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www.ts.ucr.ac.cr 1 As Continuidades do Perfil Profissional Pedro Simões 1 [email protected] Eje: Formacion Profissional Mesa de trabajo: Nuevos Perfiles Profissionales Palabras claves: Genero, origem social, religião e Trabalho Social Resumen A formação em Serviço Social no Brasil tem buscado continuamente realizar modificações curriculares (no início dos anos oitenta, noventa e desta década - 2000), assim como estabelecer novos parâmetros éticos para a profissão (revisões no Código de Ética em 1986 e 1993), buscando torná-lo mais crítico, secularizado e compro- missado aos interesses das classes trabalhadoras, sem ter realizado uma discussão ampla e profunda sobre as continuidades do perfil profissional. As pesquisas reali- zadas sobre este tema, com um âmbito abrangente (nacional), são restritas ao período de gênese da profis- são no Brasil. As demais, além de terem um pouco rigor metodológico, ainda limitam -se a âmbitos muito restritos (como áreas de intervenção, por exemplo). Há, portanto, uma lacuna no debate sobre o perfil profissional que necessita ser explorada, uma vez que, há determinantes culturais e sociais que funcionam como ideologias totais (no sentido manheimiano). Uma hegemonia feminina, religiosa e oriunda das camadas mais pa uperizadas da população são traços constitutivos do perfil profissional, que marcam fortes continuidades com seu passado tradicionalista, e que ainda não foram devidamente di- mensionados no debate. O artigo que apresento busca discutir o perfil discente e docente, a partir de pesquisas, enfocando as categorias de gênero, origem social e religião. O perfil dos assistentes sociais é um tema que pouco foi explorado pela categoria profissional. A impressão de que a profissão continua sendo hegemonicamente feminina e incorpora alunos oriundos de famílias das camadas mais baixas da sociedade é resultado de uma observação assistemática que necessita tanto de uma comprovação, como, e principalmente, de uma explicação do porquê da presença destes fatores na profissão. Os principais temas que tem sido objeto de estudo pelos assistentes sociais, não buscam desvendar as origens sociais dos assistentes sociais, embora, elas sejam importantes de serem discutidas. 1 Mestre em Serviço Social pela UFRJ e Doutorando de Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) - Brazil. Texto apresentado ao XVII Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social; Lima, Perú. 2001.

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As Continuidades do Perfil Profissional Pedro Simões1

[email protected]

Eje: Formacion Profissional Mesa de trabajo: Nuevos Perfiles Profissionales Palabras claves: Genero, origem social, religião e Trabalho Social

Resumen A formação em Serviço Social no Brasil tem buscado continuamente realizar modificações curriculares (no início dos anos oitenta, noventa e desta década - 2000), assim como estabelecer novos parâmetros éticos para a profissão (revisões no Código de Ética em 1986 e 1993), buscando torná-lo mais crítico, secularizado e compro-missado aos interesses das classes trabalhadoras, sem ter realizado uma discussão ampla e profunda sobre as continuidades do perfil profissional. As pesquisas reali-zadas sobre este tema, com um âmbito abrangente (nacional), são restritas ao período de gênese da profis-são no Brasil. As demais, além de terem um pouco rigor metodológico, ainda limitam -se a âmbitos muito restritos (como áreas de intervenção, por exemplo). Há, portanto, uma lacuna no debate sobre o perfil profissional que necessita ser explorada, uma vez que, há determinantes culturais e sociais que funcionam como ideologias totais (no sentido manheimiano). Uma hegemonia feminina, religiosa e oriunda das camadas mais pauperizadas da população são traços constitutivos do perfil profissional, que marcam fortes continuidades com seu passado tradicionalista, e que ainda não foram devidamente di-mensionados no debate. O artigo que apresento busca discutir o perfil discente e docente, a partir de pesquisas, enfocando as categorias de gênero, origem social e religião.

O perfil dos assistentes sociais é um tema que pouco foi explorado pela categoria

profissional. A impressão de que a profissão continua sendo hegemonicamente

feminina e incorpora alunos oriundos de famílias das camadas mais baixas da

sociedade é resultado de uma observação assistemática que necessita tanto de

uma comprovação, como, e principalmente, de uma explicação do porquê da

presença destes fatores na profissão. Os principais temas que tem sido objeto de

estudo pelos assistentes sociais, não buscam desvendar as origens sociais dos

assistentes sociais, embora, elas sejam importantes de serem discutidas.

1 Mestre em Serviço Social pela UFRJ e Doutorando de Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj) - Brazil. Texto apresentado ao XVII Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social; Lima, Perú. 2001.

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As informações disponíveis na bibliografia acadêmica sobre o perfil profissional2

apresentam dois grandes problemas: ou elas são muito antigas, ou o estudo é

muito circunscrito a um âmbito da prática profissional, impedindo que possam ser

feitas inferências para o conjunto da categoria profissional. Neste último caso, os

dados são oriundos de dissertações de mestrado e teses de doutorado, que

tratam da prática assistencial, ficando, assim, restritos a uma área de abrangência

temática (profissionais da saúde, por exemplo), ou a uma instituição e aos fóruns

onde são apresentados. Além destas duas limitações, as pesquisas realizadas

com este propósito, em geral, não atendem a um rigor estatístico mínimo. Assim,

os estudos sobre o perfil dos assistentes sociais tem servido, apenas, para fins

muito limitados, embora apresentem alguns importantes “insights” interpretativos.

A pesquisa elaborada por diversas entidades do Serviço Social em 1998 (ver

Serra, 1998), entitulada “O Serviço Social no Estado do Rio de Janeiro hoje”,

envolvia quatro sub-projetos em que um deles era o estudo de “O Perfil do

assistente social no Estado do Rio de Janeiro”, mas, ao que consta, este foi o

único não realizado. Desta forma, informações sistemáticas sobre este tema

continuam inexistentes. Esta ausência impede, de certo modo, que alguns temas,

que fizeram parte do perfil “típico” dos assistentes sociais possam ser rediscutidos.

Três variáveis são usualmente utilizadas para a realização desta tipologia: gênero,

com a identificação da profissão como eminentemente feminina; origem social,

com a identificação que os profissionais provinham, no período de

profissionalização da assistência, das camadas altas, e agora das camadas baixas

da sociedade; e religião (católica), principalmente como motivadora para a ação

profissional. Estes são três itens que fazem parte da configuração do assistente

social e não há nenhum estudo com expressão nacional que busque relativizar ou

alterar este padrão, ou mesmo explicar as suas causas.

O objeto deste artigo é mostrar alguns dados que foram levantados sobre o tema

(restritos à Cidade do Rio de Janeiro e às ressalvas metodológicas expressas

acima), apresentando-os de forma cronologica e, hora enfocando o perfil

2 Os dados que foram levantados não fizeram parte de uma pesquisa exaustiva sobre o tema. A ausência de projeção em relação às pesquisas referentes ao perfil profissional dificultam o levantamento dos dados.

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profissional, hora o perfil discente. Os dados de gênero, origem social e religião

são enfatizados ao longo da análise, na tentativa de verifircar as continuidades e

rupturas que podem ser encontradas no material já diponível. O texto está divido

em três partes que foram estabelecidas por um parâmetro cronológico: no primeiro

momento são apresentados os dados que geraram a formação de uma imagem do

perfil profissional, derivado do período da gênese da profissão no Brasil; em

seguida, as pesquisas que se reportam dos anos sessenta aos anos oitenta

(inclusive), período em que se busca uma secularização do ens ino do Serviço

Social, através do Movimento de Reconceituação e da busca de critérios

científicos para mesma, seja através da incorporação do positivismo, seja através

do marxismo3; por último, a configuração atual deste perfil, através das pesquisas

realizadas durante os anos noventa.

