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UNIVERZITA PALACKÉHO V OLOMOUCI
FILOZOFICKÁ FAKULTA
Katedra romanistiky
AS MANIFESTAÇÕES DO SEBASTIANISMO NA
LITERATURA PORTUGUESA DO SÉCULO XX
DIPLOMOVÁ PRÁCE
Bc. Barbora Trčková
Vedoucí práce: PhDr. Zuzana Burianová, Ph.D.
Olomouc 2015
Čestné prohlášení
Prohlašuji, že jsem diplomovou práci vypracovala samostatně pod odborným
dohledem vedoucí diplomové práce a za použití uvedených pramenů.
V Olomouci, 2. května 2015 .....................................
Podpis
Poděkování
Děkuji PhDr. Zuzaně Burianové, PhD. za odborné vedení a připomínky a rady, které
mi poskytla při psaní diplomové práce.
Barbora Trčková
Índice
1 Introdução...................................................................................................................6 1.1 Concepção do sebastianismo..............................................................................6
2 Evolução do sebastianismo até ao século XIX.........................................................10 2.1 Origens do messianismo...................................................................................10 2.2 Renascença e as Trovas de Bandarra.................................................................11 2.3 D. Sebastião.......................................................................................................11 2.4 D. João de Castro e as Trovas...........................................................................13 2.5 Época da Restauração e os Joanistas.................................................................14 2.6 Padre António Vieira.........................................................................................15 2.7 Século 19...........................................................................................................17
2.7.1 Manifestações do sebastianismo no Brasil................................................17 2.7.2 Almeida Garrett e Frei Luís de Sousa.......................................................20
3 Primeira metade do século XX.................................................................................22 3.1 Saudosismo.......................................................................................................23 3.2 Polémica sebastianista entre António Sérgio e Carlos Malheiro Dias..............25 3.3 Fernando Pessoa................................................................................................27
3.3.1 Mensagem..................................................................................................27 3.3.1.1 Brasão................................................................................................28 3.3.1.2 Mar Português...................................................................................29 3.3.1.3 O Encoberto.......................................................................................29
4 Segunda metade do século XX.................................................................................31 5 José Régio – El-Rei Sebastião..................................................................................33
5.1 Resumo da obra.................................................................................................33 5.2 Análise da obra..................................................................................................34
5.2.1 Admiração do moço de câmara.................................................................35 5.2.2 Abertura dos túmulos.................................................................................35 5.2.3 Os fidalgos e conselheiros.........................................................................35 5.2.4 Simão, o Sapateiro Santo...........................................................................37
5.2.4.1 Fusão de D. Sebastião e do Encoberto..............................................38 5.2.5 Decisão malfadada....................................................................................39
6 Natália Correia e O Encoberto..................................................................................41 6.1 A ação de O Encoberto......................................................................................42 6.2 A análise da obra...............................................................................................44
6.2.1 Bonami-Rei...............................................................................................44
6.2.2 João de Castro...........................................................................................48 6.2.3 O Governo.................................................................................................49 6.2.4 Ju-Ju e Belchior de Amaral.......................................................................50
7 O Mosteiro de Agustina Bessa-Luís.........................................................................52 7.1 A ação do livro..................................................................................................52 7.2 A análise da obra...............................................................................................53
7.2.1 O Mosteiro e vale de São Salvador...........................................................54 7.2.2 Belchior.....................................................................................................55 7.2.3 José Bento e o pícaro.................................................................................56 7.2.4 Josefina Viana............................................................................................57 7.2.5 D. Sebastião e o Medo...............................................................................58
8 Almeida Faria e O Conquistador..............................................................................61 8.1 A ação do livro..................................................................................................62 8.2 Análise da obra O Conquistador.......................................................................62
8.2.1 A chegada do Desejado?............................................................................62 8.2.2 As conquistas amorosas.............................................................................64
8.2.2.1 Clara...................................................................................................64 8.2.3 A avó Catarina...........................................................................................65 8.2.4 Sebastião e Sebastião.................................................................................66 8.2.5 Estadia em Paris e a mudança do protagonista..........................................68
8.3 A mensagem de O Conquistador......................................................................69 9 Conclusão..................................................................................................................70
9.1 Resistência do mito e a consciência coletiva....................................................70 9.1.1 Auge do messianismo................................................................................71
9.2 Os escritores e o sebastianismo.........................................................................72 10 Shrnutí.....................................................................................................................74 11 Summary.................................................................................................................75 12 Anotace...................................................................................................................76 13 Bibliografia.............................................................................................................77
1 Introdução
O tema deste trabalho é a manifestação do sebastianismo no século XX na
literatura portuguesa. O trabalho segue a tese de bacharelado intitulada Origem e
evolução do mito sebastianista,1 na qual é descrita a evolução do mito até ao fim do
século XIX. Neste trabalho vamos resumir a criação e o desenvolvimento do mito
sebástico até ao século XX, mas o foco estará nas manifestações do sebastianismo no
século XX.
Ocupar-nos-emos com as obras dos escritores portugueses do século XX que
abordam o tema de D. Sebastião ou o do mito sebastianista. O século XX dividimos
em duas partes: uma parte trata da primeira metade do século XX e a outra descreve a
segunda metade do século XX. O foco do trabalho residirá na segunda metade, por
ser mais atual. As obras com as quais nos vamos ocupar são organizadas em ordem
cronológica. Trata-se de: Mensagem de Fernando Pessoa, proveniente da primeira
metade do século XX, El-Rei Sebastião de José Régio que encaixamos já na segunda
metade do século, junto com O Encoberto de Natália Correia, O Mosteiro de Agustina
Bessa-Luís e O Conquistador de Almeida Faria. Nas obras referidas vamos analisar
as manifestações do sebastianismo e descrever a posição dos autores perante o mito
sebastianista.
1.1 Concepção do sebastianismo
O sebastianismo é geralmente caracterizado como a esperança na vinda do
salvador D. Sebastião. Há muitas definições deste fenómeno português. Ruth Tobias,
autora do livro Der Sebastianismo in der portugiesischen Literatur im 20.
Jahrhundert, descreve o sebastianismo como um fenômeno que aparece em diversos
contextos e em várias ocasiões:
“O sebastianismo designa um evento histórico, uma crença messiânica,
1 Barbora Trckova, Origem e evolução do mito sebastianista – Tese de bacharelado (Olomouc:UP, 2012).
6
uma qualidade de carácter português, um mecanismo de compensação
psicológico, ... um esquema interpretativo místico da história nacional e
um símbolo da identidade nacional.”2
Assim o sebastianismo é um fenômeno multifacetado que abrange a história
(a personagem histórica de D. Sebastião e a batalha de Alcácer Quibir), a religião e o
messianismo (crença messiânica num salvador que inaugurará um Império espiritual),
o mito e a psicologia.
Fernando Pessoa (1888—1935), um escritor e poeta português que se
ocupou muito com este tema na sua obra publicada depois da sua morte, Sobre
Portugal3. Caracteriza o sebastianismo como “um movimento religioso, feito em
volta duma figura nacional, no sentido dum mito”, José van den Besselaar (1916 —
1991), filólogo holandês que dedicou muitas obras ao estudo do sebastianismo, diz na
sua obra O Sebastiasnismo – História sumária simplesmente que “O sebastianismo é
uma espécie de messianismo...” e em seguida explica:
“A fé messiânica pode ser geralmente caracterizada como uma cega fé das
massas populares num líder político, julgado capaz de acabar com os
abusos existentes e de inaugurar uma nova era de bem-estar geral. “4
O messianismo prega a vinda de um messias que salvará e libertará o povo,
como por exemplo no Antigo Testamento, no qual o Messias salvará o povo judeu.
Assim, o sebastianismo é um tipo de messianismo à portuguesa.
Com outras palavras, o sebastianismo é um mito. Esta expressão, segundo
Ruth Tobias, sofreu uma extensão enorme do significado nos tempos passados. O
termo “mito” vem do grego e significa “palavra”, “narração”, “fábula”. Tende a ser
uma explicação exemplar do mundo. Os mitos são, na verdade, uma tentativa de
descrever e estruturar o campo das coisas que não é possível captar e explicar
racionalmente, das coisas sobrenaturais, sobrehumanas. São narrativas sobre a ordem
2 Ruth Tobias, Der Sebastianismo in der portugiesischen Literatur des 20. Jahrhunderts (Frankfurt am Main: TFM Verlag, 2002), p. 13.
3 Fernando Pessoa, Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional (Lisboa: Ática. 1979), p. 68.4 José van den Besselaar, O Sebastianismo – História sumária (Lisboa: Oficinas Gráficas da
Minerva do Comércio de Veiga & Antunes, Lda., 1987), p. 10.
7
do mundo, fortemente ligadas com a religião. Mitos são modelos que dão razão e
sentido aos acontecimentos, tanto acontecimentos naturais, como da história da
humanidade.5 Assim, no caso do sebastianismo, parece ser importante a função de dar
sentido aos acontecimentos trágicos, relacionados com o D. Sebastião, com a batalha
de Alcácer Quibir e a seguinte perda da independência.
António Machado Pires, professor e ensaísta que se também ocupa com o
sebastianismo, diz que o sebastianismo é simultaneamente um mito da decadência e
da regeneração:
“Na decadência (p. ex. na perda da independência) veio à superfície essa
resposta patriótica do subsconsciente colectivo. Queria-se D. Sebastião
(mesmo com os defeitos todos...) porque ele era o nosso Rei, o garante da
independência, a “saída” segura. O sebastianismo sui generis da
Mensagem de Fernando Pessoa também é fortemente anti-decadência
(Nevoeiro... “É a hora...”), ... Mas é uma esperança de tipo regenerativo; e
a própria Regeneração (já séc. XIX) foi encarada sebastianicamente.
De resto, os mitos messiânicos são sempre, em alguma faceta, mitos de
“regeneração total”, a uma redenção, ao mundo sem males, ao império
universal, ...”6
Assim, segundo Pires, o sebastianismo é um fenômeno da esperança que
aparece nos tempos de crise e o seu objetivo é sair da crise e regenerar a sociedade e a
nação portuguesa. “Criação mítica intensa é índice de conflitos da vida colectiva”, diz
ele na sua outra obra chamada D. Sebastião e o Encoberto.7 O mito, então, é um
produto da frustração e da crise, o que se vê prefeitamente no caso do mito
sebastianista.
Para resumir, há muitas possibilidades, diversos pontos de vista como
podemos definir o sebastianismo. Nós vamo-nos concentrar na sua concepção como
5 Cf. Tobias, op. cit., p. 53.6 „Entrevista a António Machado Pires“ in E-topia: Revista Electrónica de Estudos sobre a Utopia,
n.º 3. (2005).7 António Machado Pires, D. Sebastião e o Encoberto (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1982), p. 30.
8
um mito messiânico, porque nos parece mais adequado, sendo concebido como uma
crença que passou a ser mito, na vinda dum messias. Foi sobretudo o Romantismo
que, com o seu gosto pelo romance histórico, iniciou o debate sobre a personalidade e
as motivações de D. Sebastião.8 Das várias obras literárias sobre este assunto, nós
escolhemos algumas, do nosso ponto de vista as mais importantes, para mostrar a
evolução e influência do mito sebástico nos dias presentes.
8 Cf. Maria de Fátima Marinho, “D. Sebastião entre o Ser e o Parecer” in Natália Correia: 10 anos depois (Porto: Faculdade Letras da Universidade do Porto, 2003), p. 32.
9
2 Evolução do sebastianismo até ao século XIX
Neste capítulo vamos descrever a formação do sebastianismo e a sua
evolução na história portuguesa e as suas manifestações na cultura portuguesa até ao
fim do século XIX.
2.1 Origens do messianismo
Segundo Besselaar, o messianismo português tem raízes no joaquimismo.
Esta denominação vem dum abade cisteriense, Joaquim de Fiore,9 que viveu na Itália
no século XII (c. 1132−1202). Apesar de ser abade, foi também filósofo místico e
ocupou-se imensamente com os estudos dos textos da Sagrada Escritura, as quais
tentou interpretar no contexto histórico. Joaquim de Fiore creu num plano divino e
redentor no mundo e acreditou que nada acontece sem sentido. O joaquimismo depois
passou por uma evolução. “Podemos dizer que o joaquimismo do fim da Idade Média
é a esperança na vinda de um grande Reformador, que há-de livrar a cristandade de
inimigos internos e externos e estabelecer um reino universal de paz e justiça.”10
Já nos anos críticos de 1383 a 138511 existia em Portugal um messianismo,
cuja expressão encontramos no sermão de Frei Pedro, transmitido por Fernão Lopes
na Crónica de D. João I.12 Era uma esperança posta na pessoa de Nuno Álvares
Pereira e na dinastia de Avis. Esta foi “depois trasnmitida à pessoa de D. Sebastião,
quando dois séculos depois apareceram as Trovas de Bandarra que garantiam uma
vinda da independência – só aqui aparece D. Sebastião.“13
Como se a inclinação aos sonhos e ao messianismo fosse uma parte da alma
9 Joaquim del Fiore fundou também uma nova ordem chamada Ordem dos Florenses, cujos monges também contribuíram para o espalhamento das ideias de Joaquim de Fiore.
10 Besselaar, op. cit., p. 21.11 Os anos 1383 – 1385: período de crise nacional, da guerra civil por causa da falta dum rei.
Fernando I. de Portugal morreu em 1383, a no ano de 1385 aconteceu a batalha de Aljubarrota, na qual o líder das tropas portuguesas foi o Nuno Álvares Pereira.
12 Fernão Lopes, Crónica de D. João I. Parte II, Cap. 48.13 Tobias, op. cit., p. 61, tradução nossa.
10
portuguesa desde sempre. E só com o sebastianismo recebeu um foco apropriado, à
volta do qual se possa desenvolver e perdurar.
2.2 Renascença e as Trovas de Bandarra
Vemos que os portugueses sempre inclinaram ao messianismo. Quase dois
séculos mais tarde aparece um perigo sob a forma da soberania espanhola por causa
da falta dos sucessores de D. João III. (reinou nos anos de 1521 ̶ 1557). Nesta altura,
um sapateiro de Vila de Trancoso, Gonçalo Anes Bandarra (1500 ̶ 1556), escreveu
umas coplas que deveriam apoiar o ânimo do povo português chamadas Trovas de
Bandarra (escritas antes do ano 1541 e pela primeira vez editadas em 1603 por João
de Castro).
Nestas Trovas, o autor prediz a chegada dum governador que salva Portugal
e leva-o da miséria. As Trovas e com elas ligados mitos do Rei Desejado (que depois
passa para o Rei Encoberto, como vamos ver a seguir) e do Quinto Império, império
da prosperidade que este rei ia iniciar, é o documento mais importante do movimento
messiânico, que existia já antes do nascimento de D. Sebastião. As Trovas tornaram-
se a Bíblia dos sebastianistas. Nelas Portugal dará o Encoberto ao mundo, que
vencerá os Turcos e inaugurará a Monarquia Universal „em que todos os povos e
todas as culturas se submeterão à Lei de Cristo”14, como diz Besselaar.
2.3 D. Sebastião
Neste ambiente nasce, em 1554, o Rei Desejado, D. Sebastião, neto de D.
João III. Segundo alguns historiadores, ele foi desvairado e louco, outros acharam-no
um herói valente. Assim vemos que D. Sebastião desperta até hoje em dia emoções
diversas.
Como diz Ruth Tobias, “a personagem do rei não é importante para a criação
mítica. O fato mais decisivo são as esperanças e expectativas que se ligam ao seu
14 Basselaar, op. cit., p. 58.
11
regresso.”15 A essência do sebastianismo não é a personagem do rei, mas sim as
esperanças que os portugueses têm.
D. Sebatião nasceu então no dia 20 de Janeiro de 1554 como sucessor do rei
D. João III. Cresceu sozinho com a sua avó, D. Catarina (viúva do rei D. João III e
irmã de Carlos V espanhol). Ela tornou-se, depois do falecimento do D. João III,
regente, porque no ano da morte de D. João III, em 1557, D. Sebastião era inda
criança e não pôde reinar. D. Sebastião subiu ao trono no ano de 1568, ao ter 14
anos.16
As consequências do seu reinado são bem conhecidas. Portugal foi
derrotado no dia 4 de Agosto de 1578 na batalha junto ao Alcácer-Quibir e D.
Sebastião foi provavelmente morto. Uma metade da nobreza portuguesa e do exército
foi morta, uma metade ficou no cativeiro. Porém, como ninguém viu D. Sebastião
cair na batalha nem o cadáver podia ser identificado de certo, surgiram dúvidas sobre
D. Sebastião estar morto. E por causa das dúvidas da identidade do cadáver de D.
Sebastião, sepultado no Mosteiro dos Jerónimos em 1582, advinha a fama e a
esperança de D. Sebastião estar vivo. D. Sebastião, apesar de não ser muito popular
no tempo do seu reinado, depois da sua morte foi reabilitado e mitificado – as
qualidades más foram esquecidas. D. Sebastião era de repente descrito como um rei
de ótimas qualidades17 e foi idealizado. E como na sua pessoa eram postas tantas
esperanças, o povo concentrou-se na ideia de o seu monarca estar vivo. Espalhou-se
assim a ideia de D. Sebastião esperar num lugar seguro, recuperando forças para um
dia voltar, salvar Portugal e estabelecer a monarquia do bem-estar.
