, nomeadamente à Segurança Social, às Comissões de Protecção e aos centros de acolhimento, pode introduzir um factor de ruído na coordenação e na orientação dada aos processos. As diferentes designações das situações de risco veiculam representações e expectativas que configuram interpretações sobre os fenómenos, explicações dos problemas emergentes, modos relacionais dos serviços com as famílias e as crianças e atitudes face à sua evolução. Trata-se de um factor de dificuldade que também se coloca à elaboração de estatísticas neste domínio, ao levantamento rigoroso de necessidades e problemáticas e, por isso, à investigação.

48 À falta de dados que consubstanciem as designações das diferentes formas de maus-tratos indicadas pelos C.A.T., manteve-se a sua denominação original. Todavia, no discurso comum, a designação de maus-tratos é frequentemente utilizada como sinónimo de abuso físico.

Page 48: Artigo Cat Portugal

563

• O acolhimento inicial – planificação e dificuldades

O período inicial de acolhimento e as práticas de recepção das crianças nos centros são aspectos relevados pelos especialistas neste domínio. Frequentemente, trata-se de um período de particular vulnerabilidade para o menor, paradoxal e conflitual, marcado pela experiência de perda e pela intensidade das emoções. A sua adaptação e evolução neste novo contexto de vida tem certamente aqui o seu início e, eventualmente, um dos momentos críticos.

A maior parte dos centros (98,4%) coincide no reconhecimento da importância desta fase, muito embora 4,8% destes não a considerem essencial. Apenas um C.A.T. a considerou, de facto, pouco importante.

Dada a relevância deste período de transição, o seu decurso não costuma ser deixado ao acaso; 85,7% dos centros têm procedimentos previamente definidos para o acolhimento inicial das crianças, ajustáveis à peculiaridade das diversas situações (figura 20).

Figura 20: A preparação do acolhimento inicial

Trata-se de um período complexo, que confronta os centros com diversos problemas. Os C.A.T. inquiridos neste estudo apreciaram uma listagem de eventuais dificuldades, relativamente às quais deviam estimar a frequência com que se lhes colocam, em três categorias de resposta:

- (quase) sempre

- algumas vezes

- (quase) nunca

Conforme os dados recolhidos, representados na figura 21, os problemas na fase de admissão das crianças estão relacionados, mais ou menos frequentemente, com:

14,3%

85,7%

É preparadoNão é preparado

Page 49: Artigo Cat Portugal

564

Figura 21: Os problemas no processo de admissão das crianças nos C.A.T.

a) as situações conflituais que envolvem as famílias das crianças e que estão na origem da sua colocação no C.A.T. (95%);

b) a urgência dos próprios processos, que nem sempre permite a necessária preparação da entrada de cada criança no C.A.T. (93%);

c) as dificuldades e problemas das próprias crianças (78%);

d) a falta de articulação dos serviços competentes com o C.A.T. (71%).

Uma grande maioria de centros (73%) converge ao afirmar que a eventual insuficiência de profissionais na instituição, quer em número, quer em preparação específica para gerirem esta fase do processo de colocação, não costuma suscitar problemas a este nível.

Em suma, as eventuais dificuldades surgidas neste período são atribuídas a fontes externas e a factores que, em larga medida, transcendem os C.A.T. e que, por isso, estes não controlam.

AAA pppeeerrrmmmaaannnêêênnnccciiiaaa nnnooosss CCC...AAA...TTT...

A estada de crianças e jovens nos centros de acolhimento temporário não constitui apenas um tempo de espera pela definição de soluções para os seus problemas de ordem sócio-familiar. Na qualidade de contextos de vida e de desenvolvimento, além da sua dimensão temporal, os C.A.T. são passíveis de uma análise em termos substantivos, isto é, das condições e oportunidades que proporcionam às crianças durante o período de acolhimento.

7% 5%

22%29%

73% 73%70%57%

66%57%

4% 4%

23%23%14%

38%

23%12%

0%

25%

50%

75%

urgência dosprocessos

conflitosfamiliares

problemas dascrianças

falta dearticulação

dos serviços

nº insuf. deprofissionais

do CAT

insuficientepreparação

profissionais

(quase) nunca algumas vezes (quase) sempre

Page 50: Artigo Cat Portugal

565

Assim, seguidamente passam a apresentar-se os resultados obtidos em relação às duas dimensões identificadas, nomeadamente:

• os períodos de permanência das crianças nos C.A.T.;

• o trabalho realizado com os menores institucionalizados, em especial as questões da

planificação e da avaliação das intervenções desenvolvidas em diferentes domínios da vida das crianças: saúde, alimentação, apresentação pessoal, identidade, educação e segurança.

