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www.derechoycambiosocial.com │ ISSN: 2224-4131 │ Depósito legal: 2005-5822 1
Derecho y Cambio Social
AS CONDIÇÕES DA AÇÃO E O PROJETO DE NOVO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Yuri Guerzet Teixeira1
Bruno Silveira de Oliveira2
Fecha de publicación: 01/01/2014
LAS CONDICIONES DE LA ACCIÓN Y EL PROYECTO
DEL NUEVO CÓDIGO DE PROCESO CIVIL BRASILEÑO
THE CONDITIONS FOR ACTIONS AND THE PROJECT OF
NEW BRAZILIAN CIVIL PROCEDURE CODE
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Algumas considerações sobre
ação e jurisdição – 3. Ação e condições da ação no direito
processual brasileiro – 4. Mérito, condições da ação e
pressupostos processuais; 4.1. Mérito e requisitos de
admissibilidade do mérito; 4.2. Condições da ação e
pressupostos processuais; 4.3. Mérito e condições da ação; 4.4.
Teoria da asserção; 4.5. Mais algumas observações – 5.
Condições da ação no projeto de novo Código de Processo
Civil; 5.1. Supressão da expressão “condições da ação”; 5.2.
Condições do julgamento do mérito e coisa julgada material;
5.3. Supressão da possibilidade jurídica do pedido – 6.
Conclusão – 7. Bibliografia.
RESUMO: O presente estudo pretende analisar a categoria das
condições da ação no projeto de novo Código de Processo Civil
1 Advogado. Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito
Santo. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.
Email: [email protected]
2 Advogado. Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo. Mestre em
Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória. Professor da
graduação e mestrado da Universidade Federal do Espírito Santo.
Email: [email protected]
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brasileiro. Com este intuito, visa investigar o tratamento
deferido a elas pelo atual sistema processual pátrio e,
posteriormente, compará-lo com o proposto no projeto. Este
trabalho perpassa ainda pelo exame de alguns temas correlatos,
tais quais, jurisdição, ação, pressupostos processuais e mérito.
Para tanto, lançará mão, sobretudo, do método dedutivo. A
metodologia da análise proposta consiste em pesquisa
bibliográfica de obras nacionais e estrangeiras.
PALAVRAS-CHAVE: processo civil – condições da ação – ação
– jurisdição – mérito.
RESUMEN: El presente estudio tiene como objetivo analizar la
categoría de las condiciones de la acción en el proyecto del
nuevo Código de Proceso Civil de Brasil. Con este objetivo, se
propone investigar el trato que les otorga el sistema procesal
nacional vigente y posteriormente compararlo con el propuesto
nel proyecto. Este trabajo también incluye el examen de algunas
cuestiones relacionadas, como por ejemplo, jurisdicción, acción,
presupuestos procesales y mérito. Para eso, se hará utilizar,
especialmente, el método deductivo. La metodología de análisis
propuesta consiste en búsqueda bibliográfica de obras
nacionales y extranjeras.
PALABRAS CLAVE: proceso civil - condiciones de la acción -
acción - jurisdicción - mérito.
ABSTRACT: This study aims to analyze the category of
conditions for action in the project of the new Brazilian Civil
Procedure Code. With this aim, intents to investigate the
treatment granted to them by the current national procedural
system and, subsequently, compare it with the on proposed in
the project. This essay includes an analysis of some related
issues, such as, jurisdiction, action, procedural presuppositions
and merit. To this end, the deductive method, mainly, will be
utilized. The proposed analysis methodology consists of
bibliographic research of national and foreign literature.
KEYWORDS: civil procedure – conditions for action – action –
jurisdiction – merit.
1. Introdução
Em tramitação no Congresso Nacional, o projeto de novo Código de
Processo Civil (PL nº 166/10) já é causa de calorosos debates doutrinários
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em razão tanto das mudanças propostas quanto dos pontos em que se
quedou omisso.
Entre as alterações possivelmente vindouras em nossa lei processual
está a abolição das expressões “condições da ação” e “possibilidade
jurídica”. A partir deste cenário, iniciou-se na academia uma discussão
acerca do futuro da categoria das condições da ação no processo civil
pátrio. Eminentes processualistas dividem-se: uns sentenciam seu fim3 e
outros proclamam sua manutenção4 (isto se aprovado o PL nº 166/10 com a
atual redação).
O objetivo da investigação ora desenvolvida é examinar o tratamento
deferido pelo projeto de novo Código de Processo Civil à classe das
condições da ação (inclusive comparando-o com a sistemática atual), para
ao fim, concluirmos por sua eliminação ou não de nosso sistema
processual, com a configuração que lhe dá o PL nº 166/10.
Para o enfrentamento de tal problemática, será utilizado, sobretudo, o
método dedutivo. Não obstante, quando necessário, serão lançadas,
analisadas e eventualmente refutadas algumas soluções (hipóteses)
encontradas pela doutrina para as questões que este estudo pretende
abordar. A metodologia da análise consiste em pesquisa bibliográfica de
doutrina nacional e estrangeira.
2. Algumas considerações sobre ação e jurisdição
A ação é o segundo dos monômios sobre os quais se assenta a ciência do
direito processual5, sendo o primeiro deles a jurisdição. Em apertada
síntese, ação é a faculdade que o sujeito tem de dirigir-se ao Estado para
obter a tutela jurisdicional6.
Do exposto, percebe-se que a ação está indissociavelmente ligada à
jurisdição, a qual, por sua vez, é uma das funções estatais soberanas7, por
meio da qual o Estado, quando provocado, adentra o conflito de interesses
e, substituindo os titulares destes, pacifica o litígio, mediante atuação do
3 DIDIER Jr., Fredie. Será o fim da categoria "condição da ação"? Um elogio ao Projeto do
Novo Código de Processo Civil in Revista de Processo nº 197. São Paulo: RT, 2011, p. 258. 4 CÂMARA, Alexandre Freitas. Será o fim da categoria "condição da ação"? Uma resposta a
Fredie Didier Junior in Revista de Processo nº 197. São Paulo: RT, 2011, p. 265. 5 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, v. 2, 4º ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1971, p. 21. 6 CALAMANDREI, Piero. Instituições de Direito Processual Civil, v. 1, 2º ed.; trad.: Douglas
Dias Ferreira. Campinas: Bookseller, 2003, p. 195. 7 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de Conhecimento, tomo I. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 45.
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direito objetivo8. Clássica doutrina leciona que a jurisdição consiste na
aplicação do direito objetivo ao caso concreto, sendo exercida pelos
tribunais, a pedido de uma parte9.
Forçoso salientar que a jurisdição é inapelavelmente permeada pela
ideia de inércia10
. O que Calamandrei chamou de “necessária indiferença
inicial”, advinda da máxima ne procedat judex ex officio11
. Destarte, para
atuação da jurisdição é preciso a provocação de um sujeito12
, afinal, nemo
judex sine actore. E a ação é, grosso modo, esta provocação da atividade
jurisdicional. Logo, entre ação e jurisdição existe precisa correlação, não
subsistindo uma sem a outra13
.
Acerca do exato conteúdo da ação, esforços doutrinários (seguidos de
emblemáticos dissídios) foram dispendidos ao longo dos séculos para
apreendê-lo. Procedemos agora à sucinta indicação das diferentes teorias
explicativas da ação.