No tempo da soberania espanhola, entre os anos 1580 e 164018, os reis
15 Tobias, op. cit., pp. 67 – 70, tradução nossa.16 Cf. Trckova, op.cit., p. 7.17 Cf. Basselaar, op. cit., p. 67.18 Como D. Sebastião não tinha sucessores, causou a sua morte uma situação precária. Depois da
morte dele foi eleito rei Cardeal D. Henrique (que já reinou antes do reinado de D. Sebastião), masmorreu cedo, só dois anos mais tarde, em 1580. A seguir foi eleito rei D. António, prevor do Crato. Mas ao mesmo tempo marchou a Portugal o exército espanhol e no dia 25 de Agosto de 1580 ocorreu a batalha de Alcântra. Prevor do Crato foi derrotado e Portugal acabou nas mãos espanholas. Filipe II. Espanhol foi aclamado Filipe I. De Portugal em Abril de 1581.
12
espanhóis quiseram reprimir esta crença, porque deu esperança e exaltou o povo
português contra o governo filipino. Filipe I. Português (Filipe II. Espanhol) até
proibiu a publicação das Trovas para inibir propagação das ideias nacionalistas e
“para diminuir as esperanças da renovação possível da independência portuguesa.”19
2.4 D. João de Castro e as Trovas
Porém, apesar desta tentativa, em 1603 foram pela primeira vez impressas as
Trovas com o título Paráfrase e Conocordância de algumas Profecias de Bandarra,
Sapateiro de Trancoso pelo editor D. João de Castro. Este juntou os manuscritos, em
cuja forma as Trovas circulavam até então. No entanto, ele escolheu à publicação só
algumas, que interpretou no sentido sebastianista. Ele era um sebastianista
influenciado pelo já mencionado joaquimismo e, como diz Besselaar, era “uma figura
importante para a história do sebastianismo. Foi ele que lhe deu as feições
características que haviam de marcar a seita durante mais de dois séculos.”20 Só
segundo a sua escolha das coplas publicadas podem ser comparadas as Trovas
originais com as Trovas modificadas pelos joanistas21.
Apesar da ideia da vinda dum Encoberto, dum Redentor que salva o povo, as
Trovas tratam das maldades e da decadência da época e, não por último, da ideia de
assim chamado Quinto Império. Esta é uma noção da Bíblia onde aparecem cinco
Impérios e o último, o Quinto, permanecerá para sempre.22 E, segundo Bandarra (e
depois António Vieira ou por exemplo Fernando Pessoa, que se também ocuparam
com este tema), este Império será o de Portugal, ou seja, com Portugal à sua frente.
19 Trckova, op. cit., p. 18.20 Besselaar, O Sebastianismo – História sumária, P. 77.21 Os joanistas são pessoas que acreditaram que o Encoberto seria D. João IV. 22 Nesta cena da Bíblia fala-se sobre o sonho do rei da Babilónia, Nabucodonosor. O sonho é
interpretado pelo profeta Daniel, que o descreve assim: depois do reino de Nabucodonosor vêm outros reinos. Imediatamente ao reino de Nabucodonosor segue o reino de prata e o outro - de bronze. Até ao chegar ao último reino, o quinto, que deve perdurar para sempre.
13
2.5 Época da Restauração e os Joanistas
Outro representante do sebastianismo era Manuel Bocarro Francês,
matemático, médico e alquimista. No ano de 1624 publicou a obra chamada
Anacephaleosis de Monarchia Lusitana, que se divide em quatro partes: Estado
astrológico, Estado régio, Estado titular e Estado heróico. Na quarta parte do seu
opúsculo, no Estado Heróico, como o Encoberto inclina a designar Dom Teodósio,
Duque de Bragança, cujo filho, D. João, será quatorze anos depois coroado o rei de
Portugal. Nesta obra Bocarro escreve, que uma ninfa oferece um escudo a D.
Teodósio, mas ele rejeita-o. O escudo, porém, é aceite pelo D. João, sentado ao lado
(ele é descrito como um moço, “em cuja cabeça se vê uma chama que lhe não queima
os cabelos , sinal de que ele será o futuro Restaurador”23). Aqui vemos já uma
substituição da pessoa de D. Sebastião, como o Encoberto, por outra pessoa, D. João
IV.
Os anos entre 1630 e 1670 “são o apogeu do messianismo português, não só
pela grande quantidade de textos que naquele período foram redigidos, como também
pela qualidade das pessoas que tomaram parte na discussão”24.
Quanto mais se aproximava o ano de 1640, tanto mais eram os versos de
Bandarra interpretados no sentido brigantino ou joanino. A diferença entre os
sebastianistas e os joanistas é a maneira diferente de ler as estrofes 87 e 88 nas
Trovas– uns leram D. Foam, os outros D. João.
Sebastianistas leram:
“Saia, saia esse Infante
Bem andante,
O seu nome he Dom Foam,
Tire, e leve o pendão,
E o guião
23 Besselaar, op. cit., p. 80.
24 Idem, ibidem, p. 122.
14
Poderoso, e tryunfante,
E os joanistas viram nestas coplas o nome de Dom João:
Saia, saia esse Infante
Bem andante,
O seu nome he Dom João,
Tire, e leve o pendão,
E o guião
Poderoso, e tryunfante” 25
Um fator que contribuiu muito às tentativas da restauração da independência
portuguesa eram os problemas espanhóis que dificultaram também a situação em
Portugal. E como os portugueses não queriam ser explorados pelos espanhóis,
revoltaram-se. Já em 1637 dou-se revolta em Évora, seguida pela revolta em Vila
Viçosa, depois da qual Portugal reconseguiu a independência. D. João IV foi
aclamado rei e nele eram postas as esperanças do povo. E esta situação ainda mais
favoreceu as possibilidades da reinterpretação das Trovas no sentido joanino. Porém,
os sebastianistas fiéis viram em D. João IV só um precursor do Encoberto. Assim o
messianismo joanino faz outra fase importante da evolução do mito sebastianista. Um
dos defensores do joanismo e da ideia de D. João IV. ser o verdadeiro Encoberto era
Padre António Vieira (1608 - 1697), escritor e pregador jesuítico.
2.6 Padre António Vieira
Este jesuíta ocupou-se com os mitos do Encoberto e do Quinto Império toda
a sua vida. A estes temas dedicou muitas suas obras, por exemplo História do Futuro,
Clavis Prophetarum e Quinto Império.
Quando Vieira voltou em 1641 do Brasil, onde se ocupou com a função
missionária, segundo Basselaar encontrou em Lisboa
„um sebastianismo, sem dúvida, diferente do tradicional, que teimava em
25 João Lúcio de Azevedo, Evolução do sebastianismo (Lisboa: Editora de A. M. Teixeira. 1918), pp. 64-65.
15
esperar pelo regresso milagroso do rei caído em Alcácer-Quibir, mas um
sebastianismo adaptado às novas circunstâncias, que identificava o
«Encoberto» com a pessoa de D. João IV.“26
E como Vieira foi sempre nacionalista e já antes inclinava ao sebastianismo,
aceitou imediatamente estas ideias. Nos seus sermões - dos Bons Anos e de São José -
apoiou e defendeu D. João IV como o rei Encoberto. Na História do Futuro
continuou com esta justificação.
Porém, quando no ano de 1656 D. João IV morreu, sem cumprimento dos
feitos profeteizados, Vieira pregou a sua volta como o Encoberto. Ele escreveu a carta
de consolação à Rainha mas esta foi mal recebida pelo povo. As pessoas não queriam
ver D. João IV ressuscitado, porque era uma pessoa “prosáica ou até medíocre”27.
Assim, Vieira continuou na busca dos sinais e das profecias sobre a vinda do
Encoberto e sobre o Quinto Império. João Lúcio de Azevedo, historiador português,
descreve Vieira como:
“desvariado por causa da educação e vida no claustro, do ambiente
místico da Companhia...A sua capacidade de crer no maravilhoso era
enorme, sem nisso se distinguir da média dos contemporâneos, se bem
que talvez o muito ler e o excesso da imaginação o levassem até onde o
comum só desconfiado o seguia.”28
Padre António Vieira faleceu em 1697, sem ver o Quinto Império nem o rei
Encoberto.
Vamos agora mais adiante, ao séc. 18. No reinado de D. João V (que reinou
entre os anos 1706 e 1750) foram compostas Segundo e Terceiro Corpos das Trovas
de Bandarra, tornando-se o Terceiro Corpo a nova Bíblia dos sebastianistas.
Na época seguinte, Marquês de Pombal (1699 - 1782), que perseguiu jesuítas
e sebastianistas, cujo inimigo era Vieira, mandou queimar, por exemplo Restauração
26 José van den Besselaar, António Vieira: O Homem, a Obra, as Ideias (Amadora: Livraria Bertrand.1981), p. 18.
27 Besselaar. O Sebastianismo – História sumária, p. 108.28 Azevedo, op. cit., p. 115.
16
de Portugal prodigiosa e outras suas obras proféticas (mas por outro lado deixou
copiar várias obras de Vieira e as críticas dele publicadas sob o título Maquinações de
António Vieira Jesuíta). A seita sebastianista29 sobreviveu esta campanha pombalina,
mas depois do séc. 18 não atingiu a sua extensão.
2.7 Século 19
Excepção faz a invasão francesa, quando chegou a ressurgimento da crença
sebástica. As pessoas, sob a ameaça da invasão voltaram-se “às fontes da sua história
e, assim fazendo, se aproximassem dos sebastianistas, pelo menos, até certo ponto”30
Mas depois de 1820, quase ninguém esperava na volta de D. Sebastião, porém, houve
interesse nas Trovas de Bandarra e surgiram novas ediçãoes, comentadas ou não.
Assim foi em 1809 publicada outra, nova edição das Trovas em Barcelona, e só um
ano depois outra em Londres. Por causa do grande interesse pelas Trovas tiveram que
ser republicadas as Trovas em Barcelona em 1866.
2.7.1 Manifestações do sebastianismo no Brasil
Graças à colonização e aos jesuítas o mito sebastianista espalhou-se de
Portugal para o Brasil, onde se instalou, durante o séc. XVII, sobretudo no Nordeste
brasileiro. Os movimentos messiânicos no Nordeste advieram em geral da situação
social injusta. Os seus princípios eram reivindicações sociais e políticas, o desejo da
melhoria de vida e da posse da terra. Aqui o fenômeno do sebastianismo ganhou
feições especiais.31 No sertão de Pernambuco, nos locais remotos e secos, onde
moravam pessoas de situação económica baixa e sem educação, o sebastianismo
manifestou-se como um movimento político-religioso violento com líderes fanáticos
que abusaram as pessoas menos educadas, pobres, em situações críticas
aproveitando-se delas. Como exemplo podemos mencionar dois acontecimentos
29 Idem, ibidem. 30 Idem, ibidem, p. 114.31 Os outros focos do sebastianismo brasileiro encontrados no Rio de Janeiro ou em Minas Gerais
foram diferentes. Os cultores nas áreas mencionadas eram característicos pela educação alta e pelo seu pacifismo.
17
trágicos: A Tragédia do Rodeador e Tragédia da Pedra Bonita.
Os líderes destes grupos proclamavam-se Deuses ou Messias, dizendo que
ttinham ligação com o poder sobrenatural e que iam salvar o mundo e as pessoas que
os seguiam. Graças ao seu poder da língua e da retórica atraente conseguiram atrair e
convencer as pessoas para estarem à sua disposição (até com os seu bens e materiais).
Com a Tragédia de Rodeador é ligada uma seita liderada por Silvestre José
dos Santos, chamado “Mestre Quiou”, fundador do arraial Sítio da Pedra na Serra do
Rodeador (Pernambuco), em 1819. Ele pregava a volta de D. Sebastião e dos seus
milagres, prometendo a riqueza, saúde, juventude e beleza para todos os seus
seguidores.
A seita praticava rituais numa espécie de templo situado em um mocambo
(uma barraca) onde houve uma imagem de Virgem Maria e outra de Jesus Cristo. Eles
veneraram a Santa de Pedra que tinha, segundo eles, poderes sobrenaturais. Entre as
práticas desta seita pertenciam também penitências que podiam ser pagas com
dinheiro.
Como o número dos seus seguidores cresceu bastante e como estes
enganavam e roubavam os habitantes da região, o governo tinha que intervir. O
governador de Pernambuco Luís do Rego Barreto mandou uma tropa de exército e no
dia de 25 de Outubro de 1820 ocorreu ao confronto. O arraial foi destruído, 91
pessoas mortas, 500 aprisionadas.32
O segundo movimento sebastianista é a chamada Tragédia da Pedra Bonita.
Em 1836 apareceu na Serra Formosa, na Serra do Reino, um homem chamado João
Antônio dos Santos, que apresentou umas pedrinhas brilhantes afirmando que eram
diamantes encontrados perto num sítio com uma lagoa e duas pedras. Afirmou
também que tinha uma visão, na qual lhe apareceu D. Sebastião que lhe disse que
estas duas pedras eram as torres da sua catedral encantada. Mas este modo particular
32 Cf. Jacqueline Hermann, D. Sebastião no Brasil. Um estudo sobre o movimento sebastianista da Serra do Rodeador, Pernambuco 1820, disponível em http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/jacqueline_hermann.pdf (acessado em 2/5/2015), p. 3.
18
de viver não agradou ao governo. Logo depois, as autoridades enviaram padre José
Francisco Correia de Albuquerque para convencer João António dos Santos para parar
a sua pregação. Este concordou e parou. Mas no seu lugar a prática foi continuada
pelo seu cunhado, João Ferreira, com ainda maior força. Ele também disse que D.
Sebastião tinha aparecido no seu sonho e que as duas pedras eram torres duma
catedral de um futuro reino encantado. Porém, este reino só se abriria quando
banhado com o sangue. Quem se sacrificasse, iria ser recompensado (um velho
voltaria como um jovem, um feio como um belo, e assim por diante).
Depois, os fiéis desta seita reuniram-se à volta das duas pedras, formaram
um povoado e construíram aí um templo. João Ferreira, que se proclamou rei, gozava
de muitos privilégios, um dos quais era, por exemplo, o direito de ter qualquer noiva
na noite do seu casamento, sendo ela só no dia seguinte entregue ao marido.
O povoado foi composto do Santuário (aí se realizavam os sacrifícios), do
Púlpito (onde se faziam as pregações de Dom João) e da Casa Santa (o sítio do ritual
de vinho santo, durante o qual se bebia uma bebida fermentada com efeitos
alucinógenos).33
O dia do sacrifício foi marcado para o dia 14 de Maio de 1838. O primeiro
que se sacrificou foi o pai de João Ferreira. Nos primeiros três dias foram sacrificadas
53 pessoas e 14 cães. Depois, no dia 16 de maio, João Ferreira mandou matar as suas
duas mulheres, que foram irmãs de João António (o líder inicial). João Ferreira
provocou todos a serem sacrificados, mas ele próprio não quis ser sacrificado. Assim,
João Ferreira foi sacrificado à força. Um dia depois fugiu um vaqueiro do povoado e
denunciou o massacre. Ao arraial foram imediatamente mandadas tropas do governo
que combateram os sebastianistas.
São estas as características básicas do movimento messiânico sebastianista
no Nordeste do Brasil. Em Portugal, ao contrário, não se chegou a este abuso do mito.
33 Cf. Mônica Fontana, Sebastianismo em Pernambuco: Memória dos movimentos da Serra do Rodeador e da Pedra do Reino, disponível em http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/104244627642445520103256149235606801672.pdf (acessado em 2/5/2015), p. 5.
19
Não admira que estes acontecimentos brasileiros inspiraram várias obras literárias,
como por exemplo O Reino Encantado (1878) de Araripe Júnior ou Pedra Bonita
(1938) de José Lins do Rego.
2.7.2 Almeida Garrett e Frei Luís de Sousa
Agora voltemos para Portugal. No ano de 1843 foi publicada uma obra que
nos mostra uma vasta crítica ao mito sebastianista. É a peça teatral Frei Luís de Sousa
de escritor romântico Almeida Garrett (1799 ̶ 1854).
Em Frei Luís de Sousa é nos apresentada uma família, de Manuel de Sousa
Coutinho, D. Madalena de Vilhena e da sua filha Maria. D. Madalena é viúva de D.
João de Portugal, que – mesmo com D. Sebastião ̶ desapareceu na batalha de
Alcácer-Quibir. D. Madalena esperou por muito tempo pelo seu esposo, mas depois
ela finalmente acreditou que ele tinha morrido e casou de novo com Manuel de
Sousa. Com ele tem filha Maria. Mas ela sempre duvida sobre o que na verdade
aconteceu com o seu primeiro esposo. Ela fica perto da exaustão psíquica quando a
família tem que mover para a casa do seu primeiro marido, D. João de Portugal,
porque Manuel de Sousa acendeu a sua casa como expressão do protesto contra o
governo espanhol. Naquele momento aparece um romeiro misterioso que na verdade
é D. João de Portugal que voltou para a sua terra. O fato de o primeiro esposo de D.
