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REVISTA DIREITO GV | SÃO PAULO | V. 12 N. 2 | 382-404 | MAI-AGO 2016 As diferentes tradições jurídicas: comentários ao projeto de Delmas-Marty sobre internacionalização do direito na América Latina DIFFERENT LEGAL TRADITIONS: COMMENTS ABOUT DELMAS-MARTY’S RESEARCH PROJECT ON INTERNATIONALIZATION OF LAW IN LATIN AMERICA Luiz Eduardo Abreu 1 Resumo O objetivo deste artigo é discutir a relação entre o direito internacional e as tradições jurídicas locais de países como o Brasil. Para tanto, o artigo discute a metodologia do projeto de pesquisa da professora Delmas-Marty, do Collège de France, chamado “Les figures de l’internationalisation du droit – Amérique Latine”, no qual vários pesquisadores brasileiros participaram. Propõe-se entender o direito internacional e os direitos nacionais como formas diferentes de linguagem. Palavras-chave Tradições jurídicas; linguagem; internacionalização do direito. Abstract This article aim is to discuss the relationship between international law and third world law traditions, such as Brazilian’s one. In order to do so, it addresses the methodological issues from Delmas Marty’s research project, called “Les figures de l’internationalisation du droit – Amérique Latine”, in which several Brazilian researchers participated. The article proposes to understand International and Brazilian Law as different forms of language. Keywords Law traditions; language; internationalization of law. 1 Universidade de Brasília Brasília - DF - Brasil Recebido: 02.06.2014 Aprovado: 23.03.2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201616 V. 12 N. 2 MAI-AGO 2016 ISSN 2317-6172

As diferentes tradições jurídicas: comentários ao projeto de Delmas

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As diferentes tradiçõesjurídicas: comentários ao

projeto de Delmas-Marty sobreinternacionalização do direito

na América LatinaDIFFERENT LEGAL TRADITIONS: COMMENTS ABOUT DELMAS-MARTY’S RESEARCH

PROJECT ON INTERNATIONALIZATION OF LAW IN LATIN AMERICA

Luiz Eduardo Abreu1

ResumoO objetivo deste artigo é discutir a relação entre o direito internacional e as tradiçõesjurídicas locais de países como o Brasil. Para tanto, o artigo discute a metodologiado projeto de pesquisa da professora Delmas-Marty, do Collège de France, chamado“Les figures de l’internationalisation du droit – Amérique Latine”, no qual váriospesquisadores brasileiros participaram. Propõe-se entender o direito internacionale os direitos nacionais como formas diferentes de linguagem.

Palavras-chaveTradições jurídicas; linguagem; internacionalização do direito.

AbstractThis article aim is to discuss the relationship between international law and thirdworld law traditions, such as Brazilian’s one. In order to do so, it addresses themethodological issues from Delmas Marty’s research project, called “Les figuresde l’internationalisation du droit – Amérique Latine”, in which several Brazilianresearchers participated. The article proposes to understand International andBrazilian Law as different forms of language.

KeywordsLaw traditions; language; internationalization of law.

1 Universidade de Brasília Brasília - DF - Brasil

Recebido: 02.06.2014Aprovado: 23.03.2016

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6172201616

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ISSN 2317-6172

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INTRODUÇÃOO presente texto dialoga com o projeto “Les figures de l’internationalisation du droit –Amérique Latine” [As figuras da internacionalização do direito – América Latina], da pro-fessora Mireille Delmas-Marty, desenvolvido no âmbito da cátedra Estudos Jurídicos Com-parados e Internacionalização do Direito do Collège de France.1 Ele é, portanto, fruto doambiente europeu, onde a criação de mecanismos e um direito comunitário é uma experiên-cia, até onde conhecemos, inédita no mundo contemporâneo. Mesmo a França, cuja corteconstitucional resistia, até um passado mais recente, à influência do direito comunitário, temcada vez mais se lhe aproximado na sua prática judiciária (DELMAS-MARTY, 2004). Dito deoutro jeito, o projeto responde a preocupações consolidadas da experiência contemporâneafrancesa, fruto já de algo que permanece, resiste à passagem do tempo. Nada semelhante exis-te hoje na América Latina, onde o Mercosul (como seus primos menos badalados: Aladi, Alcae Unasul, para ficarmos na América Latina) é, em grande parte, e em nossa opinião, um esfor-ço de voluntarismo governamental. O projeto, claro, tem plena consciência das diferençasentre o caso europeu e outros processos de integração internacional, e seu propósito é jus-tamente coletar dados que permitam comparações mais abrangentes com outras regiões(como, além da Comunidade Europeia, a China e o seu entorno).

Em nossa opinião, “As figuras da internacionalização do direito” é tão urgente quantonecessário para o saber jurídico contemporâneo. Às fórmulas, às justificativas, aos fundamen-tos do direito internacional parece faltar algo vital: ele está aquém de suas promessas de reso-lução de conflitos; e, ainda menos, de justiça e equidade. Digamos, para usar uma fórmulamais visceral, que o mundo mudou mais rapidamente que nossa capacidade de dizer coisas sig-nificativas a seu respeito. O projeto da professora Delmas-Marty se dirige às preocupaçõessuscitadas pelas mudanças – inesperadas, diga-se – do contexto internacional contemporâneo.E o saber jurídico, por conta das suas características próprias, é particularmente afetado porelas. Face às perplexidades dos tempos atuais, o projeto se volta para a empiria, ao invés daabstração sem fronteiras, onde as justificativas circulam entre si, tão comum a muitos juristas.Mas isso não significa que o projeto se limite à descrição de um estado de coisas. Ao contrário,é uma reflexão “filosófica” que faz uso do concreto para avançar, para encontrar na ruptura,que este novo mundo propõe, bases sólidas sobre as quais erigir fundamentos mais apropria-dos ao nosso tempo. Em outros termos, o projeto resta incompreensível se não percebemosque ele se desenvolve no plano reflexivo no qual o direito pensa a si próprio.

Este artigo, originalmente, foi pensado como um comentário à metodologia do proje-to, quer dizer, como a tentativa de estabelecer um diálogo entre um estrangeiro ao campojurídico brasileiro, um antropólogo, e o olhar que o projeto da professora Delmas-Marty

Uma versão inicial do texto foi apresentada numa jornada de estudos no Collège de France e num colóquio1

na FGV em São Paulo. Agradeço aos participantes dos eventos por suas contribuições e comentários.

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representava. Mas, conforme caminha o argumento, ele encontra sua identidade mais profun-da e se dirige à seguinte questão: como pensar a relação do direito internacional no mundoglobalizado contemporâneo com os direitos nacionais periféricos – como no nosso caso? Comopodemos formulá-la de maneira a encontrar um campo mais amplo, uma base sólida ondeum, da perspectiva do direito, “estrangeiro” pode dialogar com o saber jurídico?

Eis a fórmula da nossa exposição: a próxima seção examina duas ideias que estão na fun-damentação do projeto e a relação delas com o campo jurídico brasileiro; em seguida, passar-se-á a discorrer sobre as implicações da metodologia adotada pelo projeto, para, depois, exa-minar em que medida o direito poderia ser pensado como uma linguagem (para aquilo quenos interessa, bem entendido); e, na última seção, se a relação entre o direito internacionale o direito brasileiro poderia ser vista como uma relação entre linguagens diferentes. O pro-jeto, seus supostos, desdobramentos e a relação do direito internacional com o direito bra-sileiro passam a ser, então, espaços de uma comparação entre direitos como linguagens dife-rentes que nos permitam, talvez, recuperar a diferença e as especificidades societárias numsaber que, justamente, nega sua existência.