A primeira delas é a teoria civilista da ação, também chamada de
teoria clássica ou imanentista14
. Segundo esta teoria, a ação é um aspecto
do direito material violado. O direito de ação surge, então, como uma
reação do direito material ofendido. Para esta concepção, condições da
ação seriam verdadeiras condições de existência do direito material.
A segunda aqui analisada é a teoria concreta da ação, a qual entende a
ação como o direito do autor à sentença favorável, embora este direito seja
autônomo frente ao direito substancial. Sob o viés desta teoria, condições
da ação são, portanto, as exigências indispensáveis para a decisão final
favorável ao autor.
Não se pode olvidar que os concretistas reconhecem o direito que todo
cidadão tem de ir aos órgãos jurisdicionais e apresentar-lhes um pedido, o
8 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo, 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 130. Reconhecemos
que este conceito tradicional de jurisdição nos impede de ver a “jurisdição voluntária” enquanto
jurisdição, pois nestes casos não há litígio, mas isto é assunto para outro estudo. 9 ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Processal Civil, tomo I; trad.: Angela Romera Vera.
Buenos Aires: Ejea, 1995, p. 46. 10
ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Tratado de Direito Processual Civil, v. 1, 5ª ed. São
Paulo: RT, 1990, p. 378. 11
CALAMANDREI. Instituições, op. cit., p. 197. 12
“A atividade jurisdicional é uma ‘atividade provocada’”. CARNEIRO, Athos Gusmão.
Jurisdição e Competência, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 8. 13
LIEBMAN, Enrico Tullio. L’azione nella teoria del processo civile in Problemi del Processo
Civile. Milão: Morano, 1962, p. 47. 14
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da Ação. São Paulo: RT, 2000, p. 39.
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que, por si só, gera um dever de resposta por parte daqueles15
. Todavia,
segundo esta concepção, isto não necessariamente é exercício do direito de
ação (e a resposta, logicamente, não é exercício de jurisdição). O
concretismo procura justificar o porquê de apenas alguns obterem o
provimento favorável16
.
A teoria abstrata da ação, por sua vez, concebe a ação não como
direito à decisão final favorável, mas sim como direito à decisão final,
qualquer que seja seu conteúdo. Em outras palavras, ação é direito à
aplicação do direito objetivo ao caso concreto, pelos órgãos credenciados
para tanto. Nesta esteira, qualquer provimento final é ato jurisdicional.
Aqui, condições da ação seriam condições para o provimento final.
Por fim, a teoria eclética ou mista da ação é uma louvável tentativa,
desenvolvida por Liebman, de trilhar um caminho intermediário entre a
teoria concreta e a teoria abstrata. Ação não seria um direito ao fim
(provimento jurisdicional favorável), mas sim um direito ao meio
(possibilidade de provimento jurisdicional favorável), envolvendo, dessa
maneira – a exemplo dos demais direitos processuais –, um elemento de
risco17
.
Para esta concepção, a ação é um direito subjetivo instrumental, em
face do direito material (determinado) reivindicado em juízo. Destarte, a
ação é o direito a uma solução acerca do direito substancial
individualizado, vindicado. Em outras palavras, ação é o direito a um
provimento jurisdicional de mérito.
Sob esta ótica, a ação é condicionada a alguns requisitos que devem
ser averiguados no caso concreto, quais sejam: o interesse do autor em
obter o provimento requerido (interesse de agir); a pertinência da ação
frente àquele que a propõe e contra quem se propõe (legitimidade de agir),
e; a admissibilidade abstrata do provimento demandado pelo direito
objetivo (possibilidade jurídica)18
. Eis as condições da ação, hodiernamente
denominadas interesse de agir, legitimidade das partes e possibilidade
jurídica do pedido, respectivamente. Ausente de qualquer destas condições
da ação, não há ação e, por conseguinte, fica o juiz impedido de decidir
sobre o mérito da demanda. É o que se conhece pelo nome de carência de
ação19
.
15
HENNING, Fernando Alberto Corrêa. Ação Concreta. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2000, p. 168. 16
HENNING. Ação, op. cit., p. 167. 17
LIEBMAN. L’azione, op. cit., p. 46. 18
LIEBMAN. L’azione, op. cit., p. 46. 19
LIEBMAN. L’azione, op. cit., p. 47.
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3. Ação e condições da ação no direito processual brasileiro
Inicialmente, a título de curiosidade, vale lembrar que as condições da ação
eram chamadas por Buzaid de “condições de admissibilidade da ação”20
.
No entanto, ao longo dos anos, consagrou-se entre nós a versão sintética da
fórmula.
Pois bem, no Brasil, reconhece-se que o juízo negativo acerca do
preenchimento das condições da ação também configura exercício da
função jurisdicional21
, porquanto consiste em atividade estatal de aplicação
do direito positivo (ainda que processual) ao caso concreto. E havendo
jurisdição, haverá ação – em vista da estreita correlação entre uma e outra.
Logo, para a ciência do direito processual nacional, a ação prescinde
das ditas condições da ação, na forma como foram concebidas por Liebman
– em razão disto, conclui Bedaque que a ação é garantia que não pode ser
obstada22
(condicionada). Dito de outro modo, para nós, qualquer
provimento final é exercício da função jurisdicional, independentemente de
seu conteúdo.
As ilações supra nos levam a duas conclusões: a primeira delas é que
em nosso país não vigora a teoria eclética23
, mas sim a teoria abstrata24
da
ação, já que esta não se condiciona. E a segunda é que as condições da ação
não são verdadeiros antecedentes lógicos (requisitos) para a existência de
ação; são, em verdade, alguma outra coisa – como veremos a seguir.
Destarte, a designação “condições da ação” revela-se, em última análise,
inadequada.
Sobre a natureza da ação no direito pátrio, entendemos, então, que se
trata de direito autônomo, abstrato e de caráter subjetivo público25
. Tem
20
A fórmula mais extensa é recorrente na obra do professor, sendo encontrada em: BUZAID,
Alfredo. A ação declaratória no direito brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 235;
BUZAID, Alfredo. Do Mandando de Segurança, v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 239. 21
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria, op. cit., p. 256. 22
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2007, p. 230. 23
Entendendo de maneira diversa, ou seja, que o Brasil adotou a teoria eclética da ação:
DIDIER JR., Fredie. Pressupostos processuais e condições da ação. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
207; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo,
2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 135. 24
CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. Teoria, op. cit., p. 254. No mesmo sentido: MONIZ
DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil, v. 2, 5ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1987, p. 529. Saliente-se que o autor afirma que o legislador brasileiro
acresceu à teoria abstrata alguns “temperos”, sem, contudo, transformá-la em eclética. 25
Também no sentido de ser a ação um direito subjetivo público, abstrato e autônomo:
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Pressupostos processuais, condições da ação e mérito da
causa in Revista de Processo nº 17. São Paulo: RT, 1980, p. 42.
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caráter público, pois é exercida em face do Estado-juiz (inerte); é, portanto,
um direito de iniciativa frente à inércia do órgão jurisdicional – frisamos
que se trata de um direito público, pois claramente estabelece-se um liame
o sujeito-autor e o Estado-juiz, sem prejuízo do acréscimo de terceiro-réu a
tal vínculo.