• Períodos de permanência

O reconhecimento do impacto do prolongamento da institucionalização nas crianças e jovens tem levado a uma pressão no sentido de encurtar os períodos de permanência, agilizando os procedimentos e diligências necessárias e intensificando os recursos e esforços investidos.

A relação entre a eficácia do trabalho desenvolvido pelas instituições de acolhimento e a duração das estadas das crianças e jovens é, todavia, complexa. A abreviação compulsória e generalizada dos períodos de institucionalização não é isenta de consequências, tendo vindo a traduzir-se, para alguns menores, na multiplicação de entradas e saídas em instituições diversas, resultando, portanto, num acréscimo de instabilidade na vida dos menores. Por este motivo, alguns investigadores defendem que a duração do acolhimento deve ser adequada à evolução das diferentes situações, portanto individualizada (Department of Health, 1998a).

Nos termos do art. 50º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, “o acolhimento

de curta duração tem lugar em casa de acolhimento temporário por prazo não superior a seis meses”.

• Na prática, o tempo médio de permanência das crianças nos C.A.T. é de 1 a 2 anos para

77,4% dos C.A.T; 9,4% definem-no em torno dos 3 anos (dos 2,6 aos 3,6 anos) e 3,8% entre os 4 e os 6 anos. Note-se que apenas uma minoria – cinco centros – estabelece como período médio de permanência os 6 meses (quadro 18).

QUADRO 18: Período médio de permanência das crianças nos C.A.T.

Período Nº de C.A.T. Percentagem 0 – 6 meses 5 9,4% 1 – 2 anos 41 77,4% 2,6 – 3,6 anos 5 9,4% 4 – 6 anos 2 3,8%

total 53 100%

Page 51: Artigo Cat Portugal

566

Note-se que a duração do acolhimento nos C.A.T. revela uma certa estabilidade ao longo dos anos. De facto, os dados disponíveis, de 1999, apontavam para valores idênticos (I.D.S., 1999).

• Quanto ao prazo máximo, isto é, o período de permanência mais longo já registado em

cada C.A.T.,

− para 69% oscila entre os 3-5 anos;

− 20,7% aponta um limite entre 1-2 anos,

− 10,3% calculam este prazo em torno dos 6-8 anos.

• O tempo mínimo de permanência das crianças nos C.A.T. apresenta uma relativa

variabilidade (figura 22).

Uma percentagem considerável de centros (44,6%) define como prazo mínimo 1-4 semanas. Todavia, este grupo de estruturas não chega sequer a metade dos inquiridos. Na verdade, dezasseis C.A.T. – 28,6% – definem um período maior, entre 2-6 meses, fazendo coincidir, no limite, o período máximo de direito, previsto na Lei, com o período mínimo de facto.

Treze centros (23,2%) indicam um período de 1-2 dias. Importa, todavia, notar que onze destes centros dispõem de um número determinado de vagas especificamente para o acolhimento de emergência (máximo de 48 h).

Em síntese, a figura 23 apresenta os valores mais frequentes para os três períodos de permanência:

a) tempo mínimo de acolhimento: 1-4 semanas

b) tempo médio de acolhimento: 1-2 anos

c) tempo máximo de acolhimento: 3-5 anos

23,2%

3,6%

28,6%44,6%

0%

20%

40%

60%

1-2 dias 1-4 sem. 2-6 meses 7-8 meses

Figura 22: Tempo mínimo de permanência das crianças nos C.A.T.

Page 52: Artigo Cat Portugal

567

44,6%

77,4%

69%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

T mínimo T médio T máximo

1-4 semanas1-2 anos3-5 anos

Figura 23: Períodos de permanência mais frequentes das crianças nos C.A.T.

Verifica-se, assim, que os prazos legalmente previstos para o acolhimento temporário são largamente ultrapassados. O alongamento das estadas das crianças nestas instituições e a demora na definição do seu encaminhamento ou projecto de vida têm, certamente, razões complexas e diversas, algumas das quais procurámos dilucidar. Neste sentido, pediu-se aos C.A.T. que apreciassem uma lista de que constavam eventuais motivos da dilação dos prazos, cuja ocorrência deveriam, a partir da sua experiência, estimar de acordo com uma chave de resposta tripla:

- (quase) sempre

- algumas vezes

- (quase) nunca

As respostas estão patentes na figura 24.

Figura 23: Os motivos do prolongamento da permanência das crianças nos C.A.T.

