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Artigo sobre negliência

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  • Pensando Famlias, 17(2), dez. 2013, (61-70)

    Negligncia Infantil: A Modalidade Mais Recorrente de Maus-Tratos

    Mara Silvia Pasian1

    Juliana Martins Faleiros2

    Marina Rezende Bazon3

    Carl Lacharit4

    Resumo

    Os maus-tratos contra as crianas e adolescentes so uma das formas de violncia mais

    grave, tanto pelo nmero de vtimas que faz, como pelas sequelas negativas que deixa. O

    presente artigo trata do tema especfico da negligncia, a modalidade de maus-tratos infantis

    mais recorrente em diversos pases, incluindo o Brasil, no entanto, pouco investigada e, por

    muitos, pouco conhecida. Em conta disso, esse artigo empreende-se em expor a temtica da

    negligncia com definies que possam ajudar sua compreenso, elucidar sobre as

    consequncias negativas associadas advindas dessa modalidade de maus-tratos e mostrar a

    necessidade de intervenes de orientao s famlias para que a criana receba cuidados

    para um desenvolvimento adequado. Esse trabalho pretende colocar o tema em relevo,

    visando suscitar maior interesse cientfico e discusso sobre o mesmo.

    Palavras-chave: desenvolvimento infantil; papel dos pais; abuso da criana.

    Child Neglect: The Most Recurrent Form of Maltreatment Abstract

    The maltreatment of children and teenagers is the most severe forms of violence, both by

    the number of victims who do, as the negative consequence. This article reports the specific of

    negligence, the modality of child maltreatment most recurrent in several countries, including

    Brazil, however, has been poorly investigated, and many little known. This article attempts to

    expose the neglect definitions that may help your understanding, reports on the associated

    negative consequences from this type of abuse and show the need for interventions guidance to

    families so that the child receives care for proper development. This work intends to place the

    issue raised, aiming to raise greater scientific interest and discussion on the same.

    1 Doutora em Psicologia na Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto Universidade de So Paulo (FFCLRP USP), Mestre em Educao Especial e Pedagoga pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), atualmente Ps-doutoranda da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), departamento de Educao Especial. SP - Brasil, e-mail: [email protected] 2 Doutora, Mestre e Graduada em Psicologia na Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto Universidade de So Paulo (FFCLRP USP), SP - Brasil, e-mail: [email protected] 3 Doutora e Professora da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto Universidade de So Paulo (FFCLRP USP), SP - Brasil, e-mail: [email protected] 4 Doutor e Professor da Universidade de Quebec Trois-Rivires (UQTR), QC Canad, e-mail: [email protected]

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    Keywords: childhood development; parental role; neglect; child abuse. Introduo

    Os estudos sobre os maus-tratos infantis, de forma geral enquanto objeto de investigao,

    vem recebendo uma ateno crescente h pouco mais de quatro dcadas. A negligncia

    infantil, que a forma mais recorrente entre os maus-tratos contra a criana e o adolescente,

    passou a ser alvo de mais investimento somente nos ltimos quinze anos, no contexto

    internacional. Argumenta-se que o tema demorou a se impor, mas revelou sua importncia

    devido ao nmero de casos assinalados aos servios de proteo (Hildyard & Wolfe, 2002) e,

    posteriormente, devido s primeiras constataes relativas gravidade dos danos decorrentes

    de vivncias crnicas de negligncia (De Bellis, Hooper, Spratt & Woolley, 2009; Glaser, 2000;

    Hildyard & Wolfe, 2002).

    No Brasil, do ponto de vista social, os maus-tratos contra a criana passaram a merecer

    maior ateno no final dos anos 80. Nessa poca, o problema foi abordado na Constituio

    Federal (Brasil, 1988) e no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) (Brasil, 1990), que

    tornaram obrigatria a notificao de casos de maus-tratos conhecidos, suspeitos ou

    confirmados (art. 13 do ECA). Nesse contexto, a negligncia aparece de forma tmida e, como

    objeto especfico de interesse, s muito recentemente, o que contrasta com alguns fatos que

    emergem de nossa realidade: de um lado, o de que o abandono de crianas no Brasil,

    enquanto uma das aes que pode constituir a negligncia remete a uma prtica bastante

    difundida, cuja histria se confunde com a do prprio pas; de outro, o de que ela aparece, no

    momento atual, como uma das alegaes mais recorrentemente empregadas nos registros de

    violao dos direitos de crianas, pelos rgos envolvidos na proteo infantil (Bazon, 2008;

    Martins, 2006).

