Artigo Sobre Texteis Historicos

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LUZ GARCÍA NEIRA | Licenciada em Artes Plásticas, mestre em Ciências da Comunicação e doutora em Arquiteturae Urbanismo. É membro profissional da Textile Society of America e membro aspirante do Comité Nacional de ConservaciónTextil (Chile)

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  • ACERVO, RIO DE JANEIRO, V. 27, N 1, P. 375-384, JAN./JUN. 2014 P. 375

    IDENTIFICAO E DOCUMENTAO DE TXTEIS EM ARQUIVOSDOCUMENTATION AND IDENTIFICATION OF TEXTILES IN ARCHIVES

    LUZ GARCA NEIRA | Licenciada em Artes Plsticas, mestre em Cincias da Comunicao e doutora em Arquitetura e Urbanismo. membro profissional da Textile Society of America e membro aspirante do Comit Nacional de Con-servacin Textil (Chile).

    RESUMO

    Este artigo apresenta os txteis como documentos e indica os principais parmetros para sua

    identificao e documentao em acervos. A boa compreenso do txtil como documento til

    pesquisa em diferentes reas do conhecimento permitir classific-lo com vistas sua orde-

    nao em colees.

    Palavras-chave: documentos txteis; identificao de txteis; descritores (txteis).

    ABSTRACT

    This paper presents the textile artefacts as documents and indicate the principal parameters for

    its identification and documentation in museums collections. A good understanding of textiles

    as a useful document for research in different areas of knowledge will sort it for the purpose of

    ordering in collections.

    Keywords: textile documents; textile identification; terms (textiles).

    RESUMEN

    Este artculo presenta los textiles como documentos y indica los parmetros principales para su

    identificacin y documentacin en colecciones. Una buena comprensin de los textiles como

    un documento til para la investigacin en diferentes reas del conocimiento permitir su cla-

    sificacin con el propsito de su ordenacin en colecciones.

    Palabras clave: documentos textiles; identificacin de la materia textil; trminos (textiles).

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    INTRODUO

    Um dos mais significativos componentes da cultura material, os txteis podem ser vistos

    como produtos da tecnologia, como smbolos de uma cultura, como trabalhos de arte

    e como itens de comrcio. Alm disso, as artes txteis representam uma atividade hu-

    mana fundamental, bem como expressam simbolicamente grande parte dos valores de

    uma sociedade (Harris, 2010, p. 13).

    Embora no Brasil seja reincidente o entendimento de que os txteis, por razes diversas, no tm sido fonte documental privilegiada nos acervos dos museus (Paula, 2004; Andrade, 2006; Neira, 2012), evidente o crescimento do nmero de pesquisas que tomam artefatos txteis como objeto de estudo. Se, por um lado, essa nova realidade na pesquisa acadmica mostra uma renovao importante no que tange aos temas das pesquisas, por outro aponta para a necessidade de se capacitar e instrumentalizar pesquisadores, muselogos, arquivis-tas e afins para o trabalho com esse tipo de documento, mas, sobretudo, auxiliar os pesqui-sadores a extrarem dos documentos txteis informaes para suas pesquisas.

    Grosso modo, a grande maioria das pesquisas histricas locais sobre txteis prioriza a abordagem socioeconmica, o que quer dizer que tecidos e seus produtos so bem mais estudados em seu estgio de circulao quando se lhes adiciona novas dimenses para a anlise. A materialidade txtil, ou o tecido, propriamente, foi muito pouco ou nada discu-tido [no Brasil]: padres, cores, estampas, tipos e qualidades foram sempre ignorados pelos estudos disponveis (Paula, 2004, p. 76).

    Pode-se afirmar que estudos que se esforam em incorporar informaes tcnicas e documentais so mais difceis de fazer do que aqueles que requerem habilidade para ler e avaliar artefatos [txteis] como se fossem uma evidncia escrita (Hood, 1990, p. 9), pois, obviamente, requerem competncias tcnicas dos pesquisadores e no se deve exigir que esse seja um conhecimento necessrio ao historiador, socilogo ou investigador de outra especialidade que opere com documentos txteis. Os pesquisadores devem recorrer docu-mentao dos acervos para que esses forneam os dados corretos iniciais para a elaborao das pesquisas.