1 DUAS IDEIASAs questões colocadas pelo projeto aqui analisado questionam as convicções mais profundasdos juristas brasileiros. Não nos referimos aos juristas participantes do projeto, que represen-tam exceções frente à mentalidade coletiva, mas ao que o direito brasileiro exprime como suaidentidade – discurso incorporado nos textos mais dogmáticos (no Brasil, isso significa “téc-nicos”), exemplo dos manuais jurídicos e até de alguns textos científicos. A “empiria” é, paraestes, um detalhe distante das preocupações verdadeiramente centrais do pensamento jurídi-co: importante mesmo seriam os quadros de organização lógica que se encontrariam, de acor-do com os juristas, para além das incoerências e das contradições do sistema normativo pen-sadas como superficiais e secundárias. Além disso, a maneira pela qual o direito brasileiro serelaciona com o direito dos outros países da América do Sul é ignorar-lhes as especificidades(uma mentalidade que não é exclusiva do direito). Ele reconhece diferenças, na medida emque as normas são diferentes; mas, para ele, é difícil perceber a diversidade de visões domundo, a pluralidade “cultural” que o projeto sobre a internacionalização do direito supõe.

Para um antropólogo, duas ideias, na base do projeto, são particularmente interessantes:o “pluralismo ordenado” e a “margem nacional de apreciação”. As duas ideias põem em ques-tão a organização lógica do edifício normativo que, de um ponto de vista jurídico, supõe umquadro hierarquizado, à Kelsen. Nas palavras de Delmas-Marty (2005):

Acostumados como somos [os juristas] a pensar a geração das normas de acordo comum princípio hierárquico, pensamos que o ajustamento e a regulação são uma únicaoperação de integração de uma norma internacional por parte do receptor nacional.

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Ou seja, elas decorrem de uma constatação, no fundo, empírica: as complexidades doprocesso de internacionalização mostram a pluralidade das formas através das quais as ordensjurídicas nacionais influenciam o direito internacional e as ordens jurídicas de outros países;a variabilidade do tempo de integração entre os países e num mesmo país; e a variabilidadeda recepção do direito internacional pelos direitos nacionais. Em outras palavras, as normasinternacionais são internalizadas pelos direitos nacionais de maneira bem diferente do quea percepção hierárquica do direito permitira supor. O projeto “As figuras da internaciona-lização do direito” substitui o princípio hierárquico pela ideia de que os diversos países têm“uma margem nacional de apreciação” que lhes permite uma latitude inesperada. O “pluralis-mo ordenado”, por sua vez, é a sobreposição, talvez a convivência, de todas as margens nacio-nais. Num outro plano, o “pluralismo ordenado” e a “margem nacional de apreciação” signifi-cam uma ruptura com o pensamento jurídico “tradicional” e, simultaneamente, a necessidadede reter alguns princípios deste sem os quais o direito seria inadmissível para nossa mentali-dade ocidental. É a substituição de uma visão hierárquica por outra na qual algo da organi-zação da primeira sobrevive.

Há alguma semelhança, um certo “ar de família” entre a intuição mais profunda da qualpartem as ideias de “pluralismo ordenado” e de “margem nacional de apreciação” e a maneirapela qual, desde 2003, vimos examinando o direito brasileiro. Partimos do princípio socioló-gico segundo o qual um fenômeno social só faz sentido a partir do contexto social do qual fazparte e, particularmente, têm nos interessado as especificidades locais do direito e do judiciá-rio. Baseando-nos no nosso trabalho etnográfico do campo jurídico brasileiro, não conseguimosescapar à conclusão de que, para relacionar o direito brasileiro com seu contexto, é precisopensá-lo como uma tradição jurídica própria e particular. E isso é exatamente o contráriodaquilo que o direito brasileiro, no seu sentido comum teórico (para utilizar o termo cunhadopor WARAT, 1988), diz dele mesmo: direito brasileiro se afirma como sendo parte da grandetradição jurídica que resulta do direito romano, mais precisamente de Roma, uma tradiçãohomogênea, sem interstício ou ruptura, afirmação evidentemente falsa (vide BERMAN, 1983).Voltaremos ao assunto na parte final deste texto.

No fundo, o presente artigo propõe-se falar do projeto “As figuras da internacionaliza-ção do direito” a patir de outro saber que, num certo sentido, se coloca nas antípodas dodireito. Navegamos em águas turbulentas. É preciso reconhecer entre o direito e uma etno-grafia do campo jurídico o tipo de diferenças que Kuhn denominou “incomensurabilidade”,palavra mais repetida do que entendida (KUHN, 1996). Esta, simplesmente, tem um sen-tido matemático: a ausência de uma medida comum capaz de fazer julgar a verdade de umsaber em relação a outro. A polêmica começa quando se retiram daí implicações hermenêu-ticas: “incomensurabilidade” significa a impossibilidade seja da tradução, seja do diálogo(para um comentário do debate, ver BERNSTEIN, 1983)? O debate nos interessa porquepermite reconhecer, no percurso deste texto, uma decisão: preferimos o partido mais oti-mista segundo o qual a incomensurabilidade não implica na impossibilidade do diálogo, mas

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estabelece limites e impõe certos cuidados metodológicos. Dessa perspectiva, nós vamosconsiderar nossa perplexidade face a algumas propostas do projeto como sendo um sinal deque estamos diante da alteridade, de uma outra visão do mundo. E há, para tanto, um bommotivo: o objetivo do estudo não é fazer o exercício da crítica fundada em valores hetero-gêneos, uma crítica cujo fim é mais reafirmar a veracidade de seu próprio saber. Pelo con-trário, a questão é, sobretudo, descobrir em que termos se pode estabelecer, no âmbito doprojeto acima, uma conversa entre a antropologia e o direito. Mas, para tanto, precisaremos,primeiro, examinar os supostos metodológicos do projeto, quer dizer, a maneira a partir daqual seus participantes organizam os dados empíricos. O objetivo é compará-la com a manei-ra pela qual as ciências sociais em geral lidam com seus dados. É o que faremos a seguir.

2 A TEORIA E O PREENCHIMENTO DAS TABELASA metodologia do projeto requer, em primeiro lugar, o preenchimento de duas tabelas (repro-duzidas abaixo): uma sobre os atores e a outra sobre os fatores. Nas linhas da primeira, encon-tram-se os diferentes tipos de atores (públicos, científicos e privados) e, em cada um deles, trêsníveis: mundial, regional e local. Nas colunas, três tipos de funções: “a elaboração das normas”,“a aplicação das normas” e “o controle”; cada uma delas é, na sua vez, dividida nos mesmos trêsníveis acima. A tabela relativa aos fatores é mais simples: é dividida, no plano horizontal, em“eventos” e podemos colocar aí qualquer número; no plano vertical, “as consequências” dividi-das nos três níveis que já conhecemos. Assim teríamos:

TABELA 1 – ATORES E RESPECTIVAS FUNÇÕES

ATORES FUNÇÕES (EM RELAÇÃO ÀS NORMAS)

ELABORAÇÃO APLICAÇÃO CONTROLE

MUND REG NAC MUND REG NAC MUND REG NAC

PÚBLICOS MUND

REG

NAC

CIENTÍFICOS MUND

REG

NAC

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PRIVADOS MUND

REG

NAC

Fonte: Documentos internos do projeto.

TABELA 2 – FATORES

CONSEQUÊNCIAS

EVENTOS MUNDIAL REGIONAL NACIONAL

EVENTO 1

EVENTO 2

[...]

