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Sobre a função do Design Gráfico brasileiro e alguns aspectos de sua trajetória, formação acadêmica e prática profissional Bianca Martins Professora do Instituto INFET Mestre em Design pela PUC-Rio [email protected] Resumo Este texto explora o campo do Design Gráfico brasileiro percorrendo sua trajetória, formação acadêmica e prática profissional. Aponta-se no decorrer deste histórico, pontos de convergência e divergência de idéias entre as concepções hegemônicas do Design e o papel social do designer gráfico. Palavras-chave: Design Gráfico; História do Design; Papel Social Conceituando Inicialmente, considero conveniente expor quais são as concepções que adoto acerca dos objetivos do Design Gráfico. Acredito que a razão de ser de uma peça de Design Gráfico é essencialmente comunicar através de mensagens visuais, ou seja, toda peça desta natureza nasce da necessidade de transmitir uma mensagem específica. Por isso, acredito que a definição e denominação mais apropriadas para a área são as aportadas por Jorge Frascara - designer, professor e autor - quando se refere ao “Design de Comunicações Visuais”, já que neste caso estão presentes três elementos necessários para definir uma atividade: um método: Design; um objetivo: Comunicação e um campo: o Visual” (Frascara, 1988, 21). Portanto entendo que ao analisar uma peça de design gráfico é importante considerar que a sofisticação visual deve estar associada a uma comunicação eficaz. Partindo deste ponto de vista o estilo exerce uma função que deve estar vinculada às exigências do projeto. Nesta concepção devemos pensar numa ação mais do que num objeto: o designer planeja essencialmente um evento, um ato com determinada duração, no qual o destinatário (o usuário) co-atua com o design, produzindo a comunicação. O objetivo do designer de comunicações visuais é, então, estruturar o Design de situações comunicacionais. Estas situações se destinam a afetar o conhecimento, as atitudes, as opiniões e o comportamento das pessoas.

ARTIGO Traj Des Grafico Brasileiro

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ARTIGO Traj Des Grafico Brasileiro

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  • Sobre a funo do Design Grfico brasileiro e alguns aspectos de sua trajetria, formao acadmica e prtica profissional Bianca Martins Professora do Instituto INFET Mestre em Design pela PUC-Rio [email protected] Resumo Este texto explora o campo do Design Grfico brasileiro percorrendo sua trajetria, formao acadmica e prtica profissional. Aponta-se no decorrer deste histrico, pontos de convergncia e divergncia de idias entre as concepes hegemnicas do Design e o papel social do designer grfico. Palavras-chave: Design Grfico; Histria do Design; Papel Social Conceituando Inicialmente, considero conveniente expor quais so as concepes que adoto acerca dos objetivos do Design Grfico. Acredito que a razo de ser de uma pea de Design Grfico essencialmente comunicar atravs de mensagens visuais, ou seja, toda pea desta natureza nasce da necessidade de transmitir uma mensagem especfica.

    Por isso, acredito que a definio e denominao mais apropriadas para a rea so as aportadas por Jorge Frascara - designer, professor e autor - quando se refere ao Design de Comunicaes Visuais, j que neste caso esto presentes trs elementos necessrios para definir uma atividade: um mtodo: Design; um objetivo: Comunicao e um campo: o Visual (Frascara, 1988, 21). Portanto entendo que ao analisar uma pea de design grfico importante considerar que a sofisticao visual deve estar associada a uma comunicao eficaz. Partindo deste ponto de vista o estilo exerce uma funo que deve estar vinculada s exigncias do projeto.

    Nesta concepo devemos pensar numa ao mais do que num objeto: o designer planeja essencialmente um evento, um ato com determinada durao, no qual o destinatrio (o usurio) co-atua com o design, produzindo a comunicao. O objetivo do designer de comunicaes visuais , ento, estruturar o Design de situaes comunicacionais. Estas situaes se destinam a afetar o conhecimento, as atitudes, as opinies e o comportamento das pessoas.