O Perfil Profissional na Gênese da Profissão

O trabalho de Balbina O. Vieira, “Serviço Social: precursores e pioneiros” (1984),

talvez não seja o primeiro livro, na literatura profissional, a tratar do tema do perfil

profissional. Ele fornece, no entanto, uma representação de como os autores

conservadores 4 do Serviço Social concebiam as figuras iminentes da profissão. O

propósito do livro não é exatamente traçar o perfil dos assistentes sociais, no

entanto, afirma a autora que existe um “fio condutor” entre os assistentes sociais

de ontem e de hoje (referindo-se até no máximo o início da década de sessenta):

“o amor, o interesse para com os seres humanos que permaneceu, e se repetiu e

se apresenta como um fenômeno universal e, portanto como a ‘essência’ dos

trabalhos sociais” (1984: 114). Terá sido mesmo esta “essência” o fio condutor do

perfil profissional?

Segundo a seleção de “pioneiros” que a autora estabelece, se não se levar em

consideração figuras como “Juan L. Vivés”, que morreu em 1540, e “S. Vicente de

Paula”, que morreu em 1660, os demais “pioneiros”, os que deram a base do

3 Embora o recurso a fenomenologia tenha sido também um esforço de buscar bases mais “científicas” para a profissão, esta vertente teórica tem maiores contribuições no âmbito da filosofia social do que no de teoria social. 4 O termo “conservador” é utilizado, aqui, como um conceito sociológico, tal como expresso por Nisbet (1980).

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Serviço Social moderno, são, indistamente, homens e mulheres. O “pioneiro”

inglês é Canon Barnet e nos EUA Jane Addams, mas a geração seguinte é de

Mary Richmond e Mary Follet, mas termina com René Sand. Estas figuras

pioneiras não nos ajudam muito no reconhecimento da presença de uma maior

presença, ou não, do gênero feminino no Serviço Social, assim como sua origem

da classe, uma vez que elas podem ter dado o impulso inicial para um tipo de

ação que seria incorporado por um público distinto, tanto em gênero, quanto em

origem, do perfil do(a)s pioneiros.

O texto de Marshall (1967) trata os “pioneiros” ingleses do Serviço Social como um

grupo composto por “mulheres ilustres”. Segundo o autor, esta foi a porta - o

Serviço Social voluntário - pela qual as “mulheres podiam ingressar na vida

pública, num setor reservado aos homens” (1967: 217). Esta época na Inglaterra,

final do século XIX, ainda é o período em que o Serviço Social ainda não tinha se

profissionalizado. Portanto, esta remissão de gênero - feminino - e de status -

ilustres - se referem a este período. Afirma, no entanto, que houve um momento

importante de ação destes pioneiros, mas deixa de tratar do perfil dos demais

trabalhadores sociais (social workers), concentrando sua análise nas concepções

de assistência social, pública e privada, na Inglaterra.

O texto que contribuiu decisivamente com ideário, entre nós (assistentes sociais

brasileiros), de que o Serviço Social foi, originalmente, uma profissão feminina,

realizado pela elite da sociedade e com o espírito religioso, foi a pesquisa

desenvolvida por Carvalho (in: Carvalho e Iamamoto, 1982). Nesta oportunidade,

o autor busca traçar o perfil dos pioneiros do Serviço Social no Brasil, ainda que

não apresente os dados quantitativos que serviram de base para a sua

configuração. Afirma o autor que

“trata-se fundamentalmente de um núcleo feminino, originado majoritaria-mente do sistema de ensino mantido pela Igreja e das modernas obras sociais; constituir-se a partir de moças e senhoras da sociedade, isto é, pertencentes aos setores abastados da sociedade; ter como um ponto comum alguma forma de militância nos meios católicos” (1982: 223; grifos do original).

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Com esta passagem, o autor define a origem social dos primeiros assistentes

sociais, oriundas da elite, assim como o caráter de gênero, feminino, e a

vinculação dos profissionais às instituições de militância católicas. O autor afirma

que após o momento inicial de recrutamento do bloco católico, há uma ampliação

na base de recrutamento dos alunos, embora permanecesse “sua grande maioria

dentro do bloco católico” (idem: 226). Nesta época, as próprias agências de

recrutamento (Escolas de Serviço Social) colocavam exigências que

determinavam o perfil dos assistentes sociais, como, por exemplo, a

“apresentação de referências de 3 pessoas idôneas” (idem: 228). Assim, segundo

Carvalho, parece que havia um ideal de qualidades morais essenciais para ser

assistente social (o ideal do ser cristão) que também contribuiram para especificar

o perfil profissional.

Carvalho afirma ainda que: "por se constituir originariamente, a partir de núcleos

de mulheres dos setores abastados, a prática do apostolado social passava pela

reificação de uma série de qualidades naturais do comportamento feminino

existentes nas representações daqueles setores e classes" (Carvalho, in:

Iamamoto e Carvalho, 1982: 227).

Esta remissão das origens profissionais a esta “forma de ser” feminina, foi algo

com que os assistentes sociais historicamente se confrontaram, embora não

tivessem produzido nenhum estudo que, significativamente, tenha repercutido na

profissão, como contestador ou mesmo capaz de provar que, ainda que tendo

uma hegemonia feminina, a profissão não guardava aqueles aspectos de

feminilidade, atribuídos em sua origem.

O texto de Verdès-Leroux (1982) colaborou enormemente, ainda que não trate da

realidade brasileira, para o reforço da imagem do perfil dos pioneiros do Serviço

Social, tal como traçado por Carvalho. Seu estudo se baseou nos assistentes

sociais franceses e, afirma a autora que os assistentes sociais, no período da

gênese profissional, eram “moças oriundas da burguesia que, originalmente,

instauram o Serviço Social” (1982: 46). No entanto, ela afirma que, em 1935, já

era notada a presença de outras classes (7,3% oriundas da classe operária) nos

cursos de Serviço Social. Mesmo assim, a origem social das assistentes sociais

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continuava sendo “oriundas das classes superiores e médias” (idem). As

referências à religião também aparecem nos dados da autora. Ela afirma que o

Serviço Social oferece às assistentes sociais a possibilidade de “‘preferir’

vantagens simbólicas a compensações imediatas, uma carreira que, pela ‘utilidade

social’, possibilita-lhes que se coloquem acima de sua efetiva posição de quadros

de nível médio5” (idem: 47).

Não há uma relação de causalidade existente entre a origem de classe das

assistentes sociais e sua vinculação religiosa, no estudo dos dois autores. No

entanto, ser oriunda de uma classe “superior” e estar casada, como mostra o

trabalho de Verdès-Leroux, com um homem educacionalmente mais educado,

parecem ser uma explicação plausível para a escolha de uma carreira profissional

que priorizava os ganhos valóricos.

