Artigo Ciro Flamarion Ficção Científica

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    Um conto e suas transformaes:

    fico cientfica e Histria

    *

    Ciro Flamarion Cardoso**

    1. Consideraes terico-metodolgicas

    Estudaremos, neste artigo, um conto de fico cientfica de autoria de

    Ray Bradbury, Um rudo de trovo, escrito em 1952, bem como diferentestranscodificaes suas, ocorridas em 1954 (histria em quadrinhos), 1989 (epi-sdio de srie de TV) e 1993 (nova histria em quadrinhos). Os referenciaistemticos centrais tanto do conto quanto de suas transcodificaes so, porum lado, o tempo ou, mais exatamente, a estrutura do tempo e sua possveltransformao; por outro, uma preocupao poltica com o perigo de um regi-me democrtico poder descambar, ao que parece com rapidez e sem grandedificuldade, para uma ditadura da pior espcie.

    A noo de tempo capital, tanto cientfica quanto existencialmente,e, ao mesmo tempo, muito difcil de definir devido sua ambigidade, j que,em diferentes contextos, significa coisas de fato bastante variveis:

    (...) o smbolo t dos fsicos falaciosamente simples como representao da-quilo que entendemos como tempo. til em expresses formais e seu sig-nificado no precisa ser questionado. Entretanto, se perguntarmos de que

    * Artigo recebido em fevereiro de 2004 e aprovado para publicao em abril de 2004.** Professor Titular do Departamento de Histria da UFF.

    Tempo, Rio de Janeiro, n 17, pp. 129-151

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    modo se supe que esteja relacionado com o que todos ns conhecemos nontimo como nossa existncia no tempo, seremos enviados Psicologia. Esta,

    uma cincia que lida sobretudo com processos mentais, quase nada tem a di-zer sobre o smbolo t dos fsicos. Procurando algo comum ao tempo dos psic-logos e dos fsicos, poderamos inquirir o que a Psicologia diz acerca de comonosso sentimento de devir contnuo se relaciona com o devir contnuo domundo fsico, incluindo as questes cruciais do incio e do fim do tempo. Parauma resposta, talvez nos enviem religio. Mas a religio e a Teologia se re-ferem sobretudo a propsito e a histria, no a sentimentos e a smbolos fsi-cos. Poderamos avanar at a Filosofia e indagar sobre as relaes, se queexistem, entre o sentimento de durao, o propsito aparentemente percep-tvel na natureza e o tempo til do fsico. A Filosofia (...) tem muito a contri-

    buir no tocante ao esclarecimento do problema do tempo. Mas (...) esbarraem certas antinomias que, segundo parece, no podem ser solveis seno coma ajuda de especialista.1

    Isto significa que, em nossas indagaes sobre o que o tempo em si,objetivamente, como uma dimenso (um receptculo, tal como o espao,em que os eventos se desenvolvem), mas tambm sobre o que ele para ns,subjetiva ou existencialmente, seria bem provvel corrermos o risco de quenos empurrassem em diferentes direes e nos lanassem aos braos das mais

    diversas disciplinas.2

    O nosso objeto textual , porm, um conto de fico cientfica. Situa-se, portanto, no campo da exploraoficcional da dimenso temporal que, nognero em questo e o caso no conto que nos interessa toma com fre-qncia o aspecto dosparadoxos temporais, vinculados a uma hipottica via-gem no tempo. Em tal contexto, uma das variantes a que o conto de Bradburyilustra: aquela em que o ponto de partida dos viajantes no tempo, ou seja, seupresente, modificado em profundidade devido a alguma ao sua com fre-

    qncia trivial e impensada, o que d lugar ao paradoxo no passado ao qualviajaram. possvel, alis, que Um rudo de trovo seja o mais famoso detodos os escritos ficcionais nessa linha.3

    1 J. T. Fraser, Introduction, ____ (org.), The voices of time: A cooperative survey of mans views oftime as expressed by the sciences and by the humanities, New York, George Braziller, 1966, p. XVIII.2 Ver Julio Aristegui,La investigacin histrica: Teora y mtodo, Barcelona, Crtica, 2001, pp.209-222; Ciro Flamarion Cardoso,Introduccin al trabajo de la investigacin histrica, Barcelona,

    Crtica, 1981, pp. 195-216.3 Cf. John Clute e Peter Nicholls, The encyclopedia of science fiction, New York, St. Martins Griffin,1995, p. 1226.

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    A alterao assim efetuada no plano temporal de que procedem os via-jantes pode ser, em fico cientfica, de diferentes tipos. No caso que nosinteressa, trata-se de uma alteraopoltica: em lugar de um presidente de-mocrata dos Estados Unidos, que fora o vencedor das eleies em 2055, aoembarcarem na mquina do tempo, sua volta ao mesmo ano do sculo XXI,os viajantes temporais constatam que o vencedor, nesta verso alterada deseu prprio tempo, fora, pelo contrrio, um candidato fascista. Ora, no so-mente a poltica tema muito freqentado em fico cientfica que, comocultura popular ou de massa que , est sempre atenta aos medos e s aspira-es predominantes em cada poca e trata de projet-los num futuro que

    metafrico de certos aspectos do presente como tambm verdade que asatividades do senador Joseph McCarthy (1909-1957) foram metaforicamen-te criticadas, nas revistas de fico cientfica da primeira metade da dcadade 1950,com alguma freqncia: por no ser muito levado a srio em seuimpacto social, o gnero abrigava um tipo de crtica poltica que, em setoresmais visveis e portanto mais visados de escritos, poderia ser muito perigosapara o escritor.4

    Nesta explorao dos vnculos recprocos entre a Histria e a literatura

    o impacto social de uma dada poca sobre os escritos ficcionais e o uso des-tes para esclarecer aspectos de sua poca usaremos, como mtodo, aSemitica Textual em uma de suas modalidades: a Narratologia ou teoria eanlise das narrativas. A escolha se justifica pelo fato de nos interessar nosomente o conto de Bradbury, como o que ocorreu com ele ao servir de basea histrias em quadrinhos e a um episdio de srie de TV. A narrativa umtrao de unio, algo comum histria em seus trs veculos, portanto, permi-te um terreno metodolgico comum pesquisa a ser empreendida. Quanto

    modalidade de anlise escolhida no campo da Semitica Textual, trata-se daderivada de Algirdas Julian Greimas, por ns exposta em detalhe, h algunsanos, num volume de natureza terico-metodolgica, em verso adaptada aotrabalho em Histria.5

    4Idem, ibidem, p. 946. Como explicou um escritor e crtico de fico cientfica, Ningum, defato, escreve sobre o futuro. Os escritores usam situaes futuristas para iluminar mais forte-

    mente os problemas e oportunidades do presente, Ben Bova, Challenges, New York, Tor, 1993,p. 295.5 Ciro Flamarion Cardoso,Narrativa, sentido, Histria, Campinas, Papirus, 1997.