    O presente artigo vai discorrer a seguir sobre as definies que podem auxiliar a

    compreenso da negligncia infantil, mostrar as inmeras e graves consequncias negativas

    que afetam o desenvolvimento da criana e do adolescente e a importncia de que medidas

    preventivas, como intervenes e orientaes, sejam oferecidas para as famlias na busca de

    melhorar os cuidados na tentativa de diminuir e/ou cessar a negligncia infantil.

    A Importncia de entender a negligncia infantil: definies

    Essa modalidade de maus-tratos aparece como sendo a que responde pela maior

    porcentagem das notificaes segundo a literatura internacional e nacional averiguado em

    diversos pases: Inglaterra (Department of Health, 2002); Argentina (Bringiotti, 2000); Estados

    Unidos (Slack et al., 2004; Theodore et al., 2007; Canad (Trocm et al., 2003; Lacharit;

    thier; Nolin, 2006, Mayer et al., 2007). O mesmo ocorre no Brasil (Bazon, 2004; Lacri, 2004;

    Pires, 2005; Roque & Ferriani, 2007; Bazon, 2008; Pires & Miyazaki, 2005).

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    Pesquisadores do Laboratrio de Estudos da Criana (LACRI) da Universidade de So

    Paulo realizaram um levantamento, entre 1996 e 2002, do nmero de casos notificados nas

    instituies de proteo das cidades de origem dos alunos inscritos no telecurso por eles

    oferecido, oriundos de 262 municpios de 26 estados, por meio de um instrumento

    padronizado, pelo qual se demonstrou a posio de destaque ocupada pela negligncia, que

    corresponde a 41,1% do total de registros realizados nesses ltimos 12 anos (LACRI, 2004).

    Ocorre uma dificuldade em relao negligncia infantil entre pesquisadores e

    profissionais em caracterizar esses casos, devido heterogeneidade das situaes associadas

    negligncia (Dubowitz, 2007; Mcsherry, 2007), sendo que isso se reflete como um grande

    obstculo para o delineamento de programas de preveno, tratamento e servios oferecidos

    para as vtimas como relatado pela World Health Organization and International Society for

    Prevention of Child Abuse and Neglect (WHO/ISPCAN, 2006). Conforme assinala Martins

    (2006), embora o conceito seja empregado rotineiramente para o registro de situaes de

    violao de direitos de crianas e adolescentes, no mbito do sistema de proteo, nota-se

    uma grande dificuldade para conceituar a mesma, por parte dos profissionais que atuam na

    rea.

    Aps a criao no Brasil do ECA (Brasil, 1990), aparece uma definio utilizada na

    proposta preliminar de preveno e assistncia violncia domstica, em que a negligncia

    acontece quando os pais ou cuidadores so responsveis em omitir em prover as

    necessidades fsicas e emocionais de uma criana ou adolescente. Configura-se no

    comportamento dos pais ou responsveis quando falham em alimentar, vestir adequadamente

    seus filhos, medic-los, educ-los e evitar acidentes (Brasil, 1993, p. 14).

    Fazendo um retorno na histria brasileira, constata-se que as primeiras indicaes

    relativas negligncia aparecem nos trabalhos de Azevedo e Guerra (1998) sob a insgnia de

    vitimizao psicolgica, ou seja, como uma de suas modalidades, no sendo tomada como um

    dos tipos de maus-tratos em si. Porm, pouco tempo depois, pesquisadores ligados ao mesmo

    grupo de pesquisa, passam a argumentar sobre a necessidade de a negligncia merecer

    investigaes acuradas que permitissem caracterizar a sua especificidade em nosso meio,

    frisando que o fenmeno, no Brasil, ainda no tinha recebido o devido investimento, no sentido

    de ser estudado profundamente, posicionamento que j vinha sendo defendido por outros

    autores (Davoli & Ogido, 1992). Cumpre frisar que nesses trabalhos cientficos, as definies

    propostas so geralmente baseadas nas de autores internacionais. Marmo, Davoli e Ogido

    (1995) tentam avanar na direo dos determinantes da negligncia, apontando que ela nem

    sempre seria causada pelo simples descaso dos adultos, mas, muitas vezes, pelo

    desconhecimento das necessidades e dos cuidados normais a serem dispensados s crianas,

    em cada grupo etrio.

