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EXPERTS X INICIANTES: COMO AUTORES DE DIFERENTES NVEIS DE EXPERINCIA EM PESQUISA USAM A CITAO

Aloma Daiany Varela dos Santos Farias- UFRN

Vanessa Fabola Silva de Faria- UFRN

1 INTRODUO

A construo de um trabalho cientfico no uma tarefa fcil. As questes, curiosidades e/ou inquietaes que perturbam intelectualmente um pesquisador expert ou iniciante, fazem com que este se revolva a interrogar as diversas fontes de informao como bibliotecas, centros de documentao, museus, arquivos, bancos e/ou bases de dados, entre outros. Muitas vezes dependendo do assunto em questo, sua pesquisa fica impossibilitada de ter xito ou adquirir mais especificidade, pela falta de fontes informacionais especficas sobre o assunto escolhido.

Para o desenvolvimento de trabalho cientfico, o pesquisador expert ou iniciante vai em busca de conhecimentos j construdos, reflexes que lhe dissipem dvidas, culminando, assim, em um quadro polifnico de referncias que passa a simbolizar uma (nova) estrutura de conhecimentos daquele estudioso.

A busca de informaes durante o trabalho de pesquisa diz respeito prpria natureza cumulativa da cincia e ao seu processo cclico. A eleio de um determinado tema/assunto para discorrer ou estudar depende da condio de harmonia entre o sentir, o pensar e o agir humanos que perpassa diretamente pelo armazenamento das experincias vividas. Estas, por sua vez, esto impregnadas e carregadas de significaes que vo se transformando e se ajustando s diferentes situaes no podemos perder de vista que o homem ao nascer j herdeiro de uma cultura e um saber pr-estabelecidos, todavia em constante (re)formulaes. A imaginao criadora depende, essencialmente, de uma dinmica simblica, fruto das significaes advindas da experincia humana que vo se transformando e se ajustando s diferentes situaes , de modo que, a partir da transferncia de sentido de um cdigo para outro, o mundo vai se revelando em sua forma e contedo, tornando-se, assim, passvel de ser observado e estudado.

Entretanto, o produto final da criao jamais poder ser tomado como algo acabado, concludo, finito. Na verdade, ele (re)interpretado, (re)significado e (re)inventado tantas vezes quantas forem seus leitores, anexando-se ao acervo pessoal de cada um conforme sua viso de mundo. A fundamentao e validao do pensamento que est sendo abordado , nesse caminho, uma imposio do mtodo cientfico e da natureza do fazer cincia, [...] sem o que o pesquisador est condenado ao limbo da rejeio e do esquecimento, e o seu saber ao descrdito. (SAYO, 1996, p.314).Isso implica dizer que, frente ao carter plural do trabalho cientfico vlido desenvolver pesquisas que busquem responder os seguintes questionamentos:a) Como os autores (tanto iniciantes quanto experts) se posicionam perante os autores mobilizados em seus textos?

b) Como se referem s suas fontes?

c) De que forma tais modos de referenciar um ndice de seu posicionamento enquanto autor cientfico?

O presente artigo parte do pressuposto de que estudar a maneira pela qual um autor cientfico posiciona-se em relao a outros autores implica , no apenas, em explorar as rotinas citacionais na escrita acadmica, mas tambm a questionar sobre as marcas lingusticas que evidenciam as fontes do saber.

Para isso tem como objetivo, delinear os modos pelos quais estudantes de graduao mobilizam as fontes exteriores e referncias tericas, comparando seus procedimentos com aqueles adotados pelos pesquisadores experientes.

A justificativa deste estudo conduzida na expectativa de que a comparao pudesse evidenciar como os pesquisadores iniciantes se apoiam no discurso do outro, e como articulam alguma perspectiva original em relao aos pesquisadores experientes. A mobilizao do discurso do outro, evidenciada na citao, uma das caractersticas do artigo cientfico e desperta interesse por causa de sua insero num campo mais amplo, o da polifonia, levantando questes muito pertinentes tanto para a anlise de textos acadmicos quanto para a didtica da escrita desses textos.

2 REFERENCIAL TERICOEste estudo se situa no campo da Lingustica onde se imbricam pressupostos da Anlise Textual dos Discursos (ATD), dos estudos sobre gneros, enunciao e sobre o discurso cientfico.