Quando a autora afirma que a profissão era eminentemente feminina, ela se

baseia no percentual de 52% de mulheres, sendo apenas 34% do total de

mulheres, solteiras. Os dados são altos para a época em que as mulheres

estavam iniciando a ingressar nos cursos profissionais. Já a vinculação com a

religião, os dados revelam que 90% tiveram formação católica e, desta forma, “o

militantismo em movimentos confessionais assume, entre elas, uma importância

excepcional” (idem: 48). Destas, a metade dos membros pertenceu a movimentos

juvenis confessionais.

Verdès-Leroux faz uma relação entre o “prazer do serviço”, com uma atitude

especificamente feminina. Segundo a autora, “a especificidade dos valores e das

práticas das assistentes sociais decorre, de uma parte, desta característica: o

‘prazer’ de servir, a seriedade, a ‘modéstia são inculcados às mulheres como se

fossem atributos de feminilidade” (1986:48).

Um outro ponto a ser ressaltado na caracterização que a autora faz das

assistentes sociais é a baixa vinculação que estas apresentavam em relação a

cultura. Afirma ela que, “mais modestas [que os educadores e animadores] -

porque se ajustaram ao que era possível para elas -, as assistentes sociais

5 Na França o Serviço Social era, e ainda é, uma profissão de nível médio.

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situam-se num terreno profissional que não se define por sua relação com a

cultura” (idem: 51).

A semelhança de perfil dos assistentes sociais na França e no Brasil pode ser

devido ao fato da influência francesa ter sido a primeira a se manifestar entre nós.

Este tipo de explicação reforça a existência de uma causalidade existente entre a

origem social dos assistentes sociais (status e gênero) e a religião, ou os

princípios valóricos próprios do catolicismo.

Vale ressaltar que, como mostra Bastos (1988), a inspiração religiosa dos

pioneiros do Serviço Social nos EUA e Inglaterra não foi católica, mas protestante.

Esta diferenças não é sem importância, uma vez que irá determinar uma formação

profissional totalmente distinta daquela obtida na outra influência. Pode-se dizer,

no entanto, que há uma inspiração cristã como base para o surgimento do Serviço

Social.

Se esta vinculação é verdadeira, então a secularização da profissão levaria,

necessariamente, a uma mudança do perfil profissional. Antes de tentar buscar

respostas, apresentaremos os outros dados já levantados sobre o tema.

O Perfil do perído da secularização

Os dados que serão apresentados a seguir referem-se, exclusivamente, ao Brasil

(Rio de Janeiro), pois não foi possível encontrar informações sobre o perfil

profissional sistematizadas de outros países (e de outras regiões). Desta forma, o

período de referência da busca de secularização do ensino do Serviço Social,

situa-se durante os anos sessenta, tendo como marcos o Movimento de

Reconceituação e Renovação profissional (Netto, 1991).

O primeiro estudo sobre perfil profissional elaborado já nos anos sessenta foi uma

pesquisa de 19676, realizada pela então ABESS (Associação Brasileira de Escolas

de Serviço Social, hoje ABEPSS) em 14 Escolas de Serviço Social7, envolvendo

893 alunos. No artigo, escrito por Casses (s.d.), a autora busca identificar as

motivações para o ingresso no curso de Serviço Social.

6 Os alunos estudados, portanto, são da época de transição em relação ao período de secularização. 7 Não há, no artigo escrito por Casses (s.d.) a referência de quais escolas foram pesquisadas.

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Dentre os resultados que a autora considerou mais significativos estão a

concepção de profissão como uma “vocação pela qual o profissional promove os

valores nobres que aceita pessoalmente (...). Estes valores seriam a promoção

humana, o desenvolvimento do País, a caridade cristã, a democracia e outros”

(s.d.: 2). Esta foi a tendência principal observada, embora, tivesse também tido

relevância a busca de uma profissão que “deve ser bem remunerada e

socialmente aceita, independentemente dos valores que possa promover; ela deve

ser serviço ao cliente, mais do que um serviço aos valores profissionais” (idem).

Nota-se que nesta segunda alternativa, há uma mescla entre a valorização no

mercado da profissão e os valores religiosos, expressa na valorização do “serviço

ao próximo”. Os percentuais relativos à motivação profissional estão na tabela

abaixo:

Motivações % Vocação / meio de realização pessoal 34,8 Vontade de ser útil e ajudar os outros 23,2 Gosta de lidar com pessoas 13,7 Benefícios pessoais de ordem material ou intelectual

10,0

Outros 18,3 Total 100

O estudo apresentado por Casses retrata que, ao menos no âmbito de

motivações, o perfil profissional permanece próximo ao apresentado pelos autores

ao se referirem à gênese da profissão. A autora concentra sua abordagem sobre

este tema e não aborda outros itens do perfil dos alunos. No entanto, pela

abrangência da pesquisa, os seus resultados devem ser considerados bastante

representativos da realidade à época.

O estudo de Lídia da Silva (1991) trata apenas dos assistentes sociais marxistas.

Nascidos entre as décadas de trinta e cinquenta, alguns destes profissionais já

podem ter sido objeto da pesquisa anterior, terminando o curso ao longo dos anos

sessenta. Em sua tese de doutorado, a autora recupera a história de vida8 destes

8 Ao realizar tal intento, a autora se detém em inúmeros pontos do “perfil” destes profissionais que, por não terem como serem comparados com os demais dados coletados, não serão analisados.

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profissionais, buscando identificar a forma como eles chegaram ao marxismo. Este

estudo aborda, entre outros temas, o perfil dos assistentes sociais que

compuseram a “ala” crítica do Movimento de Reconceituação - ao menos são

estudados os quadros mais destacados9 - e que teve sua emergência no Serviço

Social brasileiro no final dos anos setenta.

Afirma a autora, ao tratar do período de juventude destes profissionais, que “a

participação dos adolescentes, quando ainda estudantes secundaristas, em

movimentos da Igreja Católica, foi uma experiência identificada em dezenove das

vinte e três Histórias de Vida” (1991: 155). A passagem destes os aproximou da

política e do marxismo, assim como “o peso destes [movimentos religiosos] na

conformação de suas consciências e na percepção da realidade social, através de

uma determinada angulação - a da Igreja, tanto em suas versões mais

‘progressistas’, quanto nas mais tradicionais naquele momento histórico -, foi

bastante significativo” (idem: 168).

A escolha da profissão, para estes assistentes sociais, que eram também em sua

maioria mulheres (3 apenas eram homens), dá-se, segundo Silva, por uma

motivação religiosa, com uma conotação política forte. O discurso humanista -

cristão é marcante nas narrativas e o ideário de “doação de suas vidas, no sentido

da construção de um mundo fraterno e justo, no qual a realização pessoal se

subordina à exigência ética da erradicação da miséria e das injustiças sociais pela

evangelização das massas, é o ponto central do discurso dos narradores

católicos” (idem: 169). É com o objetivo de realizar esta “missão”, ou de assumir

este “compromisso social” (expressões utilizadas pelos próprios assistentes

sociais) que se escolhe a profissão Serviço Social.

Pelo número de entrevistas realizadas não é possível estabelecer uma origem de

classe que permita fazer qualquer inferência sobre alterações substantivas na

configuração do perfil dos assistentes sociais. De todo modo, já há uma

9 Os entrevistados são: Alba Maria Pinho de Carvalho, Aldayr B. Barthy, Ana Ma. Quiroga F. Netto, Assunção Hernandes de Andrade, Eugênia Célia Raizer, Eva Terresinha S. Faleiros, Joaquina B. Teixeira, Josefa B. Lopes, José Paulo Netto, Leila Lima Santos, Maria Inês de S. Bravo, Maria Helena de Almeida Lima, Maria Helena L. Godinho, Maria Luiza de Souza, Marta Silva Campos, Nobuco Kameyama, Rosalina Santa C. Leite, Safira Bezerra Ammann, Suely Gomes Costa, Vicente de Paula Faleiros, Yara S. Vicini, Walderez L. Miguel e Lídia Ma. M. Rodrigues da Silva.

