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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014
AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO GOVERNO DILMA: TRAJETÓRIA ERRÁTICA?
MARCELO FRAGANO BAIRD
2
Painel 23/068 Gestão pública no Governo Dilma: balanço preliminar
AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO GOVERNO DILMA:
TRAJETÓRIA ERRÁTICA?
Marcelo Fragano Baird
RESUMO O objetivo do presente trabalho é analisar o tratamento dado pelo governo Dilma Rousseff às agências reguladoras, observando seu posicionamento e suas principais iniciativas. Uma das principais inovações institucionais da reforma do Estado em meados da década de 1990, o modelo de agência reguladora é, desde seu nascimento, alvo de importantes debates públicos no país. Tendo como pano de fundo a ampla discussão realizada a respeito do papel das agências desde seu surgimento, no governo Fernando Henrique Cardoso, passando pelo governo Luís Inácio Lula da Silva, o artigo pretende analisar, de maneira preliminar, se esse tema foi prioritário na agenda governamental e se houve uma estratégia clara sobre como conduzir a matéria. O estudo foi feito com base no levantamento exaustivo das ações na área no governo Dilma, no acompanhamento de periódicos e em conversas informais com os principais formuladores da área no governo federal. Concluiu-se, pelo baixo número de ações na área e pela forma errática com que o tema foi encaminhado, que o governo Dilma não priorizou a discussão sobre as agências reguladoras, assim como não apresentou uma visão clara sobre o papel das agências.
3
1 INTRODUÇÃO
A criação das agências reguladoras no Brasil constitui a maior inovação
institucional no aparelho do Estado do país nas últimas décadas. O surgimento das
primeiras agências na segunda metade da década de 90 e sua rápida proliferação
nos três níveis da federação indicam o sucesso e a boa aceitação que essa nova
modalidade institucional teve na configuração político-institucional do Brasil.
A rápida difusão das agências reguladoras no país esconde, no entanto,
um amplo e polarizado debate a respeito do próprio modelo que as agências devem
ter. De maneira geral, pode-se afirmar que o formato institucional das agências
reguladoras pouco mudou desde sua criação. Não obstante, desde o governo Luiz
Inácio Lula da Silva, esse modelo vem sendo posto em xeque por uma outra visão
acerca do papel que as agências devem ter no âmbito do governo federal. O esforço
de mudança no modelo das agências reguladoras está consubstanciado no Projeto
de Lei no 3337/2004, proposto no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas
que não foi aprovado até o momento.
Três características da presidente Dilma Rousseff e seu governo
indicavam que as iniciativas de mudanças no modelo das agências seriam mantidas
ou intensificadas. Em primeiro lugar, tratava-se de um governo de continuidade, na
medida em que a presidente é do mesmo partido que seu antecessor. Em segundo
lugar, o forte viés gestor da presidente deixava entrever que mudanças significativas
ocorreriam na administração pública, incluindo transformações no modelo
institucional das agências. Por fim, a própria direção mais ampla do governo no
sentido de aperfeiçoar as condições para o desenvolvimento econômico do país
permitia supor que mudanças no ambiente regulatório perpassariam por alterações
no modelo das agências.
O presente artigo busca fazer um balanço preliminar das iniciativas da
gestão Dilma Rousseff em relação às agências reguladoras. Espera-se, desta forma,
obter um quadro mais claro a respeito de como o tema foi conduzido no governo
Dilma e se as eventuais mudanças implicaram efetiva reestruturação do modelo
brasileiro de agências reguladoras.
4
Inicialmente, o artigo reconstituirá de forma sucinta o contexto de criação
das agências reguladoras, mostrando que, desde o início, o modelo das agências
não estava claro nem mesmo para os principais atores no âmbito do governo
federal. Na sequência, discutir-se-á, brevemente, como o governo Luiz Inácio Lula
da Silva enxergava o modelo das agências e quais mudanças ele propunha. Tal
percurso será importante, pois deixará mais clara a discussão de fundo que
perpassa o debate acerca das agências reguladoras no país.
A partir dessa contextualização e da análise exaustiva das iniciativas
tomadas pelo governo Dilma Rousseff em relação às agências reguladoras, teremos
condições de situar melhor essas medidas, observando se a presidente aprofundou
o modelo existente, se conseguiu colocar em prática mudanças significativas na
linha do que ex-presidente Lula vinha buscando, ou, ainda, se praticamente
nenhuma alteração se verificou. Além disso, o acompanhamento ao longo do tempo
das principais iniciativas da gestão Dilma Rousseff em relação às agências permitirá
aferir se o governo tinha um projeto consistente nessa seara ou se seguiu uma
trajetória errática, propondo medidas pontuais conforme a conveniência do
momento.
No que se refere à metodologia empregada neste estudo para a
reconstituição do debate histórico a respeito do modelo das agências reguladoras,
bem como para a análise das principais iniciativas dos diversos governos, com
especial atenção ao governo da presidente Dilma Rousseff, foram utilizadas
matérias de jornais, teses e artigos acadêmicos e legislação específica que tratam
de agências reguladoras e políticas governamentais para a área regulatória. Para
aprofundar a discussão a respeito das iniciativas regulatórias do governo Dilma
Rousseff, foco do presente artigo, foram coletadas informações e realizadas
entrevistas informais com especialistas da área regulatória que atuam no governo
federal, especialmente na Casa Civil da Presidência da República, órgão que
concentra as decisões a respeito da matéria e ao qual está ligado o Programa de
Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-Reg).