Em sede de adendo, reconhecemos que a teoria abstrata da ação pouco
a agrega à teoria geral do processo26
. Porém, isto no parece ser um mal
menor, quando comparado às dificuldades teóricas que se enfrenta ao
condicionar o direito de ação.
Tem a ação natureza de instrumento (do direito material), pois é afeta
ao direito processual e este, como um todo ostenta a aludida índole
instrumental. Não obstante, não se deve confundir a instrumentalidade do
processo com a “neutralidade do processo em relação ao direito material”27
.
Reconhecer a essência instrumental da ação não implica necessariamente
em vinculá-la ao direito material ou a aspectos dele. Abstração e
instrumentalidade (da ação) não são características contraditórias.
Ainda sobre a ação, em vista de nossa ordem constitucional
(mormente o artigo 5ª, inciso LIV da Constituição) não podemos nos
contentar com a definição do direito de ação como mero direito à sentença.
É preciso ir mais além: direito de ação é direito à sentença, prolatada
conforme um processo justo. Ação, então, é direito ao devido processo
legal28
, cujo fim se dá com prolação de sentença, qualquer que seja seu
conteúdo.
Pois bem, por mais que se diga que o sistema processual brasileiro
adotou a teoria abstrata da ação, o fato é que o legislador incorporou ao
Código de Processo Civil (artigo 267, inciso VI) as condições da ação.
Doutrina majoritária29
responde a esta questão afirmando haver duas
facetas da ação no direito nacional: uma denominada ação constitucional
26
Também reconhecendo que a ação, como era outrora concebida, tinha mais importância para
o direito processual: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Pressupostos processuais e
condições da ação in Justitia nº 156. São Paulo: Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo e
Associação Paulista do Ministério Público, 1991, p. 231. 27
DIDIER Jr, Fredie. Um réquiem às condições da ação in Revista Forense nº 351. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 15. 28
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo
civile, v. 1, 4º ed. Bologna: Mulino, 2006, p. 225. Também nesse sentido: BEDAQUE.
Efetividade, op. cit., p. 231. 29
Por todos, citamos: GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, v. 1, 17ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2003, p. 76; SHIMURA, Sérgio. Título Executivo. São Paulo: Saraiva,
1997, p. 19-20; ARRUDA ALVIM, Tratado, op. cit., p. 378; DIDIER. Pressupostos, op. cit., p.
204-205.
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ou plena (esta incondicionada), e; outra chamada de ação processual,
concretizada, subordinada ou exercitada (esta condicionada). Dizem eles
que a ação concretizada é o exercício da ação plena, e é somente sobre a
primeira (ação concretizada) que atuam as condições da ação.
Com a devida vênia, discordamos, pois não cremos haver este tipo de
diferença (presença ou não de condicionantes) entre a ação plena (direito
subjetivo) e a ação concretizada (exercício do direito subjetivo), no
ordenamento jurídico pátrio.
Ordinariamente, quando o ordenamento jurídico busca restringir uma
conduta humana, ele limita o próprio direito subjetivo, e não apenas seu
exercício. A título de exemplo, o titular do direito (subjetivo) de
propriedade pode livremente exercer seus poderes de uso, fruição e
disposição da coisa – lembrando que, v.g., os direitos de vizinhança e a
obediência aos padrões do Plano Diretor Urbano são limitadores
(condicionantes) do próprio direito de propriedade e não somente de seu
exercício.
Portanto, a ideia de um direito subjetivo (ação plena) mais amplo que
seu respectivo exercício (ação concretizada) nos afigura excepcional e, até
certo ponto, confusa.
Mais além, o direito subjetivo de ação (plena) tem por fundamento o
artigo 5º, inciso XXXV da Lei Maior30
. Ou seja, está inserto no rol dos
direitos e garantias fundamentais e, justamente por isso, tem aplicação
imediata – trata-se de norma constitucional de eficácia absoluta e
aplicabilidade imediata, que não pode ser contrariada, direta ou
indiretamente, por lei31
. Nesta toada, o direito subjetivo de ação (plena) não
poderia ter seu exercício (ação concretizada) limitado (condicionado) por
lei ordinária (estatuto processual civil).
Concluímos, então, que tanto o direito de ação quanto seu respectivo
exercício não são passíveis de condicionamento pelas chamadas condições
da ação. Em outras palavras, as condições da ação não limitam o direito de
ação mesmo, tampouco seu exercício.
Apesar das ilações supra, ainda não oferecemos um conceito para as
condições da ação no direito processual pátrio. É o que tentaremos fazer.
30
Note-se que o enunciado constitucional deve ser interpretado como: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário alegação de lesão ou de ameaça a direito;” 31
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
362.
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O diploma processual civil prescreve a proibição, dirigida ao julgador,
de resolver o mérito da demanda, caso não concorra uma (ou mais) das
condições da ação. Exsurge daí que as condições da ação são, em verdade,
requisitos necessários para o provimento meritório, ou simplesmente
condições de julgamento do mérito. Inferimos, pois, que as condições da
ação não atuam sobre o direito de ação propriamente dito (direito à
sentença), mas sim sobre o direito à resolução do mérito (direito à sentença
de mérito).
Portanto, nota-se que o legislador brasileiro impôs a diferenciação
entre as condições da ação e o mérito, operando as primeiras como
requisitos de admissibilidade do último. Tanto é assim que a letra fria do
Código de Processo Civil defere tratamento desigual à sentença que
reconhece a carência de ação e à que julga o mérito.
Ao que tudo indica, a técnica das condições da ação encontra
fundamento na economia processual, pois visa a evitar que um processo
inviável se prolongue,32
o qual desperdiçaria tempo dos órgãos judiciais e
dinheiro público, à medida que lançaria o juiz em empreita que sabe ser
infrutífera. Isto porque o litígio (fenômeno social) não teria condições de
ser pacificado, em razão da forma como foi levado a julgamento.
Passemos agora ao exame das relações entre o mérito, as condições da
ação e os pressupostos processuais.
4. Mérito, condições da ação e pressupostos processuais
Prescreve o Código de Processo Civil que o mérito do processo não pode
ser resolvido se ausente algum dos pressupostos processuais ou das
condições da ação (artigo 267, incisos IV e VI, respectivamente). Logo,
antes de adentrar a seara do mérito, deve o juiz averiguar a presença tanto
dos pressupostos processuais quanto das condições da ação.
Leciona Barbosa Moreira que são três os patamares, sucessivos, da
matéria sujeita ao crivo do juiz: os pressupostos processuais, as condições
da ação e o mérito. Prossegue o professor afirmando que tal sistemática é
inspirada na processualística italiana. Em sentido contrário, a teoria alemã
do direito processual reconhece apenas os conceitos de mérito e de
pressupostos processuais, sendo estes bastante abrangentes, englobando
também aquilo que entre nós recebe o nome de condições da ação33
.
32
DIDIER. Pressupostos, op. cit., p. 213. 33
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sobre os pressupostos processuais in Temas de Direito
Processual Civil: quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 83-84.