EVENTO N

Fonte: Documentos internos do projeto.

No entanto, da perspectiva de um antropólogo, a simplicidade das tabelas é profunda-mente enganosa. Para começar, a ideia de “metodologia” usada nas ciências sociais não seresume ao preenchimento dos dois quadros. Apesar de sua importância, as tabelas são fer-ramentas que servem para organizar os dados e sugerir relações significativas. São usadas naciência política, na sociologia, na política pública e, até mesmo, na antropologia. Malinowski,por exemplo, sugeria aos seus estudantes que organizassem os resultados da pesquisa etno-gráfica no que ele chamava de “quadro sinótico” (RICHARDS, 1964). Para nós, cientistassociais, as tabelas representam um passo intermediário do uso de certas ideias teóricas numconjunto de fenômenos. Portanto, nossa investigação metodológica se desenrola num outroplano. Qual o quadro teórico em que os juristas se baseiam para preencherem as tabelas? Oque lhes dá sentido? Essas perguntas, como veremos, se desdobram numa outra: o que as tabe-las supõem e aceitam como sendo “evidente”?

Para preencher as tabelas, é preciso circunscrever o tema da pesquisa a um assunto:“lavagem de dinheiro”, “corrupção”, “direitos da criança”; é também desejável delimitar a

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pesquisa geograficamente, para colocar em primeiro plano os mecanismos institucionais quetalvez não existam alhures. No entanto, em alguns temas, uma delimitação por demais res-trita pode impedir o preenchimento das tabelas; se, por exemplo, não há nenhum mecanis-mo propriamente regional, mas este simplesmente reproduz ou usa mecanismos globais,como parece ser o caso, na América Latina, da propriedade intelectual. Etnograficamente,o que se percebe é um notável consenso, no sentido de que não é difícil, para os juristas, entrarem acordo a respeito das categorias de atores que serão usados. Como pudemos observar,para eles, a tabela sobre os atores não coloca questões mais profundas; para completá-la,são necessárias ideias intuitivas. Eles podem discordar se um ator seria melhor classificadocomo “privado” ou “público”, se sua influência seria regional ou local; mas eles raramenteduvidam ou disputam a importância dos próprios atores. O fato notável é que estes não sãoindivíduos, mas posições institucionais, categorias profissionais ou instituições. Para nomeá--las, o critério empregado é sua “influência” sobre as três funções da tabela que são – nãocusta enfatizar – “movimentos” de vários mecanismos, públicos ou privados dotados de umcaráter coletivo. O mesmo critério se reproduz na tabela relativa aos fatores. Os eventos esuas consequências são pensados como fatos jurídicos. Em uma palavra, os critérios são basea-dos no plano institucional.

A questão que nos interessa é, talvez, muito simples e evidente para os juristas, mas nãopara o antropólogo: como será que se podem discernir as relações de causa e efeito que asduas tabelas supõem? Em que bases pode-se afirmar que a ação de tal ou tal ator exerce umainfluência ou provoca um movimento sobre os outros? As relações de causa e efeito preci-sam, nas ciências sociais, de suposições metodológicas muito fortes, quer dizer, de umateoria. Para desenvolver nosso argumento, iremos descrever a maneira pela qual um juristapreencheria os quadros. Para tanto vamos utilizar nossas observações sobre os outros par-ticipantes do projeto. A descrição não corresponde a um participante em particular, massugere um tipo, formulado a partir da média dos sujeitos concretos (sobre a utilização detipos, vide WEBER, 1978, p. 4). A pretensão é que o nosso retrato seja razoável, e utiliza-mos “razoável” para explicitar que a sua condição de “verdade” reside na sua capacidade emser reconhecido pelos mesmos personagens que ele pretende descrever, de ter um sentidopara eles.

Nosso protagonista trabalha sistematicamente neste assunto há alguns anos. Ele temuma formação intelectual sólida, um doutorado, e participou dos eventos cujos desdobra-mentos fazem parte de sua pesquisa. Vamos imaginar que ele conseguiu circunscrever osdados e começa a preencher as tabelas. Ele emprega sua própria experiência, os documen-tos oficiais e os processos que ele já conhece (nos quais tenha talvez trabalhado profissional-mente) ou que descobriu ao longo de suas pesquisas; ele usa também as discussões de ordemteórica e prática sobre o assunto das quais, talvez, tenha participado; isso inclui reuniõescientíficas ou institucionais e, às vezes, declarações de personagens importantes, debates noparlamento e até notícias dos jornais. As possibilidades acima lhe dão suas observações,

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digamos, “empíricas”. Para ele, não é difícil discernir os atores e os fatos jurídicos que, eleacredita, devem fazer parte da tabela. Ele se debruça na pertinência de certas consequências,a natureza da influência de um ator ou os refinamentos que as tabelas lhe sugerem, mas amarcha da sua pesquisa não sofre outras adversidades. Apesar de sua simplicidade, nossa des-crição nos ajuda a propor a hipótese segundo a qual, ao contrário das ciências sociais, o planoinstitucional substitui a necessidade de uma teoria que estabelecesse relações de causa e efei-to ou, simplesmente, de influência pela experiência de alguém que participa dele. Em outraspalavras, a teoria já se faz presente na prática e no funcionamento das instituições.

Assim, o estatuto de cada corte internacional estabelece a lista daqueles (pessoas oulugares institucionais) com legitimidade para iniciar um procedimento judicial; e os meca-nismos que uma das partes pode usar para obter o auxílio de um especialista, além de outrosinstrumentos, tais como o amicus curie, que permite a uma terceira parte se declarar inte-ressada pelo litígio. Nosso pesquisador usa a mesma abordagem para outros órgãos multi-laterais. Então, ele pode, examinando o material “empírico”, chegar aos nomes das institui-ções ou dos indivíduos que, efetivamente, iniciaram procedimentos judiciais, verificar se osargumentos usados num caso qualquer evocam atores que não foram nomeados explicita-mente ou, prospectando seus desdobramentos possíveis, estabelecer hipóteses a respeito dorisco jurídico para outros que podem, eles também, ser atores possíveis. Se, por uma razãoqualquer, as informações “empíricas” lhe faltarem, ele pode, usando as normas jurídicas eseus desdobramentos, inclusive aquelas que regulam o funcionamento das instituições, che-gar a conclusões parecidas. Isso não quer dizer que ele possa fazer a economia da “empiria”tal como a concebemos; apesar da possibilidade de estabelecer hipóteses razoáveis a partirdas normas, a prática judiciária lhe mostra que o uso, quer dizer, a interpretação das regras,pode seguir os caminhos mais surpreendentes. Além disso, os casos não são somente jul-gados. Alguns têm uma repercussão pública cujas consequências ou as possibilidades são obje-to de um debate institucional ou especializado, e os personagens que participam delespodem ser considerados atores, à medida que sua opinião tem repercussões no que dizem osoutros atores e até em movimentos institucionais. A descrição acima nos permite chegara duas conclusões: primeiro, nosso protagonista vê sua tarefa como sendo a aplicação dasregras próprias do campo jurídico; depois, existe um, digamos, “campo de argumentação”cuja compreensão lhe é necessária. Seria possível fazer a redução da primeira conclusão àsegunda? Poderíamos considerar a aplicação dos instrumentos jurídicos como sendo umdiálogo entre os atores?