5
2 CONTEXTO1
O governo Fernando Henrique Cardoso inicia-se em 1995 com uma
ambiciosa agenda de reforma do Estado, que incluía, entre outras coisas, a
reorganização das finanças do ponto de vista federativo, uma maior liberalização
comercial e a privatização de setores da economia. Este último movimento é
essencial, pois ensejou a criação das agências reguladoras no país.
A partir do momento em que setores econômicos antes providos
diretamente pelo setor público, como energia elétrica e telecomunicações, são
passados à iniciativa privada, é fundamental que o Estado passe a regular essas
atividades, garantindo que esses serviços sejam executados e prestados à
população de forma adequada. A esse papel atribuído ao Estado dá-se o nome de
regulação.
Essa função sempre foi exercida pelos mais diversos Estados. Ocorre
que, quando esse processo de abdicação da produção direta de bens e serviços e
concomitante supervisão e regulação de setores econômicos, é amplo, estamos
diante de um fenômeno novo, ao qual Majone (2004) chamou de passagem do
Estado positivo ao Estado regulador.
A outra novidade é que, assim como ocorreu nos Estados Unidos e na
Europa Ocidental, essa regulação, que, conforme apontado, sempre esteve presente
entre as funções estatais, passa a ser realizada por um ente autônomo, chamado de
agência reguladora. Foi exatamente isso que ocorreu no Brasil, em ordem
cronológica, nos setores de energia elétrica, telecomunicações e petróleo, primeiros
a serem privatizados e serem regulados por agências autônomas.
A principal característica dessas novas agências criadas em âmbito
federal é justamente sua autonomia política, pois diferentemente de outras
autarquias da administração indireta, as agências reguladoras são comandadas por
diretores com mandato fixo que não podem ser demitidos imotivadamente. Esses
diretores, indicados pela presidência da República e aprovados pelo Senado
Federal, só podem ser exonerados por condenação penal transitada em julgado,
prática de ato de improbidade administrativa ou descumprimento injustificado do
contrato de gestão.
1 Esta seção está baseada em Baird (2011) e Baird (2012).
6
Embora não tenha havido uma lei única que uniformizasse o modelo
institucional e o funcionamento das agências reguladoras, elas guardam algumas
semelhanças que nos permite caracterizá-las como tais. O quadro abaixo sintetiza
essas características.
Quadro 1-Desenho Institucional e Autonomia das Agências
Autonomia e Estrutura Decisória
Mandatos fixos e não coincidentes dos diretores [com o do presidente]
Impossibilidade de demissão ad nutum
Indicação e nomeação dos diretores pelo Presidente após aprovação do Senado
Decisões da diretoria em regime colegiado e por maioria
Independência financeira, funcional e gerencial
Autarquia especial sem subordinação hierárquica
Última instância de recurso no âmbito administrativo
Delegação normativa (poder de emitir portarias)
Poder de instruir e julgar processo
Poder de arbitragem
Orçamento próprio
Quadro de pessoal próprio
Accountability
Ouvidoria com mandato
Publicidade de todos os atos e atas de decisão
Representação de usuários e empresas
Justificativa por escrito para cada voto e decisão dos dirigentes
Audiências e/ou consultas públicas
Submissão a mecanismos de supervisão do Ministério competente
Fonte: Adaptado de Melo, 2002:256
2.1 As agências reguladoras brasileiras em âmbito federal
A partir da criação das três primeiras agências reguladoras, ligadas à
infraestrutura, na segunda metade da década de 1990, houve uma rápida
disseminação desse formato institucional, de tal modo que, em 2006, já havia dez
agências reguladoras em âmbito federal. Deve-se levar em conta que agências
reguladoras foram criadas também nas esferas estadual e municipal, o que indica
sua boa aceitação na configuração político-institucional do país.
7
Autores como Santana (2002) e Martins (2002) atribuem uma certa lógica
à construção e difusão das agências reguladoras em nível federal. Segundo esses
autores, houve três fases consecutivas na expansão das agências. A primeira fase,
ou geração,
diz respeito ao processo de privatização de setores monopolísticos e a consequente criação de arcabouços institucionais que definissem regras claras e duradouras para dar segurança jurídica e econômica ao empresariado, cujos investimentos nessas áreas demandariam longa maturação (Baird; 2012, p. 26).
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP) pertencem a esse contexto.
Em seguida, vem a geração de agências reguladoras ligadas à área
social e, mais especificamente, à proteção da saúde do cidadão. Denominada de
regulação social, essa fase tem a ver com a melhoria dos serviços sociais prestados
à população. Assim, criaram-se a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), respectivamente, em 1999 e
2000, com vistas a garantir o aperfeiçoamento da vigilância sanitária e da regulação
dos planos de saúde no país.
A terceira geração, por sua vez, já não obedece a um padrão lógico,
correspondendo, antes, aos interesses de setores diversos. Sua marca principal é a
enorme “heterogeneidade de finalidades e áreas de atuação, de tal forma que
setores díspares como transporte, água e cinema passam a ser regulados segundo
o mesmo modelo institucional” (Baird; 2012, p. 26). A Agência Nacional de
Transportes Terrestres (Antt), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários
(Antaq), a Agência Nacional de Águas (Ana) e a Agência Nacional do Cinema
(Ancine) compõem essa fase. Cabe lembrar que essas nove agências foram criadas
ao longo dos dois mandados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A última
agência reguladora a ser criada foi a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em
2006, já durante o mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
8
2.2 O debate em torno do modelo das agências reguladoras
A rápida disseminação das agências reguladoras esconde um importante
embate que houve no interior do governo Fernando Henrique Cardoso a respeito do
modelo das agências e, principalmente, da extensão que ele deveria ter no interior
da administração pública brasileira. Tal debate é importante, pois nos ajudará a
compreender as críticas posteriores dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff ao modelo de agências reguladoras vigente no país.