    O objetivo da catalogao no documentar cada objeto da coleo s custas de regis-

    tros significativos, mas criar um recurso para conhecer, acessar e administrar a coleo.

    [...] E lembre-se, a vida do catlogo no termina com a sua finalizao inicial. Novas

    informaes sobre um objeto podem surgir, e elas podem ser adicionadas. Ao mesmo

    tempo, se um objeto muda de lugar, o catlogo deve refletir esse movimento.1

    1 Disponvel em: .

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    Sabe-se que os historiadores trabalham com documentos inseridos nas dimenses tem-po e espao, de modo que a identificao e documentao individual de um artefato tx-til no faz sentido. No sem razo, portanto, que os principais historiadores de txteis contemporneos2 estudam e apresentam cada uma das tcnicas e tecnologias txteis, bem como os produtos delas resultantes, conectando-as ao seu tempo-espao de origem. Con-siderando, tambm, que na maioria das vezes os txteis tm importncia histrica e artstica relacionada com suas caractersticas ornamentais, esses mesmos especialistas fazem para-lelos entre as cronologias da histria da arte e da tcnica, e a histria dos txteis.

    Desse modo, toda a anlise de documentos txteis efetuada a partir da definio do lugar de origem e do tempo de sua produo. Matrias-primas, tcnicas de elaborao, princpios e recursos ornamentais e, em decorrncia disso, suas condies de circulao e uso se justificam a partir do contexto de produo original. Ao mesmo tempo, identificar corretamente as nuances da materialidade txtil permitir ao pesquisador localiz-lo e co-nect-lo a um determinado tempo-espao e, assim, estabelecer relaes entre diferentes documentos, txteis ou no.

    A correta documentao dos txteis, sem dvida, requer o trabalho de especialistas (Phipps, 2011), de modo que este texto no tem a pretenso de sanar as eventuais dificul-dades encontradas pelos profissionais da documentao e, tambm, por pesquisadores. A proposta que aqui se coloca apresentar a dimenso fsica do documento txtil em toda a sua complexidade, a fim de colaborar na identificao das entradas necessrias sua docu-mentao na tentativa de cobri-lo integralmente. Esses descritores, portanto, no eliminam a necessidade de detalhar os objetos utilizando os elementos mnimos de praxe rea de documentao (ttulos, dimenses, estado da pea, origem etc.), mas apenas atuar nos cam-pos denominados materiais e tcnicas, que contm os dados cientficos. A boa compreenso do txtil como documento til pesquisa em diferentes reas do conhecimento permitir classific-lo3 com vistas sua ordenao em colees, pois, afinal, para o pblico usurio da informao do museu majoritariamente cientfico justamente essa a entrada vlida para o acesso aos demais dados das peas (Zoreda, 1988, p. 463).

    Esse tipo de procedimento adotado pelos mais importantes acervos de txteis e, inclu-sive, grande parte das bases de dados destas colees de museus est disponvel na inter-net, permitindo sua grande difuso. No Brasil, intenes similares vm sendo pontuadas em diferentes instituies, sobretudo nas universidades e em suas tecidotecas ou modatecas, que veem na informao sobre txteis grandes oportunidades para pesquisas em diferentes nveis de especializao, bem como se utilizam desses acervos para a pesquisa criativa.

    2 Jennifer Harris, Mary Schoeser, Philip Sykas e Susan Meller esto entre os principais autores dedicados ao estu-do atual da histria universal dos txteis.

    3 Mesmo em lngua inglesa, outra difi culdade adicional catalogao a questo do uso de vocabulrio contro-lado. A esse respeito consultar o Textile Museum (Washington DC), que durante oito anos contou com 21 especia-listas de todo o mundo, construiu um thesaurus apropriado para a catalogao de seus mais de 17 mil itens txteis, pois se acreditava que o thesaurus txtil existente no contemplava as necessidades de catalogao do museu.

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    Este artigo se abstm de discutir a questo dos significados simblicos relacionados aos txteis, pois por mais que possam possuir uma existncia fsica precisa em termos de ma-tria-prima e estrutura e, portanto, documentvel objetivamente, o significado dos txteis sua funo e sentido , podem variar de cultura a cultura (Phipps, 2011, p. 3).

