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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE – MAPPS
LUANDA ARARIPE LUSTOSA DA COSTA
As tecnologias digitais em práticas de ensino e de aprendizagem – cultivando
nativos digitais na escola pública do século XXI
Fortaleza-Ceará
2016
LUANDA ARARIPE LUSTOSA DA COSTA
As tecnologias digitais em práticas de ensino e de aprendizagem – cultivando
nativos digitais na escola pública do século XXI
Dissertação submetida ao Curso de Mestrado Acadêmico em
Políticas Públicas e Sociedade do Centro de Estudos Sociais
Aplicados da Universidade Estadual do Ceará, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Políticas Públicas e
Sociedade.
Área de Concentração: Políticas Públicas e Sociedade.
Orientadora: Prof.ª. Drª Kadma Marques
Fortaleza-Ceará
2016
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª. Drª. Kadma Marques Rodrigues
(Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
_______________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Sobreira de Araújo
Universidade Federal da Bahia – UFBA
_______________________________________________
Prof. Dr. Silas José de Paula
Universidade Federal do Ceará – UFC
________________________________________________
Agradecimentos
Chegar a este momento, depois de todas as angústias e alegrias do percurso, me traz uma
certeza, sozinha eu não estaria aqui. Ser grato é sinal de boa educação, é preciso reconhecer o que
os outros fazem por nós. É com o coração cheio de gratidão que agradeço:
A Deus, que faz o impossível tornar-se possível e que me socorre todas as vezes cheio de
amor, mesmo sabendo que sou filha ingrata.
A UECE, essa instituição que me acompanha desde a graduação e que muito me orgulha.
A FUNCAP, que financiou essa travessia através da bolsa FIT (Fundo de Inovação
Tecnológica), sendo bem mais fácil superar as dificuldades com essa ajuda de custo.
A minha orientadora querida, professora Kadma, que com seu jeito manso e gentil, me
tranquiliza e faz tudo dá certo. Obrigada pela atenção, pelos aprendizados, pela conversa boa e
por essa convivência sadia.
Aos membros da banca, Professor Silas de Paula e Professor Sérgio Sobreira de Araújo
que disponibilizaram tempo e atenção, colocando-se dispostos a participar deste momento. Além
da professora Rosemary, que não pôde participar da defesa, mas que muito contribuiu no
momento da qualificação.
A professora Germana Aline Rocha Matias, professora da disciplina TIC em uma das
escolas pesquisadas, que demonstrou interesse e satisfação em participar deste momento.
A Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls, em nome do Professor Wilson,
que se dispôs a colaborar com este trabalho e onde encontrei as portas sempre abertas.
A Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra, em nome do diretor Otacílio, me
permitindo trabalhar com calma e me deixando passar tardes e tardes sem se incomodar com a
minha presença.
A Cristina, secretária do mestrado, sempre gentil e disposta a ajudar.
Aos professores do MAPPS, pelo crescimento que me proporcionaram nas disciplinas e
pela convivência feliz.
Ao meu pai querido, que me “tange” nos caminhos acadêmicos, meu maior crítico e
incentivador. Mal finda uma etapa e ele já estar por me cobrar à próxima. A pergunta da vez é a
mesma pergunta da minha orientadora: e o doutorado?
A minha mãe, a quem tudo devo, por me inspirar com sua tranquilidade, otimismo e
alegria de viver.
Ao meu companheiro de todas as horas, com quem divido alegrias, tristezas, o pão e os
dias.
Ao meu filho amado.
A minha amiga Geórgia, meu anjo da guarda na terra.
As minhas irmãs, Lílian e Taline e ao meu irmão, Maurício.
Muitíssimo obrigada!
RESUMO
Com a chegada dos adventos tecnológicos, o professor, antes único detentor da informação,
assume um diferente papel na relação educacional ao se deparar com um novo tipo de aluno, que
chega à escola trazendo consigo a imagem de um mundo que ultrapassa os limites do núcleo
familiar, do professor e da própria escola: são os chamados nativos digitais. Partindo da realidade
escolar do Século XXI, o presente trabalho tem como objetivo analisar o impacto das TIC nas
práticas pedagógicas deste ambiente educacional através dos seus diferentes papéis: como
motivadoras na aprendizagem em geral, como facilitadoras na aquisição de novos conhecimentos
e competências dos alunos, ou ainda, como uma influência positiva no relacionamento entre
aluno e professor. Transformar informação em conhecimento requer que os sujeitos da relação
ensino-aprendizagem falem a mesma linguagem, neste caso, a linguagem das TIC. Este estudo,
muitas reflexões foram feitas, e procurou-se compreender a maneira como os professores estão
lidando com as mudanças advindas da presença dos recursos tecnológicos na escola, a partir do
seu fazer e pensar pedagógicos, assim como, da sua aproximação com o grupo, analisando as
formas e condições concretas e efetivas do trabalho educativo nas escolas públicas estaduais de
Ensino Médio do Estado do Ceará.
Palavras chaves: nativos digitais, Tecnologias da Comunicação e Informação, escolas
públicas.
ABSTRACT
With the technological advents, the teacher, before only information’s holder, takes on a different
role in the educational process, when faced with a new type of students who comes to school
carrying with them the image of a world that goes beyond the boundaries of the core family the
teacher and the school: they are called digital natives. Starting from the school reality of the
twenty-first century, this study aims to analyze the impact of the Information and Communication
Technology in teaching practices of this educational environment through their different roles: as
motivating learning in general and facilitate the acquisition of new knowledge and skills of
students, or, as a positive influence on the relationship between student and teacher.
Transforming information into knowledge requires that the subjects of the teaching-learning
speak the same language, in our case, the language of Information and Communication
Technology. In this study, some reflections were made, and we tried to understand how teachers
are coping with the changes arising from the presence of technological resources in the school,
from its doing and thinking teaching, as well as its approach to the group, analyzing the forms
and concrete and effective conditions of educational work in the public schools of the Ensino
Médio do Estado do Ceará.
Key words: digital natives, Information and Communication Technology, public schools.
“A alegria não chega apenas no encontro do
achado, mas faz parte do processo da busca. E
ensinar e aprender não pode dar-se fora da
procura, fora da boniteza e da alegria”.
(Paulo Freire)
SUMÁRIO
Introdução.....................................................................................................................................01
1. A escola na era do byte.............................................................................................................13
1.1 Modernidade e (Pós) Modernidade..........................................................................................13
1.2 A transformação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).................................16
1.3 O computador e a internet........................................................................................................22
2. Políticas Públicas de fomento às tecnologias digitais na escola............................................28
2.1 O uso das TIC na educação – o papel da UNESCO.................................................................28
2.2 Políticas Públicas para promover o uso das TIC na educação..................................................29
2.3 Programa Brasileiro de Inclusão Digital..................................................................................34
2.4 Programa Um Computador por Aluno (PROUCA).................................................................36
2.5 O PROUCA no Estado do Ceará..............................................................................................38
2.6 Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo).......................................................39
2.7 Programa Computador Portátil para Professores......................................................................42
2.8 Programa Banda Larga nas Escolas..........................................................................................44
2.9 Programa Banda Larga nas Escolas do Ceará..........................................................................44
3.Um percurso em campo............................................................................................................46
3.1A pesquisa qualitativa................................................................................................................46
3.2 Inserção no campo – a escolha das escolas..............................................................................49
3.3 Notas da primeira visita à Escola César Calls..........................................................................53
3.4Notas da primeira visita à Escola Adauto Bezerra....................................................................56
3.5A etnografia visual do professor dos nativos digitais................................................................60
3.6 A inserção da disciplina TIC na estrutura curricular................................................................70
3.7 Entrevistando o professor que não usa as TIC em sala de aula................................................74
Considerações finais.....................................................................................................................79
Referências Bibliográficas
LISTA DE SIGLAS
AMI Alfabetização Midiática e Informacional
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Social
CENPRA Centro de Pesquisa Renato Archer
CERTI Centros de Referência em Tecnologia
CETIC Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação
CGI Comitê Gestor de Internet
CIED Centro de Informática e Educação
CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação
CREDE Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação
ENEM Exame Nacional de Ensino Médio
FACTI Fundação de Apoio à Capacitação em Tecnologia da Informação
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
LEI Laboratórios Escolares de Informática
LSI Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológicos
MEC Ministério da Educação
NTE Núcleos de Tecnologia Educacional
PCA Professores Coordenadores de Área
ProInfo Programa Nacional de Tecnologia Educacional
Prouni Programa Universidade para Todos
PROUCA Programa Um Computador por Aluno
SEDUC Secretaria de Estado de Educação
SEED Secretaria de Educação à Distância
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SIMEC Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle
SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará
TIC Tecnologias da Informação e Comunicação
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
UNDIME União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1: Recursos e ferramentas informatizadas disponíveis na escola
Tabela 2: Titulação dos professores do Ensino Médio
Gráfico 1: Aplicativos e Programas utilizados pelo professor em sala de aula
Gráfico 2: Recursos utilizados em sala de aula pelos professores
Gráfico 3: Usuários de internet no ambiente escolar
Gráfico 4: Aplicativos e programas utilizados pelos professores fora do ambiente escolar
INTRODUÇÃO
O mundo contemporâneo, marcado pelos efeitos da “virada tecnológica”, vive sob o signo
de mudanças aceleradas e descontínuas que encurtam distâncias e temporalidades. Segundo
Santos (1986) tais processos espaços temporais caracterizam o ritmo de vida na chamada aldeia
global. A este contexto, Jair Ferreira dos Santos (1968:8), designa como pós-modernidade,
caracterizando-o como um conjunto de
Mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950. Nasce com a
arquitetura e a computação nos anos 50, toma corpo com a arte pop nos anos 60. Cresce ao entrar na
filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no
cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o
cotidiano desde alimentos processados até microcomputadores) sem que ninguém saiba se é
decadência ou renascimento cultural. (SANTOS, 1968)
Assim, em um mundo globalizado, as tecnologias aliadas ao marketing têm estimulado o
consumo em massa. Nesse contexto, a força de trabalho mobiliza-se em busca do lazer e do
prazer em “ter”, em consumir. Se por um lado, os dispositivos eletrônicos permitem o acesso às
grandes bibliotecas, a grupos de estudos, a cursos online, fazendo com que as informações sejam
“compartilhadas”, por outro, tais informações somente são consumidas e descartadas instantânea
e simultaneamente, à custa de uma invasão e sobrecarga sem precedentes do campo existencial
dos sujeitos.
Os dispositivos eletrônicos permitem o acesso às grandes bibliotecas, a grupos de estudos,
a cursos online, fazendo com que as informações sejam “compartilhadas”. Por outro lado, tais
informações somente são consumidas e descartadas instantânea e simultaneamente, à custa de
uma invasão sem precedentes do campo existencial dos sujeitos. A comunicação viabiliza
“presenças” mesmo a quilômetros de distância, por meio de equipamentos, como telefones
celulares, tabletes, notebooks, videoconferências, etc. Neste contexto, interatividade é o
neologismo usado para designar a relação homem-máquina, ou mais precisamente, um programa
que a máquina opera, possibilitando interação com o usuário. (Sodré, 2002).
Raphael Lucchesi, economista e diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI), costuma afirmar que “temos uma escola do século XIX, com professores do século XX
e alunos do século XXI”. Esta afirmação faz todo sentido no contexto desse trabalho. A escola do
século XIX se caracteriza como uma organização na qual o estudante ingressa e cumpre
gradativamente a estrutura curricular, seguindo a premissa que o conhecimento é finito e
determinado. Ao final do percurso escolar, a escola legitima socialmente o ex-discente como um
sujeito apto a ingressar no mercado de trabalho. Desse modo, o ensino é centrado no professor,
persistem cursos iguais para todos, com apresentação unilateral do conteúdo.
O professor do século XX é o que Marc Prensky chama de imigrante digital, em seu
artigo “Digital Natives, Digital Immigrants”, de 2001. Os imigrantes digitais, quando nasceram,
não foram socializados imediatamente com as novas tecnologias da informação e comunicação,
tendo que aprender a lidar com elas posteriormente. O autor estabelece um comparativo entre os
usuários das tecnologias e os falantes de uma língua e afirma que os imigrantes digitais possuem
um “sotaque”, que pode ser percebido, por exemplo, quando leem um manual para baixar um
programa em vez de assumir que o programa o ensinará como utilizá-lo. Este sotaque é explicado
pelo autor como um vínculo com o passado durante o processo de adaptação e aprendizado das
novas tecnologias, pois uma língua aprendida mais tarde, segundo os cientistas, aloja-se em uma
área diferente do cérebro. (Prensky, 2001)
Os professores, imigrantes digitais, não acreditam que seus alunos possam aprender
ouvindo música, assistindo ao YouTube ou à televisão ou ainda jogando videogame, porque não
foi assim com eles, pois a aprendizagem acha-se associada ao esforço, mais do que à diversão.
Prensky cita em seu artigo a reclamação de um estudante do ensino médio: “toda vez que vou à
escola, tenho que diminuir minha energia”; e outro do jardim da infância que disse na hora do
recreio: “www.hungry.com”, querendo demonstrar que sentia fome.
Os alunos do século XXI são aqueles que Marc Prensky chamou de nativos digitais. Eles,
falantes nativos da linguagem digital de computadores e internet, são acostumados a receber
informações rapidamente e costumam realizar múltiplas tarefas simultaneamente.
Os alunos de hoje – do maternal à faculdade – representam as primeiras gerações que cresceram
com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores,
videogames, tocadores de músicas digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros
brinquedos e ferramentas da era digital. Em média, um aluno graduado passou menos de 5000 horas
de sua vida lendo, mas acima de 10000 horas jogando videogames (sem contar as 20000 horas
assistindo à televisão). Os jogos de computadores, e-mail, a Internet, os telefones celulares e as
mensagens instantâneas são partes integrantes de suas vidas. (PRENSKY, 2001).
Muniz Sodré lembra que, “a internet é a espinha dorsal da vida contemporânea”. Quando
o foco é a aprendizagem escolar, verifica-se claramente uma assincronia entre o mundo
globalizado e a realidade das instituições de ensino.