    J o trabalho de Backes (1999) integra aspectos conceituais e operacionais, definindo a

    negligncia como atos de omisso de cuidados e de proteo criana contra agravos

    evitveis, que incluem atitudes de no educar, no impor limites, no mandar uma criana

    escola, no aliment-la adequadamente, no medic-la quando necessrio, no proteg-la de

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    inclemncias climticas e no mant-la com a mnima higiene. Nessa exposio, j se percebe

    uma ampliao do conceito no sentido de referir-se no somente a aspectos fsicos, mas s

    necessidades educativas/educacionais das crianas.

    Guerra afirma que a negligncia se configuraria: quando os pais (ou responsveis) falham

    em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus filhos, etc., e quando tal falha no o

    resultado das condies de vida alm de seu controle (2001, p. 33). Importante reassaltar a

    necessidade de diferenciar negligncia e pobreza, na medida em que, na prtica, num pas

    com uma estrutura socioeconmica como a do nosso, as duas problemticas muitas vezes se

    confundem. Dez anos depois da difuso dos primeiros apontamentos, denotam-se novas

    incurses nesse campo buscando integrar na definio aspectos relacionados ao

    comportamento do adulto cuidador com os associados s consequncias vividas pelas

    crianas, seguindo as discusses travadas em nvel internacional.

    Nota-se progressiva sistematizao que foi se operando no sentido de colocar o problema

    no plano da falta de respostas s necessidades fsicas, sociais e/ou emocionais, rompendo

    definitivamente com uma definio restrita. Dentro disso, destaca-se a proposio de Reppold

    et al. (2002, p. 38) que enfatiza sobremaneira as dimenses afetivas e sociais do

    desenvolvimento afetadas pela negligncia, colocando que: O padro negligente aquele cujos pais so fracos tanto em controlar o comportamento dos filhos

    quanto em atender as suas necessidades e demonstrar afeto. So pais pouco envolvidos com a

    criao dos filhos, no se mostrando interessados em suas atividades e sentimentos. Pais

    negligentes centram-se em seus prprios interesses, tornando-se indisponveis enquanto agentes

    socializadores.

    Em paralelo, algumas outras proposies so encontradas (Cruz, 2004; Aligeri & Souza,

    2005), mas essas retomam fundamentalmente as definies iniciais, sem acrescentar

    elementos novos, ou insistem sobre a importncia de levar em considerao as condies de

    vida das famlias denominadas negligentes de modo a distinguir tal fenmeno da pobreza.

    Outro desafio para o estabelecimento de uma definio nica e suficientemente

    abrangente do fenmeno da negligncia deve-se ao fato que, mais que as outras formas de

    maus-tratos, as concepes concernindo negligncia so fortemente perpassadas por

    elementos da cultura. Questes centrais como qual o cuidado mnimo adequado que uma

    criana necessita?, que aes ou omisses dos pais constituem um comportamento

    negligente, deve-se considerar a intencionalidade das aes ou omisses?, a situao da

    criana resultado da pobreza ou de negligncia parental?, quais os efeitos das aes ou

    omisses no desenvolvimento das crianas?, permanecem sem consenso entre

    pesquisadores e esto em debate ainda atualmente (De Bellis et al., 2009; Glaser, 2002;

    Zuravin, 1999; Dubowitz, Pitts & Black 2004; Dubowitz, 2007; Mcsherry, 2007).

    A negligncia resulta de uma dinmica estabelecida entre vrios fatores econmicos,

    sociais e comunitrios, bem como pessoais. A reflexo sobre quais omisses ou

    comportamentos devem ser considerados como negligncia, implicando em procedimentos de

    responsabilizao dos cuidadores, complexa, pois demanda a considerao de um amplo

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    espectro de variveis de contexto (idade da criana, nvel de desenvolvimento, estado fsico e

    mental como tambm o entendimento dos pais da situao, seus esforos e a existncia e

    qualidade de programas e servios na comunidade) como tambm de fatores sociolgicos,

    psicolgicos e econmicos, que contribuem para a produo da problemtica (McSherry, 2007;

    Dubowitz, 2007).