Paralelamente à reforma do Estado, o governo Fernando Henrique
Cardoso buscou realizar uma reforma do aparelho do Estado, ou seja, da
administração pública federal. Seu objetivo era tornar a burocracia estatal mais
flexível, eficiente e voltada ao atendimento ao cidadão. Esse movimento de
transformação da burocracia pública federal, liderado pelo Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), teve como documento
orientador o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), que
propugnava mudanças institucionais, gerenciais e culturais na administração pública
brasileira (Bresser Pereira, 1998).
No plano institucional, o Plano Diretor previa a transformação de
autarquias e fundações em “agências autônomas”,
que seriam responsáveis pela execução, de forma mais flexível, de atividades exclusivas do Estado, ou seja, aquelas atividades que somente o Estado pode, constitucionalmente, prover à sociedade, como a regulação de mercados monopolistas e a fiscalização de medicamentos e alimentos (Baird; 2012, p. 23).
Essas agências seriam caracterizadas pela autonomia administrativa e
financeira, estabelecimento de contrato de gestão e nomeação do dirigente por
indicação do ministro de Estado (Brasil, 1995). Nota-se, assim, que o MARE, no
início, não pensava numa agência com autonomia política nos moldes do formato
norte-americano, base do que viriam a ser as agências reguladoras brasileiras. Seu
objetivo, mais simples, era garantir maior autonomia gerencial a alguns órgãos da
burocracia federal.
Foi somente no ano seguinte, em 1996, quando o projeto de criação da
primeira agência reguladora dotada de ampla autonomia política, a Aneel, já
tramitava no Congresso Nacional,
9
que uma recomendação do Conselho de Reforma do Estado (CRE), órgão de assessoria ao presidente da República, propugnou a construção de um marco legal para os entes reguladores, o qual, além de buscar uniformizar procedimentos nos desenhos das diversas agências que viessem a ser criadas, tratava da independência decisória desse ente, que teria dirigentes com mandatos fixos (Brasil, 1996). Nota-se, assim, a concepção de outro tipo de agência: reguladora (Baird; 2011, p. 3).
É possível observar, assim, que os dois modelos de agência tiveram
origens distintas. O modelo de agência reguladora, concebido no interior dos
ministérios interessados de acordo com as discussões setoriais, acabou
prevalecendo.
Enquanto isso, o modelo proposto pelo MARE, de agências executivas
dotadas de autonomia gerencial, mas não política, acabou se revelando um
fracasso. Tanto é que “entre 1996 e 2002, apenas uma Agência Executiva, o
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), foi instituída”
(Costa; 2002, p. 37). Ao observar o processo descoordenado e desenfreado de
criação das agências reguladoras, o máximo que o MARE tentou fazer foi dar uma
unidade a ele.
E não apenas isso. Mais adiante, o titular do MARE, Bresser Pereira,
criticou a inadequação do modelo de agências reguladoras para a maior parte dos
casos em que vinha sendo aplicado. Em seu livro “Reforma do Estado para a
Cidadania”, publicado em 1998, o autor afirma que as agências reguladoras devem
ser dotadas de autonomia política, tendo seus dirigentes mandatos fixos e não
coincidentes com o do presidente da República2. Isso se justificaria, na medida em
que essas agências devem executar políticas de Estado, como a regulação de
setores monopolísticos, definindo preços onde não há mercado.
As agências executivas, por sua vez, executam políticas definidas pelo
governo da vez, de modo que “devem ter seus dirigentes nomeados livremente pelo
presidente da República, além de prestar contas ao ministério correspondente por
meio da elaboração de um contrato de gestão” (Baird; 2012, p. 25). O ex-ministro fez
essa distinção para afirmar que a adoção do modelo de agências reguladoras
apenas fazia sentido nos casos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), incumbidas de regular setores
monopolísticos (Bresser Pereira, 2007).
2 O autor elenca ainda, entre as agências reguladoras, o Banco Central (Bacen) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) (Bresser Pereira, 1998).
10
Reitera-se, assim, que o modelo de agência reguladora recebeu ampla
adesão no país. De todo modo, é importante frisar que tal modelo não se difunde
alheio a críticas. Ao contrário, sua ampla autonomia política foi questionado desde
seu nascedouro.
3 GOVERNO LULA
O governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva iniciou-se em 2003 e
teve como uma de suas primeiras medidas, já em março daquele ano, a criação de
um Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pela Casa Civil da Presidência
da República, para “(i) analisar o arranjo institucional regulatório no âmbito federal;
(ii) avaliar o papel das Agências Reguladoras; e (iii) propor medidas corretivas do
modelo adotado” (Brasil, 2004a).
O novo governo nasce desconfiado, portanto, do modelo de agências
reguladoras arquitetado pela gestão anterior, propondo-se a discutir
aperfeiçoamentos ou até mesmo a revisão do modelo adotado. Pelo que foi
noticiado nos jornais à época, houve um embate no interior do governo entre o
ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci,
a respeito da autonomia das agências reguladoras.