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sinalização de diferenças muito significativas em relação à origem, prevalescendo

aquela oriunda de classes menos favorecidas socialmente. “Algumas [famílias]

podem ser descritas como típicas famílias de ‘classe média’ urbana - em seus

mais variados estratos (...). Outras famílias [eram], de origem rural (...). Em

apenas quatro casos, as famílias de origem dos narradores foram proprietárias de

casas comerciais (...)” (idem: 111). A conclusão a que a autora chega é que os

entrevistados “se não passavam dificuldades, também não eram ricos” (idem: 116)

e apenas três chamam a atenção para a pobreza em que viviam. De todo modo,

estamos diante de uma origem social bem diversa dos “pioneiros” tratados por

Carvalho e a busca de uma profissão que gerasse justiça social, dá-se por razões

diversas, embora a motivação seja a mesma (religiosa).

Em relação ao “capital cultural” legado pelas famílias, afirma Silva, que há como

uma unidade, “pois as mesmas são recorrentemente descritas como

conservadoras tanto no plano político, como no da religião e da moral” (idem:

119). As famílias eram, segundo a autora, católicas tradicionais, ou seja,

militantes. Curiosamente, a religião “circulava no interior das famílias,

principalmente através das mulheres adultas10 (avós, mães, tias e irmãs mais

velhas)” (idem: 125). Três narradoras revelam terem se sentido vocacionadas para

a vida religiosa. A autora trata como centrais para a formação existencial destes

assistentes sociais a vivência de valores “tanto religiosos, como laicos, valores

que em seu conjunto, podem ser catalogados como fazendo parte da ‘civilização

cristã ocidental’, ou do ‘humanismo-cristão’” (idem: 127).

Uma consequência desta influência não pode passar sem deixar de ser anotada.

Se as vertentes modernizadoras do Serviço Social (Netto, 1991) não conseguiram

romper com a influência religiosa na profissão, ainda que estivessem empenhadas

em constituir bases seculares e científi cas para a mesma, isto ocorreu por dois

motivos: os assistentes sociais que foram responsáveis por esta passagem eram

religiosos e tiveram uma formação tradicionalista. Desta forma, era de se esperar

que elementos fortes de continuidade fossem percebidos na “nova proposta” de

Serviço Social.

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No entanto, os autores que fizeram a “crítica-crítica” do tradicionalismo e suas

“reatualizações” (Iamamoto, 1982), tinham, segundo a apreciação de Silva, a

mesma dèmarche de análise: o humanismo-cristão e os valores cristãos

ocidentais. A formação cultural dos assistentes sociais, especificamente da

“primeira”11 geração marxista no Serviço Social, detém uma perspectiva de análise

religiosa que determina teórica e metodologicamente a formação profissional.

Esta forte presença dos valores cristãos na constituição do perfil profissional não

deixou de repercutir nas entrevistas realizadas pela equipe do DIEESE12

(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), na

pesquisa realizada em 1995, entitulada “Serviço Social: trajetórias e perspectivas”.

Embora nesta oportunidade, o objetivo dos pesquisadores não era traçar o perfil

dos 41 assistentes sociais (35 mulheres e 6 homens) mais reconhecidos na

profissão, o aspecto religioso da formação cultural dos mesmos foi detectado e

apontado em duas notas (só citarei a mais relevante) que afirmam o seguinte:

“seria extremamente frutuoso empreender uma análise que revelasse a matriz religiosa do pensamento (e das atividades) que, apesar de todos os esforços, ainda se faz presente na categoria. A forma, por exemplo, de apegar-se exclusivamente a autorees considerados ortodoxos e a de banir os heterodoxos; a necessidade de reverenciar ou recorrentemente citar alguns personagens alçados a condutores políticos dos AS [assistentes sociais], que os levarão por caminhos corretos, sem resvalos; a detecção das mais desabridas ou sutis formas de patrulhamento ou exclusão de pessoas e idéias; as concessões de áreas demarcadas para a manifestação de uma democracia controlada que não ponha em risco a hegemonia; a “profissão de fé” que escorrega para dentro dos currículos e que carimba as universidades; a utilização catequética, fragmentada e reducionista de termos teóricos que perdem sua virtude conceitual, para funcionar como elementos sinalizadores de uma linguagem de reconhecimento de posições seriam, ao lado de tantos outros, tópicos importantes a serem destrinchados nessa análise” (1995: 20, nota 5; negritos do original e itálicos adicionados).

10 O “papel” dos homens nas famílias não incorporava elementos religiosos, sendo eles, por vezes, críticos ou indiferentes. 11 Já há, certamente, uma “segunda” (e quem sabe já uma “terceira”) geração marxista no Serviço Social que foi formada pela primeira. São os quadros docentes mais recentes, principalmente, das universidades públicas.

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O que os autores estão afirmando é que há uma dèmarche religiosa implícita na

estruturação do pensamento e das atividades dos assistentes sociais que se faz

presente de maneiras as mais diversas. Uma das possibilidades explicativas está

em que a formação cultural dos assistentes sociais lhes forneceu esta matriz de

pensamento, uma ideologia total, no sentido mannheimiano do termo (Mannheim,

1986). Mesmo que estes assistentes sociais entrevistados tenham deixado de ser

religiosos, o estudo do Dieese sugere que, eles não deixaram de ter uma

perspectiva religiosa de análise. Não é preciso dizer da importância deste

resultado para se entender as propostas de intervenção profissional, uma vez que

são estes assistentes sociais que mais influiram na profissão ao longo dos anos

oitenta.

Vale também notar que dentre os assistentes sociais entrevistados13 pelo Dieese,

apenas, sete fizeram parte da pesquisa de Silva. Trata-se, portanto, de um outro

universo analisado. Se forem considerados todos os assistentes sociais

relacionados nas duas pesquisas teremos, certamente, um conjunto expressivo

dos principais “formadores de opinião” dentro da categoria que atuaram na

profissão a partir do início dos anos setenta e muitos continuam ativos.