  • a partir do usurio, que ocupa posio central neste tipo de projeto, que o designer deve fazer suas escolhas. Citando Frascara, neste caso, as decises envolvidas no processo de Design se localizam num campo criado entre a realidade atual das pessoas e a realidade que se deseja concretizar aps a interao destas pessoas com as mensagens (Frascara, 1997).

    possvel ampliar estes conceitos para outras reas que abarcam um processo de Design Grfico na tentativa de evidenciar as funes de afetar o conhecimento, o comportamento, as opinies ou a conduta das pessoas. Como exemplo temos a propaganda poltica que procura influir na opinio e nas aes das pessoas; os sinais de trnsito que modificam o comportamento dos que deles se utilizam organizando o fluxo de veculos; os materiais educativos que atuam sobre o conhecimento, otimizando a tarefa educativa, e os smbolos de segurana na indstria que afetam a conduta dos operrios, visando reduzir os acidentes de trabalho. Com esta concepo percebo que possvel alargar a viso normalmente percebida da profisso, que tem sua imagem atual subjugada ao sistema comercial. Mapeando o terreno Numa tentativa de esboar um histrico do Design, Souza (1997) argumenta que as mudanas ideolgicas, sociais, culturais e polticas aportadas pelas revolues francesa e americana e as facilidades produtivas oferecidas pela Revoluo Industrial, de certa forma fizeram com que as pessoas da idade Moderna passassem a conceber o mundo como um espao a ser conquistado, como um provedor disponvel e fonte inesgotvel de recursos para a concretizao de seus sonhos e obras.

    O Design moderno (e aqui incluo o Design Grfico moderno) fruto das intensas mudanas sociais e produtivas desta poca. A prpria figura do designer, tal como hoje a concebemos, emerge do processo produtivo a partir da necessidade de aliar os conhecimentos da arte e da tcnica para configurar e adaptar, com mais eficcia, os produtos para a fabricao em srie. O aumento da produo e da concorrncia entre os produtos gerou a necessidade de informar sobre eles e sobre suas diferenas, estimulando estratgias persuasivas para levar ao consumo preferencial de determinados produtos. Neste campo, o design dos bens de consumo e o design de objetos grficos (embalagens, revistas, anncios, cartazes) contriburam para estimular a compra e a venda da produo industrial. Como conseqncia de importantes fatores de ordem econmica e social criou-se um padro de uso dos bens naturais sem freios, que associo ao consumismo. Por outro lado, com o desenrolar de interaes sociais complexas e, grosso modo, atravs de estratgias persuasivas, argumenta-se que os trabalhadores das cidades passaram a crer que suas necessidades (simblicas, individuais, sociais, etc.) seriam satisfeitas atravs do consumo. Reforando esta idia, a venda da fora de trabalho terminou por conferir ao indivduo, atravs do salrio, a condio de consumidor.

    Este quadro se acentua na Ps-modernidade com a descrena nas metanarrativas, com a valorizao do individualismo, com a busca pela identidade pessoal e tambm com a idia de que tudo pode ser mediado por seu valor de troca (Lyotard, 1989). A partir de ento, o indivduo passou a

  • participar de um contexto capitalista onde consumir representa comunicar e em decorrncia disso grandes marcas internacionais passaram a constituir parte importante das identidades pessoais (Klein, 2001). Trajetria do Design Grfico brasileiro: uma tradio autntica Dependendo da diretriz que adotada pode-se dar pontos de partida completamente diferentes ao Design Grfico nacional. Uma corrente comprometida com o Modernismo costuma relacionar o surgimento do Design brasileiro aos desdobramentos desta poca com as experimentaes do Instituto de Arte Contempornea do MASP em 1951 e a inaugurao da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) em 1963. O termo Design s se aplicaria s situaes posteriores a estes marcos. Em contrapartida, outra linha de pensamento argumenta que o que ocorreu nesta fase, mais precisamente, foi uma ruptura: surgiu a conscincia do Design como conceito, profisso e ideologia, sendo equivocado pensar que o Design propriamente dito (atividade projetual relacionada produo e ao consumo em larga escala) tenha surgido nesta poca (Cardoso, 2005; Cunha Lima, E. L., Cunha Lima, 2003).

