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A RTIGO I NÉDITO Dental Press J Orthod 48.e1 2010 May-June;15(3):48.e1-48.e9 Biodegradação de braquetes ortodônticos: análise por microscopia eletrônica de varredura Luciane Macedo de Menezes*, Rodrigo Matos de Souza**, Gabriel Schmidt Dolci**, Berenice Anina Dedavid*** Objetivo: analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura, as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos submetidos a um processo de biodegradação in vitro. Métodos: a amostra foi dividida em dois grupos, de acordo com a marca comercial dos acessórios, sendo Grupo A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) e Grupo B = LG Edgewise Standard, American Orthodontics (AISI 316L). Os corpos de prova, aparelhos ortodônticos simulados, permaneceram imersos em solução salina (0,05%) por um período de 60 dias, a 37ºC, sob agitação. As alterações decorrentes da exposição dos acessórios à solução salina foram investigadas através da microscopia eletrônica de varredura e análise da composição química (EDX); realizadas antes e após o período de imersão (T0 e T5, respectivamente). Resultados: os resultados indicaram, em T5, formação de produtos de corrosão sobre a superfície dos braquetes, especialmente no Grupo A. Além disso, houve alterações na com- posição da liga metálica dos braquetes de ambos os grupos, sendo que, no Grupo A, houve redução dos íons ferro e cromo e, no Grupo B, redução de íons cromo. Conclusão: de acordo com os resultados obtidos neste experimento, pode-se concluir que os acessórios do Grupo A apresentaram-se menos resistentes à biodegradação in vitro, o que poderia estar associado ao tipo de aço utilizado na sua fabricação (AISI 303). Resumo Palavras-chave: Corrosão. Biocompatibilidade. Braquetes ortodônticos. Níquel. * Doutora em Ortodontia pela UFRJ. Professora do Curso de Mestrado em Ortodontia da PUCRS. ** Mestre em Ortodontia e Ortopedia Facial pela PUCRS. *** Doutora em Engenharia, coordenadora do Centro de Microscopia e Microanálise da PUCRS. INTRODUÇÃO Nos últimos 20 anos, a biocompatibilida- de das ligas odontológicas tem sido produto de muitas pesquisas. Entretanto, os estudos nessa área têm gerado muitas questões sem respostas, confirmando a necessidade de se aprender muito mais sobre a biocompatibilidade desses materiais. Devido a esse processo não ser totalmente escla- recido, há certa dificuldade por parte dos orto- dontistas em escolher uma liga que seja segura biologicamente para seus pacientes. Tem se tornado cada vez mais frequente a ocorrência de hipersensibilidade causada pelo ní- quel presente nas ligas de aço inoxidável, ampla- mente utilizadas no tratamento ortodôntico 4,20 . Braquetes, bandas e fios ortodônticos são univer- salmente confeccionados a partir dessa liga, que contém aproximadamente 6 a 12% de níquel e 15 a 22% de cromo 24 . Além da alergenicidade, efeitos carcinogênicos, mutagênicos e citotóxicos têm sido atribuídos ao níquel e, em menor pro- porção, ao cromo.

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A r t i g o i n é d i t o

Dental Press J Orthod 48.e1 2010 May-June;15(3):48.e1-48.e9

Biodegradação de braquetes ortodônticos: análise por microscopia eletrônica de varredura

Luciane Macedo de Menezes*, Rodrigo Matos de Souza**, Gabriel Schmidt Dolci**, Berenice Anina Dedavid***

Objetivo: analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura, as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos submetidos a um processo de biodegradação in vitro. Métodos: a amostra foi dividida em dois grupos, de acordo com a marca comercial dos acessórios, sendo Grupo A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) e Grupo B = LG Edgewise Standard, American Orthodontics (AISI 316L). Os corpos de prova, aparelhos ortodônticos simulados, permaneceram imersos em solução salina (0,05%) por um período de 60 dias, a 37ºC, sob agitação. As alterações decorrentes da exposição dos acessórios à solução salina foram investigadas através da microscopia eletrônica de varredura e análise da composição química (EDX); realizadas antes e após o período de imersão (T0 e T5, respectivamente). Resultados: os resultados indicaram, em T5, formação de produtos de corrosão sobre a superfície dos braquetes, especialmente no Grupo A. Além disso, houve alterações na com-posição da liga metálica dos braquetes de ambos os grupos, sendo que, no Grupo A, houve redução dos íons ferro e cromo e, no Grupo B, redução de íons cromo. Conclusão: de acordo com os resultados obtidos neste experimento, pode-se concluir que os acessórios do Grupo A apresentaram-se menos resistentes à biodegradação in vitro, o que poderia estar associado ao tipo de aço utilizado na sua fabricação (AISI 303).