O trabalho de Dayse da Silva (1989) busca discutir a “Perspectiva Profissional e

de Constituição de Família em Mulheres Universitárias”, enfocando o caso do

Serviço Social. Seu estudo aborda os alunos que estavam em formação ao longo

dos anos oitenta e que foram formadas pelos profissionais analisados nas

pesquisas de Silva e do DIEESE. Sua pesquisa foi baseada em entrevistas com

12 Uma das partes da pesquisa realizada pelas entidades representativas do Serviço Social enfocada no início deste trabalho. 13 Os entrevistados foram: Ana Elizabete Mota, Ana Ma de Vasconcelos, Anna Augusta de Almeida, Cleonice Inverso Martins, Daisy Ma. B. Gonçalves, Eliane Macedo Rocha, Eugênia C. Raizer, Gleide C. Indio, Helena Bertho da Silva, Henrique Luiz Arienti, Hilda Corrêa de Oliveira, José Lucena Dantas, José Paulo Netto, Josefa B. Lopes, Lucia Ma. Barros Freire, Luiza Erundina de Sousa, Magali da Silva A. Ribeiro, Marcia Pinheiro, Ma. Beatriz da Costa Abramides, Ma. Carmelita Yasbetck, Ma. Cristina Salomão de Almeida, Ma da Penha da S. Franco, Ma de Fátima Ferreira Azevedo, Ma do Carmo Falcão, Ma. Elvira Rocha de Sá, Ma. Helena de Almeida Lima, Ma. Helena Rauta Ramos, Ma. Inês de Souza Bravo, Ma Verli Mariano Eyer de Araújo, Marilda Villela Iamamoto, Marilza da C. R. Medina, Marlise V. Silva, Myriam Veras Baptista, Regina M. Franco, Roberto S. Dias, Rosangela N. de C. Barbosa, Rose M. Souza Serra, Rozinha Barzilay, Seno Cornely, Suely Gomes da Costa e Vicente de Paula Faleiros.

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23 alunas de Serviço Social, sendo 11 do último período e 12 mulheres casadas,

distribuidas pelos 2o., 3o., 4o., 6o. e 7 o. períodos.

No grupo das “formandas”, a origem social das famílias é de baixa renda. Moram

na periferia da cidade do Rio de Janeiro, muitas famílias moram pagando aluguel,

nível escolar baixo - a educação dos pais é “em geral, no primeiro ciclo de

formação educacional” (1989: 70) e a renda familiar de 45,46% é de até 5 SM

(salários mínimos) 14. No grupo das “casadas”, a caracterização de “baixa renda”

persiste, embora em uma condição relativamente mais favorável que a do primeiro

grupo (para a autora isto se deve ao casamento). A maioria reside em locais

distantes, mas em residências próprias; 25% das alunas têm uma renda familiar

de até 5 SM, enquanto 16,67% têm renda entre 5 e 10 SM. A origem social destas

alunas pode ser medido pelo nível educacional dos pais que não é diferente do

primeiro grupo: “caracterizam-se em sua maior parte pela desqualificação, sendo

que, em geral as mães das alunas, se encontram numa situação mais precária

assumindo integralmente os encargos domésticos” (idem: 71).

Quanto à motivação para ingresso na profissão, a autora procedeu com uma

divisão em quatro itens: a. menor exigência no vestibular; b. ascensão funcional; c.

oportunidade de manter relacionamento com pessoas; d. vocação para ajudar as

pessoas. Segundo Silva, os dois últimos itens foram constantemente confundidos

ao longo das entrevistas, mas ela decidiu mantê-los separados porque algumas

alunas fizeram bem a distinção entre um e outro e, segundo a autora, “o interesse

em se relacionar com pessoas através da profissão não quer dizer que um

sentimento ‘assistencial’ as motive” (1989: 72). Entre as “formandas”, que tem

uma condição social menos favorável que as “casadas”, as duas maiores

motivações foram as alternativas a e d, com 36,36%. No outro grupo, o item d

chega a 50,2%.

Como uma explicação para o baixo percentual de respostas de motivação

relativas ao desejo de ajudar o próximo entre as “formandas”, afirma a autora que:

14 A autora não oferece os dados completos sobre a situação social dos alunos, ilustrando seus comentários, ora com alguns percentuais, ora apenas com expressões como “na maioria”, “em grande parte”, etc. o que não ajuda a comparação de dados.

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“hoje, [dá-se] muito mais pela situação sócio-econômica dessas mulheres do que por uma imaginada ‘vocação’ feminina para determinadas tarefas e ocupações. Isto quer dizer que estas mulheres não escolhem o Serviço Social tanto por uma ‘inclinação feminina’ em ajudar, ser útil, ser mais humanitária, mas porque é uma profissão mais acessível às suas condições sócio-econômicas” (1989: 75).

Para explicar o percentual mais elevado, no grupo das casadas, de motivações

para a profissão derivadas do “desejo de ajuda”, a autora afirma que:

“por não terem a premência de uma profissionalização em termos financeiros, essas mulheres tendem a dar mais vazão ao ‘sentimento humanitário’, o que também poderá justificá-las melhor perante o cônjuge, que, em alguns casos, resiste ao seu retorno ao estudo”.

Estas ponderações da autora são válidas e, de fato, um dos aspectos que serão

observados a seguir é a facilidade de ingresso no curso de Serviço Social, para as

camadas de baixa renda. O cerne, no entanto, da explicação da autora está em

que a melhoria do status social levaria a uma opção pelo Serviço Social por

opções mais humanitárias. Sua explicação tem, portanto, como variável principal a

“renda”, mas nada trata da questão de gênero. Em condições de igualdade de

status social, significando aqui nível de renda, as mulheres de baixa renda

escolhem o Serviço Social por ser uma profissão acessível ao seu nível

econômico; melhorando o nível econômico, a justificação passa a ser humanitária.

De todo modo, ela não explica porque o Serviço Social é preferido pelas mulheres,

sejam elas de baixa ou alta renda. Porque os homens de baixa renda não optam

também pelo Serviço Social já que a profissão é uma das compatíveis com seu

nível social? Porque não há, ao menos, uma distribuição mais equilibrada entre os

sexos?

Viana, Carvalho e Melo (1995)15, encontram uma tendência contrária da que

apontada por Dayse da Silva, para os alunos das Ciências Sociais. Segundo os

15 Esta pesquisa foi realizada pelo Laboratório de Sociologia dos Intelectuais e Institucionalização da Ciência no Brasil do Iuperj, tendo seu início em 1992. Os dados foram levantados junto a alunos de Ciências Sociais em cinco estados da federação e no Distrito Federal, envolvendo 12 instituições de ensino, num total de 271 estudantes (em torno de 7% dos alunos de cada curso de Ciências Sociais foram entrevistados). O survey aplicado, segundo amostras aleatórias, teve como uma, entre outras finalidades, identificar o perfil e as motivações recentes dos estudantes de Ciências Sociais.

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autores, o ingresso de alunos de baixa renda aumenta o número de alunos

homens. “A persistir a tendência ao recrutamento de setores subalternos para o

curso de Ciências Sociais, pode-se projetar uma presença significativa de homens

na profissão” (1995: 53). Esta tendência não é acompanhada no caso do Serviço

Social que, apesar de ter, como está sendo mostrado ao longo deste trabalho, alto

índice de alunos de baixa renda, não há um aumento de ingresso de alunos

homens. Há, portanto, algum elemento na profissão que a peculiariza como

tipicamente feminina.

O estudo de Pelegrino (1992) busca enfocar o aspecto feminino da profissão. Com

isso, a autora não se reporta aos outros aspectos analisados, neste artigo, sobre o

perfil profissional. No entanto, sua pesquisa, ainda que tenha como campo de

observação um número reduzido de assistentes sociais (27, sendo 14 de

instuições universitárias, 10 de instituições da prática e 3 de entidades da

categoria), enfocou as motivações existentes entre os assistentes sociais para o

ingresso na profissão. Sua pesquisa não trata, nem dos mais assistentes sociais

mais destacados da profissão, nem dos alunos, mas dos profissionais em

atividade no final dos anos oitenta. Seu ponto principal de observação foi saber se

esta motivação estava parametrada por determinantes de gênero. A metodologia

de sua pesquisa utilizada pela autora foi baseada em entrevistas e tentou articular

as seguintes temáticas: “escolha profissional, condição de ser mulher, Serviço

Social “tradicional” e “Reconceituado” e relação privado/público” (1992: 5). A

hipótese que a autora parte e que orienta a sua investigação é a seguinte:

“O cerne desta [afirmação básica], considerava que ao Serviço Social, desde a sua gênese, e pode-se atribuir o caráter de profissão dirigida à mulher, tendo em vista a imensa maioria feminina em sua configuração e que a Escolha do Serviço Social poderia estar relacionada à característica de ‘profissão feminina’ que o mesmo possui, visto que ele tem sido classicamente uma profissão destinada à mulher” (1992: 6).