Madalena estar vivo, torna Maria, nascida do matrimónio da Madalena com Manuel
de Sousa Coutinho, uma filha ilegítima, o que naquela altura era um pecado muito
grave. A única possibilidade para Manuel de Sousa é o divórcio religioso, de maneira
que ele e D. Madalena fazem penitência no Claustro e dedicam a sua vida a Deus. O
fim da obra é representado pela morte de Maria nos braços dos seus pais.
Neste drama Almeida Garret deixou-se inspirar na pessoa histórica de Frei
Luís de Sousa,34 que viveu entre anos 1555 e 1632. A única diferença entre e a obra de
Garret é que o peregrino não era D. João de Portugal, mas só um emissário quue tinha
a mensagem que D. João de Portugal estava vivo em Jerusalém.35
34 Frei Luís de Souza era o nome que tomou Manuel de Souza depois de tomar o hábito.35 Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa (São Paulo: Cultrix, 2008), p. 12.
20
Nesta obra Garrett critica a situação existente em Portugal. Os portugueses,
segundo ele, não viviam no presente, porém, ou se voltavam ao passado, recordando
as glórias passadas, ou esperavam pelo futuro melhor. Na sua opinião, até quando as
pessoas queriam viver no presente, o sebastianismo não o possibilitava.
Na pessoa de D. João de Portugal Garrett exprime a sua atitude ao
sebastianismo: mostra que a esperança na volta do rei Sebastião não deixa os
portugueses viveren livremente e que embora o mito se cumprisse, destruiria todo o
presente.
21
3 Primeira metade do século XX.
Ao nos aproximarmos à esquina dos séculos XIX. e XX., temos que
mencionar dois fenômenos importantíssimos: saudosismo e a obra de Fernando
Pessoa. Antes disso, porém, tentemos brevemente descrever esta época, caracterizada
por várias mudanças sociais, o estabelecimento da Primeira República, a crise
financeira e depois também as guerras mundiais.
Sabemos que no fim do século XIX., depois do ano de 1890, deu-se uma
crise colonial na África causada pela Conferência de Berlim36. Seguiram-se várias
campanhas militares para reestablecer a ordem nas colónias. Esta crise colonial, junto
com a crise financeira, os altos gastos da família real e o rtativismo de dois partidos
mais fortes no poder contribuíram para a extinção da monarquia portuguesa.
A ideia da república ganhava sempre mais simpatizantes e o
descontentamento com a monarquia culminou na morte do rei D. Carlos I e do seu
filho D. Luís Filipe. João Franco, que governou como um ditador, foi detido e em
1910 deu-se uma revolta contra Manuel II, o herdeiro do trono português, ao que
seguiu a proclamação da República Portuguesa.37 Em 1911 foi aprovada a
Constituição de 1911 e com ela começa a Primeira República. Esta durou até 1926
mas foi muito instável, o que é demonstrado também pelo número dos governos que
se substituiram no poder durante estes dezassete anos. O regime era fraco e houve
muitas conspirações e golpes de estado.
A participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial causou até mais
problemas sociais e aumentou a inflação. O golpe do estado de Sidónio Pais, em 1917
tinha o objetivo de instalar uma república presidencialista, porém, Sidónio Pais foi
assassinado e em 1919 Portugal voltou à Constituição de 1911. O cabo de Primeira
36 Trata-se de Conferência sobre organização das colónias africanas, realizada entre 1884 e 1885. Portugal apresentou o plano chamado Mapa cor-de-rosa, no qual propôs ligar Angola com Moçambique para facilitar o comércio e o transporte. Isso, porém, não conveio à Grã ̶ Bretanha que depois ameaçou Portugal com uma guerra se os portugueses não abandonassem o território entre Angola e Moçambique.
37 A 5 de outubro de 1910.
22
República deu-se definitivamente pelo golpe militar de 1926, que impôs uma
ditadura.
Em frente estava o general Carmona que em 1928 nomeou o Ministro das
Finanças António de Oliveira Salazar, porque a questão da situação financeira tornou-
se mais grave. Mencionemos também o Acto Colonial do ano de 1932 que tinha como
objetivo a centralização dos governos coloniais e restringiu assim a sua autonomia
tanto financeira como administrativa.
Passo a passo, Salazar ganhava sempre mais poder e em 1932 tornou-se
Presidente do Conselho de Ministros. Em 1933 promulgou uma nova Constituição
que se baseou no nacionalismo, corporativismo e na doutrina social da Igreja. Assim
foi criada a base do novo regime político, do Estado Novo. Houve só um partido
político, o Partido Nacional Português, a censura foi reestabelecida e as greves
proibidas.
Na Segunda Guerra Mundial Portugal declarou em 1939 a neutralidade,
apesar de depois concordar que as tropas inglesas utilizassem a Base Aérea das Lajes
nos Açores. Salazar, todavia, achava que Portugal não tinha muito a ver com a
situação europeia e tentou afastar-se das lutas.
3.1 Saudosismo
“Renascença Portuguesa”, “A Águia”, “saudade”, “sentimento-idéia”,
“emoção refletida”, “o sebastianismo”, “Lembrança e Esperança”, “o império da raça
lusa”. Todos estes conceitos são ligados com o movimento saudosista, com o qual nos
ocuparemos nesta parte do trabalho.
Depois da proclamação da República, em 1910, os escritores portugueses
dividiram-se em dois grupos: um grupo concordou com o novo regime, outro não.
O primeiro grupo criou uma sociedade literária chamada a “Renascença
Portuguesa”38. Os homens de letras que a fundaram foram Jaime Cortesão, Álvaro
38 O outro grupo, designado Integralismo Lusitano, opôs-se à implementação da Primeira República.
23
Pinto, Teixeira de Pascoais e Leonardo Coimbra. Este grupo lançou também a revista
de “literatura, arte, ciência, filosofia e crítica social” intitulada A Águia. Eles quiseram
promover a cultura portuguesa por vários meios.39
Teixeira Pascoais, que dirigiu a revista na sua segunda fase (a partir de
1912), foi o principal mentor do grupo e a figura mais importante desta geração. Ele
começou a espalhar uma doutrina metafísica nas páginas da revista, uma espécie de
“filosofia da raça lusa”, que podia servir para a ligação com o passado mas também
como o modo de agir para o futuro. Quis despertar os portugueses para a realidade
essencial, para o sentido da vida. E, segundo ele, esta realidade essencial consistia na
“Saudade”: “A saudade é o próprio sangue espiritual da raça, o seu estigma divino, o
seu perfil eterno. Claro que é a Saudade no seu sentido profundo, verdadeiro,
essencial, istoé, o sentimento-ideia, a emoção refeltida, onde tudo o que existe, corpo
e alma, dor e alegria, amor e desejo, terra e céu, atinge a sua unidade divina.”40 Não
há equivalente para a palavra ”saudade” noutras línguas. É um fenómeno tipicamente
português. É também, ao mesmo tempo, “uma promessa de uma nova civilização
lusitana”41
Pascoais achava distinguir uma atitude especial do homem português perante
a vida: a Saudade é aquilo que faz homem reagir, que o faz sofrer, que o inspira. O
Saudosismo de Pascoais foi utópico.
Segundo outro membro do grupo, o filósofo Leonardo Coimbra, o
Saudosismo era uma espécie do sebastianismo poético moderno. Jaime Cortesão, por
outro lado, tentou procurar no passado e no nacionalismo uma inspiração para
renovar o futuro.
Entre aqueles que colaboraram com a revista A Águia encontrava-se também
Fernando Pessoa, homem de letras cuja obra A Mensagem, à qual nos vamos prestar
È importante dizer que era um movimento sócio-político tradicionalista, que se esforçou pela monarquia tradicional, descentralização do poder e favoreceu a Igreja Católica.
39 Cf. António José Barreiros, História da Literatura Portuguesa II (Braga: Editora Bezerra, 1997), p. 383.
40 Idem, ibidem, p. 384.41 Massaud Moisés, A literatura portuguesa através dos textos (São Paulo: Cultrix, 1996), p. 435.
24
atenção daqui a pouco, é quase a mais citada em ligação com o sebastianismo.
Entre outros colaborantes de A Águia, pertencentes à Renascença Portuguesa,
que recusaram “o nebuloso pensamento saudosista”42, salientemos um nome –
António Sérgio (1883 ̶1969). Este importante ensaísta português representa a posição
contra o saudosismo como programa nacional e contra “o culto sentimentalista e
retrógrado de D. Sebastião”43. Sérgio refletiu do ponto de vista actual sobre os
problemas tradicionais de Portugal e tentou interpretar os acontecimentos da história
portuguesa do ponto de vista sociológico ou socioeconómico.
3.2 Polémica sebastianista entre António Sérgio e Carlos
Malheiro Dias
Nos anos 20 do século XX ocorreu uma polémica sobre a concepção do
sebastianismo e da pessoa de D. Sebatião entre Carlos Malheiro Dias e António
Sérgio. Carlos Malheiro Dias (1875 ̶1941) foi um escritor, jornalista e historiador de
origem parcialmente portuguesa (do lado do pai) e parcialmente brasileira (do lado da
mãe), que passou uma parte da sua vida no Brasil, sobretudo depois da aclamação da
República, em 1910. António Sérgio foi, como já sabemos, um pensador, pedagogo e
político português com ideias modernas e inovadoras, como veremos a seguir.
Tratou-se duma polémica ideológica, pois ambos eram representantes de
correntes ideológicas diferentes. Carlos Malheiro Dias, da geração de 90, defendeu o
património cultural tradicional. Segundo ele D. Sebastião era um herói nacional que
serviu de inspiração à poesia portuguesa daquele período. Malheiro Dias foi um
representante do chamado integralismo lusitano (caracterizado pela defesa do culto
sebástico, tradicionalista, monárquico, católico). O lema dos integralistas foi restaurar
a Monarquia de Quatrocentos – Quinhentos. Segundo o crítico e jornalista Miguel
Esteves Cardoso, “o integralismo lusitano foi uma tentativa de conciliar a saudade,
42 A. J. Saraiva, Óscar Lópes, História da Literatura Portuguesa (Porto: Porto Editora, 1996), p. 1013.
43 Idem, ibidem, p. 1013.
25
como lembrança obsessiva de um passado, e o sebastianosmo, como ensaio místico
de um futuro. O nexo entre os dois é fornecido pela epopeia dos Descobrimentos – a
glória passada que seria eventualmente o modelo da glória futura.”44
António Sérgio, pelo contrário, foi um cosmopolita e democrata, patriota
(mas não dogmático como os conservadores). Segundo ele, a cidadania nacional fazia
parte da cidadania do mundo e ele empenhou-se pela reintegração de Portugal no
âmbito cultural europeu (que, na sua opinião, exigiu a mudança da mentalidade
tradicional para uma mentalidade crítica e científica). Importante para ele era a
situação atual e não o património herdado.
A polémica começou em 1924, quando Sérgio publicou uma introdução
histórica para o Guia de Portugal, onde escreveu que D. Sebastião era um “fanfarrão”
e “mentecapto”. Dias criticou isso com uma “injúria à memória do rei português”. Na
sua obra Exortação à mocidade (1925) ele descreve este mesmo rei como “o
admirável herói da história ... exemplo a seguir...”. 45
Depois seguiram outras obras de Sérgio, nas quais ele criticou a personagem
de D. Sebastião que, segundo ele, era um rei desastroso, assim como as obras de Dias,
nas quais o autor elogia este rei e ofende António Sérgio, chamando-o de marxista.
Na revista Seara Nova em Maio de 1925, Sérgio escreve:
“As portas do cérebro, ilustre amigo, é que estão cerradas em
Portugal, por obra e graça do seiscentismo, apesar do protesto angustioso
de algumas elites bem pequenas! Verney, querendo reagir contra esse
horror, no momento sublime e auroral do Verdadeiro Método de Estudar
(pobres auroras do meu país, logo toldadas ao amanhecer!), resume a
‘cultura da nossa gente’, qual a deixou o Seiscentismo, numa exclamação
que está perfeita: Isto são tudo rapaziadas!’ Tudo rapaziadas (…)
44 Miguel Esteves Cardoso, “Misticismo e ideologia no contexto cultural português: a saudade, o sebastianismo e o integralismo lusitano” in Análise Social, Vol. XVIII (3. º-4. º-5. º) (Lisboa: 1982), p. 1406.
45 Maria Mota. Polémica Sebastianista entre António Sérgio e Carlos Malheiro Dias, disponível em http://conferencias.ulusofona.pt/index.php/lusocom/8lusocom09/paper/viewFile/162/138 (acessado em 20/2/2014), p. 2128.
26
rapaziada o sebastianismo… Tudo rapaziadas! Quando haverá aqui
cultura a sério?“46
Assim vemos as diferenças no pensamento do Dias e Sérgio. Dias percebeu o
sebastianismo como uma construção da identidade nacional à base da personagem do
rei D. Sebastião, Sérgio viu-o como uma desconstrução e irracionalidade.
3.3 Fernando Pessoa
O autor que influenciou imensamente a visão do sebastianismo foi Fernando
Pessoa (1888 ̶ 1935), escritor português que viveu na altura de transformação social
em Portugal47. Ocupou-se bastante com o mito sebástico e com o mito do Quinto
Império, sobretudo porque quis encontrar uma maneira como ajudar a elevar a
atmosfera em Portugal e a cultura portuguesa. Quando Sidónio Pais se tornou
Presidente, Fernando Pessoa viu nele uma encarnação de D. Sebastião, crendo que ele
poderia trazer um futuro melhor para Portugal. Mas como Sidónio Pais foi
assassinado, as esperanças postas não se realizaram.
3.3.1 Mensagem
Os portugueses daquela altura estavam desesperados e Fernando Pessoa
esforçou-se por animá-los. Por isso virou-se ao sebastianismo e à concepção positiva
do mito. A sua obra mais importante, cujo objetivo é despertar os portugueses da
letargia, levá-los do declínio e dar-lhes esperança e razão da vida, é a colectânea de
poemas intitulada Mensagem. Neste livro Pessoa dedica-se à descrição da história
portuguesa, da qual escolhe os acontecimentos importantes para Portugal e os grandes
feitos dos reis portugueses. Na verdade trata-se dum elogio da história e da
nacionalidade lusa. Na primeira parte chamada Brasão Pessoa descreve os inícios da
formação do território do Reino português. A segunda parte, Mar Português, como o
título pode apontar, trata da famosa época dos descobrimentos portugueses. A última
parte, chamada o Encoberto, Pessoa quer criar um mito para elevar e animar a alma
46 Seara Nova, nºs 45/46, Maio de 1925.47 Como por exemplo a fundação da Primeira República, a crise financeira, a Guerra Mundial.
27
do povo português. Ao longo da obra, Pessoa tenta criar mito sobre O Encoberto e
sobre o Quinto Império. Porém, também diz que é preciso entusiasmar-se e não só
passivamente esperar pelo Messias.
Agora vamos oferecer uma descrição mais detalhada das partes particulares
da Mensagem.
3.3.1.1 Brasão
A primeira parte é dividida em cinco capítulos chamados Os Campos, Os
Castelos, As Quinas, A Córoa e O Timbre. Já dissemos que esta parte se ocupa com os
inícios da formação do território português. Em Os Castelos, Pessoa relembra os
fundadores míticos, como por exemplo Ulisses ou Viriato48. Em seguida elogia os
governadores de Portugal, tais como D. Afonso Henriques ou D. Dinis. O capítulo As
Quinas acaba com o poema “D. Sebastião”, que foi o último da linhagem de Avis.
Neste poema Pessoa fala sobre a loucura do rei que se meteu numa catástrofe. Com
ele morre o Desejado, mas nasce o Encoberto, através de quem quer Pessoa exaltar o
povo português. A Coroa contém um poema só. Este chama-se “Nunálvares Pereira”
e Pessoa eleva aqui os feitos do general Nuno Álvares Pereira na batalha de
Aljubarota. São postas duas personagens em contraste – uma, sem a coroa, que
conseguiu efetuar grandes feitos importantes para a Pátria e a outra, com a coroa, que
conseguiu perder a Pátria com o desejo de se aproximar aos feitos dos seu
antepassados. O último capítulo de Brasão, O Timbre, descreve um grifo, cujas partes
do corpo representam várias figuras da história portuguesa, como por exemplo D.
João Segundo ou Afonso de Albuquerque. Este grifo representa o princípio que cada
plano deve abranger: a visão, a vontade de efetuar a obra e o poder de a fazer
prevalecer.49
48 Ulisses é o fundador mítico da cidade de Lisboa. Viriato tem sido o lider das tribos Lusitanas contra os Romanos no século II a.C.
