ARTIGO- O SUS Entre o Ideal, o Real e o Possível

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  • 7/23/2019 ARTIGO- O SUS Entre o Ideal, o Real e o Possvel

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    ARTIGO: O SUS entre o ideal, o real e o possvel

    Fonte: Valor Econmico

    Notcia publicada em: 02/09/2015

    Autor: Daniel Liang Wang

    Muitos dos que rejeitam um novo tributo para financiar a sade aplaudem decises judiciais que obrigam o

    fornecimento de tratamentos de altssimo custo pelo Estado. Esta posio, para manter sua coerncia, parte

    da premissa de que a enorme distncia entre o que se espera do Sistema nico de Sade (SUS) e a

    realidade do que ele oferece se deve corrupo, m gesto e falta de vontade poltica de governos.

    Embora no se possa minimizar estes problemas, reduzir as limitaes do sistema pblico de sade a eles

    reflete a falta de entendimento tanto da realidade do SUS quanto do que se pode esperar dele.

    De acordo com dados da Organizao Mundial da Sade (OMS), o gasto pblico per capita em sade no

    Brasil quadruplicou nos ltimos dez anos, mas ele ainda seis vezes menor que no Reino Unido, em cujo

    sistema pblico de sade o SUS foi inspirado. No h lisura, competncia ou vontade que permita ao SUS

    oferecer a mesma qualidade com um oramento to menor.

    Porm, e se tomarmos o sistema britnico como um exemplo daquilo que o SUS pode ser, ainda que o Brasil

    consiga sextuplicar seu gasto pblico em sade e tiver padres britnicos de corrupo, gesto e vontade

    poltica (assumindo que tudo isso seja de fato melhor l), continuar havendo limites com relao s aes e

    servios que o SUS poder oferecer.

    O sistema de sade britnico, mesmo com um gasto per capita muito maior que o nosso, tem filas de espera

    para procedimentos, acesso restrito a especialistas e exames, co-pagamento para alguns servios, carncia

    de vagas em hospitais psiquitricos e limita o acesso a tecnologias de alto custo. tambm um sistema que

    est sob enorme presso financeira. Estima-se em mais de R$ 150 bilhes de reais o dficit do servio

    nacional de sade britnico at 2020 e especialistas temem pela sua sustentabilidade em um futuro prximo.

    Para se ter a dimenso das diferenas, este valor maior que todo o oramento do Ministrio da Sade e

    das Secretarias estaduais de sade no Brasil em um ano. E o Reino Unido no um caso excepcional, pois

    mesmo pases com gasto ainda maior em sade tm encontrado dificuldades para financiar os custos

    crescentes em seus sistemas e no conseguem oferecer todo o cuidado sade que sua populao espera.

    Comparar o SUS com outros sistemas muito mais bem financiados (ou com verses idealizadas deles), se

    feito de forma descontextualizada, impede que se d o devido reconhecimento e valor s conquistas que o

    SUS proporcionou. As melhoras significativas em indicadores como mortalidade infantil, mortalidade

    materna, expectativa de vida e acesso ateno primria em sade no seriam alcanadas em um pas to

    desigual sem um sistema pblico de sade de acesso universal e gratuito.

    Muitos cidados jamais teriam visto um mdico no fossem por programas como o Sade da Famlia e oMais Mdicos. Apesar da percepo geral negativa em relao ao SUS, pesquisas de opinio tm

    constantemente apontado que a maioria dos usurios do sistema est satisfeita com o servio que recebe. A

    compreenso do que o SUS conseguiu realizar em condies de baixo financiamento e dos desafios que a

    sade pblica ainda precisa superar qualifica o debate sobre novas fontes de recursos para a sade.

    Expectativas irreais tambm levam a que se obrigue o SUS, por meio de aes judiciais, a fornecer

    tratamentos de alto custo, muitas vezes experimentais ou realizados no exterior, que no so custeados nem

    por sistemas muito mais ricos. O no fornecimento desses tratamentos pelo SUS visto por parte da opinio

    pblica e do Judicirio como uma falha do governo. Porm, esse no necessariamente o caso e muitas

    vezes pode ser sinal de uma administrao pblica responsvel.

  • 7/23/2019 ARTIGO- O SUS Entre o Ideal, o Real e o Possvel

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    O relatrio "Making Fair Choices on the Path to Universal Coverage" da OMS prope que sistemas de sade

    priorizem servios que ofeream grandes ganhos em sade a custo baixo e com evidncia cientfica robusta

    de segurana e efetividade, ainda que isso implique no financiar tratamentos pouco custo-efetivos ou de

    natureza experimental. E quanto mais escassos os recursos, mais importante a escolha de prioridades.

    Contudo, esse tipo de priorizao que torna o sistema mais eficiente e justo impossvel quando se espera

    que ele fornea tudo a todos.

    Mais construtivo do que pensar o que seria um sistema de sade ideal e esperar que o SUS se conforme a

    ele seria, a partir do ponto onde estamos, planejar como torn-lo mais justo, humano e eficiente, e refletir

    sobre quanto esforo estamos dispostos a colocar na forma de maior tributao ou desinvestimento em

    outras reas para que isso se realize. Em outras palavras, o que esperamos do SUS deve ser proporcional

    ao quanto queremos pagar por ele. Do contrrio, existe um srio risco de que o SUS ideal atrapalhe o real e

    o possvel.