Pelegrino tenta verificar se a alteração ocorrida no interior do Serviço Social,

passando de parâmetros e referencias “tradicionais” para os chamados

“reconceituados” tem repercussão no “repensar do papel feminino na sociedade,

no sentido de atender às novas demandas que a dinâmica das relações sociais

apresenta cotidianamente, assim como um avanço na operacionalização da

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profissão, tendo em vista atender a realidade que se coloca” (idem: 7). O

fundamento desta hipótese estava em que, para a autora, o Serviço Social

“tradicional” ratificaria uma representação social conservadora da mulher,

enquanto o Serviço Social “reconceituado”, ao buscar questionar os valores

morais e religiosos, assim como ao fundamentar a profissão em bases mais

técnicas e científicas, exigiria novos assistentes sociais, que teriam,

necessariamente, uma outra forma de inserção no espaço público, questionando,

assim, a inserção da mulher neste âmbito e nas esferas do poder (ocorrendo a

impossibilidade de conciliação entre o público e o privado, dificultando a afirmação

da mulher na esfera pública).

Como se nota, as reflexões da autora não se limitam, ou se restringem, ao busca

do entendimento do porquê existir a relação entre o Serviço Social e a condição

feminina, mas a extrapola para a busca de entendimento da forma como ocorre a

concliação entre as esferas pública e privada para uma profissão feminina como o

Serviço Social. Desta forma, Pelegrino dá a “condição feminina” como pressuposto

(e não como objeto de investigação) de sua abordagem. Na primeira parte de seu

trabalho, Pelegrino aborda as motivações (internas e externas) que levaram a

escolha da profissão, assim como a imagem que a profissão tinha para os

profissionais, antes, durante e depois do processo de formação.

Sem me deter nas análises da literatura que autora faz, pois estão já

contempladas neste trabalho, passo a tratar especificamente dos resultados novos

oriundos da sua pesquisa. A autora mostra, então, que a idéia da “ajuda” é uma

importante “motivação subjetiva” para a profissão e que ela foi culturalmente

construída, “como sendo assunto mais suscetível de ser tratado por mulheres”

(1992: 42). Apenas o grupo de representantes de entidades apresentou uma

noção “politizada” da idéia de “ajuda”, enquanto os outros grupos (profissionais da

prática e do ensino) mantinham uma perspectiva “conservadora”ou “tradicional”. A

autora atribui a isto um desconhecimento sobre o que seria “efetivamente o

Serviço Social”. No entanto, parece-me mais plausível afirmar que estas

assistentes sociais expressavam o que elas sabiam sobre o Serviço Social - uma

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vez que em vários casos, foi a influência de um profissional da área que as

motivou para o ingresso na profissão -, mas desconheciam o que ele queria ser.

Não só a motivação se baseava na “ajuda”, mas em atribuições que a autora

classifica como tipicamente femininas. Vale ressaltar um dado não explorado por

Pelegrino e que aparece na fala de uma assistente social: a opção pela profissão

não derivada do objetivo de ganho no mercado, mas “porque eu sentia bem

ajudando às pessoas”. À mulher também são atribuídos os âmbitos valóricos e

subjetivos, enquanto ao homem, a objetividade e a técnica. O que a autora conclui

afirmando que: “o impulso intrínsico a este ato [escolha profissional] seria, sem

dúvida os esteriótipos criados em torno de expectativas para mulher” (1992: 49). O

que a autora deixa de enfatizar é que isto só foi possível, uma vez que este

esteriótipo mantinha alguma identidade com a prática profissional.

Entre as motivações “objetivas”, a autora aponta: o ideal de profissionalização em

atividades assistenciais que estavam referidas, em parte, a atividades religiosas.

Nos relatos reproduzidos pela autora, vários apontam esta relação.

Entre as influências externas que contribuíram para a escolha profissional, a

autora, corroborando os estudos anteriores, mostrou que a influência da Religião

foi decisiva. A autora afirma que as assistentes sociais entrevistadas valorizavam,

na profissão, seu aspecto religioso e assistencial. É neste momento, que autora

mostra que estas profissionais tiveram uma formação religiosa e passaram ou por

colégios católicos ou por Movimentos Estudantis Católicos. Como mostra a

autora, a mediação religiosa não se manifesta apenas gerando uma perspectiva

conservadora em relação à sociedade, uma vez que no interior do catolicismo

existiu uma “esquerda católica” que também se fez presente no Serviço Social16.

Uma das conclusões importantes a que a autora chega é que, se algumas

profissionais buscaram a superação do quadro de desigualdade do ponto de vista

de gênero, isto teria se dado “independente da profissão que escolheram” (1992:

245).

16 Outras influências como “participação em Partido Político”, “teste vocacional” e “reprovação em outras carrerias”, apareceram também como influências externas, porém com um peso muito menor do que as enunciadas.

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Independente das mudanças ocorridas, dentro ou fora, da profissão e, em

qualquer âmbito, a profissão manteve-se feminina, ainda que acompanhando (ou

não) as mudanças de sentido sobre o que seja o “feminino” - mais ou menos

moderno, crítico ou profissional.

O estudo de Pougy (1993), sobre os “Desafios da Formação Profissional do

Assistente Social”, utiliza-se do perfil dos estudantes de Serviço Social da UFRJ

(Universidade Federal do Rio de Janeiro) para as suas análises. Os alunos aqui

estudados cursavam o Serviço Social já no início dos anos noventa. A pesquisa foi

realizada com uma amostra que envolvia alunos do primeiro, quarto, quinto e

oitavo períodos. Entre os aspectos por ela analisados, destacamos que a origem

dos alunos que estavam na Universidade no início dos anos noventa já era,

definitivamente, baixa 17, sendo caracterizada pela autora como “a posição

intermediária no interior do proletariado” (1993: 105).

Sobre a formação cultural dos alunos, os dados da pesquisa de Pougy mostram

que 43% tiveram alguma forma de participação em Movimento Estudantil,

enquanto o mesmo percentual disse já ter participado de movimento religioso;

10% participaram de movimentos de bairro e 5% de partidos políticos. A autora

não pergunta, no entanto, quantos eram religiosos ou tiveram uma formação

religiosa na família.

Já sobre o perfil “feminino” da profissão, os dados mantém a “tradição”: 92% de

mulheres e 8% de homens. Sua explicação para o fato é a seguinte: “as

motivações para escolha da carreira reincidem a imagem do Serviço Social como

uma profissão da ajuda, da assistência, (...), e a representação sobre a profissão

encerra o desejo de ajudar as pessoas que recorrem aos serviços nos quais estão

inseridos” (idem: 123). O que é relevante é notar que, se a análise da autora não

está equivocada, a profissão até o final dos anos oitenta ainda guardava um

aspecto tradicionalista e era a presença deste aspecto que motivava o ingresso

dos alunos. Segundo a autora, a profissão era vista como capaz de preencher os

requisitos esperados, pela família dos alunos, para o “papel da mulher” na

sociedade, dentro de uma “divisão social e sexual do trabalho”.