8,8%

26,4%35,2%

47,4% 47,5%43,4%

58,5%49,1%

25,0%25,9%

15,8%6,7%

20,8%15,1%

9,1% 8,3%5,5% 1,7%9,4%

0,0%

29,6%

55,6%

7,4%

65,0%

36,4%45,8%

17,0%9,4%

1,9%9,3%

28,0%35,1%

0%

20%

40%

60%

80%

nº insuficientetécnicos CAT

nº insuficientetécnicos ISSS

burocraciaISSS

burocraciaTribunal

falta formaçãotécnicos

falta formaçãomagistrados

articulaçãodeficiente

faltarespostasadequadas

(quase) nunca algumas vezes (quase) sempre não é pertinente

Page 53: Artigo Cat Portugal

568

Registam-se as seguintes linhas de análise:

a) a falta de respostas e de estruturas de encaminhamento das crianças, adequadas às suas necessidades, surge como a razão que reúne maior consenso: 91,7% dos C.A.T. consideram-na um factor explicativo do prolongamento dos períodos de acolhimento institucional, que se coloca sempre ou quase sempre a 65% dos centros;

b) a ineficiência dos Tribunais é reconhecida como um factor do alongamento dos períodos de acolhimento, omnipresente para 45,8% dos C.A.T. ou algumas vezes para 47,5%, em qualquer caso pertinente para esta questão para um número sensivelmente idêntico de centros que, no seu conjunto, perfazem 93,2% do total dos inquiridos;

c) as deficiências na articulação entre profissionais e entidades são uma causa com uma expressão importante, sempre presente para 36,4% dos centros e algumas vezes para quase metade;

d) a falta de formação dos magistrados parece constituir um aspecto relevante para uma maior percentagem de centros (58,5%) do que a falta de formação dos técnicos (43,4%);

e) também as ineficiências dos serviços da Segurança Social são reconhecidas por uma parte substancial dos centros, como constantes (28%) ou em menor frequência (47,4%);

f) a dilatação dos prazos de permanência das crianças nos C.A.T. nunca ou quase nunca é devida a uma eventual insuficiência de técnicos destas estruturas. Note-se que, para além de mais de metade dos centros que se pronunciaram sobre este assunto exprimir esta opinião (55,6%), também um conjunto assinalável de C.A.T. (35,1%) não entende este factor como pertinente para a consideração do tópico em análise. Também a escassez de profissionais da Segurança Social não parece constituir um factor de relevo na génese do problema em questão.

É notória a alusão a entidades e factores que ultrapassam os estritos limites dos C.A.T., o que denota que o acolhimento temporário transcende de facto as fronteiras dos centros que prestam este serviço. Além da atribuição externa das causas dos problemas e dificuldades do acolhimento temporário, está aqui patente a trama interinstitucional do acolhimento.

Page 54: Artigo Cat Portugal

569

• O trabalho realizado com as crianças

planificação

Nos termos da Lei 147/99 (art. 34º), a colocação institucional, enquanto medida de promoção dos direitos e de protecção das crianças e jovens em perigo, tem como finalidade proteger efectivamente as crianças, garantir o seu bem-estar e desenvolvimento global e promover a reabilitação física e/ou psicológica daquelas que foram vítimas de qualquer forma de mau-trato, no sentido amplo do termo.

Assim entendido, o C.A.T. é mais do que um mero abrigo, uma casa, um espaço físico que proporcione refúgio à criança. Também não se pode limitar a um papel relativamente passivo de controlo e provisão das suas necessidades básicas. Compete-lhe assumir um papel activo e proactivo, acrescentando à função educacional a componente terapêutica. Trata-se, pois, de um trabalho intencionalizado, mais do que uma mera estadia num contexto diferente ou um compasso de espera no entretanto das soluções necessárias que, transcendendo a criança, afectam toda a sua vida. O próprio acordo de promoção e protecção, no âmbito do qual é prevista a medida de colocação institucional, estipula e contratualiza os deveres das instituições de acolhimento, definindo o seu papel e prestação relativamente a cada criança acolhida. Neste sentido, a planificação é um aspecto crítico do funcionamento dos centros de acolhimento.

• Em Portugal, apenas uma minoria de C.A.T. (11,1%) afirma não planificar o trabalho

efectuado junto das crianças acolhidas, em contraste com os restantes 88,9% que o fazem. Entre estes, 61,9%, planificam sem uma periodicidade determinada, de forma variável, conforme as necessidades percebidas. Já em 25,4% de centros é fixa (1 C.A.T. não informa sobre a regularidade da planificação)

Observe-se a figura 24.

13,3%13,3%

40% 13,3%

20%semanalquinzenalmensaltrimestralanual + semanal

Figura 24: A periodicidade da planificação nos C.A.T.

Page 55: Artigo Cat Portugal

570

Considerando o universo de C.A.T. que planificam regularmente em períodos fixos previamente determinados, a planificação semanal é prática corrente em 40% dos centros.