49 Cf. Trckova, op. cit., p. 40.
28
3.3.1.2 Mar Português
Esta segunda parte não é mais dividida em capítulos, mas contém doze
poemas ligados aos descobrimentos portugueses. Aparecem poemas com os títulos
seguintes: “Bartolomeu Dias”, “Colombos”, “Fernão Magalhâes” ou “Vasco da
Gama”. Os títulos deixam por si entender o assunto. O poema “Mar português” com
os versos “Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena” talvez sejam os
mais conhecidos e mais usados pelos portugueses. O sentido destes versos é claro – é
preciso sacrificar alguma coisa para poder atingir aquilo que queremos. No poema
que segue, “A última nau”, o poeta descreve a pessoa e a volta de D. Sebastião, ou
seja, do Encoberto. Aparece também a ideia da Ilha Encoberta, na qual o Encoberto
espera pelo momento oportuno para regressar e salvar Portugal. No último poema
“Prece” o sujeito lírico deseja o início de um Império Espiritual, em que Portugal
esteja na frente, atingindo a sua fama antiga.
3.3.1.3 O Encoberto
Esta última parte do livro é dividida em três segmentos: Símbolos, Avisos e
Tempos. Nela é mais visível a tentativa de Fernando Pessoa de criar um mito que
possa apoiar e motivar os portugueses (como no poema “O Desejado”, no qual D.
Sebastião é completamente transformado no Desejado, uma entidade inumana, ou
seja, num mito puro). Um dos poemas dos Símbolos chama-se “O Quinto Império” e
Pessoa presenta aqui a sua ideia dos quatro impérios já passados (o da Grécia, da
Roma, da Cristandade e o da Europa) e descreve o Quinto que na sua opinião será o
espiritual. O segmento Avisos trata, naturalmente, daqueles que avisaram no passado a
volta de D. Sebastião. Por isso consiste de três poemas: “O Bandarra”, “António
Vieira” e o último poema sem nome que é provavelmente sobre o próprio Pessoa. Na
última parte do Encoberto e simultaneamente na última parte da toda Mensagem, nos
Tempos, Pessoa tenta com mais clareza despertar os portugueses da sua passividade e
provocá-los a uma ação. Ao mesmo tempo trata do Quinto Império e da atualidade de
Portugal.
29
A Mensagem, todavia, não é única obra de Pessoa que trata do
sebastianismo. Os seus textos recolhidos e publicados postumamente em 1979 sob o
título Sobre Portugal ocupam-se muito com este assunto.
“É, ou deve ser, uma esperança dada ao povo, para o animar e despertar
da melancolia. O mito deve motivar. É isso que nos quer dizer Fernando
Pessoa na sua obra Mensagem. Mesmo nas suas teorias sobre o Quinto
Império é visível a sua posição e a tentativa de fornecer a autoestima
nacional portuguesa. Ele apoia o espírito português afirmando que apesar
de não ter condições do mundo físico para liderar o mundo, tem-nas sim
no mundo ou campo espiritual.”50
Nesta obra fala Pessoa sobre a chamada auto-sebastianização. Isso significa
que não é importante que um homem físico salve o povo, mas sim a crença e
esperança nele.
50 Idem, ibidem, pp. 51 ̶ 52.
30
4 Segunda metade do século XX
Agora vamos passar para a segunda metade do século XX. Nesta parte do
trabalho vamos esboçar primeiro o contexto político e social e a seguir vamo-nos
ocupar com as obras que abordam o mito sebastianista, das quais escolhemos El-Rei
Sebastião de José Régio e O Encoberto de Natália Correia, como representantes do
teatro, e O Mosteiro de Agustina Bessa-Luís e O Conquistador de Almeida Faria,
como representantes do romance.
Como vimos na introdução à primeira metade do século XX, desde os anos
30 havia em Portugal a ditadura de Salazar. Depois do fim da Segunda Guerra
Mundial, Portugal aderiu à Organização do Tratado do Atlântico Norte (1949) e, em
1955, à Organização das Nações Unidas.
Nesta era de descolonização, Portugal, apesar de grande aversão do governo,
tinha que deixar algumas colónias na Índia. Na década de 1960 formaram-se na
África movimentos lutando pela autonomia de Angola, Guiné ou Moçambique, e
estas lutas transformaram-se em 1964 na chamada Guerra do Ultramar. O governo
português mandou tropas para as colónias para manter ordem, o que ainda mais
contribuiu para o empobrecimento de Portugal e para a emigração motivada pelo
desejo de evitar o serviço militar – fato que nos é parcialmente mostrado na obra O
Conquistador de Almeida Faria.
Salazar demitiu-se em 1968 por causa dos problemas de saúde e no seu lugar
seguiu Marcelo Caetano. O novo governo fez alguns passos para o melhorizamento
da situação, como por exemplo a modernização da economia ou a liberalização da
política, porém, a ditadura permaneceu. E como a descolonização mundial procedeu,
cresceu a pressão ao governo português que favoreceu muito a oposição.
A viravolta chegou no ano de 1974. No dia 25 de Abril, o descontentamento
com a situação e com o governou culminou no golpe de estado, realizado pelo
Movimento das Forças Armadas, que, por não ser violento, é chamado de Revolução
31
dos Cravos51. A censura terminou e as colónias ultramarinas eram passo a passo
autonomizadas. A situação depois da Revolução não estava estável e havia um perigo
de uma guerra civil. Este, porém, acabou com as primeiras eleições livres em 1975,
quando foi formada a Assembleia Constituinte e uma nova Constituição.
51 Jan Klíma, Dějiny Portugalska (Praha: Nakladatelství Lidové Noviny, 2007), pp. 445 – 447.
32
5 José Régio – El-Rei Sebastião
Agora vamo-nos ocupar com a obra El-Rei Sebastião de José Régio.
José Régio (1901 ̶ 1969) é um dos fundadores da revista Presença que
inaugurou o segundo período da modernidade em Portugal. Nela Régio defendeu uma
“literatura viva”, espontânea, original e pessoal, que era oposta à “literatura livresca” ̶
acadêmica e conservadora. Dedicou-se quase a todos os géneros literários, cultivando
poesia, teatro, romance, novela e crítica. A sua poesia é individualista, intransigente,
viril e focaliza frequentamente o drama do Homem em face da sua condição, de Deus
e do diabo. Régio conseguiu estabelecer uma ponte entre a tradição e a
modernidade.52
Segundo Jorge de Sena, a dramaturgia de José Régio cria três “directrizes do
teatro moderno: o alegorismo poético do pós-simbolismo, o realismo-naturalismo
como veículo de questões metafísicas e o experimentalismo das formas
expressionistas como reação à rigidez do teatro em voga.”53 A obra El-Rei Sebastião
caracteriza-se por notáveis ideias expressionistas, como por exemplo o confronto
entre o corpo e a alma ou entre o ego e o alter-ego, pela criação de uma atmosfera
que reflete o estado do espírito do protagonista, ou pelos diálogos que transmitem o
desvio da linguagem.54
5.1 Resumo da obra
A peça El-Rei Sebastião foi escrita em 1949 com o subtítulo Poema
espetacular em 3 actos, a estreia deu-se no ano de 1985 em Portalegre. A ação da obra
decorre em Lisboa no século XVI durante o reinado curto de D. Sebastião, mais
52 Cf. Moisés, A literatura portuguesa através dos textos, p. 495.53 Maria do Rosário Girão, Manuel José Silva, “El-Rei D. Sebastião: O mito português”, in Diálogos
com a Lusofonia, (Varsovia: Universidade de Varsovia, 2008), disponível em: https://iberystyka-uw.home.pl/pdf/Dialogos-Lusofonia/Coloquio_ISIiI-UW_9_GIRAO-Maria-do-Rosario-e-SILVA-Manuel-Jose_El-Rei-D-Sebastiao.pdf (acessado em 1/5/2015), pp. 157-158.
54 Cf. Elsa Rita dos Santos, “Ideias expressionistas no teatro de José Régio”, in Boletim (Centro de Estudos Regianos, Câmara Municipal de Vila do Conde, 1998).
33
concretamente um pouco antes da sua decisão de empreender a campanha para
“libertar” a África dos mouros. A peça mostra-nos os processos psíquicos que
decorrem na mente de D. Sebastião. Mostra como ele crê na sua especialidade,
acreditando que foi escolhido por Deus e deve cumprir a tarefa que lhe foi dada.
Mostra-nos também as conversas entre ele e os seus conselheiros, fidalgos e súbditos.
Assim, é clara a atitude de José Régio perante o sebastianismo que se mostra nesta
obra. Menciona-se como D. Sebastião não se interessava pelas opiniões dos mais
experientes e como estava à escuta só daqueles que lhe lisonjeavam e que mostravam
a sua admiração e vontade de morrer por ele. No fim da peça, o rei decide
desempenhar a campanha na África.
5.2 Análise da obra
El-Rei Sebastião começa com a fala das “Vozes” que não são mais
especificadas (apesar da descrição do tom da fala), talvez possam ser fantasmas dos
antepassados, talvez só uma imaginação ou alucinação do Rei. Nesta fala as vozes
criticam o reinado do D. Sebastião e queixam-se da situação e do estado em que se
encontra o reino de Portugal. Dizem que o país foi liberto dos mouros pelos cristãos,
ara que fique nas mãos do rei “que não o governa, pois o desgoverna.”
„Segunda voz: Rei Sebastião que ideia tens do teu ofício de reinar? O teu
povo geme da miséria!... Os (o povo) deixas tu beber o suor dos pobres,
esgotar o sangue dos fracos, oprimir os já oprimidos...”55
A seguir a primeira voz fala sobre a falta de um herdeiro, que o rei nem tem
a pressa de dar ao país, assim como sobre a sua vaidade pessoal que o leva a arriscar
o destino do seu reino.
Estas vozes mesmo como a obra toda representam uma crítica imediata e
clara do governo de D. Sebastião. José Régio exprime aqui uma atitude crítica ao
jovem rei Desejado que foi desvairado pelas profecias que lhe predisseram façanhas
55 José Régio, “El-Rei Sebastião” in Obra Completa (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2005), p. 18.
34
grandes. Devido a elas, o rei considerava-se escolhido por Deus para cumprir a tarefa
de libertar a África dos mouros e assim atingir o nível da grandeza dos seus
antepassados.
5.2.1 Admiração do moço de câmara
À cena das “Vozes” segue a cena com dois moços de câmara que falam sobre
as vozes, sobre o seu significado e a sua origem possível. Eles falam sobre a situação
atual, sobre a desvalorização do dinheiro. O mais jovem dos moços expressa às vezes
as simpatias por El-Rei e às vezes o defende, mas o outro moço contraria-o cada vez.
O mais jovem diz que seria capaz de morrer pelo Rei.
Porém, nenhum dos dois moços sabia, que D. Sebastião estava à escuta da
conversa. Quando aparece, escoraça o segundo moço e fala com o mais jovem. Este
diz-lhe que o adora, o que, claro, D. Sebastião gosta muito de ouvir. D. Sebastião diz-
lhe sobre o povo miserável que só o acusa de querer ser Grande. O moço fica
fascinado pelo Rei e quer acompanhá-lo na grande empresa que lhe trará o amor do
povo e a glória.
5.2.2 Abertura dos túmulos
Uma cena interessante é quando D. Sebastião conta sobre a sua tentativa de
abrir os túmulos dos reis portugueses para os ver e consultar os seus planos com eles.
O fato de ter aberto os túmulos deve ser uma humilação e desacatamento dos seus
antepassados, só por um capricho dum jovem rei que na sua vida não conseguiu nada.
Diz também que só não conseguiu abrir o túmulo de D. Pedro, daquele “louco” que se
tem apaixonado por Inês de Castro. É visível que ele, que nunca se casou nem deixou
sucessores, fala com desprezo sobre o homem que se apaixonou por uma mulher.
5.2.3 Os fidalgos e conselheiros
Como D. Sebastião sofre de alucinações, muitas vezes não consegue
adormecer. Nestes casos precisa da companhia, chamando ou os seus bobos, Perna
35
Curta e Pote de Gordura, ou os fidalgos ou conselheiros.
Numa tal situação, um dos fidalgos, Luís de Alcáçova, recita-lhe uns trechos
da obra de Luís de Camões. O Rei gosta de ouvi-los, sobretudo aqueles que se ligam
à África e a conquistas das terras longíquas. Pergunta a todos se acreditam que faça as
façanhas que lhe foram profetizadas. Todos reagem positivamente, ao que responde o
Rei:
“Tu também acreditas..., tu como todos! Todos à uma! ...todos creem nos
feitos que os poetas me profetizam! Todos acham bem que me incitem a
grandes façanhas. Mas acham mal que eu tanto pense nelas! ... Porque
todos me estais mentindo! Todos dizeis ... que o nosso rei é louco! Todos
pensais como os velhos, que arruíno o Reino.” 56
Muitas vezes no livro vê-se que o Rei exige a admiração, a obediência, o
acordo ou o apoio. Ao ter a menor dúvida, ele começa a acusar todos aqueles que
estão à volta.
Uma outra situação que queremos salientar é a discussão entre o El-Rei e
três conselheiros sobre a invasão na África. Apesar de eles terem respeito ao Rei,
todos concordam que ele deveria ficar “mais na terra nos seus planos”:
“3º Conselheiro: Muitas vezes os grandes espíritos desvaíram
...precisamente por voarem muito alto. Os espíritos rasteiros vêem de
mais perto as coisas da terra.
El-Rei: Pois já sei o vosso parecer! Impossíveis façanhas a realizar,
fantásticos impérios a conquistar, proezas que não cabem nos vossos
dias...Todos acordais em me condenar e abandonar...
1º Conselheiro: Que estamos de acordo em não provar a vossa ideia, é
certo...”57
Os conselheiros protestam contra o sonho do Rei de libertar África dos
mouros, da sua vontade de servir a Deus, o desejo de propagar a Cristandade e de
56 Idem, ibidem, p. 38.57 Idem, ibidem, p. 51.
36
ampliar o reino.
Resumindo, todos tentam convencê-lo para ele pensar nos seus cargos e
deveres que tem quanto a Portugal, dizendo que Portugal é pobre e precisa dum Rei
conciencioso. Mas El-Rei não se deixa convencer e de novo chama os seus
conselheiros de traidores e manda-lhes sair, ao que os conselheiros não reagem. Ao
invés – os conselheiros continuam com as suas tentativas de convencer o rei. Entre
muitos argumentos dizem também que todos, inclusive a D. Catarina, a avó do rei,
Cardeal D. Henrique e também Filipe II não concordam com o seu propósito e
tentaram retrar o Rei do seu propósito. Mas D.Sebastião não muda a sua opinião,
porque acha que é escolhido para a tarefa. Imagina até o cenário da sua vitória, que
nos evoca um maníaco que quer arriscar as vidas de milhares de pessoas. Descreve-se
a si como “Senhor da Berbéria...Coroado Imperador de Marrocos...Príncipe da
Cristandade”.
O 3º conselheiro reage com um argumento muito sábio, mas nem este
consegue persuadir o El-Rei: A quem vai reinar, a quem vai mandar, quem vai
proteger a terra contra os ataques dos outros países, se não haverá gente nenhuma
depois da batalha, na qual todos morrerão. Pergunta se o Rei quer perder o seu Reino
por uma fantasia, “por um capricho de mancebo, um sonho da glória pessoal.”58
Estas palavras enraivecem D. Sebastião que tira a espada e grita para todos
saírem. Mas de repente fica sonhando com a imagem de D. Afonso Henriques, a
quem apareceu Deus na batalha de Ourique e durante isso os Conselheiros podem
sair.
5.2.4 Simão, o Sapateiro Santo
Simão é uma personagem muito interessante na peça de José Régio. É um
profeta que é chamado pelo rei para o informar sobre as novidades na África. No
início parece que Simão é um súbdito do rei, que despreza o rei. No fim da peça,
todavia, é apresentado como o seu conselheiro. Porém, como lhe aconselha ir à
58 Idem, ibidem, p.59.
37
batalha apesar de saber que ele morra nela, parece como se manipulasse o rei para a
morte. Diz-lhe sinceramente que a sua empresa “não passa de quimera ambiciosa
dum louco”. E continua:
“Muito certo que te vais perder com os melhores que te acompanharem...já
bem sabes que nem o teu pequeno Reino sabes governar. Tu...um cego visionário o
que só vê o que sonha....Tens que te aniquilar.”59
Já sabemos que D. Sebastião não quer ficar sozinho porque, como diz ele
próprio, ao estar só, atacam-no as quimeras das fantasias e os fantasmas. È por isso
que ele manda buscar alguém, seja quem for. Nestas situações, que representam cerca
da metade da peça até ao fim, é sempre o Simão. Os dois falam sempre da mesma
coisa, sobre a campanha à África, e D. Sebastião exige a opinião de Simão. Até D.
Sebastião confessa não crer no triunfo da sua empresa. Simão prediz a morte para
todos.
“El-Rei: Mas morrer?
Simão: Sim, devagar: combatendo até que desapareças...até que teu corpo
não haja no campo senão pedaços desconhecidos...até que ninguém possa
reconhecer El-Rei em nenhum desses cadáveres mutilados....e ninguém
verdadeiramente possa dizer tê-lo visto cair vencido!” 60
A seguir conta ao Rei o seu sonho que ele teve sobre o dia da batalha. Via o
campo da batalha, coberto por cadáveres. Ao contar isso, no fundo da cena mostram-
se as imagens que ele descreve. Descreve a derrota das tropas lusitanas. Conta como o
Rei louco desapareceu nas tropas dos inimigos e que ninguém o viu morrer nem
sobreviver.