    OS TXTEIS COMO DOCUMENTOS

    A definio mais bsica acerca do que um txtil que se trata de um material fabri-

    cado por algum tipo de processo de tecimento. Esta definio derivada do latim raiz

    da palavra txtil, textere, que significa tecer. O termo txtil tambm pode ser aplicado

    a materiais manufaturados pelo entrelaamento de fios, tais como objetos feitos pelo

    tranado, malharia e renda, bem como materiais no fiados, como feltros, nos quais as

    fibras ganharam coeso por tratamentos mecnicos ou processos qumicos. Em casos

    raros, peles, couros e plsticos podem ser considerados txteis, especialmente quando

    usados na manufatura de roupas (Leene, 1972 apud Bittner, 2004).

    Os txteis, como documento, no falam. parte do trabalho do historiador, fazer essas fontes dizer[em] o que elas por si prprias no dizem sobre os homens, sobre as sociedades que as produziram (Fbvre, 1949 apud Le Goff, 1994, p. 540), o que possvel a partir de uma relao entre a sua dimenso material e o contexto no qual se desenvolveram, que deve ser particularmente descrito para cada sociedade.

    Em termos gerais, os txteis podem ser de interesse da sociedade e, portanto, dos mu-seus, porque tm valor histrico, artstico ou etnogrfico. Isso quer dizer que, no primeiro caso, o artefato txtil est conectado a alguma pessoa (seu produtor, idealizador ou proprie-trio) ou evento de maior ou menor importncia histrica; no segundo, seu valor equivale ao de uma produo artstica em decorrncia de sua tcnica, ornamento ou at mesmo de sua autoria, e, por fim, seu valor etnogrfico quando sua existncia conecta-se a alguma produo simblica de determinados grupos sociais.

    Enquanto artefatos funcionais, os txteis so divididos, ainda, em distintos subgrupos: tapearias, costumes (roupas), religiosos e eclesisticos, arqueolgicos e etnogrficos, tape-tes, decorativos (cortinas, estofados etc.), quilts e mantas/cobertores, bandeiras, documen-tos histricos txteis e, por fim, txteis domsticos (Orlofsky; Trupin, 1993, p. 109).

    Considerando que quando um item desta natureza incorporado ao fundo de um mu-seu sua categoria, origem e valor j esto devidamente constatados e por isso se destinam aos museus , ainda assim necessrio document-lo tcnica ou cientificamente. Para Zore-da (1988), cabe ao museu recuperar as informaes fornecidas pelos dados do objeto, para que, tratados, possam ser utilizados pelo usurio do museu.

    Os fundos so formados pelas peas materiais do museu que carregam em si uma infor-

    mao, de acordo com as leis do que nomeamos cultura material. [...] Qualquer objeto,

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    todos os objetos, so portadores de informao e nesse sentido podem ser considera-

    dos documentos. Qualquer objeto possui caractersticas materiais e formais e conserva,

    como signo, as pegadas de uma histria que significativa atravs dele (Zoreda, 1988,

    p. 455-456).

    No que diz respeito aos txteis, para sua documentao e identificao necessrio, an-tes de tudo, saber onde olhar e o que olhar (Sykas, 2007, p. 5). Tanto na sua dimenso mate-rial quanto na visual, os txteis so dependentes das matrias-primas disponveis e tcnicas/tecnologias conhecidas pelos grupos que os produzem, alm do repertrio simblico vi-gente e utilizado na ornamentao. Isso quer dizer que para documentar um artefato txtil, ao invs de descrever sua aparncia como um sintoma da sociedade (iconologia) ou, ainda, tentar encontrar sentidos nela (iconografia) (Meneses, 2003, p. 14), deve-se estar preocu-pado em desvendar sua forma de produo, os recursos utilizados para tal, alm de seu uso pela sociedade na qual circulou.

    Os principais parmetros de interesse e que so comuns a todos os objetos documen-tados pelos museus so o lugar e a data de origem, alm de quem o produziu ou a quem pertenceu, ou seja, tanto a definio de tempo-espao no qual o artefato se situa, quanto a atribuio do valor de interesse, normalmente artstico ou histrico. Essas informaes, em teoria, podem acompanhar o objeto em sua entrada no museu.

    Algumas vezes, entretanto, ns temos somente os txteis sem nenhuma histria,

    nenhuma assinatura, nenhum indcio de sua origem ou provenincia. aqui que ns

    temos que assumir o desafio de reunir uma srie de experincias para colocar esses

    objetos em um contexto, ou em um grupo com outros com os quais eles compartilham

    caractersticas fsicas, tcnicas ou estticas (Phipps, 2011, p. 8).