Ao que consta, Dirceu intencionava retirar a autonomia política das
agências, o que significava acabar com o mandato fixo dos diretores e a
impossibilidade de demiti-los de acordo com a vontade do presidente. O ministro da
Fazenda, por sua vez, teria demonstrado preocupação com o que tal medida
sinalizaria ao mercado em termos de comprometimento do governo com regras
estáveis de instituições responsáveis por regular setores econômicos diversos.
Pelos relatos obtidos e mesmo pelos resultados apresentados pelo Grupo de
Trabalho, que foi a apresentação do Projeto de Lei no 3337/2004 (Brasil, 2004b), a
tese do ministro da Fazenda saiu vencedora, pois em nenhum momento se propôs
uma inflexão na autonomia política das agências3.
3 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0404200408.htm
11
Esse ponto é fundamental e dialoga diretamente com a discussão
anteriormente realizada, qual seja, sobre o modelo ideal para as agências
reguladoras. Vimos que esse debate existiu no governo Fernando Henrique Cardoso
entre os ministérios nos quais eram gestadas as agências reguladoras e o MARE,
que era contrário à extensão indiscriminada desse modelo, que acabou
prevalecendo na arquitetura político-institucional brasileira. Se esse debate persistiu
no governo Lula, sua dimensão esteve restrita ao interior do governo e logo se
dissipou, pois o PL no 3337/2004, apresentado no segundo ano do mandado do ex-
presidente, mantinha intacto o modelo de agência reguladora em sua estrutura
basilar, que era sua autonomia política.
Nesse sentido, pode-se considerar que a discussão sobre agência
reguladora vis-à-vis agência executiva, se é que teve algum fôlego no governo Lula,
foi definitivamente enterrada no segundo ano de gestão. Prova disso é a conclusão
da Exposição de Motivos no 12, assinada pelo próprio ministro-chefe da Casa Civil, e
encaminhada ao presidente da República quando da apresentação do PL no
3337/2004:
o modelo de Agências independentes, não obstante a necessidade de aprimoramento do quadro atual, é essencial para o bom funcionamento da maior parte dos setores encarregados da provisão de serviços públicos, com reflexos positivos no resto da economia. Afirmou-se, portanto, o papel das Agências tanto do ponto de vista conceitual quanto à luz do direito positivo pátrio... Manteve-se também as atuais condições para a demissão e substituição desses dirigentes, afastada a possibilidade de demissão ad nutum, por ser contrária ao modelo que se quer aperfeiçoar no Brasil. (Brasil, 2004a).
Conclui-se, portanto, que qualquer discussão a respeito da revisão do
modelo de autonomia política das agências reguladoras é anacrônica, não
encontrando respaldo nem mesmo no governo Lula, que tinha sérias críticas a esse
modelo. Não obstante, a gestão Lula sofreu fortes críticas por seu viés
supostamente intervencionista, que não prezaria a autonomia das agências
reguladoras. Assim, deve-se buscar a crítica e o debate em outros aspectos do
modelo de agências reguladoras encampado pela gestão Lula.
Tais pontos podem ser encontrados no próprio PL no 3337/2004, cujo
objetivo era criar uma lei geral das agências reguladoras, que dispusesse sobre a
gestão, a organização e o controle social dessas agências. Mesmo que não
12
buscasse alterar drasticamente o modelo autônomo das agências reguladoras, o
governo Lula buscou, sim, restituir maior poder de formulação aos ministérios, bem
como garantir maior controle das agências pelos ministérios. Para tanto, estabelece,
nas disposições finais e transitórias do PL, que o poder de outorga de concessões,
permissões e autorizações na Anatel, Aneel, ANP, Antaq e Antt deve ser de
responsabilidade do ministério ao qual a agência se vincula. Da mesma forma, o
Projeto propugnado pelo governo Lula buscava universalizar o contrato de gestão
como instrumento de acompanhamento da atuação administrativa, de tal forma que
não cumpri-lo implicaria falta de natureza formal.
Esses objetivos de maior controle das agências reguladoras relacionam-
se a uma visão do governo Lula no sentido de fortalecer aquilo que o Plano Diretor
do Bresser-Pereira entendia por núcleo estratégico do governo, responsável pela
formulação de políticas públicas. Tal intuito fica explícito na já citada Exposição de
Motivos, quando afirma que “planejamento e formulação de políticas setoriais cabe
aos órgãos da administração direta. Às Agências Reguladoras cabe regulamentar e
fiscalizar as atividades reguladas, implementando, no que lhes toca, a política
setorial” (Brasil, 2004a).
O PL no 3337/2004 também padronizava o funcionamento dos
mecanismos de controle social das agências, como as consultas e audiências
públicas e as ouvidorias, determinava o modelo de cooperação com os órgão de
defesa do consumidor e estabelecia as regras relativas ao mandato dos diretores.
Esses elementos, todavia, não sofreram grande resistência no Congresso Nacional,
por não interferir nas prerrogativas das agências reguladoras.
Por outro lado, a questão das outorgas e do contrato de gestão foram os
pontos mais controversos do PL no 3337/2004, responsáveis, em grande medida, por
sua difícil tramitação na Câmara dos Deputados ao longo dos dois mandatos do
presidente Lula. O projeto, que foi debatido em Comissão Especial da Câmara dos
Deputados, recebeu 164 emendas e não foi, até o final do mandato do presidente
Lula, posto em votação.