Resumo

Palavras-chave: Corrosão. Biocompatibilidade. Braquetes ortodônticos. Níquel.

* Doutora em Ortodontia pela UFRJ. Professora do Curso de Mestrado em Ortodontia da PUCRS. ** Mestre em Ortodontia e Ortopedia Facial pela PUCRS. *** Doutora em Engenharia, coordenadora do Centro de Microscopia e Microanálise da PUCRS.

INTRODUÇÃONos últimos 20 anos, a biocompatibilida-

de das ligas odontológicas tem sido produto de muitas pesquisas. Entretanto, os estudos nessa área têm gerado muitas questões sem respostas, confirmando a necessidade de se aprender muito mais sobre a biocompatibilidade desses materiais. Devido a esse processo não ser totalmente escla-recido, há certa dificuldade por parte dos orto-dontistas em escolher uma liga que seja segura biologicamente para seus pacientes.

Tem se tornado cada vez mais frequente a ocorrência de hipersensibilidade causada pelo ní-quel presente nas ligas de aço inoxidável, ampla-mente utilizadas no tratamento ortodôntico4,20. Braquetes, bandas e fios ortodônticos são univer-salmente confeccionados a partir dessa liga, que contém aproximadamente 6 a 12% de níquel e 15 a 22% de cromo24. Além da alergenicidade, efeitos carcinogênicos, mutagênicos e citotóxicos têm sido atribuídos ao níquel e, em menor pro-porção, ao cromo.

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Um dos fatores determinantes da biocompa-tibilidade das ligas metálicas usadas na Odonto-logia é a sua resistência à corrosão19,27. Contudo, apesar da alta resistência dos aços inoxidáveis austeníticos, principal liga usada na confec-ção de braquetes ortodônticos, diversos estu-dos têm evidenciado a corrosão desses acessó-rios3,9,13,16,18,28,29. O próprio processo de fabrica-ção dos braquetes os expõe a fatores físicos e químicos que estimulam sua corrosão. Dentre eles, destacam-se: tratamento térmico12, soldas5 e agentes de polimento17.

Macroscopicamente, a corrosão sofrida pelos braquetes é caracterizada por perda de brilho, descoloração e rugosidade superficial, frequen-temente associados à deposição de produtos de corrosão30. Essas características, quando presen-tes, podem contribuir para o aumento da resis-tência friccional e interferir na mecânica utiliza-da, afetando o progresso do tratamento11.

De acordo com Edie, Andreasen e Zaytoun7, a observação das características superficiais, a fim de se detectar produtos de corrosão, constitui-se no método mais direto para se avaliar o processo de biodegradação. Vale salientar que a análise visu-al das imagens microscópicas, metodologia usada neste estudo para avaliar a homogeneidade da ma-triz metálica, é eficaz para tal aferição. Chappard et al.6 verificaram uma relação positiva entre ín-dices de rugosidade medidos com profilometria de contato e análise da rugosidade por meio da microscopia eletrônica de varredura (MEV).

Visto os inúmeros fatores associados ao pro-cesso corrosivo e a suscetibilidade dos braquetes ortodônticos a esse processo, o objetivo do pre-sente estudo é analisar, por meio de microscopia eletrônica de varredura, as alterações químicas e estruturais de braquetes metálicos de duas mar-cas comerciais submetidos a um processo de bio-degradação in vitro.