    Destaca-se que a negligncia infantil ocorre independentemente da condio de pobreza, ela

    resultado de dficits de habilidades/comportamentos parentais. E isso, explicaria, por exemplo,

    a ocorrncia de muitas situaes de negligncia em famlias que no tm dificuldades

    econmicas. Muitas vezes a negligencia usada de forma equivocada para descrever quadros

    extremos de pobreza, no havendo negligncia por parte dos pais, mas da sociedade e das

    condies adversas vividas (Martins, 2006). Uma definio que oferece parmetros operacionais importantes a proposta por

    Lacharit et al. (2005, p. 20): Uma carncia significativa ou mesmo uma ausncia de respostas s necessidades de uma criana,

    reconhecidas como fundamentais sobre a base de conhecimentos cientficos atuais, ou, na ausncia

    destes, de consenso, pautado em valores sociais adotados pela coletividade da qual faz parte.

    Em sntese, poder-se-ia considerar que a negligncia se configura quando os pais,

    geralmente de um modo crnico, no tm vontade/disposio ou capacidades psicolgicas

    requeridas para cuidar da criana e, dessa forma, acabam respondendo inadequadamente s

    necessidades de seus filhos e no demandam ou no conseguem aproveitar da ajuda de

    outras pessoas que poderiam/deveriam ajudar.

    Sequelas negativas advindas dos maus-tratos infantis

    Os maus-tratos para com as crianas causam grande impacto no somente para as

    vtimas, mas tambm para toda sociedade, gerando altos custos para a mesma. Vrios estudos

    mostram que estes podem conduzir a um apego inseguro da criana para com a pessoa que

    lhe cuida, produzindo sequelas socioafetivas negativas dentro de diversos domnios do

    desenvolvimento (Ethier, Lemelin & Lacharit, 2004; Glaser, 2002; Pasian, 2012).

    Investigaes em diferentes pases revelam que a negligncia, em equiparao aos outros

    tipos de maus-tratos, est associada aos maiores danos ao desenvolvimento da criana,

    sobretudo se vivenciada de forma crnica (Glaser, 2002; Lacharit, thier & Nolin, 2006; Nolin

    & Turgeon, 2004). Glaser (2000) mostra considerveis evidncias de danos no crebro

    decorrentes de vivncias de abuso e negligncia. Foram observadas em crianas

    negligenciadas, entre outras consequncias, uma reduo do volume cerebral, bem como

    mudanas bioqumicas, funcionais e de estrutura cerebral.

    Lacharit, thier e Nolin (2006) relatam que as consequncias da negligncia para com as

    crianas podem se manifestar no plano fsico, podendo causar a mortalidade das crianas; na

    exposio a outras formas de maus tratos, na restrio de relaes propiciadas criana, na

    famlia e no ambiente de vida, no seu meio social e no plano de sequelas desenvolvimentais.

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    Essas numerosas consequncias negativas geradas pela negligncia tornam patente a

    necessidade de procurar meios de desenvolver programas de interveno que propiciem, em

    uma primeira instncia, a identificao precoce de crianas vivendo situaes de negligncia e

    que, em seguida, amenizem ou contenham seus efeitos negativos, assim como, se possvel,

    alterem a situao familiar, no plano dos cuidados despendidos.

    Medidas preventivas

    Em 2006, a World Health Organization and International Society for Prevention of Child

    Abuse and Neglect (WHO/ISPCAN, 2006) divulgaram um guia de preveno de maus-tratos em

    que se enfatiza a necessidade de desenvolver e avaliar programas experimentais voltados

    preveno/tratamento, sobretudo em pases subdesenvolvidos e em desenvolvimento. De

    acordo com as indicaes, num primeiro nvel de interveno, deve-se manter a ateno para

    diferenciar a negligncia dos problemas causados pela pobreza.