    Materiais e tcnicas utilizados na sua produo, entrada que tambm comum iden-tificao dos objetos, so verificveis na prpria pea e, para tal, deve-se conhecer previa-mente as tcnicas e materiais txteis existentes, a fim de que se possa proceder docu-mentao adequada. Saber associar tcnicas, matrias-primas, desenhos etc. a diferentes contextos , tambm permitir ao pesquisador relacionar determinada materialidade e vi-sualidade a uma realidade ou sociedade.

    Pode-se considerar essa como a grande dificuldade de trabalhar com itens txteis, pois a diversidade dessa categoria de objetos to ampla em termos de matria-prima, de proces-sos envolvidos na sua produo e ornamentao (Boersma, 2007), bem como da possibili-dade de variaes de tcnicas em um mesmo tempo-espao, que o conhecimento tcnico torna-se necessrio sua compreenso.

    No interessa ao historiador apenas identificar um documento, mas coloc-lo em um contexto e relacion-lo com outros, que com ele compartilham elementos de sua prpria constituio, sejam eles materiais ou no. Nesse sentido, como sugere Michel Focault (1969, p. 14 apud Le Goff, 1994, p. 546), a histria, nos nossos dias, tende para a arqueologia, para

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    a descrio intrnseca do monumento e, portanto, no caso dos txteis, a tecnologia e os re-cursos para a sua produo transformam-se na informao documental principal.

    Os txteis podem ento ser identificados, basicamente, a partir de sua matria-prima, estrutura de tecimento e padro de ornamentao. Essas trs matrizes so combinadas in-finitamente nas variaes previstas em sua natureza material, conformando quase que a totalidade de txteis que conhecemos.

    MATRIA-PRIMA

    Na maioria dos casos, as matrias-primas txteis so as fibras txteis, definidas tecnica-mente como todo elemento de origem qumica ou natural constitudo por macromolculas lineares, com alta proporo entre comprimento e dimetro. Possuem caractersticas que permitem seu tecimento e uso, como flexibilidade e conforto.

    As fibras podem ser categorizadas por muitos critrios, mas o principal deles para a iden-tificao dos txteis sua origem ou obteno, que pode ser compreendida em grupos de fibras naturais, artificiais e sintticas. A sua identificao costuma ser feita por profissionais tcnicos, em laboratrios, com uso de equipamentos apropriados. O reconhecimento pode ser visual (microscpico) j que a aparncia das fibras varia conforme sua origem, mas tam-bm pode ser feita por combusto (as queimas so diferentes conforme a natureza da mat-ria) e por dissoluo, mtodo mais avanado. Com o uso de solventes exclusivos, verifica-se se as fibras foram ou no deterioradas por ele, o que permite identific-las isoladamente e, sobretudo, quando h mistura de fibras.

    As fibras naturais, como algodo, linho, seda, ls, entre outras, sempre esto associa-das ao lugar de sua disponibilidade e cultivo, o que decorre de condies geogrficas e climticas especficas. Com as trocas comerciais, podem ser identificadas algumas transa-es importantes entre regies que no dispem, naturalmente, de determinados materiais, mas somente com o desenvolvimento das fibras artificiais e sintticas, durante as primeiras dcadas do sculo XX, o mercado de fibras txteis homogeneizou-se e a materialidade, por si mesma, deixou de ser definidora do lugar de origem dos txteis.

    ESTRUTURA

    Na maioria dos casos, os txteis possuem alguma estrutura de tecimento, ainda que seja possvel obt-los pela compactao das fibras, dando origem aos tecidos no tecidos ou, em termos gerais, aos feltros.

    De acordo com os princpios das ferramentas ou instrumentos de tecimento, definem-se as categorias ou estruturas. Elas podem ser: tecido plano, tecido de malha, rendas, tapearias e tapetes.

    Cada uma dessas estruturas reconhecvel pela prpria aparncia do tecido, entretanto, individualmente, elas podem ter infinitos ligamentos, ou combinaes na relao entre os fios que as conformam, de modo a produzir tecidos distintos. Dessa forma, o reconhecimen-to do tecimento costuma ser feito pela observao microscpica e pelo seu desmanche, se necessrio e possvel.