No contexto atual, ensinar e aprender ganharam novas dimensões. Este par assumiu uma
dinâmica diversa, onde jamais alguém se torna completo, pleno de conhecimentos. Na atualidade,
a informação tornou-se rápida e efêmera que, tão logo é adquirida, tão logo é superada e
esquecida, sendo o sujeito aprendiz novamente desafiado a adquirir outros conhecimentos.
Este cenário apresenta pelo menos duas dimensões que merecem ser consideradas: os
educandos vivem a efervescência do mundo digital e todas as suas possibilidades (baixam
músicas da internet, participam de redes sociais, informam-se pelo Facebook, comunicam-se por
mensagens instantâneas, assistem mais ao YouTube do que à televisão e descobrem o endereço
dos colegas utilizando o Google Maps); os professores, na maioria das vezes, são pouco
preparados para utilizar as novas tecnologias como recursos em sala de aula. Esse hiato entre
educadores e educandos parece interferir no interesse destes pelas aulas que assumem ares de
cultura escolar “tradicional”, em face da experiência imersiva de acesso rápido a um mundo de
informações organizado na forma de “janelas” e “abas” que parecem nunca se esgotar.
A noção de escola como instituição onde o professor assume uma posição de autoridade
hierarquizada, verticalizada, impondo a seus estudantes o saber social herdado, configura um
modelo démodé. Acrescente-se a isso que, na perspectiva dos arautos da inovação tecnológica, o
professor não é mais o único e nem o principal representante do saber, pois professam a crença de
que somos todos “sujeitos do saber”.
Aquele modelo de aprendizagem poderia ser comparado ao das empresas pós-guerra
(gestão em níveis múltiplos e especializados, rígidas estruturas hierárquicas e escassez de
informações), mas os gestores percebem que, na configuração do mundo contemporâneo, aquele
“modus operandi” deve ser ultrapassado. A estratégia discursiva adotada passou então a ser
aquela da cooperação e da auto-organização, mediante o estabelecimento de relações
caracterizadas pela transparência e visibilidade. (Sodré, 2002).
Este cenário, marcado ainda pela ideologia neoliberal do empreendedorismo, o professor
ganha um novo status: mentor, facilitador, motivador. Esta nomenclatura e seus equivalentes não
deixam espaço para uma relação hierárquica e disciplinar. Embora haja uma tendência a imaginar
que o professor poderá em breve ser substituído por um programa de computador, por ser este
potencialmente mais eficaz em termos de informações e recursos, quando se trata da função
política, ética ou moral assumida perante os estudantes, o docente ainda configura-se como elo
imprescindível à cadeia ensino-aprendizagem.
Contribuir para a formação ética e moral dos alunos para que se formem alunos cidadãos
com consciência da realidade, conhecimento dos mecanismos de controle e defesa de direitos é
um dos desafios da escola contemporânea, que se materializa no professor em sala de aula,
construindo constantemente a ideia de participação social.
Assim, com foco especial na formação docente, a UNESCO (Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) lançou em 2013 um modelo de qualificação do
trabalho do professor chamado “Alfabetização Midiática e Informacional: currículo para
formação de professores”, com o objetivo de capacitá-los à integração no sistema formal de
educação, inserindo-os como multiplicadores de um processo catalítico que deve alcançar
milhões de estudantes. É preciso considerar ainda que, voltada à busca por igualdade de
oportunidades viabilizada pela Alfabetização Midiática e Informacional – AMI (Media and
Information Literacy – MIL), a UNESCO tem promovido um modelo de atuação que preconiza o
acesso igualitário à informação e ao conhecimento dos sistemas de mídia e informações livres,
independentes e plurais.
Esta ação traduz uma concepção de educação segundo a qual qualquer perspectiva de
modificação da escola passa por sua ressignificação como instituição social. Faz-se necessário
então questionar os usos das tecnologias em sala de aula pelos professores, uma vez que esta
prática já se encontra difundida por todo o tecido social; bem como, problematizar o sentido do
processo educacional como um todo, a fim de compreender por que vias pode se construir um
modelo de escola mais interativa e compatível com os estudantes do século XXI.
As inovações tecnológicas requerem que os profissionais de educação se adaptem aos
novos tempos. Isto não significa total concordância com este processo, mas maior flexibilização
do conhecimento, usando tais inovações como facilitadoras do processo de ensino, e não como
entraves.
Feitas essas considerações, este trabalho tem como questão principal: como as TIC
(Tecnologias da Informação e Comunicação) impactam no processo de socialização escolar, a
partir da relação ensino-aprendizagem? Considerando esta pergunta inicial e para efeito de
compreensão dessa problemática, outra questão foi pensada: até que ponto a socialização escolar,
promovida pelas escolas públicas estaduais do Ceará contribui para a emergência dos nativos
digitais?
Partindo dessas questões, o objetivo principal dessa pesquisa é problematizar as
experiências de socialização com as TIC no âmbito da Rede de Ensino Médio Estadual, a fim de
compreender o papel, as funções e o uso das TIC no processo de ensino-aprendizagem nestas
escolas.
Já os objetivos específicos da pesquisa exigem uma reflexão sobre as seguintes questões:
Quais recursos materiais subsidiam este trabalho? Como se organiza o ambiente de
trabalho escolar com as TIC?
Quais programas e aplicativos são mais utilizados?
Qual é o perfil dos professores que utilizam as TIC na Escola Pública?
Eles são capacitados para este uso?
Há resistência dos professores quanto ao uso das TIC no processo de ensino-
aprendizagem?
O uso das TIC contribui para tornar o aprendizado mais atrativo?
Qual a recepção dos alunos quando se utilizam as TIC?
Fora do ambiente escolar, professores e estudantes interagem com as TIC?
Com que frequência?
Os objetivos específicos deste trabalho são:
Identificar escolas-modelo e políticas públicas elaboradas para socialização de
estudantes de ensino médio com as TIC.
Traçar o perfil do professor que se utiliza das TIC
Analisar se o uso das tecnologias digitais em sala de aula contribui para que o
aprendizado se torne mais atrativo para os alunos.
Verificar se os professores estão capacitados para usar as ferramentas de TIC na sala
de aula de modo a contribuir para o processo de aprendizagem.
As inovações tecnológicas requerem que os profissionais de educação se adaptem aos
novos tempos. Isto não significa total concordância com este processo, mas maior flexibilização
do conhecimento, usando tais inovações como facilitadoras do processo de ensino, e não como
entraves.
Corpus da pesquisa
Segundo dados de 2014 da Coordenaria de Avaliação e Acompanhamento da Educação,
da Secretaria da Educação, o estado do Ceará tem 621 escolas públicas de ensino médio,
compondo um universo de experiências com o uso das TIC bastante significativo em termos
numéricos. Mas como selecionar aquelas que seriam mais representativas? A escolha deu-se por
uma série de fatores, dentre eles o fato de que as duas escolas selecionadas se destacam em
termos de iniciativas no âmbito da rede pública de ensino estadual, segundo informações obtidas
na SEDUC-CE. São elas a Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls e a Escola de
Ensino Médio Governador Adauto Bezerra.
A primeira acha-se localizada na Avenida Domingos Olímpio, 1800, no bairro Farias
Brito, em Fortaleza, contando com 1412 alunos matriculados na 8ª e 9ª séries do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio. A evasão encontra-se na média cearense, cerca de
aproximadamente 10%.
A escola conta com as seguintes propostas para o uso das TIC: um projeto de tecnologia
avançada em Robótica Educacional, o qual busca desenvolver nos estudantes a capacidade de
raciocínio lógico, as habilidades relacionadas com desenho geométrico, construção de maquetes,
Ciências Exatas utilizando a Informática e a linguagem de programação. Esse projeto teve início
em 2009, primeiro no Ensino Médio e depois no Ensino Fundamental, com o programa Mais
Educação, envolvendo um grupo de 40 alunos.
Ela também conta com um blog, alimentado pelos professores, e outro, mantido pelos
estudantes, bem como tem no facebook sua principal ferramenta de comunicação entre escola e
comunidade. No final do ano de 2014, 14 alunos foram premiados com computadores por bom
desempenho escolar.
A segunda, localizada na Rua Monsenhor Liberato, 1850, no bairro de Fátima, em
Fortaleza, tem 2000 alunos matriculados no Ensino Médio. A evasão é de 3% no turno da manhã
e 14% no turno da noite, encontrando-se também abaixo da média cearense.
A Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra usa as tecnologias para auxiliar na
aula tradicional, como, por exemplo, com o uso do programa GEOGEBRA, um software de
Matemática dinâmica para todos os níveis de ensino, reunindo em um único programa:
Geometria, Álgebra, Planilha de Cálculos, Probabilidade, Estatística e Cálculos Simbólicos.
A escola tem um blog, alimentado por professores e coordenadores pedagógicos e
também utiliza o facebook como principal ferramenta de comunicação com a comunidade. Foi
premiada pelo Programa “Aprender pra valer”, que busca a elevação do desempenho dos alunos
do ensino médio com níveis de proficiência adequados a cada série, bem como a articulação com
a educação profissional e tecnológica. A escola recebeu por isto 304 computadores destinados
aos alunos que atingiram certo perfil em termos de proficiência. Este programa efetiva-se pela
Avaliação Censitária do Ensino Médio realizada pelo Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE).
O SPAECE é um sistema de avaliação que abrange as escolas públicas das redes estadual
e municipal do estado e avalia os alunos da Educação Básica, da alfabetização ao Ensino Médio.
O SPAECE fornece subsídios para a formulação, reformulação e monitoramento das políticas
educacionais, vislumbrando a oferta de um ensino de qualidade na rede pública.
Em cada edição, são aplicados testes de desempenho e questionários contextuais aos
estudantes, visando traçar um panorama da qualidade do ensino. A partir dos resultados, os
gestores de educação podem elaborar e monitorar políticas, programas e projetos educacionais;
nas escolas, os diretores, os coordenadores pedagógicos, os professores, os estudantes e os
responsáveis podem redefinir ações para introduzir ajustes no projeto pedagógico da escola.
Assim, os dados fornecidos pelo SPAECE constituem ferramenta importante para diagnosticar os
resultados escolares e prestar esclarecimentos à sociedade sobre o ensino público cearense.
No contexto de atuação do SPAECE, é preciso considerar que o surgimento da internet e
de todas as novas formas de comunicação e informação provocou mudanças nas formas de
pensar, agir, interagir, ler e aprender. Embora enfraquecido, o modelo disciplinar, no qual o
professor é o dono do saber e organizador do espaço da sala de aula, ainda representa um hiato
entre a vanguarda tecnológica e a educação que se configura dentro dos muros da escola.
No âmbito da educação escolar cearense persiste em muitos casos a estrutura da sala de
aula onde existe apenas um sujeito ativo: o professor, aquele que detém o conhecimento que deve
ser transferido aos estudantes, sem que estes sejam capazes de formular uma reflexão crítica. São
aulas expositivas e baseadas em texto, memorização de conteúdo e leitura de livros didáticos.
Neste contexto, o educando não é incentivado a problematizar, nem a relacionar conteúdo e
realidade, conformando um ensino desvinculado do real.
Bernard Charlot (1976) aponta que este modelo de ensino representa uma inadaptação da
escola à sociedade contemporânea. Ele difunde um saber fossilizado, que não leva em conta as
transformações aceleradas do mundo atual, tendo fraca potência de informação se comparada à
dos mass midia. Sob a perspectiva dita conservadora, a escola assegura a socialização de uma
cultura que deixou de tornar inteligível o mundo em que vivemos e que desconhece as novas
formas culturais que ganham lugar na sociedade de hoje. A escola, prisioneira de tradições
passadas, configura-se como uma organização inapta para apreender a sociedade do presente.
É confrontado a este cenário que o presente trabalho foi elaborado, buscando compreender
como os professores e jovens convivem com o uso das TIC no ambiente escolar e, mais
precisamente, em sala de aula, sem desconsiderar as relações existentes entre este espaço e o das
práticas sociais cotidianas.
Compreender esse par “ensinar aprender” da perspectiva dos alunos, ditos nativos digitais
e dos professores, imigrantes digitais, traz pela problemática em si uma inovação: questionar se
um modelo de escola mais interativa não atende as necessidades dos nativos digitais, bem como
questionar se os professores são capacitados para usar as TIC no processo de ensino-
aprendizagem.
Há uma clara tensão entre alunos e professores, os primeiros anseiam por uma aula mais
interativa, com a utilização de recursos de multimídia, vídeos, jogos e a escola não se encontra
preparada para esse tipo de aula. Os últimos, os professores, também gostariam de usar mais
recursos tecnológicos no aprendizado, mas esbarra em questões como a falta de internet em toda
a escola, ficando quase sempre limitada aos laboratórios de informática, a falta de planejamento
para que o conteúdo não se perca nas redes sociais e a falta de capacitação para utilizar esses
recursos de forma mais eficaz.
Para compreender o campo e os sujeitos estudados a partir de conceitos, pressupostos e
teorias, fez-se necessário definir as principais categorias analíticas que serão abordadas neste
trabalho. Nesse sentido, os Nativos Digitais é a categoria principal. Este termo foi utilizado pela
primeira vez em 2001, pelo escritor, educador e designer de videogames, o americano Marc
Prensky, em seu artigo “Digital Natives, Digital Immigrants”.
Tecnologias digitais ou novas tecnologias, neste estudo, são as tecnologias capazes de
promover a interação entre indivíduos. Essa definição é partilhada por autores como Lévy,
Castells, Giddens, Sousa e Fisher. Quando se fala em novas tecnologias, não se pode deixar de
mencionar a interatividade. Interatividade é o neologismo usado para designar a relação
homem-máquina, ou precisamente um programa que a máquina opera. A interatividade também é
uma forma de controle tecnológico sobre a vida social. Neste sentido, cada cidadão é espião do
outro e todos são vigiados pelas máquinas de visão, públicas e privadas. Os soft sensors são
capazes de dizer quem somos, o que gostamos e com quem nos relacionamos. (Sodré, 2002).