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Alguns críticos do sistema italiano (adotado pelo Brasil) afirmam que
não seria possível a existência de três juízos independentes acerca da
matéria posta à apreciação judicial, à medida que deve o julgador analisar
apenas a admissibilidade e o mérito das questões, qualquer que seja o caso.
Logo, não haveria que se falar em três categorias autônomas34
.
À luz da crítica supra, merece uma tentativa de sistematização o
trinômio (mérito, condições da ação e pressuposto processuais) em
comento.
4.1. Mérito e requisitos de admissibilidade do mérito
Inicialmente, elegemos como critério diferenciador dos elementos do
trinônimo a referência ou não ao mérito da causa. Deste modo, temos que o
trinômio é composto exclusivamente por mérito e por não-mérito.
No entanto, o que não é mérito (rectius, o que é não-mérito) é,
obrigatoriamente, requisito sem o qual o mérito não pode ser julgado (por
força do artigo 267, incisos IV e VI do Código de Processo Civil).
Frisamos que o mérito só é passível de análise se superada, com resultado
positivo, a cognição acerca das matérias e ele estranhas35
. Portanto, tudo
que é não-mérito, no âmbito do trinômio, é requisito de admissibilidade do
mérito. Então, formam-se dois grupos: mérito e requisitos de
admissibilidade do mérito36
(não-mérito).
Resta-nos agora identificar o que é o mérito – e tudo o que não for
mérito, será, necessariamente, requisito de admissibilidade do mérito.
A exposição de motivos do Código de Processo Civil, em seu item 06,
diz expressamente que o mérito da causa é a lide. Aliás, lide e mérito são
(na maioria das vezes) utilizados como sinônimos por nosso estatuto
processual. Tomemos como exemplo, o trecho em que o referido diploma
normativo fala em “julgamento antecipado da lide”, parece-nos que se trata
de julgamento antecipado do mérito da causa.
Foi mais adiante a exposição de motivos, à medida que estabelece o
próprio conceito de lide (a qual seria sinônima de mérito). Diz da lide,
como já dissera Carnelutti, ser o conflito de interesses qualificado pela
pretensão de um interessado e pela resistência do outro37
. Entretanto, tal
34
DIDIER Jr. Será, op. cit., p. 256. 35
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Aspectos da “extinção do processo” conforme o art. 329
do CPC in Revista de Processo nº 57. São Paulo: RT, 1990, p. 201. 36
BUZAID, Alfredo. Do Despacho Saneador in Estudos de Direito, v. 1. São Paulo: Saraiva,
1972, p. 7. 37
Entendendo lide e mérito como sinônimos: THEODORO JÚNIOR. Pressupostos, op. cit., p.
43.
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conceito de lide é meramente sociológico e não jurídico38
, à medida que o
juiz não julga a lide, mas sim os aspectos da lide levados a seu
conhecimento, isto é, as questões referentes à lide. Logo, a lide
carneluttiana não pode ser o mérito da causa, simplesmente porque o juiz
não a julga.
Mesmo que se adote a concepção de lide como o conflito, deduzido
em juízo, de interesses, qualificado pela pretensão de um interessado e pela
resistência do outro, a sinonímia entre lide e mérito não se salva, pois tal
fórmula deixa transparecer que quando não houver contraposição de
interesses – v.g., demandas constitutivas necessárias – não haverá mérito,
pois não há lide.
Compulsando as origens (latinas) etimológicas do vocábulo “mérito”,
Dinamarco conclui que mérito é exigência39
, ou seja, é aquilo que se
requer, é o próprio objeto do processo, é, em última análise, o pedido40
.
Imperioso rememorar, entretanto, que antes de decidir sobre o pedido
o juiz, logicamente, deve enfrentar as chamadas questões de mérito, que
são alegações feitas pelas partes acerca da suposta relação jurídica de
direito material que as vincula.
Assim, podemos dizer, com Leonardo Greco, que mérito, de certa
forma, envolve as questões que tangenciam a relação jurídica material,
alegada pelo autor. Isto é, engloba tanto o pedido (objeto litigioso) quanto
às alegações em que fundamentam a concessão ou denegação do pedido41
(causa de pedir).
4.2. Pressupostos processuais e condições da ação
Exposta a definição de mérito, passemos agora a analisar a classe dos
requisitos de admissibilidade do mérito (não-mérito), os quais são
exigências legais em cuja ausência o julgador não pode emitir juízo de
mérito42
.
38
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos de Processo Civil Moderno, tomo I, 4ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 253. 39
DINAMARCO. Fundamentos, op. cit., p. 254. 40
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. 2, 6ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 187-189. 41
GRECO, Leonardo. A teoria da ação no processo civil. São Paulo: Dialética, 2003, p. 50. No
mesmo sentido: DIDIER JR. Pressupostos, op. cit., p. 74. 42
DINAMARCO. Instituições, op. cit., p. 636.
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Importante aclarar que doutos professores entendem que todos estes
requisitos de admissibilidade estão no mesmo patamar e, por este motivo,
pragmaticamente, não é importante distingui-los43
.
Ocorre que alguns dos integrantes deste grupo (requisitos de
admissibilidade do mérito) apresentam predicados comuns entre si, sendo
possível realizar uma nova classificação, dentro da classe dos requisitos de
admissibilidade do mérito. E para a ciência do direito processual, é
importante proceder a tal classificação.
O gênero dos requisitos de admissibilidade do mérito comporta duas
espécies: os pressupostos processuais e as condições da ação. Passemos a
analisá-los.
Pois bem, a primeira espécie do gênero em comento (requisitos de
admissibilidade do mérito) são os pressupostos processuais. Há muito se
reconhece, com hialina clareza, que o processo estabelece uma relação
jurídica própria, de natureza pública, entre os cidadãos-partes e o Estado-
juiz: é a relação jurídica processual44
.
Em verdade, cuida-se de um conjunto de relações jurídicas (e não de
apenas uma), cuja pertença ao processo lhes rende a denominação “relações
jurídicas processuais”45
. Em outras palavras, chamamos de relação jurídica
processual (autônoma e inconfundível com a relação material) o
agrupamento (conjunto) de vínculos (relações) juridicamente disciplinados
que, por força da propositura da demanda, estabelecem-se entre as partes e
o juiz46
.
Os requisitos de admissibilidade do mérito que se prestam a avaliar a
relação processual (isto é, a existência e a regularidade da relação
processual) recebem a designação de pressupostos processuais47
.
Por sua vez, a segunda e última espécie do gênero requisitos de
admissibilidade do mérito são as condições da ação. Incialmente,
adiantamos que as condições da ação não versam sobre a relação jurídica
processual. Aliás, se o fizessem, seriam rigorosamente pressupostos
processuais – e não restaria nenhuma dessemelhança entre os elementos
integrantes da classe dos requisitos de admissibilidade do mérito. Todavia,
43
DINAMARCO. Instituições, op. cit., p. 636. 44
BÜLOW, Oskar von. La teoria de das excepciones dilatórias y los pressupuestos procesales;
trad.: Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: Ejea, 1964, p. 2. 45
CARNELUTTI, Franceso. Instituciones del Processo Civil, v. 1; trad.: Santiago Santis
Melendo. Buenos Aires: Ejea, s/a, p. 290. 46
BARBOSA MOREIRA. Sobre, op. cit., p. 84. 47
GRECO. A teoria, op. cit., p. 19.