Por fim, vale citar um programa criado no início do segundo mandato do
presidente Lula com vistas a aperfeiçoar a gestão em regulação no país. Trata-se do
Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação
– PRO-REG, cujo objetivo declarado é “contribuir para a melhoria do sistema
regulatório, da coordenação das instituições que participam do processo
13
regulatório...” (Brasil, 2007). Entre os itens previstos no artigo segundo do decreto de
criação do programa está “o fortalecimento da autonomia, transparência e
desempenho das agências reguladoras” (Brasil, 2007).
A criação de um programa voltado ao fortalecimento, inclusive da
autonomia, das agências reguladoras reforça a hipótese anteriormente formulada de
que o governo Lula não envidou esforços para solapar a autonomia política das
agências. Ao contrário. Ao reconhecer o enraizamento do modelo regulatório
brasileiro, tomou medidas no sentido de garantir que ele pudesse funcionar da
melhor maneira possível. Fica claro, assim, que a tônica do debate não era mais
sobre o modelo de Estado (regulador ou não), mas sobre a qualidade da regulação.
4 GOVERNO DILMA
Com a chegada da presidente Dilma Rousseff ao poder em 2011, tinha-se
a expectativa de que mudanças seriam realizadas nas agências reguladoras.
Curiosamente, mesmo grupos antagônicos tinham expectativas positivas a respeito
de possíveis mudanças levadas a cabo pela presidente eleita. Apoiadores da
presidente e de seu partido esperavam que ela, especialmente tendo em vista seu
forte intervencionismo econômico, pudesse concluir o trabalho do ex-presidente
Lula, garantindo maior controle dos ministérios setoriais sobre as agências
reguladoras mediante a aprovação do PL no 3337/2004.
Outros grupos, por outro lado, acreditavam que, pelo perfil gerencial e
técnico da presidente Dilma, ela tomaria iniciativas no sentido de aperfeiçoar o
modelo regulatório brasileiro e garantir uma ação independente das agências
reguladoras, sinalizando ao mercado o compromisso governamental com esses
órgãos. Isso poderia se dar pela introdução de novos mecanismos de gestão nas
agências reguladoras, pela garantia ou incremento da autonomia das agências4 ou
pela nomeação de quadros técnicos para o comando das agências, em oposição ao
suposto loteamento político ocorrido na gestão Lula.
4 É interessante notar, na perspectiva de preservação do modelo regulatório, que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n
o 81/2003, do à época senador Tasso Jereissati (juntamente com
outros senadores), visa inserir na Constituição Federal os princípios da atividade regulatória, o que significa perpetuar na Carta Magna o modelo das agências regulatórias com todas as suas características.
14
Independentemente das visões e das preferências dos diferentes grupos,
é bem possível que as iniciativas da presidente Dilma tenham desagradado aos dois
lados. Se não pelas medidas tomadas, pela omissão em relação ao tema de
maneira geral. Ao passarmos pelas principais ações governamentais referentes às
agências reguladoras, veremos, em primeiro lugar, que pouco foi feito em relação ao
tema. Além disso, as ações tomadas foram pontuais, respondendo às demandas da
conjuntura, e não a uma política estratégica para lidar com as agências reguladoras.
Talvez a principal ação do governo Dilma no tocante às agências
reguladoras tenha sido uma ação negativa, no sentido de retirar um tema de
discussão. Referimo-nos aqui ao PL no 3337/2004. No primeiro ano do governo
Dilma, a diretriz claramente ia no sentido de finalmente aprovar o referido projeto de
lei. Segundo noticiou-se à época, o governo negociava algumas mudanças no
projeto e aguardava a designação de novo relator para a matéria na Câmara dos
Deputados. De todo modo, seja por divergências em relação ao projeto, seja pela
não priorização do projeto de lei, houve pouca movimentação do mesmo na Câmara
dos Deputados.
Ao se observar a tramitação do PL no governo Lula, observa-se intensa
atividade em torno dele, com a apresentação de emendas, requerimentos, incluindo
um que garantiu a urgência na tramitação do projeto. Já na gestão Dilma, há apenas
dois requerimentos, ambos realizados em 2011, primeiro ano do mandato. O ato
seguinte ocorreu apenas em 2013, penúltimo ano do mandato da presidente Dilma:
tratava-se de mensagem presidencial ao Congresso Nacional com vistas a retirar o PL
no 3337/2004 da Câmara dos Deputados5. Assim, encerrava-se a tramitação do mais
importante e ambicioso projeto de lei referente às agências reguladoras no país6.
De acordo com um interlocutor do governo, tornara-se insustentável
manter um projeto de lei dessa envergadura no Congresso Nacional, quando não se
tinha consenso formado a respeito. Tal argumentação é curiosa, na medida em que
o projeto foi debatido na Câmara dos Deputados durante os oito anos de mandato
do presidente Lula sem que o governo desistisse dele.
5 Como reação à retirada do PL n
o 3337/2004, o Congresso Nacional se mobilizou, no fim desse
mesmo ano de 2013, para a formação da Frente Parlamentar Mista pelo Fortalecimento das Agências Reguladoras.
6 É interessante notar que, tão logo o governo retirou do Congresso Nacional esse projeto, o senador Walter Pinheiro (PT-BA), junto com outros senadores, apresentou projeto praticamente idêntico. Trata-se do PLS n
o 52/2013.
