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Pensamentos automticos, Crenas e Distores cognitivas em Pacientes Psiquitricos de um CAPS - Centro de Ateno Psicossocial.

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Mara Dantas Bispo

RESUMO Palavras-Chave: Terapia cognitivo-comportamental. Esquizofrenia.

1.INTRODUO

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Psicloga graduada pela Universidade Federal de Sergipe (UFS),ps-graduanda em Terapia Cognitiva Comportamental pela Faculdade de Cincias Medicas de Minas Gerais - Centro de Estudos Silvio Romero.

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Os termos terapia cognitiva (TC) e terapia cognitivo-comportamental (TCC) so usados com freqncia como sinnimos para descrever psicoterapias baseadas no modelo cognitivo. Os pilares centrais da TCC levam principalmente em conta as interpretaes que cada um d a si e aos acontecimentos para tentar entender e modificar suas emoes e seu modo de agir.O foco principal da terapia est em como os problemas (atuais ou no) interferem com sua vida diria, ajud-lo a entender esses problemas e a desenvolver maneiras de lidar com eles. Aaron Beck foi a primeira pessoa a desenvolver completamente teorias e intervenes cognitivas comportamentais a transtornos emocionais. As primeiras formulaes de Beck centravam-se no papel do processamento de informaes desadaptativos para depresso e ansiedade. Essa proposta de Beck estendeu a uma grande variedade de outros quadros clnicos, incluindo a esquizofrenia. Segundo a TCC, as respostas emocionais e comportamentais so produtos de pensamentos, interpretaes e crenas, e no caso das pessoas com transtornos psiquitricos, essas tm mais chances de apresentar erros de interpretao e distores cognitivas. Por muitos anos, a principal forma de tratamento para pacientes severamente comprometidos por doenas mentais, como a esquizofrenia, estava relacionada ao uso de medicao antipsictica. Mais recentemente, pesquisas demonstraram que a efetividade das medicaes pode ser melhorada com intervenes psicossociais, como terapias familiares ou terapia cognitiva e comportamental (TCC), auxiliando na reduo dos ndices de recadas, na

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diminuio quanto severidade das alucinaes e delrios e contribuindo tambm com o funcionamento global do paciente (HADDOCK et al., 1988). Ento nesse sentido que este estudo pretende analisar de que forma as crenas, pensamentos e distores cognitivas influenciam ou esto relacionadas com a esquizofrenia, pois preciso dar nfase a essas cognies posto que tm forte influncia sobre as emoes e comportamentos.

2.REFERENCIAL TERICO

O termo TCC um termo utilizado para definir uma linha de atuao que inclui a combinao de uma abordagem cognitiva associada a um conjunto de tcnicas e procedimentos da Teoria Comportamental. Uma das premissas bsicas defendida na TCC que a cognio tem primazia sobre a emoo e sobre o comportamento (BECK,1997). Segundo a autora, mais importante que a situao real so as cognies associadas a elas. Ou seja, so as avaliaes atribudas a um evento especfico que influenciam as emoes e os comportamentos. Ou ainda, a forma como nos comportamos tambm ir influenciar nossos padres de pensamentos e emoes (WRIGHT, BASCO & THASE,2008)

Isto posto, conclui-se que a maneira como as pessoas se sentem e se comportam est associado ao modo como elas interpretam e pensam um determinado evento. E so esses

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pensamentos que constituem um dos constructos bsicos mais importantes da TCC, de que existem padres distintos de pensamentos, os chamados pensamentos automticos.

De acordo com Judith Beck (1997, p.29), "o terapeuta cognitivo est particularmente interessado no nvel de pensamento que opera simultaneamente com o nvel mais bvio e superficial de pensamento".

Esses pensamentos esto nas fronteiras da conscincia (pr-consciente) que ocorrem espontnea e rapidamente e so uma interpretao imediata de qualquer situao (WRIGHT, BASCO & THASE 2008). So chamados de pensamentos automticos pois so com freqncia bastante rpidos e breves. A maioria das pessoas no est imediatamente consciente da presena de pensamentos automticos. De acordo com Beck (apud KNAPP 2008) to possvel perceber um pensamento, focar nele e avali-lo, como possvel identificar e refletir sobre uma sensao como a dor. Assim, pensamentos automticos so cognies que passam ligeiramente pela mente das pessoas quando estas esto em determinadas situaes; so espontneos, breves, coexistindo com nossos fluxos de pensamento mais manifestos.