MATERIAL E MÉTODOSAnálise microscópica dos braquetes (MEV)

Duas marcas comerciais de braquetes foram analisadas: Dyna-Lock Standard Edgewise (3M Unitek, Monrovia, CA, EUA) e LG Edgewise (American Orthodontics, Sheboygan, Wiscon-sin, EUA), sendo que cada marca constituiu um dos dois grupos experimentais estudados (Qua-dro 1). Para avaliação ao MEV (Philips XL30, Eindhoven, Holanda) foram selecionados alea-toriamente 70 braquetes, que foram avaliados em dois momentos: T0 (na condição “como re-cebidos”) e T5 (60 dias após a imersão dos aces-sórios em solução salina).

Os corpos de prova que simulavam uma he-miarcada inferior foram constituídos de braque-tes de incisivos (n = 2), caninos (n = 1) e pré-mo-lares inferiores (n = 2). Para os molares (1º e 2º) foram usados braquetes de incisivos superiores, totalizando sete acessórios. Os braquetes foram amarrados a fios com ligadura elástica, sendo suas bases cobertas com cera nº 7. Esse procedimento serviu para evitar a corrosão de tal região e tornar

GrupoBraquetes

n Marca Especificação Tipo de aço Composição química (% Max) Observação

a 140 3M/ UnitekDynalock,

Edgewise Standard,Slot 0,022”

AISI 303C=0,15%, Cr=17-19%,

Ni=5,0-10%, Mn=2,0%,Si=1,0%, Fe=restante

Ausência de solda unindo o corpo

à base

B 140 American Orthodontics

LGEdgewise Standard,

Slot 0,022”AISI 316L

C=0,030%, Cr=16-18%,Ni=10-14%, Mn=2,0%,

Si=1,0%,Fe=restante

Presença de solda de prata unindo o

corpo à base

qUADrO 1 - Divisão dos grupos experimentais.

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mais fácil a remoção do material da base do bra-quete após o período do experimento. Os corpos de prova foram imersos em tubos de ensaio que continham 10ml de solução aquosa salina (NaCl 0,05%, Departamento de Bioquímica da PU-CRS) e submetidos a um processo de “envelhe-cimento químico-mecânico”. Eles permaneceram sob agitação por 8 horas diárias, com temperatu-ra constante de 36±1ºC (Banho Dubnoff, Nova Técnica®), por um período de até 60 dias.

Fotomicrografias foram realizadas nas mesmas regiões, dos mesmos braquetes, sob as mesmas magnificações, nos dois períodos (T0 e T5).

Para análise ao MEV, os braquetes foram mon-tados em stubs, e observados por um examina-dor. Registraram-se as seguintes imagens (Fig. 1):

1) Frontal geral – braquete em sua totalidade (50x de aumento).

1e) Frontal específica – observou-se duas re-giões pré-determinadas em cada braquete: região a, na aleta oclusal/incisal esquerda, e região b, no slot do lado esquerdo (500x de aumento).

2) Inferior geral – braquete em sua totalidade (50x de aumento).

2e) Inferior específica – observou-se duas re-giões em cada braquete, a um aumento de 500x (regiões a e b) e 2.000x (região 2f).

Em T0, avaliou-se qualitativamente as di-ferenças de acabamento superficial dos aces-sórios ortodônticos dos Grupos A e B. Após, foram comparadas as imagens obtidas inicial-mente (T0) com aquelas obtidas após os aces-sórios terem permanecido 60 dias imersos em solução salina (T5).

Todas as imagens foram avaliadas, de forma qualitativa, por um único examinador.

Análise da composição química dos braquetes

Utilizou-se o EDX (Energy Dispersive X-Ray), recurso disponível no MEV para avaliar a composição química dos braquetes ortodônticos. As características de trabalho do MEV foram padronizadas. O EDX foi realizado em oito bra-quetes de cada grupo, nas superfícies vestibular e gengival das aletas (imagens frontal e inferior, respectivamente). Assim, foi possível quanti-ficar e comparar os íons ferro, níquel e cromo

FIGUrA 1 - 1) Imagem frontal geral: setas indicam as regiões a e b onde se realizaram imagens específicas a 500x de aumento. 1e) Imagem frontal es-pecífica. 2) Imagem inferior geral: setas indicam as regiões a e b onde se realizaram imagens específicas a 500x de aumento. 2e, 2f) Imagens inferiores específicas a 500x e 2.000x de aumento, respectivamente.

