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AS DONAS DA
HISTÓRIA Capítulo 48.
Novela de Renan Fernandes.
Escrita por Renan Fernandes.
1
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
CENA 1. URUGUAIANA. CELA. INT. TARDE.
Retrospectiva das últimas cenas do capítulo anterior.
Antônio fica sentado na cela, olhando para o chão. De chofre, surge o
delegado com um papel em mãos.
DELEGADO — Acabou a sua estadia aqui, doutor Arrogante
Meirelles. Agora você vai cantar de galo na sua
cidade de antipáticos. Saiu a transferência pra
Comarca de Curitiba.
CENA 2. CURITIBA. DELEGACIA. EXT. ANOITECER.
Ao som de uma música de ação, CAM primeiramente destaca a fachada da
delegacia, e a chegada de dois carros de polícia que buzinam e acendem o
farol por conta do anoitecer. Logo, Antônio desce algemado, e, ao fundo,
observa-se a extensa rua movimentada e, no horizonte, um céu violeta com
nuvens alaranjadas. Depois de olhar para a rua com um aspecto de
melancolia, Antônio respira fundo e se deixa conduzir pelo departamento
interno.
CENA 3. DELEGACIA. INT. ANOITECER.
Lá dentro, Antônio se surpreende com alguns paparazzis que tiram a sua
foto. Constrangido, ele tenta se proteger dos cliques de fotos com as suas
mãos, até se sentir aliviado quando é levado diretamente para o corredor
das celas. Já lá, ele observa que dessa vez há detentos em cada cela
gradeada. Quando chega ao seu lugar, Antônio observa que terá um colega,
o qual está aparentemente dormindo.
ANTÔNIO — Eu não acredito nisso.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
POLICIAL 1 — (abrindo a cela) Se acostume. Aqui não existe
esse negócio de tratamento VIP.
Assim, Antônio entra no local, o policial fecha a cela e aquele observa o seu
colega de cárcere deitado com um jornal cobrindo a cabeça. Sutilmente,
Antônio senta na outra cama que se situa na extremidade direita. O seu
colega acaba acordando, tira o jornal da cabeça e nota que Antônio não para
de fixar o seu olhar para ele.
HOMEM — Pelo jeito você não gostou de saber que arrumou
um novo colega. Mas mesmo assim eu me
apresento. Muito prazer, o meu nome é Carlos,
mais conhecido como Codinome.
Codinome estende a sua mão. Surpreendentemente, Antônio o cumprimenta.
ABERTURA DO ENREDO.
Tema: UNDER PRESSURE-QUEEN.
CENA 4. DELEGACIA. INT. ANOITECER.
Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.
Mesmo cumprimentando Codinome, Antônio ainda mantém a sua habitual
pose de arrogante. Aquele, por sua vez, percebendo o jeito fechado deste,
volta para a sua cama e deita-se nela.
CODINOME — Já percebi que você não é do tipo de gente que
gosta de se misturar. E, pra te falar a verdade, eu
não te critico por isso. Às vezes, é até melhor ser
assim, e evitar transtornos futuros com
companhias erradas...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... (senta-se na cama) Apesar de que você, por
estar aqui, certamente não é nenhum coitado ou
vítima das circunstâncias. Ou vai me dizer que foi
injustiçado pelo sistema?
ANTÔNIO — (ríspido) Sinceramente, eu acho que você
deveria pensar no que fala e refletir. Ou será que
você se esqueceu do começo do seu falatório?
Você acabou de me dizer que já percebeu o tipo de
gente que eu sou. Logo, não queira esperar de mim
camaradagem ou respeito. Eu estou cheio de
problemas, talvez não tão mais graves do que os
seus, que parece um coitado. Só que os meus
problemas eu vou guardar pra mim, justamente
porque eu sou um tipo de pessoa que não dá trela
pra estranhos. Além disso, vamos raciocinar um
pouco mais. Em breve, eu já vou estar fora desse
purgatório e vou retomar a minha vida
tranquilamente. Com certeza, e se Deus quiser,
nunca mais eu vou ter lembrança nenhuma desse
lugar, e isso inclui as pessoas que eu conheci
acidentalmente.
CODINOME — Então tá certo. Se você se julga tão convicto de
que essa situação atual é só passageira, e que eu e
os seus outros colegas de cárcere somos apenas
figurantes desse teatro infeliz que você está
protagonizando...
4
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Eu fico na minha e te proporciono sossego e paz.
Eu só espero que você não esteja se iludindo.
Muitos que eu conheci nesse quase um mês de
reclusão, foram tão prepotentes quanto você. Mas
a realidade pra eles não foi nada amigável.
Música de suspense. Codinome deixa de falar e volta a se deitar na sua
cama. Depois, pega algumas folhas de seu jornal surrado e coloca sobre a
cabeça. Antônio, por sua vez, observa de modo preocupado Codinome,
deixando a entender que ficou bastante receoso e tocado com as frases
ditas pelo outro.
CENA 5. CURITIBA. MANSÃO DE SÉRVIA. ADEGA. INT.
ANOITECER.
Sérvia continua nervosa após Malu lhe fazer inúmeros interrogatórios.
SÉRVIA — É impressionante, não é mesmo, Malu? É
sempre alguma coisa ruim acontecer na sua vida,
que você volta e meia me atormenta com essa
desconfiança sem o menor cabimento.