Nas razes dessas interpretaes automticas existem pensamentos mais profundos, chamados de esquemas, tambm denominados crenas nucleares ou crena central. Os esquemas so estruturas psquicas que contm avaliaes firmemente estabelecidas: so o nvel mais fundamental de crenas; elas so globais, rgidas e supergeneralizadas (BECK 1997).

Os esquemas podem ser conceituados como:

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Crenas nucleares que agem como matrizes ou regras subjacentes para o processamento de informaes. Eles servem a uma funo crucial aos seres humanos, que lhes permite selecionar, filtrar, codificar e atribuir significados s informaes vindas do meio ambiente (WRIGHT,

BASCO & THASE, 2008, p.19)

Uma vez que uma determinada crena bsica se forma, ela pode influenciar a formao subseqente de novas crenas relacionadas e, se persistirem, so incorporadas na estrutura cognitiva duradoura ou esquema. As crenas nucleares modelam o estilo de pensamento de um indivduo e promovem erros cognitivos encontrados na psicopatologia. Os esquemas so adquiridos precocemente no desenvolvimento, agindo como filtros pelos quais as informaes e experincias atuais so processadas. Essas crenas so moldadas por experincias pessoais e derivam da identificao com outras pessoas significativas e da percepo das atitudes das outras pessoas em relao ao indivduo. Os esquemas de indivduos bem ajustados permitem avaliaes realistas, ao passo que os de indivduos mal ajustados levam a distores da realidade, que, por sua vez, podem ocasionam um transtorno psicolgico.

Neste ponto de vista as psicopatologias so decorrente de interpretaes errneas de situaes experenciadas. Assim, , "o mundo considerado como constituinte de uma srie de eventos que podem ser classificados como neutros, positivos e negativos" (BAHLS E NAVOLAR 2004).

No entanto a avaliao cognitiva que o sujeito faz destes acontecimentos o que determina o tipo de resposta que ser dada na forma de sentimentos e comportamentos, ou seja, a partir das distores que esto ocorrendo na forma do sujeito avaliar a si mesmo e ao mundo.

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De acordo com Datillio & Freemam (2004, p.22) citando Aaron Beck, os esquemas so "o substrato cognitivo que gera as vrias distores cognitivas observadas nos pacientes servindo para aumentar ou diminuir a vulnerabilidade dos indivduos a muitas situaes".

As distores cognitivas esto presentes nos pensamentos automticos e outras cognies. As distores cognitivas so hbitos mentais errneos que a pessoa usa para interpretar a realidade de forma irreal. Isto , estas formas de pensar distorcidas e muitas vezes automticas distanciam-se da realidade por serem imprecisas e falsas. E, muitas vezes, geram a inadequao e o sofrimento. Algumas das distores cognitivas mais citadas por autores como RANGE 2, WRIGHT, BASCO & THASE3 e KNAPP4 so: Abstrao seletiva ; Inferncia arbitrria; Rotulao e Supergeneralizao; Maximizao e Minimizao; Pensamento Absolutista (dicotmico ou tudo ou nada); Personalizao.

Para a TCC h uma hiptese essencial do modelo cognitivo que tem sido a noo de que certas crenas constituem uma vulnerabilidade a distrbios emocionais- hiptese ditese-estresse (WRIGHT, BASCO & THASE 2008). Ou seja, existe uma relao recproca entre afeto e cognio, uma vez que o aumento da distoro cognitiva e emocional pode resultar de um reforando o outro.

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Bernard,RANGE,Psicoterapia cognitivo-comportamentais: um dilogo com a psiquiatria, p. Aprendendo teoria cognitivo-comportamental, p.22. Paulo, KNAPP. Terapia Cognitivo-comportamental na Prtica Psiquitrica

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Conforme estes autores, pode-se afirmar que pessoas com transtornos psiquitricos freqentemente vivenciam inundaes de pensamentos automticos que so desadaptativos ou distorcidos; e estes, por conseguinte podem gerar reaes dolorosas e comportamentos disfuncionais.

Aaron Beck (1997) postulou que na lgica dos pensamentos automticos e outras cognies das pessoas com transtornos emocionais existem equvocos caractersticos. Um dos objetivos da TCC corrigir as distores cognitivas que esto gerando problemas ao indivduo e fazer com que este desenvolva meios eficazes para enfrent-los.