    A pobreza e a carncia de recursos materiais, embora se constituam em fatores de risco

    para a negligncia, conforme o mencionado, no so em si suas causas, sendo, portanto,

    insuficientes para explicar ou mesmo para compor um quadro de negligncia familiar, do

    mesmo modo que para as outras formas de maus-tratos, que tambm ocorrem em todos os

    segmentos econmicos. A pobreza, contudo, aumenta a vulnerabilidade social das famlias

    potencializando outros fatores de risco presentes e deve ser enfrentada pela interveno de

    ajuda idealizada, ou mais propriamente por polticas macrossociais de melhor distribuio de

    renda. Os planos de interveno devem levar em conta, alm dos fatores de risco estticos

    como a pobreza, os dinmicos, relativos ao funcionamento da famlia (Lacharit et al.,2005).

    Outro nvel de investimento a ser focado pelos programas de interveno refere-se ao das

    necessidades da criana propriamente dita. Conforme os apontamentos feitos, as crianas

    negligenciadas podem acumular problemas desenvolvimentais mltiplos e suas capacidades

    adaptativas podem padecer de uma sobrecarga precoce, devendo a superao e/ou atenuao

    desses problemas serem objetivos primrios nos planos de interveno (De Bellis et al., 2009;

    Lacharit, thier & Nolin, 2006; Nolin & Turgeon, 2004; Glaser, 2002). Muitas dessas crianas

    quando entram na escola apresentam dificuldades de aprendizagem e comportamentos

    disruptivos que devem, em absoluto, serem alvo de interveno de ajuda, visto que esses tem

    chances de desencadear uma srie de novas consequncias negativas (Lacharit, thier &

    Nolin, 2006; Pasian, 2012).

    Consideraes finais

    A partir dos casos detectados, fundamental verificar os nveis de

    dificuldades/necessidades apresentados pelas crianas de modo que essa avaliao permita,

    alm de compreender os impactos dessa problemtica, orientar intervenes que sejam

    eficazes para conter seus efeitos sobre o desenvolvimento infantil. importante trabalhar com

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    as famlias com programas de interveno que auxiliem os pais a cuidarem de seus filhos de

    forma adequada, em alguns casos, programas destinados orientao dos pais so eficazes

    para a que a negligncia seja extinta (Lacharit; thier; Nolin, 2006, Pasian, 2012).

    Muitos casos de maus-tratos infantis ocorrem por geraes, pois os pais atuam da forma

    como foram cuidados, o estudo de Zancan, Wassermann e Lima (2013) sobre violncia

    domstica mostra que muitos agressores presenciaram ou vivenciaram alguma forma de

    maltrato na infncia, sendo que, se o comportamento violento no for rompido, pode ocorrer em

    outras geraes, isso pode concretizar-se nas diversas formas de maus-tratos (Bazon, 2006,

    Lacharit; thier; Nolin, 2006, Pasian, 2012).

    fundamental a recorrncia de maus-tratos seja rompida, o que pode ser realizado

    atravs de programas de interveno realizados com os pais, com a escola e com as crianas.

    A escola, o ambiente escolar, no somente, um importante local para a deteco dos casos

    de negligncia, como tambm muito adequado para a implementao de programas de

    interveno.

    Reali e Tancredi (2005) mostram, que em nosso pas, comea uma tendncia apoiada em

    polticas pblicas de aumentar o envolvimento familiar na escola. Os professores podem se

    beneficiar com informaes pertinentes sobre seus alunos; os pais podem expor suas

    expectativas e entender melhor o desenvolvimento escolar. Se as duas instituies, escola e

    famlia, estabelecerem estratgias colaborativas, isso pode auxiliar em aspectos do

    desenvolvimento e da escolarizao dos estudantes.

    Diante da temtica dos maus-tratos infantis, especificamente na modalidade negligncia,

    esse artigo buscou mostrar a dificuldade de compreender esse fenmeno e as consequncias

    negativas causadas. Relata tambm a necessidade de intervenes, mas preciso que

    propostas prticas sejam expostas, sugere-se que novas pesquisas e possveis programas de

    intervenes sejam propostos no intuito de melhorar os cuidados dos pais para um bom

    desenvolvimento de seus filhos.

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    Endereo para correspondncia

    Mara Silvia Pasian - [email protected]

    Enviado em 26/09/2013

    1 reviso em 30/01/2014

    Aceito 04/02/2014