2f

1 1e

2 2e

a

b

a b

2f

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presentes nas ligas metálicas dos braquetes, antes (T0) e depois de permanecerem 60 dias imersos em solução salina (T5).

Tratamento estatístico

Os dados advindos da observação microscó-pica não foram tratados estatisticamente, pois eram informações qualitativas de comparação entre as imagens.

Para o processamento dos dados referentes à análise da composição química dos braquetes, foi utilizado o software SPSS versão 10.0 (Chicago, IL, EUA). Comparou-se a média de íons ferro, níquel e cromo existente na liga metálica de bra-quetes na condição “como recebidos” (T0) e após permanecerem 60 dias imersos em solução salina (T5). Para análise intragrupos da diferença dos valores do EDX em T0 e T5, utilizou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon.

RESULTADOSAnálise microscópica dos braquetes

A análise microscópica (MEV), em T0, in-dicou que os braquetes do Grupo A apresenta-vam melhor acabamento superficial do que os do Grupo B. Foram constatadas alterações nas superfícies dos braquetes após terem permaneci-do 60 dias imersos em solução salina (T5); sendo mais evidentes no Grupo A (Fig. 2).

Nas imagens frontais, gerais e específicas (50 e 500x de aumento), foram identificados produtos de corrosão em ambos os grupos. Tais produtos apresentaram-se de maneiras distin-tas: puntiformes, em aglomerados e em cama-das. Os braquetes do Grupo A apresentaram com mais frequência a formação de aglomera-dos e camadas, ou seja, a superfície desses aces-sórios apresentou-se mais alterada do que a su-perfície dos braquetes do Grupo B (Fig. 2, 3). O EDX realizado sobre os produtos de corro-são mostrou que eram compostos basicamente por ferro (48,82%), oxigênio (19,56%), cromo (17,9%) e níquel (4,73%).

Já a análise das imagens inferiores gerais e específicas indicou que as regiões afetadas com mais intensidade, no Grupo A, foram as bordas das aletas, especialmente o ângulo formado en-tre a aleta e a base do braquete. Nos braquetes do Grupo B, a região da solda, localizada entre a base e a aleta, foi a mais afetada pelo processo corrosivo (Fig. 4).

Análise da composição química dos braquetes

Como observado nos gráficos 1 e 2, houve di-ferenças na composição da liga metálica dos bra-quetes antes (T0) e depois de terem permane-cido 60 dias imersos em solução salina (T5). Os braquetes do Grupo A apresentaram uma redu-ção da quantidade de ferro e cromo (p < 0,05). Já os braquetes do Grupo B apresentaram redução de íons cromo (p < 0,05).

DISCUSSÃOAnálise microscópica dos braquetes

A homogeneidade superficial da liga me-tálica é um importante fator na prevenção da corrosão por pits e por frestas2,21. Superfícies rugosas, com inúmeras imperfeições, facilitam o processo corrosivo, além de aumentar a área de dissolução do metal2,15.

Deve-se relembrar do papel do processo de fabricação dos braquetes sobre a resistên-cia à corrosão dos mesmos. Os acessórios do Grupo A foram fabricados em uma única peça, por uma única liga metálica. Já os acessórios do Grupo B foram fabricados em duas peças (corpo e base), as quais são unidas por solda de prata. Segundo Maijer e Smith23, a solda usada para a confecção de braquetes parece ser um fator significativo na iniciação do processo corrosivo desses acessórios. Lee e Chang22, em 2001, verificaram que o aquecimento de fios ortodônticos (NiTi e Optimalloy) a 250ºF por 20 minutos leva a um aumento do número de pits e da corrosão dos mesmos.

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C D

a B

C D

a B

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FIGUrA 2 - Vista geral (50x) dos braquetes do Grupo A em T0 (a) e T5 (B) e; vista geral (50x) dos braquetes do Grupo B em T0 (C) e T5 (D). Observa-se, em T5, a formação de produtos de corrosão, principalmente sobre os acessórios do Grupo A.

FIGUrA 3 - Imagens frontais específicas de braquetes do Grupo A, em T0 e T5 (a e B, respectivamente); e imagens frontais específicas de braquetes do Grupo B, em T0 e T5 (C e D, respectivamente). Observa-se, em T5, a formação de produtos de corrosão, principalmente sobre os acessórios do Grupo A.