    Ao negar a existncia de um Design brasileiro anterior aos anos 1960 tambm estamos negando as linguagens e solues projetuais existentes no Brasil no sculo dezenove que no derivam de uma matriz estrangeira reconhecida (construtivismo, De Stijl, Bauhaus, Ulm), e que so representativas de uma tradio brasileira rica e variada que assimilou e conciliou influncias dspares no longo processo histrico de formao da identidade nacional, desde o fim do perodo colonial (Cardoso, 2005). Em busca de identidade e dignidade Anos 50 O surgimento moderno do conceito de designer no pas ocorre, portanto, num contexto onde tem-se por um lado o ensino e por outro um grande surto desenvolvimentista brasileiro. Para Gui Bonsiepe, que analisa o processo na regio, nesta fase o designer latino americano teve uma atuao secundria, cosmtica, sem influir decisivamente na produo industrial (Bonsiepe: 11, 1997). No entanto, no cenrio internacional dominam as temticas do discurso projetual sobre a produtividade, a racionalizao e a padronizao no caso europeu, enquanto nos EUA ps-guerra, intensificam-se as estratgias de consumo, com o styling, propondo, em vez da durabilidade, a rpida substituio dos modelos por outros mais atuais.

    Anos 60 Este excesso de produtos inunda os mercados mundiais, levando a uma

    crtica radical sociedade de consumo. Em vrios discursos nota-se a esperana de uma alternativa de Design, uma nova cultura de produtos e possibilidades nas economias planificadas. Vislumbra-se uma sociedade que poderia

  • desenvolver uma outra cultura material dentro de um mundo de consumo, porm no de consumismo. Como reao surgem movimentos de contra-cultura que valorizam experimentaes grficas em xerox e colagens de fotografias que no Brasil se misturaram com os protestos contra o regime ditatorial implantado em 1964, exemplificados pelo jornal O Pasquim. Se na Califrnia dos anos 1960-70 surge um movimento hippie pregando paz e amor produzindo cartazes psicodlicos resgatando fontes e ornamentos Art Nouveau (Farias, 2001), no Brasil temos o Tropicalismo de Gil e Caetano com capas de discos nesta mesma linha. O Design racionalista recua aproximando-se da cultura popular.

    As reaes no prprio campo do Design Grfico tornam-se explcitas no manifesto First Things First liderado pelo designer ingls Ken Garland em 1964. O documento levantava questes como a misso do designer grfico, a necessidade de questionamento da ordem vigente e o papel do designer como um formador de opinio com um discurso ativo na produo de contribuies significativas sociedade (Holland, 2001).

    Anos 70 Bonsiepe argumenta que foi nos anos 1970 que o tema da tecnologia

    apropriada entrou no discurso projetual e pela primeira vez foi criticada a idia da Boa Forma e do Bom Design herdadas do racionalismo modernista. Partindo da crtica teoria da dependncia, argumentou-se em favor de um Design prprio: o contraste scio-econmico entre os pases centrais e os perifricos levou a questionar a validade de interpretaes do Design radicadas nas economias industrialmente avanadas. No era s o PIB que permitia classificar os pases em dois grandes grupos, mas tambm o efeito corrosivo da industrializao, caracterizado principalmente pelo abismo entre uma minoria orientada ao modelo de consumo dos pases centrais e uma maioria marginalizada, vegetando num nvel mnimo de subsistncia (Bonsiepe, 1997).