A terapia cognitiva para qualquer transtorno depende da conceitualizao do transtorno e de sua adaptao s caractersticas singulares de cada caso. Os esquemas mais idiossincrticos e disfuncionais deslocam os esquemas mais orientados e adaptativos para a realidade, em funes como processamento da informao, recordao e predio (BECK, FREEMAN, DAVIS & col, 2005). Assim, pode-se dizer que os esquemas e erros de distoro o cerne dos transtornos. Ou seja, as tpicas crenas disfuncionais e estratgias desadaptativas anunciadas nos transtornos tornam os indivduos suscetveis a experincias que se chocam com sua vulnerabilidade cognitiva, pois a maneira pela qual as pessoas processam os dados sobre si mesmas e os outros influenciada por suas crenas e pelos outros componentes de sua organizao cognitiva:

Quando existe algum tipo de transtorno uma sndrome sintomtica (Eixo I) ou um transtorno de personalidade (Eixo II) a utilizao ordenada desses dados assume sistematicamente um vis disfuncional. Esse vis na interpretao e o conseqente

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comportamento so criados por crenas disfuncionais (BECK,

FREEMAN,

DAVIS & COL ,2005, p.47)

Enfatizando a Esquizofrenia, no DSM- IV-TR os sintomas caractersticos de Esquizofrenia envolvem uma faixa de disfunes cognitivas e emocionais que acometem a percepo, o pensamento inferencial, a linguagem e a comunicao, o monitoramento comportamental, o afeto, a fluncia e produtividade do pensamento e do discurso, a capacidade hednica, a volio, o impulso e a ateno.Assim,esta se caracteriza por uma grave desestruturao psquica, em que a pessoa perde a capacidade de integrar suas emoes e sentimentos com seus pensamentos, podendo apresentar crenas irreais (delrios), percepes falsas do ambiente (alucinaes) e comportamentos que revelam a perda do juzo crtico. A doena produz tambm dificuldades sociais, como as relacionadas ao trabalho e relacionamento, com a interrupo das atividades produtivas da pessoa.

Diante do exposto, pode-se dizer que so os pensamentos distorcidos, idias, imagens e crenas a base dos sintomas dos transtornos psiquitricos. O enfoque cognitivo no se preocupa com as causas e motivaes de uma determinada patologia, mas enfatiza as ms-adaptaes na estrutura cognitiva do indivduo e os mecanismos defeituosos de processamento de informao em uma determinada doena (BECK, FREEMAN, DAVIS & col 2005). Conhecer tais distores cognitivas e crenas, pois as mudanas teraputicas acontecem na medida em que ocorrem alteraes nos modos disfuncionais de pensamento.

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2. MTODO

2.1. Contexto da pesquisa

A pesquisa foi desenvolvida em uma instituio de servio substitutivo em Sade Mental, o CAPS - Centro de Ateno Psicossocial Marta Barreto, localizado na cidade de Nossa Senhora do Socorro, no perodo de maro a abril de 2010.

Esta instituio faz parte do novo modelo de servios substitutivos de ateno em sade mental no Estado, inspirados no processo de desistintucionalizao, e visa, de acordo com o disposto no seu Projeto Teraputico, prestar atendimento em sade mental a pessoas portadoras de sofrimento psquico conforme preconizado nas Portarias/SAS/MS n 224/92 E N 336/02.

2.2. Sujeitos participantes

A pesquisa de campo teve como base um grupo formado pessoas diagnosticadas como portadoras de Esquizofrenia, transtornos esquizotpico e delirantes de acordo com o CID 10 (F 20 -29), selecionados entre os usurios do CAPS Marta Barreto. Fez parte do grupo de participantes

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da pesquisa um total de cinco pessoas e, essa amostra foi considerada ideal e suficiente para refletir as questes abordadas durante a pesquisa.

Os usurios foram escolhidos ainda de acordo com dois critrios antes estabelecidos: o tempo de tratamento e a freqncia com que participam das atividades na instituio. Por fins ticos, os nomes dos usurios foram substitudos pela letra U, seguida do nmero correspondente ordem de indicao:

Tabela 1- Tabela comparativa dos usurios participantes da pesquisa

Usurio U1 U2 U3 U4 U5

Sexo M M M M M

Idade 24 31 36 34 46

CID F 20.0 F 20.0 F 23.1 F 20.9 F 20.0

Admisso 09/12/2005 05/02/2010 05/05/2009 25/06/2009 12/05/2009

Freqncia Intensivo Semi-intensivo Intensivo Intensivo Semi-intensivo

2.3. Instrumentos de coleta de dados

Os dados foram coletados atravs das observaes dirias dos usurios, da aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais de Beck5e das anotaes do pronturio de acompanhamento clnico individual.