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    Independentemente de terem sido fabricadas em teares manuais ou mecnicos, as es-truturas txteis modernas so as mesmas dos tecidos produzidos artesanalmente. Embora, obviamente, a materialidade possa revelar seu modo de produo, sobretudo porque os processos mecanizados deram novas solues tcnicas a alguns procedimentos manuais, na maioria das vezes necessrio relacionar o txtil ao seu espao-tempo de origem para entender seu sistema produtivo.

    ORNAMENTAO

    A ornamentao dos txteis paralela ao desenvolvimento das tcnicas de tecimento e, tambm, de tratamento de seus materiais. Elas podem ser prprias das estruturas de te-cimento, quando normalmente se utilizam fios de cores diferentes, ou podem ser realizadas aps o tecimento, com tcnicas de colorao (tingimento ou estamparia) ou de aplicao de elementos externos (bordados).

    O padro de ornamentao deve ser identificado nos txteis por dois caminhos. O pri-meiro, relativo tcnica e o segundo, esttica, ou seja, definindo qual o tipo de elemento, sua disposio, cores etc. que serve ornamentao.

    Sobre o primeiro caso, as tcnicas ornamentais esto vinculadas estrutura de teci-mento, ou seja, so dependentes dela. As principais estruturas de base so o tecimento plano (que d origem ao brocado, ao damasco e a outras variedades), a tapearia, os tapetes (soumak, kilim e com ns), as rendas (de laada, tranadas, toro ou ns), as malhas e as redes. As formas de ornamentao posterior ao tecimento, que se d com o tecido j pronto, so o bordado (com corte ou desfiados, aplicaes, com elementos ou com fios) e a estamparia e/ou tingimentos (tie-and-dye, ikat, katagami, blocos e batik) (Harris, 2010).

    Os padres ornamentais, por sua vez, so classificados conforme o tipo de elemento que utilizam e so denominados tema.

    Nos primeiros estudos sobre a classificao dos ornamentos txteis, que datam do in-cio do sculo XIX, as bases conceituais utilizadas dirigiam-se aos estudos dos estilos arqui-tetnicos e, tambm, das referncias culturais utilizadas, por exemplo, persas, bizantinos, chineses etc. No incio do sculo XX, em virtude do avano tecnolgico que possibilitou a utilizao de um maior nmero de elementos e, tambm, em decorrncia da mudana de padro esttico, grande repertrio de formas geomtricas, elementos abstratos e novos figurativos foram incorporados aos txteis. Assim, muitos estilos cuja tipologia era bem definida, foram homogeneizados e nomeados, por exemplo, como florais ou como tnicos.

    Por essa razo, diferentemente do que ocorre com as tcnicas e matrias-primas, a iden-tificao dos padres ou temas de ornamentao deve ser sincrnica ao seu tempo de pro-duo e, preferencialmente, deve buscar a referncia do lugar de origem. Caso seja necess-rio, essa entrada pode ter mais de uma descrio.

    Em The chronology of pattern, Diana Newall e Christina Unwin (2011) apresentam essas classificaes dos ornamentos aplicadas no s a txteis, mas tambm a outros artefatos, apontando os elementos preferenciais em cada contexto. Basicamente, o repertrio de ele-

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    mentos para a ornamentao txtil4 (independentemente de sua tcnica) composto por elementos do mundo natural (folhas, rvores, frutas, ramos), flores naturalsticas ou estili-zadas (dispersas, em cestas, em ramos, em fundos geometrizados, em guirlandas, em fitas), fauna (insetos, borboletas, vida marinha, pssaros, cisnes e gansos, paves, cavalos, elefan-tes, animais mitolgicos), formal (ogiva, crculo, roseta e diamante), boteh, paisley, formas geomtricas (zig-zag, polgonos, quadrados, diamantes, trelias, ondas, crculos, listras), abs-tratos e figurativos (Edwards, 2009).

    Uma das grandes dificuldades enfrentadas pela documentao dos txteis, contudo, o fato de o vocabulrio de tcnicas, materiais e inclusive de ornamentos estar sujeito a gran-des variaes. Em lngua portuguesa, esse problema ainda maior devido inexistncia de uma bibliografia consistente que descreva os tecidos, sobretudo em termos histricos. Essa heterogeneidade na interpretao dos txteis provoca um dos principais problemas na sua documentao que a variedade de termos vigentes e, desse modo, dificulta o acesso s suas informaes.