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    2. Anlise do contoUm rudo de trovo (A sound of thunder), de Ray Bradbury

    2.1. O autor e seu texto

    Ray Bradbury nasceu em 1920. Escritor de histrias fantsticas e defico cientfica, teve seu auge literrio entre 1946 e 1955; foi um dos poucosautores do gnero que veio a ser considerado como autor tout court, integran-te dos escritores do que se conhece em ingls como mainstream fiction. Seuestilo potico, cheio de simbolismos, nostlgico de um passado irrecupervel(em especial o das pequenas cidades norte-americanas do incio do sculo XX),com forte tendncia ao estranho e ao macabro. No fundo, trata-se de um au-

    tor mais de fantasia com toques de horror do que de fico cientfica: no con-to em anlise cuja temtica , no entanto, clssica em fico cientfica areferncia mquina do tempo parece potica e metafrica, no tecnolgica.Os melhores escritos de Bradbury so Crnicas marcianas (contos interligadosnum todo, em 1950), Fahrenheit 451 (que tomou forma de romance em 1953)e um punhado de contos do final da dcada de 1940 e incio da seguinte entre eles, o que examinamos. Politicamente, Bradbury, um liberal, ope-sea qualquer forma de fascismo ou opresso; mas est longe de ser um homem

    de esquerda.6O presente conto talvez o de maior sucesso em toda a carreira do autor,

    tendo aparecido em inmeras antologias desde sua primeira publicao em1952.7 Pode ser definido, bastante adequadamente, como uma fbula mo-ral. Integra uma longa linhagem de histrias de viagens e paradoxos tempo-rais, subgnero sempre importante na fico cientfica e no fantstico desdesuas origens.

    O contexto poltico em que surge o conto a violenta onda anticomu-

    nista que varreu os Estados Unidos no final dos anos 1940 e sobretudo nosincios da dcada de 1950, isto , na primeira fase da Guerra Fria e durante aGuerra da Coria (1950-1953). O senador McCarthy, cujo auge durou de 1952a 1954 (no ltimo ano, conheceu um declnio brusco, aps vrios dias em quea televiso transmitiu os seus debates), foi o seu elemento mais famoso e vi-svel. O mais impressionante, no entanto, que, entre 1948 e 1953 sobretu-

    6 Ver, sobre o autor, John Clute e Peter Nicholls, op. cit., pp. 151-153.7 Consultei-o, para elaborao deste artigo, na edio seguinte: Ray Bradbury, A sound of

    thunder, in ____, Dinnosaur tales, New York, Barnes & Noble, 1996, pp. 51-83. A influnciadurvel deste conto demonstrada pelo fato de que, quarenta anos depois de sua primeirapublicao, gerou uma srie de romances que explora seu universo ficcional, cujo primeirovolume foi, de Stephen Leigh,Dinosaur world, New York, Avon, 1992.

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    do, muitas instncias do governo norte-americano e muitas instituies do pas(imprensa, escolas e universidades, igrejas, Hollywood) empreenderamexpurgos e perseguies ideolgicas, com freqncia base de acusaes semfundamentos slidos, mesmo em situaes que nada tinham a ver comMcCarthy. Seja como for, liberais como Bradbury temiam ver o senadorcandidatar-se com sucesso Presidncia da Repblica (medo que, na dcadaseguinte, setransferiu para outro ultraconservador, Barry Goldwater, que setornara senador em 1952).8

    J foi dito que, na literatura de fico cientfica, 1952 marca a passa-gem das narrativas de imprios (sendo o mais famoso o Imprio Galctico de

    Trantor, criao de Isaac Asimov) para histrias centradas na noo de hbris:a soberba humana que precede a queda. Isto tem a ver com a ambigidadebsica da poca diante da tecnologia. Desde a Segunda Guerra Mundial, osgastos estatais com cincia e tecnologia eram crescentes. As pessoas viam hvrias dcadas, alis, os elementos de bem-estar que, com isto, podiam fazer-se presentes; mas, concomitantemente, temiam a bomba atmica e, a seguir,a de hidrognio, sobretudo depois que tal tecnologia blica foi adquirida pelossoviticos. Os jornais anunciavam, tambm, efeitos deletrios das radiaes

    decorrentes dos testes atmicos efetuados no Oeste dos Estados Unidos.Comentava-se muito, outrossim, o uso que os nazistas haviam dado tecno-logia (cmaras de gs e fornos crematrios, por exemplo) e, mais em geral, ofato de que a mais tecnolgica das guerras, que havia terminado recentemente,fora tambm a mais mortfera da Histria. Em funo do acesso dos russos era nuclear, reforou-se a histeria anticomunista, que chegou ao auge, no as-sunto da bomba, em acusaes de espionagem a favor dos russos e na execu-o do casal Rosemberg em 1953, aps um processo que dividiu o pas. De

    novo, os liberais temiam que, em funo deste tipo de histeria e do prpriomedo de uma guerra nuclear, algum como McCarthy pudesse iar-se pre-sidncia, apoiando-se numa ideologia militarista, armamentista eincentivadora de uma caa s bruxas.9 Que tivessem razo quanto reali-

    8 Cf. Richard M. Freeland, The Truman doctrine and the origins of McCarthyism, New York, Knopf,1971; Robert W. Griffith, The politics of fear: Joseph R. McCarthy and the Senate, Rochele Park(New Jersey), Hayden, 1971; Howard Zinn, Postwar America: 1945-1971, Indianapolis, Bobbs-Merrill, 1973.9 Para as caractersticas do perodo considerado na literatura estadunidense de fico cientfi-

    ca, cf. Ciro Flamarion Cardoso,A fico cientfica, imaginrio do mundo contemporneo: Uma in-troduo ao gnero, Niteri, Vcio de Leitura, 2003, pp. 30-35. O cinema tratado em CarlosClarens,An illustrated history of horror and science fiction films, New York, Da Capo Press, 1997,pp. 118-137.

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    dade da ameaa que percebiam, mostra-o o neoconservadorismo atualmenteno poder nos Estados Unidos, com sua vontade de reafirmao da autoridadee de poda do que v como excessos da liberdade e da democracia.

    Este contexto parece influir no tipo de mensagem contido no contomoral de Bradbury. Mensagem que tem um interessante aspecto antifascista,mas, tambm, outro menos progressista: pode entender-se como uma afirma-o de que a posse da tecnologia, bem como os usos dela, levam a que oshomens interfiram nos desgnios e nos domnios de Deus, coisa que seriamelhor que no fizessem. Eckels punido por Travis pelo que fez: mas o contomostra uma companhia de safris que, por ganncia, realiza correntemente

    viagens de alto risco no tempo; e um governo que, em lugar de o impedir,recebe dinheiro desta companhia e, por isto, mantm a sua licena (passa-gem em a: O governo no gosta que venhamos aqui. Temos de pagar muitopara manter nossa licena. Todas as tradues de passagens do contoso de minha autoria).