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Extrado de Robert L Leahy, Tcnicas de terapia cognitiva manual do terapeuta (2006).

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- Observaes dirias: A observao ocupa um lugar privilegiado na coleta de dados de uma pesquisa, pois possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisados com o fenmeno pesquisado. Nesse sentido, Minayo (1996, p 273) ir afirmar que a observao consiste num processo no qual um observador est presente em determinada situao social com a finalidade de realizar uma investigao cientfica.

- Questionrios de Crenas Pessoais: Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado um questionrio autoadministrado. A aplicao dos questionrios foi pelo prprio pesquisador na instituio. O questionrio contm 126 afirmaes de carter fechado. Este instrumento pode identificar crenas e esquemas associados, observando a forma como o indivduo v a si mesmo ou ao outro, e foi adaptado para este estudo pesquisa.

- Anotaes do pronturio: Foram utilizados para a coleta de dados, ainda, informaes retiradas dos pronturios de acompanhamento clnico de cada usurio entrevistado a fim de se conhecer fatos relacionados sua evoluo clnica, desde o dia em que foi admitido no CAPS at o momento da pesquisa.

2.4. Procedimentos

Antes da entrada no campo propriamente dita, foi feito inicialmente um contato com a coordenao e a equipe tcnica do servio a fim de lhes explicar os objetivos dessa pesquisa. Aps essa etapa, foi realizado um levantamento junto com a equipe tcnica, daqueles usurios,

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que preenchiam os critrios elegidos. Foram selecionados usurios independentes de sexo e faixa etria.

Em seguida, de acordo com a compatibilidade de horrios entre o pesquisador e regime de atividade em que estes freqentavam o servio, comearam as observaes e a coleta de dados dos pronturios de acompanhamento clnico. Entretanto, a aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais, ocorreu tardiamente, j que devido a feriados e eventos que aconteciam na instituio, alguns usurios selecionados no compareceram nos dias marcados posteriormente, precisando agendar novas datas para aplicao dos questionrios, ou mesmo substitu-los.

Assim as observaes dirias dos usurios se deram ao mesmo tempo em que a aplicao do Questionrio de Crenas Pessoais e, paulatinamente a isso, ocorreu tambm o registro de anotaes feitas nos pronturios desses.

3. RESULTADOS

Os dados coletados no trabalho de campo foram tratados a partir de uma exaustiva leitura do material dos questionrios de crenas pessoais, das observaes dirias e das anotaes dos pronturios dos usurios e, tambm, do referencial terico que norteou a pesquisa.

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A anlise dos dados dos pronturios dos usurios demonstra que o quadro clnico da esquizofrenia compreende quatro conjuntos separados de sintomas ou comportamentos: delrios, alucinaes, transtornos de pensamentos/discurso e sintomas negativos. Conforme Beck (2010) os dois primeiros conjuntos mostram um fator comum, denominado, muitas vezes, distoro da realidade. Isto fica claro a partir das queixas e relatos dos usurios, como por exemplo U2 que disse: (...) eu fico vendo as crianas da escola l onde trabalho. Elas parecem monstros e as vozes dizem que eu devo matar elas. E U5 que exps o seguinte:eu sei que eles esto l. Eles ficam me vigiando.

O que se percebe atravs das anotaes e do questionrio que os delrios so crenas que produzem considervel aflio e disfuno comportamental em indivduos com esquizofrenia. Dessa forma o processamento de informaes distorcido desempenha um papel central no pensamento delirante, e que essa distoro motivada por um sistema de crenas disfuncionais, corroborando com a afirmao de Beck (2010) de que o processamento de informaes (egocentrismo, vieses de externalizao, teste da realidade pobre) e sistema de crenas (grandiosidade, perseguio e controle) podem aumentar na vulnerabilidade psicolgica para o desenvolvimento de parania e delrios.

Outro aspecto central do pensamento do paciente esquizofrnico a atribuio de intenes positivas ou negativas a outras pessoas, o que forma uma composio da viso de mundo que evolve representaes internas de eles x eu.(BECK, 2010).