• No sentido de averiguar o tipo de conteúdos em torno dos quais habitualmente se

desenvolve a planificação, pediu-se aos C.A.T. que haviam afirmado planificar o seu trabalho que, face a uma lista dada de eventuais conteúdos, indicassem por ordem decrescente de frequência apenas os que consideravam pertinentes para caracterizar o processo de planificação corrente nas suas estruturas. Podiam ainda indicar outros temas que considerassem relevantes.

O quadro 19 apresenta as respostas obtidas nas três primeiras ordem de frequência.

QUADRO 19: Os temas organizadores da planificação nos C.A.T.

Temas 1ª

prioridade 2ª

prioridade 3ª

prioridade Não é

pertinente

Projecto educativo 18,9% 13,2% 5,7% 52,8%

Actividades a desenvolver 32,7% 45,5% 14,5% 5,5%

Necessidades das crianças 78,2% 16,4% 3,6% –

Resolução de problemas do quotidiano 18,2% 21,8% 43,6% 5,5%

Observa-se que as necessidades das crianças ocupam um papel central na definição das

linhas orientadoras da intervenção da maior parte dos C.A.T. − a primeira prioridade para 78,2%.

As actividades a desenvolver e a resolução dos problemas que vão surgindo constituem a segunda e a terceira prioridades de grande parte dos centros, não obstante menos de metade. O projecto educativo não é um organizador relevante da planificação para mais de metade dos centros (52,8%)49.

A formação e o acompanhamento do pessoal e o projecto de vida das crianças são dois temas em torno dos quais um (1) C.A.T. faz a planificação do seu trabalho.

A maior parte dos centros (86,2%) afirma planificar individualmente intervenções específicas a desenvolver com as crianças (figura 25).

49 Note-se que o número de centros que não considera pertinente a questão do projecto educativo enquanto organizador da planificação é inferior ao número de centros que não tem projecto educativo.

Page 56: Artigo Cat Portugal

571

Não13,8%

Sim86,2%

Figura 25: Os C.A.T. com práticas de planificação individual das intervenções junto das crianças

Contudo, esta planificação individualizada não é extensiva a todas as crianças. Considerando o conjunto dos C.A.T. que habitualmente planificam as suas actividades em termos individuais, verifica-se que a maioria (61%) apenas o faz em relação a algumas crianças (figura 26).

39%

61%

0%

20%

40%

60%

80%

Perc

enta

gem

de

C.A

.T.

cada criança só algumas crianças

Figura 26: Os centros que elaboram planos individualizados para todas e algumas crianças

Em suma, partindo do universo dos centros inquiridos, regista-se que em pouco mais de um terço dos C.A.T. todas as crianças são objecto de planos de intervenção individualizados (quadro 20).

QUADRO 20: As práticas de planificação individual dos C.A.T.

Planificação individual das intervenções

NNNÃÃÃOOO 13,8%

todas as crianças 33,6% SSSIIIMMM

algumas crianças 52,6%

TOTAL 100%

Page 57: Artigo Cat Portugal

572

avaliação das necessidades

A centralidade das necessidades das crianças para a definição do trabalho a realizar requer o seu conhecimento diferenciado, supondo uma avaliação prévia.

De facto, a quase totalidade dos C.A.T. (96,8%) procede à avaliação das necessidades das crianças admitidas, quase sempre levada a cabo pela equipa técnica da instituição. Como se pode observar na figura 27, a participação de outras entidades não é uma prática universal.

Gráfico 27: As entidades que participam na avaliação das crianças

A maior parte dos centros parece não envolver outras entidades na avaliação inicial das necessidades das crianças acolhidas. Ainda assim, um número considerável de C.A.T. (45,2%) recorre aos Serviços de Saúde (Centros de Saúde e Hospitais) e a gabinetes de Psicologia e outros serviços especializados (terapia da fala, por exemplo). Já no que respeita à Segurança Social, esta participação é mais rara, não obstante real para 19 centros (30,6%).

áreas de intervenção

A saúde, a alimentação, a apresentação pessoal, a identidade, a educação e a segurança são domínios do desenvolvimento e da educação das crianças e jovens em acolhimento temporário cujo cuidado todos os C.A.T. inquiridos consideram ser da sua competência (apenas um centro exclui esta responsabilidade no que concerne à saúde). Todavia, a atenção prestada a cada um deles pode diferir.

Na verdade, a maior parte dos centros afirma conferir idêntica atenção às várias áreas do desenvolvimento dos menores (figura 28).