    2.2. Sintaxe narrativa do conto Um rudo de trovo(segundo o mtodo de Claude Bremond)

    Seqncia 1:

    a: Em 2055, a viagem no tempo, mediante uma mquina, torna-ra-se possvel. Uma companhia organiza safris ao passado paracaar grandes animais extintos, por exemplo, dinossauros.Nesse mundo futuro, acaba de ocorrer uma eleio presiden-cial nos Estados Unidos, ganha por Keith, um candidato apre-

    sentado como um democrata, contra o reacionrio (fascista)Deutscher.

    b: Por ocasio de uma expedio que se prepara para viajar notempo ao Cretceo para a caa a um dinossauro, o clienteEckels avisado pelo funcionrio da companhia de safris no

    tempo da necessidade imperativa de obedecer s ordens doguia Travis, bem como do grande perigo implicado em ca-

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    adas do gnero, nas quais podem morrer tanto guias quantocaadores. A expedio parte.

    Seqncia 2:

    a: Viajando em direo ao passado na mquina dotempo, cinco pessoas se dirigem ao Cretceo: oguia Travis, seu assistente Lesperance e os caa-dores Eckels, Billings e Kramer. Chegados aodestino, os guias explicam as regras: atirar s noanimal marcado com tinta vermelha (Lesperanceviajara sozinho ao passado para marcar um animaldestinado a morrer, no caso, pela queda de umenorme galho, minutos depois de que nele ati-

    rassem os caadores, quando do safri no tempo),manter-se sobre a trilha antigravitacional que flu-tua sobre a floresta. A finalidade das regras emquesto impedir que alguma interferncia nopassado possa causar mudanas no futuro. Emfuno disto, determinada teoria da causalidade,vista com nfase em seu aspecto temporal, ex-posta.

    b: Pondo-se a andar pela trilha, a expedio chegaao ponto onde o animal visado, um Tyrannosaurus

    Rex de nove metros de altura, aparece e avanasobre os membros da expedio diante de ummovimento de Eckels, o qual entra em pnico

    frente ao monstro e pe-se a correr, no rumo mquina do tempo, como ordenado por Travis,

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    mas sim numa direo que o leva a sair da trilha,violando, pois, as regras do safri no tempo. Os de-mais caadores atiram no tiranossauro, matando-o.

    c: Indo mquina do tempo para buscar estopa comque os caadores se pudessem limpar do sanguee outros eflvios do animal morto (que os sujaraquando dos tiros), Travis constata que Eckels, de-

    pois de ter vagado fora da trilha, voltara mesmae se dirigira mquina. Cai o galho que, na ordemnatural das coisas, teria matado o tiranossauro.

    Seqncia 3:

    a = c

    b: Voltam todos os demais mquina do tempo,onde j estava Eckels. Em conseqncia da aodeste ao sair da trilha e pisar no musgo da flores-ta, Travis acha que o futuro est em perigo. Amea-a deixar Eckels no Cretceo. Manda-o buscar asbalas no interior do dinossauro: so objetos dofuturo que no podem ser deixados no passado;

    diz que, assim, deixar que Eckels embarquecom eles em direo ao futuro.

    c: Eckels faz o que lhe ordenara Travis. A mquinase move no tempo em direo ao ano 2055. Travis,no entanto, declara que ainda poder matar

    Eckels, caso sua ao haja de fato alterado nega-tivamente o futuro (ou seja, a poca qual per-tencem).

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    (Concluso da Seqncia 1:)

    c: De volta a 2055, de incio tudo parece normal. Mas o ar tem algo deestranho e logo se constata que a ortografia mudou; e que a eleio,nesta verso de 2055, fora ganha pelo fascista Deutscher, no pelodemocrata Keith. No barro da floresta do Cretceo que se colou aosapato de Eckels, ao sair da trilha, est uma borboleta morta: sua

    morte fora o elemento infinitesimal que, multiplicando-se ao reper-cutir pelo futuro afora, alterara as coisas. Travis atira em Eckels comseu rifle.

    2.3 Anlise

    Tratemos, primeiramente, do universo diegtico do conto, recordando quepor diegese se entende a soma do enredo com o contexto imaginrio (universoficcional em que a histria se desenvolve):

    1) trata-se de um mundo futuro (2055 a.C.) em que a viagem no tempose tornou possvel; em funo disto, existe uma companhia (Safri no Tem-po, Inc.) que organiza expedies de caa ao passado para clientes ricos;

    2) neste mundo futuro, acaba de resolver-se uma disputa eleitoral de-cisiva para a presidncia dos Estados Unidos, com vitria de um candidatodemocrata sobre outro, fascista; este o principal elemento que ser pertur-bado por uma pequena ocorrncia no programada, que tem lugar num dossafris temporais;

    3) outra parte do conto desenrola-se numa floresta do perodo Cretceo,com sua flora e fauna, mais de duzentos milhes de anos no passado, recriadapelo autor segundo as descries cientficas disponveis em 1952 a respeito;

    4) o conto supe um universo regido por uma estrutura instvel da rea-lidade, de tal modo que qualquer perturbao, mesmo muito pequena, doesquema das coisas num ponto do tempo tem efeitos que se vo multiplican-do (efeito domin ou efeito avalanche). A temporalidade, de seu lado, estruturada de tal modo que, quando dos deslocamentos no tempo, evita

    automaticamente o paradoxo de uma pessoa encontrar outra verso de simesma.

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    Passando agora atorializao (estrutura dos atores intervenientes naao), no essencial centra-se na oposio entre o guia de safris temporais

    Travis (que encarna a lei, a regra, a ordem, a liderana e a deciso) e o caadorEckels (indisciplinado, medroso: um bobalho rico, pretensioso e pusilni-me). Os outros caadores no tm personalidades delineadas no conto (agem,porm, adequadamente, no interior das expectativas a seu respeito que ocontexto impe). O outro guia, Lesperance, parece uma duplicata de Travis,porm com maior tendncia a ser leniente.

    Na continuao desta anlise semitica narratolgica empreende-remos agora uma leitura isotpica do conto, no qual podem achar-se quatro re-

    des temticas: 1) a do tempo (configurada como transcurso natural do tempoversus viajar no tempo); 2) norma/transgresso/punio; 3) democracia versusfascismo; 4) o mundo do Cretceo.