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não sucede assim. As condições da ação versam sobre a relação jurídica de
direito material, deduzida em juízo48
. E por conta disso, torna-se uma
categoria complexa.
À primeira vista, parece que seus predicados são contraditórios entre
si, pois ao mesmo tempo é não-mérito (requisito de admissibilidade do
mérito), é mérito (versa sobre a relação jurídica de direito material).
Parássemos neste ponto e a sistematização inelutavelmente falharia.
Contudo, tentaremos prosseguir.
4.3. Mérito e condições da ação
Conforme o exposto, tanto o mérito quanto as condições da ação importam
em um juízo acerca da relação jurídica de direito material posta sob o crivo
do juiz. Destarte, as condições da ação, ontologicamente, integram o mérito
da causa. Dito de outro modo, a análise das condições da ação não importa
em pronunciamento sobre a relação processual (como ocorre com os
pressupostos processuais), mas sim em decisão que avança sobre o objeto
da demanda. Em vista disso, as condições da ação são também chamadas
de “mérito em sentido amplo”49
.
Destarte, mister aclarar que, ontologicamente, inexiste diferença entre
as condições da ação e o mérito, pois. Esta, aliás, é uma conclusão
comungada por numerosos autores50
.
O art. 269 do Código de Processo Civil nos dá fortes indícios de que
resolver o mérito da demanda é decidir sobre o pedido, a partir da causa de
pedir, isto é, da relação jurídica material.
Entretanto, quando o juiz declara que o autor não pode pedir tal
provimento ou que contra o réu tal provimento não pode ser pedido
(ilegitimidade das partes); que o provimento é desnecessário ou incapaz de
trazer benefícios ao autor (interesse de agir), ou; que tal pedido não pode
ser formulado (possibilidade jurídica do pedido), o juiz, pragmaticamente,
acaba por decidir por não dar ao autor o bem da vida perquirido, por conta
de aspectos da relação jurídica de direito material. O que confirma a
identidade ontológica entre mérito e condições da ação.
48
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araujo; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo
Civil, 4ª ed. São Paulo: RT, 2006, p. 126. No mesmo sentido: GRECO. A teoria, op. cit., p. 23. 49
COMOGLIO, et. al. Lezioni, op. cit. p. 240. 50
CALMON DE PASSOS José Joaquim. Em tôrno das condições da ação – a possibilidade
jurídica in Revista de Direito Processual Civil, v. 4. São Paulo: Saraiva, 1961, p. 55;
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo, v. 1, 3ª ed. São Paulo: RT, 2008, p.
182; BAPTISTA DA SILVA; GOMES. Teoria, op. cit., p. 126-128; BEDAQUE. Efetividade,
op. cit., 260; DIDIER. Pressupostos, op. cit., 215. Note-se que este último autor entende ser
possível encontrarmos condições da ação que não se reportam à relação jurídica material.
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Inobstante, a realidade inexorável é que o legislador retirou as
condições da ação do âmbito do mérito51
, inserindo-as na classe dos
requisitos de admissibilidade do mérito. E para tal expediente, certamente,
valeu-se da técnica da ficção jurídica.
Neste ponto, válido apontar que é exatamente por isso que a
sistematização do trinômio se mostra árdua tarefa, pois, essencialmente, as
condições da ação integram o mérito, mas, ficticiamente, foram alocadas,
pelo direito positivo, nos requisitos de admissibilidade do mérito.
Neste contexto, surge a teoria da asserção para explicar a distinção
(ficta) entre as condições da ação e o mérito. Segundo esta teoria, a aferição
das condições da ação “nada mais é do que um exame, apriorístico e
superficial, da própria relação material”52
.
Nesse passo, as alegações do autor da demanda devem ser analisadas
em tese, ou seja, em estado de asserção (in statu assertionis). E é desse
exame, feito no condicional (isto, é tomando como verdade os fundamentos
da petição inicial) que deve exsurgir a conclusão acerca da presença ou
ausência das condições da ação53
.
A fim de elucidar o tema, socorremo-nos de exemplo fornecido pela
doutrina54
: ocorre um acidente de trânsito, o motorista culpado evade-se do
local e a vítima ingressa com demanda reparatória. Se o autor-vítima, na
inicial, alega que aquele em face de quem pede a tutela jurisdicional não é
nem o dono nem o motorista do automóvel causador do acidente, é caso de
carência de ação por ilegitimidade passiva. Por outro lado, se o autor alega
que o réu é o dono ou o motorista do automóvel causador do acidente, mas,
depois de dilação probatória, descobre-se que não o é, é caso de
improcedência.
Em todo o caso, percebe-se que saber se o réu é dono ou motorista do
automóvel causador do acidente é questão (por sua natureza) de mérito,
pois se volta à suposta relação de direito material entre ofensor e vítima.
Mas, em razão da diferenciação entre mérito e condições da ação,
convencionou-se que se, desde o início do processo, partindo-se das
alegações autorais, sabe-se que o réu não tem qualquer responsabilidade
sobre o acidente, é caso de carência de ação. A contrario sensu, se a não
51
FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do processo e mérito da causa in Revista de
Processo nº 58. São Paulo: RT, 1990, p. 12. 52
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1998, p. 103. 53
BEDAQUE. Pressupostos, op. cit., p. 54. 54
BEDAQUE. Efetividade, op. cit., p. 254-255.
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responsabilidade do réu só é aferida após dilação probatória, é caso de
improcedência.
Destarte, segundo a teoria da asserção, o critério diferenciador
(diferença) entre mérito e condições da ação é o momento do julgamento:
se antes da dilação probatória, é condição da ação; se depois, é mérito.
Nesta esteira, a sistematização do trinômio, segundo o direito positivo
pátrio, deve ser feita da seguinte forma:
a. Mérito: exame da relação jurídica material, após dilação probatória.
b. Requisitos de admissibilidade do mérito.
b.1. Pressupostos processuais: exame da relação jurídica processual.
b.2. Condições da ação: exame da relação jurídica material, antes de
dilação probatória.
Esta proposta de sistematização não é cientificamente primorosa, pois
elege, ao mesmo tempo, dois critérios diferentes – a lógica dos predicados
determina que apenas um critério seja adotado por vez – para identificar o
que é mérito, quais sejam: (i) exame da relação jurídica material, e; (ii)
após dilação probatória.
Talvez fosse mais rigorosa, do ponto de vista da lógica, a
sistematização do trinômio da seguinte maneira:
a. Pressupostos processuais: exame da relação jurídica processual.
b. Exame da relação jurídica material.
b.1. Condições da ação: antes da dilação probatória.
b.2. Mérito: após dilação probatória.
Aqui, há apenas um critério diferenciador (diferença) entre as classes
a e b (exame da relação material ou não), bem como somente um predicado
distintivo (diferença específica) entre o gênero b e as espécies b.1 e b.2
(momento da prolação da decisão).
Ocorre que, pressupostos processuais e condições da ação, por força
de lei, estão no mesmo patamar, qual seja: requisitos de admissibilidade do
mérito. São, ope legis, requisitos imprescindíveis ao mérito. Logo, esta
segunda sistematização, apesar de mais rigorosa, é menos útil à teoria geral
do processo.