    Estas profundas fissuras nas sociedades perifricas conferem ao debate do Design na periferia uma inevitvel dimenso poltica. Para os pases perifricos os problemas do Design revestem-se de um forte carter scio-poltico que se sobrepe s questes tcnico-profissionais do campo, mesmo que grande parte de nossos profissionais no tenha esta viso.

    Outra importante voz que se fez ouvir nesta poca foi a do designer Victor Papanek, que em 1972 publicou seu polmico livro Design for the Real World, no qual fez a famosa declarao de que existem profisses mais danosas que o Design industrial, porm somente muito poucas (Papanek, 1972). Usando o exemplo de um escritrio de concepo de projetos orientado para o setor social, Papanek proporciona longas listas de produtos que tratam de necessidades deste setor. Entre estes, esto a assistncia ao ensino de todas as classes incluindo projetos que visam transferir conhecimentos e habilidades a pessoas com dificuldades de aprendizagem e auxlio a incapacitados fsicos; treinamento para pessoas de baixa renda que tentam progredir profissionalmente; dispositivos de diagnstico mdico, equipamento de hospitais e ferramentas dentais; equipamento e mobilirio para hospitais mentais; dispositivos de segurana para o lar e para o trabalho e dispositivos

  • que tratam de problemas de contaminao. Alguns destes produtos, particularmente equipamentos mdico-hospitalares, j so bastante estudados e tambm produzidos, porm existem muitos outros que no esto em linha de produo porque no foi identificado um produtor interessado que viabilize sua insero no mercado. Ao contrrio de Ken Garland, o texto de Papanek alcanou uma audincia extensa, trazendo a questo para discusso entre os designers brasileiros. Teve grande influncia na determinao do conjunto de projetos a serem desenvolvidos nas escolas de Design de produto sendo igualmente discutido e estudado nos cursos de arquitetura.

    Anos 80

    Nessa dcada rica em reflexes, outro problema que entrou em pauta

    foi o da identidade do Design. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que se nota uma procura apaixonada pela identidade do Design nacional, as referncias projetuais, tanto na rea grfica quanto na de produtos permaneciam sendo (e talvez ainda permanea) os produtos dos pases centrais. A falta de know-how tcnico sobre processos de fabricao contribua para o risco de um design de pouca qualidade. Como aponta Bonsiepe, h um elo entre identidade e dignidade j que a busca de identidade motivada pelo desejo de autonomia, ou seja, pela busca pelo poder e pela capacidade de determinar o prprio futuro (Bonsiepe, 1997).

    No final dos anos 1980, ocorreu no Brasil a discusso intensa e apaixonada sobre a adoo da denominao Design para a profisso, substituindo os termos Desenho Industrial, Comunicao Visual ou Programao Visual em vigncia nos vinte anos anteriores. Mais do que uma escolha pura e simples, a questo mobilizou os designers que se dividiram em discusses acaloradas, nas quais um dos temas centrais era a identidade nacional do Design de um lado e do outro o interesse de adotar uma identidade internacional, linha que acabou vencendo a disputa. Esta dcada viu o incio da informatizao dos meios projetuais nos pases centrais, ocasionando mudanas formais que dominaram o cenrio das discusses dos profissionais. O refinamento formal e a experimentao com novos materiais trouxeram de volta a questo do estilo, onde os objetos e expresses de Design foram elevados a artigos de culto. Anos 90

    Nos anos 1990 aparecem no cenrio global questes relativas

    compatibilidade ambiental e ao desenvolvimento sustentvel. Tem-se um retorno questo da tecnologia apropriada e s preocupaes com o desenvolvimento orientado s necessidades dos pases. Estes fatores se refletem no ideal de Gesto de Design: valorizao da viabilidade tcnica e financeira local e a adequao de materiais visando a sustentabilidade ambiental. Ao final da dcada, este conceito se aprimora e hoje a Gesto de Design perpassa a prpria questo da forma, de viabilidade de produo sustentvel de produtos ou de comunicaes visuais, englobando a manuteno da imagem da empresa. Alguns autores argumentam que os escritrios de Design devem vender viso,