    Rede temtica 1: Alguns elementos figurativos que corres-pondem rede temtica 1:

    Elementos axiolgicosque correspondem

    rede temtica 1:

    a: /No queremosmudar o futuro. (...)Uma Mquina do

    Tempo um neg-cio muito delicado./; /...temos de ter umcuidado danado./

    b: /Sabe Deus oque ele fez ao Tem-po, Histria!/; /[asbalas] no podemser deixadas aqui./

    a: /...uma gigantesca fogueira que estivessequeimando o Tempo inteiro.../; /Um toque damo e aquele mundo flamejante volta.../; /

    Uma Mquina do Tempo de verdade!/.b:/...viajar sessenta milhes de anos....a:/2055 depois de Cristo. 2019. 1999! 1957!L se foi!/; /...os anos consumiam-se entreeles./; /Sis fugiam e dez milhes de luas osperseguiam./; /Cristo ainda no nasceu.../; /sessenta milhes, dois mil e cinqenta e cin-co anos antes do Presidente Keith/. Toda adiscusso do tempo e da causalidade das pginas60-64, na edio citada.

    b: /A sessenta milhes de anos de agora (...)e aqui estamos ns, perdidos a milhes deanos de distncia.../c:/A est (...), exatamente a tempo. Esta eraa rvore gigantesca que iria cair e matar ori-ginalmente o animal./b: /Trata-se das balas (...) Elas no perten-cem ao passado, podem mudar alguma coisa./c:/1492. 1776. 1812. (...) 1999. 2000. 2055./c:/Aquela coisinha linda (...) aquela peque-na coisa que fora capaz de perturbar e derru-

    bar uma linha de pequenos domins e entograndes domins e ento gigantescos domi-ns, ao longo dos anos, atravs do Tempo./

    /tempo/: aparececomo pura refern-cia dimenso tem-

    poral, reversvel noconto; mas enten-de-se sobretudocomo dimenso deuma relao genera-lizada de causalida-de; categoriza-seem oposies:

    /transcurso natural

    do tempo/X

    /viajar no tempo/

    /transcurso naturaldo tempo/

    X

    /perturbao do flu-xo temporal/

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    Rede temtica 2:

    /norma-transgresso-punio/

    Alguns elementos figurativos que

    correspondem rede temtica 2:

    Elementos axiolgicosque corres-pondem

    rede temtica 2:

    a: /No queremosmudar o futuro. (...)Uma Mquina doTempo um negciomuito delicado./; /...te-mos de ter um cuidadodanado./

    b: /Sabe Deus o que

    ele fez ao Tempo, Histria!/

    b:/Se o senhor desobedecer instru-es, est prevista uma pesada mul-ta (...) alm da possibilidade de umprocesso governamental.../

    a: /Esta mquina, esta Trilha, suasroupas e seus corpos foram esterili-zados, como vocs sabem, antes daviagem. Usamos estes elmos com

    oxignio para no introduzirmosbactrias numa atmosfera pretrita./

    b:/Pare com isso! (...) Se a sua armadisparasse.../; /Verifiquem a cor ver-melha, pelo amor de Deus! No ati-rem at ns ordenarmos. Fiquem naTrilha. Fiquem na Trilha!/; /D meiavolta (...). Caminhe em silncio paraa mquina. Ns devolveremos ametade do que pagou./; /No nessa

    direo!/; /Eckels (...) saiu da Trilhae (...) andou para dentro da floresta.Seus ps afundaram em musgo ver-de./

    b:/Voc no volta conosco na m-quina: vamos deix-lo aqui!/; /Estefilho da me quase nos matou. (...)Ele andou fora da Trilha. Ele saiu./;

    /Enfie suas mos at os cotovelos naboca dele. Ento poder voltarconosco./

    c: /Eu o estou avisando, Eckels,ainda pode ser que eu o mate. Meurifle est pronto./

    c:/...escutou Travis mudar seu riflede posio, mover a trava de segu-rana e levantar a arma. Ouviu-seum barulho de trovo./

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    Keith:a:/...um timo Pre-sidente dos Estados Uni-dos/ versus c: /...aquelemaldito fracote do Keith./

    Deutscher: a:/...o pior tipode ditadura: trata-se de umhomem contrrio a tudo,um militarista, um anti-

    Cristo, anti-humano, anti-intecletual./versus c:/Ago-ra ns temos um homemde ferro, um homem comcabelo no peito, por Deus!/

    a:/Keith ganhou, graas a Deus!/; /Se Deutscher chegasse l.../

    b:/...passou o dia da eleio, Keithfoi feito Presidente, todos cele-bram./

    c:/Quem (...) ganhou a eleio pre-sidencial ontem? (...) Deutscher, cla-ro. Quem mais poderia ter ganho?/

    /democracia X

    fascismo/

    no mundo de2055

    Rede temtica 3:Alguns elementos figurativos que

    correspondem rede temtica 3:

    Elementos axiolgicos

    que correspondem

    rede temtica 3:

    Rede temtica 4:

    b:/UmTyrannosaurus Rex. O mais ter-rvel monstro da histria./

    b:/A floresta era alta, a floresta eralarga e a floresta era o mundo inteiroem todas as direes. (...) pterodcti-los planando com asas cinzentas ecavernosas.../; /Ele [= o tiranossauro]vinha chegando em cima de enormes

    pernas azeitadas.../ etc.: todas as des-cries do dinossauro, neste ponto e adi-ante (seus movimentos, sua ferocidade),

    cabem aqui.

    c:/...estranhos pssaros reptilianos einsetos dourados.../; /A floresta esta-va viva de novo, cheia dos estremeci-mentos e gritos de aves de antes./

    c: /... uma borboleta, muito bela emuito morta./

    Elementos axiolgicosque correspondem rede

    temtica 4:

    Alguns elementos figurativos que

    correspondem rede temtica 4:

    /o mundo doCretceo/

    b: /Aqueles dinossaurosso famintos./

    a:/Isto faz a frica pare-cer o Illinois./; /Na verda-de, no vivem muito (...) avida curta./

    b: /...como morcegos gi-gantescos sados do delrio

    de uma noite de febre./

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    As redes temticas mais interessantes do conto so provavelmente asrelativas ao tempo (rede 1) e oposio fascismo/democracia (rede 3). Entre-tanto, o que transforma este escrito num conto moral sobretudo a segun-da das redes temticas: norma/transgresso/punio. O culpado pelairreparvel mudana no fluxo do tempo deve ser punido e o no final doenredo, o que configura uma postura moralista bastante tradicional, que tam-bm podemos achar em muitos outros escritos de Ray Bradbury da dcadade 1950.