Vale adicionar o conceito de interatividade de André Lemos (1997), outro importante
pesquisador da Cibercultura. Para o autor, interatividade é nada mais que uma nova forma de
interação técnica, de característica eletrônico digital que se diferencia da interação analógica que
caracteriza a mídia tradicional. Lemos acrescenta que as mídias tradicionais, como o rádio, a
televisão, as revistas e os jornais impõem ao espectador uma passividade, assim como há uma
seleção no que será transmitido, é o que o autor chamou de um modelo transmissionista “um-
todos”. As tecnologias digitais trazem novas formas de interação e transmissão de informações,
seria o modelo “todos-todos”, que se caracteriza por uma forma descentralizada e universal de
circulação de informações.
A interatividade revela outro fenômeno recente, a emergência da denominada “geografia
virtual”. Nesta perspectiva é possível observar outra geografia, diferente da física, segundo a qual
se pode habitar um espaço na “rede”. Essa “geografia virtual” mobiliza grupos sociais por
interação das mais diversas, como e-mails, facebook, blogs. O que pode levar ao surgimento de
movimentos políticos na rede, sem a interferência de partidos políticos, como aconteceu na
primavera árabe em janeiro de 2011 e no movimento Passe Livre, em 2013, quando diversos
movimentos sociais surgiram da comunicação e palavras de ordem que circulavam nas redes
sociais e no facebook. (Sodré, 2002).
Para trabalhar a Educação, usei autores como Pierre Levy, Saviani, Moacir Gadotti,
Louis Not, Mizukani, Ladislau Dowbor, Maria Neide Sobral, dentre outros. A categoria
“educação”, estudada neste trabalho, se volta para a inserção das TIC no processo de ensino-
aprendizagem.
Propor um estudo sobre os nativos digitais, uma categoria muito debatida (não exatamente
com essa nomenclatura) na Educação e na Pedagogia, mas que pouco se investiga nas Ciências
Sociais, é tarefa das mais ousadas. Primeiro, foi preciso criar e reinventar formas sociológicas de
olhar para esses sujeitos. Pensar como a educação é influenciada pelo uso das TIC e da internet
requer uma compreensão mais ampla do fenômeno educacional, pois é também indispensável
pensar como a internet e as tecnologias digitais são utilizadas pela sociedade como um todo,
como elas influenciam as práticas cotidianas, as relações entre os indivíduos e até a
individualidade.
Na articulação entre teoria e empiria, foi imperativo estabelecer um equilíbrio entre a
perspectiva do campo e as perspectivas de diferentes autores buscando um caminho que não se
perca na interseção de vários campos: da Sociologia à Educação, da Comunicação às Políticas
Públicas, das Tecnologias da Comunicação e da Informação à Cultura.
Para tentar apreender a complexidade desse universo, partiram-se da premissa que as
Políticas Públicas de inserção das TIC na Educação congregam vários níveis empíricos: são de
âmbito internacional, nacional e estadual, chegando à realidade escolar.
Ver os jovens sempre conectados, cada um com seu celular, frequentemente ligado a uma
rede social, Facebook, Whatsapp, Instagram, sempre empenhados em descobrir a senha da
internet Wi-Fi da escola, e a preocupação dos coordenadores com o momento em que o “cinturão
digital” se instalar realmente e os alunos tiverem internet Wi-Fi o tempo todo foi animador. É
clara a tensão crescente entre usuários e escolas, tendo estas que se adaptar ao estudante do
século XXI. Este momento talvez se converta assim em um marco que assinala um novo tempo.
Aspectos metodológicos
Nesta pesquisa percebe-se uma relação dinâmica entre o mundo real e os sujeitos e não há
a possibilidade de dissociar a subjetividade dos sujeitos do objeto que o cerca, portanto, do ponto
de vista da abordagem, trata-se de pesquisa qualitativa. Não serão utilizados métodos estatísticos
para atribuir significado ao objeto, tendo por isso aspecto descritivo, sendo o ambiente natural, no
caso, a escola, a fonte para a coleta de dados. A observação em campo é voltada para a
compreensão e influência das TIC no processo de ensino-aprendizagem e na emergência dos
nativos digitais.
A quantificação de valores não é prioridade neste estudo, a compreensão da dinâmica das
relações sociais no ambiente escolar é que se faz importante, sendo o método investigativo
observacional voltado para o aprofundamento da compreensão da comunidade escolar. O
pesquisador é instrumento chave para ocupar-se do processo e não, simplesmente, dos resultados
em si.
As primeiras análises foram realizadas a partir das primeiras percepções no campo
empírico. A pesquisa tem caráter descritivo e exprime detalhadamente os sujeitos da comunidade
escolar: gestores, professores, alunos e colaboradores. Apesar de buscar o efeito dos usos das TIC
no ambiente escolar, esta pesquisa vai um pouco além e tenta compreender an passant, o impacto
que tem a tecnologia na vida dos sujeitos citados.
Após o registro dos fatos observados e a seleção dos pontos que mais influenciam esta
problemática, os questionamentos relevantes serviram de embasamento para a elaboração do
roteiro de entrevista apresentado aos docentes. Após a etapa de observação, a entrevista subsidiou
a obtenção de informações a respeito sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, pretendem
fazer, fazem ou fizeram e também acerca das suas explicações ou razões a respeito de fatos
vivenciados anteriormente.
Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas, formuladas com base
na observação em campo e dirigidas aos professores pessoalmente, face a face, ultrapassando as
quinze perguntas apresentadas na face exploratória da pesquisa. As entrevistas foram transcritas
em mãos e cada frase, interjeição e interrupção foram considerados.
Já que as observações e entrevistas foram realizadas em duas escolas públicas que
inseriram as TIC em sala de aula, o método comparativo revelou-se valioso na comparação dos
resultados obtidos: os dois ambientes foram confrontados, com a finalidade de verificar
similitudes e divergências.
Resumindo o processo: após a escolha bibliográfica, partiu-se para a escrita da teoria do
fenômeno estudado, de modo a compreender, coletar e apresentar novos dados referentes à
temática. Em seguida, prosseguiu-se com a pesquisa de campo com o objetivo de observar in loco
os sujeitos do problema. Ao aplicar as entrevistas, a interpretação qualitativa foi responsável por
guiar a maior parte da pesquisa e o estudo comparativo foi fundamental para as análises e
proposições finais.
1 ESCOLA NA ERA BYTE
1.1Modernidade e (Pós) Modernidade
A atualidade mundial resulta de um período histórico de reestruturação global cuja marca
tem sido a revolução tecnológica. A sociedade emergente é capitalista e informacional. Embora
diferente em cada lugar do planeta, a pós-modernidade parece nos unir numa “aldeia global”
(Santos, 1986). O emprego do termo pós-modernidade ainda não encontrou um consenso entre
pesquisadores que buscam entender o momento contemporâneo. Há quem argumente que esse
movimento sociocultural que se tem caracterizado como pós-moderno ainda está sob a regência
da modernidade, momento histórico que ainda não teria se esgotado. A pós-modernidade denota
o que vem depois da modernidade, designando uma ruptura com o período moderno. É possível
aceitar que vivemos a transição para a pós-modernidade que se traduz por um percurso ainda não
consolidado.
O termo moderno, do latim modernos, surgiu no século V e servia para diferenciar a então
era cristã da outrora era pagã. Entretanto, visto contemporaneamente, a modernidade é a quebra
dos vínculos transcendentais que explicavam a relação do ser humano com o mundo, tendo a
razão como produção de saberes, ciência e objetividade, se distanciando da religião e de poderes
metafísicos. O sujeito moderno pretendia utilizar-se da razão para “produzir” progresso. Assim, a
modernidade se caracteriza pela racionalidade utilitária que não se direciona apenas para o
conhecimento científico, mas também para a arte, a ética, a moral, as relações sociais. Segundo a
teoria sociológica alemã do início do século XX, a modernidade sugere a progressiva
secularização, racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social
(Weber, Simmel), que fizeram nascer o Estado Moderno e o capitalismo industrial.
Por sua vez, Jürgen Habermas (2002) procura compreender as características dominantes
da modernidade, desenvolvendo sua análise sob duas perspectivas: a filosófica, denominada
modernidade cultural e a sociológica, que chamou de modernidade social.
Habermas aponta Hegel como o primeiro filósofo a pensar nos problemas da
modernidade, buscando soluções para eles e é nessa esteira que desenvolve o que denominou de
modernidade cultural. Para compreender a modernidade cultural, Habermas aponta três eventos
fundamentais: a Reforma Protestante, quando o sujeito passa a ter acesso ao divino sem a
intercessão do soberano; a Revolução Francesa que se volta contra as leis divinas e proclama a
liberdade do sujeito; e o Iluminismo que dividiu a cultura em ciência, moral e arte. Os “novos
tempos” ou “tempos modernos” não indicavam apenas um período da cronologia histórica, mas
uma ruptura com a tradição medieval.
Para que essa ruptura se justifique e legitime os novos tempos, é preciso que a
modernidade se diferencie da tradição (anterior). Habermas afirma que Hegel em sua busca por
apreender a modernidade, estabelece como princípio dos novos tempos a subjetividade, que
apresenta quatro características essenciais: o individualismo, que se traduz em um indivíduo
único que tenta fazer valer suas pretensões; o direito de crítica, aquilo que busca ser aceito tem
que ser legitimado por cada um e se encontra aberto à crítica; a autonomia de ação, a ideia de que
o sujeito moderno pode dar leis a si mesmo; e a filosofia idealista, a filosofia põe como objeto de
conhecimento o próprio “eu” que o conhece.
Habermas definiu a modernidade cultural como a diferenciação da cultura nos três
âmbitos trazidos pelo Iluminismo. A ciência provoca o desencanto do mundo, deixando o sujeito
livre para conhecer as leis da natureza. A moral não mais se traduz em ideias que distanciam de
forma substantiva o certo do errado, mas na autonomia da racionalidade, onde cada um persiga o
bem-estar particular em conformidade com o bem-estar dos outros. E a arte não mais se sujeita à
expressão da vida das divindades, mas à exteriorização do “eu” pelo artista.
Israelo-francês Lyotard (1998) descreveu um novo modo de pensar e viver que
denominou de “condição pós-moderna”. Lyotard utilizou o vocábulo pós-moderno para descrever
as sociedades desenvolvidas e compreender o estado de cultura após transformações no campo da
arte, da ciência, da literatura e da moral e a crise das grandes narrativas do final do século XIX.
A pós-modernidade para Lyotard se caracteriza pela descrença nesses “metarrelatos”, as
grandes narrativas passam a não inspirar crença no jogo da linguagem e quem tem poder de
decisão determina que a vida só tenha por objetivo o aumento da eficácia. O autor não traça um
quadro cronológico do surgimento desse período, mas afirma que foi nos anos 1950 que a Europa
passou por uma desconstrução e que esse período variou de um país para outro.
O fato é que nas sociedades desenvolvidas o saber científico passa a ser somente uma
espécie de discurso, dentro da “deslegitimação dos metarrelatos”. “O saber muda de estatuto ao
mesmo tempo em que as sociedades entram na idade dita pós-industrial e as culturas na idade dita
pós-moderna”. (LYOTARD, 1998, p.3). Ainda segundo Lyotard, o conhecimento não é mais algo
constitutivo do sujeito, que era o princípio da formação moderna, o conhecimento se aparta do
sujeito cognoscente. O saber passa a ser mercadoria de valor e meio de troca, principal elemento
econômico nas economias desenvolvidas, tornando secundário seu valor de uso. O valor do
conhecimento é melhorar o desempenho do processo produtivo e não mais sua capacidade de
retirar a ignorância de alguém.
Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um
desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder. Do mesmo modo que
os Estados-nações se bateram para dominar territórios, e com isto dominar o acesso e a exploração
de matérias-primas e da mão de obra barata, é concebível que eles se batam no futuro para dominar
as informações. (LYOTARD, 2009)
A modificação do estatuto do saber na cultura pós-moderna ou sociedade informatizada,
segundo Lyotard, busca compreender aspectos da formação (do saber) e dos efeitos sobre o poder
público e as instituições. O autor também questiona o progresso das ciências e tecnologias
correspondente ao crescimento e desenvolvimento sociopolítico; o saber científico não é
sinônimo do saber, existe também outra espécie de saber, não menos importante, o saber
narrativo.
A sociedade resultante dessas mudanças é capitalista e informacional, pois a pós-
modernidade nos uniu numa “aldeia global” (Santos, 1987). Há quem ainda chame este momento
histórico de “era da informação” (Dertouzos, 1997), “sociedade globalizada” (Robertson, 2000)
ou ainda “era dos bits” (Negroponte, 1997). Para Muniz Sodré:
Advém agora o império dos processos de produção eletrônica de informação e imagens, que
incorpora todo o ethos pós-moderno de organização da vida social em termos de simultaneidade,
instantaneidade, globalidade e criação de um real próprio, de natureza tecnocientífica. A sociedade
decorrente não se transforma por escolha política, mas por impacto tecnológico. (SODRÉ, 2002)
O fato é que no mundo contemporâneo tem-se alterado profundamente a maneira como
vivemos, trabalhamos, nos divertimos, educamos nossos filhos, fazemos compras. (Dertouzos,
1997). Acordamos e acessamos a internet para sabermos as notícias e verificar o e-mail;
trabalhamos em equipe, cada um em sua casa; nos relacionamos pelo facebook; tranquilizamos
nossos bebês com “a galinha pintadinha” no tablet; compramos pela internet em sites pouco
confiáveis e educamos nossas crianças tangidos pelo impacto tecnológico.
1.2 A transformação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC)
A palavra tecnologia tem origem no vocábulo grego "tekhne" e significa "técnica, arte,
ofício", com o sufixo "logia”, do grego “logus”, que quer dizer "razão, estudo". A partir da
origem etimológica, é possível definir tecnologia como a razão do saber fazer (Rodrigues, 2001).
Em outras palavras, tecnologia é o estudo da técnica e visa à aplicação dos conhecimentos
científicos para a resolução de problemas.
Ao longo da história, as tecnologias foram sendo criadas para facilitar a produção humana
e vêm se transformando a partir da necessidade social de cada época. As primeiras tecnologias
surgiram desde a descoberta do fogo, da roda, da escrita, passando pela prensa móvel, pelas
tecnologias militares com a criação de armas, pelas tecnologias das grandes navegações que
permitiram a expansão marítima, chegando às descobertas do século XVIII, que no período da
Revolução Industrial, provocaram profundas transformações no processo produtivo.