4.4. Teoria da asserção
Retornando à análise da teoria da asserção, destacamos que se trata de uma
teoria elabora pela doutrina (portanto, integrando a ciência do direito
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processual, e não o direito processual positivo) para explicar a ficção
jurídica que retira as condições da ação do âmbito do mérito da causa.
E é a doutrina, por meio da teoria da asserção, que indica que o
critério que diferencia o mérito e as condições da ação é o momento do
julgamento. Contudo, a eleição deste critério diferenciador é arbitrária, pois
não encontra base normativa no ordenamento jurídico, isto é, o direito
positivo não dá pistas de como diferenciar mérito e condições da ação.
E não há problema nisto, pois a definição e a classificação de
institutos jurídicos é tarefa da doutrina e não do legislador. O que precisa
ser salientado é que a teoria da asserção é apenas uma entre várias teorias
possíveis aptas a explicar a mencionada diferença. Não obstante, a teoria da
asserção é a que predomina entre os processualistas brasileiros e por isso
merece nossa atenção.
Pois bem, dentre as críticas que a teoria da asserção recebe, uma delas
aparenta ser injustificada: fala-se que a teoria da asserção é falha, pois a
natureza das questões não muda conforme o momento em que é
examinada55
.
É claro que a essência da questão não muda conforme o momento em
que é aferida. Ontologicamente, as condições da ação são mérito (porque
ambos se voltam ao exame da relação material) e sempre o serão,
independentemente do momento em que são averiguadas. A teoria da
asserção não procura estabelecer uma diferença ontológica entre condições
da ação e mérito, mas visa apenas explicar a ficção jurídica que retira as
condições da ação do âmbito do mérito, ou seja, se propõe a apontar um
critério fictício (e não ontológico) de diferenciação entre eles – o que não
pode, de modo algum, ser encarado como falha.
Não obstante, a teoria da asserção não está imune a imprecisões.
Nosso direito positivo, em certas hipóteses, permite que o mérito seja
resolvido em estado de asserção. Assim, estaremos diante de uma decisão
acerca da relação jurídica material, proferida antes da produção de provas,
mas que é de cunho meritório. Pela classificação supra, seria uma decisão
sobre condições da ação, mas nosso diploma processual prescreve ser
decisão de mérito.
Estamos falando das hipóteses em que, com amparo somente nas
alegações do autor, o juiz profere decisum liminar de improcedência
55
DIDIER JR. Pressupostos, op. cit., p. 19. O próprio autor reconhece que, apesar desta
imprecisão, a adoção da teoria da asserção é a melhor solução hermenêutica para a teoria geral
do processo.
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pedido. São os casos de improcedência prima facie em razão de prescrição
ou decadência e de demandas repetitivas – previstas nos artigos 295, inciso
IV e 285-A c/c artigo 269, incisos I e IV, todos do Código de Processo
Civil.
Nestes casos, a teoria da asserção não consegue diferenciar a
impossibilidade jurídica do pedido (juízo negativo de condição da ação) da
improcedência liminar (juízo negativo de mérito).
Finalmente, um último comentário precisa ser feito. Trata-se da
insuficiência da teoria da asserção para explicar a falta de interesse-
necessidade nas demandas de natureza declaratória.
A crítica é feita porque é possível, nestas demandas, produzir prova
apenas em relação à existência de interesse-necessidade (incerteza objetiva
sobre a relação material afirmada na inicial), sem que isso toque a própria
relação jurídica material afirmada em juízo. O que desemboca na
possibilidade de decidir sobre condição da ação depois da dilação
probatória56
.
Destaque-se que a questão do interesse-necessidade nas demandas de
natureza declaratória pode ser estendida para as demandas constitutivas
não-necessárias, pois aqui também a crise de cooperação – que constitui a
causa de pedir (remota) passiva – não tangencia a relação de direito
material afirmada em juízo. Em outras palavras, é possível fazer prova da
inexistência de crise de situação jurídica57
, sem que isto afete o direito
material à constituição, à modificação ou à extinção de certa situação
jurídica.
O mesmo não pode se dizer das crises das demandas condenatórias,
haja vista que, nestes casos, a inexistência de crise de interesse-necessidade
indica a inexistência de inadimplemento. E não havendo inadimplemento, o
autor não faz jus à prestação. Assim, o interesse-necessidade integra,
ontologicamente, o mérito da causa.
Semelhante questionamento pode ser levantado em relação à
legitimidade extraordinária. Trata-se de mais uma possibilidade de decisão
sobre condição da ação após dilação probatória.
A título de explicação, não entendemos que a legitimidade
extraordinária e o interesse-necessidade nas demandas declaratórias e
56
BEDAQUE. Efetividade, op. cit., p. 363. 57
Crise de situação jurídica é o nome que se dá à crise de cooperação cujo objeto é a (sonegação
da) criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica. OLIVEIRA, Bruno Silveira de.
Conexidade e Efetividade Processual. São Paulo: RT, 2007, p. 61
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constitutivas não-necessárias sejam pressupostos processuais, pois não
podem ser averiguados, unicamente, a partir da relação jurídica processual.
4.5. Mais algumas observações
Apontam alguns doutrinadores que as condições da ação se relacionam a
cada um dos elementos da demanda58
, de sorte que: a legitimidade das
partes se conecta às partes; o interesse de agir à causa de pedir, e; a
possibilidade jurídica do pedido ao pedido.
Tal assertiva é, em certa medida, correta. No entanto, no tocante à
possibilidade jurídica do pedido, alguns ajustes fazem-se necessários. Por
vezes, a impossibilidade jurídica do pedido ocorre porque o ordenamento
jurídico veda o próprio pedido. Porém, é possível que o pedido seja
juridicamente impossível em razão de peculiaridades da causa de pedir ou
das partes59
.
Exemplificando: se o autor pedir que o réu seja condenado à pena de
escravidão, o pedido mesmo será juridicamente impossível, pois o
ordenamento jurídico o veda. Por outro lado, se o autor requerer a
condenação do réu ao pagamento de quantia pecuniária a título de dívida de
jogo, a situação é outra: o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de
condenação ao pagamento (de dinheiro), mas não quando o fundamento do
pagamento for dívida de jogo; neste caso, o pedido será juridicamente
impossível em razão da causa de pedir.
Por fim, pensemos na hipótese de um autor que ingressa com demanda
em face da União Federal, requerendo o reconhecimento, em seu favor, de
usucapião de bem imóvel. Novamente, em tese, é possível a usucapião de
bens imóveis, todavia, o ordenamento jurídico veda que seja usucapido
bem imóvel público. Logo, estamos diante de impossibilidade jurídica do
pedido por conta da parte (contra quem se pede)60
.
Outra observação deve ser tecida, esta acerca das condições da ação e
da coisa julgada. Como o juízo acerca das condições da ação analisa a
relação jurídica material, tem eficácia extraprocessual (para o direito
material) e, por isso, deve ficar imunizado pela autoridade da coisa julgada
material61
. O que quer dizer que, extinto o processo em razão de carência
58
DIDIER JR. Será, op. cit., p. 256. 59
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil, 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 398. 60
Reconhecemos que, neste caso, alguns poderiam falar que se trata de impossibilidade do
pedido em razão da causa de pedir. No entanto, o intuito dos exemplos é demonstrar que nem
sempre a impossibilidade jurídica do pedido decorre de vedação ao pedido em si mesmo. 61
COMOGLIO, et. al. Lezioni, op. cit. p. 240; FABRÍCIO. Extinção, op. cit., p. 19.