69,4%

30,6%

54,8%45,2%

54,8%45,2%

0%

25%

50%

75%

100%

Seg. Soc. Serv. Saúde Gabinetes

Não é freq.Sim

Page 58: Artigo Cat Portugal

573

25,4%15,9%

30,2%38,1%

61,9%

39,7%25,8%

81%67,7%

73%68,3%

55,6%

4,8% 1,6% 1,6%1,6% 0%6,5%0%

20%

40%

60%

80%

100%

atenção prioritária 39,70% 25,40% 15,90% 25,80% 30,20% 38,10%

atenção idêntica 55,60% 73,00% 81% 67,70% 68,30% 61,90%

menos atenção 0,00% 0,00% 1,60% 0% 0% 0%

atenção pontual 4,80% 1,60% 1,60% 6,50% 1,60% 0%

Saúde Alimentação

Apresentação Identidade Educação Segurança

Figura 28: A atenção conferida aos domínio do desenvolvimento das crianças

A saúde e a segurança são os domínios que suscitam uma vigilância prioritária de maior número de estruturas (39,7% e 38,1%, respectivamente). No outro extremo, a apresentação pessoal das crianças constitui aquela que menos centros (15,9%) reconhecem como prioritária.

A identidade e a saúde requerem a atenção pontual, apenas quando necessário, de quatro e três C.A.T., respectivamente.

SAÚDE

Os poucos estudos conhecidos neste domínio apontam para uma fraca qualidade da saúde das crianças sujeitas a cuidados extra-familiares, salientando, como mais frequentes, os problemas de estrabismo, dentição e obesidade (Parker et al., 1991). Os hábitos anteriores e as constantes mudanças nas colocações constituem factores que contribuem não só para criar, como também para perpetuar este tipo de problemas. A escassa informação dos profissionais a este nível é, certamente, uma parte do problema.

• Em Portugal, a admissão das crianças nos C.A.T. é acompanhada, geralmente (53,2%) ou

por vezes (32,3%), por um registo individual de que consta o seu historial médico (problemas de saúde, plano de vacinação, consultas, etc.). Em nove centros (14,5%), esta não é uma prática habitual. Durante o período do acolhimento, este registo é continuado e completado pela quase totalidade dos centros (à excepção de um), sempre que haja ocorrências relevantes neste domínio.

Page 59: Artigo Cat Portugal

574

• Nas situações em que as crianças/jovens não possuem ou não se fazem acompanhar dos

seus processos individuais de saúde, são os próprios C.A.T. (com excepção de dois) que costumam iniciar este registo. Os procedimentos adoptados para o efeito são diversos (quadro 21):

QUADRO 21: Os procedimentos encetados pelos C.A.T. para constituir o registo de saúde das crianças

Procedimentos % de C.A.T. Total Consulta médica de rotina

para verificação/confirmação do estado de saúde da criança

19,4%

6,5% Recolha de dados relativos à saúde da criança junto das pessoas ou entidades que a conheçam

3,2%

33,9%

Reunião e organização da informação existente

3,2%

30,6%

Outros procedimentos 1,6%

1,6%

100%

Um num número limitado de centros:

− recorre a consultas médicas (19,4%);

− procura obter a informação necessária junto de quem conhece as crianças,

designadamente pessoas e entidades (3,2%);

− serve-se de outros procedimentos não especificados (1,6%).

A maior parte dos C.A.T. combina de diversas formas estes procedimentos:

− na maior parte das vezes (33,9%), a par da consulta médica, tentam obter os dados

necessários junto das entidades/pessoas que os possam fornecer.

− muitos C.A.T. (30,6%), feitas as diligências anteriores, reúnem e organizam a informação

de que dispõem;

− um número relativamente menor de centros (6,5%), a partir da consulta médica, procura

organizar os dados conhecidos sobre o estado de saúde de cada criança.

• Do registo individual de saúde dos menores, assim constituído, consta:

Page 60: Artigo Cat Portugal

575

− em 14,5% dos C.A.T., apenas a informação do Boletim de Saúde;

− em 1,6%, apenas outro tipo de dados;

− na maior parte dos centros (83,9%), a informação do Boletim individual de Saúde

acrescentada de outros dados relevantes (quadro 22).

QUADRO 22: Outra informação constante dos processos individuais de saúde nos C.A.T.

Informação não por vezes sim condições de gestação/nascimento da criança 9,8% 54,9% 35,3% historial de doenças 1,9% 30,8% 67,3% outros problemas de saúde − 23,5% 76,5%

intervenções cirúrgicas 1,9% 23,1% 75% Internamentos 2% 24% 74% necessidades de medicação − 23,5% 76,5%

consultas − 21,2% 78,8%

exames complementares de diagnóstico − 30,8% 69,2%

• A realização de uma consulta médica das crianças e jovens que entram nos C.A.T.

−independentemente da existência ou não de registos individuais constituídos e organizados− é

uma prática instituída em 79,4% dos centros. Num número não negligenciável de estruturas (20,6%), apenas se justifica em caso de necessidade.