E foi isso o que apontou os usurios ao elegeram as crenas seguintes, citadas no Questionrio de Crenas Pessoais: No posso confiar nos outros; Os outros tentaro me usar ou

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manipular se eu no tomar cuidado; Preciso estar alerta o tempo todo; No e seguro confiar nos outros; As pessoas tentaro deliberadamente me diminuir; Com freqncia, as pessoas deliberadamente procuram me aborrecer; Terei srios problemas se deixar escapar impunemente quem me maltrata; Se os outros descobrirem coisas ao meu respeito, vo us-las contra mim, As pessoas geralmente dizem uma coisa, mas pensam outra; A pessoa de quem sou prximo pode ser desleal ou infiel.

Uma questo tambm analisada que os pensamentos automticos disfuncionais acarretam interpretaes equivocadas da realidade, o que tendem a reforar suas crenas delirantes.Dessa forma, esses usurios se percebem como o foco central da ateno dos outros, ou ainda de forma irrealista, como vulnerveis ou superiores, e tambm atribuem significncia pessoal a situaes impessoais ou irrelevantes. Corroborando com Wright, Basco & Thase (2008) de que crenas cognitivas modelam o estilo de pensamento de um indivduo e promovem erros cognitivos encontrados na psicopatologia, pode-se afirmar tambm que o contedo delirante de crenas costuma ser uma extenso de crenas anteriores ao incio do delrio, pois uma vez iniciada, as distores cognitivas e vieses do processamento de informaes, como tirar concluses precipitadas, servem para consolidar as crenas delirantes. Dentre vrios exemplos, pode-se citar uma anotao do pronturio de U5 em que relatou que estava sendo vigiado por cmeras de segurana instaladas na cidade pois existia uma conspirao contra ele. U5 procurou o servio com queixas de insnia, alucinaes visuais e aditivas, delrios e era gerente comercial em uma empresa de vigilncia eletrnica, seus sintomas iniciaram aps mudana na direo da empresa e conseguinte, rebaixamento no seu cargo. J U1,

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que tambm portador de epilepsia, referiu ter criado a cura da AIDS e um sabonete para o rejuvenescimento, mas sempre faz perguntas por que no pode nadar ou dirigir.

Outra hiptese que os delrios de perseguio parecem advir de crenas de vulnerabilidade pessoal e crenas sobre os outros como mal intencionados e manipulativos; e as crenas de grandiosidade parecem funcionar para compensar as suas percepes de mau, intil e impotente.

Portanto pensamentos disfuncionais em cada nvel de processamento de informaes delirantes levam a erros que acarretam em distores cognitivas. Segundo Beck (2010) pacientes com esquizofrenia so conhecidos por fazerem interpretaes bastante artificiais de eventos subjetivos e certas distores cognitivas so mais presentes nesse transtorno. Distores Cognitivas como: Catastrofizao, Hipergeneralizao, Pensamento Dicotmico, Inferncia arbitrria, Personalizao foram identificadas atravs dos dados coletados.

O que se pode notar que pensar fora do contexto um componente de vrias distores cognitivas da esquizofrenia. Assim, a concluso se baseia em um evento ou detalhe em detrimento de caractersticas gerais da situao; ou ainda o indivduo tira uma concluso com base em uma situao imediata sem levar em considerao situaes anteriores. Isso pode ser ilustrado na seguinte tabela:Tabela 2- Distores Cognitivas observadas nos usurios do CAPS II Marta Barreto

Distoro Meu

U1 CPF a sumiu

U2

U3 Meu irmo no me

U4

U5 Voc no quer me dar

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Polcia vai me Catastrofizao pegar X

chamou para a dele eu doente formatura porque estou X

o da

relatrio percia

hoje, porque tambm quer me ver

Vou Inferncia arbitrria processar, minha

Se pessoa

uma Meu me vizinho, barulho para

Meu

mal irmo As

faz olha para mim cmeras nos s diferente, ele semforos me acha que eu da quero coisas dele um Tinha pessoa cidade

me, olha

ela quer ficar diferente, com dinheiro meu acho

que deixar

as so para me vigiar

est falando nervoso

de mim Hipergeneraliza Todo mundo Tinha uma "Tinha o que medico pessoa e enfermeiro andando homem

uma Tinha um me homem na esquina na da

olhando para seguindo de mim no banco rua ia me

usa a gente e atrs cobaia

minha casa, mandaram ele para me vigiar

mim, achei ele que me perseguindo

estava roubar

Pensamento Dicotmico

No confiar

posso Ningum em me bem

Minha

Minha no famlia

Esto no todos me

trata famlia gosta

ningum

de me suporta

vigiando

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Personalizao

Eu tenho a cura AIDS X da

mim Minha famlia

Meu

irmo As pessoas

no tem raiva de sentem porque inveja de

gosta de mim mim porque trabalho

no sou doente

mim porque eu trabalhei em grandes multinacion ais

Outro sintoma muito comum na esquizofrenia e relatado por todos foi ouvir vozes, ou seja, as alucinaes, geralmente, definidas como experincias perceptivas na ausncia de estmulo externo, que ocorrem no estado de viglia e no esto sob controle voluntrio: Escuto vozes mandando matar os monstros (U2); As vozes dizem que vo me matar (U3).