    Talvez seja significativo que o conto contenha uma rede temtica (rede4) relativa s caractersticas do mundo do Cretceo, mas no permita cons-

    truir uma anloga para o mundo de 2055. Talvez por tal razo, a descrio doque mudou no mundo em questo, alm da vitria presidencial do outro can-didato e das formas ortogrficas, seja notavelmente vaga:

    Eckels estava parado, cheirando o ar: e havia algo no ar, um matiz qumico toligeiro que s um fraco grito de seus sentidos subliminares o avisou de queestivesse ali. As cores branco, cinzento, azul, alaranjado na parede, nosmveis, no cu alm da janela, estavam... estavam... E havia uma sensao.Sua carne estremeceu. Suas mos estremeceram. Ele ficou parado, bebendo

    a estranheza pelos poros de seu corpo. Em algum lugar, algum devia ter so-prado em um desses apitos que s um co pode ouvir. Seu corpo gritava silen-ciosamente em reao. Alm desta sala, alm desta parede, alm deste ho-mem que no era exatamente o mesmo homem sentado atrs desta escrivani-nha que no era exatamente a mesma escrivaninha... estava um mundo intei-ro de ruas e de gente. Que tipo de mundo era agora? No havia como saber.Ele quase podia sentir as pessoas movendo-se l, alm das paredes, como peasde xadrez rodopiando num vento seco... (pp. 77-80 na edio citada)

    Uma passagem como esta , no entanto, perfeitamente representativa

    no tocante s caractersticas mais marcantes das preferncias estilsticas deBradbury.

    3. Anlise de duas histrias em quadrinhos baseadas no conto de Bradbury

    A primeira histria em quadrinhos a ser considerada intitulou-se Asound of thunder, em forma idntica ao conto de Bradbury. Foi desenhadaem 1954 (dois anos aps a publicao do conto) por Al Williamson, em preto-e-branco, como eram ento elaboradas as histrias em quadrinhos, e publicada

    numa revista da E.C. Comics. A segunda, tambm com o mesmo ttulo, de1993, publicada em fevereiro desse ano em revista da Topps Comics, tendo

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    dinossauros como tema nico. O desenho (colorido) de Richard Corben,com textos inseridos por George Roberts.10

    Em ambos os casos, poder-se-ia aplicar s histrias em quadrinhos omesmo esquema de sintaxe narrativa do conto e achar-se-iam, pela aplicaoda leitura isotpica, as mesmas linhas temticas (havendo, porm, algunsdesvios de peso na verso de 1954).

    3.1. As histrias em quadrinhos de fico cientfica: um contexto

    Um primeiro auge da fico cientfica nas histrias em quadrinhos pu-blicadas em revistas ocorreu no incio da dcada de 1950. Incluiu revistasderivadas de sries de televiso, como Space Patrol (Patrulha espacial:1950-1955) e Tom Corbett, Space Cadet(Tom Corbett, cadete do espao: 1950-1955), cujas personagens tambm freqentavam os jornais dirios. Muitas dasnarrativas da poca refletiam o militarismo derivado da vitria na SegundaGuerra Mundial, atribuda em boa parte pelas autoridades e pela opiniopblica interveno, nela, dos estadunidenses, e da participao dos Esta-dos Unidos na Guerra da Coria (1950-1953) e a parania anticomunista daprimeira fase da Guerra Fria. O melhor da dcada, entretanto, ficou por con-ta da E. C. Comics, editora responsvel por numerosas revistas, de horror al-gumas, de fico cientfica outras (por exemplo, Weird Science Fantasy,IncredibleScience Fiction). Em tais publicaes, cujo pblico-alvo era basicamenteinfanto-juvenil, entre 1950 e 1956 apareceram as melhores histrias de ficocientfica em quadrinhos existentes at ento, desenhadas por mestres comoGeorge Evans, Frank Frazetta, Wallace Wood, Al Williamson e outros. Vriasdelas foram adaptaes de contos de Ray Bradbury e tambm de outros es-critores (como a dupla de irmos que assinava Eando Binder).

    O boom da dcada de 1950 foi interrompido pelos resultados da cam-panha contra os quadrinhos, chefiada por um mdico alemo emigrado paraos Estados Unidos, Fredric Wertham (1895-1981), e da investigao das re-vistas,levada a cabo por uma subcomisso do Senado, coisas que acabarampor confluir, levando ao surgimento do Comics Code (Cdigo das histrias emquadrinhos), bem como da Comics Magazine Association of America (Associa-

    10 Al Williamson, A sound of thunder, Weird Science-Fantasy, West Plains, E. C. Comics, Vol.25, no 3, setembro 1954; Richard Corben e George Roberts, A sound of thunder,Ray BradburyComics: Dinosaurs, New York, Topps Comics, Vol. 1, no 1, fevereiro 1993.

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    o das Revistas de Histrias em Quadrinhos dos Estados Unidos) , que seencarregou da aplicao do cdigo (1954).

    A campanha pblica de Wertham comeou em 1948, culminando nolivro Seduction of the innocent(A seduo do inocente), de 1954, em queexpunha casos de delinqncia de menores em que os culpados admitiam,invariavelmente, ter-se inspirado nas histrias em quadrinhos, assim enfocadascomo um fator do aumento, percebido na poca, da violncia e dacriminalidade, em sua modalidade infanto-juvenil. Em 1948 j haviam ocor-rido queimas pblicas de revistas de histrias em quadrinhos. O Senado ins-talou em 1950 uma comisso para investigar o crime organizado, a qual, numa

    subcomisso especfica, ouviu grande quantidade de pessoas incluindo oDr. Wertham e desenhistas e editores dos quadrinhos e, em 5 de junho de1954, concluiu pela m influncia desta forma de expresso, em especialquando a temtica fosse o crime ou o horror.

    Em tal contexto, ameaados de extino a comisso senatorial reco-mendava a eliminao da produo, distribuio e venda das revistas emquadrinhos ,os editores destas revistas formaram a sua Associao j men-cionada, que adotou, em 26 de outubro de 1954, o aludido Comics Code, a ser

    por ela gerido, num processo de autocensura (o que a subcomisso senatorialdeclarou no ano seguinte ser um passo positivo). Posteriormente aplicado pelaComics Code Authority, o cdigo foi modificado em 1971 e 1994; ainda em vigorna atualidade, na prtica seu rigor diminuiu com o tempo. Mas tal cdigo noparece ter resultado unicamente de uma reao de defesa dos editores amea-ados: houve igualmente um conluio dos outros editores contra o sucesso depblico de William Gaines e sua E. C. Comics, no sentido de elimin-los domercado. Isto se nota, por exemplo, num dos pontos especficos do cdigo

    em sua forma original: a proibio de cenas de violncia associadas alicantropia, vampirismo, almas penadas, etc. A E. C. Comics tivera especialxito com seus ttulos de horror, recheados de almas do outro mundo, vampi-ros e lobisomens. E, de fato, Gaines retirou do mercado a maior parte de seusttulos pouco aps a aprovao, pela subcomisso senatorial, do cdigo e daAssociao (que nomeara um administrador do cdigo) como passos na di-reo certa. Seguiu-se um perodo de estagnao e falta de originalidade nosquadrinhos dos Estados Unidos.