Neste sentido, o sociólogo Manuel Castells, remete à ideia de que são as demandas da
própria sociedade e do contexto histórico no qual estão inseridas, que determinam a busca por
novas tecnologias, é a “sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades,
valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias”. (Castells, 2006)
A sociedade do final do século XX tem passado por profundas mudanças econômicas,
políticas, culturais, sociais e tecnológicas. Segundo Gadotti (2000), no final dos anos 80, não se
tinha ideia do significado e do impacto da globalização capitalista na economia, nas
comunicações, na educação e na cultura. As transformações tecnológicas tornaram possível o
surgimento da era da informação.
Nos últimos anos, a informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma
dimensão de tudo, transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza. Pode-se
dizer que está em andamento uma Revolução da Informação, como ocorreram no passado a
Revolução Agrícola e a Revolução Industrial (Gadotti, 2000).
Castells, assim como Gadotti, descreve e analisa o termo “era da informação”, em sua
obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (2000), como o conjunto de eventos
que assinalam o fim da era industrial e o surgimento de uma revolução tecnológica no final do
século XX e que tem como característica o desenvolvimento das tecnologias da informação e da
comunicação.
A revolução tecnológica, ressaltada por Castells (2002), trouxe mudanças nos modos de
vida de todas as pessoas, principalmente no comportamento dos chamados nativos digitais, como
se relacionam com a internet, o celular, o computador e o outro. A internet e suas infinitas
possibilidades permitem um intercâmbio cultural e laços, mesmo que superficiais, com quem está
do outro lado planeta.
Neste contexto, o processamento da informação e seus desdobramentos são essenciais no
processo produtivo. O termo informação vem como elemento primordial em todas as atividades
humanas, constituindo-se como o cerne da comunicação e como instrumento básico na conquista
do conhecimento, na formação de senso crítico, na construção de novas concepções e na tomada
de decisões. Segundo Castells (2000), a informação é fundamental para atender às necessidades
dos indivíduos e das organizações por uma melhor qualidade de vida. Lévy (1996) preceitua sua
utilização como um ato produtivo:
Quando utilizo a informação, ou seja, quando a interpreto, ligo-a a outras informações para fazer
sentido, ou, quando me sirvo dela para tomar uma decisão, atualizo-a. Efetuo, portanto, um ato
criativo, produtivo. (Lévy, 1996)
Surge então, para Castells (2000), a noção de uma organização social específica, na qual a
origem, o processamento e a transmissão de informação tornam-se fontes fundamentais de
produtividade e de poder. A forma como a sociedade deste período histórico se comporta para ter
acesso e usufruir desta informação, resulta na busca de inovações tecnológicas que atendam com
eficácia esta demanda. O autor denomina este tipo de organização social, inserida neste novo
modo de desenvolvimento, de “sociedade informacional”, que tem como premissa básica o
processo de informatização, fortemente articulado com todos os sistemas midiáticos de
comunicação.
Castells (2003) identifica ainda outra característica fundamental da Sociedade
Informacional: a sua estrutura em redes. Para o autor, a rede é um conjunto de nós conectados e a
formação de redes sociais é uma prática humana antiga na organização das sociedades. Muniz
Sodré fala em uma “nova geografia virtual”, onde se pode ocupar um “lugar” na rede. Nessa
estrutura em rede as pessoas “compartilham” não apenas informações, mas também opiniões,
angústias, alegrias e momentos. Para os jovens, curtir, publicar e compartilhar nas redes sociais
são formas de ser, poder, organizar e estar no mundo, conectados com os outros ao mesmo tempo
que as influências da rede os recriam e os influenciam.
Moldado pela revolução tecnológica concentrada nas TIC – Tecnologias de Informação e
Comunicação – este novo modelo de organização social teve como ponto culminante o
surgimento da Internet no final da década de 60, o que é para Castells o símbolo desta sociedade,
tornando-se mais intensa, global e acelerada e teve como consequências uma série de inovações
institucionais, tecnológicas, organizacionais, educacionais, econômicas, políticas e sociais.
Ainda para Castells (2008), a internet é uma prática social, é “a expressão de nós mesmos
por meio de um código de comunicação específico, que devemos compreender se quisermos
mudar nossa realidade”. O universo juvenil se apropria dessa ferramenta de infinitas maneiras:
para se comunicar, divulgar trabalhos em grupo, promover-se por meio de aplicativos como o
Instagram ou o facebook, para dispor do conteúdo de quem vive distante, para assistir filmes,
para traduzir trabalhos, para se relacionar…. A internet permite transpor o universo real e
adquirir uma dimensão que ultrapassa a realidade cultural de cada um. Para Sousa (2011):
Indubitavelmente, entre as várias tecnologias, sobressai aquela que é sua maior expressão, a
Internet, por amalgamar diversas facetas tecnológicas até então separadas, como a escrita, a
imagem, o som, etc. Ela é hodiernamente o mais completo meio de comunicação criado pela
tecnologia, tem reconfigurado as culturas e suscitado novas estruturas de sociabilidade
contemporânea. (Sousa, 2011, p.172).
As Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC – podem ser entendidas como os
meios que interferem nos processos informacionais e comunicativos das pessoas. São os recursos
tecnológicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware, software
e telecomunicações, a automação e comunicação dos processos de uma sociedade.
A desterritorialização da informação mediada pelas TIC, em um espaço virtual que
ultrapasse as fronteiras geográficas é revelada pelo filósofo Pierre Levy (1994), quando conceitua
ciberespaço: “ciberespaço tornar-se-ia o espaço móvel das interações entre conhecimentos e
conhecedores de grupos inteligentes desterritorializados” (Lévy, 1994).
A noção de ciberespaço permite vislumbrar a expansão da informação e todos os
desdobramentos dela decorrentes, como a fusão do conhecimento. Ao aproximar este conceito da
dimensão social, analisando as coletividades, Levy igualmente defende a aprendizagem
cooperativa ao dizer que ninguém é detentor de todo o conhecimento e que o mesmo deve ser
compartilhado.
A aprendizagem cooperativa é a melhor tradução de inteligência coletiva para o campo da
educação e pôde ser observada primeiramente nas universidades, onde comunidades de cientistas
estudam, simultaneamente, o mesmo tema de vários países diferentes, baseados na colaboração e
na produção de conhecimento. Decorre deste conceito a ideia de Inteligência Coletiva, também
proposta pelo autor, que não se trata de uma fusão das inteligências individuais, mas sim de fazer
crescer, diferenciar e reflorescer mutuamente cada singularidade de cada indivíduo (Lévy, 1994).
No espaço que emana da inteligência coletiva encontro, assim, o outro humano, já não como um
corpo de carne, uma posição social, um proprietário de objetos, mas como um anjo, uma
inteligência em ação – em ação para ele, mas em potência para mim. Se ele nunca aceitar revelar a
sua face de luz, quando eu descobrir o corpo angélico do outro contemplarei a sua vida no
conhecimento ou no seu conhecimento da vida, na projeção do seu mundo subjetivo no céu
imanente do intelecto coletivo. Ora eu não sei o que ele sabe, os nossos futuros diferem, ele tem
neste espaço uma figura de desejo singular, incomparável: o seu corpo angélico revela-mo como
enigma e alteridade (LÉVY, 1994)
Ao associar as necessidades da Sociedade Informacional, descrita por Castells, com as
ideias de Inteligência Coletiva e de Aprendizagem Cooperativa de Lévy, é possível visualizar o
impacto das TIC no contexto educacional. O termo TIC foi usado pela primeira vez por Dennis
Stevenson, em sua obra Information and Communications Technology in UK Schools – an
independent inquiry (1997), para antecipar uma política do governo britânico que deveria
intensificar o uso das TIC nas escolas públicas do Reino Unido, sob o risco de colocar, em um
futuro muito próximo, uma geração de crianças em enorme desvantagem em relação às demandas
do mundo globalizado.
As TIC para fins educativos, com o objetivo de potencializar a aprendizagem dos
estudantes e de criar novos ambientes de aprendizagem, despertando novos interesses, podem ser
consideradas como um subdomínio da Tecnologia Educativa. O termo Tecnologia Educativa é
um domínio da educação que teve as suas origens nos anos 40 do século XX e foi desenvolvido
por Skinner na década seguinte com o ensino programado (Skinner, 1953, 1968). Para Miranda
(2007), o termo não se limita aos recursos técnicos usados no ensino, mas a todos os processos de
concepção, desenvolvimento e avaliação da aprendizagem. Segundo a autora, a tecnologia
educativa envolve questões de gestão educacional, de desenvolvimento educacional e também os
recursos de aprendizagem. Coutinho (2007) assim define a tecnologia educativa:
Não como o simples uso de meios tecnológicos mais ou menos sofisticados, mas como uma forma
sistemática de conceber, gerir e avaliar o processo de ensino e aprendizagem em função de metas e
objetivos educacionais perfeitamente definidos. (Coutinho, 2007).
O cerne do estudo da Tecnologia Educativa consiste, assim, em construir sistemas de
ensino-aprendizagem que possam ser catalisadores de mudanças educativas significativas no
desenvolvimento do sistema ensino-aprendizagem.
Segundo Blanco e Silva (1993) a Tecnologia Educativa surge também como uma via de
acesso a tecnização da vida, ou seja, o ser humano é educado para atuar conscientemente em um
ambiente tecnológico, por isso os modelos educacionais devem acompanhar esta perspectiva. O
autor cita os três níveis de elaboração do conceito: da ênfase colocada na modernização (suportes
para o ensino) passando pela otimização do processo (suportes para a educação) e culminando
nos processos de mudança (foco sistêmico).
O primeiro nível é marcado pela chegada dos aparelhos audiovisuais, adquirido pelas
escolas precipitadamente, pois segundo o autor, os professores não tinham formação adequada
para sua utilização técnica e didática, não atendendo assim ao seu adequado uso pedagógico.
Trata-se de uma Tecnologia para o Ensino em que as técnicas audiovisuais, creditando seu valor por
uma apresentação massiva de informação icônica (fixa e móvel), e os aparelhos facilitam e ampliam
os processos de instrução. Com eles procura-se apenas modernizar as aulas (Blanco e Silva, 1993).
O segundo nível, chamado de otimização dos processos (suportes para a educação), surgiu
na década de 60 com estudos da Psicologia da Aprendizagem e da Comunicação, quando se
descobriu que a tecnologia tem um papel importante no processo de ensino-aprendizagem e no
estreitamento da relação professor estudante.
Neste nível, a utilização da tecnologia ultrapassa os métodos e recursos, pois não mais se
procura o “ensino pelo professor, mas a aprendizagem pelo aluno” (idem, 1993). O objetivo é a
otimização do processo, a fim de que o programa (recurso tecnológico) esteja inserido na sala de
aula como material didático, ao abrigo de um método preciso que implique num modelo de
aprendizagem: “o núcleo e a expressão desta nova forma de ver a tecnologia educativa estão
representados pelos modelos instrutivos, especialmente pelo ensino programado”. (BLANCO E
SILVA, 1993).
O último nível de formulação da Tecnologia Educativa, chamado de Foco Sistêmico
surgiu a partir de pesquisas educacionais nos anos 70, centradas na cibernética, que
possibilitavam a aplicação da concepção sistêmica à educação. Blasco e Silva (1993) salienta que
o momento marcante desta fase foi em 1970 quando a Comission on Instructional Technology
(E.U.A.) conceituou-a como “a maneira sistemática de conceber, de realizar e de avaliar todo o
processo de ensino-aprendizagem em função dos objetivos pedagógicos, resultantes da
investigação nos domínios da aprendizagem humana e da comunicação, utilizando uma
combinação de recursos humanos e não humanos para provocar uma instrução eficaz”. (Blasco e
Silva, 1993, p.42)
O autor afirma que somente entre as décadas de 80 e 90, ao aplicar as Novas Tecnologias
da Informação e Comunicação em uma abordagem de aprendizagem sistêmica, é que se pôde
falar em Tecnologia Educativa e analisá-la pela perspectiva de um processo complexo e integrado
que implica uma junção de seres humanos, recursos e inovação tecnológica, com o objetivo de
gerenciar uma profunda mudança educativa.
A velocidade dos avanços tecnológicos no final do século XX e no início do século XXI
requer que os ambientes de ensino acompanhem a mudança das TIC para que estudantes e
professores se insiram em um contexto globalizado. Com a democratização do conhecimento
pelos diferentes meios e formas de comunicação, entende-se que as TIC são ferramentas
essenciais para os processos educacionais, atuando na vida do estudante com o intuito de definir
habilidades e competências indispensáveis à realidade atual: criatividade, inovação, senso crítico,
cidadania, resolução de problemas e comunicação eficaz, por meio do uso eficiente e responsável
da informação. Nesse sentido, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), colabora com esse
debate contextualizando:
O advento das TIC revolucionou nossa relação com a informação. A informação e o conhecimento
não se encontram mais fechados no âmbito da escola, mas foram democratizados. O novo desafio
que se abre na educação, frente a esse novo contexto, é como orientar o aluno, a saber, o que fazer
com essa informação, de forma a internalizá-la na forma de conhecimento e, principalmente, como
fazer para que ele saiba aplicar este conhecimento de forma independente e responsável. (BRASIL,
2009).
Negligenciar o poder das TIC no contexto educacional é negar toda a bagagem de uma
geração que vivencia a tecnologia diariamente, como parte do seu mundo. Segundo Lima (2006),
a Escola do Futuro deve reinventar a arte de aprender ao longo de toda a vida, estimular e
desenvolver a motivação pela aprendizagem, atribuindo aos estudantes um papel ativo no
processo de construção de conhecimentos. As TIC são para isso, facilitadores, meios na
construção do saber.
A educação deve transmitir, cada vez mais, saberes adaptados a uma Sociedade da Educação
(Learning Society) como base das competências do futuro. Da tradicional transmissão dos saberes,
evoluiu-se para uma Sociedade do Saber baseada na capacidade individual da construção dos
conhecimentos, onde as tecnologias da informação e da comunicação são instrumentos ao serviço
dessa construção. Deste modo, a Sociedade da Informação será marcada pelo primado do saber.