3 UMA LINGUAGEM PARA FALARNo fundo, a questão é saber se o direito “em movimento” pode ser pensado como uma formade linguagem. Ninguém, hoje, se oporia, visto que vários autores importantes para o direi-to utilizam os instrumentos da linguagem para pensar o direito (por exemplo, DWORKIN,

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1986; HABERMAS, 1996). A questão, então, é, com mais propriedade, saber quais seriamas vantagens de caminhar por aí, isto é, o que o direito como linguagem nos permite enunciarsobre o nosso assunto. E essa questão, por sua vez, nos coloca diante do seguinte problema:será que poderíamos considerar os acordos e os tratados por um lado, os procedimentos con-tenciosos nos órgãos internacionais e o “campo de argumentação” por outro como sendo duaspartes de uma mesma linguagem? Apesar de suas semelhanças, eles têm entre si diferençasimportantes das quais não podemos fazer a economia sob o risco de tomar, com relação à empi-ria, liberdades inesperadas e, por vezes, desrespeitosas. Entrementes, devemos reconhecerque há algo que os une, que os dois planos têm entre si, de uma maneira que ainda não somoscapazes de enunciar, uma relação talvez necessária.

Uma observação atenta nos mostraria que o direito e o “campo de argumentação” com-partilham, no mínimo, uma ruptura semelhante face às linguagens ordinárias – o que nãoé difícil de perceber. Na linguagem, digamos “internacional”, os países, os Estados e as en-tidades coletivas têm opiniões, dizem coisas, votam e, às vezes, vão à guerra, assinam a paze acordos, festejam tratados. Mais recentemente, as ações dos países têm a obrigação deserem justificadas perante à “comunidade internacional” empregando argumentos jurídi-cos, mesmo aquelas cuja justificativa, antes, mencionava tão somente as razões de Estado(JOHNSTONE, 2003); mais ainda, o discurso dos atores emprega argumentos baseadosem valores “universais”: a autodeterminação dos povos, os direitos dos homens, a liberda-de, o desenvolvimento econômico, entre outros. O direito internacional incorpora essesvalores universais: eles servem sua justificação, sua razão de ser, e sua função é vigiá-los.No plano internacional, os atores têm o cuidado de pesar, tanto quanto possível, os efeitosperlocucionários de suas elocuções (AUSTIN, 1975, para o conceito de perlocucionário).Isso pode se revestir de formas muito distintas de acordo com o tipo e a posição de umator particular: uma ONG, cuja missão institucional é proteger o meio ambiente, nãotem a mesma estratégia discursiva de um país emergente. As estratégias variam da expres-são cujo objetivo é não se comprometer ou se colocar numa situação delicada, até aquelade exortar os outros atores a se pôr em movimento ou tomar certa atitude. Nessa curtaenumeração, não relatamos nem as atividades que acontecem nos bastidores do poder,nem as regras da linguagem deste último, nem os procedimentos próprios do contenciosointernacional. Em uma palavra, os jogos de linguagem do direito ou deste “campo de ar-gumentação” pertencem a contextos tão distantes das linguagens ordinárias que se tem acerteza de que as mesmas palavras podem significar, naqueles, coisas bem diferentes doque significam nos últimos.

A dificuldade é saber se a semelhança do seu estranhamento, seu distanciamento das lin-guagens ordinárias indica afinidades mais profundas. Com efeito, a despeito de seu carátersuperficial, nossa descrição já aponta para algumas afinidades possíveis. Para começar, é pre-ciso reconhecer que uma não sobrevive sem a outra. O direito internacional somente existe emfunção do contexto no qual os países têm vontades e interesses, dizem coisas e tomam partido,

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em que as entidades coletivas são encarnadas em pessoas particulares.2 No mesmo sentido, asrelações internacionais apoiam-se, cada vez mais, no direito internacional, o que tem comoresultado uma, diríamos, densificação normativa (DELMAS-MARTY, 2004, 2006). Depois,há, se não uma certa homogeneização entre o discurso e o direito, pelo menos, uma familia-ridade nos valores que eles invocam, os valores que, por sua vez, supõem a ideia reguladora,quase limítrofe, segundo a qual existiria uma comunidade entre todos os países e as pessoas.Por fim, o contexto no qual a ação dos atores tem um sentido mistura as duas ordens de formaque sua separação analítica, em alguns casos, permanece exclusivamente teórica; eles se com-binam dependendo das circunstâncias de uma forma tão inconstante que sua ligação não édada para sempre em função de uma regra invariável. Em alguns contextos, o direito desen-volve o papel que se é associado à norma: a imposição dos limites e a estabilização das expec-tativas a respeito do comportamento de outrem; em outros casos, é uma ferramenta, algousado para conquistar objetivos ou para realizar interesses. Pode ser usado para impor aosmais fracos uma vontade alheia ou para defendê-los. O direito legitima quando empregadopara negociar vantagens; é, em certos casos, uma base comum para um acordo, seja para rati-ficar a norma, seja para violá-la. Fala-se dele como um cínico ou como um crente; o direitonos obriga ou nos liberta. As possibilidades acima carecem de uma mesma característica quepoderia ser dita como sendo a essência da relação entre o direito e o que se diz no nível dasrelações internacionais. Os acontecimentos são, sem dúvida, ligados por uma rede de seme-lhanças, de tal forma que poderíamos dizer, à Wittgenstein, que eles têm entre si um certo“ar de família”, pois a imagem que eles evocam é aquela das semelhanças que encontramosentre parentes (WITTGENSTEIN, 2001, parágrafos 66-67).

Uma outra imagem do mesmo autor pode nos ajudar: a linguagem, diz Wittgenstein,pode ser vista como uma cidade construída em épocas diferentes, o centro de ruas sinuosastraçadas pelo acaso do tempo com construções de estilos variados, casas antigas nas quais sesobrepõem reformas feitas em tempos diferentes; em torno do centro, bairros modernos,com ruas largas, distribuídas segundo um plano cartesiano, e casas contemporâneas; ao ladodestes, bairros em labirintos, feitos para evitar o passeio de pedestres desconhecidos.3 Se

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Pode se reconhecer que há diferentes “direitos internacionais” e não somente um único, sabendo que2

eles interessam a mesma coisa a partir de diferentes abordagens e, ao contrário, que uma mesma coisanão significa o mesmo percurso. Ver a demonstração em Hermitte (1998). Reconhecemos que uma aná-lise detalhada das diferenças poderia mudar substancialmente a discussão. Consequentemente, somosobrigados a reconhecer o caráter provisório de nossas conclusões.

A imagem reproduz livremente o original: “Unsere Sprache kann man ansehen als eine alte Stadt: Ein3

Gewinkelt von Gässchen und Plätzen, alten und neuen Häusern mit Zubauten aus verschiedenenZeiten; und dies umgeben von einer Menge neuer Vororte mit geraden und regelmäßigen Straßen undmit einförmigen Häusern” (WITTGENSTEIN, 2001, parágrafo 18).

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considerarmos a linguagem “internacional” como sendo uma tal cidade (não é necessário sermais preciso), saber se o direito e o “campo de argumentação” pertencem a uma mesma lin-guagem, a despeito de suas diferenças e separações, é um falso problema. As diferentes partesda cidade não deixam de pertencer a ela por causa de suas diferenças; mais ainda, elas são liga-das de formas diferentes: pelo transporte público, pelas redes de energia elétrica e de telefo-nia e por um sistema de saneamento, por exemplo. Para ir de uma parte a outra, de um bairromoderno de ruas largas e regulares até um bairro de ruas tortas, talvez seja preciso atravessaro centro com suas construções sobrepostas de épocas remotas. As diferentes partes da cidadetêm, também, semelhanças mais profundas, mas é preciso viver nela para conhecê-las. Ametáfora nos lembra características que já vimos na relação entre o direito e o que se diz noplano das relações internacionais; ela nos permite sugerir que os fenômenos primeiros, nosentido de logicamente anteriores, não são suas semelhanças individualmente percebidas, maso seu contexto comum, a circulação necessária entre eles, o fato, por assim dizer, de seu “con-vívio” – em uma palavra, sua relação.