5.2.4.1 Fusão de D. Sebastião e do Encoberto
No fim da conversa do Rei com Simão, vê-se no pano de fundo uma cena após
a batalha:
59 Idem, ibidem, pp. 66-69.60 Idem, ibidem, p. 83.
38
“ Um dos vultos caídos (no campo de batalha) Ergue-se com movimentos
lentos, como vindo a si dum torpor. ... Veste uma armadura
resplandecente. E avança devagar, hirto, espectral, como uma aparição, ...
El-Rei Sebastião volta-se então para ele: ... vai uns passos ao seu
encontro. ... Apertam-se os dois, El-Rei e a Aparição, num abraço tão
estreito que, por segundos, formam um só vulto.”61
Nesta cena é representada a fusão de D. Sebsatião histórico com o mito do
Encoberto62, quando os dois se unem num fenómeno só.
5.2.5 Decisão malfadada
Por fim, D. Sebastião decide empreender a empresa, apesar dos conselhos
dos outros. Simão sai e entram o moço de câmara com os fidalgos. D. Sebastião dá-
lhes a saber a sua decisão e diz ao moço de câmara que o pode acompanhar e
combater a seu lado. Depois os fidalgos perguntam o que fazer com “aquele soldado”
que foi condenado à pena capital por levantar armas contra o seu superior. Esperam
que D. Sebastião o absolva, mas a sua sentença é a morte: “Enforquem-no!”, diz ele.63
Quando El-Rei saiu com o moço de câmara, os fidalgos ficaram chocados na
sala:
“Primeiro Fidalgo: Afinal...porque não prendemos este louco?
Segundo Fidalgo: (depois de uma breve pausa de silêncio) Prendê-lo? ...,
ao nosso rei?”64
Vemos à base deste exemplo que José Régio descreve D. Sebastião como um
homem completamente distanciado da realidade que só se importa pela possibilidade
da sua fama. Não escuta aos bons conselhos dos seus conselheiros que têm medo pelo
Reino. Ele interessa-se só pelo seu sonho de empreender a campanha na África. È
obsesso pelo desejo de ser grande, porém, faz exatamente o contrário. É fascinante a
61 Idem, ibidem, pp. 90-91.62 Cf. Maria dos Santos e Manuel José Silva, op. cit., p. 160.63 Régio, op. cit., p. 97. 64 Idem, ibidem.
39
representação de D. Sebastião de José Régio. È uma descrição excelente dos
movimentos psíquicos que levaram à catàstrofe.
40
6 Natália Correia e O Encoberto
Natália Correia (1923 ̶ 1993), proveniente dos Açores, é autora duma obra
multifacetada que abrange a poesia, a prosa de ficção, o teatro, o ensaio e a tradução.
Ela também criou o programa daetelevisão chamado “Mátria”, no qual propôs uma
nova espécie de feminismo, representando a Mulher como arquétipo da liberdade
erótica e, claro, como fonte da humanidade. Este tema é também frequente na sua
obra poética, como por exemplo na Mátria (1968).
Natália Correia foi um membro ativo da oposição do Estado Novo e foi
condenada a três anos de prisão pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa
Erótica e Satírica, porque esta peça ameaçava a moral e os costumes (1966). Em
1969 combateu junto com Mário Soares e outros a ditadura de Marcelo Caetano.
Possuiu o bar Botequim, no qual se juntaram os artistas de todos os géneros
(escritores, homens de teatro, boêmios). Em 1979 foi eleita à Assembleia da
República como representante do Partido Popular Democrático. Como vemos,
dedicou a sua vida à luta contra a ditadura.
A peça taetral O Encoberto, que nos interessa, foi publicada em 1969, mas
foi imediatamente proibida pela censura e a estreia mundial tinha que esperar para o
ano de 1977, no qual finalmente ocorreu, nos Açores, na Ponta Delgada, no lugar de
nascimento da autora. Na folha da sala de 1977, a autora explica a razão da estreia tão
tardia:
„Na altura em que a peça foi escrita, essa conotação com o regime que
então vigorava em Portugal foi-me recurso para focar uma situação
presente que o rigor censório não permitia abordar às claras. Mesmo
assim não conseguiu a peça passar às malhas da severíssima censura que
nela só descortinou um manifesto contra o fascismo exótico à vontade dos
portugueses e por isso identificável com o reinado filipino.“ 65
65 Armando Nascimento Rosa, “Arcaica e futura: a dramaturgia de Natália Correia. Uma leitura d’O Encoberto” in Teatro do Mundo: tradição e vanguardas: cenas de uma conversa inacabada.orgs.
41
Nesta mesma folha diz a autora que nesta obra ficam frente a frente dois
fenômenos ou duas irracionalidades: o poder que escraviza e a irracionalidade de um
libertador impossível.66
Nesta obra, Natália Correia deixou-se inspirar pelo episódio do quarto falso
D. Sebastião67, Marco Túlio Catizzone, também chamado Calabrês, com quem se
encontrou D. João de Castro e reconheceu nele D. Sebastião. Porém, este italiano era
uns dias depois preso e entregue ao castelhanos, condenado às galés e enforcado em
1603.68
6.1 A ação de O Encoberto
A obra baseia-se numa das lendas espalhadas depois da batalha de Alcácer
Quibir, que diz que D. Sebastião sobreviveu e fica na Itália para recuperar forças e
voltar num momento favorável. A autora propõe nesta obra uma interpretação
paródica e caricata de uma das personagens míticas mais caras ao imaginário
nacional.
A ação od livro é enquadrada no século XVI, sete anos depois da batalha de
Alcácer Quibir, cerca de 1585, e começa com uma cena do espetáculo de uns
comediantes em Veneza, na Itália. Chamam-se Purgatório dos Comediantes e estão a
apresentar a peça que se chama As Desventuras do Rei Encoberto Que Para Penar
Os Seus Pecados Palmeia o Mundo Sujeito Às Aguras Do Mesmo A Fim De Ser
Perdoado Pelo Senhor E Regressar ao seu Mundo.
D. João de Castro, emigrante português, encontra-se também em Veneza e
caminha para o lugar do espetáculo porque tem a informação que D. Sebastião, na
cuja sobrevivência ele acreditou, possa encontrar-se aqui. Espera que o ator Bonami
Cristina Marinho e Nuno Pinto Ribeiro (Universidade do Porto: Centro de Estudos Teatrais, 2010),p. 105.
66 Idem, ibidem, p. 106.67 Depois do desaparecimento de D. Sebastião, surgiram quatro “Pseudo-Sebastiões”: dois em
Portugal – o “Rei de Penamacor” e o “ermitão de Ericeira” (ambos executados, em 1584 e 1585), edois Sebastiões falsos apareceram também fora de Portugal – um antigo soldado castelhano Gabriel de Espinosa e aquele sobre o qualse fala neste trabalho.
68 Besselaar, O Sebastianismo: História sumária, pp. 71-72.
42
seja D. Sebastião. Quando o Purgatório dos Comediantes começa a sua peça teatral e
quando aparece o ator Bonami no papel de D. Sebastião, D. João de Castro acha
reconhecê-lo, perturba a ação, pedindo Bonami, o D. Sebastião presumido, que ele
volte para Portugal. Bonami comporta-se como se realmente fosse o Rei Sebastião e
desde este momento a autora chama-o Bonami-Rei para acentuar a fusão das
identidades: a do ator Bonami e a de D. Sebastião.
Isso não apetece a Floriana, atora que acompanha Bonami no Purgatório dos
Comediantes. Ela conhece as suas loucuras: „não lhe meta essas coisas na cabeça.
Quando representámos „A Malvadez de Nero“ convenceu-se que eu era a Agripina e
se não me ponho a pau, arrancava-se as tripas.“69 Assim vemos que é normal, esta sua
tendência de se deixar consumir completamente pelo seu papel.
Porém, Bonami-Rei não foi com João de Castro para Portugal, mas foi preso
e transportado para Portugal. Com ajuda dos seus partidários e crentes, Bonami-Rei
consegue fugir e no início do 2º acto está com os revolucionários. Contudo, ele
apercebe-se finalmente do perigo, na qual se meteu e quer fugir dos guerrilheiros,
mas D. João de Castro não o deixa.
No campo encontra uma prostituta, chamada Ju-Ju, que realmente acredita
na sua identidade do Rei. Lava-lhe os pés com as suas lágrimas antes da batalha e dá-
lhe uma coroa feita de espinhos.
Os guerrilheiros são, contudo, derrotados e Bonami-Rei acaba na prisão.
A seguir decorre uma reunião do Vice-Rei com outros Nobres, que o tentam
convencer da execução ou da tortura do prisoneiro, para Bonami confessar ser um
impostor.
Depois de eles saírem, entra D. João de Castro, disfarçado de frade, com o
pretexto de ter meios para fazer que o Bonami-Rei confesse ser um burlão. O Vice-
Rei deixa-o entrar na prisão. Mas não é só um pretexto, ele realmente quer que
Bonami-Rei se confesse ser um impostor. Para que a esperança não morra com ele.
69 Natália Correia, O Encoberto (Lisboa: Afrodité, 1969), p. 23.
43
No dia do tribunal, que deve julgar a sua identidade, Bonami-Rei é
condenado à morte. O tribunal decide que é D. Sebastião, mas por isso deve morrer,
porque é melhor para Filipe II que apague todas as demonstrações da oposição.
Depois da execução de Bonami-Rei, a prostituta Ju-Ju vem para o sítio da
sua soterração, mas descobre que o corpo desapareceu. O que acontece a seguir é uma
cena da literatura de science-fiction: de repente o ambiente passa para o século XX e
no céu aparece um escafandro enorme que provavelmente representa a volta do
Encoberto.
6.2 A análise da obra
Agora procedamos com a análise da obra de Natália Correia. Nela é notável
um elemento que nos lembra a tragédia grego-latina – o coro. A ação, apesar de ser
contada na forma do roteiro quando o texto secundário descreve a ação e o aspeto da
cena, também é descrita ou até cantada, de vez em quando, pelo coro de três
Catadeiras de piolhos. As suas falas são, ao relacionarem-se com Bonami-Rei, sempre
ambivalentes e contraditórias. Segundo Maria de Fátima Marinho servem para
mostrar a ambivalência entre o actor e a personagem.70
6.2.1 Bonami-Rei
Quanto ao protagonista, o mais característico para ele é a vacilação entre as
duas identidades: o ator Bonami e o rei D. Sebastião. Quando D. João de Castro lhe
diz sobre a possibilidade dum papel de rei, ele aceita sem hesitação: „Para os
descrentes sou a saudade do passado, para os loucos sou a saudade do futuro. O meu
verdadeiro público espera-me. Agora sim, o meu palco é mundo.“71 E continua no seu
papel até ao fim, apesar dalguns momentos de dúvidas e medo, como por exemplo no
campo dos guerrilheiros, quando quer fugir, ou quando é torturado pelo Cristóvão de
Moura, como veremos mais adiante.
70 Cf. Marinho, op. cit., p. 35.71 Correia, op. cit., pp. 26 – 27.
44
Neste ponto surge-nos uma questão: é possível que o ator Bonami tenha sido
o Rei Sebastião, esperando até agora e camuflando a sua verdadeira identidade? Ou é
só o desejo do ator Bonami de representar o seu papel preferido, até fora do palco?
Isto é o que não sabemos ao certo e a autora deixa-nos ficar na incerteza até ao fim da
obra. A esta incerteza contribui também o fato de o protagonista ser chamado
“Bonami-Rei”, o que é comentado assim:
“A partir deste ponto, Bonami e D. Sebastião são uma e a mesma pessoa
pelo que a autora, respeitando o arbítrio da personagem, passará a
denominá-la Bonami-Rei”72
No seu cativeiro, no dia do tribunal que deve decidir sobre a identidade de
Bonami-Rei, evidenciam duas testemunhas. A primeira é Floriana que acusa Bonami-
Rei de a abandonar dizendo que com certeza não é D. Sebastião. A segunda
testemunha é a moura Huria, personagem da peça teatral representada pelo Purgatório
dos Comediantes, concretamente por Floriana, que conta a sua história de se
apaixonar por um prisoneiro do seu pai, Xerife. E testemunha que este homem, isto é
Bonami-Rei, é D. Sebastião. O juíz diz que depois dos dois testemunhos dá-se a
sentença.
Quando Bonami-Rei é torturado pelo Cristóvão de Moura, é chicotado sem
parar, oscilando entre a confissão de ser só um ator e a convicção de ser D. Sebastião.
Neste cena, a ambivalência da identidade do protagonista é, talvez, mais visível.
“Bonami-Rei: Sou D. Sebastião! ... Os profetas anunciaram o meu Reino!
Sou o Desejado! ...
Cristóvão de Moura, possesso de ira,
chicota ferrozmente Bonami-Rei.
Bonami-Rei: Basta! Basta! Confesso que sou um actor!..” 73
Porém, Filipe II, explica ao Vice-Rei que para ele é pior Bonami morrer
como ator porque assim a esperança no Rei Encoberto vai perdurar. Ele precisa que
morra D. Sebastião mesmo e com ele acabe o perigo de revoltas.
72 Idem, ibidem, p. 25.73 Idem, ibidem, pp. 104 – 105.
45
O veredicto é: como a última testemunha é decisiva (e convém a Filipe II),
Bonami-Rei é D. Sebastião e por isso deve morrer. Quando se prova assim a
identidade de D. Sebastião, Filipe II deixa-o executar, porque precisa eliminar um
rival ao trono português.
Como cantam as três Catadeiras:
“Dobrado que foi o cabo dos martírios,
Cinge, por fim, a coroa, D. Sebastião.
Reconhecido lhe é o título de Rei.
Oh, a malícia desta justa decisão.
Para tornar pública a sua real dignidade
Na praça principal o põem em exposição
E já alguns no povo dele se riem
Porque são cómicos os que inspiram compaixão
Um letreiro diz que é o Rei dos portugueses.
Tanto bastava para respeito infundir.
Mas Estes letreiros são propositamente dúbios:
Fazem tremer e dão vontade de rir.”74
A cena seguinte apresenta Bonami-Rei depois do julgamento num
pelourinho com um letreiro que diz que se trata do rei de Portugal. A situação e o
letreiro são irónicos e Bonami-Rei é exposto à burla do povo.
Assim, Bonami-Rei ficou “prisoneiro da sua máscara, que o aniquialará.”75
Mesmo que negasse a sua identidade de D. Sebastião, seria ele o alvo da revolta do
povo que o queria ter por D. Sebastião. Isto faz da peça um drama tragicómico,
porque representa “o confronto entre a vontade do indivíduo e o que dele é exigido
pela sociedade.”76
74 Idem, ibidem, p. 110.75 Rosa, op. cit., p. 108.76 Idem, ibidem.
46
Bonami-Rei é por fim realmente executado, mas quando a prostituta Ju-Ju
caminha ao sítio onde puseram o cadáver, não o pode encontrar. O cadáver
desapareceu. Corre para a cidade para espalhar esta novidade. Como diz a descrição
da cena, “neste ponto da ação estamos no século XX e, como tal, se vestem as
pessoas.”77 Como se a autora quisesse dizer com este brusco salto temporal que os
portugueses atrofiaram, ficam sempre no mesmo passado. O tempo mudou-se, mas os
portugueses desejam sempre a mesma coisa como no século XVI.
No final da peça é apresentada a volta de D. Sebastião: “Um enorme
escafandro de metal reluzente desce lentamente do espaço lançando um esplendor na
escuridão que imediatamente se faz, na qual mergulham os Homens e as Mulheres.”78
Nada mais é revelado daquele escafandro, ou seja, da nave vinda dum outro
planeta, onde D. Sebastião esperou na imaginação dos seus crentes. As últimas
palavras da peça pertencem às três Catadeiras:
“O opressivo silêncio do mundo
Explode na incrível visão.
Enquanto formos escravos de Filipe,
Ovelhas seremos de D. Sebastião.
Quando deixará e vida que estiola
De inventar o inexistente
Rei que por isso consola?
Quando deixará o sonhar demais
De ser o perigo de viver de menos?
Oh, nunca, nunca teremos paz?”79
A seguir cai o pano, mas como diz a descrição, a cena continua. Assim com
este fim aberto acaba o 3º acto e com ele todo o livro. Estas últimas palavras até
proféticas das três Catadeiras revelam-nos o receio de os portugueses nunca poderem
77 Correia, op. cit., p. 118.78 Idem, ibidem, p. 123.79 Idem, ibidem.
47
encontrar paz, porque sempre hão-de esperar por um messias.
Na peça não há muitas personagens, mas todas ou afirmam ou desmentem a
identidade do ator. Vimo, por exemplo, que Floriana, namorada do Bonami, diz que
ele é impostor, mas também diz que é rei por quem se apaixonou como moura Húria.
O mesmo acontece com D. João de Castro que primeiro quer reconhecê-lo a todo o
custo, mas depois lhe pede para confessar que é um comediante para conservar a
esperança do povo. Também o Vice-Rei Cristóvão de Moura hesita até ao fim sobre a
identidade do Bonami-Rei. Só a Nobreza se ineressa apenas pelos seus bens, lucros e
influência e na verdade não se interessa pela identidade verdadeira de Bonami-Rei.