2.1 ANLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

Este tpico se ocupa da apresentao da Anlise Textual dos Discursos (ATD), proposta por Adam (2011) e situada num campo mais amplo da Lingustica Textual. A abordagem terico-metodolgica, proposta na ATD, se configura como uma resposta s demandas impostas na anlise de textos, alicerada num conjunto de reflexes tericas e epistemolgicas que permitem estabelec-la no campo da Lingustica de Texto, por sua vez, inscrita, nas reflexes deste autor, no campo mais vasto das anlises das prticas discursivas (Adam, 2011, p.24).

Feitas essas poucas consideraes iniciais, apresentaremos, na sequncia, algumas das principais noes da ATD, primeiramente seu modelo textual-discursivo, compreendido em nveis, depois uma breve descrio dos nveis que compem a dimenso textual neste modelo, e por fim, uma descrio um pouco mais detalhada do nvel especfico que nos importa neste trabalho: a Responsabilidade Enunciativa.

2.1.2 O modelo textual da ATD (os nveis dos discursos)

Uma das principais contribuies de Adam (2011) , sem sombra de dvida, a proposta de articulao entre texto, discurso e gnero, base para a redefinio dos campos de domnio da Lingustica Textual e da Anlise do Discurso.

O autor concebe as trs dimenses, a saber, texto, discurso e gnero, interrelacionadas e imbricadas em nveis, como se pode visualizar no esquema 1 (Adam, 2011, p.61) transcrito abaixo:

Nesta representao, o discurso compreendido como uma instncia mais ampla onde se encerram gneros e textos. Tal representao se configura, evidentemente, como uma abstrao, que deveria ser compreendida no num plano bidimensional, mas num plano tridimensional; do modo possvel de se representar, parece que se trata de encaixamentos, quando, na verdade, no desta maneira que o autor concebe. Adam concebe essas dimenses numa relao dinmica e articulada. No nvel do discurso compreendem-se a intencionalidade, objetivos de comunicao linguisticamente expressos pelos atos ilocucionrios, realiza-se numa determinada formao sociodiscursiva, cujo socioleto partilhado pelos membros da mesma comunidade discursiva, e mediada pelos gneros, ou como sintetizado pelo autor: Toda a ao de linguagem inscreve-se, como se v, em um dado setor social, que deve ser pensado como uma formao sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social associado a uma lngua (socioleto) e aos gneros de discurso. (Adam, 2011, p.63).

Nesta perspectiva o texto se constri a partir de um conjunto de unidades tpicas bsicas heterogeneamente agrupadas de modo a formar os gneros, considerados como elemento articulador das dimenses textuais e discursivas. A proposta da ATD concebe o texto formado por proposies (unidade mnima de anlise, produto de um ato de enunciao, cf. Adam, 2011, p.108), que, no conjunto, se organizam a partir de um processo scio-histrico de fixao, e formadas por duas dimenses: i) uma dimenso diz respeito configurao, e ii) a outra dimenso se relaciona noo de sequncia. O aspecto configuracional implica em alguns pressupostos semntico-pragmticos que funcionam no espao de uma dada sequncia textual, forosamente configurando-a. Por outro lado, a dimenso sequencial diz respeito ao modo pelo qual o texto se organiza em sequncias de proposies tpicas, cf. Adam (1987).