MALU — (senta-se na adega/prepara um vinho)
Infelizmente, nós duas sofremos da síndrome de
repetição. Porque, se por um lado, eu despejo
inúmeras dúvidas em cima da sua reputação tão
pura, por outro lado, você, pra se manter neutra e
intocada, sempre se desvencilha de maneira sagaz
dos meus ataques de neurose...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Mas eu também estou cansada dessa condição
de existência que nós duas nos encontramos. E, por
isso, eu exijo a sua clareza, minha avó. Você sabia
de alguma safadeza do Antônio? Se sabia, não me
contou por qual motivo? Medo de me magoar? Ou
talvez receio por alguma verdade secreta que te
compromete?
Música de suspense. CLOSE no semblante incomodado de Sérvia. Confusa,
ela passa a mão levemente na garganta, anda alguns passos ao redor da
adega e depois se senta de frente para a sua neta.
SÉRVIA — A minha garganta tá seca. Vou pegar um pouco
desse vinho português que você tá tomando.
Sérvia faz isso e começa a tomar o vinho sutilmente. Malu se mostra
impaciente.
SÉRVIA — O que você espera da sua avó, hein, Malu? Que
ela te despeje o que você gostaria de ter certeza?
E se a sua certeza for apenas um argumento bem
encadeado da sua cabeça? A verdade nem sempre
corresponde às nossas expectativas, minha
querida. Por isso, eu faço questão de dizer que
não, nunca soube das efetivas falcatruas do
Antônio. A questão é que as minhas desconfianças
eram frutos de uma intuição marcante que eu
desenvolvi nesses meus 62 anos de existência. E
esse talento, minha cara, somente o tempo e a
vivência podem proporcionar.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
MALU — Tudo bem, dona Sérvia. Talvez eu esteja sendo
muito radical com você. Te usando como
instrumento pra projetar toda a minha dor e a
minha angústia. É tanto ódio na minha cabeça, e
tanta confusão e insegurança também, que agora
eu estou atirando pra todos os lados, só indo em
busca de justificativas pro meu fracasso pessoal.
(pega na mão dela) Eu prometo que nunca mais
vou fazer esses interrogatórios pra você. No
entanto, sobre uma outra situação pendente, eu
preciso muito te pedir um favor. É uma questão de
urgência.
SÉRVIA — Você pode me pedir o que você quiser.
MALU — Eu espero que sim. Porque esse meu pedido pode
te trazer muito desconforto. Mas é provável que
seja a melhor solução.
Intrigada, Sérvia tira levemente as suas mãos das de Malu, voltando a se
servir do vinho português.
SÉRVIA — O que você quer exatamente de mim, Malu?
MALU — (objetiva/agacha-se até ela) Eu quero que
você se afaste definitivamente do Irineu,
entendeu bem? Porque foi ele que, junto com
aquelas ordinárias da Cláudia e da Sônia, armaram
uma cilada pra me separar do Antônio e me fazer
descobrir, da pior maneira possível, que eu fui
noiva de um bandido...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Uma pessoa como o Irineu não merece nenhuma
consideração. Porque o jeito dele, capitalista
inveterado, empresário megalomaníaco, o
transforma nesse ser humano egoísta, perverso e
calculista.
Som de suspense. Sérvia fica sem palavras com a exigência de Malu,
tomando um único gole do seu vinho e dando uma olhada de soslaio ao
espelhinho da adega.
CENA 6. BRECHÓ LE FREAK. SACADA. EXT. NOITE.
Já são 19 horas. Nesse instante, o sol dá os seus últimos suspiros. Jaqueline
se encontra no local, observando o sol desaparecendo atrás dos prédios e
pincelando um quadro realista de dar inveja. No mesmo local, também se
encontram Renée, André, Cláudia e Sônia.
JAQUELINE — Eu vou adorar celebrar uma festinha aqui no
espaço do meu brechó. Ele é simples, não tão muito
grande, mas é aconchegante.
RENÉE — Ainda bem que eu conheço um ótimo buffet e
um excelente fornecedor de bebidas da região.
Eles são especialistas em improvisação, já que esse
encontro entre amigos foi programado de última
hora.
CLÁUDIA — Graças a Deus a minha mãe está muito bem
acompanhada com uma pessoa precavida como
você, dona Renée.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
ANDRÉ — O importante é comemorar esses momentos e
celebrarmos a vida, não é mesmo? É uma pena que
o Fabiano vai estar trabalhando nesse horário.
Senão ele estaria aqui junto com a gente.
RENÉE — Mas provavelmente o Fabiano estará melhor
acompanhado, André. Afinal de contas, ele vai
estar com uma pessoa que o quer muito bem.
Ao som de Runnaway-The Corrs, todos ficam intrigados, inclusive Sônia.
SÔNIA — O que acontece? É algum novo amor?
ANDRÉ — É um amigo meu, Sônia, que tá caidinho pelo
Fabiano, mas que infelizmente ainda não conseguiu
avançar muito. Mas eu torço pra que o Mateus
consiga conquistá-lo.
SÔNIA — Se for amor de verdade, tudo vai dar certo.
CLÁUDIA — Eu concordo. (observa Sônia cabisbaixa) E
você, minha amiga? Tô te achando tão pensativa.
SÔNIA — São bobagens da minha cabeça, Cláudia. Eu
convidei o Afonso pra vir até aqui, e ele trazer o
Eriberto também. Mas parece que só o Afonso vem
mesmo.