Estes dados revestem-se de grande importância na medida em que, se a saúde constitui uma tarefa parental básica e de extrema relevância na medida em que influencia as demais, sabe-se que os serviços e as instituições responsáveis pelas crianças que vivem fora do meio familiar tendem a revelar um certo desconhecimento do historial médico dos menores acolhidos, não estando claramente definida a atribuição desta área de competência entre os profissionais. Ora, tal facto é tanto mais grave quanto se sabe que estas crianças, geralmente oriundas de estratos sociais desfavorecidos, têm um risco acrescido de apresentar problemas de saúde (Parker et al., 1991). O que estará aqui em causa não são tanto as situações agudas de crise, mas as condições crónicas, que podem passar desapercebidas, não recebendo a atenção e o tratamento devidos. Se os surtos agudos de doença provocam, obviamente, a acção, as condições crónicas podem não ser objecto de atenção nem de tratamento.

Page 61: Artigo Cat Portugal

576

• Em termos globais, a articulação que os C.A.T. estabelecem com os serviços de saúde de

forma a responderem às necessidades das crianças neste domínio envolve (figura 29):

a) a atribuição de médico de família aos menores (78,7%);

b) a prestação de serviços de atendimento básico (consultas de clínica geral, atendimento de rotina, etc.) no Centro de Saúde da área (90%);

c) a realização de consultas de especialidade e o atendimento de urgência no Hospital da área (86,7%);

d) a prestação de serviços médicos por profissionais que, em regime de voluntariado, avença ou outro, se desloquem regularmente ou sempre que necessário aos centros (51,8%);

e) o recurso a serviços de Psicologia, se necessário (93,5%);

f) o recurso a terapias (da fala e outras), se necessário (88,9%).

ALIMENTAÇÃO

A alimentação constitui um aspecto básico da prestação de cuidados às crianças e jovens em acolhimento, uma atribuição tradicional destas instituições, a par da satisfação de outras necessidades ditas primárias.

Como foi oportunamente referido, a alimentação das crianças institucionalizadas constitui um domínio pelo qual os C.A.T. se consideram responsáveis e competentes. Este cuidado inicia-se, desde logo, na confecção.

90%78,7% 86,7%93,5%

51,8%

88,9%

0%

25%

50%

75%

100%

médico defamília

rotinas noCentro de

Saúde

urgênciasconsultasHospital

médicovoluntário

serviços depsicologia

terapias

Figura 29: A articulação dos C.A.T. com os serviços de saúde

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• A partir dos dados obtidos, foi possível comprovar que a elaboração das ementas é uma

atribuição variável e dispersa por pessoas diferentes, conforme os centros, havendo quase tantas soluções quantos as instituições. Dois tipos de arranjos são mais frequentes:

− em 26,2% dos C.A.T., é a cozinheira que está encarregada desta tarefa, sob a orientação

de um responsável;

− em 23% dos centros, um profissional especializado –médico, nutricionista/dietista,

enfermeiro de saúde pública– desempenha esta função.

Em qualquer caso, em 79% dos C.A.T. o pessoal que trabalha na cozinha tem formação própria para o efeito.

• Na maior parte das instituições (85,7%), as refeições são tomadas em local próprio

(refeitório ou cozinha); alguns C.A.T. (12,7%) utilizam um espaço polivalente (sala ou outro); as refeições podem ainda decorrer em local próprio e polivalente, conforme as idades das crianças (1,6%).

• Num número considerável de centros (42,8%), adultos e crianças tomam as refeições em

conjunto; todavia, são também expressivos os números dos C.A.T. onde as crianças costumam almoçar e jantar entre elas, sem a presença de adultos (28,6%), e daqueles em que os adultos estão ou não presentes, dependendo dos grupos de crianças e da sua idade (28,6%).

• A importância que os centros atribuem aos períodos de refeição está patente no quadro 23.

QUADRO 23: A Importância dos momentos das refeições

Importância dos momentos das refeições Sim Não

são momentos importantes de interacção e convívio para as crianças 98,4% 1,6%

são ocasiões para as ouvir e conversar com elas sobre as ocorrências do seu quotidiano 89,7% 10,3%

constituem oportunidades da aprendizagem de usos e competências sociais 95,2% 4,8%

as interacções e as aprendizagens mais significativas e intencionais são realizadas fora dos períodos das refeições

73,6% 26,4%

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Os tempos da refeição são considerados momentos importantes de interacção e convívio para as crianças (98,4%), ocasiões para as ouvir e conversar com elas (89,7%), oportunidades para realizar aprendizagens sociais (95,2%); não obstante, as interacções e aprendizagens mais significativas e intencionais são, na opinião de 73,6% dos centros, realizadas fora dos períodos das refeições.