15
O que se vê, portanto, é que o governo não trabalhou com ênfase para a
aprovação do projeto, o que é evidenciado, inclusive, pela tramitação pouca intensa
que o mesmo teve na Câmara dos Deputados. Uma maior movimentação seria
esperada caso o projeto fosse prioridade do governo, pois, como é sabido, o
Congresso Nacional tem sua agenda definida, em boa medida, pelo Poder
Executivo.
A lenta tramitação do projeto de lei e a posterior decisão de retirar o
projeto do Congresso Nacional poderiam ser vistas como estratégia do governo para
colocar em pauta uma nova agenda para as agências reguladoras. Tanto é assim
que, ao mesmo tempo em que tomou essa decisão, o governo informou que
anunciaria em breve um pacote para aperfeiçoar o trabalho das agências.
Conforme relatado em matéria da Folha de São Paulo7, o objetivo do
governo é que as agências aumentassem seu poder de fiscalização, sendo
premiadas por sua produtividade. Assim, as agências teriam que elaborar novo
regulamento definindo concretamente as metas a serem cumpridas pelas empresas
reguladas. As agências que conseguissem aumentar a qualidade dos serviços
prestados pelo setor regulado receberiam um bônus, o que deveria contribuir para o
fortalecimento ainda maior do setor de fiscalização.
De acordo com a mesma matéria, uma das maneiras de concretizar essa
relação entre agências e governo seriam os contratos de gestão, que já estavam
previstos no PL no 3337/2004. Tal fato nos permite especular que o governo poderia
ter aberto mão do projeto de lei, considerado de difícil aprovação parlamentar, e
enveredado pelo caminho das medidas pontuais para o aperfeiçoamento das
agências, inclusive medidas que teriam sido postas em prática em caso de
aprovação do PL. Nesse sentido, o objetivo seria idêntico ou similar, mas as
estratégias para se atingir esse fim teriam sido reformuladas.
Esse plano específico para as agências reguladoras, no entanto, jamais
foi anunciado. De todo modo, na mesma semana, o governo anunciou, por meio do
Decreto no 7.963, o Plano Nacional de Consumo e Cidadania que, embora muito
mais amplo, tinha uma interface com as agências reguladoras. Em seu artigo quarto,
7 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/03/1245307-governo-vai-premiar-agencias-que-aumentarem-o-rigor-na-fiscalizacao.shtml
16
o Plano definia como um de seus eixos a regulação e a fiscalização, cuja efetivação
se daria por meio das seguintes ações:
I. instituição de avaliação de impacto regulatório sob a perspectiva dos
direitos do consumidor;
II. promoção da inclusão, nos contratos de concessão de serviços
públicos, de mecanismos de garantia dos direitos do consumidor;
III. ampliação e aperfeiçoamento dos processos fiscalizatórios quanto à
efetivação de direitos do consumidor.
Observa-se, inicialmente, que a Análise de Impacto Regulatório (AIR),
instrumento de subsídio das ações dos reguladores, está contemplada no Plano.
Ressalte-se, no entanto, que essa iniciativa, embora importante, já vem sendo
implementada pelo PRO-REG desde a gestão do ex-presidente Lula. Tanto é assim
que, segundo interlocutor da Casa Civil, das dez agências reguladoras existentes,
nove têm projetos pilotos de AIR.
Outro aspecto importante do Plano Nacional de Consumo e Cidadania é a
criação da Câmara Nacional das Relações de Consumo, encarregada de “orientar a
formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação do Plano” (Brasil,
2013a). Essa Câmara tem um Observatório Nacional das Relações de Consumo,
que por sua vez terá um Comitê Técnico de Consumo e Regulação. Esse Comitê
será integrado pelos ministérios da Justiça, Fazenda, Comunicações, Minas e
Energia, Saúde, pela Secretaria de Aviação Civil, pelo Banco Central e pelas
seguintes agências reguladoras: Anatel, Aneel, ANS e Anac.
A participação de algumas agências reguladoras, juntamente com seus
respectivos ministérios, no âmbito de um Plano Nacional de Consumo, demonstra o
interesse do governo em trazer as agências para o debate a respeito do
aperfeiçoamento da fiscalização como meio para melhorar os serviços prestados, na
linha do que a imprensa havia noticiado a respeito de um programa governamental
específico para as agências reguladoras.
A retirada do PL no 3337/2004 não significou, portanto, ao contrário do
que se especulava à época, um novo programa que reestruturasse ou repensasse o
modelo ou o funcionamento das agências reguladoras federais. O governo optou,
portanto, por medidas muito mais conservadoras, decidindo restringir a discussão a
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respeito das agências reguladoras ao âmbito de uma política de defesa do
consumidor. Expressão disso é que a própria escolha das agências participantes do
Comitê Técnico de Consumo e Regulação esteve atrelada aos serviços prestados
por elas, de modo que agências que regulam água ou cinema (Ana e Ancine,
respectivamente), setores que não afetam diretamente o consumidor, foram
negligenciadas8.
É possível concluir, desta forma, que a hipótese anteriormente aventada,
de que o governo ainda poderia buscar dar novo formato às agências reguladoras,
mas por meio de estratégias diversas, não mostrou-se empiricamente válida. Não
houve, até o momento, nenhuma nova iniciativa governamental no sentido de
reformular o modelo das agências reguladoras. Uma das principais iniciativas a
afetar as agências não foi, em realidade, uma ação voltada às agências reguladoras.