Assim, poder-se-ia considerar que os aces-sórios do Grupo B seriam mais suscetíveis à corrosão, pois apresentaram mais irregula-ridades da matriz metálica, além da solda de prata unindo corpo e base dos braquetes. Contudo, após 60 dias de imersão, as imagens

microscópicas indicaram haver maior concen-tração de produtos de corrosão nos braquetes do Grupo A (Fig. 2, 3, 4). Acredita-se que esse resultado esteja ligado à composição das ligas usadas nos diferentes grupos: Grupo A (AISI 303) e Grupo B (AISI 316L).

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C D

a B

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Deve-se ressaltar que, apesar da biodegrada-ção dos acessórios do Grupo B ocorrer de manei-ra menos intensa, a região da solda de prata foi a mais atacada pelo processo corrosivo (Fig. 4), concordando com estudos prévios5,12.

Além disso, observou-se, em T5, que os aces-sórios do Grupo A apresentaram frequentemente a formação de camadas de corrosão superficiais. Supõe-se que tais camadas de corrosão sejam um estágio que faz parte da dinâmica do processo corrosivo. Oliveira et al.26, em 2000, salientaram que o processo corrosivo inicia-se pela penetra-ção de eletrólitos em irregularidades da matriz metálica (pits, frestas), reagindo com o metal e formando óxidos/hidróxidos, os quais irão se acumulando gradativamente.

Os resultados deste estudo parecem confir-mar essa dinâmica do processo corrosivo, suge-rindo a ocorrência de um ciclo de corrosão nos braquetes metálicos, o qual é determinado pelos seguintes eventos: 1) preenchimento de pits por produtos de corrosão; 2) formação de aglomera-dos de produtos corrosivos sobre a superfície dos

braquetes; 3) camadas de produtos de corrosão recobrindo partes específicas da superfície dos acessórios; 4) remoção das camadas de corrosão da superfície (provavelmente por fatores mecâni-cos) e início de um novo ciclo de corrosão. Nesse último estágio, poderão ser observadas alterações na anatomia da peça metálica.

Essencial lembrar que, no presente estudo, as regiões mais afetadas pela corrosão foram aque-las que apresentavam algum tipo de defeito da matriz metálica, concordando com outros estu-dos2,17,21,25. Isto parece comprovar que a maior ru-gosidade superficial é um fator predisponente ao processo corrosivo, uma vez que tende a aumen-tar a área de contato entre a matriz metálica e a solução de imersão. Por outro lado, Grimsdottir e Hensten-Pettersen15 ressaltaram que os defeitos superficiais observados em fios ortodônticos de níquel titânio não são grandes o suficiente para agir como áreas mais propensas à corrosão. Essa parece ser uma área de controversa discussão e, por isso, deve-se lembrar que o processo corrosi-vo é determinado por multifatores1,14,16.

FIGUrA 4 - Imagens inferiores específicas (500x) dos braquetes do Grupo A em T0 e T5 (a e B, respectivamente); e imagens inferiores específicas de braquetes do Grupo B, em T0 e T5 (C e D, respectivamente). Observa-se, em T5, a formação de produtos de corrosão, principalmente sobre os acessórios do Grupo A.

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80706050403020100

80

70

60

50

4030

20

100

%

%

T0T5

T0T5

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Análise da composição química dos braquetes

O EDX é uma ferramenta pertencente ao microscópio eletrônico de varredura que per-mite identificar e quantificar os metais perten-centes à liga metálica, sendo que essa identifi-cação é aproximadamente proporcional às fra-ções em peso de cada elemento. Dessa maneira, pode-se medir a liberação de níquel, cromo e ferro de forma indireta. De acordo com Elia-des et al.10, essa metodologia possui relevância clínica e apresenta resultados com significativo grau de confiabilidade.