Cláudia fica mexida quando Sônia se refere a Afonso.
CLÁUDIA — Mesmo que o Eriberto não venha, não deixe de
comemorar com a gente, Sônia. Depois vocês
conversam com calma. Tudo no seu tempo devido.
Sem atropelos.
SÔNIA — Não se preocupe, eu vou ficar sim.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
JAQUELINE — (animada) Então gente, enquanto não
começamos, eu vou preparar umas bebidas pra
gente brindar. Quero ver todos vocês com as
cabeças leves, e preparados somente para o
melhor. Nada de cultivarem pensamentos levianos.
A mente tem que ficar sã, mesmo depois de
algumas doses de etílico. Mas a verdade é que
etílico só faz mal pra quem pensa que fígado é bico
de alambique. O que não é o nosso caso!
Todos acham graça e se direcionam para o interior do brechó.
CENA 7. BAR FIREFOX. 1º ANDAR. INT. NOITE.
O barzinho ainda está com o movimento fraco, devido ao horário, que é
cedo. Ao fundo, pode-se ouvir o flashback Linger-Cramberries. Enquanto
Fabiano está pegando uma bebida no balcão para servir a um cliente do
segundo andar, Mateus o observa lá de cima e decide descer. Ambos se
deparam na entrada da escada.
MATEUS — E aí, Fabiano, tudo bem?
FABIANO — Bom, a minha vida vai indo conforme manda os
princípios da lei de Deus. Você vai me achar muito
cristão com essa afirmação, mas é a realidade.
MATEUS — Claro! Eu também concordo com você. Bom, eu
vou abrir caminho pra você passar. Não quero ficar
te incomodando.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
FABIANO — Tudo certo, Mateus. É que eu preciso mesmo
atender os clientes. Daqui a pouco essa cerveja
esquenta e aí é só reclamação.
MATEUS — (acanhado) Você tem razão. Bom, então é isso.
A gente se fala.
Fabiano começa a subir as escadas, mas depois recua, virando-se na direção
de Mateus.
FABIANO — A gente pode conversar depois. Se não for
muito abuso da minha parte, você pode me dar
carona até a minha casa quando acabar o meu
expediente.
Mateus fica bastante animado com a proposta, mas procura se conter.
MATEUS — Imagina, Fabiano. É lógico que isso não é abuso.
É amizade. É simplesmente a prova de que você tá
percebendo que eu não sou contagioso.
Fabiano acha graça e Mateus ri junto. Por fim, ambos trocam olhares muito
profundos, no entanto, aquele se controla e volta a subir as escadas. CAM se
aproxima gradativamente de Mateus, que sorri como uma criança e desce
para o primeiro andar.
CENA 8. BAR 14 BIS. INT. NOITE.
Ao som de Fast Car-Tracy Chapman, CAM caminha aos arredores do bar de
Eriberto, focalizando inúmeros estudantes universitários sentados tomando
um chope e sendo servidos por garçons. Entrementes, Eriberto se encontra
lavando uma louça atrás do balcão e ainda de conversa com Afonso, que está
sentado do outro lado do balcão numa cadeira comprida.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
AFONSO — (olha o celular) Bom, meu primo! Eu já estou
indo lá no brechó da dona Jaqueline. A Sônia faz
questão da minha presença por lá.
ERIBERTO — O que eu ainda não consigo entender é que tipo
de comemoração é essa? Comemoração da
derrocada do Antônio, é isso?
AFONSO — Não necessariamente, Eriberto. É apenas uma
confraternização. Mas se você não se sente bem
em ir pra lá, eu te entendo. (levanta-se) Mas não
se esqueça de deixar a cólera e o orgulho ferido
de lado. (coloca as mãos sobre os ombros dele)
Vai ser melhor pra todo mundo.
Antes de Afonso ir embora, Eriberto o chama.
ERIBERTO — Por favor, meu primo!
Afonso vira-se e se aproxima novamente.
ERIBERTO — Diga pra Sônia que eu não vou pra lá, mas que
depois, se ela quiser falar comigo, pode ir até a
minha casa. Diga pra ela não ter pressa em se
divertir. Que eu vou esperá-la pacientemente.
Afonso fica feliz e faz um gesto afirmativo. Depois, vai embora. Eriberto,
por sua vez, fica alguns instantes pensativo, mas depois volta a secar uma
taça de chope e a lavar a louça no recinto.
CENA 9. MINUTOS DEPOIS. BRECHÓ LE FREAK. SALÃO. INT.
NOITE.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
Ao som de Le Freak-Chic, CAM explora o ambiente do salão, que já está
cheio de comes e bebes. Ademais, bebidas encontram-se submersas numa
bandeja de champanhe. Jaqueline é a mais animada da festa, bebendo
algumas taças de champanhe e demonstrando estar alguns tons acima.
Cláudia, André e Sônia, por sua vez, se encontram mais discretos no canto.
Já Renée, dança juntamente com sua amiga e ambas riem da falta de
sincronia na dança. Após alguns minutos, Afonso surge e Sônia, vendo-o,
aproxima-se.
SÔNIA — Fico muito feliz por você ter vindo, meu amigo.
AFONSO — Eu também.
Sutilmente, Cláudia e André se aproximam, Afonso olha para Cláudia com um
certo interesse, porém disfarça. Ela também se deixa envolver.
Corta imediatamente para...