(Lima, 2006).
As TIC não põem em dúvida a importância do professor. De acordo com Lima,
reconhece-se hoje que a Escola do Futuro exige que os mestres assumam o papel de facilitadores
em sala de aula, para que a partir daí as TIC sejam verdadeiras aliadas nos processos por eles
conduzidos, por meio de suas competências pedagógicas, técnicas e humanas.
Assim, a utilização das TIC no processo de ensino-aprendizagem requer habilidade,
inteligência, planejamento e estratégia por parte do professor, para respaldar sua credibilidade
pedagógica. Nessa perspectiva, o uso das mídias em sala de aula poderia funcionar como um
meio inovador e motivacional, como um novo apoio pedagógico e não como um fim em si.
Deste modo, o processo de construção do saber atenderia de forma positiva aos anseios
dos alunos da era digital, que parecem acolher com naturalidade as diversidades tecnológicas e os
novos modelos pedagógicos, quebrando a linearidade dos conteúdos e dos paradigmas do
chamado ensino tradicional.
1.3 O computador e a internet
Segundo definição do dicionário Michaellis, computador é aquele (pessoa ou máquina)
que faz cômputos; e o verbo computar é o ato de calcular, contar, orçar, avaliar. Historicamente,
atribui-se a origem do computador à descoberta dos primeiros artefatos humanos com tal
finalidade, no século XVII, quando o matemático francês Blaise Pascal projetou um contador
mecânico que somava e subtraia e o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz incorporou a ele
operações de multiplicar e dividir, tornando-o antecessor da calculadora manual. No século
seguinte, o francês Joseph Marie Jacquard construiu um tear mecânico com uma leitora
automatizada de cartões perfurados, que controlavam o movimento da máquina, fornecendo os
comandos necessários para a produção de tecidos mais elaborados.
Baseado na ideia dos cartões de Jacquard, o cientista inglês Charles Babbage, criou em
1822 a máquina diferencial, capaz de realizar cálculos mais complexos com funções
trigonométricas e logaritmos. Em 1833, Babbage desenvolveu a máquina analítica, capaz de
executar as operações matemáticas, armazenar dados em uma memória e imprimir resultados.
Esta máquina foi a base para a criação dos computadores atuais e fez com que Babbage fosse
considerado o “Pai do Computador”. Mário Leite (2006) descreve a máquina analítica, dizendo
que “era capaz de executar as quatro operações aritméticas com até 1000 números de 50 dígitos;
tudo isso memorizando em cartões perfurados”. (LEITE, 2006, p.04)
No final do século XIX, o inventor norte-americano Hermann Hollerith construiu o
primeiro computador mecânico, com o objetivo de apurar e tabular o Censo Demográfico
Americano de 1890. O resultado alcançado com a máquina foi a redução do tempo de
processamento de dados, que no último censo teria sido de sete anos, para apenas dois anos e
meio. Foi também pioneiro ao utilizar a eletricidade na separação, contagem e tabulação dos
cartões. Hollerith foi o fundador da International Business Machines – IBM, em 1924.
Em 1936, o primeiro computador eletromecânico foi criado pelo engenheiro Konrad Zuse
e oferecido ao governo alemão, que o rejeitou por achar que a invenção em nada ajudaria no
período da guerra, pois a perícia de seus pilotos dispensava tais recursos. As aplicações militares
foram decisivas para a transformação do computador moderno, fazendo com que os americanos
intensificassem suas pesquisas científicas e acadêmicas no período da Segunda Guerra Mundial.
O desenvolvimento dos computadores eletrônicos ganhou força com a necessidade de se
projetar máquinas capazes de executar cálculos balísticos com rapidez e precisão para serem
utilizadas na indústria bélica. Com isso, a Marinha Americana em parceria com a Universidade
de Harvard, criou o Mark I, projetado pelo professor Howard Aiken, com base no calculador
analítico de Babbage.
Paralelamente, ocorria em segredo militar o desenvolvimento do computador ENIAC,
sigla para Electronic Numerical Integrator and Computer, o primeiro computador a válvulas
produzido pelo exército dos Estados Unidos e desenvolvido por J. Presper Eckert e John
Mauchly, na Escola Moore da Universidade de Pensilvânia, sob contrato do Laboratório de
Pesquisas Balísticas. O Mark I e o ENIAC fizeram parte da primeira geração de computadores
(1945-1953):
Eram computadores a válvulas cuja programação era feita em linguagem de máquina, com alterações
nos circuitos elétricos da máquina, o que exigia dos técnicos profundos conhecimentos de
eletrotécnica. (LEITE, 2006).
O grande diferencial do ENIAC em relação às invenções anteriores era o fato de não ser
destinado a apenas uma operação específica. O ENIAC pesava quase 30 toneladas e consumia
150 quilowatts de energia, podia fazer 5 mil somas por segundo e calcular uma trajetória mais
rápido do que o tempo que um projétil leva para atingir seu alvo.
Contudo, a capacidade de armazenagem de memória do ENIAC era limitada. Foi quando,
em meados de 40, o matemático John Von Neumann, juntou-se à equipe do ENIAC e propôs
transformar os calculadores eletrônicos em “cérebros eletrônicos”. Modelou uma nova arquitetura
baseada no sistema nervoso central humano, criando na máquina uma memória capaz de
armazenar informações. Surge a segunda geração de computadores (1955-1962):
Com a invenção do transitor em 1949, por William Shockey, surgiu o EDVAC (Electronic Discrete
Variable Automatic Computer), que era 100 vezes mais rápido, e bem menor que o ENIAC.
(LEITE, 2006).
Nesta época, o computador não era mais visto como um instrumento matemático, mas
como uma máquina universal de processamento de informações com uma arquitetura que
permitia trocar o programa sem alterar sua estrutura física. Rapidez, versatilidade e
automodificação eram as principais características da Arquitetura de Von Neumann. Esta
flexibilidade e a capacidade de programar o computador com bases e dados armazenados na
memória, viria a ser a base da ciência da computação.
Na década de 50, os computadores passaram a ser produzidos e comercializados em larga
escala. Foram desenvolvidos os primeiros computadores civis e aperfeiçoados os grandes
computadores militares. Ainda segundo Leite (2006), a característica que marcou a terceira
geração de computadores (1963-1980) foi a utilização do transistor em circuito integrado e a
criação de computadores de médio porte, enquanto que a quarta geração (1975-1990) teve como
referência a miniaturização desses circuitos, que possibilitou o surgimento dos
microcomputadores.
Ainda na década de 60, durante a Guerra Fria, que teve como protagonistas duas potências
mundiais, os Estados Unidos da América e a União Soviética, a Internet surge como uma
ferramenta para assegurar a manutenção da comunicação das forças armadas americanas, caso os
ataques russos destruíssem todas as outras formas de comunicação. Outro objetivo era evitar o
vazamento e a perda de informações sigilosas do governo americano. Era preciso elaborar um
modelo que permitisse a troca e a descentralização da informação, pois caso a base americana
fosse destruída, a informação estaria salva e armazenada em outro lugar.
Manuel Castells (2003) em sua obra Galáxia Internet: reflexões sobre a Internet,
negócios e a sociedade, aponta que o início dessa revolução tecnológica se deu com o surgimento
do primeiro satélite artificial do mundo, o Sputinik, lançado ao espaço pela Rússia em 1957.
Como represália, o governo americano criou a ARPA – Advanced Research Project Agency, com
a missão de mobilizar a pesquisa, principalmente a universitária, para superar a tecnologia militar
da União Soviética.
Em 1961, a Força Aérea americana doou o computador IBM Q32, possibilitando à ARPA
desenvolver um centro de pesquisas tecnológicas, o Command and Control Research (CCR),
coordenado pelo psicólogo Joseph Licklider. A partir do departamento IPTO (Information
Processing Techniques Office), Licklider realizou um trabalho orientado para a interatividade e
transmissão de dados, com o objetivo de estimular a pesquisa em computação interativa e
proporcionar uma comunicação rápida entre as equipes de investigadores, por meio da construção
de uma rede (NET).
Robert Taylor, sucessor de Joseph Licklider, iniciou o projeto que culminou com a
primeira conexão em redes da história, a Arpanet, estabelecida inicialmente em 1969 com uma
rede de quatro nós: a Universidade da Califórnia em Los Angeles, a Universidade da Califórnia
em Santa Bárbara, a Universidade de Utah e o Instituto de Pesquisa de Stanford. Dois anos
depois a rede já contava com 15 nós, a maioria deles centros universitários de pesquisa. Manuel
Casttels (2003) remete então às transformações da Arpanet:
O passo seguinte foi tornar possível a conexão da Arpanet com outras redes de computadores, a
começar pela PRNET e SATNET. Isso introduziu um novo conceito: uma rede de redes.
(CASTTELS, 2003)
A Arpanet passou a ser controlada pela US Defense Communications Agency conhecida
pela sigla DISA (Defense Information Systems Agency). Começou a operar com o protocolo
TCP/IP e por questões de segurança precisou ser dividida em duas redes: a Milnet, para fins
militares e a Arpa-Internet para fins de pesquisa. Em 1975, a NSF (National Science
Foundation), decidiu construir a sua própria rede denominada CSNET (Computer Science
Network) com o objetivo de conectar todos os laboratórios de Informática dos Estados Unidos da
América.
Entre os anos 70 e 80 várias redes foram sendo criadas em todo o mundo e a Arpanet
tornou-se obsoleta tecnologicamente sendo substituída nos anos 90 pela rede da NSF, rebatizada
de NSFNET, que ficou mundialmente conhecida como Internet. Mas o fato que permitiu a
expansão da Internet por todo o mundo foi a criação do WWW World Wide Web ou rede de
alcance mundial, pelos engenheiros do CERN (Centre Européen por la Recherche Nucléaire),
Robert Caillaiu e Tim Berners-Lee, assim como a criação do HTML (HyperText Markup
Language) e dos Browsers.
O primeiro browser a ser utilizado, o LYNX, permitia apenas a transferência de textos, e
foi logo substituído pelo MOSAIC, que permitia também a transferência de imagens
(ALMEIDA, 2005). O MOSAIC se transformou em NETSCAPE, o primeiro navegador
comercial da história. Depois, a Microsoft lançou o Internet Explorer, com seu software Windows
95.
Assim, tornou-se possível conectar-se a todas as redes de computadores de qualquer lugar
do mundo. A transformação da Internet foi muito rápida e apesar de sua origem nos remeter ao
início dos anos 60, foi somente em meados de 90 que esse marco da revolução tecnológica
chegou até casas, escolas, empresas, impactando significativamente os modos de ver o mundo, o
interesse em aprender, as formas de relacionamento e principalmente a capacidade de interagir
ativamente com o mundo.
A Interatividade é um princípio desse novo ambiente comunicacional interligado por
redes. Antes do advento da Internet, nenhum recurso tecnológico permitia a troca de informações
de modo interativo: havia o grupo dos expectadores, separado do grupo dos emissores pelo meio
de comunicação. A mensagem era difundida pelo livro, pelo rádio, pela televisão, numa via de
mão única, sem que fosse possível concordar, contestar, complementar, enfim, sem que ocorresse
o encontro entre receptor e emissor.
O sociólogo e professor Marco Silva, define o conceito de interatividade associado ao
contexto educacional, em seu artigo Sala de Aula Interativa, que decorre da obra com o mesmo
título:
Interatividade significa libertação do constrangimento diante da lógica da transmissão que
predominou no século XX. É o modo de comunicação que vem desafiar a mídia de massa – rádio,
cinema, imprensa e TV – a buscar a participação do público para se adequar ao movimento das
tecnologias interativas. É o modo de comunicação que vem desafiar professores e gestores da
educação, igualmente centrados no paradigma da transmissão, a buscar a construção da sala de aula
onde a aprendizagem se dá com a participação e cooperação dos alunos. (SILVA, 2001)
Para Silva, a Interatividade se baseia em três pressupostos interdependentes,
complementares e que delegam aos atores do processo de comunicação o caráter ativo ao
interagir. O autor chama o primeiro pressuposto de Participação Intervenção no qual a
mensagem, antes fechada e imutável, converte-se em passível de intervenção, segundo
pressuposto seria a Bidirecionalidade Hibridação, que se define pela troca comunicativa, na qual
os sujeitos se relacionam como coautores na construção do diálogo. E por último, a
Potencialidade Permutabilidade, onde temos uma troca colaborativa e emissores e receptores
têm a liberdade de intervir na mensagem, alterando seus atributos e permitindo uma nova lógica.
Ao trazer essa realidade para a sala de aula, Silva considera que o padrão tradicional de
ensino, segundo o qual o professor tinha a voz e o aluno, somente os ouvidos, já não mais atende
ao modelo de sociedade atual, a educação autêntica não se faz sem o aluno, o ditar falar do
mestre não se faz transmitindo de A para B, ou de A sobre B, mas sim, da interação de A e B.
(SILVA, 2001). Mas o que percebe é que o modelo atual de ensino ainda não se apercebeu em
mudar essa comunicação verticalizada para uma comunicação colaborativa.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE FOMENTO ÀS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA
ESCOLA
2.1 O uso das TIC na educação – o papel da UNESCO
Em relação ao Brasil, a UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação e a
Cultura – aponta o papel importante que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) têm
exercido para a educação. O desafio é equipar as escolas com essas tecnologias para atender aos
interesses dos aprendizes e da comunidade de ensino e aprendizagem. Segundo a UNESCO, as
TIC podem
Contribuir para o acesso universal da educação, a equidade na educação, a qualidade do ensino e
aprendizagem, o desenvolvimento profissional dos professores, bem como melhorar a gestão, a
governança e a administração educacional ao fornecer a mistura certa e organizada de políticas,
tecnologias e capacidades. (UNESCO, 2015)
A UNESCO aborda as TIC para a educação por meio de uma plataforma intersetorial
própria, a qual organiza o trabalho conjunto dos setores de Comunicação e Informação,
Educação, Ciências, onde são tratadas questões sobre acesso, inclusão, equidade e qualidade na
educação. Assim, a UNESCO, em colaboração com os seus parceiros, desenvolve estratégias,
políticas e atividades para enfrentar os desafios ligados à exclusão digital das populações menos
favorecidas. Seu programa inclui:
– Capacitação e aconselhamento de políticas públicas para o uso das tecnologias na educação,
particularmente nos domínios emergentes como a aprendizagem móvel.