A imagem nos remete às questões anteriores. Como vimos, o preenchimento das tabelasexigia, necessariamente, uma teoria para relações de causa e efeito; ou, no mínimo, relaçõesde influência. Entretanto, como pudemos observar, essa exigência de ordem lógica contrasta-va vivamente com a facilidade, quase intuitiva, com a qual os juristas as preenchiam. Isso nosleva à hipótese de que a teoria já estava presente na prática e no funcionamento das institui-ções, ou seja, na experiência dos juristas. Agora, percebemos que, a despeito de a conclusãoser fundamentalmente correta, ela permanecia provisória. A metáfora da “linguagem comouma cidade” nos permite reescrever a maneira como nosso protagonista se relaciona com a“empiria”. Imagine-se, então, que o “direito internacional” pertence à cidade onde nosso pro-tagonista mora há muito tempo (onde todos, de certa forma, são estrangeiros, porque nin-guém nasceu ali). Ele conhece seu bairro em detalhe, outros lhe são familiares e há aquelespelos quais ele passou rapidamente; e os que ignora totalmente. Em relação a estes últimos,ele talvez use de uma ignorância estudada, cujos motivos podem variar desde escolhas sobrea importância das coisas, passando por razões afetivas, até representações sobre sua identida-de: as pessoas de sua classe – ele imagina – simplesmente moram em outro lugar, e ninguémtira proveito por conhecer certas vizinhanças. Apesar disso, ele entende bem os costumes dacidade: há costumes que vêm d’alhures; outros foram desenvolvidos ao longo de muito tempoe parecem pertencer à cidade, independentes dos habitantes. Ele sabe que há usos peculiares,próprios de alguns bairros, uma rotina comum que varia de acordo com a hora e o dia, comotambém pequenas diferenças, semelhanças superficiais e variações mais profundas. Em resu-mo, ele percorre bem os percursos da cidade e controla os caminhos que têm um interessepara os seus negócios.

Vamos ver os caminhos da cidade (nos quais incluímos os percursos, a identidade dosbairros, os costumes, as diferenças, as grandes e as pequenas semelhanças) como as regrasdessa “linguagem internacional” da qual faz parte o direito. Mais do que seguir um mapa,

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chegar a um ponto determinado implica em navegar no meio de possibilidades que mudamde acordo com as circunstâncias, sobre as quais não se tem nenhum domínio. E, portanto,para chegar ao seu destino, é preciso se relacionar com as exigências e as indeterminações doscaminhos da cidade, de se ver nelas, de ser capaz de usar a regra mais apropriada a uma cir-cunstância qualquer. O problema de conhecer os caminhos da cidade bons para os negóciosde alguém se parece com a maneira pela qual a experiência “internacional” se apresenta a nossoprotagonista (há, também, profundas diferenças). Por exemplo: constata-se a existência, noâmbito internacional, de regras de vários tipos e não somente as normas jurídicas (incluindoaí os princípios) ou valores “universais”, mas, sobretudo, outras que não são redutíveis a essas,como as regras que cercam o cotidiano das relações diplomáticas: a etiqueta das situaçõessociais, os almoços de negócios e os jantares em homenagem a alguém, as festividades, a cons-trução de alianças que, por vezes, são trabalhadas pelos seus partícipes quase como relaçõespessoais, a construção de networks, as maneiras de participar efetivamente de uma negocia-ção internacional ou como trafegar de maneira consequente os corredores de uma organiza-ção internacional, entre outras (para o exemplo da Organização Mundial do Comércio, videAZEVÊDO, 2013). Como em nossa cidade imaginária, não há substância comum a todas asregras, nem aplicação mecânica, nem uma determinação a priori das mais apropriadas aosdiferentes contextos. Pelo contrário, o seu uso varia conforme o contexto.

A metáfora da “linguagem como uma cidade” sugere que a experiência de nosso prota-gonista é, no fundo, a capacidade de falar uma língua particular, morar numa dessas cida-des, caminhar pelas suas ruas. Vê-se assim que as relações de causa e efeito que nosso juristaestabeleceu nos estudos não decorrem da observação, mas da linguagem. A questão, paraele, não é “quais as indicações de ordem empírica que me permitem afirmar que este atorou acontecimento é a causa de tal ou tal estado das coisas?” ou “as suposições teóricas que seusa para afirmar esta relação são razoáveis ou sustentáveis?”, mas, sobretudo, “será que a afir-mação desta relação de causa e efeito ou de influência faz sentido?”; dito de outra forma, aquestão é saber se as suas proposições empregam corretamente as regras dessa linguageminternacional. Para resumir nossas conclusões: participar do “campo internacional” (no qualincluímos o direito internacional) implica em falar uma linguagem; consequentemente, esta-belecer relações de causa e efeito equivale a empregar as regras do campo para dizer coisasque fazem sentido.

A conclusão explica as razões pelas quais o preenchimento das tabelas apresentaram, parao antropólogo, dificuldades inesperadas. O material empírico que ele possuía simplesmentenão era classificável nas categorias propostas, havia algo de mal ajambrado na tentativa. Omais importante (para o antropólogo, bem entendido) simplesmente não cabia na tabela –preenchê-las implicava em fazer, face aos dados coletados, concessões desrespeitosas. Se oscomentários acima expressassem tão somente uma relação diferente com o que chamamosde “empiria”, o problema poderia ser facilmente solucionado: bastaria iluminar as diferen-ças teóricas para reger os desacordos; com isso não obteríamos um consenso – aliás, de

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todo improvável –, mas seríamos capazes de alcançar a paz de espírito que resulta das diver-gências explicitadas. Mas há uma outra maneira de perceber os mesmos comentários. Nãocomo resultado de divergências teóricas, mas como índices de que estamos diante da alte-ridade, de visões do mundo e de formas de vida que, apesar de sua aparente proximidade, sãofundamentalmente estrangeiras. A questão, portanto, não é teórica; mas de tradução.

Os sociólogos e os antropólogos – é preciso reconhecer – são muito mal preparadospara ouvir o que os juristas falam. As questões centrais para os últimos não têm lugar no campovisual dos primeiros. O problema, em parte, vem da relação que a antropologia estabelece comessa linguagem “internacional”. Esta nada mais é, para o antropólogo, do que um objeto de pes-quisa. Em outras palavras, ele se aproxima da linguagem internacional, não como um cidadão,nem como um turista eventual, mas como um geógrafo que pretende desenhar-lhe um mapa,cuja aproximação temporária constrói um olhar transeunte e justifica um discurso necessaria-mente distante. De qualquer modo, tratar o direito como parte da linguagem “internacional”nos coloca todos – antropólogos, juristas e, talvez, outros cientistas sociais – num quadro maisconfortável e espaçoso (do ponto de vista do antropólogo, bem entendido).