A análise da composição da liga metálica in-dicou que os braquetes do Grupo A, na condi-ção “como recebidos”, apresentavam quantida-des de íons ferro, níquel e cromo compatíveis com aquelas descritas para a composição do aço AISI 303. Por outro lado, os braquetes “como recebidos” do Grupo B (AISI 316L) apresenta-ram uma quantidade de íons níquel menor do que aquela estabelecida para esse tipo de aço. Esse menor conteúdo de níquel na liga pode-ria prejudicar características como ductilidade, soldabilidade e resistência à corrosão.

Verificou-se, em T5, uma redução significa-tiva de íons ferro e cromo na liga metálica do Grupo A, e redução de íons cromo na liga do Grupo B (Gráf. 1, 2). Tais dados estão de acor-do com os achados obtidos na análise micros-cópica, onde os acessórios do Grupo A também foram os mais afetados.

CONSIDERAÇõES FINAISMesmo com o grande número de estudos

que investigam a liberação iônica de acessórios ortodônticos, ainda não existem evidências conclusivas com respeito à cinética e compo-sição dos produtos corrosivos8. Ressalta-se que a opção de utilizar ligas metálicas que apre-sentem menor biodegradação reduziria o risco de danos à saúde do paciente. Por isso, pes-quisadores têm se empenhado em investigar

quais os principais fatores que determinam o processo corrosivo.

A liga metálica e o processo de fabricação dos acessórios ortodônticos parecem desempe-nhar um papel importante sobre a resistência à corrosão dos mesmos13. O fato é que a relação entre corrosão e biocompatibilidade dos apa-relhos ortodônticos parece uma questão que está longe de ser encerrada. Por isso, a biode-gradação de acessórios ortodônticos observada neste estudo não deve ser considerada des-prezível ou clinicamente insignificante, sendo necessárias maiores investigações para que se realize tal afirmativa.

GráFICO 1 - Composição química (EDX) da liga metálica dos braquetes pertencentes ao Grupo A, em T0 e T5. Houve redução da quantidade de ferro (p < 0,05) e cromo (p < 0,05).

GráFICO 2 - Composição química (EDX) da liga metálica dos bra-quetes pertencentes ao Grupo B, em T0 e T5. Houve redução de íons cromo (p < 0,05).

Fe

Fe

Ni

Ni

Cr

Grupo A

Grupo B

Cr

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CONCLUSõESCom base nos resultados do presente estudo,

pôde-se concluir que:a) Ao MEV, observou-se a presença de pro-

dutos de corrosão sobre os braquetes, especial-mente no Grupo A. As regiões mais afetadas foram aquelas que apresentavam alguma irregu-

laridade da matriz metálica.b) A análise da composição química dos bra-

quetes, antes (T0) e depois do experimento in vi-tro (T5), revelou alterações na proporção de íons. No Grupo A, houve redução de íons ferro e cro-mo; e, no Grupo B, redução de íons cromo após a imersão (T5).

Analysis of biodegradation of orthodontic brackets using scanning electron microscopy

Abstract

Objective: The purpose of this study was to analyze, with the aid of scanning electron microscopy (SEM), the chemical and structural changes in metal brackets subjected to an in vitro biodegradation process. Methods: The sample was divided into three groups according to brackets commercial brand names, i.e., Group A = Dyna-Lock, 3M/Unitek (AISI 303) and Group B = LG standard edgewise, American Orthodontics (AISI 316L). The specimens were simulated orthodontic appliances, which remained immersed in saline solution (0.05%) for a period of 60 days at 37°C under agitation. The changes resulting from exposure of the brackets to the saline solution were investi-gated by microscopic observation (SEM) and chemical composition analysis (EDX), performed before and after the immersion period (T0 and T5, respectively). Results: The results showed, at T5, the formation of products of corro-sion on the surface of the brackets, especially in Group A. In addition, there were changes in the composition of the bracket alloy in both groups, whereas in group A there was a reduction in iron and chromium ions, and in Group B a reduction in chromium ions. Conclusions: The brackets in Group A were less resistant to in vitro biodegradation, which might be associated with the type of steel used by the manufacturer (AISI 303).

Keywords: Corrosion. Biocompatibility. Orthodontic brackets. Nickel.

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Endereço para correspondênciaLuciane Macedo de MenezesAv. Ipiranga, 6681, prédio 6, sala 209CEP: 90.619-900 – Porto Alegre / RSE-mail: [email protected]

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