CENA 10. BRECHÓ LE FREAK. SACADA. EXT. NOITE.
Neste instante, tem uma mesa redonda situada ao ar livre onde cabem todos
os personagens presentes. É possível ver uma taça de champanhe no local.
Cláudia e Afonso bebem tranquilamente, sentados um do lado do outro. Eles
se entreolham felizes e rindo. Sônia, por sua vez, está do lado de André, e
Jaqueline de Renée.
JAQUELINE — E vocês sabem que essa história de barbeiragem
vem de família? Ainda bem que foi a Sônia que
dirigiu o carro até o Rio Grande do Sul. Coitada
das meninas se fosse eu pilotando aquela boleia.
RENÉE — Mas você conseguiu tirar carteira de
habilitação como, Jaqueline?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
JAQUELINE — O instrutor que me avaliou era viciado em tarja
preta. Ele tomava o remédio antes de fazer a
prova e ficava dopadíssimo. Perdia a noção de
tempo, de espaço, e mal reconhecia os alunos pra
fazer o teste. No meu dia, eu tive sorte. Passei na
baliza por milagre, e na rua só Jesus na causa. Ele
deve ter me passado por pena. Percebeu que eu
era tão neurótica e problemática quanto ele.
Todos riem, inclusive Sônia, que está mais triste.
JAQUELINE — E você, Soninha? Tá preocupada demais, hein?
SÔNIA — Gente, não queria passar a impressão de ser
chata.
AFONSO — Se a sua tristeza atende pelo nome de Eriberto,
saiba que ele está te esperando na casa dele. Ele
quer muito conversar contigo.
Sônia fica bastante animada. Neste instante, começa a tocar a música You
and Me –Alice Cooper.
SÔNIA — É sério isso?
CLÁUDIA — Sônia. Se isso te deixa feliz, aproveita a
oportunidade e vai lá se entender com o seu amor.
Não tem problema você sair mais cedo daqui.
Todos nós te apoiamos e queremos te ver bem.
Acredite, vamos mandar vibrações positivas pra
você.
Corta imediatamente para...
14
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
CENA 11. CASA DE ERIBERTO. BANHEIRO. INT. NOITE.
Ao som da mesma música da cena anterior, Eriberto, nesse instante,
encontra-se tomando uma ducha e lavando o rosto com bastante
intensidade. Depois de alguns instantes, ele desliga o chuveiro e começa a se
secar. Ele sai apenas de toalha na cintura do banheiro. Quando abre a porta,
focaliza Sônia na entrada. Eles se entreolham por alguns instantes, com
expressões claramente preocupadas.
SÔNIA — Eu preciso tanto te dizer que preciso da sua
companhia, Eriberto. Queria tanto também te
pedir perdão por todo o sofrimento que eu te
causei.
Mais calmo e sereno, Eriberto apenas se aproxima sutilmente de Sônia,
enlaçando os seus braços nas costas dela e a puxando para si.
ERIBERTO — Vamos esquecer um pouco esses assuntos, meu
amor. Agora que você tá aqui, eu só quero saber de
matar a saudade.
Assim, com força, mas ao mesmo tempo, sem apelar para a ignorância,
Eriberto começa a beijar Sônia com bastante intensidade. Feliz, ela se
deixa envolver, e, assim, começa a acariciar o cabelo dele.
CENA 12. TRANSIÇÃO DE TEMPO. NOITE/AMANHECER.
CURITIBA. SEQUÊNCIA DE CENAS.
Ao som de Californication-Red Hot Chilli Peppers, mostram-se sequências
dos principais personagens nessa transição de tempo.
1. Sônia acorda lentamente e se surpreende quando Eriberto surge com
uma bandeja de café da manhã. Ela sorri e ele volta a beijá-la.
15
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
2. Mateus conduz Fabiano até a sua casa. Antes de descer, Fabiano
deixa a expressão contida de lado e sorri timidamente. Mateus o
cumprimenta para se despedir.
3. Sérvia, sozinha no seu quarto, reflete sobre o pedido de Malu para se
afastar de Irineu.
4. Jaqueline, Renée, André, Cláudia e Afonso continuam conversando
descontraidamente. Percebe-se um clima entre Cláudia e Afonso.
5. Antônio fica a noite inteira acordado na sua cela e observa o
amanhecer pela janela gradeada.
6. Constantinopla se arruma no apart e pega uma bolsa para sair.
CENA 13. CURITIBA. PARQUE BARIGUI. EXT. DIA.
Aos toques finais da música precedente, Malu corre pelo parque, e, depois
de alguns instantes, para a fim de observar a lagoa. CLOSE nos seus olhos
perdidos e revoltados.
CENA 14. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. DIA.
A campainha da mansão toca incessantemente. Sérvia desce as escadas
correndo e abre a porta. Ela se surpreende com a presença de
Constantinopla.
CONSTANTINOPLA — Eu sinto muito se ainda nós duas temos o
desprazer de fazermos partes da vida uma da
outra. E eu também espero que a Malu não esteja
aqui para presenciar essa conversa. Porque esse
assunto é confidencial!
PRIMEIRO BREAK.
16
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
CENA 15. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA. INT. DIA.
Continuação imediata da última cena do bloco anterior.
Música de suspense. Sérvia fica extremamente incomodada e temerosa com
a presença de Constantinopla. Esta, por sua vez, não se intimida nem um
pouco, demonstrando que não tem muito o que perder.