– Garantia de que professores tenham as habilidades necessárias para usar as TIC em todos os
aspectos da prática de sua profissão por meio de ferramentas e como o Marco Político de Padrões
de Competência em TIC para Professores.
– Apoio do uso e desenvolvimento de recursos e softwares educacionais plurilíngues, que sejam
disponíveis para uso e reúso como resultado de licenças abertas (recursos educacionais abertos –
REA; software livre e aberto – free and open source software – FOSS).
– Promoção de TIC para educação inclusiva, que inclua pessoas com deficiências e proporcione
igualdade de gênero.
– Coleta de dados estatísticos e desenvolvimento de indicadores sobre o uso de TIC na educação.
– Provisão de apoio a políticas públicas que garantam que o potencial das TIC seja aplicado
efetivamente por todo o sistema educacional.
Segundo o site da UNESCO, o Brasil precisa melhorar a competência dos professores
para utilizar as TIC na educação, pois a forma como o sistema educacional incorpora as TIC afeta
diretamente à diminuição da exclusão no país.
Para a UNESCO alguns questionamentos são importantes para utilizar as Tecnologias de
Informação e Comunicação na educação: Como as TIC podem ser utilizadas para acelerar o
desenvolvimento em direção à meta “educação para todos e ao longo da vida”? Como elas podem
propiciar melhor equilíbrio entre ampla cobertura e excelência na educação? Como elas podem
contribuir para reconciliar universalidade e especificidade local do conhecimento? Como pode a
educação preparar os indivíduos e a sociedade de forma a que eles dominem as tecnologias que
permeiam crescentemente todos os setores da vida e possam tirar proveito delas?
Nesta perspectiva, as TIC são apenas uma parte do contínuo desenvolvimento de
tecnologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo contribuir e enriquecer a
aprendizagem. A UNESCO acredita também que as TIC, como qualquer ferramenta, devem ser
adaptadas para servir a fins educacionais. Ela considera ainda questões éticas e legais, como
àquelas vinculadas à propriedade do conhecimento, ao crescente tratamento da educação como
mercadoria, à globalização da educação face à diversidade cultural, as quais também interferem
no amplo uso das TIC na educação.
Para solucionar essas questões, a UNESCO coopera com o governo brasileiro na
promoção de ações de disseminação das TIC nas escolas com o objetivo de melhorar o processo
de ensino-aprendizagem, entendendo que o letramento digital é uma decorrência quase necessária
do uso dessas tecnologias.
2.2 Políticas Públicas para promover o uso das TIC na educação
O marco legal neste estudo corresponde àquele que sustenta a política de inclusão no país,
sobretudo, a inclusão digital. É possível citar leis ordinárias, resoluções e instruções normativas
que criaram e/ou regulamentaram programas de inclusão digital no Brasil, mas o marco
normativo primário e de maior valia foi a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 219
garante o direito ao acesso às informações e à formação de um mercado interno que viabilize o
bem-estar da população no que se refere ao acesso à ciência e à tecnologia: “o mercado interno
integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural
e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei
federal”. (Constituição Federal: 1988, artigo 122)
Nesse contexto de globalização marcado por profundas mudanças nas relações
econômicas, sociais e políticas no cenário internacional, a tecnologia digital sugere a ideia de
uniformização de mundos, pois a informação não é mais privilégio de alguns, mas torna-se quase
universal (vide os excluídos e analfabetos digitais). Para Gadotti (2000):
Nos últimos anos, a informação deixou de ser uma área ou especialidade para se tornar uma
dimensão de tudo, transformando profundamente a forma como a sociedade se organiza. Pode-se
dizer que está em andamento uma Revolução da Informação, como ocorreram no passado a
Revolução Agrícola e a Revolução Industrial (Gadotti, 2000).
A chamada “Revolução da Informação” impacta em todo o cenário mundial na forma
como os governos priorizam suas políticas para a universalização digital. No Brasil, esse
processo teve início no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995), com a publicação do
Livro Verde do Programa Sociedade da Informação no Brasil, uma consolidação de propostas
feitas por especialistas do governo, da sociedade civil organizada e da iniciativa privada para a
entrada do país na era digital.
Nesse primeiro momento, a inserção digital era uma preocupação primordialmente
econômica, e por isso, o país insere em sua agenda política a universalização do acesso às
tecnologias da informação e comunicação – TIC – e a promoção da “alfabetização digital”
(BRASIL, 2000). Era preciso implantar um programa que garantisse ao Brasil, condições para
competir economicamente no mundo globalizado. Para os autores do Livro Verde:
Trata-se, sobretudo, de permitir que as pessoas atuem como provedores ativos dos conteúdos que
circulam na rede. Nesse sentido, é imprescindível promover a alfabetização digital, que proporcione
a aquisição de habilidades básicas para o uso de computadores e da Internet, mas também que
capacite as pessoas para a utilização dessas mídias em favor dos interesses e necessidades
individuais e comunitários, com responsabilidade e senso de cidadania (Livro Verde, 2000).
A partir da publicação do Livro Verde, o governo formou Grupos de Trabalho e Comitês
para estabelecer metas para universalização do uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC) no Brasil, centrando-se principalmente na necessidade de promover inovação
tecnológica para o desenvolvimento econômico do país. Neste momento, foram criados os
primeiros programas de acesso gratuito à internet para a população de baixa renda, assim como
estratégias de reengenharia que possibilitaram o chamado “governo eletrônico”, que permite ao
cidadão utilizar a internet para dispor de serviços públicos.
O objeto dessa pesquisa não abrange a inclusão digital de forma geral. O campo empírico
restringe-se ao ambiente escolar, espaço de inserção dos jovens na cultura, e ao tempo
contemporâneo, marcado por processos digitais. Neste âmbito, foi no primeiro Governo Lula
(2003-2006) que as ferramentas digitais foram inseridas no sistema público educacional.
Em 2002, com o cenário político favorável à melhoria do papel do Brasil no sistema
mundial, após a grave crise econômica de 2001 (Filgueiras e Gonçalves, 2007), Luís Inácio Lula
da Silva se candidatava pela 4ª vez consecutiva à Presidência da República; o Programa de
governo da Coligação Lula Presidente previa ações de implantação e ampliação das políticas de
acessibilidade das Tecnologias da Informação e Comunicação à população em três eixos:
governança e governabilidade; governo eletrônico e democratização do acesso às Tecnologias de
Informação, cuja função seria incentivar a criação de mecanismos e políticas que permitissem o
aprendizado, o acesso e a incorporação das tecnologias de informação pela população e o
compartilhamento de soluções entre diferentes níveis de governo.
Ao assumir em 2003, Lula substituiu o termo “universalização dos serviços”, usado no
governo anterior, por “inclusão digital”, que passou a ser um dos dez desafios do seu
“megaobjetivo”, denominado no Plano Plurianual de 2004-2007 de “inclusão social e redução das
desigualdades sociais”.
“O software livre representa a vanguarda da informática. Com seu código aberto e de uso
coletivo, estimula a produção e a troca de conhecimento em todas as camadas da sociedade.
Orienta-se para a liberdade do conhecimento e para o atendimento de necessidades específicas
das comunidades, além de favorecer a inclusão digital”. Esse era o texto do fôlder “O software
livre e o desenvolvimento do Brasil”, realizado em Brasília, no primeiro ano do governo Lula, em
2003 e detalhado com muita propriedade por Hermano Viana, no capítulo “Internet e inclusão
digital: apropriando e traduzindo tecnologias”, da coletânea “Agenda brasileira: temas de uma
sociedade em mudança”, organizado por Andréa Botelho e Lilia Moritz Schwarcz, 2011. Diante
de autoridades e políticos brasileiros e do presidente da Free Software Foundation, Richard
Stallman, o software livre se apresentava como uma das preocupações do Estado e o Brasil se
colocaria na vanguarda tecnológica.
Na década de 90, a única possibilidade de acesso à internet no Brasil era através da
conexão ONG base, de algumas universidades e outros poucos órgãos públicos. As iniciativas
governamentais de até então pareciam querer afastar os brasileiros da tendência mundial. Durante
a ECO-92 que os poucos usuários de internet, mais ou menos 800 pessoas, tiveram acesso à
World Wide Web e essa abertura só pôde acontecer porque a comunicação telefônica no Brasil era
muito precária e as organizações que faziam parte do evento precisavam de uma comunicação
eficiente.
Foi somente em 1995 que a Embratel implantou um projeto-piloto que criou um provedor
nacional e estatal único. Nos Estados Unidos a popularização da internet se deu em 1995, apesar
de já haver provedores comerciais desde a década de 80. Bill Gates deu uma entrevista para a
revista brasileira Internet World (setembro de 1995) afirmando que até então a internet não tinha
sido uma área de investimento. Essa constatação significava que até então a rede não havia
despertado atenção comercial, os softwares que já existiam eram livres e disponibilizados por
trabalhos voluntários que tinham como ideal a “informação livre”. Até hoje a internet carrega
essa característica, a capacidade de fazer com que a informação seja livre e ultrapasse os muros
comerciais impostos por empresas comerciais.
No segundo Governo Lula o anteprojeto de lei do Marco Civil da Internet, iniciativa do
Ministério da Justiça foi posto em consulta pública na internet e em 2014 foi lançado um plano
nacional com a ambição de conectar 35 milhões de domicílios à internet banda larga. Já na esfera
civil, a internet cresceu desordenadamente, rapidamente e com características comerciais. A
princípio, nas classes A e B, em seguida nas classes C, D e E.
Vale uma breve consideração sobre o Marco Civil da Internet. A Lei n° 12.965/14 regula
o uso da Internet no Brasil através da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres dos
usuários da rede, bem como determina as diretrizes para a atuação do Estado. Foi sancionada pela
presidente Dilma Rousseff, em 23 de abril de 2014. A tramitação do projeto foi realizada em
caráter de urgência depois das denúncias de espionagem do governo brasileiro pela NSA, agência
de segurança nacional norte-americana, fato que causou polêmica nas redes sociais: enquanto uns
promoviam campanhas de apoio, outros alegavam ser o Marco Civil uma tentativa de “censurar”
a rede.
A lei tornou-se necessária para atender uma demanda popular que debatia continuamente
a inclusão digital no Brasil desde a última década. Os impactos na vida da sociedade, em função
da presença maciça das tecnologias digitais nas mais variadas atividades sociais, como no nosso
caso, no cenário educacional, geraram discussões a respeito do tema, pois faltava uma política
coerente e contínua que avançasse no sentido da universalização plena do acesso às redes digitais.
O Brasil, até então, não possuía nenhuma norma capaz de legislar sobre os conflitos surgidos na
rede. Além disso, o avanço da tecnologia e a disseminação de serviços ligados à internet móvel
fizeram com que fosse necessário garantir a proteção ao usuário, seja destacando seus direitos na
hora de comprar esses serviços ou assegurando sua privacidade no uso da rede.
Portanto, o Marco Civil nada mais é do que uma espécie de “Constituição da Web”, ou
seja, um conjunto de leis e regras sobre o uso da internet no Brasil. Dentre os inúmeros aspectos
presentes na lei, vale comentar o item que está diretamente ligado ao nosso estudo: o incentivo à
educação.
Neste o ponto, um aspecto importante do texto é o registro de que, no Brasil, o papel da
internet será, sobretudo, democratizar o acesso à cultura e à educação e promover o exercício da
cidadania e dos direitos humanos, através da inclusão digital, como cita o artigo 4º da lei:
Art. 4o A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção:
I – Do direito de acesso à internet a todos;
II – Do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos
assuntos públicos;
III – da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e
IV – Da adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, a acessibilidade e a
interoperabilidade entre aplicações e bases de dados. (Lei 12965/14)
Em resumo, trata-se de uma experiência democrática válida e interessante, especialmente
por seu caráter inovador, contudo os impactos ainda são pequenos tanto no sistema político
quanto na sociedade civil, o que aponta a necessidade de melhorias e reformulações para futuras
tentativas similares.
Segundo dados do Caderno Info do jornal O Globo, de 19 de setembro, dez anos após a
abertura comercial da internet, o Brasil de 2006 era o segundo povo do mundo que mais acessava
o YouTube, a segunda comunidade de colaboradores de grupos como Yahoo e Yahoo Respostas,
tinha 21 milhões de usuários do MSN e também éramos os maiores usuários do mundo da rede
social da época, o Orkut.
Segundo pesquisa realizada pelo Comitê Gestor de Internet em 2009, disponível em
http://www.cetic.br/usuarios/tic/, 32% dos lares brasileiros possuem computador, o que
contabiliza 18,3 milhões de domicílios, mas 5 milhões deles sem acesso à internet; 45% da
população brasileira diz já ter acessado à internet, entre os que acessaram a internet, 45% deles
frequentaram “lan houses”. Para os formuladores de políticas públicas de inclusão digital, ter um
computador e uma conexão à internet não faz de alguém um “incluído” digital.
Na pesquisa de 2015, realizada pelo Comitê Gestor de Internet, disponível em
http://www.cetic.br/usuarios/tic/, 98% dos domicílios da classe A tem acesso à internet assim
como 82% da classe B, 48% da classe C e 14% das classes D e E. Aqueles que já acessaram a
internet representam 97% da classe A, 86% da classe B, 61% da classe C e 28% das classes D e
E. Esses dados servem para confirmar a facilidade que os brasileiros têm em utilizar os códigos
abertos, além do interesse por tecnologias.
2.2.1. Programa Brasileiro de Inclusão Digital
O Programa Brasileiro de Inclusão Digital foi criado pela Secretaria de Inclusão Digital
do Governo Federal, através da Lei no 11.196, de 21 de novembro de 2005 e regulamentado pelo
Decreto no 5.602, de 06 de dezembro de 2005. O programa previa incentivos fiscais para
aquisição de equipamentos tecnológicos e estabelecia diretrizes e normas para a execução do
programa nas comunidades, por meio da alfabetização digital e da capacitação de alunos a partir
da ampliação do acesso comunitário gratuito, da ajuda na aquisição domiciliar de
microcomputadores e da universalização da conexão à internet.