    Nestas ltimas dcadas, em especial a partir da segunda metade dadcada de 1970, mudanas considerveis na linguagem e nos temas chega-ram ao mundo dos quadrinhos incluindo os de fico cientfica devido a

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    uma enorme influncia das formas da narrativa cinematogrfica (em especialno tocante montagem nervosa dos filmes de aventuras maneira de In-diana Jones) e dos videoclips televisivos, mas tambm juno de tradiesda prpria histria em quadrinhos, at ento separadas ou paralelas. De fato,se examinarmos ttulos recentes, com freqncia se poder notar a conflun-cia das tradies anglo-sax (sobretudo norte-americana), franco-belga e ja-ponesa em diversos nveis: linguagem especfica (no sentido semitico dotermo, isto , verbal e no-verbal: no caso, grfica) no uso do meio de expres-so, temticas, desenho. mais freqente, agora, a publicao de histriasem quadrinhos destinadas a um pblico adulto.11

    3.2. A histria em quadrinhos de 1954

    O contexto histrico norte-americano em que surge esta histria emquadrinhos similar ao do conto de Bradbury: dois anos somente separam osdois textos. No entanto, alm das mudanas devidas transcodificao pas-sagem da literatura (que s emprega palavras) histria em quadrinhos (ima-gens e palavras, teoricamente com predomnio das primeiras) e condensao de contedos realizada, posto que se trata de material que s

    ocupa sete pginas, h outras que se prendem autocensura da poca no to-cante a histrias deste tipo, destinadas ao pblico infanto-juvenil. A mudan-a mais significativa , a respeito, a eliminao do episdio final da morte deEckels por Travis. Outra mudana relativamente fcil de explicar se deve aum motivo ligado poltica exterior dos Estados Unidos naqueles anos: areaproximao com a Alemanha em funo do Plano Marshall e da criao daOrganizao do Tratado do Atlntico Norte (1949). Neste contexto, o candi-dato fascista s eleies deixa de ter um nome germnico, Deutscher (que

    pareceria indicar alguma propenso dos alemes, como tais, ao nazismo), pas-sando a chamar-se Lyman. J no caso de Lesperance passar a chamar-seLesper, a razo poderia ser a complicao do nome francs para crianas delngua inglesa: Lesper seria mais fcil de pronunciar (ou de ler).

    As histrias em quadrinhos, na vertente norte-americana, mostravamforte influncia dos estudos de Belas Artes empreendidos por seus desenhis-tas, numa tradio de representao derivada, em ltima anlise, da arte gre-ga e sua reinterpretao renascentista (os desenhos dos quadrinhos japone-

    ses ou mang foram sempre muito mais sumrios, caricaturais). A linguagem11 Ciro Flamarion Cardoso,A fico cientfica, op. cit., pp. 42-47.

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    da dcada de 1950 fortemente convencional, com poucas ousadias grficas,na composio e na diagramao. O desejo de fidelidade ao original deBradbury levou, outrossim, a uma quantidade muito grande de texto mes-mo para aquela poca em relao s imagens. No conjunto, parte as modi-ficaes citadas e algumas outras (eliminao dos capacetes vinculados aoabastecimento de oxignio que, no conto, se explicam pelo desejo de nocontaminar com bactrias modernas a atmosfera cretcea), a adaptao bemmais fiel do que o costumeiro nas histrias em quadrinhos. No que tange aodesenho das personagens, como no conto, mantm-se a dualidade bsicaTravis-Eckels. Travis, seu assistente e os outros caadores (Billings, Kramer)

    tm um aspecto clean e vagamente militar (o fato de Travis aparecer fumandono primeiro quadrinho no era considerado politicamente incorreto em1954). Um defeito desta produo de Williamson a grande semelhana fsi-ca entre Eckels e o funcionrio da companhia de safris no passado, que apa-rece no incio e no final da histria. Ambos espelham uma imagem masculinadesagradvel: meia idade, rosto de traos amolecidos, ventre um tanto proe-minente, bigode, incio de calvcie.

    Como no conto, os cenrios em que se movem as personagens so o

    mundo de 2055 e o mundo do Cretceo. Notam-se caractersticas tpicas dashistrias em quadrinhos da poca na arquitetura (o edifcio da empresa Safrino Tempo visto de longe, as colunas que sustentam a sala onde est a mqui-na do tempo) moderna (despojada) de ento, projetada no futuro nestahistria. Quanto mquina do tempo em forma de cpula, trata-se de um tipode desenho muito presente nas histrias em quadrinhos desde pelo menosvinte anos antes (o Flash Gordon de Alex Raymond). A reconstituio doCretceo no cuidadosa quanto flora e ao tiranossauro, indicando pouca

    pesquisa prvia ao desenho. Seja como for, o dinossauro em questo, comose acreditava naqueles anos, eminentemente reptiliano (o erro das patasdianteiras com trs dedos em lugar de dois era comum nas reconstituiesantigas).12

    12 A discusso acerca da possvel endotermia (ou homoiotermia, em oposio a poikilotermia)dos dinossauros um assunto at hoje em dia muito controverso chegou ao grande pbliconas dcadas de 1970 e 1980 e foi o fator de longe mais importante na mudana que desdeento se nota nas reconstituies da aparncia destes animais. Ver, por exemplo, nos primrdiosdo debate em livros para o grande pblico, escritos por cientistas: Michael Allaby e JamesLovelock, The great extinction, New York, Doubleday, 1983, pp. 110-112, 149-156; Alan Charig,

    A new look at the dinosaurs, London, Heinemann-British Museum (Natural History), 1979, pp.129-132; Alan J. Desmond, The hot-blooded dinosaurs, London, Blond & Briggs, 1975.

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    A aplicao da leitura isotpica mostraria as mesmas redes temticasque no conto. Enquanto, dentro das possibilidades dos quadrinhos, a primei-ra se mostra bastante fiel a como havia sido apresentada por Bradbury, h duasredes singularmente empobrecidas aqui: a que chamamos /norma-transgres-so-punio/, pela eliminao da cena final em que Travis atira em Eckels(roubando a histria, alm do mais, da ltima metfora de um rudo de tro-vo); e a terceira rede, enfraquecida pela falta de nfase e contraste na figu-ra do funcionrio da companhia dos safris temporais, no incio e no fim dahistria: neste caso, a diferena no resultado das eleies presidenciais pare-ce s constituir uma ilustrao do que se disse anteriormente acerca da pos-sibilidade de uma pequena ao ter grandes conseqncias ao longo do tem-po, sem maior importncia em si mesma. Com isto, os aspectos de aventura eparadoxo passam a primar sobre o aspecto poltico, mais presente no conto(que , entre outras coisas, um velado libelo contra o senador McCarthy, emseu apogeu em 1952).