BEDAQUE. Efetividade, op. cit., p. 259.
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de ação, não pode o autor intentá-lo novamente62
. Entendemos que tal
posição é polêmica, porém, inclinação teórica diversa seria extremamente
gravosa para o processo.
Não reconhecer a autoridade da coisa julgada material para a sentença
que declara a carência de ação significa permitir ao autor a renovação da
demanda, a seu bel prazer. Nada nos parece ser mais contrário à economia
processual – princípio este que fundamenta a própria existência das
condições da ação no direito processual brasileiro.
A atribuição da autoridade de coisa julgada material para a sentença
de carência de ação só é possível porque adotamos como premissa a
escolha nacional pela teoria abstrata da ação. Ora, só a jurisdição é capaz
de fazer coisa julgada, logo, a decisão de carência de ação, porque faz coisa
julgada, é exercício da jurisdição63
.
Lembra-nos Furtado Fabrício que, uma vez suprida a carência de ação,
será alterado, pelo menos, um dos elementos da demanda – pois as
condições da ação ligam-se a eles. Logo, haverá uma nova demanda,
diversa daquela acobertada pela coisa julgada material. Assim, a supressão
da carência de ação franqueia ao autor a possibilidade de ingresso em
juízo64
, não pela ausência de coisa julgada material, mas sim porque se trata
de nova demanda.
Insignes processualistas alertam que, apesar de ambas tornarem-se
imutáveis, a sentença de mérito importa em solução total da lide (na
acepção que Carnelutti atribui à palavra), enquanto a sentença que
reconhece a carência de ação consubstancia solução tão-somente parcial
daquela65
. Tal diferenciação, apesar de precisa, tem por referencial a lide
carneluttiana. No entanto, concessa venia, não é com ela que o processo se
preocupa – o objeto da jurisdição não são os eventos do mundo
fenomênico66
.
Mesmo nos casos de jurisdição contenciosa, o juiz não julga a lide
carneluttiana, mas sim sua transposição para o processo. E tanto a sentença
de mérito quanto a que reconhece a carência de ação versam sobre a
relação material deduzida em Juízo e, por isso, são capazes de solucionar a
integralidade da lide, nos termos em que foi levada ao Judiciário. Destarte, 62
BAPTISTA DA SILVA; GOMES. Teoria, op. cit., p. 129. 63
Se defendêssemos que o Brasil adotou a teoria eclética da ação não poderíamos reconhecer
que a carência de ação faz coisa julgada material, pois a carência de ação não seria exercício da
jurisdição e, portanto, não estaria apta à coisa julgada material. 64
FABRÍCIO, op. cit., p. 17. 65
BEDAQUE. Efetividade, op. cit., p. 405. 66
GRECO. A teoria, op. cit., p. 62.
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com o devido respeito, se adotarmos como referencial a transposição para o
processo da lide carneluttiana (ou seja, a lide deduzida em juízo), a
distinção supra não se sustenta.
Ante o exposto, alguém poderia indagar o porquê de continuarmos as
distinguir as condições da ação do mérito, já que ontologicamente aquelas
integram o conteúdo deste e ambos são aptos à coisa julgada material. A
resposta é simples: continuamos a diferenciar porque a lei manda. O
Código de Processo Civil claramente estatui que são coisas diferentes –
apesar de fazê-lo com base em ficção jurídica.
Depois de tudo quanto foi exposto, nos sentimos autorizados a
adentrar o estudo do regime jurídico que o projeto de novo Código de
Processo Civil (PL nº 166/2010) defere à categoria das condições da ação.
5. Condições da ação no projeto de novo Código de Processo Civil
Conforme dissemos linhas acima, o projeto de novo Código de Processo
Civil promoveu algumas mudanças na sistemática das condições da ação.
Passemos a investigá-las.
5.1. Supressão da expressão “condições da ação”
A primeira inovação foi a abolição da expressão “condições da ação”.
No entanto, o projeto, valendo-se da mesma ficção jurídica da qual lançou
mão o atual estatuto processual, manteve o interesse de agir e a
legitimidade das partes enquanto elementos estranhos ao mérito (art. 467,
VI do PL nº 166/1067
). Novamente, temos elementos que se voltam a
examinar a relação material, mas que, ope legis, não integram ao mérito.
Isto nos leva a crer que, apesar de suprimida a expressão “condições da
ação”, estas subsistem enquanto categoria autônoma, embora sem sua
tradicional nomenclatura68
.
Em outras palavras, o juiz continuará a realizar dois juízos: um sobre
o mérito e outro sobre os requisitos de admissibilidade do mérito. Por sua
vez, o juízo acerca dos requisitos de admissibilidade do mérito seguirá
bipartido.
Esta conclusão implica em admitir também que a teoria da asserção
sobreviverá a mudança no direito processual civil positivo, ou seja, a
doutrina continuará a valer-se do momento de prolação da decisão como
67
Renumerado para art. 472, VI no Relatório do Sen. Valter Pereira, e novamente renumerado
para art. 495, VI no Substitutivo apresentado pelo Dep. Paulo Teixeira. 68
Em sentido contrário, entendendo que as condições da ação foram terminantemente extintas,
passando a integrar ou os pressupostos processuais ou o mérito: DIDIER JR. Será, op. cit., p.
258.
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critério fictício de distinção entre mérito e condições do julgamento do
mérito – hodiernamente chamadas de condições da ação. Nessa esteira, o
projeto encampa a atual sistematização dos elementos do trinômio, com
todas as suas imperfeições lógicas, a saber:
a. Mérito: exame da relação jurídica material, após dilação probatória.
b. Requisitos de admissibilidade do mérito.
b.1. Pressupostos processuais: exame da relação jurídica processual.
b.2. Condições do julgamento do mérito: exame da relação jurídica
material, antes de dilação probatória.
Neste ponto, não podemos deixar de elogiar o projeto. Andou bem a
proposta, pois, como indicado alhures, o Brasil adotou (e o projeto manteve
esta posição) a teoria abstrata da ação, o que torna a expressão “condições
da ação” inadequada para intitular o papel que a categoria desempenha na
teoria geral do processo, uma vez que não se tratam de requisitos
indispensáveis à existência de ação, mas sim de requisitos imprescindíveis
ao julgamento do mérito – não são verdadeiras condições da ação, senão
condições do julgamento do mérito.
Suprimida a expressão “condições da ação”, devemos abandonar o
hábito, já arraigado em nossa doutrina processual, de falar em “carência de
ação” – expressão esta, aliás, também inadequada, pois, uma vez que ação
é incondicionada, sempre há ação, isto é, nunca o autor dela carecerá69
.
5.2. Condições do julgamento do mérito e coisa julgada material
Outro ponto que não pode nos passar batido é o reconhecimento, pelo
projeto, da aptidão à coisa julgada material das sentenças que reconhecem a
ausência de uma (ou mais) das condições do julgamento do mérito.