CONSTANTINOPLA — E então, vai me convidar pra entrar, ou não?
SÉRVIA — (segura a porta com a sua mão) Pra te falar a
verdade, Constantinopla, eu não te convidaria nem
pra um bailão de idosos decadentes, quem dirá pra
marcar essa presença carregada na minha mansão.
CONSTANTINOPLA — Sua não! Do Cristiano!
SÉRVIA — Que seja! Agora, vamos focar no presente. Eu
não tenho mais assunto algum com você. Se nossas
vidas estão interligadas por conta do Antônio,
saiba que eu não tive participação naquela cilada
que o desmoralizou frente à Malu e, de sobra, o
fez ir pra cadeia.
CONSTANTINOPLA — O meu assunto é muito mais urgente do que isso!
Eu vi a Malu saindo pra correr no parque, então o
sigilo será garantido.
SÉRVIA — Por que essa insistência, posso saber?
CONSTANTINOPLA — Será que você realmente não raciocina mais?
Minha cara, agora nada impede você de me
denunciar pra polícia pelos crimes que eu cometi
nos EUA. A não ser um pequeno detalhe que você
esconde da sua netinha, lembra?
17
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
Som de suspense. Embora relutante, Sérvia escancara a porta da mansão
para Constantinopla entrar. Esta entra e logo vai sentando no sofá. Sérvia,
irritada, fecha a porta com tudo, e aproxima-se com uma altivez
determinada.
SÉRVIA — É claro que eu raciocino. Raciocino
suficientemente para constatar que nós ainda
estamos nas mãos uma da outra. Vamos conversar
na sala de estar. Lá é mais seguro. E a Malu
certamente vai demorar.
Assim, Constantinopla se levanta do sofá e segue Sérvia até a sala de estar.
CENA 16. PARQUE BARIGUI. QUISQUE. EXT. DIA.
Malu se direciona até um quiosque e pede uma água de coco. Ela aguarda
apreensivamente e fica aliviada quando a bebida chega. Ela toma de maneira
ofegante, demonstrando estar morrendo de sede. No entanto, quando vai
pagar, percebe que esqueceu o dinheiro em casa.
MALU — Ah, meu Deus, que constrangimento. Mas eu me
esqueci de trazer uns trocados.
ATENDENTE — Até parece que isso é motivo pra você ficar
assim, Malu. Você já é cliente antiga aqui do
estabelecimento. Não precisa se acanhar. Pode
pagar depois que nós confiamos.
MALU — Mas você sabe como eu sou objetiva nas minhas
decisões. Eu vou voltar pra casa e já volto com o
dinheiro. Eu não demoro.
Corta imediatamente para...
18
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
CENA 17. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA DE ESTAR. INT. DIA.
Música de suspense. Sérvia fica chocada com a proposta de Constantinopla.
SÉRVIA — Como é que é a história? É isso mesmo o que eu
ouvi? Você realmente está disposta a apelar pra
um pedido tão esdrúxulo como esse? Ora essa,
Constantinopla! Você voltar a trabalhar aqui é uma
ideia completamente inviável e, simultaneamente,
ridícula. Em primeiro lugar, eu não suporto a sua
presença incômoda, essa sua energia pesada. Você,
minha cara, é um vampiro social que suga os outros
até as últimas consequências. Em segundo lugar, a
própria Malu garantiu a você que não quer te ver
nunca mais! Agora, mesmo que ela não saiba de
toda a sujeira que permeia o seu ser fracassado,
já tem uma ideia básica, mas muito segura, de que
é preciso manter distância de uma pessoa tão vil e
mesquinha. E, por fim, não adianta vir com ameaças
e contar pra Malu todos os segredos que nos
envolvem. Não adianta você querer se impor com a
sua força e determinar, desse jeito, o destino de
acordo com os seus caprichos. É por você ser
assim, tão ordinária e infeliz, que a vida volta e
meia te atropela de jeito.
CONSTANTINOPLA — Eu realmente posso meter os pés pelas mãos nas
minhas atitudes. Mas dessa vez, Sérvia, nada me
impede de te ver se arrastar pelo chão também...
19
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Nada me impede de alertar a Malu de que você é
até mais perigosa do que as pessoas que mais lhe
causaram mal!
Som de suspense. De chofre, Malu abre rapidamente a porta da sala de
estar e assusta Sérvia e Constantinopla. Com um olhar penetrante e
semblante fechado, Malu fecha a porta e encara as duas personagens com
bastante expectativa.
MALU — Não deu pra deixar de ouvir a última frase dita
pela Constantinopla. Então quer dizer que você,
dona Sérvia, é uma pessoa até mais perigosa do
que qualquer outro que eu possa ter conhecido?
(gritando) Até quando você acha que vai conseguir
me enganar? Não é de hoje que eu percebo que
vocês duas escondem segredos muito graves. Não
é de hoje que eu noto que eu sou a pessoa mais
idiota e enganada desse mundo. Não adianta,
finalmente chegou a hora! Eu vou te dar a última
chance de revelar toda a verdade pra mim, minha
avó. Se isso não acontecer, se prepara! Porque eu
nunca mais vou ter contato contigo, ouviu bem?!
CLOSES alternados. Constantinopla se mostra receosa. Sérvia, por sua vez,
fica constrangida. Malu, por fim, cruza os braços à espera da verdade ser
dita.
CENA 18. DELEGACIA. INT. DIA.