    3.3. A histria em quadrinhos de 1993

    A primeira coisa que chama a ateno na verso de 1993 a pgina dettulo. Edifcios em mau estado, caladas repletas de gente, ruas engarrafa-das, atmosfera sombria, contrastando com o brilho de um anncio publicit-rio gigantesco... Constatamos uma influncia evidente da viso pessimista dofuturo, presente no filme que inaugurou, em 1982, uma tendncia da ficocientfica, ainda vigente hoje em dia, conhecida depois como cyberpunk:Bladerunner. O caador de andrides, dirigido por Ridley Scott.

    Mais longa que a verso de 1954 sem contar a pgina de ttulo, onzepginas, em comparao com as sete da verso anterior , esta aparece plas-mada em linguagem bastante diversa: h menos texto escrito em muitas pas-sagens; as imagens primam sobre as falas e legendas; a diagramao maismoderna e ousada (se bem que, no contexto das histrias em quadrinhosda dcada de 1990, relativamente bem-comportada); nota-se sem dificul-dade a influncia de tcnicas cinematogrficas (campo-contracampo, primeiroplano, etc.). A maquinaria representada , no entanto, voluntariamente retr:

    a mquina do tempo em forma de ovo plmbeo deriva, ao que parece, da-quela do famoso conto de tema cretceo The sands of time (As areias do

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    tempo), de P. Schuyler Miller, publicado pela primeira vez em 1937;13 mes-mo assim, alguns quadrinhos mostram terminais de computadores, natural-mente ausentes no conto de 1952 e na histria em quadrinhos de 1954. Oaspecto militarista ( maneira, desta feita, de comandos ou da SWAT) foi atmesmo fortalecido coisa sem dvida comum nos quadrinhos atuais emrelao a 1954; e, desta vez, os capacetes com abastecimento de oxignio,mencionados por Bradbury, foram mantidos, o que d um ar meio espacial sfiguras em sua viagem Pr-Histria.

    Se o aspecto de Eckels torna-se ainda mais desagradvel do que em1954 (especialmente repugnante quando cado de costas na grama, fora da

    trilha), o heri, Travis, tem agora cabelo relativamente longo e no cortado escovinha. As figuras so mais caricaturais do que na verso mais antiga. Houveum esforo bem maior de construir a individualidade de cada personagem,mesmo das secundrias. Especialmente interessante o contraste no aspec-to do funcionrio da empresa de safris temporais no fim da histria com oque apresentava no inicio da mesma: corte de cabelo diferente (militarista,num estilo quase skinheadno final), roupa agora rigidamente arrumada, a ex-presso benigna de repente substituda por um esgar digno de um fascista de

    folhetim. Cedendo ao politicamente correto que est na moda, as persona-gens no so todas anglo-saxes brancos: Eckels parece latino (o protagonis-ta, Travis, tem aspecto anglo-saxo; o antagonista, Eckels, aspecto latino: tal-vez a histria em quadrinhos de 1993 no seja, afinal de contas, to politica-mente correta assim...); Lesperance negro. Continuam sendo, porm, to-das masculinas, como no conto de Bradbury.

    No conjunto, trata-se de verso mais fiel ao conto, no somente nanfase que o detalhe mencionado do funcionrio da empresa empresta li-

    nha temtica /democracia versus fascismo/, como tambm na manuteno dofinal violento da histria (trata-se, agora, de histria em quadrinhos para adultose o auge do rigor do Comics Code ficou longe no passado), que preserva muitomelhor a linha temtica /norma-transgresso-punio/. A reconstituio da florado Cretceo foi mais bem pesquisada; e o tiranossauro parece, como muitoshoje em dia acreditam, um animal de sangue quente, menos reptiliano (ospterodctilos, entretanto, tm aspecto similar ao de reconstituies j defasadas).

    13 Lido em P. Schuyler Miller, The sands of time, in Martin Harry Greenberg, JosephHolander e Robert Silverberg (orgs.),Dawn of time: Prehistory through science fiction, New York,Elsevier, 1979, pp. 44-78.

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    4. O episdio televisivo de 1989

    - Ttulo:A sound of thunder(Um rudo de trovo)- Diretor: Costa Botes- Roteirista: Ray Bradbury, baseado em seu conto de 1952- Estdios envolvidos: Atlantis Films Limited, Grahame M. Lean AssociatesLimited, em associao com Wilcox Productions e Alarcom Incorporated (tra-ta-se de uma co- produo do Canad e da Nova Zelndia).- Produtores: Jonathan Goodwill e Grahame McLean- Diretor de fotografia: Stuart Dryburgh

    - Diretor de arte: Mark Robins- Edio: John McWilliam- Efeitos especiais: Kevin Chisnall

    Elenco:Eckels: Kiel MartinTravis: John BachAgente da companhia de safris temporais: Michael McLeodCaadores: Michael Butley e John McDavitt.

    O episdio que ora analisamos integrou a srie antolgica (ou seja, com-posta de episdios unidos somente pela introduo de cada um feita por RayBradbury, sem ligao ou unidade temtica ou de personagens entre si) in-ternacional envolveu Gr-Bretanha, Frana, Canad e Nova Zelndia The

    Ray Bradbury Theater(1985-1989), O teatro de Ray Bradbury.14

    Apresenta as caractersticas tpicas de programas de televiso dotadosde oramento baixo. Os efeitos especiais e as maquetes (da mquina do tem-

    po, do dinossauro), por exemplo, so canhestros a ponto de diminuir o im-pacto de um programa cujo roteiro , no entanto, inteligente e muito bemarticulado.

    O fato de Ray Bradbury, o autor do conto de 1952, ser o roteirista doepisdio da srie televisiva permite-nos observar que tratamento deu suaprpria histria, num outro meio de expresso, trinta anos aps a publicaodo conto. O escritor foi fiel, no essencial, ao seu conto, ao adapt-lo para umepisdio curto de TV (22 minutos). A sintaxe narrativa quase a mesma, com

    pequenas variaes (por exemplo: Eckels, embora saia da trilha, como no14 Robert Fulton, The encyclopedia of TV science fiction, London, Boxtree, 1990, pp. 363-365.

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    conto, apavorado pelo tiranossauro que se aproxima, no episdio de TV, defora dela atira, em pnico, no momento em que os outros caadores e o guiaabatem o animal, acertando as rvores volta portanto, interferindo no pas-sado bem mais do que no texto original e assim aumentando sua responsabi-lidade pelos efeitos sobre o sculo XXI de suas aes quando do safri tem-poral). O elenco foi simplificado pela eliminao do segundo guia, Lesperance,e pelo fato de serem os outros caadores simples figurantes, sem falas. Maisinteressante, no entanto, observar o que de mais substantivo mudou.

    Ao adaptar seu texto para um contexto de representao dramtica paragrande pblico, que busca sublinhar os aspectos emotivos, Bradbury, inteli-

    gentemente, introduziu um fio condutor que atravessa todo o episdio: aantipatia, o desprezo e o antagonismo do guia Travis por Eckels manifestam-se desde que se encontram e vo aumentando sistematicamente, a custo con-tidos, at o episdio final em que o mata.