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A autora associa, assim, a questão de gênero com a existência, e porque não

dizer, manutenção, da prioridade valórica (religiosa) na profissão. Parece haver,

portanto, um círculo vicioso, em que não é quebrado pela formação profissional,

ou seja, ainda que com um discurso cada vez mais secularizado, crítico e

politizado, a profissão não deixa de reproduzir, na prática profissional, a primazia

das ações valóricas em detrimento das racionais (o que Weber caracterizou como

a diferença entre “ação racional referente a valores” e a “ação racional referente a

fins”), seu papel subalterno e de ajuda social, que dificulta a dissociação destas

práticas com a ação filantrópica e voluntária stricto senso18. Como foi mostrado, a

renovação profissional (Netto, 1991) não levou a uma alteração significativa da

matriz de entendimento da realidade social (caracterizada por Lídia da Silva; cf.

infra), ainda que tenha incorporado os conceitos do marxismo. A profissão

continuou sendo feminina e com forte apelo valórico.

As pesquisas realizadas até aqui tratam do perfil profissional até a entrada dos

anos noventa. Elas já apontam uma diferença clara de origem social, embora a

predominância feminina e a vinculação religiosa, como uma motivação importante

para o ingresso na profissão, tenham permanecido. Antes de passar para o item

seguinte, quando são apresentados os dados para os anos noventa, vale aqui

uma ponderação sobre a questão das motivações.

Um primeiro aspecto reporta-se a alteração da origem social dos alunos, saindo

da elite, para as camadas mais pauperizadas da população. Não há, ainda,

nenhuma investigação que tenha explicado a passagem da ação assistencial

realizada pelas “damas da sociedade”, pioneiras do Serviço Social, para as atuais

assistentes sociais. Não há nenhuma precisão que evidencie o processo em que

esta passagem ocorre. É bastante provável que, em algum momento, tenham

havido turmas de Serviço Social em que o convivío entre as “tradicionais”

candidatas ao posto de assistentes sociais tenha sido tenso, diante das novas

17 Nem todos os dados que a autora apresenta estão completos, sendo que alguns não somam cem porcento. Por isso, os utilizarei com parcimônia. 18 O estudo de Landim e Scalon (2000) mostra que o elemento principal de diferenciação do perfil daqueles que fazem doações e trabalhos voluntários e a intensidade de incorporação da religião. Aqueles que mais frequentam as atividades das suas religiões são também os mais dispostos ao trabalho voluntário e as doações.

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pretendentes, que ingressavam na universidade, com um universo cultural e social

significativamente mais baixo que as primeiras e sem possuir a intenção de

realização da caridade, mas apenas a forma de ascender socialmente. Pode ser

que não tenha havido tensão alguma, pois a ação das “damas de caridade” pode

ter sido extremamente restrita a uma ou duas turmas de Serviço Social e, em

seguida, tenha havido uma mudança significativa do perfil profissional, já nos

primeiros momentos de gênese profissional. O que houve, de fato, fica ainda como

uma matéria a ser investigada.

Esta alteração faz com que as motivações referidas por aqueles que querem nela

ingressar fossem diversificadas. A mudança da origem social não afetou as

características de gênero e da influência religiosa na profissão, mas fez com que a

opção de ingresso na profissão para “ascender socialmente” passasse a ser

também valorizada. Ela é expressa tanto naqueles que afirmam ingressar no

Serviço Social para buscar uma “profissão”, ou em quem inicia o curso porque foi

fácil de passar no vestibular. Estas características não são exclusivas do Serviço

Social, embora a conjugação das características femininas e religiosas sejam

próprias de algumas ocupações com um perfil de atuação muito próximos, como

assistentes sociais e educadores. O que está-se chamando a atenção aqui é que

a secularização do ensino não mudou esta “marca” da profissão. O que pode ser

analizado, então dos dados referentes aos anos noventa?

OS ANOS NOVENTA

Para o estudo dos anos noventa, reporto-me a três pesquisas: uma realizada por

Vasconcelos (1999) tendo como objeto de estudo, setenta e quatro assistentes

sociais da área de Saúde, que atuam no Rio de Janeiro. As duas outras foram, por

mim mesmo, realizadas. A primeira com aproximadamente setecentos alunos

cariocas de cinco cursos de Serviço Social - PUC-RJ, Veiga de Almeida, UERJ,

UFRJ-diurno e UFRJ-noturno19 - e a segunda entre alunos do primeiro período de

seis cursos: Adminstração, Ciências Contábeis, Comunicação, Pedagogia, Serviço

Social e Ciências Sociais (todos os cursos da UFRJ). Os dados das três pesquisas

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ratificam o perfil apresentado para as décadas anteriores, em relação às três

variáveis analisadas.

Em relação ao aspecto feminino da profissão, a pesquisa de Vasconcelos só

entrevistou 2,7% de homens (a autora não explica se este percentual foi uma

opção metodológica ou não). Em relação à origem social, a autora detectou que a

escolaridade da “Mãe” é, para 65% dos casos, de até o “1o. Grau Completo”,

sendo 55,4% da mesma escolaridade para o “Pai”. Era de se esperar que o

ingresso na profissão com o objetivo de “ascensão social” crescesse, derivado da

baixa escolaridade das famílias de origem dos estudantes. Isto, de fato, ocorre,

sem que as opções relativas às escolhas valóricas e religiosamente condicionadas

diminuam.

A grande novidade do trabalho de Vasconcelos é que ela identifica a presença da

religião, não nas motivações para ingresso na profissão, mas nas análises e

avaliações, assim como para os encaminhamentos profissionais. Embora a autora

faça apenas uma referência passageira a esta questão, seu estudo é o primeiro a

afirmar a presença da religião, como referência de orientação da prática

profissional, após os esforços realizados pela categoria profissional, de

secularização 20 do ensino e da prática da assistência.

Se, em relação aos profissionais, os elementos de gênero, origem social e religião

continuam se manifestando, entre os alunos também. Na pesquisa realizada entre

cursos, a distinção de gênero é estatisticamente significante, tendo os cursos de

Pedagogia (84%), Serviço Social (94,6%) e Comunicação (72,4%) uma

predominância feminina, enquanto os cursos de Ciências Sociais (45%) e

Administração (54,5%), apresentam uma divisão de gênero e Ciências Contábeis

(63%) apresenta uma hegemonia masculina.

Em relação à origem social, a variável estatisticamente significante foi a

“Escolaridade da Mãe”. Esta é que fez a diferença de origem social dos cursos

analisados. Enquanto o curso de Comunicação apresentou 75,9% das “Mães” com

19 Os dados completos desta pesquisa encontram -se em Simões (2000). Parte dos dados desta pesquisa foram já publicados em Simões (2000a). 20 De fato, o que ocorre é um desencantamento. A diferença entre os dois processos não é possível de ser discutido neste artigo. Ver Pierucci (2000).

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a escolaridade “3 o. Grau ou mais”, o curso de Pedagogia (30,8%) e Ciências

Contábeis (32,3%) apresentaram menos da metade deste percentual. O curso de

Serviço Social apresentou 40,5% dos alunos com “Mães” com este grau de

escolaridade.