• A maior parte dos centros (93,7%) manifesta uma relativa flexibilidade no cumprimento das

regras e princípios instituídos em relação à alimentação, admitindo a possibilidade de introduzir alterações pontuais e individuais nas seguintes situações:

a) quando algumas crianças não podem comer certos alimentos (por indicação médica, doença ou outra situação especial) – 93,7%;

b) quando justificado, podem comer no quarto ou noutro compartimento do C.A.T. (ex: quando estão doentes) – 58,7%.

O facto de algumas crianças poderem não apreciar determinados alimentos não justifica, para a maior parte dos C.A.T. (71,4%), que outros pratos sejam preparados em alternativa.

• As refeições têm, em todos os centros, horários definidos, estando prevista a sua

diferenciação conforme a idade das crianças.

Quando as instituições são questionadas quanto aos motivos que podem justificar alterações nestas rotinas verifica-se que, frequentemente (82,8%), os horários escolares das crianças diferem entre si, condicionando as horas das refeições, especialmente o almoço (figura 30).

82,8%

17,2%

60,3%

39,7%

23,6%

76,4%

7,7%

92,3%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

actividadesescolares

actividades-extra

apoiossuplementares

outros motivos

SimNão

Figura 30: Os factores que condicionam os horários das refeições

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As actividades-extra realizadas por alguns menores são também um factor considerado pertinente por 60,3% dos C.A.T. Já os apoios suplementares de que algumas crianças beneficiam não parecem interferir nas horas das refeições principais em 76,4% dos casos. Outras situações mais ou menos pontuais, como consultas, passeios e mesmo as folgas do pessoal, podem também ocasionar variações (7,7%).

• Na maior parte dos centros, as crianças e jovens têm acesso a comida fora dos horários

estabelecidos para as refeições principais (75,8%). Todavia, a preparação dos seus próprios lanches não é permitida, possível ou prática corrente em 54,1% dos centros.

APRESENTAÇÃO PESSOAL

O cuidado pessoal e a autonomia são competências cuja aquisição se opera gradualmente, ao longo do desenvolvimento, tendo uma expressão própria em cada faixa etária. Segundo alguns autores (Parker et al., 1991), trata-se de uma área relativamente deficitária da prestação de cuidados à infância. Estas crianças e jovens, sobretudo as que passaram longos períodos em contexto residencial, caracterizado por uma supervisão constante, com a consequente falta de privacidade, experimentam dificuldades várias no exercício da sua autonomia. A sua situação vê-se ainda agravada pela falta de apoios que, geralmente, caracteriza a sua situação. Talvez por estes motivos, tenham uma larga representação entre a população prisional e sem-abrigo (Bullock, Hosie, Little & Millham, 1990). Por isso, a orientação dos menores utentes dos serviços residenciais no sentido de fazerem opções e da sua autonomização progressiva no que respeita à escolha do vestuário e ao cuidado da sua aparência é considerada um requisito de qualidade destes estabelecimentos (Department of Health, 1998b).

Como oportunamente foi demonstrado, a apresentação pessoal das crianças e jovens é a área que menos C.A.T. consideram prioritária e a única que recebe menos atenção/cuidado do que as demais, ainda que apenas por uma destas estruturas. Na verdade, a literatura da especialidade alerta para o facto de a apresentação pessoal, a par das competências sociais das crianças em regime de colocação, não terem recebido suficiente atenção pelo sistema de protecção, não obstante não restarem já dúvidas da importância da aparência física e das competências interpessoais para a vida social dos indivíduos (Parker et al., 1991). A este propósito, Dickinson (1988) refere que a falta de higiene destas crianças ou a incompetência social em relação aos seus pares, aos adultos e nas mais variadas situações públicas, podem ser agressivas para os seus interlocutores, dificultando a sua integração social.

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Não obstante, o tempo que adultos e crianças partilham em torno do arranjo pessoal destas é considerado por uma extensa maioria de centros (84,1%) como um momento positivo de interacção e convívio, ocasião para ouvir e conversar com as crianças sobre as ocorrências do quotidiano (77,8%) e oportunidade de trabalho educativo sobre usos e competências sociais (88,9%) (quadro 24).

QUADRO 24: A Importância dos momentos de arranjo pessoal das crianças

Importância dos momentos das refeições Sim Não

são momentos importantes de interacção e convívio para as crianças 84,1% 15,9%

são ocasiões para as ouvir e conversar com elas sobre as ocorrências do seu quotidiano 77,8% 22,2%

constituem oportunidades da aprendizagem de usos e competências sociais 88,9% 11,1%

as interacções e as aprendizagens mais significativas e intencionais são realizadas fora dos períodos de cuidado pessoal

57,1% 42,9%

Ressalve-se a possibilidade de, entre aqueles que respondem negativamente a estas questões, estarem centros que acolhem crianças cuja autonomia e/ou idade lhes permite cuidar deste aspecto da sua existência sem o contacto ou a ajuda imediata de adultos. Em qualquer caso, 57,1% dos centros consideram as interacções e aprendizagens realizadas a este propósito menos significativas e intencionais do que aquelas que ocorrem noutros períodos e circunstâncias.