No princípio deste trabalho dizíamos que, da perspectiva das nossas pesquisas, o direitobrasileiro configura-se como uma tradição própria (apesar de ele próprio negá-lo). Agora,somos capazes de reformular nossa proposição inicial dizendo que a relação entre o direitointernacional e os direitos nacionais é um diálogo entre linguagens também estrangeiras. A pro-posta parece polêmica, ultrajante para a mentalidade jurídica (certamente para a mentalidadejurídica brasileira); para uma visão mais dogmática, ela poderia parecer extraordinariamenteperigosa, já que questiona a possibilidade de uma ordem jurídica construída sobre os encadea-mentos lógicos. O uso que fazemos dessa imagem é, no entanto, mais modesta. Ela serve paraexplorar, de uma forma antropológica, as duas ideias que tocaram nossa imaginação: o plura-lismo ordenado e a margem nacional de apreciação; e, para, a partir daí, dizer algo que façasentido a alguém que vê o mundo de uma maneira radicalmente diferente da nossa.

4 UMA TRADUÇÃO PARA FAZERPartindo do princípio de que nossas conclusões são, até agora, razoáveis, vamos desenvol-ver a hipótese explicitada acima usando nossa etnografia do direito brasileiro (ABREU, 2013a).Nossas conclusões se apoiam num contexto local e, portanto, somente podem ser univer-salizadas com cuidado; muito provavelmente, sua utilização em outros países vai exigir cor-reções substanciais. Mas, antes de prosseguir com o argumento, precisamos examinar umaquestão preliminar: somos obrigados a reconhecer que os contextos sociais do direito inter-nacional e do direito brasileiro são profundamente distintos, apesar de o direito brasileiroignorar ostensivamente as diferenças. Num outro plano, a diferença entre contextos se des-dobra em uma assimetria. Não nos referimos à assimetria lógica, ou seja, hierárquica, comoapontava Delmas-Marty (2005) acima, mas, antes, a uma assimetria de ordem sociológica

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entre o direito internacional e o direito brasileiro. É preciso examinar o que isso quer dizercom mais cuidado.

A prova da assimetria deriva da ideia de que o direito é uma forma de linguagem. Paranós, a língua, como um fato social, está necessariamente ligada a um contexto e incorporaum conjunto de crenças e práticas compartilhadas.4 No entanto, como sugere MacIntyre,haveria uma “exceção” à regra: as línguas internacionais da modernidade, como o francês,o alemão e o inglês do século XX.5 Estas pareceriam ter uma relação “fraca” com o contextoe a tradição; e acessíveis a todos e em qualquer lugar. A sugestão nos parece sensível e apro-priada para os nossos dados, como veremos abaixo. Deveríamos então admitir a possibili-dade de uma linguagem sem comunidade? A resposta nos parece ser não. A questão parece-nos outra: quais as características específicas que permitem a uma tradição ou umacomunidade, um contexto social concreto, que os faz imaginarem que sua linguagem escapade qualquer referência a um ambiente social concreto?6 Mas isso não altera o argumento.Qualquer que seja a resposta à questão, o fato sociologicamente relevante é que certas lin-guagens são imaginadas como tais, quer dizer, são representadas como se pertencessem, nolimite, e possivelmente, a todos. Graças à sua relação “fraca” com um conjunto de “crenças

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A ideia de que a linguagem é um fenômeno social e, portanto, requer algo que seja compartilhado já está4

presente em vários autores. Por exemplo, Saussure (1995), Wittgenstein (2001) e, mais próximo aodireito, Dworkin (1986).

“The conception of language presupposed in saying this that of a language as it is used in and by a parti-5

cular community living at a particular time and place with a particular shared beliefs, institutions, andpractices. These beliefs, institutions, and practices will be furnished expressions and embodiment in avariety of linguistic expressions and idioms; the language will provide standard uses for a necessary rangeof expressions and idioms, the use of which will presuppose commitment to those same beliefs, institu-tions and practices. There was no way to discuss political matters in Cicero’s Rome except within aframework supplied by the standard uses of ‘respublica’, ‘auctoritas’ (originally a technical term in the pro-cedures of the senate), ‘dignitas’, ‘libertas’, ‘imperium’, and the like. [...] The boundaries of a language arethe boundaries of some linguistic community which is also a social community. This conception of langua-ge does require supplementations in one way. [...] [T]here is, for better or for worse, late twentieth-centuryEnglish, an internationalized language, which like other late twentieth-century internationalized langua-ges [...] has been developed so as apparently to become potentially available to anyone and everyone,whatever their membership in any or no community. [...] We can therefore compare and contrast langua-ges in respect of the degree to which some particular language-in-use is tied by its vocabulary and itslinguistic uses to a particular set of beliefs, the beliefs of some specific tradition, so that to reject or modi-fy radically the beliefs will require some corresponding kind of linguistic transformation (MACINTYRE,1988 p. 372-374).”

É preciso lembrar-se da ideia de Gray pela qual a sociedade civil é a condição de possibilidade e o que o6

mundo pode herdar das sociedades ocidentais. Ver Gray (1996), principalmente o último capítulo: “Whatis live and dead in liberalism?”. Ver também a crítica de Kymlicka (1995) contra o liberalismo.

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contestáveis” e sua “riqueza de modos de caracterização”, argumenta ainda MacIntyre, estas“línguas da modernidade” apresentariam uma dupla característica: primeiro, para aquelesque as empregam, elas pareceriam capazes de traduzir qualquer tradição estrangeira, atémesmo as tradições cuja compreensão exigiria o uso intensivo de referências contextuaismuito precisas, o conhecimento profundo de aspectos culturais e sociais. O problema é queuma compreensão mais profunda deveria incorporar fenômenos para os quais as línguas “damodernidade” parecem não ter palavras nem conceitos, que somente podem ser menciona-dos através de um trabalho minucioso de reconstrução; a alternativa é a distorção pura e sim-ples do significado de origem. Mais ainda,

a distorção da tradução [...] continua possivelmente invisível para aqueles cuja primeiralíngua é uma das línguas internacionalizadas da modernidade. Para eles, deve parecerque não há nenhum texto que não pode ser traduzido. É possível que eles falem daimpossibilidade da tradução em princípio, mas, provavelmente, a impossibilidade lhesparecerá uma ficção filosófica. (MACINTYRE, 1988, p. 384-385)7

A nossa sugestão é simples: o direito internacional faz parte de uma tal linguagem “damodernidade” que parece escapar das referências concretas de uma comunidade particular(evidentemente, a referência a uma comunidade global como ideia reguladora é algo diferen-te). A assimetria sociológica à qual nos referíamos resulta do fato de que, ao contrário dodireito internacional, o direito brasileiro é uma linguagem “local”, muito ligada a seu contextosocial e a uma tradição particular, apesar de se representar como universal e herdeira de umatradição que, de acordo com nossa hipótese, em grande parte nos é estranha.

A ligação do direito brasileiro à sua realidade local, particular, e a necessidade de modi-ficar aquilo que importamos de outros países não é uma afirmação estranha aos nossosjuristas mais antigos. O Visconde do Uruguay, em seu Ensaio sobre Direito Administrativo, já odizia com todas as letras: o nosso “sistema administrativo” era, dizia ele, “[…] um arremedoimperfeitíssimo e manco das instituições dos Estados Unidos, destituído porém dos princi-pais e essenciais meios e circunstâncias que as acomoda a esse país”; a razão não era, paraele, difícil de apontar: “não se dão no Brasil certas circunstâncias especiais que o torna exe-quível e eficaz nesses países [Inglaterra e Estados Unidos]” (SOARES DE SOUZA, 2002,p. 497). A questão era como adaptar nossas instituições à nossa realidade, o que implicava,para ele, um direito administrativo apropriado aos nossos costumes. Oliveira Vianna, por

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No original: “[t]his distortion by translation [...] is of course apt to be invisible to those whose first7

first language is one of the internationalized languages of modernity. For them it must appear that thereis nothing which is not translatable into their language. Untranslatability – if cautious, they may sayuntranslatability in principle – will perhaps appear to them as a philosophical fiction”.