20
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
Neste momento, chegam as marmitas para os presos comerem. Todos os
detentos, em suas respectivas celas, comem a azeda comida sem
reclamarem. Até mesmo Codinome se mantém resignado com toda a
situação. Antônio, por outro lado, olha com desdém para a marmita, sentindo
o seu estômago embrulhar com o odor forte do tempero vencido.
CODINOME — (irônico) Isso é só o começo, meu camarada! É
melhor você começar a se acostumar com um
mundo paralelo em que não existe bom gosto,
respeito e, muito menos, caviar pra acompanhar as
futilidades do dia a dia.
ANTÔNIO — (olha para os lados) E depois ainda dizem que o
sistema penal brasileiro serve pra restaurar as
pessoas e readequá-las à sociedade. (risada
forçada) Isso só pode ser uma piada dita por
algum utopista. Se as coisas continuarem desse
jeito, eu saio muito pior que eu já estou.
CODINOME — (sensibilizado) Calma! Eu sei que você tá muito
revoltado.
ANTÔNIO — (ríspido) E você quer que eu esteja como? Pra
você ter uma ideia, até agora só uma pessoa
informal e sem nenhum vínculo afetivo comigo me
visitou. Um mercenário de um advogado
mequetrefe!
CODINOME — Mas um cara tão bem-apessoado como você, não
tem família?
21
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
ANTÔNIO — Eu tive família, sim! Aliás, duas famílias. Iria pra
terceira família agora. Mas a minha capacidade
destrutiva conseguiu afastar todos eles do meu
caminho. Hoje, todos me odeiam. Mas eu não tô
aqui me fazendo de vítima. Nem você, garoto,
precisa se apiedar de mim. Aliás, não sei nem por
qual razão eu tô me abrindo pra uma pessoa de
caráter tão duvidoso quanto o seu. Um sujeito
estranho, que eu mal conheci.
CODINOME — Vai ver porque você se identificou comigo no
quesito falta de escrúpulos. E o seu desespero,
nesse momento, é tão grande, que qualquer pessoa,
até a mais suja, serve de orelha pros seus
lamentos e desabafos.
Neste instante, começa a tocar o instrumental da música Stairway to
Heaven-Led Zeppelin. Antônio procura controlar o seu desespero, deixando
de olhar para Codinome. Mesmo incomodado com o cheiro da comida da
marmita, ele deixa a prepotência de lado e começa a se servir. Codinome,
apesar do tom debochado, não deixa de observar Antônio com certa
clemência e simpatia. Uma amizade está prestes a nascer.
CENA 19. CASA DE ERIBERTO. SACADA. INT. DIA.
Ao som de uma música com toque de emoção, Sônia e Eriberto têm uma
conversa franca na sacada da casa dele. Ele se mostra bastante emotivo por
relatar problemas do passado.
22
AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
SÔNIA — Nossa, Eriberto! Como eu podia imaginar uma
coisa dessas?
ERIBERTO — Foi o Afonso quem me incentivou a te contar.
Eu, pra ser bem sincero, queria passar uma
borracha em cima, e seguir adiante com você. Mas,
de uns tempos pra cá, esse assunto voltou a povoar
a minha mente. E os pensamentos começaram a
ficar cada vez mais frequentes. Vai ver já era
hora mesmo de eu me abrir um pouco mais pra
você.
SÔNIA — E você perdeu o contato com essa tal Tábata?
ERIBERTO — Perdi, sim! Mas eu juro a você que não sinto mais
nada por ela, a não ser desprezo.
SÔNIA — (compreensiva) Imagina! Eu sei muito bem que a
nossa relação é de um amor sincero e duradouro. A
minha pergunta foi mais voltada a procurar
entender a razão de ela ter sido tão leviana, e
desperdiçado a felicidade de vocês.
ERIBERTO — Quando a Tábata me disse estar grávida, ela já
estava bastante focada na sua carreira de modelo.
Tinha chances evidentes de se tornar uma
celebridade internacional. Foi aí que eu me dei
conta de que era apenas um rosto bonito com um
corpo escultural que ela fazia questão de mostrar
aos outros como sua propriedade. A Tábata era
pura vaidade e egoísmo...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Ela não se apaixonou necessariamente por mim.
Ela se envolveu pela minha beleza, e pelo fato de
nós fazermos um casal bonito diante dos outros.
Por isso, no instante quando ela me garantiu que
iria abortar a criança, eu me dei conta de estar
diante de uma mulher fria e calculista. Eu discuti
com ela, cheguei a violentá-la fisicamente. Na
época, não existia a Lei Maria da Penha. Mesmo
assim, me arrependo até hoje por ter perdido a
cabeça. Eu quase acabei sendo a causa de um
aborto. No fundo, ela queria mesmo um aborto
espontâneo. Por isso, procurou uma clínica
clandestina e consumou o ato.
SÔNIA — Meu Deus. Toda essa história é de embrulhar o
estômago. Quanto sofrimento, meu amor. E quanto
egoísmo da minha parte. Porque eu também acabei
agindo de uma forma parecida com ela. Deixei a
nossa relação em segundo plano por conta desse
meu desejo obsessivo de ver o Antônio pagar pelas
suas maldades. Eu me sinto muito envergonhada.
Mais calmo, Eriberto começa a sorrir lentamente e acaricia o rosto de Sônia
com os seus dedos da mão esquerda.