Antes, tratou-se um amplo plano para a proteção do consumidor no qual algumas
agências foram inseridas em função meramente de suas atividades fiscalizatórias.
Há outras duas iniciativas pontuais ocorridas durante o governo Dilma que
valem a menção. A primeira, na linha do Plano Nacional de Consumo, que atinge as
agências, mas não as tem como foco, é a Lei no 12.813, promulgada em maio de
2013. Essa lei trata do conflito de interesses no exercício do cargo no Poder
Executivo federal e de impedimentos posteriores ao exercício do cargo, atingindo
ministros de Estado e diretores de autarquias, como as agências reguladoras,
classificadas como autarquias especiais.
A lei define situações que configuram conflito de interesses após o
exercício do cargo, como “estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou
jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ou
emprego ocupado” (Brasil, 2013b). Tais atividades ficam, portanto, vedadas pelo
período de seis meses a partir da exoneração, demissão ou aposentadoria.
Dessa forma, a lei acabou por atingir os diretores das agências reguladoras,
definindo seu período de quarentena em seis meses. Poder-se-ia dizer que uma lei
de conflito de interesses acabou por uniformizar um procedimento nas agências
8 É interessante notar que as principais medidas da gestão Dilma em relação às agências reguladoras estiveram concentradas no tempo. A decisão de retirar o PL do Congresso Nacional e o anúncio do Plano Nacional de Consumo ocorreram na mesma semana de março de 2013.
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reguladoras, que costumam adotar os mais distintos mecanismos de atuação. No
entanto, as agências reguladoras hoje costumam ter períodos de quarentena
superiores a seis meses, de modo que a legislação acaba por não atingi-las9.
Por fim, a segunda iniciativa pontual da presidente Dilma dirige-se
diretamente à agência reguladora, mas não se trata de uma norma geral que implica
alterações em todas as agências, mas de um decreto especificamente voltado à
Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. Embora específica, a
normativa presidencial é importante especialmente por conta do precedente que
abre, podendo trazer consequências de monta ao funcionamento das agências
reguladoras.
O decreto no 7.703, de março de 2012, altera um decreto anterior relativo
a cargos na ANTT, determinando que, “durante o período de vacância do cargo de
Diretor que impeça a existência de quórum para as deliberações da Diretoria, o
Ministro de Estado dos Transportes poderá designar servidor do quadro de pessoal
efetivo da ANTT como interino até a posse do novo membro da Diretoria” (Brasil,
2012). O decreto foi editado pouco tempo após o Senado Federal ter rejeitado a
recondução do diretor geral da ANTT, o que deixou a agência com apenas dois
diretores. Como o quórum para as deliberações é de três diretores, a agência havia
ficado paralisada.
Diversos estudos, como o de Silva (2011), mostram como a vacância na
diretoria das agências reguladoras, assim como o contingenciamento orçamentário,
pode ser utilizada como um instrumento do presidente da República ou de um
ministro de Estado para controlar a atuação de uma agência reguladora. Assim, a
não nomeação de um diretor pode inviabilizar os trabalhos de uma agência, como no
caso da ANTT, o que terminaria por conformar as ações regulatórias das agências à
vontade governamental. No caso do decreto, a solução parece ainda mais
sofisticada, pois não a obediência da agência não se daria pela inação da mesma,
mas pela nomeação de um diretor interino possivelmente alinhado ao governo.
Nesse sentido, o decreto presidencial abre um precedente potencialmente conflitivo,
na medida em que, estendido às outras agências, teria o condão de colocá-las sob
controle governamental, pondo termo, na prática, à sua autonomia política.
9 A Anatel, a ANP e a Anvisa, por exemplo, têm períodos de quarentena equivalentes a um ano.
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A oposição político-partidária à presidente Dilma logo percebeu o
potencial de estrago da medida, tendo acionado sem delongas o Supremo Tribunal
Federal (STF). O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Democratas
(DEM) ajuizaram, no STF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF 251) contra o decreto no 7.703. Na ADPF, os partidos argumentam que o
decreto da à presidente o domínio tanto da vacância, pois bastaria atrasar uma
nomeação, como da indicação do interino, que seria feito pela titular da pasta de
Transportes, subordinado direto da presidente.
Ressalte-se, no entanto, que a ADPF foi julgada de forma monocrática
pelo ministro Teori Zavascki, do STF, que indeferiu liminarmente a referida arguição,
sob o argumento de que o decreto apenas dava “uma disciplina transitória para as
situações de vacância temporária no órgão de cúpula da ANTT” (Brasil, 2013c).
5 CONCLUSÃO
Talvez o elemento que mais salte à vista ao se observar o tratamento
dado pela gestão Dilma às agências reguladoras seja justamente a falta de ações na
área. Conforme dissemos na seção anterior, havia grande expectativa, em diversos
grupos, mesmo antagônicos, de que a presidente tomasse medidas efetivas na área.
Os grupos ligados ao seu próprio partido esperavam que a presidente
finalmente conseguisse aprovar o PL no 3337/2004, que funcionaria como uma lei
geral das agências reguladoras, ao uniformizar procedimentos e mecanismos de
participação social. Além disso, esse projeto de lei restituiria o poder de outorga aos
ministérios. O governo, no entanto, não priorizou o projeto no Congresso nem o
defendeu de forma enfática publicamente, até o ponto em que parece ter mudado de
ideia, tendo retirado o mesmo da Câmara dos Deputados. Assim, de forma
paradoxal, a principal ação do governo Dilma em relação às agências foi ter
interditado o debate do principal PL a respeito das agências reguladoras no país.