  • estratgia e posicionamento de empresas. a prpria concepo do designer como consultor, e do Design como Business. A informatizao ultrapassou as fronteiras tornando possvel ao designer dos pases perifricos o acesso aos mesmos meios de projetao de seus colegas dos pases ricos. Uma nova ateno a manifestaes urbanas de cunho popular trouxe para o Design elitizado da dcada anterior um contato com referncias advindas da cultura brasileira, processo que ps em marcha novas discusses sobre a identidade do Design nacional. Neste quadro, as pesquisas acadmicas sobre a histria do Design brasileiro tambm vm contribuindo para matizar o conhecimento e os limites sensveis do campo.

    2000... Atualmente, o Design Grfico conseguiu se consolidar perante a

    sociedade brasileira como fator que proporciona eficincia comunicao se caracterizando como um diferencial competitivo entre empresas. Mas no h somente fatores positivos a se destacar na histria recente do Design: existem questionamentos ainda sem resposta quanto sua misso, quanto existncia de uma Teoria do Design, quanto determinao de seu campo de ao (a despeito de sua onipresena na vida cotidiana) e questo enfatizada neste texto que se refere ao seu papel social. Sobre a formao acadmica A escolha de como e a partir de que critrios um designer vai exercer a profisso est condicionada conduta tica, pessoal e particular de cada profissional. Esta uma questo que todos enfrentam ao entrar no mercado, em qualquer campo de ao. No caso do designer, no entanto, acredito sua formao empobrecida pela falta de viso da possvel contribuio que seu saber poderia oferecer para a melhoria das condies de vida de seus semelhantes.

    Mas abordar tal assunto no tarefa simples. Talvez alguns problemas da formao brasileira em Design possam ser mais bem esboados ao analisarmos o contedo acadmico atravs da nfase dada aos ncleos temticos (oferecidos pelas Diretrizes Educacionais para o Ensino Universitrio de Design da Comisso de Especialistas em Design da Secretaria de Educao Superior do MEC CEEDesign 1999). Os ncleos temticos so: Fundamentao, Planejamento e Configurao, Sistemas de Utilizao, Sistemas de Produo.

    Neste conjunto esto notavelmente marginalizados os assuntos que tratam do contexto histrico, social e cultural de cada localidade (Martins, 2003). Esse fato ajuda a explicar a falta de compromisso do profissional sobre o seu papel na sociedade. Desconhecendo os problemas de seu contexto social, um profissional que dedicou alguns anos de sua vida construo de uma carreira no preparado para aplicar os conhecimentos metodolgicos, produtivos e sua capacidade de afetar o conhecimento das pessoas para

  • proporcionar benefcios efetivos a seus usurios. E que usurio seria este? Pouco se estuda ou se conhece o mbito do

    usurio, o que depende de conhecimentos sobre estudos das relaes psicolgicas, ergonmicas e comportamentais que esto presentes na ocasio onde um usurio interage com um objeto de Design. Centrando a imagem do usurio na sua prpria imagem, o designer sai para o campo de trabalho munido de uma viso narcisista de seu pblico, despreparado para encontrar o outro, o diferente dele. Sabe-se que numa economia de mercado, o Design encontra um extenso campo de trabalho justamente em sua ativao, porm limitando-nos a responder exclusivamente a estes requerimentos, faramos com que o designer grfico operasse exclusivamente num terreno delineado por interesses comerciais de curto prazo.

    Como esta discusso pretende ir alm da anlise da formao de um designer responsvel e cidado chegando at a esfera que discute como um designer pode, de fato, desenvolver trabalhos que estejam direcionados abordar alguns problemas agudos da sociedade brasileira, no se pode deixar de apontar que, no Brasil, a presso do mercado de consumo - onde se insere a grandssima parte da prtica profissional - j to condicionante do futuro do aluno de Design que no lhe resta alternativa seno trabalhar nesse campo.