ERIBERTO — Te contar essa história me fez ter a certeza de
que é pra frente que a gente deve prosseguir.
Agora, não existe mais nada que impeça a nossa
felicidade...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Os nossos relacionamentos do passado devem
ficar no inconsciente. A nossa vida, a partir de
hoje, vai ser construída exclusivamente de acordo
com as necessidades de um casal que quer muito
ser feliz no amor.
Sorrindo, Sônia o abraça fortemente e ambos se beijam com bastante
paixão. Aos fundos, observam-se os prédios da cidade e o sol tentando se
propagar num céu parcialmente nublado.
CENA 20. RUA XV. EXT. DIA.
Neste local, inúmeros pedestres caminham em sentidos contrários e
observam a paisagem do local, repleto de árvores centenárias, lojas e
calçadas quadriculadas. À medida que CAM se aproxima, nota-se a presença
de Fabiano, que caminha por entre os pedestres. Ele parece estar
procurando por alguém. De chofre, ele pare de andar quando nota Mateus se
aproximando. Este demonstra um sorrido apaixonado.
MATEUS — Bom! Hoje pelo visto a minha companhia vai
perdurar por mais algumas horas.
FABIANO — É verdade. Você me convidou pra tomar um suco
numa lanchonete perto da praça Osório. E eu
aceitei numa boa. Sinal de que as coisas estão indo
bem com a gente.
MATEUS — Quem bom que você está perdendo o medo.
FABIANO — Na verdade, eu só queria conversar de uma
maneira amistosa, Mateus. E eu me redimo por ter
sido tão estúpido com você nos últimos tempos.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
Mateus volta a sorrir e coloca as suas mãos sobre os ombros dele. Uma
música emocionante, porém não piegas, começa a tocar. Ambos se
entreolham com bastante intensidade no meio do aglomerado de pessoas que
passam pela rua quadriculada.
MATEUS — Eu te prometo que a nossa conversa vai ser
bastante aprazível. Nada de lamentação, de
reclamação dos clientes grossos do barzinho. Hoje
é só coisa boa.
FABIANO — (sorri sutilmente) Dizem mesmo que é sempre
bom nós dedicarmos algumas horas pros prazeres
da vida. Mesmo que o tempo nem sempre esteja
favorável.
MATEUS — É isso mesmo.
Um pouco sem jeito, mas demonstrando estar atraído, Fabiano acompanha
Mateus até uma lanchonete com parede de vidro. Com a CAM situada fora
do recinto, notam-se os dois atrás do reflexo do vidro da parede, sentando-
se e sendo servidos com um suco. Ambos sorriem e conversam
descontraidamente.
CENA 21. MANSÃO DE SÉRVIA. SALA DE ESTAR. INT. DIA.
Se, por um lado, o clima entre Fabiano e Mateus é de muita leveza, e com
demonstração do nascimento de uma nova história, por outro, o clima entre
Malu, Sérvia e Constantinopla é extremamente pesado, com a evidência de
um passado que está prestes a se mostrar bastante avassalador.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
SÉRVIA — (quase chorando) Por favor, Malu! Eu te peço
que você não me cobre mais nada. Não se lembra
da última conversa que nós tivemos?
MALU — Isso é impossível. A nossa última conversa
também foi marcada por muita omissão e
falsidade. Agora é um outro momento. Um
momento que não pode mais ser protelado, minha
avó.
CONSTANTINOPLA — A Sérvia não passa de uma covarde. Uma mulher
amargurada que vive com medo da própria sombra.
Isso porque a consciência dela pesa. Desde quando
roubou o Cristiano de mim.
Música de suspense. CAM se aproxima do rosto estarrecido de Malu.
MALU — O Cristiano, o meu avô? Ele foi namorado da
Constantinopla?
SÉRVIA — Não distorça os fatos, sua velha esclerosada.
Não queira virar esse jogo a seu favor, sua
criatura maquiavélica.
MALU — (ríspida) Apenas responda objetivamente, dona
Sérvia. O Cristiano se envolveu com a
Constantinopla?
SÉRVIA — Eles eram amantes. A Constantinopla é uma
inimiga de muitos anos.
MALU — Mas por quê? Porque essa inimizade é tão
forte? Só por causa do fato de vocês terem se
apaixonado pelo mesmo homem?
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
CONSTANTINOPLA — É claro que não. Existe algo mais forte por trás
de tanta antipatia. Mas como a Sérvia é uma
pessoa ardilosa e dissimulada, mais fácil seria eu
revelar toda a verdade.
SÉRVIA — Você não vai revelar nada! Você vai embora
daqui agora! Suma do meu caminho! Senão eu te
tiro daqui a ponta pés!
Receosa, Constantinopla encara pela última vez tanto Sérvia quanto Malu.
Ela decide ir embora.
CONSTANTINOPLA — Tá certo. Agora não tem mais como você
escapar, Sérvia. Você vai ter que contar todos os
detalhes. Se prepare, Maluzinha. Vem bomba ácida
pela frente. Devastadora, inclemente e tirana.
Assim, a música de suspense cessa à medida que Constantinopla vai embora
do recinto. Por alguns instantes, Malu e Sérvia ficam quietas. Esta anda ao
redor da sala de estar, com as mãos em volta da nuca. Aquela, por outro
lado, fica imobilizada, olhando para o chão e respirando fundo.