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sua vez, partia da “observação” de que a socieda brasileira, deixada à própria sorte, não con-seguiria organizar-se; caberia, portanto, ao Estado a tarefa de organizá-la, muitas vezes, con-tra ela mesma: todo problema se resumiria em encontrar a organização institucional apro-priada (TELES FILHO, 2006). O que, provavelmente, causaria espanto a esses juristas maisantigos é a mentalidade do senso comum jurídico mais recente segundo a qual o direito bra-sileiro representa uma continuidade sem rupturas com a tradição jurídica romano-germâni-ca, quer dizer, ele não adapta, não a transforma em alguma outra coisa, não a subverte. Emsuma, ele não dialoga com a realidade social a partir de uma certa compreensão sociológica,mesmo que ela seja intuitiva, inconsciente e construída sobre um certo senso comum do queseja o Brasil e o papel do direito na realidade social da qual fazemos parte. A hipótese coma qual vimos trabalhando nos últimos anos é que a mentalidade jurídica mais recente não éuma ruptura com a narrativa mais antiga, mas é a transposição, num outro plano, da mesmanecessidade de adaptação de diálogo. O que o direito brasileiro faz não é ignorar a realidadesocial. Ele faz que a ignora justamente para, a seu jeito, lidar com ela (ABREU, 2013c).

As duas consequências apontadas por MacIntyre, em nosso entendimento, exprimem bemos mal-entendidos que encontramos na conversa do direito internacional com o direito brasi-leiro. Para os juristas brasileiros que adotam a mentalidade mais recente descrita acima, a dis-torção da tradução é “evidentemente” uma impossibilidade empiricamente demonstrável: ostermos e os conceitos do direito internacional e do direito brasileiro parecem iguais; maisainda, os juristas concordam, aparentemente, com o fundamental – suas origens, ou, para con-tinuar nossa metáfora, a cidade onde eles moram é irrelevante. Todavia, uma pequena aproxi-mação já mostra algumas rupturas, imprecisões e inconsistências nesse cenário idílico. Comoexemplo, vamos utilizar a ideia de igualdade que pode ser encontrada, provavelmente, na maio-ria das constituições contemporâneas. A Constituição brasileira a repete no seu artigo 5º. Ocaput estabelece que “todos são iguais perante a lei” sem discriminação de raça, sexo, crença eque todos têm o “direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. As alí-neas são dedicadas aos direitos liberais clássicos e outros que se aproximam daqueles de umEstado-providência.A ênfase sobre os direitos individuais já ganharia um sentido diferente se apercebemos como uma reação contra os excessos do governo militar, recentemente acabado àépoca da promulgação da Constituição de 1988, ou seja, uma estratégia política de valoraçãode liberdades individuais das classes altas e médias que supõe uma desigualdade profunda entreelas e as classes mais baixas. Mas o contexto social ao qual nos referíamos não é o da históriapolítica contemporânea (apesar da sua importância), mas algo mais profundo e, ao mesmotempo, corriqueiro, cotidiano, algo que está à frente de todos – e nisso reside sua verdadeiradificuldade. O que nos importa é o uso do conceito de igualdade pelos nossos tribunais e advo-gados e as estratégias que o direito brasileiro emprega a fim de juntá-lo a uma ideologia socialque o contradiz. Dessa perspectiva, a lei permanece sendo o lado mais superficial do fenômeno.

Mas o que significa “igualdade”? Poderíamos perfeitamente apelar para autores contem-porâneos (como TAYLOR, 1994; HABERMAS, 1996; RAWLS, 2005), mas há uma certa

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economia explicativa em nos referir aos clássicos. Pensamos, portanto, em Rousseau (2002).Para ele, a igualdade é a condição natural do homem e a desigualdade oriunda da sociedade.Evidentemente, ninguém questionará o fato de a igualdade ser um valor, mas em Rousseau,como na maioria do pensamento tipicamente moderno, ela está englobada no indivíduo con-creto. Neste, a substância contém o valor, ou, melhor dizendo, uma substância como valor(vide DUMONT, 1985). A doutrina jurídica brasileira, ao contrário de Rousseau, entende“a igualdade” a partir da fórmula “clássica” de Rui Barbosa: “a parte da natureza varia ao infi-nito. Não há, no universo, duas coisas iguais […] todas entre si diversificam”, escrevia ele.Portanto, “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualda-de flagrante, e não igualdade real”. E continuava,

Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendonão dar a cada um na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos seequivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, éa filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, nãofaria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria. Mas,se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limitesda sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividadee perseverança. Tal a missão do trabalho. (BARBOSA, 1999, p. 26).

Fica evidente que entre o pensamento moderno, exemplificado por Rousseau, e Barbosaexistem profundas divergências: a desigualdade, que, para Rousseau, é uma construção sociale a deturpação da natureza humana, para Barbosa é a própria natureza do homem.

A comparação mostra que a relação entre diferença e desigualdade não é, de forma nenhu-ma, um argumento universalizável. Um estrangeiro vindo de uma sociedade individualistadiria que diferença não é o mesmo que desigualdade e a segunda não decorre naturalmenteda primeira. Para este último, a diferença é uma propriedade da natureza e, em sociedade,do exercício da liberdade; já a desigualdade é uma construção social, ela implica a domiçãodo homem pelo homem. A prova já está, por exemplo, no Discurso da servidão voluntária(LA BOÉTIE, 1982), redigido em 1547. Ou, como diria Rawls, de safra mais recente, “Adistribuição natural” – ou, como ele diz em outra parte, “a loteria natural dos talentos” –“não é nem justa, nem injusta; tampouco é injusto que, na sociedade, as pessoas nasçamem alguma posição particular. Estes são simples fatos naturais”. E completa: “O que é justoou injusto é a maneira pela qual as instituições lidam com esses fatos” (RAWLS, 1999, p. 87).8

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No original: “The natural distribution is neither just nor unjust; nor is it unjust that persons are born8

into society at some particular position. These are simply natural facts. What is just and unjust is theway that institutions deal with these facts”.

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Para Rawls, o princípio de justiça que propõe Barbosa seria um exemplo de sociedadesinjustas, justamente porque “A estrutura básica [da sociedade brasileira] incorpora a arbi-trariedade encontrada na natureza” (RAWLS, 1999, p. 88).9Vê-se, portanto, que a verdadeda fórmula “somos todos diferentes e portanto desiguais” não deriva de um argumento uni-versalmente válido, mas de uma tradição particular: nesta, ao invés da igualdade natural,que a sociedade deturpa e destrói, encontramos a desigualdade social como a condição natu-ral do homem que o direito tem de alguma forma que organizar, às vezes contra o exageroe a insconstância da própria sociedade.