Outros grupos, que esperavam que o governo tomasse medidas no
sentido de fortalecer o modelo regulatório atual, tampouco foram contemplados, na
medida em que praticamente nenhuma ação foi tomada nessa seara.
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A própria hesitação 10 em relação ao PL no 3337/2004 indica que a
condução do tema das agências reguladoras não parece ter tido uma direção clara
no governo. Uma leitura preliminar sobre o posicionamento de sua gestão em
relação às agências reguladoras parece indicar certo caráter errático, bem como
uma falta de priorização do tema. Em outras palavras, o governo abdicou de
encampar uma discussão mais ampla a respeito de qual o melhor modelo
institucional para as agências reguladoras no país. Não à toa, apenas medidas
fragmentadas, que tangenciavam o tema, foram levadas adiante.
É nessa chave que podem ser compreendidas medidas como aquelas
anunciadas no âmbito do Plano Nacional de Consumo e Cidadania. Num momento
em que o governo adotou, de forma prioritária, um plano de proteção aos direitos
dos consumidores, nada mais natural que algumas agências reguladoras,
responsáveis pela prestação de serviços à população, fossem aí contempladas. Do
ponto de vista da gestão, destaca-se a menção à Análise de Impacto Regulatório
(AIR) como importante instrumento de subsídio e fortalecimento à gestão regulatória.
No entanto, não se trata de novidade nas agências nem de uma definição mais
precisa acerca do assunto ou mesmo de uma determinação de que toda ação
regulatória fosse precedida por uma AIR.
É possível concluir, desta forma, que o governo não tem uma visão clara
e estratégica a respeito do melhor modelo para as agências reguladoras. Talvez isso
ajude a explicar a falta de prioridade da temática e a consequente ausência de
iniciativas na área. O governo FHC formulou e constituiu as agências reguladoras na
arquitetura político-institucional brasileira. O governo Lula buscou uniformizar seu
funcionamento e aperfeiçoar o modelo instituído à sua maneira. O governo Dilma,
por sua vez, não parece ter conseguido definir os contornos de um modelo ideal de
agência reguladora.
Em que pesem essas indefinições, as agências reguladoras ganharam
corpo na arquitetura político-institucional brasileira. Afinal, esses são os órgãos que
definem a tarifa dos serviços de telefonia, de energia elétrica; que são responsáveis
por estabelecer os parâmetros para as operadoras de planos de saúde; que devem
10
Referimo-nos aqui, principalmente, ao fato de o governo, no início do mandato, ter defendido o projeto, tendo retirado o mesmo do Congresso Nacional posteriormente. Além disso, houve o episódio em que um alto burocrata defendeu o PL e acabou desautorizado por isso.
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regular o tabaco, os alimentos; enfim, trata-se dos órgãos incumbidos de garantir a
qualidade de vasta gama de produtos e serviços essenciais à população brasileira.
Não à toa, existem dez agências reguladoras no país e há propostas de
criação de mais algumas. É por isso que, no mesmo instante em que o PL no
3337/2004 foi retirado do Congresso Nacional, outro de mesmo teor foi anunciado.
Da mesma maneira, rapidamente foi constituída a Frente Parlamentar Mista pelo
Fortalecimento das Agências Reguladoras no âmbito do Congresso Nacional. Em
torno das agências também foram criados grupos corporativistas, como a
Associação Brasileira das Agências de Regulação e a Associação Nacional dos
Servidores Efetivos das Agências Reguladoras Federais.
Nesse sentido, e tendo em vista o contexto de indefinição em relação ao
modelo de agências reguladoras, certamente esse tema permanecerá em destaque
na agenda dos governantes brasileiros. Trata-se de um tema importante para o
debate de gestão pública do país, mas que ao mesmo tempo extrapola essa
agenda.
Vale destacar, ainda, fechando a argumentação aberta no início deste
artigo, que, sejam quais forem os rumos dos debates a respeito das transformações
necessárias às agências reguladoras, a discussão inicial sobre autonomia política
das agências, na forma específica de mandatos fixos e independentes em relação
ao presidente da República, não parece estar mais colocada no debate público
brasileiro. Nesse sentido, manter a discussão sobre esse aspecto específico das
agências reguladoras apenas serve para manter aceso um debate ideológico inócuo
e ocultar o verdadeiro debate que deve ser realizado, qual seja, o de quais ações
devem ser levadas a cabo para tornar mais efetivo o trabalho das agências
reguladoras.
Por fim, ressalte-se novamente que o presente artigo buscou apenas
sistematizar as principais ações do governo Dilma em relação às agência
reguladoras. Outros aspectos interessantes que podem ser perscrutados em
estudos posteriores seriam análises mais aprofundadas sobre os períodos de
vacância nas diretorias das agências reguladoras e os contingenciamentos
orçamentários realizados durante a gestão Dilma, o que daria maiores subsídios a
respeito da atitude do governo em relação às agências e de até que ponto
aperfeiçoamentos nas agências passam por mudanças institucionais ou apenas por
condições melhores de trabalho, como orçamento e pessoal.
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BRASIL (1995b). Conselho de Reforma do Estado (CRE). Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Brasília.
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AUTORIA
Marcelo Fragano Baird – Doutorando em Ciência Política no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).
Endereço eletrônico: [email protected]