6.2.2 João de Castro
No início da obra, D. João de Castro diz na sua conversa com um italiano:
„A minha alma é grande, É a alma de um povo que quer sobreviver, Soou
a hora de fazer um pacto com os profetas. Contra estes, o suplício, a
fogueira … nada podem. Desejar absurdamente o impossível, eis a
escolha que resta aos portugueses.“80
Diz isso ao ir buscar D. Sebastião a Veneza. Segundo ele, então as profecias
sepmre perduram. Por isso desejam os portugueses cegamente o que não têm.
Sabemos que o verdadeiro D. João de Castro realmente foi a Veneza para buscar lá o
suposto D. Sebastião. Encontrou lá um prisoneiro que mal falava português, que com
certeza não era D. Sebastião, porém também D. João de Castro histórico acreditou na
sua identidade de D. Sebastião.
Os espetacdores da peça do Purgatório dos Comediantes descrevem o desejo
dos portugueses com as seguintes palavras: „Os portugueses são capazas de
reconhecer D. Sebastião no cu de gorila.“81 Esta frase causa com certeza um sorriso
na face do leitor, pois parece não estar longe da verdade.
Importante é também a seguinte cena, quando D. João de Castro tenta
80 Idem, ibidem, p.15.81 Idem, ibidem, p. 22.
48
influenciar Bonami-Rei na prisão:
“D. João de Castro: Venho pedir-te que confesses que és um safado
comediante...Não só foste derrotado como te deixaste apanhar. Desta vez
não escapas. Não te iludas. A causa serviu-se de ti e tu falhaste ... Que
sobreviva a esperança do Rei Encoberto. Se morreres como D. Sebastião,
contigo se extinge toda a miragem de liberdade para este povo.”82
È mesmo surpreendente o seu pedido a Bonami-Rei, mas no fundo é
compreensível. Tudo o que ele quer, é a esperança para o povo. A esperança num
futuro melhor não pode morrer com uma pessoa. Os portugueses têm que acreditar,
ou, pelo menos, sonhar com um futuro melhor.
6.2.3 O Governo
Filipe II é aqui representado como um reinador omnioso e maligno. Até a sua
mulher e o seu filho chamam-no de monstro. Numa conversa sobre as profecias da
vinda do Rei Encoberto, o rei diz que todos aqueles que cantavam as profecias foram
executados, mas não valeu a pena, porque com tudo isso as profecias divulgam-se
ainda mais. Por isso ele chama o Vice-Rei de Portugal, Cristóvão de Moura, para
divulgar a fama de D. Sebastião voltar para Portugal:
„Filipe II: Faz com que eessa expectativa atinja o delírio. Os portugueses
terão o D. Sebastião que a sua insânia merece.“83
A seguir decorre uma reunião do Vice-Rei com outros Nobres. Durante esta
reunião, os Nobres são obrigados a assistir aos protestos do povo que diz que não vai
trabalhar (os padeiros não vão fazer pão, os alfaiates não vão costurar) até o seu Rei
ser libertado. E depois das outras protestações de banqueiros e padres, os Nobres, que
se dão conta da possibilidade de maior vantagem para eles, mudam rapidamente a
opinião e pedem Cristóvão de Moura para libertar “D. Sebastião”.
Estes apelos:
82 Idem, ibidem, pp. 83 – 84.83 Idem, ibidem, p. 37.
49
“Condessa: Se não mandares cortar a cebaça do agitador teremos de te
considerar o inimigo público número um da Nobreza.
Duque: Queremos a sua cabeça.
Tortura-o. “
Passaram para estes:
“Marquês: Cristóvão de Moura! Em nome da Nobreza deste reino
pedimos-te que ponhas em liberdade o Rei de Portugal.
Duque: Cada minuto de clausura desse pobre vítima da tua estupidez é
um ataque è liberdade de sermos Nobres.”84
Deste trecho é claro que a Nobreza não quer o bom de Bonami-Rei. Tudo
que os interessa são os proveitos que eles próprios vão tirar da situação.
6.2.4 Ju-Ju e Belchior de Amaral
Salientemos mais duas personagens da obra da Natália Correia – a de
Belchior de Amaral e a da prostituta Ju-Ju. Belchior de Amaral representa aí a posição
crítica da campanha da África e quer chamar atenção à manipulação do povopela
Nobreza. Mas o povo não astá à escuta e ele acaba por ser linchado. No fim da peça,
contudo, Belchior aparece outra vez, como um cientista do século XX. E outra vez
quer chamar atenção à razão, mas outra vez é maltratado. Porque o povo insiste na
esperança e nos mitos que, segundo ele, lhe podem trazer um futuro melhor.
Quanto à prostituta Ju-Ju, é necessário mencionar também a cena, que se
refere a Maria Madalena85, quando ambas as mulheres lavam os pés dos seus “donos”
com lágrimas. (S. Lucas, 7, 37-38)
Outras referências a Cristo são a coroa de espinhos, que Bonami-Rei recebe
no campo dos guerrilheiros, e o letreiro no palco depois da sua condenação à morte:
“D. Sebastião, Rei dos Portugueses”. Este remete ao letreiro que Cristo tinha (apesar
de haver mais formas do letreiro, segundo diferentes Evangélios, escolhemos uma
84 Idem, ibidem, pp. 74-79.85 Cf. Marinho, op. cit., pp. 40-41.
50
mais geral, segundo Mateus, 27. 37): “Este é Jesus, o Rei dos Judeus”.86
Depois da execução de Bonami-Rei, Ju-Ju chega à cidade com a novidade de
que o cadáver não fica no sepulcro, onde foi deitado. Trata-se doutra referência a
Cristo.87 É um sinal para os crentes que D. Sebastião não abandona o seu povo e que
voltará. Também é, porém, possível que foi D. João de Castro quem manipulou com o
cadáver para apoiar a crença e esperança do povo.
86 Idem, Ibidem, p. 41.87 Cf. Rosa, op.cit., p. 110.
51
7 O Mosteiro de Agustina Bessa-Luís
Passemos mais adiante para outra autora e outra peça importante para o
nosso trabalho. É Agustina Bessa-Luís, nascida em 1922 em Vila Meã, que trabalha
nas suas obras frequentamente com as procuras nostálgicas do passado e com o
sentido das relações humanas. Ocupa-se muito com as relações familiares, as quais
examina por meio de uma penetrante análise psicológica. O seu melhor romance é
considerado A Sibila, pelo qual a autora ganhou vários prémios. No nosso trabalho,
porém, vamo-nos concentrar noutro romance, O Mosteiro, obra que se ocupa com o
mito sebastianista do ponto de vista da psicanálise. Por este livro a autora recebeu no
ano do lançamento, isto é em 1980, o Prémio Pen Club Português de ficção e o
Prémio D. Dinis.
7.1 A ação do livro
Á primeira vista não parece, contudo, o Mosteiro como uma obra sebástica,
porque trata da vida das pessoas à volta da casa Teixeira. Só alusões ocasionais
mencionam o objetivo de uma das personagens escrever sobre D. Sebastião.
A ação deste livro desenrola-se a partir dos anos trinta do século XX. à volta
dum mosteiro numa pequena vila chamada São Salvador. Trata sobretudo dum
menino, Belchior Teixeira,que tem no início da obra treze anos, e que vem de férias à
casa das suas tias. Ele decide escrever um livro sobre D. Sebastião e assim começa a
colher informações. Quer descrever D. Sebastião em relação com o seu primo José
Bento, que lhe era antipático, até o repugnava.
Podemos dividir a peça em duas linhas da ação: uma maior, que se refere aos
habitantes do “viveiro”, como o narrador chama a casa das tias Teixeira, e a outra,
digamos a menos elaborada, que se refere aos habitantes do mosteiro que, na altura da
ação do livro, é um manicómio.
Na peça são descritas pessoas que procuram refúgio na casa Teixeira; além
52
da família Teixeira são, por exemplo, um casal judeu – o senhor e a senhora
Klarsfeld, e Josefina Viana, uma jovem que depois duma aventura com um homem
casado é obrigada pelo pai ficar na casa Teixeira e fazer penitência.
A obra aborda também os acontecimentos históricos, além daqueles ligados a
D. Sebastião, tal como o salazarismo ou a Revolução dos Cravos. Estes são, porém ,
mencionados só brevemente e não intervêm no ação do livro. Porque, como diz o
narrador, o vale de São Salvador sobreviveu todas as mudanças quase inalterado.
A obra é dividida em cinco capítulos. Os primeiros quatro capítulos são
narrados na 3ª pessoa, o último na 1ª pessoa. O primeiro capítulo chamado Belchior
descreve a infância de Belchior Teixeira e as suas férias na casa das tias. Quando ele
leu Confissões de Santo Agostino, começou a interessar-se pela história. Nesta parte
do livro é também contada a história do mosteiro. O segundo capítulo, O Viveiro,
conta a história das pessoas que passaram pela casa das tias. No capítulo Os Doidos o
narrador descreve o mosteiro como uma casa de doidos e conta histórias das pessoas
aí internadas. O penúltimo capítulo, A Sedução, trata da estadia de Belche na casa de
Teixeira, durante a qual ele escreve a sua obra sebástica. Porém, ao aparecer lá de
novo Josefina Viana, ele está obsesso por ela e a sua obra fica inacabada. Quando ela
abandona o viveiro e pouco tempo depois morre, Belche também parte da casa. O seu
caderno é encontrado pelas sobrinhas que lêm o que ele escreveu. O último capítulo
intitulado O Medo representa o prórpio texto de Belche. Descreve com muitos
pormenores a história ainda antes do nascimento de D. Sebastião, fala por exemplo
sobre a sua mãe, D. Joana ,ou sobre outros antecessores dele. Descreve também a
pessoa de D. Sebastião e a batalha de Alcácer Quibir, colhendo informações tanto das
fontes portuguesas (Frei Bernardo da Cruz), como das fontes orientais. De repente
rompe-se a narração sobre D. Sebastião e o texto volta à própria história de Belche e
descreve as suas experiências em contraste às do rei.
7.2 A análise da obra
Agora ocupemo-nos com a análise de O Mosteiro.
53
7.2.1 O Mosteiro e vale de São Salvador
O que é interessante é a conexão do sítio, São Salvador, com Alcácer Quibir
e, claro, com a pessoa de D. Sebastião. São Salvador é apresentado, já na página
nove, como coberto pela névoa (“já despido de brumas”). Também no início do livro
é mencionada a situação do vale São Salvador e do mosteiro na altura do reinado de
D. Sebastião:
“Até aí, as rendas do convento beneditino eram devoradas pelos seus
padroeiros, homens de guerra que despojavam os mosteiros dos seus bens
em troca dos serviços prestados à coroa. Mas, na alvorada do grande
desastre histórico de 1578, o vale respirou, liberto da expropriação dos
usurpadores.”88
Assim vemos que a autora percebe a catástrofe de Alcácer Quibir como uma
libertação. Como vamos ver mais adiante, D. Sebastião é descrito como um menino
caprichoso e mimado, de maneira que a batalha talvez tenha sido uma libertação dos
seus desejos caprichosos. O episódio de Alcácer-Quibir possibilita então ao mosteiro
e ao vale a libertação, não só económica, mas também psicológica:
“ao perder o sonho do Rei Desejado, a população de São Salvador viu-se
livre da responsabilidade do sucesso, tão sonhado quanto temido, e capaz
de trabalhar suas frustrações e expectativas reais, sem o sonho do
passado.”89
Vemos aqui então uma alusão positiva aos acontecimentos originalmente
trágicos do século XVI.
A seguir o narrador descreve a casa de doidos, que Belche visita
frequentamente. Conta as histórias dos seus habitantes, que na maioria dos casos
sofrem de demência. É interessante a hierarquia existente entre os habitantes. As
pessoas intitulam-se com vários nomes, há por exmplo um homem que se chama
88 Agustina Bessa-Luís, O Mosteiro (Lisboa: Guimarães Editores, 1995), p. 29.89 Tatiana Alves Soares Caldas, Entre o erro e a certeza – Uma leitura de O Mosteiro, disponível em
http://www.filologia.org.br/ixcnlf/8/07.htm (acessado em 2/5/ 2014).
54
General Carmona, outro intitula-se com nome de Rei D. Carlos.
Oliveira Martins diz na sua História de Portugal que o sebastianismo é uma
loucura colectiva, sinal da decadência de toda a nação. “Portugal renegava – por um
mito – a realidade; morria para a história, desfeito num sonho.”90 Assim podemos
associar à esta ideia a transformação do mosteiro em casa de loucos. Os seus
habitantes identificam-se com as personagens históricas o que os leva à confusão
acerca da própria identidade deles. Podemos talvez ver neste motivo a alusão da
autora ao fato de Portugal se sempre identificar com uma personagem histórica.
7.2.2 Belchior
A personagem principal é Belchior Teixeira. Ele cultivava desde pequeno
gosto por livros de história e quando “começava a reconhecer a sua vocação para
historiador”91, visitava frequentamente os museus como objetivo de analisar a
fisionomia dos retratos dos imperadores. E ao olhar para o retrato de D. Sebastião,
achava-o parecido com o seu primo José Bento. “Pensava fazer o estudo do primo,
liquidando-o numa espécie de biografia monumental cujo assunto era D. Sebastião.”92
Belche dedicou-se então à leitura e à escrita, porque segundo ele “eram
excelentes meios para explorar as funções psíquicas.” 93 E depois de concluir os seus
estudos de Direito, quis escrever pelo menos duas páginas por dia. Porém, com isso
fracassou o seu casamento. Para mudar uma monotonia aparecida na sua vida,
Belche começou a escrever apontamentos para a história de D. Sebastião. E o modelo
para isso foi, como já dissemos, o primo José Bento, que sempre repudiava as
mulheres.
Passo a passo decidiu-se separar da sua mulher. Não pôde compreender
porque se casou – não tinha vontade de ter filhos e a mulher para ele era na verdade
um estorvo. A seguir, Belchior acabou também com a sua profissão e refugiou-se na
90 Isabel Pires de Lima.O Regresso de D. Sebastião, disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2760.pdf (acessado em 30/4/2015), pp. 6 – 7.
91 Bessa-Luís, op. cit., p 62.92 Idem, ibidem, p. 63.93 Idem, ibidem, p. 110.
55
casa Teixeira. Nela trabalhou na sua obra, que se tornou extensa demais, sendo na
verdade José Bento quem ele atingiu nela. Manifestou-se nela o desprezo que Belche
sentia por José Bento toda a sua vida.
Quando Josefina Viana voltou ao viveiro, Belchior desistiu do seu trabalho
na obra sebástica, porque ficou fascinado por ela. Abandonou então o seu livro,
porém, sempre pensou nele. Sob a influência de Josefina pensou em D. Sebastião
como uma mulher e quando Josefina partiu e morreu, D. Sbeastião passa para o
“Arcanjo do transitório”94
Depois da morte de Josefina, ele fugiu da casa das Teixeira, dedicou-se,
todavia, à escrita. Escreveu muitos livros que tinham sucesso. E depois da sua partida
é encontrado o seu caderno no seu quarto no viveiro.
7.2.3 José Bento e o pícaro
Das descrições do narrador podemos extrair a imagem de José Bento. Como
D. Sebastião, tinha gosto pelo desporto e pela caça e gostava de mandar. “Parecia
concentrado no tipo marcial, ligeiramente tenebroso...e o pudor das raparigas.”95
Depois da Segunda Guerra Mundial começa-se revelar as suas tendências: desejava a
volta para o reino ou a posição de ministro.
É a própria evolução de José Bento que Belche copiou na descrição de D.
Sebastião. José Bento também absolvou a carreira no exército e quando voltou da
Índia, ficou mudado – não suportava olhar para o espelho e quase perdeu o contato
com a realidade. Depois, durante a guerra colonial, foi para Angola. Depois da sua
volta ele estava irreconhecível, tanto no interior como de fora. Um estilhaço de mina
destruiu-lhe uma parte da face.
Depois, quando envelheceu, dizia que no país não havia homens e que com a
morte de Salazar morreu também Portugal. Como militar foi José Bento um
sebastianista puro. “Parecia pronto aceitar um compromisso desastroso que o
94 Idem, ibidem, p. 190.95 Idem, ibidem, p. 112.
56
libertasse ao mesmo tempo das suas frustrações.”96 É um traço muito similar que
compartilha com D. Sebastião.
José Bento, que também viveu no viveiro, começou a interessar-se por
Josefina e decidiu casar com ela. Fez isso para parar a sua decadência. O narrador diz,
que José Bento não era guerreiro nem homem com objetivos e o seu casamento com
Josefina devia finalizar a sua vida pícara.
“O mundo do pícaro, que começou com o século XVI, a par do
Renascimento, que tornou um homem candidato à desilusão, teria de
atingir a sua idade de ouro nos nossos dias.”97
Como se fosse necessário a conclusão do p rocesso pícaro que acontece nos
nossos dias e por isso se conserva um certo sebastianismo na mente das pessoas na
atualidade. Em relação ao pícaro fala o narrador sobre a morte do Desejado. Que esta
funcionou como um trauma porque o movimento pícaro não estava acabado.