Inquiridos sobre quem determina o que cada criança veste, os C.A.T. respondem conforme é ilustrado pela figura 31.

81,6%

48,7%

95,8%

71,1%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

a própria, se tiveridade

o responsável pelocuidado da criança

quem estiver aoserviço

decisão negociada

Figura 31: Quem faz a escolha do vestuário das crianças em regime de acolhimento

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Considerando que cada um destes aspectos, não sendo mutuamente exclusivos, pode reunir a totalidade das respostas dos C.A.T inquiridos, verifica-se que a escolha do que cada criança veste50:

− é, a partir de certa idade, feita pelas próprias em 81,6% dos C.A.T. (note-se que dos nove

centros −18,4%− que não assinalaram esta opção, oito recebem crianças entre os 0-6

anos);

− compete ao principal responsável pelo cuidado de cada criança em menos de metade das

instituições (48,7%);

− para 95,8% dos centros, depende de quem está presente nesse período, em função da

rotação dos turnos;

− normalmente é uma decisão negociada entre adultos e crianças (71,1%).

No que concerne à origem e utilização das roupas e acessórios que as crianças e jovens vestem enquanto estão nos C.A.T., verifica-se que a realidade é diversa, sendo variadas as formas de aquisição, de utilização e pertença do vestuário dentro de cada estrutura:

a) geralmente são oferecidos aos C.A.T. (com excepção de apenas um);

b) são também comprados pelos centros para cada criança (87,9%);

c) são oferecidos às crianças (86,4%);

d) são comprados pelos centros para as crianças acolhidas, passando de umas a outras na medida das necessidades (79%).

Os C.A.T. procuram garantir às crianças condições de privacidade e de intimidade no cuidado da sua higiene, simultaneamente em diferentes níveis:

− a nível físico, assegurando um número suficiente de casas de banho, com condições de

acesso individual (80%),

− através das rotinas e normas que regulam o funcionamento da instituição (76,6%),

50 Note-se, mais uma vez, que o facto de os C.A.T. não assinalarem determinadas opções não significa necessariamente uma discordância relativa ao seu conteúdo, mas pode indicar que a substância do enunciado não se aplica ao centro em questão e, por isso, não ocorre.

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− mediante a criação de um ambiente relacional encorajador do respeito pela individualidade

e pelo espaço próprio de cada um (93,3%).

IDENTIDADE

A identidade constitui uma dimensão pessoal especialmente crítica nas crianças em risco. De facto, as suas referências ou eixos estruturantes do self encontram-se comprometidos em muitos destes itinerários de vida:

– a necessidade de interiorizar um sentido interno do tempo e de ter uma imagem integrada dos diferentes períodos da sua vida é frequentemente posta em causa pelo próprio percurso vivencial passado destas crianças, dominado pelo provisório, pelo temporário e fragmentado, que penhora toda a projecção do futuro, a construção de expectativas, a dimensão do sonho e da fantasia, a mentalização, comprometendo a representação de uma existência com direcção e sentido;

– a necessidade de pertença a espaços e de propriedade material, da posse de coisas − já

anteriormente referida − que circunscreve por fora o que se organiza por dentro, é

limitada pela mudança de cenários, violenta porque nem sempre compreendida, assomada pelo desconhecido e pelo que, sendo de todos, não é de ninguém;

– a necessidade da pertença a pessoas significativas e significantes – oportunamente desenvolvida – que, nestes casos, muitas vezes combinam em si afecto e violência, conjugando presença e ausência.

O conhecimento acerca de si mesmo e da sua própria história são componentes importantes da identidade. O desenvolvimento de um auto-conceito positivo deve ser uma tarefa bem ponderada na prestação de cuidados às crianças que vivem fora do seu contexto familiar, na medida em que constitui uma dimensão crítica da sua organização pessoal, geralmente subjacente a muitos dos problemas emocionais e de comportamento por elas exibidos (Coleman,

1997; Milan & Pinderhughes, 2000; Parker et al., 1991). Também a identidade social − outra

componente da auto-imagem − requer uma atenção especial pela sua importância na modelação

de comportamentos e atitudes (Backhaus, 1984; Hogg & Abrams, 1988; Menzies Lyth, 1985; Steinhauer, 1991).