2.1.3 Sobre gneros e ATD: algumas relaes possveis

Partindo de autores filiados tradies diversas tais como Maingueneau, Bronckart e Rastier, Adam (1997) tece algumas consideraes sobre o papel dos gneros em seu modelo de anlise. Primeiro, define gneros como regularidades scio-histricas observveis no campo prtico que lhe prprio. Depois, o autor considera e este ponto o mais interessante no s para este estudo, mas para os estudos sobre a escrita acadmica, de um modo geral que os gneros regulam, de um modo global e mais ou menos restritivo, os diversos planos de estrutura dos textos. Deste modo, compreende-se que o gnero, de certo modo, determina o modo dominante de composio, constituindo, segundo Rastier (2001) um tema de fundamental importncia no campo da Semntica de Textos. De acordo com o autor, o nvel do gnero corresponde a um quadro global de anlise lingustica, inserido no sistema normativo e scioletal sendo fator de coero tanto no que diz respeito s prticas linguageiras quanto anlise lingustica. Outro aspecto lembrado pelo autor o fato de que os gneros funcionam como instncia mediadora entre um texto e as prticas sociais nas quais produzido. Para considerarmos o gnero como dimenso articuladora entre texto e discurso procuramos nos aproximar, o mximo possvel da definio de funcionamento genrico proposta por Rastier, em que o gnero, por seu carter duplamente mediador, assegura no apenas um elo entre texto e discurso mas tambm entre diferentes prticas sociais.Duplamente mediador, o gnero assegura no apenas a ligao entre o texto e discurso, mas tambm entre o texto e a situao de produo, de modo que ambos se unificam numa s prtica linguageira. A relao entre a prtica e o genero determina, sobremaneira, a relao que se estabelece entre a ao em curso e o texto oral ou escrito que lhe acompanha. Assim, no quadro de Adam (2011) o gnero a dimenso responsvel pela articulao entre texto e discurso. Lembramos, por fim, de que se trata de um modelo de anlise ascendente, ou seja, se postula que a partir da anlise dos elementos mnimos, num percurso ascendente, chegar-se- s questes do discurso.

Idealmente um texto deveria ser analisado em todas as suas dimenses, no entanto, no h impedimentos para que se eleja uma das dimenses para a anlise. Neste trabalho analisamos a Responsabilidade Enunciativa (N7) selecionando algumas das categorias apresentadas por Adam (2011).E a essa dimenso que se dedica a prxima seo.2.1.2A Responsabilidade Enunciativa

Uma das principais categorias de anlise da ATD, a Responsabilidade Enunciativa (RE) se apresenta como uma das dimenses da proposio-enunciado (junto com a representao discursiva e valor ilocucionrio) que consiste em assumir e/ou atribuir uma poro de um texto a um ponto de vista (PdV). Podemos resumidamente considerar a RE como uma dimenso constitutiva do texto que permite dar conta do desdobramento polifnico, como um posicionamento do locutor-narrador diante de uma proposio enunciada, bem como mecanismo que permite a atribuio de uma poro de um texto a um ponto de vista.

Desta forma, um enunciado pode ser assumido (ou no) pelo locutor-narrador. O esquema 2, abaixo ilustra a relao entre as dimenses constituintes da proposio-enunciado:

Adam (2011) considera os termos RE e PdV como equivalentes e reconhece-os como mecanismos de gerenciamento das vozes que circulam nos textos, situando-os, assim, no mbito da polifonia: A responsabilidade enunciativa ou ponto de vista (PdV) permite dar conta do desdobramento polifnico(...) (Adam, 2011, p.110).

1.2.1 Marcadores do escopo da RE

Segundo Adam (2011) a RE de uma proposio pode ser marcada por um grande nmero de recursos lingusticos, identificados nas categorias (Passeggi et al. 2010) de ndices de pessoas, diticos espaciais e temporais, os vrios tipos de modalidade, os tempos verbais , os diferentes tipos de representao da fala (o discurso relatado), as indicaes de quadro mediadores, os fenmenos de modalizao autonmica e os indicadores de um suporte de percepes e focalizaao cognitiva. Essas categorias elencadas permitem-nos o estudo da RE (ou PdV) materializados de formas diversas. Dentre essas possibilidades Adam (2011) considera dois tipos de PdVs associados: o PdV annimo da opinio comum (introduzido por verbos dicendi na terceira pessoa do singular ou plural) e o quadro mediador (mediao epistmica e mediao perceptiva). O PdV annimo da opinio comum, associado ao distanciamento do locutor narrador, se materializa com as diversas maneiras de representar a fala de outros e com as indicaes de quadros mediadores.

Neste trabalho, selecionamos o discurso relatado a fim de discutirmos a natureza das citaes no trabalho acadmico. 3 METODOLOGIA E RESULTADOSA seguir, sero discutidos a metodologia e os resultados do estudo realizado.

3.1 METODOLOGIA

Metodologicamente, este artigo apresenta uma abordagem qualitativa, de cunho bibliogrfico-documental, enfocando os recursos lingusticos que evidenciam a predileo por um ou outro modo de citar.