O Programa Brasileiro de Inclusão Digital implantou uma política pública inclusiva, que
garantia oportunidade igualitária para todos, buscando o desfazimento da segmentação da
sociedade em dois grupos: analfabetos e alfabetizados digitais. Impactou diretamente na vida
educacional e na formação de cidadãos confiantes e habilitados a usarem os recursos e os
serviços digitais, de modo a aumentar a qualidade de vida e as possibilidades de trabalho. O
programa visou, estrategicamente, atender à população mais carente e à margem da tecnologia da
informação, através dos telecentros comunitários, priorizando municípios e áreas rurais com
menor índice de desenvolvimento humano (IDH), além das comunidades tradicionais.
A inclusão digital abrangia quatro linhas de execução: o barateamento dos equipamentos
com crédito e isenção de impostos; a criação de locais de acesso público, com serviços gratuitos,
acesso à internet através dos telecentros – e capacitação de pessoal das prefeituras para monitorar
as atividades; a garantia da conexão à internet com velocidade compatível para uso dos principais
aplicativos e a implantação de laboratórios de informática em salas de aula nas escolas públicas
com acesso à internet e com banda larga e a qualificação dos professores.
O Governo Federal investiu mais de R$ 500 milhões, distribuídos em 20 projetos entre os
Ministérios das Comunicações, Educação, Ciência e Tecnologia e Planejamento, Orçamento e
Gestão, e também em empresas públicas e privadas e organizações não-governamentais, sob a
coordenação da Presidência da República. Acredita-se que a implantação do Programa Brasileiro
de Inclusão Digital foi fundamental para que outras políticas públicas de acesso às TIC na
educação fossem iniciadas. A partir dele, concretizou-se a oferta dos meios, instrumentos e
facilidades para que os excluídos digitais participassem efetivamente do processo de inclusão
social, atuando como sujeitos ativos da expansão do uso das TIC em sala de aula.
O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação,
CETIC, foi criado em 2005 para monitorar a adoção das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) e com isso subsidiar as políticas públicas que envolvam questões sobre a
inclusão digital. O CETIC desde 2010, pesquisa o uso das TIC na educação
(http://cetic.br/pesquisa/educacao), buscando avaliar a infraestrutura das TIC em escolas públicas
e privadas de áreas urbanas e a apropriação destas nos processos educacionais. O levantamento é
feito junto a alunos, professores do ensino fundamental e médio, coordenadores pedagógicos e
diretores.
Dentro campo de pesquisa, escolas do ensino médio que utilizam as TIC no processo de
aprendizagem, o CETIC apresenta pesquisa que teve por base 930 escolas públicas de ensino
médio na Região Nordeste. Os dados foram coletados entre setembro de 2014 e março de 2015.
Os resultados mais relevantes são:
Na região Nordeste, apenas 30% das escolas públicas de ensino médio teve professores
capacitados para o uso das TIC em sala de aula;
No entanto, 96% das escolas públicas de ensino médio possuíam infraestrutura necessária
para o uso das TIC;
Apenas 30% possuíam professores que davam aulas específicas de informática;
67% possuem Laboratório de Informática, 26% possuem computadores na biblioteca ou sala
de estudos, 7% possuem computadores em sala de aula, 42% possuem computadores na sala dos
professores e 79% possuem computadores na sala de coordenação/direção;
Apenas 5% destas escolas possuem responsáveis pela manutenção de equipamentos de
informática;
85% das escolas possuem acesso à internet, sendo 46% conexão via cabo, 17% conexão via
telefônica (DSL), 11% via rádio, 8% via satélite e 4% via fibra ótica, 15% conexão móvel
(modem 3G).
A partir dessas informações podemos concluir que a parte inicial do programa, que teve
como foco a montagem da infraestrutura das escolas através do fornecimento de equipamentos
foi implantada, deixando a desejar nos quesitos de capacitação dos professores e a
consequentemente na adequação dos imigrantes digitais a esta nova realidade.
2.2.2. Programa um Computador por aluno (PROUCA)
O Programa Um Computador por Aluno – UCA – foi oficialmente criado por intermédio
da publicação da Medida Provisória nº 472/09, de 15 de dezembro de 2009, que trata, entre
outros assuntos, da criação do programa, bem como da instituição de um regime especial para a
compra de computadores voltados ao uso educacional, o RECOMPE. Essa Medida Provisória foi
convertida na Lei nº 12.249, de 10 de junho de 2010, que posteriormente denominou o Projeto de
PROUCA, conforme decreto presidencial que o regulamenta. Segundo a lei instituidora, o
Programa Um Computador por Aluno, tinha no campo educacional, os seguintes objetivos:
a) contribuir na construção da sociedade sustentável mediante desenvolvimento de
competências, habilidades, valores e sensibilidades, considerando os diferentes
grupamentos sociais e saberes dos sujeitos da aprendizagem;
b) inovar os sistemas de ensino para melhorar a qualidade da educação com equidade no
país;
c) ampliar o processo de inclusão digital das comunidades escolares;
d) possibilitar a cada estudante e educador da rede pública do ensino básico o uso de um
laptop para ampliar seu acesso à informação, desenvolver habilidades de produção,
adquirir novos saberes, expandir a sua inteligência e participar da construção coletiva do
conhecimento;
e) conceber, desenvolver e valorizar a formação de educadores (gestores e professores) na
utilização do laptop educacional com estudantes; e
f) criar a rede nacional de desenvolvimento do projeto para implantação, implementação,
acompanhamento e avaliação do processo de uso do laptop educacional.
O Programa Um Computador por Aluno – PROUCA – tinha como desafio alcançar todos
os estudantes de Ensino Médio e Fundamental do país, a fim de que cada estudante possuísse um
computador portátil com acesso à internet. O objetivo do programa era intensificar as TIC nas
escolas, por meio de seu projeto “piloto”, onde 150.000 computadores portáteis (laptops
educacionais) foram distribuídos; na primeira fase, aos alunos da rede pública de ensino,
atendendo 300 escolas espalhadas pelo país. Conforme os dados constantes no SIMEC (Sistema
Integrado de Monitoramento, Execução e Controle) foram investidos R$ 82.485.000,00 para
realização dessa iniciativa. O equipamento adquirido continha sistema operacional específico e
características físicas que facilitavam o uso e garantiam a segurança dos estudantes e foi
desenvolvido especialmente para uso no ambiente escolar.
Antes de ser instituído por lei, o projeto foi apresentado pelo Governo Brasileiro durante o
Fórum Econômico Mundial em Davos – Suíça, em janeiro de 2005. Em junho do mesmo ano, o
presidente Lula criou um grupo interministerial para dar encaminhamento à proposta. A partir de
debates com especialistas da área de Tecnologia da Informação e Comunicação, uma parceria foi
formalizada com a FACTI (Fundação de Apoio à Capacitação em Tecnologia da Informação) e a
FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos).
Em fevereiro de 2006, mais três instituições passaram a integrar o grupo técnico e fazer
um estudo sobre a viabilidade do programa: CENPRA – Centro de Pesquisa Renato Archer;
Fundação CERTI – Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras e LSI –
Laboratório de Sistemas Integráveis. Três fabricantes de equipamentos interessados no projeto
brasileiro doaram ao Governo Federal três modelos de laptop. A Intel doou o modelo Classmate;
a OLPC doou o modelo XO; e a empresa Indiana Encore doou o modelo Mobilis.
FIGURA – LAPTOPS XO (OLPC), MOBILIS (ENCORE) E CLASSMATE (INTEL) FONTE: UCA – UNICAMP (InterHAD).
Em janeiro de 2010, foi finalizado o procedimento licitatório para a aquisição de 150.000
laptop educacionais, que atenderam cerca de 300 escolas públicas já selecionadas nos estados e
municípios. Além dos computadores, cada estabelecimento de ensino recebeu infraestrutura para
acesso à internet e capacitação de gestores e professores no uso da tecnologia.
A partir de então, o UCA passou a denominar-se PROUCA. Nessa nova etapa, o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE – elaborou uma Ata Nacional de Registro de
Preços onde os estados/municípios poderiam adquirir os equipamentos por meio de recursos
próprios ou por financiamento do BNDES, conforme sua política pedagógica, disposição de
recursos e sua capacidade administrativa.
2.2.3. O PROUCA no Estado do Ceará
O Estado do Ceará foi atendido, a partir do ano de 2010, com um total de 4.063
equipamentos UCA, contemplando, nesta primeira fase, um total de nove escolas, conforme se
pode verificar na tabela abaixo:
Os alunos cearenses voltaram a ser beneficiários do projeto em fevereiro de 2013, com
2.779 alunos de escolas públicas da capital e do interior, o que totalizou um investimento de R$
3.213.952,36 e 6.842 alunos atendidos no período de 2010 a 2013.
Em 2013, o Fundo Nacional de Desenvolvimento na Educação, principal financiador do
projeto, deixou de fazer convênios com as prefeituras para o PROUCA. Com a falta de liberação
de recursos, os municípios passaram a fazer adesão ao ProInfo.
2.2.4. O Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo)
O Programa Nacional de Tecnologia Educacional – ProInfo – é um programa
educacional criado pela Portaria nº 522 do Ministério da Educação, por meio da Secretaria de
Educação a Distância – SEED, em 9 de abril de 1997, desenvolvido em parceria com os governos
estaduais e municipais.
Seus objetivos são: “melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem,
possibilitar a criação de uma nova ecologia cognitiva nos ambientes escolares mediante
incorporação adequada das novas tecnologias da informação pelas escolas, propiciar uma
educação voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico, educar para uma cidadania
global numa sociedade tecnologicamente desenvolvida”. (www.proinfo.gov.br).
O programa teve início com a introdução das tecnologias de informática e
telecomunicações na rede pública de ensino fundamental e médio por meio de um regime de
parceria entre a Secretaria de Educação a Distância – SEED, do MEC com os governos estaduais,
mas também das Secretarias Estaduais de Educação e Conselho Nacional de Secretários de
Educação – CONSED e os governos municipais, através das Secretarias Municipais de Educação
e União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME.
A instalação de NTE – Núcleos de Tecnologia Educacional – nas principais unidades da
federação buscava garantir a reciclagem, preparação e capacitação dos recursos humanos, no caso
os professores, atores fundamentais para o sucesso do programa. A capacitação do professor se
dá em dois níveis: os multiplicadores e de escolas.
O professor especialista conduz a capacitação de professores para uso da telemática em
sala de aula. Já os professores multiplicadores capacitam os professores nas bases tecnológicas do
ProInfo nos Estados e os NTE, que são estruturas de apoio ao processo de informatização das
escolas, os auxiliam no processo de planejamento, incorporação das novas tecnologias, suporte
técnico, capacitação dos professores e das equipes administrativas das escolas.
Para promover o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação em instituições de
ensino público, no Ensino Fundamental e Médio, essa capacitação recebe recursos do Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) e é realizada no âmbito do Plano
Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Segundo o Ministério da Educação, o Proinfo tem o objetivo de promover o uso
pedagógico da informática na rede pública de educação básica. O governo Lula ampliou o
programa, que leva às escolas computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais. Em
contrapartida, estados, Distrito Federal e municípios devem garantir a estrutura adequada para
receber os laboratórios e capacitar os educadores para uso de equipamentos e tecnologias.
Baseado na proposta do ProInfo, o Governo Federal criou o E-ProInfo e o ProInfo
Integrado. O primeiro pode ser definido como um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem
que permite a concepção, administração e desenvolvimento de diversos tipos de ações, como
cursos a distância, complementação a cursos presenciais, projetos de pesquisa, projetos
colaborativos e diversas formas de apoio ao processo ensino-aprendizagem.
Por sua vez, o Programa Nacional de Formação Continuada em Tecnologia Educacional
(ProInfo Integrado) oferece cursos a professores das escolas públicas por meio de formação
voltada para o uso didático-pedagógico das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no
cotidiano escolar, articulado à distribuição dos equipamentos tecnológicos nas escolas e à oferta
de conteúdos e recursos multimídia e digitais oferecidos pelo Portal do Professor, pela TV Escola
e DVD Escola, pelo Domínio Público e pelo Banco Internacional de Objetos Educacionais.
O Painel de Controle do Ministério da Educação – SIMEC (painel.mec.gov.br) fornece
dados estaduais sobre a implantação da educação digital através do ProInfo no Ceará. Registram-
se aqui as informações mais relevantes, dentro deste campo de pesquisa.
De janeiro de 1999 a junho de 2015 foram entregues pelo ProInfo 5.465 laboratórios de
informática, tanto na zona urbana (2.924 escolas), quanto na zona rural (2.541 escolas),
totalizando um investimento de R$ 445.690.530,51, que beneficiou 184 municípios. Somente a
Região Metropolitana de Fortaleza recebeu 1.135 laboratórios.
Em todo o estado do Ceará, 4.696 escolas foram beneficiadas pelo programa, dentre elas
as escolas estaduais de Ensino Médio que foram objetos da pesquisa: Escola de Ensino Médio
Governador Adauto Bezerra (01 laboratório de informática – investimento de R$ 11.103,46) e
Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls (03 laboratórios de informática –
investimento de R$ 1.394.093,46). Entre os anos de 2011 e 2015, o ProInfo também entregou
5.373 projetores em todo o estado do Ceará, sendo 3.387 somente na Região Metropolitana de
Fortaleza, com recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Mediante exigências do ProInfo, a partir de 1997, foi solicitada aos estados a elaboração
de seus projetos de Informática na Educação, o que incluía a formação de professores e
multiplicadores. Com isso, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará SEDUC-CE
desenvolveu a partir de 1998 uma formação que se apresentava em três ações estratégicas
(CEARÁ, 1997):
Curso de Especialização em Informática na Educação para professores multiplicadores dos
Núcleos de Tecnologia Educacional – NTE, técnicos de equipes de apoio curricular e tele ensino.