MALU — (encara-a) Eu tenho até medo de saber o que
você tem a me dizer. Eu só me pergunto como as
coisas foram chegar a esse ponto? Será que a
culpada sou eu, que sempre preferi fingir
ingenuidade pra não ficar ligada com a desgraça
que assola a minha vida? Porque a segurança que a
gente acha que existe ao nosso redor não passa de
uma ilusão criada pela mente, pra sobreviver
diante dessa selva de pedra.
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
SÉRVIA — (encara-a) Não se sinta culpada pelos erros que
os outros cometem, minha cara. Todos aqueles que
vivem uma vida de mentira preferem se manter
numa sensação de falsa segurança. Eu sou a prova
viva disso! Pra começar, a rivalidade entre mim e a
Constantinopla era algo que eu nunca queria que
você soubesse. Porque te fazer descobrir que eu
fui dona de um bordel que o Antônio frequentava
assiduamente no começo dos anos 90 é algo
traumatizante, bem eu sei.
Música de suspense. CLOSE na expressão estarrecida de Malu.
MALU — Espera! Então é isso! Você também conhecia o
Antônio? E por que você nunca me contou? Então
você também sabia da história de ele ter
abandonado a primeira mulher e o filho de quatro
anos?
SÉRVIA — Sim, eu sabia! Tanto que a pessoa que ele se
envolveu, isto é, a sua primeira amante, era uma
das prostitutas que trabalhavam pra mim.
Som de suspense. Malu fica ainda mais chocada.
MALU — Tudo isso você omitiu por vergonha de eu
descobrir o seu passado duvidoso? Meu Deus,
minha avó! Antes você tivesse sido sincera comigo
e me dito tudo o que envolveu a sua vida e a vida
do Antônio, também...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Você deveria me contar que roubou o Cristiano
da Constantinopla, que o filho dela era um canalha.
SÉRVIA — Eu sou muito mais leviana do que você pensa,
Malu. De fato, o Cristiano foi uma grande surpresa
na minha vida. Surgiu no momento em que eu mais
precisei. Quando a Constantinopla armou um plano
pra fechar o meu estabelecimento. Ela fez isso pra
se vingar pelo que a Letícia fez/
CLOSE em Malu, a qual fica intrigada.
MALU — Letícia! Eu conheço esse nome. Aquela mulher da
foto! Aquela que você disse que era a sua afiliada!
Então foi com ela que o Antônio se envolveu?
SÉRVIA — Sim! E foi descoberto depois que ela era a filha
que o Cristiano tinha procurado a vida inteira.
MALU — Então a Letícia... É a minha tia, é isso?
SÉRVIA — (emocionada) Não, Malu! A Letícia é a sua mãe.
Malu senta-se numa poltrona situada no canto para tentar assimilar tanta
informação.
MALU — Mas você mentiu pra mim que a minha mãe se
chamava Larissa. E que era sua filha.
SÉRVIA — (emocionada) Não, Malu. A Larissa nunca
existiu. E eu nunca sequer tive uma filha.
Música de suspense. CAM se aproxima rapidamente do rosto de Malu.
MALU — O que é que você tá me dizendo? (gritando)
Você enlouqueceu? Como que você pode nunca ter
tido uma filha? ...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Minha cara, você deve estar distorcendo os
fatos. Porque se isso for verdade... Meu Deus.
Sérvia começa a chorar compulsivamente. Malu, por sua vez, fica revoltada
e começa a segurar fortemente os ombros daquela.
MALU — Responda de uma vez! Isso quer dizer que/
SÉRVIA — É isso mesmo! Eu não sou a sua avó, Malu! A
Letícia era apenas uma garota-de-programa do
meu bordel que teve um romance forte com o
Antônio.
MALU — Mas então... Ele é o meu pai?
SÉRVIA — De jeito nenhum. Você é filha do Leonel, um
traficante de drogas com quem você passou cinco
anos da sua vida.
MALU — (confusa) Mas como que eu não me lembro
disso, me diga?
SÉRVIA — Porque você perdeu a memória no instante
quando sofreu um acidente de carro. Nesse
acidente, estavam você no colo da Letícia, e o
Leonel no volante. Ambos morreram!
De chofre, Malu se solta lentamente de Sérvia e começa a sentir uma leve
dor de cabeça. Imagens rápidas daquele incidente invadem a sua mente.
Parecem ter saído do seu subconsciente. Depois, ela controla os seus
pensamentos e respira fundo para focar na realidade.
MALU — Meu Deus! Você está me dizendo histórias muito
horríveis. Eu não posso acreditar... Como você pode
ter sido tão monstruosa comigo? ...
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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 48
... Eu, filha de uma prostituta e de um traficante?
O Antônio, o amante da minha própria mãe? Você,
nesse tempo todo, fingindo um grau de parentesco
que nunca existiu? Essa traição eu não posso
perdoar também! Vocês todos acabaram com a
minha vida! Aliás, pra ser sincera, eu já não sei
mais quem eu sou de fato! (aproxima-se) Mas eu
sei muito bem o que você merece, sua cafetina
ordinária!
No impulso, Malu esbofeteia Sérvia com toda intensidade de um ódio que
surge de suas entranhas. Sérvia cai no chão, resignada e envergonhada.
Malu, perturbada, senta-se novamente no sofá e coloca as mãos sobre os
cabelos. A partir desse instante, a sua vida nunca mais será a mesma.
FIM DO CAPÍTULO 48.