    Trata-se de um problema complexo e reconheo que o designer grfico sozinho no pode mudar esta situao. A discusso transcende esta questo j que seria necessrio encontrar setores onde exista uma demanda que possa patrocinar um trabalho voltado soluo de problemas comunicacionais das populaes desfavorecidas, tais como a produo de material didtico, estratgias para abordar acidentes de trnsito, problemas de sade, violncia ou a divulgao de informaes que facilitem o acesso do cidado a seus benefcios concedidos por lei.

    Defendo que o lugar em potencial para realizar este tipo de trabalho e/ou pesquisa dentro das prprias universidades. Alm de mencionar a importncia das linhas de pesquisa, acredito que uma formao, em qualquer que seja seu nvel, deve ocupar-se principalmente de formar cidados. Desta maneira, cremos que um importante passo seria dado se durante a formao fossem oferecidos contedos que abordassem a relevncia do papel do Design para sociedade, j que estes profissionais sero capacitados para trabalhar em campos onde (tambm) se pode tentar encarar as necessidades urgentes da vida humana. Sobre a prtica profissional Se o ensino do Design cheio de percalos, no menos o sua prtica profissional. Alguns podem argumentar que o Design uma atividade elitista por natureza, j que com os desdobramentos da industrializao no sculo dezenove, apenas uma pequena parcela da populao foi beneficiada com objetos bem projetados. Porm, inegvel que progressivamente a populao passou a ter acesso a estes bens tendo a atividade do Design se consagrado como mediadora nata entre projeto, fabricao e usurio. Resta o questionamento da real abrangncia do Design: , de fato, acessvel a todos?

    Nos ltimos anos, a rea de atuao do Design no Brasil tem se

  • modificado bastante com o acirramento entre os mercados nas mudanas trazidas pela globalizao. Assim, o Design Grfico atual tem a caracterstica de ser bastante dependente dos pr-requisitos do marketing e da publicidade. Por outro lado, os designers ainda no esto sendo universalmente empregados pelo servio pblico, por exemplo, onde poderiam atuar em reas que so operadas por no-especialistas. Ao contrrio, em pases centrais onde o Design j se incorporou ao cotidiano como disciplina de projeto e planejamento e seu papel como metodologia para abordagem de problemas tem aumentado, a presso para que seja utilizado como instrumento de venda tende a ser contrabalanada por um uso mais consciente de suas possibilidades.

    O cliente por muitas vezes costuma recomendar que se siga determinado modelo j previamente reconhecido, testado e aceito geralmente nos pases centrais demonstrando seus vcios culturais e pouca confiana na capacidade de leitura simblica do usurio. O resultado que acabamos empurrando para o mercado uma vasta gama de produtos pasteurizados, demasiadamente semelhantes: falta-nos segurana para incorporar, sempre que pertinente, os cdigos culturais genunos de nossa nao (Escorel, 2000). As empresas no costumam investir em pesquisa nem mesmo em testagem dos prottipos. Se de um lado a explicao pode ser o uso do modelo consagrado, por outro justo reconhecer que no recebem incentivos governamentais para se aventurarem em novas abordagens, a exemplo de outros pases.

    Acrescento ainda, o j comentado imediatismo dos apelos comerciais: os trabalhos geralmente so para ontem. De certa forma, importante admitir que esta caracterstica acabou ampliando o escopo de nossa ao profissional, porm a um alto custo: no h tempo nem dinheiro para pesquisar e testar solues mais adequadas para as necessidades de um determinado grupo de usurios. Assim, s vezes, sabemos como desenvolver um projeto eficiente, porm no existe tempo hbil para execut-lo. Esta questo costuma ser complicada para o designer, caracterizando-se como um dilema tico, porque est no limiar de sua responsabilidade social como profissional. Concluso Volto questo: o Design: , de fato, acessvel a todos?