7.2.4 Josefina Viana
Quando Josefina Viana apareceu pela primeira vez na casa Teixeira, era por
causa de uma aventura entre ela e o senhor da Costa. Veio lá para ficar “em prisão” e
fazer penitência. Ela não era um tipo de menina infeliz que gostasse de ser protegida.
Falava pouco e não participava nas relações da família. Ficou no viveiro por volta
dum ano e depois o abandonou. Durante a sua estádia, porém, Belche comparou-a
com D. Joana, mãe de D. Sebastião: “tinha olhos grandes, pretos, e um sinal na face
esquerda, como D. Joana, a mãe do Desejado.”98
Quando ela voltou ao viveiro, tinha quarenta anos. No início, Belche pensa
nela em relação com D. Joana, mas isso muda-se passo a passo. Como Belche estava
obsesso por ela, era natural que também o retrato de D. Sebastião na sua mente
ganhasse semelhantes feições:
96 Idem, ibidem, p. 144.97 Idem, ibidem, p. 183.98 Idem, ibidem, p.76.
57
“Josefina chegava ainda à realidade sebástica, o príncipe era, nem mais o
filho da mística real e engendrado no orgulho. Nem cristão nem guerreiro.
Não falava alto no coro e não profanava sepulturas?...E então Belche
chegou ao ponto culminante do seu livro: D. Sebastião era uma mulher.”99
Em seguida Belche desenvolve hipóteses que suportam esta ideia: a mãe
cheia de ignorância, os pajés que nem podiam ver os pés descalços do rei.
Depois da saída definitiva de Josefina da casa e depois da sua morte
misteriosa, Belchior transforma a imagem do Desejado para o Encoberto. Duma
mulher ele passa para “o Arcanjo do transitório.”100 Passa a ser algo mais fugaz e mais
abstrato.
7.2.5 D. Sebastião e o Medo
“Não é fácil dizer como as coisas se passaram. Quase tudo jaz debaixo do
peso do encoberto, na profundidade da História”101 Assim começa a biografia de D.
Sebastião que invade a narrativa principal, e de repente começa uma narrativa nova.
Uma pista que possibilita a compreensão de que se trate dum novo texto num texto já
existente, encontramo-la no fim do capítulo anterior, onde as sobrinhas de Belche
encontram o seu caderno, a sua história sebástica. Como o nome deste quninto
capítulo assinala (O Medo), esta história ocupa-se muito com medo. Diz sobre D.
Sebastião (e sobre José Bento) que o mais importante para ele não é o sucesso mas
sim ser amado e ultrapassar o medo. Porém Belche acaba por desistir de terminar o
seu livro. E conclui a sua obra com a seguinte afirmação: “Os Santos são os únicos
que, amando a essência, acham a verdade.”102
Como já foi dito mais em cima, o último capítulo do livro representa a obra
de Belchior. Descreve D. Sebastião como um príncipe que só quer impressionar os
outros.
99 Idem, ibidem, p. 168.100 Idem, ibidem, p. 190.101 Idem, ibidem. p. 215.102 Idem, ibidem, p. 289.
58
“Vive em defesa e não no risco, esse príncipe a quem a realidade de
exterior faz tremer; a quem o ofício de reinar desilude, a quem as
responsabilidades da vida adulta deixam ofendido.”103
Diz que o rei era caprichoso e mimado e quando não se fez tudo o que ele
queria, “lhe vêm desmaios, ânsias e dor de coração.” 104 Vemos que não é um homem
que possa liderar as tropas. Apesar de se preparar para vencer os mouros, não era um
líder, porque ser líder exige estratégia que lhe era desconhecida.
O retrato de D. Sebastião corresponde aos defeitos do seu primo, no livro há
então um certo “redobro das características físicas e psicológicas (desenvoltura física,
gosto pela caça e pela guerra, o pudor diante das raparigas).”105
Toda a vida de D. Sebastião é um teatro. Ele imita um herói. Faz tudo só
para fazer uma imagem heróica de si. Mas como Belche gostava de pensar na
psíquica das pessoas, faz a conclusão que D. Sebastião tinha medo. Pensa que o medo
era o maior motivo do seu comportamento. Por isso o seu estudo sobre D. Sebastião
parece ser ao mesmo tempo um estudo sobre o medo, “em que a História funciona
como um refúgio de presente individual.”106
Vimo que esta obra de Agustina Bessa-Luís ocupa-se intensamente com o
mito sebastianista e com as suas consequências. “A narrativa realiza uma verdadeira
dissecação do inconsciente coletivo português...O Mosteiro analisa todo o jogo
ilusório que cerca a imagem do Rei Desejado.”107 Eduardo Lourenço, no seu texto
intitulado Labirinto da saudade diz que o sebastianismo atribui aos traumas presentes
do país a atitude nostálgica, tão característica para os portugueses; o trauma é causado
pelo contraste entre o passado glorioso e o presente decadente. A crença no
sebastianismo resgata, de certa forma, a glória perdida no passado e a crença na
sobrevivência do Desejado tem a ver com a “incapacidade do povo português para
103 Idem, ibidem, p. 224.104 Idem, ibidem, p. 225.105 Cristina Vieira, “Construções singulares em torno do mito sebástico” in Literatura e História –
Actas do Colóquio Internacional (Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004), p.309.
106 Lima, op. cit., p. 259.107 Caldas, op.cit.
59
lidar com as frustrações.”108
Acreditamos que esta peça descreve na verdade a situação de Portugal – o
mosteiro e a casa de doidos deve, no nosso ver, representar o próprio Portugal. Quer
dizer, os portugueses comportam-se como os hóspedes da casa de loucos quando se
dirigem com as suas esperanças ao passado.
108 Cristina Vieira, op. cit., p. 313.
60
8 Almeida Faria e O Conquistador
Neste ponto passamos para a última obra que pretendemos analisar no nosso
trabalho. É o romance O Conquistador de Almeida Faria.
José de Almeida Faria nasceu em 1943 no Conselho de Montemor-o-Novo.
È licenciado em História e Filosofia e como escritor estreou-se em 1962, com apenas
dezanove anos, com a sua obra Rumor Branco. Mais conhecido é talvez pela sua
Tetralogia Lusitana composta pelos seguintes livros: A Paixão, Cortes, Lusitânia e
Cavaleiro Andante. Nela Faria reflecte a situação do homem português face ao seu
contexto social.
Em 1990 surge o seu livro chamado O Conquistador. Como diz Alzira Pires,
utiliza o mito português „para demonstrar como o povo português viveu estagnado e
vazio de objetivos durante centenas de anos, por fechar-se em um passado que se
pulverizou no tempo e no espaço.“109
Almeida Faria diz sobre o mito:
“O mito sebastiânico está tão presente no nosso imaginário popular e
literário, que frequentemente volta à tona sob novos nomes e
metamorfoses. Mito e literatura sempre foram, aliás, inseparáveis
aliados.”110
Ele cria por meio da paródia a personagem de Sebastião, um menino que
procura a identidade no mundo real e põe-a em contraste com a personagem histórica
de Dom Sebastião. Assim, através do menino Sebastião vemos a característica do
homem portuguès, na procura da identidade e da origem .
109 Alzira Pires, Do bico de pena à tinta da escrita: O conquistador, de Almeida Faria , disponível emhttp://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8150/tde-24092009-114549/pt-br.php (acessado em 29/4/2015), p. 33.
110 Entrevista a Almeida Faria, disponível em http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2012/11/14/escritor-almeida-faria-fala-sobre-o-sebastianismo-63545.php. (acessado em 22/3/2015).
61
8.1 A ação do livro
A peça começa com a descrição do nascimento miraculoso de Sebastião. Ele
nasce no dia 20 de Janeiro, que é o dia de Santo Sebastião, por isso é chamado
segundo ele. E como vamos ver mais adiante, muita gente espera dele várias façanhas
grandes. Porém, ele tem desde pequeno outras façanhas a realizar – seduzir mulheres.
Ao contrário de Dom Sebastião, que tinha uma educação ascética e nunca tinha tido
uma relação amorosa, o nosso protagonista lembra-se das suas histórias amorosas que
começaram já por volta do seu segundo aniversário, quando se excitou, ao ser brunido
por Dora Bela. Ao frequentar escola, seduziu até a mestre da classe, D. Justina. Mas
depois conheceu uma menina da América que esteve de férias em Portugal. Chamou-
se Clara. E era o seu primeiro amor verdadeiro. Apesar dos obstáculos linguísticos,
depois de aprender inglês, Sebastião pôde falar com ela sobre tudo – sobre os seus
pensamentos e sobre os sentimentos. Porém, Clara foi lá de férias e as férias têm de
acabar um dia. Depois da sua partida, Sebastião sentia-se muito perdido sem ela.
Mas a vida continua, Sebastião estuda em Sintra e chegam outras namoradas.
Mas estas namoradas eram todas inferiores à Clara, sendo só meninas simples. Um
dia, todavia, ele conhece uma brasileira, Helena, com a qual ele foge a Paris, porque
quer escapar ao serviço militar. Em Paris trabalha num instituto fazendo companhia
das damas. Ao mesmo tempo estuda e pensa em Clara. Depois da conclusão dos
estudos, sente-se muito cansado e quer voltar para Portugal.
Depois da sua volta, ele pensa na sua vida, avalia-a e contempla.
8.2 Análise da obra O Conquistador
8.2.1 A chegada do Desejado?
A avó de Sebastião, para „falsificar“ a sua origem incerta, contava-lhe uma
história de como ele nasceu:
„Num dia inverno, de manhã cedo, apesar do nevoeiro, o faroleiro João de
62
Castro tinha ido à praia da Adraga apanhar polvos, quando deu comigo,
metido num ovo enorme, com cabeça, as pernas e os braços de fora“111
A cena seguinte coincide com a de Fernando Pessoa, na sua Mensagem. No
dia 20 de Janeiro, „vindas do mar, lufadas de névoa avançavam em direcção a
Serra.“112 Tudo isso nos evoca a chegada do Rei Encoberto que chegará num dia de
nevoeiro. Como se este menino fosse aquele Encoberto desejado que salvará
Portugal.
Apesar de Sebastião gostar das histórias contadas pela avó sobre as suas
semelhanças com o Rei, ele próprio não aceita qualquer responsabilidade, pelo
contrário, rejeita-a: „Quando cresci e percebi que algo se esperava de mim, preferi,
por instinto, fingir que não era nada comigo.“113 Todas as conquistas, que ele quer
fazer, são as amorosas.
O menino tinha pesadelos, muitas vezes acordava a berrar, os pais achavam
que sonhava com diabos, mas a verdade era que eram homens que o assustavam:
„…as lutas entre os dois gangs rivais que mutuamente tentam liquidar-se.
Num dos bandos abunda gente de turbane, que pelos vistos me considera
seu inimigo, não sei porque, nem conheço os meus inesperados aliados.
Por palpites distingo quem é quem, sob o sol e a poeirada que não me
deixam ver nada e me fazem vacilar de tonturas e vómitos.“ 114
Como se o apavorassem as espectativas dos outros. Este excerto é uma
paralela clara com a batalha de Alcácer Quibir e exprime o seu pavor.
„o rei meu homónimo se sentiu provavelmente obrigado a lancar-se ma
absurda batalha contra os árabes, em pleno deserto, no mes de agosto, sob
um sol de quarenta graus…a avó dava-me alento dizendo que num dia o
Rei voltaria, numa certa madrugada, no meio da neblina“115
111 Almeida Faria, O Conquistador (Rio de Janeiro: Rocco Editora, 1993), p. 15.112 Idem, ibidem, p. 15. 113 Idem, ibidem, p. 19.114 Idem, ibidem, p. 18.115 Idem, ibidem, p. 20.
63
Também ele contempla sobre a sua origem, sobre as semelhanças entre ele e
os seus pais ou a sua avó, querendo convencer-se de não ser órfão:
„Que te importam as diferencas físicas, por vária gente notadas, em
relação aos pais que te geraram ou que só te adoptaram? Que interessam
parenças dessas?.....Com tua avó és vagamente parecido, no feitio
complicado, na imaginação que perde a pé à realidade.“
Pode ser outra alusão à origem de D. Sebastião que se sentiu como órfão
completo. Órfão do lado do pai e abandonado pela mãe. Mas o menino passava tempo
só com a sua avó, que lhe era cara, ao contrário de D. Sebastião.
8.2.2 As conquistas amorosas
A sua vida amorosa começou já com três anos, como se precisasse conseguir
o mais possível. Porém, um dia entra na sua vida uma mulher que muda tudo.
8.2.2.1 Clara
Assim ele encontrou a sua quarta namorada, ou seja o seu primeiro grande
amor. Clara, americana que vem a Portugal para passar lá férias. Sebastião sentiu
necessidade de a seduzir, mas Clara não se deixou seduzir facilmente. Primeiro,
Sebastião teve que superar alguns obstáculos para poder conquistar o coração da
Clara. Para ela, muito importante foi a comunicação, mas para ele era difícil falar
inglês. Por isso comunicaram no início por meio de gestos. E depois Sebastião
decidiu aprender falar inglês.
O facto de ele poder comunicar com ela causou que Clara ficasse superior à
todas as mulheres que chegaram depois. Com Clara ele compartilhou sentimentos,
lembranças e pavores. Para Sebastião foi uma nova situação: até agora foi o caçador e
o conquistador, mas agora foi ele quem foi conquistado. Comportou-se delicadamente
e carinhnosamente, o que ajudou a Clara a abrir o seu coração com ele. Quiseram
passar todo o tempo juntos. Mas não foi para sempre, já que Clara teve que voltar
para Nova York.
64
É interressante a pesquisa que Clara faz em Portugal que é na verdade a
razão pela qual ela viajaou para Portugal – fazer uma árvore genealógica e explorar a
sua origem judaica. Quanto à sua atitude perante a história, é muito científica e
crítica. Assim, para ela, o mito do sebastianismo foi apenas uma brincadeira. Logo,
Sebastião sente vergonha de contar a história do seu nescimento e da sua parecença
com o Rei Sebastião.
A personagem da Clara é muito importante no livro, porque ela conseguiu
mudar não apenas a relação do protagonista às mulheres, fazendo-o descobrir que não
eram iguais uma a outra, como também mudar a sua relação a si próprio – ele
apercebeu-se que é capaz de amar.
8.2.3 A avó Catarina
Outra personagem que devemos mencionar é a avó Catarina e a sua relação
com o protagonista. É interessante a observação de Sebastião sobre a avó, que é
comparável com a famosa frieza da avó do Rei Sebastião: “O desdém que mostrava
pela gente metia-me tal respeito que, na infância, não conseguia olhá-la de frente.“116
Porém com esta paralela, a semelhança entre as duas Catarinas termina. Foi a avó
quem lhe aconselhou a não se casar, ao que Sebastião respondeu que não queria
dedicar-se a uma mulher só. Talvez só à Catarina, porque ela era a única mulher com
a qual era capaz de passar na verdade toda a vida (ao contrário da sua mãe, que não
influenciou a vida do filho). “Esta avó Catarina viria a ser decisiva na minha vida“,117
diz o protagonista. Com quinze anos ele foi viver com ela na sua casa descrevendo
como „uma deusa tutelar, controladora dos meus prematuros namoros.“118
Catarina não gostava dos seus romances, sobretudo porque achava que as
mulheres só queriam atingir casamento com o seu neto. No dia do septuagésimo
aniversário da Catarina, Sebastião convidou-a a um restaurante bonito. Tudo correu
bem, até que Sebastião reparou numa mulher brasileira sentada com o seu marido
116 Idem, ibidem, p. 16.117 Idem, ibidem.118 Idem, ibidem, p. 23.
65
numa das mesas. Sebastião flertou com ela, o que completamente enraiveceu a
Catarina.
“Só ao chegarmos a casa, é que a avó desatou aos gritos como nunca até
então eu a ouvira, insultando-me com a fúria de Justina ao apanhar-me em
flagrante delito. Sufocada de raiva, acusava-me de ter dado cabo do seu
aniversãrio, de não ter vergonha na cara, de andar a meter-me com
mulheres casadas estando o mundo abarrotado de meninas idiotas,
capazes de todos os disparates para caçarem um homem. Procurei acalmá-
la, garantir-lhe que enganava, propor-lhe que bebêssemos um
Cointreau ... e acabamos em tréguas provisórias com um beijo de
compromisso.”119
È muito estranha a reação da avó, porque reage como uma amante traída. Já
sabemos que a relação entre eles é muito íntima, mas o próprio Sebastião não percebe
isso. Fica em desacordo esta descrição da avó no livro com o que sabemos da avó do
Rei Sebastião.