O artigo 468, § 1º do PL nº 166/10 estabelece expressamente que a
falta de legitimidade das partes ou de interesse de agir não impede a nova
propositura da demanda, uma vez sanado o vício. Mais precisa foi a
redação dada ao dispositivo pelo relatório apresentado pelo Senador Valter
Pereira70
. Depois de renumerado (passou a constar do artigo 473, § 1º) o
enunciado deixa transparecer que o resultado da correção do vício é uma
nova demanda, isto é, diversa daquela previamente julgada e, por isso, não
acobertada pela coisa julgada material.
69
Salvo naqueles casos em que o “autor” não se dirige a órgão jurisdicional. Aqui, não há
exercício da jurisdição e, por isso, tampouco há ação. No entanto, aqui a própria utilização da
nomenclatura “autor” torna-se discutível. 70
Mantida no Substitutivo apresentado pelo Dep. Paulo Teixeira (art. 496, § 1º).
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A contrario senso, infere-se que é vedada a nova propositura da
mesma demanda na qual foi reconhecida a falta de interesse ou
legitimidade. Isto nos leva a crer que, finalmente, foi reconhecida pela lei a
aptidão à coisa julgada material da sentença que reconhece a ausência das
condições de julgamento do mérito – algo que já era vaticinado pela melhor
doutrina.
Por reconhecer a imutabilidade da sentença declaratória de ausência
de interesse ou legitimidade, o projeto é incisivo na adoção da teoria da
ação como direito abstrato. Como dito acima, apenas a jurisdição pode
fazer coisa julgada material, assim a sentença declaratória de falta de
condição do julgamento do mérito, porque faz coisa julgada material, é
exercício da jurisdição. E, como ação e jurisdição coligam-se por estrita
correlação, nestes casos, também haverá ação, como sempre.
5.3. Supressão da possibilidade jurídica do pedido
Dentre as “condições da ação”, a possibilidade jurídica sempre foi a que
mais gerou polêmica. Tanto é assim que o próprio Liebman a abandonou
enquanto condição da ação autônoma71
. E o projeto embarca nessa
tendência, suprimindo-a do rol das condições do julgamento do mérito. No
entanto, não fica claro o que será da possibilidade jurídica do pedido.
Segundo Câmara72
, o projeto seguiu a última versão das lições do
jurista italiano, inserindo a possibilidade jurídica no âmbito do interesse de
agir. Todavia, não nos parece ter sido essa a linha adotada.
A análise acerca da possibilidade jurídica do pedido avança sobre o
que há de mais intrínseco na demanda, a parcela mais importante (para o
processo) do direito material, o cerne do mérito: o pedido.
A impossibilidade jurídica traduz um problema de não incidência do
direito material à demanda (ao pedido, especificamente), logo, de mérito73
.
Cuida-se apenas de uma hipótese de improcedência macroscópica, isto é,
uma forma mais explícita de improcedência74
. E não conseguimos negar a
identidade ontológica das duas situações (improcedência e impossibilidade
jurídica do pedido)75
.
Entretanto, além de não haver diferença ontológica entre o mérito e a
possibilidade jurídica do pedido, também não há diferença ficta (quanto ao
71
CÂMARA. Será, op. cit., p. 262. 72
CÂMARA. Será, op. cit., p. 262. 73
CALMON DE PASSOS. Em tôrno, op. cit., p. 63. 74
DIDIER JR. Pressupostos, op. cit., p. 226. 75
BEDAQUE, Efetividade, op. cit., p. 270.
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momento do reconhecimento), porquanto o mérito do pedido pode ser
analisado em estado de asserção, nos casos de improcedência liminar da
demanda.
Ora, não sendo dotadas de predicados (nem de ordem ontológica nem
de ordem ficta) capazes de diferenciá-las, as categorias do mérito e da
possibilidade jurídica do pedido confundem-se.
Entender que a possibilidade jurídica do pedido foi integrada pelo
interesse de agir importa em, ao invés de resolver a confusão narrada,
simplesmente deslocá-la do âmbito de uma condição do julgamento do
mérito autônoma para o seio de outra. Novamente: não nos parece ter sido
a linha adotada pelo projeto.
Este, por outro lado, reconhecendo tal confusão entre as categorias,
resolve tratá-las, rigorosamente, como a mesma coisa (que é o que
realmente são: a mesma coisa, ontológica e fictamente). Então, estamos
com Didier Jr. quando conclui que a possibilidade jurídica do pedido, na
nova ordem processual – caso o PL nº 166/10 seja aprovado com a atual
redação –, não integra o interesse de agir, mas sim o mérito76
.
Saliente-se que a teoria da asserção ressurge revigorada no projeto,
pois uma das situações que não lograva êxito em explicar (possibilidade
jurídica do pedido) foi extinta. No entanto, persistirão os apontamentos
quanto ao interesse-necessidade nas demandas declaratórias e constitutivas
não-necessárias e à legitimidade extraordinária.
6. Conclusão
Ante todo o exposto, chegamos a algumas conclusões acerca do tratamento
que o projeto de novo Código de Processo Civil defere à classe das
condições da ação (problema central enfrentado neste ensaio).
A primeira delas diz respeito a não aniquilação da classe das
condições da ação pelo referido projeto. Isso porque o PL nº 166/10, apesar
de abolir a expressão “condições da ação”, não extinguiu a categoria
jurídica a que ela se refere. Isto é, haja vista a manutenção a legitimidade
das partes e o interesse de agir como matérias estranhas ao mérito, a classe
das condições da ação subsiste, embora sem sua tradicional nomenclatura.
Trata-se somente de alvissareira correção do nome da categoria, pois.
Por conta disso, exsurge a segunda conclusão: se aprovado o PL nº
166/10 com a redação atual, o juiz continuará a fazer dois juízos acerca da
matéria posta sob sua apreciação: um de mérito e outro de admissibilidade
76
DIDIER JR. Será, op. cit., p. 257.
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do mérito, sendo este subdividido entre pressupostos processuais e
condições do julgamento do mérito – nomenclatura proposta para a classe
que atualmente é (inapropriadamente) designada por “condições da ação”.
Para a sistematização das categorias “mérito”, “condições de
julgamento do mérito” e “pressupostos processuais”, mantêm-se os
critérios ontológico (exame da relação material ou processual) e fictício
(momento da prolação do juízo). Destarte, a teoria da asserção – que
explica o critério fictício –, continua a ser solução hermenêutica viável, e
quiçá a mais apta, para teoria geral do processo.
Mais além, ainda sobre o regime das condições de julgamento do
mérito no projeto, conclui-se também que o PL nº 166/10 reconhece não
haver dessemelhança, ontológica ou ficta, entre mérito e possibilidade
jurídica do pedido. Por isso, elimina esta do sistema processual pátrio,
incorporando-a ao exame do próprio mérito – o que confere novo fôlego à
teoria da asserção.
Por fim, infere-se que a exemplo do diploma processual atual, o
projeto adota a teoria da ação como direito abstrato e, neste ponto, é
incisivo, à proporção que reconhece que a sentença de carência de
condições do julgamento de mérito tem aptidão para a coisa julgada
material.
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