Esta diferença significativa, em relação à escolaridade dos pais, faz com que

exista uma importante diferença de renda, entre os alunos dos diferentes cursos.

Neste caso, o curso de Serviço Social foi o que apresentou a menor média de

renda: R$ 1774,00 (aproximadamente 10 Salários Mínimos), enquanto o curso de

Comunicação apresentou o dobro de média21.

A religião foi também elemento distintivo entre os cursos que inicia-se pela filiação

a uma religião. Os cursos de Serviço Social (97,3%) e Pedagogia (92,3%),

apresentam-se como os cursos com os alunos mais religiosos e os cursos de

Ciências Sociais (51,7%) e Comunicação (65,5%) como os menos religosos. A

participação ao culto religioso apresenta uma distinção muito próxima do

“estatisticamete aceitável”. Os cursos de Serviço Social e Pedagogia, no entanto,

são os únicos que ficam próximos de ter seus alunos divididos pela metade entre

os que têm alguma forma de participação, seja militante ou não, e de não

participação. Os demais, apresentam uma porcentagem menor ou igual a 30%.

É na auto-atribuição do quanto se sente religoso, que os alunos se distinguem

mais propriamente. Numa pontuação, variando entre zero e dez, os cursos de

Serviço Social e Pedagogia foram os únicos que chegaram à média sete,

enquanto o curso de Comunicação alcançou apenas média três. Esta diferença

parece estar vinculada a formação religiosa legada pelos pais dos alunos, tendo

prevalência aqueles cursos em que as mães dos alunos são mais religiosas. Em

relação ao Pai, estatisticamente as diferenças proporcionais ficaram muito

próximas do significamente aceitável. A média dos cursos foi de 57,5% (Pai)

sendo religosos. Os cursos de Pedagogia (78,3%) e Serviço Social (71,4%), no

entanto, destacam-se com os maiores percentuais e os cursos de Comunicação

(35,7%) e Ciências Sociais (41,4%), com os menores. Em relação à Mãe, as

diferenças estatíticas são marcadamente relevantes. Os mesmos pares de cursos

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apresentam os maiores e menores percentuais: Pedagogia (88,5%) e Serviço

Social (97,3%); Comunicação (62,1%) e Ciências Sociais (65,5%).

Outra distinção significativa entre os cursos está na utilização da religião, nos

âmbitos público e privado. A pergunta referente a este item tinha as seguintes

alternativas: 1. A religião é o parâmetro da minha vida; 2. Recorro

preferencialmente à religião na vida privada, mas também nas atividades

acadêmicas e profissionais; 3. Só recorro à religião para resolver problemas

privados; 4. Nunca recorro à religião. As respostas das duas primeiras alternativas

foram agrupados, assim como das duas últimas e o resultado foi o seguinte: no

primeiro grupo de respostas, os alunos da Pedagogia e do Serviço Social tiveram

os maiores percentuais, chegando a 96,5% e 91,5%, respectivamente. Os cursos

de Comunicação (33,3%) e Ciências Sociais (40,7%), tiveram novamente os

menores percentuais.

Os dados da pesquisa entre alunos de Serviço Social ajudam a qualificar as

informações acima apresentadas. A hegemonia feminina não é um fato isolado do

curso da UFRJ. Em todos os outros a proporção de mulheres não foi inferior a

90%. Isto significa que ela se manifesta tanto nas universidades púbicas, como

nas privadas e tanto nos cursos diurnos quanto nos noturnos.

Em relação a origem social dos estudantes, o curso da UFRJ apresenta “Pais”

com uma das mais baixas escolaridades e, principalmente, renda familiar, quando

comparados com os outros cursos (Comunicação, Ciências Sociais, etc.), como foi

demonstrado acima. No entanto, este é o curso de Serviço Social com melhor

renda e origem social dos alunos se comparados com as demais faculdades. A

explicação é relativamente simples: este é o único curso inteiramente diurno

oferecido na Cidade do Rio de Janeiro. Desta forma, só ingressam nele os alunos

que podem estudar sem trabalhar. São, portanto, alunos mais novos, sem vínculos

conjugais e totalmente dependentes da estrutura familiar.

O curso da PUC-RJ, por exemplo, apresentou percentuais referentes a

escolaridade da “Mãe” de até 80% com apenas o “1o. Grau Completo” e 7,4% com

“mais que o 2o. Grau”. Na UERJ os percentuais foram de 52,1% e 12,4% para os

21 A composição das famílias é homogênea, apresentando uma média de 2 dependentes por

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mesmos itens. O curso da UFRJ (diurno) foi o único em que mais da metade das

“Mães” conseguiu ter escolaridade acima do “1o. Grau completo” (57%) e mais de

20% com “mais que o 2o. Grau” (24,1%).

Em relação a renda média familiar, o curso da UFRJ teve um o valor estimado de

R$1626,00 (ou 9 Salários Mínimos; a diferença é perfeitamente aceitável dentro

do intervalo de confiança de 95% em relação ao valor encontrado na outra

pesquisa); já para o curso da PUC-RJ (que apresenta alunos com condição social

mais desfavorável) a estimação foi de R$746,00 (ou 4 Salários Mínimos).

A forte presença e significado da religião na vida discente foi percebida, não

apenas entre os alunos ingressantes no curso, mas também entre aqueles que

estavam já deixando a universidade. Uma análise das “Dedicatórias” e

“Agradecimentos”, contidos nas monografias dos alunos de Serviço Social da

UFRJ e UERJ, nos anos de 1995 a 1998 (totalizando 316), revelou que 74,5% (ou

236) apresentaram sinais explícitos de religiosidade, tais como o agradecimento a

Deus, a citação de Salmos, passagens bíblicas, agradecimentos a pastores e

“irmãos de fé”, etc. . Para se ter um parâmetro de comparação, no mesmo período

foram coletados os mesmos dados, no curso de Economia (UFRJ) e as

“Dedicatórias” e “Agradecimentos” com sinais explícitos de religiosidade chegaram

a apenas 13,4%.

O que estes dados mostram é que existem elementos de continuidade, no Serviço

Social que se mantém independentes e, pode-se mesmo dizer, com o apoio das

modificações sofridas no interior da profissão. A mediação do marxismo na

profissão, por exemplo, contribuiu para a manutenção de uma dèmarche religiosa,

uma vez que esta era constitutiva do ideário destes profissionais. Por outro lado, a

busca de referenciais mais técnicos e “científicos” da profissão não retirou ou

alterou, significativamente, o caráter valórico da profissão. Pôde, ao contrário, ter

dado à profissão um novo estatuto, deixando de aparecer com uma fisionomia

moralista e ingênua, transmutando-se para um caráter mais racionalizador. A

hegemonia feminina, independente da maior identidade da profissão com os

“novos papéis” que a mulher vem assumindo na sociedade, parece apontar para

contribuinte.

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uma continuidade de sintonia da profissão com os “papéis” da mulher. Ao fim e ao

cabo, pelas continuidades que são expressas no perfil profissional, os dados

indicam que das origens até os dias atuais, o perfil dos profissionais de Serviço

Social não se modificou substantivamente em relação a sua origem. Há uma clara

alteração, em relação à origem social, mas as marcas de feminilidade e

religiosidade continuam presentes e marcam uma forte distinção deste curso com

os demais analisados.

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