Sendo assim, licito salientar que as alucinaes podem refletir o contedo de uma memria remota, geralmente comentrios ou crticas que costumava ouvir em sua vida cotidiana, ou um pensamento automtico atual que o paciente tem sobre si mesmo.

Explanando o caso de U4, ele estava afastado do emprego onde era cobrador de nibus desde o incio dos sintomas h 11 meses. Relatava constantemente que observava familiares olhando para ele, sentia-se vigiado em casa e escutava vozes dizendo: voc no presta mais... voc um doente. Esta a viso atual que o usurio tem sobre si mesmo, ele se considera um intil.

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Dessa forma, citando Beck, os indivduos com alucinaes apresentam significativamente mais percepes errneas do que os que no tm alucinaes (2010).

Vale pontuar tambm que as crenas dotam de significado as experincias e dizem respeito sobre as relaes do indivduo com o mundo e consigo mesmo. Crenas que assumem a forma de autocrticas, controles, proibies foram encontradas influenciando o contedo das vozes:

U3 e U5 apresentaram sintomas semelhantes, ambos tambm se encontram afastados do emprego desde a ltima crise, o primeiro era segurana e o segundo gerente comercial, e referiram pensamentos automticos como eu sou um fracassado, porm U3 relata ouvir vozes dizendo: Se voc no trabalhar, sua famlia vai te deixar; j U5 escuta vozes dizendo voc um fraco e se mate.

Enfim, pode-se dizer que os pensamentos automticos podem ser experimentados como uma alucinao quando crenas, se a cognio esta particularmente mais evidente no momento ou o limar de perceptualizao baixo.

4. CONSIDERAES FINAIS

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A terapia cognitiva comportamental (TCC) tem se mostrado uma das tcnicas psicoterpicas de melhor eficcia utilizada no tratamento das psicoses, pois segundo Beck o fato de pacientes com diagnstico de esquizofrenia apresentar crenas irracionais no significa que eles sejam irracionais (apud BARRETO & ). Assim, diferentemente da psicopatologia

tradicional, que v o delrio como uma crena irredutvel, deduz-se que a TCC prope outra abordagem para o delrio, a qual permita que o paciente, utilizando reas intactas do seu psiquismo, possa encontrar novas alternativas para sua crena delirante e, com isso, diminuir o impacto desse pensamento disfuncional em sua vida. No entanto, o paciente psictico normalmente no est consciente em relao freqncia de seus pensamentos delirantes e, mais do que isso, pode no perceber a anormalidade desse contedo. Normalmente, esses pacientes demonstram vises distorcidas sobre si mesmos, sobre o mundo e as pessoas que o rodeiam, o que conseqentemente atrapalha o seu relacionamento interpessoal.

Ainda quanto pesquisa, pode-se dizer que a TCC no se prope a encontrar a explicao e a cura definitivas dos sintomas esquizofrnicos, mas atuar sobre uma outra demanda, mais imediata, a viso e a atitude do sujeito sobre esse rtulo que lhe apresentado e as limitaes reais, catalogadas ou no, que decorrem de sua condio especfica.

Dessa forma, a realizao deste trabalho foi bastante vlida no sentido de ter focalizado uma temtica to atual e discutida no mbito da Sade, isto , a humanizao no tratamento aos portadores de transtornos mentais, eficaz para o processo de desistintucionalizao almejado pela Reforma Psiquitrica, o que traa na histria da loucura mais uma etapa de questionamentos e redefinies.

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Mas, a pesquisa tentou problematizar e contribuir para a discusso dessas questes sem no entanto ter a pretenso de esgot-las pois a produo de conhecimento e um processo constante e inacabado e essa pesquisa no procurou dar respostas definitivas, nem encerrar questionamentos advindos de tal investigao.

ABSTRACT KEYWORDS: 6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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