    O thesaurus desenvolvido para o Textile Museum em Washington, por exemplo, dedicou-se a consolidar as informaes teis sua prpria coleo, preocupando-se em adicionar equivalncias entre termos (para substituir termos eventualmente utilizados por termos pre-feridos automaticamente), bem como criar um sistema que permita a expanso e incluso de termos a partir de hierarquias (Anderson, 2006). Procedimento similar na catalogao dos txteis do acervo identificado no acervo do VADS The Online Resource for Visual Arts da University for the Creative Arts (Reino Unido).

    TECNOLOGIAS TXTEIS, UMA OBSERVAO

    Como vimos, os txteis podem ser identifi cados por meio de suas principais determinan-tes matria-prima, estrutura e ornamentao , s quais podem ser adicionadas outras, como as cores (principalmente porque nos txteis o tipo de corante utilizado uma informao mui-to relevante para sua anlise), o tipo de artefato construdo com o tecido etc. O conhecimento sobre as tcnicas e tecnologias txteis de produo, como os tipos de ferramentas, teares ou destrezas necessrias, requerem, alm de um nvel de especialidade maior ainda, a percepo da transformao tcnica da produo de txteis ao longo da histria da humanidade.

    A ao do desenvolvimento tecnolgico em relao aos txteis se deu, sobretudo, no avano da qumica e da engenharia mecnica. Esses setores auxiliares colaboraram para o desenvolvimento de novas matrias-primas e para o aprimoramento das tecnologias de co-lorao e de tratamento de txteis e, tambm, para a mecanizao dos teares e automao de operaes, tornando os equipamentos mais velozes e eficientes, alm de aptos a produ-zirem tecidos mais elaborados.

    4 No esto sendo elencados aqui os padres comuns aos tapetes orientais e europeus, por pertencerem a outra cultura ornamental que detm classificao prpria.

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    Em termos estruturais, contudo, os tecidos produzidos atualmente seguem os mesmos princpios daqueles produzidos h dois ou trs sculos. Muitas das tcnicas manuais de pro-duo de txteis no puderam ter uma tecnologia equivalente desenvolvida e, eventual-mente, o que se tem so tecidos que imitam a aparncia daqueles que lhes serviram de referncia.

    CONSIDERAES FINAIS

    Se o documento no qualquer coisa que fica por conta do passado, um produto da sociedade que o fabricou segundo as relaes de foras que a detinham o poder (Le Goff, 1994, p. 545), tem-se a principal chave para abordar os txteis como documentos, a partir de sua materialidade dentro do tempo-espao ao qual pertencem.

    Devido ao encantamento visual que os txteis despertam, imagina-se, a pesquisa que prioriza seu valor simblico parece ainda predominante, mas talvez resumida s explicaes sobre as preferncias de determinados tecidos em detrimentos de outros, em contextos es-pecficos, ou seja, limitando os txteis a um papel de elemento de distino social. Acredi-tando, ao contrrio, que as relaes sociais permeadas por txteis que se estabelecem entre os indivduos, esto intimamente conectadas forma de produzi-lo da sua idealizao materialidade resultante , possvel que os pesquisadores ampliem ainda mais as possibi-lidades de sua pesquisa.

    Essas informaes devem ser disponibilizadas pelos acervos, de modo que urgente e necessrio contar com o trabalho de profissionais especializados aptos a descrever os docu-mentos txteis, alm, obviamente, da necessidade de preserv-los, atribuio, tambm, de especialistas.

    Este trabalho, de tal modo, procurou apenas apresentar a relevncia dos txteis para a pesquisa histrica, bem como a complexidade dessa natureza documental, que requer tratamento especializado e investimento altura, e no se prope, em hiptese alguma, a substituir essa especialidade.

    A materialidade txtil, enquanto matria e fatura, pode ser fonte de informao para os historiadores, pois ela capaz de revelar toda a estrutura social qual pertence. O txtil, que acompanha o humano em todos os rituais, do nascimento morte (Gordon, 2011), um documento no escrito com o qual se pode fazer histria: numa palavra, como tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, demons-tra a presena, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (Le Goff, 1994, p. 540).

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    Recebido em 15/7/2013Aprovado em 10/10/2013