8.2.4 Sebastião e Sebastião
Neste subcapítulo ocupar-nos-emos com as alusões ao D. Sebastião na obra,
comparando-o com o protagonista do livro. Há muitas semelhanças entre eles, tal
como a mesma data do nascimento, os nomes dos pais e não podemos esquecer-nos
da semelhança física entre os dois Sebastiões.120 Porém, por outro lado, há também
muitas diferenças, por exemplo o pacifismo do protagonista ou o desejo de efetuar
conquistas amorosas para fazer aquilo, que o “outro” Sebastião não fez.121
O menino Sebastião quer afastar-se das ideias de ele ter alguma coisa a ver
com aquele Encoberto. Porém é interessante que quando ele era pequeno, nos tempos
livres ele imaginava a Corte. Imaginava gente das longínquas terras, que falavam
línguas exóticas e às vezes aconteceu que gritava no meio da sua imaginação. Isso,
119 Idem, ibidem, p. 101.120 Cf. Lima, op. cit., p. 261.121 Cf. Faria, op. cit., p. 74.
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todavia, não significava que o menino quisesse estar na pele de D. Sebastião, era só
uma brincadeira de criança.
Uma outra situação, na qual nos surge a comparação com D. Sebastião, é no
museu, quando Sebastião quer mostrar a uma das suas amanteas o quadro de D.
Sebastião e assim apontar para a semelhança entre eles. Vejamos como ele descreve
o Rei neste momento:
“Quase me era antipática a pose majestática, o frio olhar arrogante e
crispado de quem sempre representando se apresenta.... tudo no quadro
está pensado para investir de sinais de poder o adolescente pouco seguro
de si, órfão de pai antes de ter nascido, abandonado pela mãe,
obviamente mal-amado, desejoso de provar o seu valor e de se vingar do
mundo a todo o custo. .. tanta fragilidade não se disfarça sob o olhar duro,
de quem cedo foi ferido e à força quis ser adulto.”122
Agora parece-lhe antipático olhar para a pintura do monarca arrogante e frio.
Ao mesmo tempo vemos na frase “sempre apresentando se apresenta” um paralelo de
D. Sebastião com a de Belchior, personagem principal da obra O Mosteiro de
Agustina Bessa-Luís. Mas até mais interessante para nós é o seguinte:
“Por ironia da história, o Rei Virgem passou a ser alvo dos fascínios
femininos e, após a sua morte numa derrota ominosa, muito boa gente
caíra num masoquismo colectivo que define bem o fraquinho deste país
por tudo que seja fracasso, amadorismo e misticismo de pacotilha.”123
Deste excerto é clara a posição do protagonista (e também da autora) ao
mito e às inclinações portuguesas para o messianismo. Ele despreza as pessoas que
acham o mito sebastianista ser o paradigma da identidade portuguesa. Neste sentido
temos que relembrar a personagem de Alcides de Carvalho, que espalhou a história
extraordinária do nascimento do protagonista e que o forçou para aceitar a sua
obrigação de ser uma reincarnação do Rei falecido. Alcides faz isso apesar de ele
122 Idem, ibidem, p. 107.123 Idem, ibidem, p. 108.
67
próprio ter só uma vaga ideia dobre o conteúdo dos feitos que ele quer que Sbeastião
faça. Foi também ele quem convenceu o menino para estudar no Liceu Central de
Pedro-Nunes porque o judeu Pedro Nunes fora um daqueles que teriam educado e
ensinado Dom Sebastião no século XVI. A descrição caricatural de Alcides de
Carvalho e do seu primo Gabriel Gago de Carvalho serve ao autor para pôr em dúvida
este “masoquismo colectivo” - a afeição dos portugueses pela derrota, da qual eles
parecem gostar.124
A seguir mostra-se a diferença entre o protagonista e o Rei na sua atitude
perante a guerra: apesar de ser persuadido para ir à guerra (e foi outra vez o Alcides
quem tentou persuadi-lo), para lutar contra os rebeldes e insurrectos das colónias
portuguesas na África, ele recusou. Não quis matar gente inocente que só queria ser
livre. Por isso caminhou até à França, onde se reencontrou com Helena, a sua amante
brasileira, e juntos viajaram para Paris.
8.2.5 Estadia em Paris e a mudança do protagonista
Aí tornou-se um membro da sociedade SUCH (Société pour lusage
Convenable des Hommes). No início, ele tinha achado que ia só acompanhar
mulheres solitárias, mas depois percebeu que o objetivo era “saciar a volúpia e
alimentar as veleidades da solidão feminina.”125
Ao mesmo tempo ele começou a frequentar cursos de História na Sorbonne,
não só porque quis descobrir o passado, mas também porque ao estudar história,
sentiu uma conexão com Clara. Todavia os estudos e o trabalho esgotaram-no até ao
ponto de ele ter que fugir. E como em Portugal ocorreu a Revolução dos Cravos, pôde
voltar lá, apesar de clandestinamente.
Neste ponto vê-se a sua transformação –não encontra mais prazer em estar
com mulheres e também reflete mais sobre a sua vida e a sua identidade. Depois da
sua volta sente-se muito cansado e quer fechar-se no seu interior. Não se sente triste
124 Cf. Tobias, op. cit., pp. 278-279.125 Alzira Pires, op. cit. p. 63.
68
nem deprimido, só quer dormir e afastar-se do esforço de existir. Em Portugal, na
Peninha, nos lugares da sua origem, ao contemplar as paisagens conhecidas, pensa em
Clara, na sua vida, em o que ele é, nas mulheres que encontrou na sua vida e nas
mulheres que seduziu.
8.3 A mensagem de O Conquistador
Apesar de tratar de temas muito sérios para a história e a cultura portuguesa,
O Conquistador de Almeida Faria é um livro divertido e irónico. Como observam
António José Saraiva e Óscar Lopes na sua História da Literatura Portuguesa, é uma
“parodística projeção de um domjoanesco presente sobre o sebastianismo nacional
inveterado.”126 Esta obra constrói, de forma leve, uma ligação entre o homem
moderno e entre o homemdo passado.
È antes de tudo uma reflexão sobre a identidade. O que podemos levar da
reflexão da personagem de Sebastião sobre a situação de Portugal? Será que nos
aconselha contemplar sobre o passado para finalmente ver o futuro? Como o passado
nos cansa e desapetece, aconselha-no afastar-se dele e agir diferentemente do que no
passado? “A sociabilidade comunitária permite o nascimento da tradição, em que o
coletivo e o individual se confundem, dando origem ao fundo anímico comum capaz
de ser transmissível às futuras gerações, enquanto as vivências apenas produziram um
homem sem história e, portanto, um homem sem memória. Um homem condedado a
errar como um autômato na história, sem passado e sem futuro.”127
126 A.J. Saraiva e Óscar Lopes, op. cit., p.1151.127 Lima, op. cit., p. 263.
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9 Conclusão
Como vimos neste trabalho, o tema do sebastianismo é atual até hoje em dia.
Aparece nas obras dos escritores portugueses atuais, apesar de os portugueses não se
ocupam em propósito com este mito, a inteligência sim. E os leitores suportam isso. A
escritora Luísa Costa Gomes fez uma alusão engraçada à situação que os portugueses
se ocupam só com a história.
“Leitor! Este livro não fala do 25 de Abril. Não se refere ao 11 de Março e
está-se nas tintas para o 25 de Novembro.128 Pior, não menciona em lugar
nenhum a guerra em África. Não reflecte sobre a nossa identidade cultural
como povo, o nosso futuo como nação, o nosso lugar na comunidade
europeia.
“Suportará o leitor um livro assim?
“Duvido. Foi à sombra do benefício dessa dúvida que o escrevi e agora o
dou a publicar.”129
Quando se pensa no futuro de Portugal e da sua posição na Europa, um mito
se sempre menciona- o sebastianismo. O sebastianismo é um “paradigma para a
leitura da história de Portugal, capaz de incorporar as mais profundas expectativas do
país e do povo em relação a si mesmos.”130 Sempre é ligado ao patriotismo e negação
do passado (rejeição da batalha de Alcácer Quibir). Quer dizer, o passado é
transformado na mente do povo e projetado para o futuro.
9.1 Resistência do mito e a consciência coletiva
Como é possível que o sebastianismo perdurou tanto tempo até hoje em dia?
Com certeza tem a ver com a consciência cultural e a identidade coletiva. Pela
128 25 de Abril de1974 – Revolução dos Cravos. Ao 11 de Março de 1975 chegou à tentativa do golpe do estado (António de Spínola), ao 25 de Novembro de 1975 dou-se golpe militar que dou cabo de influência de esquerda radical que era iniciada pela Revolução dos Cravos.
129 Luísa Costa Gomes, O pequeno Mundo (Lisboa, Quetzal Editores, 1988), p.7. 130 Lima, op. cit., p. 254.
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memória coletiva é evocada uma imagem de si próprio, essa é estabilizada e
transmitida para as gerações seguintes. Estas criam a sua identidade segundo esta
imagem, para delimitar-se contra as outras sociedades. A identidade do povo, da
sociedade, é dada pela transmissão cultural. Assim podemos falar duma identidade
coletiva que é exprimida na transmissão coletiva dos elementos pela memória cultural
e da imagem dela construída.131 Isso é o caso do mito messiânico. Assim se
transmitiram as ideias e esperanças “coletivas”. O mito sebastianista faz parte da
identidade portuguesa, mesmo como o saudosismo (que é outro fenômeno muito
interessante, ligado aos portugueses). O sebastianismo pertence aos sistemas de
símbolos duma sociedade, aos sistemas de valores, nos quais se reflete a vista do
mundo atual, depositada na consciência coletiva.
9.1.1 Auge do messianismo
A resposta à pergunta porque prosperava tanto o messianismo em Portugal
não pode ser bem definida. Pode ser por causa de Portugal ser uma sociedade
altamente religiosa que viva numa região isolada, aonde as ideias do progresso e do
racionalismo não chegaram facilmente.
Outra razão pode ser o substrato celta que é caracterizado pelo amor por
longíquos e fantasias (esta ideia formulou Oliveira Martins, que relacionou o rei
Arthur com o protótipo de D. Sebastião). Como escreve Besselaar: “A índole
sonhadora e fantasista do substrato celta tenha criado, entre os Portugueses, uma certa
predisposição para embeber-se nas esperanças messiânicas.”132
À prosperidade do messianismo em Portugal podia contribuir a história de
Portugal. Apesar de ser um país pequeno, a “pequena casa lusitana” conseguiu resistir
à Castela, defender a sua independência, e descobrir países desconhecidos e distantes.
Como Portugal era uma vez país colonizador, rico e expansivo, a frustração da perda
de tudo isso podia causar a “conversão” ao mundo espiritual, ao messianismo.
131 Cf. Tobias, op. cit., p. 23.132 Basselaar, Sebastianismo: História Summária, p. 23.
71
Como Portugal uma vez já foi uma potência marítima (ao contrátio à sua
extenção) e teve tantas ambições, naõ se quis contentar com a posição dum vassalo da
Castela. Podemos comparar o povo português ao povo judaico – também se sentiu ser
um povo eleito por Deus. Trata-se dum mecanismo natural – buscar, encontrar razões
para esperar e motivação. E com a anexão e a perda da independência concentraram-
se todas as esperanças numa pessoa. Fatores psicológicos e sociopolíticos que
definem esta reação a uma situação política são esperança em melhoria das próprias
condições da vida. O sebastianismo é um termo superior aos vários aparecimentos do
mito messiânico – espera dum redentor.
9.2 Os escritores e o sebastianismo
Para concluir este trabalho, queriamos resumir a posição dos escritores
portugueses atuais perante o mito sebastianista. A sua atitude é quase em exclusivo
negativa e crítica ou ridicularizante. Além de Fernando Pessoa, que é o primeiro autor
com que se ocupa o nosso trabalho, e que quis contribuir para a reanimação da alma
portuguesa através da esperança. Porém, outros autores e obras escolhidas
apresentam-nos exclusivamente ou a crítica ou o desprezo.
José Régio mostrou na sua obra de maneira clara a sua opinião ao rei
Desejado. Ele focalizou-se no contemporâneo de D. Sebastião e descreveu a situação
antes da batalha de Alcácer Quibir. O comportamento de D. Sebastião no seu livro era
repulsivo e indigno. Natália Correia na sua obra já passa para uma avaliação do mito
do sebastianismo, o que vê como uma maluquice e um fanatismo do ponto de vista
de D. João de Castro. Para o trabalho escolhimos duas obras de teatro cuja ação se
desenrola na época dos acontecimentos (ou antes ou depois da batalha) e duas
romances que tratam do tema a distância e do modo que aparentamente não se
relaciona com o século XVI. No Mosteiro de Agustina Bessa-Luís é representada a
posição mais científica, porque D. Sebastião é tratado de ponto de vista da
psicanálise, porém, sempre assim prevalece a descrição crítica. Almeida Faria, por
fim, ridiculariza completamente o assunto na sua obra O Conquistador. Segundo ele,
72
chega um D. Sebastião, conquistador dos corações femininas. Assim, como se
quisesse atingir aquilo que não conseguiu na sua vida.
É importante distinguir também as obras que tratam do mito sebastianista e
as que descrevem D. Sebastião próprio e os seus feitos. Com o mito sebastianista e
com a crença nele ocupa se Fernando Pessoa na primeira metade do século XX e
depois Natália Correia, quando na sua obra descreve os inícios da crença na chegada
dum Encoberto. Aborda-o também parcialmente Almeida Faria quando fala dos
medos do menino Sebastião da crença posta nele. Porém, na sua obra também diz
claramente que no sebastianismo crêm só pessoas simples e brutas.
È claro que o sebastianismo é sempre até hoje em dia um tema atual em
Portugal, porém, não se trata da crença própria e exaltação do povo, como vimos na
Mensagem de Fernando Pessoa. É mais uma atitude avaliador. Os portugueses hoje
em dia não crêm na verdade num redentor que chega e salva-os. Faz, todavia, parte da
história e da literatura portuguesa e como tal faz parte também do repertório literal
português.
73
10 Shrnutí
Tato diplomová práce se zabývá projevy Šebestiánského mýtu v portugalské
literatuře 20. století a za tímto účelem rozebírá pět děl z tohoto období. Navazuje také
na bakalářskou práci z roku 2012 s názvem Origem e evolução do mito sebastianista
(Vznik a vývoj šebestiánského mýtu) a rozšiřuje ji.
V první části je stručně shrnut vývoj šebestianismu do 20. století a v druhé
části je přistoupeno k analýze následujících děl, která jsou uspořádána chronologicky.
Začátek 20. století reprezentuje Mensagem (Poselství) od Fernanda Pessoy, po které
následuje divadelní dílo El-Rei Sebatião (Král Šebestián) od José Régia. Jako další
divadelní hra byla vybrána hra O Encoberto (Skrytý) od Natálie Correi a dále romány
O Mosteiro (Klášter) od Agustiny Bessy-Luís a O Conquistador (Podmanitel) od
Almeidy Farii.
Šebestianismus se v portugalské literatuře objevuje již od 16. století a je její
neodlučitelnou součástí. V průběhu století se měnil postoj spisovatelů k tomuto mýtu,
který se ve 20. století, jak ukazuje tato práce, ustálil na v zásadě negativním či
zesměšňujícím postoji k němu. Nicméně se stále ukazuje jako jedna z největších
literárních inspirací.
74
11 Summary
This master thesis deals with the menifestations of the sebastian myth in
portuguese literature of 20th. century and for taht purpose analyses five works of this
period. It also continues the bachelor thesis from the year 2012 with the title Origem
e evolução do mito sebastianista (Origin and evolution of the sebastian myth) and
extends it.
In the first part, the evolution of the sebastianism untill the 20th. century is
briefly ressumed and the second part deals with the analysis of the five following
works, that are organized in chronological order. The beginning of the 20th. century
represents Mensagem (The Message) by Fernando Pessoa, after which follows the
drama El-Rei Sebatião (The King D. Sebastian) by José Régio. As following play was
chosen the play O Encoberto (The Hidden One) by Natália Correia and further
romances O Mosteiro (The Monastery) by Agustina Bessa-Luís and O Conquistador
(The Conqueror) by Almeida Faria.
The sebastianism appears in the portuguese literature since the 16th. century
and is its inseparable component. During the centuries, the attitude towards this myth
was changing and in the 20th. Century, as this thesis desplays, crystallized in
essentially negative or lampooning attitude towards it. Yet it still represent one of the
biggest literaly inspirations.
75
12 Anotace
Jméno a příjmení autora: Bc. Barbora Trčková
Název fakulty a katedry: Filozofická fakulta, Katedra romanistiky
Název diplomové práce: As Manifestações do sebastianismo no século XX. Na literatura portuguesa
Vedoucí diplomové práce: PhDr. Zuzana Burianová, Ph.D.
Počet znaků: 130160
Počet příloh: 0
Počet titulů literatury a internetových zdrojů: 32
Klíčová slova: Šebestianismus, Don Šebestián, Šebestiánský mýtus, 20.století, Fernando Pessoa, José Régio, Natália Correia, Agustina Bessa-Luís, Almeida Faria,
Abstrakt: Diplomová práce se zabývá projevy šebestiánského mýtu v portugalské literatuře 20. století a zkoumá je na základě vybraných literárních děl. V první části práce je stručně shrnut vývoj šebestiánského mýtu od jeho vzniku do konce 19. století a v druhé části je přistoupeno k rozboru portugalský literárních děl, která jsou řazena chronologicky.
76
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