A doutrina jurídica brasileira estabelece dois conceitos auxiliares: a igualdade formal ea igualdade material (PONTES DE MIRANDA, 2002). A primeira fala de igualdade perantea lei, a segunda da igualdade em sociedade ou, com mais propriedade, da desigualdade entreos homens. No que diz respeito à igualdade material, o senso comum dos juristas contempo-râneos compreende, como Barbosa, que as pessoas seriam naturalmente desiguais (BARROSO,1986; GUEDES, 2014). Como diz um livro de safra recente de um jurista brasileiro, “Os sereshumanos são naturalmente desiguais. São diferentes se comparados entre si, seja em suas carac-terístas físicas, seja em suas características intelectuais. São também diferentes como sujei-tos e agentes sociais” (GUEDES, 2014, p. 25). Outrossim, os juristas interpretam a fórmula“tratar desigualmente com os desiguais, na justa medida de sua desigualdade” como o prin-cípio, talvez o mais fundamental, da justiça. O ponto é que a oposição entre as igualdades for-mal e material dialogam diretamente com as formulações de Barbosa que vimos acima, che-gando mesmo a reproduzi-las no essencial.

A partir daí, constroem-se mecanismos jurídicos que caminham em direções opostas. Eesses derivam, por sua vez, de duas interpretações possíveis do princípio da justiça que pro-põe Barbosa. A primeira delas se caracteriza por interpretar “tratar desigualmente os desi-guais” no sentido de proteção das pessoas que estejam no polo interior de uma relação assi-métrica. “O princípio da desigualdade”, diz Guedes, “é a regra que permite a compensação, otratamento diferenciado ou a incidência da regra da justiça e o tratamento proporcional”(GUEDES, 2014, p. 181). E, mais adiante, afirma que, ideologicamente, predomina “o obje-tivo de se proteger aqueles que estão em posicionados em condição inferior” (GUEDES,2014, p. 197). Esta parece ser a interpretação corrente do trecho de Barbosa, algo que, alémda bibliografia que citamos neste artigo, é corroborado por nossa etnografia do campo jurí-dico nos últimos anos: sempre que se o menciona, é nesse primeiro sentido, como a inter-pretação “correta” daquilo que Barbosa quereria dizer. Todavia, a questão central é o sentidoque a assimetria tem na ideologia de uma sociedade. A nossa hipótese de trabalho é que osmecanismos jurídicos de discriminação positiva, na sociedade brasileira, não implicam no

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No original: “The basic structure of these societies incorporates the arbitrariness found in nature”.9

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reconhecimento de uma igualdade profunda. Pelo contrário, eles assumem, no Brasil, umcárater paternalista, justamente porque supõem a inferioridade “natural” de alguns que,por isso mesmo, devem ser protegidos. E isso nos leva ao outro sentido possível do trechode Barbosa.

O segundo sentido para o trecho de Barbosa corre silencioso, quer dizer, dificilmentese o menciona no campo jurídico. Ele é bem mais próximo ao autor e ao seu tempo e – nãoresta dúvida – corresponde ao sentido mais literal do texto. Aliás, o autor é bem explícito.Ele vai afirmar que a justa regra de distribuição do produto social (a frase é nossa) resultado “valor” de cada um: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmenteaos desiguais, na medida em que se desigualam”, diz ele. “Nesta desigualdade social, propor-cionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade” (BARBOSA, 1999,p. 26). Ora, se os homens valem diferentemente – como o autor defende, vimos acima –,eles devem ganhar proporcionalmente aquilo que são, quer dizer, aqueles que valem maisganham mais e, inversamente, os que valem menos ganham menos. Essa segunda possibili-dade da interpretação de Barbosa é – reconheçamos – inapropriada aos humores do nossotempo, pois defende não apenas que a desigualdade é inescapável, visto que natural; masque, por ser natural, é também justa (ABREU, 2013b). E a pergunta relevante para o nossoargumento é se esse segundo sentido, como o primeiro, influencia a nossa legislação e asdecisões dos nossos juízes. A nossa hipótese de trabalho é que sim. Mas ela corre silenciosa,justamente pelo contexto contemporâneo. Com efeito, na sociedade brasileira mais ampla,ninguém iria, hoje e de boa vontade, admitir que nossa ideologia social considera a desigual-dade não apenas legítima mas justa. No entanto, encontramos situações nas quais, ao ladodo direito à igualdade de tratamento, espera-se que, legitimamente, alguns tenham reconhe-cido o direito ao tratamento diferencial, quer dizer, eles teriam direto a direitos que nãoseriam compartilhados pelo resto dos cidadãos: mais explicitamente, direitos que decor-rem do fato de pertencerem ao polo superior de uma sociedade profundamente assimétrica(CARDOSO DE OLIVEIRA, 2013). De forma análoga, não vamos encontrar, no direito, adefesa da desigualdade justa. Ela só pode ser percebida pelo movimento do conjunto das ins-tituições e das decisões. Dito de outro jeito, o uso do conjunto dos dispositivos normativospermite que a diferença de valor da qual falava Barbosa se infiltre nos julgamentos. E o fatode ele correr silencioso torna-o, por isso, muito mais insidioso e difícil de apontar (comoexemplo “empírico” vide os trabalhos de SOUZA, 2012, e ABREU e SOUZA, 2013, sobreos julgamentos que cercam a Lei da Anistia).

Mas o que isso tem a ver com a margem nacional de apreciação e o pluralismo ordena-do? A pergunta não é puramente retórica. Com efeito, parece que estamos tão distantesdaqueles conceitos que a tarefa de voltar a eles nos coloca certa dificuldade. E esse é justa-mente o ponto. A dificuldade de relacioná-los mostra que a margem nacional e o pluralismoordenado não conseguem dar conta da complexidade que o exemplo da aplicação do con-ceito da igualdade pelo direito brasileiro traz para o debate. E, isso por sua vez, sugere duas

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possibilidades. A primeira seria saber se poderíamos continuar defendo a existência de uma“margem”, quer dizer, um campo semântico de interpretações possíveis mais ou menosamplo, conforme a norma e/ou princípio. Ora, vimos que o sentido de igualdade utilizadopelo direito brasileiro é, em algumas de suas aplicações, a subversão do sentido de igualda-de adotado pelas sociedades individualistas modernas, como a francesa. Mas há tambémuma segunda possibilidade que, nos parece, é mais central e está ligada à diferença entre aslinguagens da modernidade e uma linguagem local. O que o exemplo do conceito de igual-dade questionou foi a capacidade de a linguagem do direito internacional compreender asespecificidades locais, compreender, por exemplo, como o direito brasileiro, como uma lin-guagem local, utiliza sua capacidade de adaptar os termos e os dispositivos do direito inter-nacional para transformá-los em algo inteiramente diverso, de maneiras novas e inusitadas.E isso nos leva a sugerir um outro rumo para as intuições mais centrais do projeto. Talvezseja preciso inverter a ordem do olhar: ao invés de examinar os direitos locais a partir dodireito internacional, quer dizer, qual a medida da margem que os direitos locais exercem fren-te ao direito internacional, percorrer a direção contrária, a saber, descobrir como os con-textos sociais e cuturais locais colonizam a seu modo os mecanismos internacionais. Numplano mais teórico, isso equivaleria a inverter a relação entre os conceitos: não mais o plu-ralismo ordenado como o resultado da margem nacional, mas o pluralismo e a diferençacomo fenômenos primeiros, no sentido de logicamente anteriores, sobre o qual todo o restose constrói.

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Luiz Eduardo Abreu PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB).

DOUTOR EM ANTROPOLOGIA PELA UNIVERSIDADEDE BRASÍLIA (UNB).

MESTRE EM ANTROPOLOGIA SOCIAL PELAUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP).

FOI PROFESSOR DO PROGRAMA DE MESTRADO E

DOUTORADO EM DIREITO DO CENTRO UNIVERSITÁRIODE BRASÍLIA (UNICEUB) E COORDENOU O NÚCLEO

DE PESQUISA E MONOGRAFIA DO CURSO DE DIREITO.

[email protected]

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