    Tal como nas histrias em quadrinhos, as discusses filosficas e meta-fricas sobre o tempo e a viagem no tempo tiveram de ser drasticamente re-duzidas e simplificadas. Tambm aqui, verificamos uma opo interessantede Bradbury como roteirista, ao pr na boca de Eckels que, nesta verso,

    um escritor de obras de imaginao (incluindo uma sobre caa a dinossauros),na busca de tornar reais as suas fantasias hericas, sem ter a fibra necessriapara tanto em duas ocasies, consideraes floridas e excessivamente lite-rrias sobre o tempo, que tm o efeito de, assim recitadas, parecer ridculas(estaria Ray Bradbury criticando sutilmente seu prprio estilo de dcadasatrs?!) e alimentam o crescente desprezo de Travis por seu rico e pretensio-so cliente. Tambm Travis se refere ao tempo, mas para recordar as regrasimpostas aos membros dos safris temporais devido ao perigo de interferncia

    no futuro, mediante aes no passado longnquo, em passagem com contrapontode Eckels, que segue de perto (com menos palavras) o conto de 1952.

    Travis, nesta verso, no jovem. Bem entrado na meia-idade, recordaos coronis vindos da ndia,nos romances de Agatha Christie, com sua falaem frases simplificadas de poucas palavras, no estilo que em ingls chama-do de clipped talk(literalmente, fala podada) e seu sotaque britnico. Istoaumenta seu contraste como personagem com o (nesta verso) insuportavel-mente prolixo Eckels. Alis, de modo adequado a um meio que predomi-

    nantemente visual, Bradbury, mais em geral, limitou o quanto pde os dilo-gos, em nmero, e encurtou as falas.

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    Outra novidade foi a concesso ao ecologismo, forte nas dcadas de 1970e 1980 (mas no em 1952): ainda na sede da companhia de safris no tempo,Travis volta-se contra Eckels por ter caado, ilegalmente, animais de esp-cies africanas ameaadas de extino.

    Concluso

    Hoje em dia, a crtica das pretenses cientificistas outrance de umpassado ainda prximo sublinham que, quando contamos, descrevemos ouanalisamos uma obra de fico, ao mesmo tempo a estamos interpretando, jque a reconstrumos (ou desconstrumos) pelo ato de anlise e o que oferece-mos no pode ser confundido com a obra em si uma representao, por serrepresentao, no o real representado. No entanto, as conseqncias quepodem ser extradas de uma tal constatao variam muito. Podem ir, em ca-sos extremos, at a reivindicao de total liberdade para o crtico ou o analistadiante do texto. Note-se, entretanto, que, nos debates, posies assim soassumidas freqentemente em nveis filosficos muito amplos ou no tocante anlise esttica. Em nossa opinio, uma postura destas no teria sentidoalgum ao tratar-se de uma anlise da ordem da hermenutica histrica (no

    sentido da parte inicial da crtica interna) de obras a serem utilizadas, comofontes,para finalidades ligadas ao de escrever Histria. Embora sejamoscontrrios filosfica, poltica e epistemologicamente desconstruo numplano geral, cremos que h razes especficas para recusar suas posies maisexcessivas no contexto em que estamos tratando da anlise de obras ficcionaisneste momento.

    Aqui se adota, ento, a postura semitica de Umberto Eco emInterpre-tao e superinterpretao:

    Se h algo a ser interpretado, a interpretao deve falar de algo que deve serencontrado em algum lugar, e de certa forma respeitado. (...) Entre a histriamisteriosa de uma produo textual e o curso incontrolvel de suas interpre-taes futuras, o texto enquanto tal representa uma presena confortvel, oponto ao qual nos agarramos.15

    Embora, semioticamente, no faa sentido reivindicar respeito s in-tenes do autor emprico, pelo contrrio, o respeito ao texto imperativo.Em suma, a semitica textual e narrativa quer se trate de literatura, cinema,

    15 Umberto Eco,Interpretao e superinterpretao, trad. MF (sic), So Paulo, Martins Fontes,1993, pp. 51, 104.

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    TV ou histria em quadrinhos tem de se ocupar com as configuraescomprovadamente presentes no texto: as opinies sobre isto podem legiti-mamente variar segundo as teorias e, portanto,as hipteses de trabalho queforem adotadas por diferentes analistas, mas no h dvida de que certasanlises podem ser descartadas como ilegtimas, por no encontrarem respal-do nas configuraes internas do texto.

    Escrevendo sobre o cinema, afirmamos certa vez o seguinte:

    No cinema, a sociedade, mais do que mostrada, encenada (isto, mesmo nosfilmes realistas ou neo-realistas). Os filmes operam necessariamente escolhasdo que mostram ou omitem, de como mostram; organizam os elementos en-

    tre si, recortam no real e no imaginrio, constrem um mundo ficcional cujasrelaes com o mundo real so complexas. O filme tanto pode pretender serreflexo quanto recusa daquilo que existe; mas ser sempre um ponto de vistasobre certos aspectos do mundo em que nasceu, estruturados em sua narra-tiva de determinadas maneiras que o analista deve procurar .16

    Muito mais ainda do que no caso do cinema, seria um erro metodolgicode peso querer ler numa obra literria, ou em histrias em quadrinhos, ounum episdio de TV, a totalidade da sociedade e da Histria de uma poca.

    Tentativas deste tipo, que sempre ultrapassam em muito o que a fonte per-mitiria afirmar, tm habitualmente bem mais a ver com o historiador queanalisa do que com a obra selecionada como testemunho. fcil aplicar oconhecimentopost hoc retrospectivamente e atribuir poderes analticos ou atmesmo preditivos literatura, tanto quanto ao cinema. O antdoto para umatal deficincia metodolgica tratar de retornar o tempo todo, incansavelmen-te, ao texto mesmo, materialidade de seu discurso, de seus parmetrosinterpretativos.

    Observando-se a precauo indicada, as obras geradas pela cultura demassa com maior facilidade, talvez, do que as vinculadas a uma alta culturaintelectual e dotadas de uma rica estruturao interna de seu universo ficcionalque dificulte a captao de suas relaes com o social permitem entendermelhor o perodo que as viu nascer, ao passo que o conhecimento de tal pe-rodo permite, reciprocamente, entend-las melhor.17

    16 Ciro Flamarion Cardoso,Ensayos, San Jos, Editorial de la Universidad de Costa Rica, 2001, p. 63.17

    Nossa opo metodolgica, nas anlises empreendidas neste artigo, no passa de uma pos-sibilidade dentre muitas possveis; para algumas outras ver: Jenaro Talens, Jos Romera Castillo,Antonio Tordera e Vicente Hernndez Esteve,Elementos para una semitica del texto artstico(Poesa, narrativa, teatro, cine), Madrid, Ctedra, 1995.