A abordagem qualitativa de cunho racional, muito aplicada na rea das cincias humanas, por atuar fortemente em estudos ligados a anlise de subjetividades, sendo moldada ao longo do seu desenvolvimento. Outro fator importante a ausncia quase total de ferramentas estatsticas e a utilizao em temas de estudo fundamentalmente interpretativos.

Outras caractersticas so apresentadas por GIL (2007):a) busca entender um fenmeno especfico em sua profundidade; b) possui um carter mais descritivo, indutivo; c) mais participativa, sem uso de estatsticas; d) so exploratrias e diretas; d) aborda pequenos grupos de entrevistados; e) baseada em dados descritivos (coletados em contato direto do pesquisador com a situao objeto de estudo). O mtodo da pesquisa bibliogrfico-documental vale-se de documentos originais, que ainda no receberam tratamento analtico por nenhum autor. Assim, esta pesquisa no se confunde com a bibliogrfica.

Segundo GIL (2007, p.65). a pesquisa bibliogrfico-documental consiste na busca de referencial sobre o assunto pesquisado consultando a literatura disponvel na finalidade de proporcionar embasamento pesquisa.

O corpus composto por seis amostras de textos de um nico gnero: trs artigos produzidos por alunos de graduao para revistas de Graduao e trs artigos produzidos por especialistas para peridicos de qualis diferenciados encontrados em bases diversas.

Na anlise dos artigos, o fio condutor a guiar as reflexes propostas foram os conceitos e categorias formuladas no quadro terico da ATD, especialmente alguns conceitos relativos RE (diferentes tipos de representao da fala e indicao de quadros mediadores), aliados proposta tipolgica dos modos de referncia ao discurso do outro (evocao e discurso relatado) apresentada por Boch e Grossman (2002), sintetizados na tabela abaixo, adaptada dos autores :Modo de referenciar o discurso outro

EvocaoDiscurso reportado ( e indicao de quadros mediadores)

Caracaterizada pela ausncia de indicaes de quadros mediadores (segundo, conforme X, e equivalentes), aluso ao texto de outrem (nome e data) sem pretenso de resum-lo.Reformulao

Apelo marcas de quadros mediadores (segundo, conforme X, e equivalentes), mas ausncias de marcas escriturais como aspas ou verbais do tipo cito X, retomando as palavras de X; integrao do discurso do outro no discurso de quem escreve, ausncia de autonomia enunciativa; discurso indireto.

Citao Autonoma

Apresentam-se marcas escriturais como aspas, itlico, e mecanismos que permitem identificao de fragmento de texto outro (bloco tipogrfico); autonomia enunciativa do segmento citado (excetuando-se os casos de ilhota citacional); discurso direto.Ilhota citacional

Permite integrao do discurso de outro ou evidenciar o segmento citado por meio de marcas estruturais como aspas e itlico, ausncia de autonomia enunciativa; discurso direto.

3.2 RESULTADOS

Tal como j observaram Grosmann (2002) e Boch e Grosmann 2002, as prticas citacionais preferidas diferem entre pesquisadores iniciantes e experientes. Enquanto os experts parecem utilizar, preferencialmente, a evocao, os iniciantes fazem uso exaustivo da citao autonma e ilhotas citacionais. Essa preferncia se traduz no seguinte levantamento:RtuloAutor (peridico, rea de conhecimento)EvocaoReformulaoCitao AutnomaIlhota citacional

Art.1CAVALCANTE, M. E BRITO, M.

Heterogeneidades enunciativas e marcas lingusticas da interpretao psicanaltica

Revista do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade de Passo Fundo - v. 9 - n. 2 - p. 399-415 - jul./dez. 201314422

Art.2GUERRA JR. A. L. A construo da cena enunciativa: um exame da debreagem na publicidade.

Revista Estudos Semiticos. vol. 7, n. 1, p. 97 105, junho de 201106080215

Art.3ADAM, J-M. Analyse textuelle des discours:

niveaux ou plans danalyse.

Revista Filol. lingust. port., n. 14(2), p.191-202, 2012.16001

Art.4GIMENEZ, M.G. O modus operandi do narrador machadiano em O cnego

ou metafsica do estilo

Revista Cisma, n. 1, primeiro semestre 2013. 1110407

Art.5CAMARGO, C.M.C. O Sujeito mato-grossense na oratra epiddica de Dom Aquino Correa.