    No decorrer desta trajetria do Design Grfico brasileiro, analisou-se diferentes questes que contribuem para um esvaziamento das preocupaes em aportar projetos ou pesquisas significativas que proponham solues para os problemas de nossa sociedade, encontrando um verdadeiro papel social do designer grfico.

    Falta-nos compreender que a primordial misso do Design Grfico comunicar visualmente fator que nos leva a ter responsabilidade sobre o qu, para quem e como estamos comunicando.

    Torna-se cada vez mais importante o domnio de conhecimentos relativos s razes nacionais do Design valorizando a cultura brasileira numa tentativa de resgate contnuo de nossa dignidade, o que se materializa em temticas de fundamentao em aspectos socioculturais e histricos. Temos, no campo do ensino, a importao e difuso de modelos pedaggicos que ignoram quais as demandas da sociedade brasileira com relao atuao dos

  • profissionais. Por outro lado, verifica-se que a valorizao de maneirismos estticos se d muitas vezes em detrimento da efetividade da comunicao. Finalmente, possvel responder a questo com uma afirmativa, desde que consideremos principalmente o Design Grfico voltado para as necessidades do comrcio e da indstria e que o pblico a atingir com estas mensagens seja o de consumidores. Em alguns setores de ordem cultural podemos notar um avano, destacando-se a indstria editorial.

    Mas se tivermos como objetivo ir alm, contribuindo para a sade, educao e qualidade de vida dos brasileiros, temos que reconhecer que o caminho ainda no foi suficientemente demarcado. E pior ainda, a menos que ocorram mudanas urgentes na formao profissional, possvel que os designers grficos no estejam preparados para atender a este desafio, para o qual nem ao menos esto alertados.

    Cabe, portanto, como sugeri no decorrer deste artigo, uma atribuio importante s universidades, estudando e se empenhando em propor solues para estes problemas e divulgando-as entre os jovens na tentativa de consolidar o papel social do Design. Referncias BONSIEPE, G. Design do material ao digital. Florianpolis: FIESC/IEL, 1997 CARDOSO, R (org.). O design brasileiro antes do design. So Paulo: Cosac Naify, 2005. CUNHA LIMA, E. L., CUNHA LIMA, G.. Panorama de ensino de design grfico no Brasil In O valor do Design. So Paulo: Ed. SENAC S. P., 2003. ESCOREL, A. O efeito multiplicador do Design. So Paulo: Ed. SENAC S. P., 2000. FARIAS, P. Tipografia Digital. Rio de Janeiro: 2AB, 2001. FRASCARA, J. Diseo grfico para la gente. Buenos Aires: Infinito, 1997. _______. Diseo grfico y comunicacin. Buenos Aires: Infinito, 1988. CEEDesign / SESu / MEC. Diretrizes Curriculares para Cursos de Graduao em Design, Braslia,. 1999. HOLLAND, DK. Kepping Promisses: The impact of Brands on society. In Design Issues. Canada: Allworth Press, 2001 KLEIN, N. No logo: el poder de las marcas. Barcelona: Paidos, 2001. LYOTARD, A Condio Psmoderna. Lisboa: Gradita, 1989. MARTINS, B. Analisis de la formacin universitaria brasilea. In El rea de Conocimiento del Diseo Grfico. Universidad de Sevilla, 2003. PAPANEK, V. Disear para el mundo real. Madrid: Blume, 1972. SOUZA, P. Notas para uma histria do design. Rio de Janeiro: 2AB, 1997.

    Sobre a funo do Design Grfico brasileiro e alguns aspectos de sua trajetria, formao acadmica e ResumoConceituandoMapeando o terrenoTrajetria do Design Grfico brasileiro: uma tradio autnticaEm busca de identidade e dignidadeSobre a formao acadmicaSobre a prtica profissionalConcluso Referncias