Revista Fronteira Digital, ano I, n 1, jan-jul,201004011010

Art.6DAVELA, S.P. e KIRSCH, S. A.C. Linguagem e Psicanlise.

Revista Fronteira Digital, ano I, n 1, jan-jul,201005100311

Para trinta e seis ocorrncias de evocao em textos de pesquisadores experientes encontrou-se apenas quatro citaes autnomas, enquanto nos textos de graduandos para 19 ocorrncias de evocao, o que revela muito do modus operandi da escrita acadmica: atribuem-se funes mobilizao do discurso outro e tais funes variam entre experts e iniciantes. Enquanto pesquisadores experientes mobilizam a evocao para aludir a determindo referencial terico, estudantes de graduao mobilizam mais a citao como mecanismo de fundamentao ou de legitimao do seu dizer. Eventualmente ocorrem citaes esparsas em textos de experts bem como tambm ocorrem evocaes em textos de iniciantes; para aqueles, cumpre a funo de exibir, literalmente, definies emprestadas de outro ou visando-se um efeito esttico, para os iniciantes, a citao cumpre um efeito de cortornar a difculdade representada pela reformulao sem o risco do plgio e ainda legitimar seu dizer. Trata-se de um movimento que autoriza o enxerto de um discurso outro dentro de seu prprio discurso, por vezes tateante e incerto, posto que ainda esto em processo de aprendizagem da escrita acadmica, tentando apreender os modos de gerenciamento das vozes tpicas neste tipo de escrita, ainda esto, conforme Boch e Grossmann (2002) aprendendo a constituir-se como sujeitos. A reformulao, bastante presente em dois artigos, um de um pesquisador e outro de um estudante de graduao, um recurso que permite melhor gerenciamento enunciativo, bem como torna clara uma adeso, implcita, ao ponto de vista outro. Por fim, o recurso ilhota citacional parece ser a operao preferida por aqueles que j ultrapassaram a fase inicial de aprendizado da escrita acadmica, mas ainda no se consolidaram como experts, o que ocorre com todos os artigos publicados em revistas de graduao e em apenas um dos artigos publicados por pesquisadores experientes, tal modo de citao apresenta a vantagem de permitir uma integrao enunciativa preservando o discurso outro.4 DISCUSSOOs resultados demonstram: a) que as citaes, mais do que um mero operador da intertextualidade, desempenham, na escritura do texto cientfico, um papel de condutor enquanto o pesquisador iniciante ainda est aprendendo a constituir-se como sujeito, e b) um insuficiente domnio de aspectos polifnicos da citao no pode ser considerado como caracterstica apenas do texto de aprendizes, , sobretudo, um dispositivo de suporte escrita, mobilizado como mecanismo de legitimao de um dizer, revelando, para muito alm das dificuldades tcnicas que um escritor possa ter no que tange ao gerenciamento eunciativo, as diferenas de estatuto entre a posio do estudante de graduao e a posio prestigiada do autor que ele cita. A conscincia dessa distncia, leva, muitas vezes a um posicionamento acrtico diante de um referencial terico, ou, na maior parte dos casos, a um excesso de apagamento enunciativo que valoriza o discurso do outro em detrimento do seu prprio.A citao autnoma, embora possa ser considerada como uma ajuda escritura, um condutor em meio s agruras do percurso de formao do pesquisador no que diz respeito aprendizagem da escrita acadmica, deve ser paulatinamente substituda por outros mecanismos de mobilizao do discurso outro, como a ilhota citacional, por exemplo, que mantm a vantagem de assegurar maior autonomia enunciativa, na medida em que se discute ou se refuta uma dada afirmao de outro, aderindo ou no a esse discurso, preservando esse outro discurso. Neste sentido, pensamos que cursos de graduao, em todas as reas do conhecimento, deveriam contemplar disciplinas em que houvesse uma abordagem do ensino da escrita acadmica com essa preocupao: mostrar ao estudante de graduao as vrias formas de se mobilizar o discurso outro em sua escrita. Arago (2011) prope em sua dissertao de mestrado vrios exerccios que podem ser aplicados em sala de aula sem, no entanto, pretender um modelo de escrita do gnero artigo, o que condiz tambm com as proposies de Boch e Grossmann (2002) que, sem apresentarem propostas prticas, defendem a pouca utilidade de se tentar modelar a escrita de estudantes de graduao pela escrita dos experts, os autores acreditam que necessrio, sobretudo, atividades nas quais os alunos de graduao exercitem a tomada de posio (apresentao de um ponto de vista pessoal) quando vrias posies contraditriaas so referidas a diferentes autores, o que tambm no uma tarefa muito fcil e requer, igualmente, maturidade intelectual, como se v em Marinho (2010) o depoimento de uma participante de sua pesquisa:

Lembro-me de um professor, do primeiro perodo, que sempre dizia que ns no precisvamos necessariamente concordar em tudo com o autor que lemos e que o nosso papel era questionar aquilo que estava escrito. Desde ento acredito que tenho um srio problema, pois no consegui discordar, at hoje, de nenhum autor que li. (Depoimento de uma aluna de graduao, 2008, apud MARINHO, 2010, p.1)A autora tambm entende que a escrita acadmica parece no ter muita ateno, no alvo de pesquisas ou de proposies didticas, no se constituindo assim um objeto de pesquisa ou objeto de ensino privilegiado. Para encerrar, defendemos a necessidade de pesquisas que avancem na discusso sobre o que de fato produzido, em termos de escrita, no meio acadmico brasileiro, em todas os nveis, desde a graduao at escrita de pesquisadores experientes, tais iniciativas podem ter impactos bastante produtivos na didtica da escrita acadmica, sobretudo se pensarmos que a maior parte dos estudos e investigaes sobre a escrita cientfica so motivadas, na maioria das vezes, por questes relativas ao seu ensino, tais como os estudos de Swales (1981) e Bazerman (2006), cujas motivaes residiam na constatao da carncia de material didtico para fins de ensino da escrita acadmica. Marinho (2010) REFERNCIAS

ADAM, Jean-Michel. Lingustica Textual: introduo anlise textual dos discursos. So Paulo: Cortez, 2011.ARAGO, R, M, L. De. Modelos para a estruturao de artigos cientficos: um estudo de instrues aos autores de artigos de revistas da Scientific Electronic Library Online do Brasil. Dissertao de Mestrado. FFLCH USP. So Paulo, 2011.BOCH, F. & GROSSMANN, F. Referir-se ao discurso do outro: alguns elementos de comparao entre especialistas e principiantes. In: Revista Scripta. Belo Horizonte: PUC Minas, , v. 6, n. 11. p. 97-108. 2002.

GIL, Antnio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3 ed. So Paulo: Atlas, 2007.

MARCUSCHI, Luiz Antnio. Produo textual, anlise de gneros e compreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008.MARINHO, M. A escrita nas prticas de letramento acadmico. In: Revista Brasileira de Lingustica Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 363-386, 2010MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Org.). Introduo Lingustica: domnios e fronteiras. 2. ed. So Paulo: Ed. Cortez, 2001.

REUTER, Y., (1998), De quelques obstacles lcriture de recherche , Lidil, 17, 11-24.RINCK, F., BOCH, F., e GROSSMANN, F. (2007). Quelques lieux de variation du positionnement nonciatif dans larticle de recherch. Lambert, P., Millet, A., Rispail. GROSSMANN, F. Les modes de rfrence autrui chez les experts: Lexample de la revue Langages. In: Faits de Langue, n. 19, 2003. SAYO, Fernando. Bases de dados: a metfora da memria cientfica. Ci. Inf., Braslia, v. 25, n.3, p.314-318, set./dez. 1996.

Considero bastante conveniente, aqui, o conceito de comunidade discursiva postulado por Swales (1990, p.9) para quem a noo de comunidade discursiva diz respeito aos usos da lngua e dos gneros em contexto profissional, de modo que os membros de uma dada comunidade compartilham um maior conhecimento de suas convenes : [comunidades discursivas so]redes scio-retricas que se formam de modo a trabalhar por um conjunto de objetivos comuns. Uma das caractersticas que os membros estabelecidos dessas comunidades discursivas possuem a familiaridade com os gneros especficos que so usados na busca comunicativa destes conjuntos de objetivos (Swales, 1990, p.9).

PdV a sigla utilizada por Adam (2011), no entanto o conceito tambm discutido por outros autores, que a grafam PDV (Rabatel), pdv (Nolke, Flottum e Norn).