O curso foi ministrado pela Faculdade de Educação – FACED e pelo Curso de Computação da
Universidade Federal do Ceará, oferecido para 40 professores dos municípios de Fortaleza,
Sobral, Tauá, Iguatu, Crato, Crateús, Itapipoca e Quixadá;
Curso de extensão voltado para os professores multiplicadores, docentes dos laboratórios de
Informática das Infovias do Desenvolvimento, dos NTE, do Projeto Escola Viva e do Centro de
Informática Educativa – CIEd;
Curso de capacitação realizado para professores e alunos monitores das escolas públicas
estaduais.
Importante ressaltar a importância dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE), locais
dotados de infraestrutura de informática e comunicação que reúnem educadores e especialistas
em tecnologia de hardware e software. Os profissionais que trabalham nos NTE são
especialmente capacitados pelo ProInfo para auxiliar as escolas em todas as fases do processo de
incorporação, e aprimoramento das novas tecnologias no contexto educacional. Portanto, o NTE
é o parceiro mais próximo da escola no processo de inclusão digital, prestando orientação aos
diretores, professores e alunos quanto ao uso e aplicação das novas tecnologias, bem como no
que se refere à utilização e manutenção do equipamento. A capacitação dos professores é
realizada a partir destes núcleos onde os agentes multiplicadores dispõem de toda a estrutura
necessária para qualificar os educadores a fim de utilizar a internet no processo educacional.
A função do NTE é orientar o uso adequado dos instrumentos tecnológicos para promover
o desenvolvimento humano não apenas no âmbito escolar, mas em toda a comunidade,
otimizando assim os resultados através da multiplicação do aprendizado.
O número de escolas a serem atendidas – bem como o número de NTE em cada Estado – é
estabelecido de maneira proporcional ao número de alunos e escolas de cada rede de ensino
público estadual.
No estado do Ceará, os NTE implantados pelo ProInfo estão situados nas dependências
dos CREDE (Coordenadoria Regional de Desenvolvimento da Educação), totalizando 21 núcleos
em municípios estratégicos. Na primeira fase do projeto (1997 e 1998), 147 escolas foram
atendidas, por meio da instalação de Laboratórios Escolares de Informática – LEI.
2.2.5. Programa Computador Portátil para Professores
O Programa Computador Portátil para Professores veio da articulação entre a Presidência
da República, Ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia, e da Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos com o setor privado, sendo gerido no âmbito da Secretaria de Educação à
Distância – SEED/MEC – no intuito de dar sequência ao projeto Cidadão Conectado –
Computador para Todos – permitindo aos professores do ensino básico, profissional e superior de
instituições públicas e privadas credenciadas junto ao MEC, a oportunidade de adquirir
computadores de diversas marcas e modelos, com financiamento em 24 ou 36 parcelas.
Instituído legalmente pelo decreto 6.504, de quatro de julho de 2008 e com coordenação
dos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação, o Programa Computador Portátil para
Professores nasceu com o objetivo de promover a inclusão digital de professores ativos da rede
pública e privada de todos os níveis de educação, mediante a aquisição de computadores portáteis
(notebooks), programas de computador (softwares) neles instalados e de suporte e assistência
técnica, de acordo com as especificações técnicas mínimas estabelecidas pelo Ministério da
Ciência e Tecnologia.
O projeto, em sua primeira fase, no ano de 2009, atendeu a 64 municípios. Depois foi
estendido a todos os municípios brasileiros. No Ceará, os municípios de Sobral e São Gonçalo
foram os primeiros beneficiados pelo Programa que tinha como objetivos específicos:
Facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores com preço máximo de R$
1.400,00 (um mil e quatrocentos reais) à vista, com frete incluso e configuração básica de acordo
com a portaria do programa Cidadão Conectado – Computador para Todos.
Auxiliar na formação intelectual e pedagógica dos professores, a partir da interação com as
novas tecnologias da informação e comunicação – TIC, através do fácil acesso ao computador
portátil.
Aumentar os atuais patamares da inclusão digital e fomentar o desenvolvimento sustentável
brasileiro.
Propiciar um ambiente favorável à inovação na área de educação, paralelamente ao
desenvolvimento de futuras tecnologias na área pedagógica e social, contribuindo assim para a
melhoria da qualidade do ensino público brasileiro.
2.2.6. Programa Banda Larga nas Escolas
O Programa Banda Larga nas Escolas foi criado pelo Decreto nº 6.424, de 04 de abril de
2008. A gestão do programa é de competência do Ministério da Educação e da Agência Nacional
de Telecomunicações (ANATEL), em parceria com o Ministério das Comunicações, com o
Ministério do Planejamento e com as Secretarias de Educação Estaduais e Municipais.
Com o objetivo de incrementar o ensino público no Brasil, o programa visa conectar todas
as escolas públicas urbanas à internet por meio da banda larga. O Programa resultou de
negociações com concessionárias de serviços de telecomunicações, que assumiram
voluntariamente o compromisso de propiciar a conexão gratuita à internet via banda larga em
todas as escolas públicas de Ensino Médio e Fundamental, localizadas em áreas urbanas, até
2010, com serviço mantido gratuitamente até 2025.
Em 2003, o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio da Secretaria de Ciência e
Tecnologia para Inclusão Social criou os Centros Vocacionais Tecnológicos, que são unidades de
ensino e profissionalização voltados para o conhecimento científico e tecnológico, com o objetivo
de disseminar os conhecimentos práticos na área de serviços técnicos e de transferência de
conhecimentos tecnológicos.
Com políticas definidas e implantadas pelo Governo Lula, a presidenta Dilma Rousseff
(2010-2014) deu continuidade aos programas iniciados, ampliando o acesso à banda larga nas
escolas públicas, uma das diretrizes do seu programa de governo.
2.2.7. Programa Banda Larga nas Escolas no Ceará
Segundo dados do Ministério das Comunicações, em 2015, das 630 escolas de Ensino
Médio existentes no estado do Ceará (578 urbanas e 52 rurais – gráficos 1 e 2), 373 declaram ser
atendidas pelo Programa Banda Larga na Escola. Das 52 escolas do meio rural, 24 possuem sala
de informática e têm acesso à banda larga; enquanto que no meio urbano, das 578 escolas
existentes, 480 possuem laboratório de informática, mas somente 349 possuem banda larga. As
630 escolas atendem um total de 347.665 alunos do ensino médio e 19.355 professores atuando
em sala de aula.
Gráficos 1 e 2
As 630 escolas são equipadas com 5.069 computadores, 825 projetores, 968 televisões e
597 aparelhos de DVD. O Ministério das Comunicações não informou o quantitativo de lousas
eletrônicas e tabletes, equipamentos que encontramos em nossa pesquisa de campo, como sendo
os mais disputados entre os professores que utilizam as TIC em sala de aula.
Um fato que chamou atenção na tabela enviada pelo Ministério das Comunicações foi que
96 escolas que não aderiram ao Programa, também possuem sua própria internet banda larga, o
que totaliza no estado do Ceará 469 escolas com acesso à internet. Dentre estas, 78% possuem
velocidade de 2MB, 17% de 5MG, 4% de 10MG e apenas 1% das escolas possuem velocidade de
15 MB. Todas as 373 escolas participantes do Programa Banda Larga na Escola, assim como as
96 não participantes do Programa são atendidas pela operadora Oi.
Ao analisar todos os aspectos observados para contextualizar a formulação deste tipo de
política inclusiva, conclui-se que as políticas públicas dos governos Lula e Dilma construídas
para munir o novo tipo de estudante, que surge em meio às transformações tecnológicas, têm sido
implantadas com o objetivo de oferecer recursos físicos e capacitar docentes e discentes para que
estejam preparados tecnicamente para usar estes recursos tecnológicos.
No entanto, os programas em estudo vislumbravam algo maior que recursos físicos e
habilidades técnicas no ambiente escolar. O propósito era agregar as ferramentas digitais para a
construção de um modelo de ensino onde estudantes e professores juntos possam construir o
saber, usando a cultura digital como parte integrante do processo pedagógico que permeia toda a
aprendizagem.
3 UM PERCURSO EM CAMPO
Os caminhos da pesquisa são sempre tortuosos, plenos de atalhos e trilhas
que muitas vezes não levam a lugar nenhum, obrigando a transitar em idas e
vindas.
Dayrell, 2005, p.19
A reflexão de Dayrell ecoa os encantos e desencantos do percurso metodológico
concretizado nesta pesquisa. Selecionar as escolas nas quais talvez fossem encontrados os
resultados buscados, escolher quais coordenadores aceitariam participar da pesquisa com
tranquilidade sem atrapalhar o caminhar de alunos e professores em suas atividades diárias,
escolher quais professores estavam dispostos a perder cinco a dez minutos do seu intervalo para
responder algumas perguntas, não foi fácil. Esse trajeto de idas e vindas, erros e acertos,
satisfações e decepções, reflexões e questões é característico da pesquisa empírica, revelando as
(im) perfeições da caminhada.
Neste capítulo, a trajetória metodológica acha-se revelada nas inúmeras escolhas
realizadas ao longo da construção deste trabalho. Tal trajetória será descrita minuciosamente,
desde os primeiros contatos com os sujeitos da pesquisa até as estratégias adotadas para
organizar, sistematizar e analisar resultados.
3.1. A pesquisa qualitativa
A pesquisa empírica realizada no âmbito de duas instituições escolares públicas
específicas (Escolas César Calls e Adauto Bezerra) constitui-se em exame minucioso, guiado
pelo objetivo de solucionar o problema da emergência dos nativos digitais pela mediação
docente, a partir da aproximação rigorosamente planejada entre o pesquisador e os sujeitos
(professores) inseridos em seu campo real e cotidiano. Segundo Gil (2007, p. 17), esse tipo de
pesquisa é assim definido:
Procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos
problemas que são propostos. A pesquisa desenvolve-se por um processo constituído de
várias fases, desde a formulação do problema até a apresentação e discussão dos resultados.
(Gil, 2007, p.17)
Ao definir os aspectos da relação docente discente que seriam analisados nesta pesquisa e
traçar a metodologia apropriada para o problema apresentado, a pesquisa qualitativa
observacional despontou como a melhor alternativa. Esta, segundo Trivinõs (1987), apresenta
potencial para captação de aspectos descritivos, tendo no significado formulado pelos sujeitos sua
preocupação essencial, bem como o ambiente natural como fonte direta dos dados. Neste
contexto, o pesquisador converte-se em instrumento chave por ocupar-se do processo, e não
simplesmente dos resultados, analisando por isso os dados indutivamente.
Assim, o método qualitativo observacional foi escolhido por propiciar o aprofundamento
da compreensão de um grupo social específico, de uma organização escolar, neste caso,
socializada com a cultura digital como elemento integrante do trabalho de educação formal.
Deste modo, a quantificação de valores não é uma prioridade, mas antes o que prevalece é a
articulação de diferentes abordagens, centrada na compreensão e explicação da dinâmica das
relações sociais entre estudante e professor, a partir da perspectiva deste último.
Entendendo o processo de inserção das TIC em sala de aula como uma desestabilização
de padrões tradicionais de ensino, a abordagem qualitativa neste caso induziu a uma reflexão por
parte dos agentes da pesquisa, principalmente daqueles mais resistentes a tal transformação.
Embora nas duas escolas observadas, a entrada em campo tenha sido realizada no sentido de
intervir o mínimo possível na dinâmica do ambiente, era preciso reconhecer que desde as
primeiras percepções do campo empírico, as considerações feitas por Richardson mostraram-se
pertinentes:
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a complexidade de
determinado problema, analisar a interação de determinadas variáveis, compreender e classificar
processos dinâmicos vividos por grupos sociais, contribuir no processo de mudança de determinado
grupo e possibilitar, em maior nível de profundidade, o entendimento das particularidades do
comportamento dos indivíduos. (Richardson, 1999, p.80)
Deste modo, e conforme a descrição de Trivinõs e também de Godoy (1995, p.62), as
características da pesquisa qualitativa condizem com aquelas do estudo realizado. Quanto ao
caráter descritivo da pesquisa, este foi incorporado a fim de exprimir detalhadamente as
características dos sujeitos da comunidade escolar: gestores, professores, alunos e colaboradores,
inseridos conscientemente ou não no fenômeno da disseminação do uso das TIC. Faz parte
também do trabalho de observação a consideração do impacto que a tecnologia tem na vida de
cada um dos citados sujeitos, seja no contexto social, pessoal ou escolar, diante de variáveis
como grau de escolaridade e idade. A partir da observação e do registro dos fatos observados,
foram extraídos os pontos que mais têm influenciado na configuração da problemática analisada,
para que depois, de forma indutiva, a pesquisa possibilitasse a emergência de questionamentos
relevantes para a elaboração do roteiro de entrevista a ser apresentado aos docentes.
Como técnica complementar de pesquisa, após a etapa de observação, a entrevista
subsidiou a obtenção de informações a respeito do que os docentes sabem, percebem, esperam,
sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram e também acerca das suas explicações ou
razões a respeito de fatos vivenciados que envolvem a disseminação das TIC no ambiente
escolar.
Por isso, os dados foram coletados a partir de um roteiro de entrevistas semiestruturadas,
formuladas com base na observação em campo e dirigidas aos professores pessoalmente. As
entrevistas realizadas face a face geraram elementos favoráveis a uma análise mais aprofundada
do tema, ultrapassando a expectativa inicial gerada pela aplicação das quinze perguntas
apresentadas na fase exploratória da pesquisa.
Segundo Duarte (2004), há alguns procedimentos importantes a serem adotados entre as
etapas de realização de entrevista e análise dos dados coletados. O primeiro deles diz respeito à
transcrição: entrevistas devem ser transcritas, logo depois de encerradas, de preferência por quem
as realiza e devem passar pela chamada “conferência de fidedignidade”: ouvir a gravação tendo o
texto transcrito em mãos, acompanhando e conferindo cada frase, mudanças de entonação,
interjeições, interrupções etc.
Transcrever e ler cada entrevista realizada, antes de partir para a seguinte, ajuda a corrigir erros, a
evitar respostas induzidas e a reavaliar os rumos da investigação (ALBERTI, 1990).
As citadas entrevistas foram realizadas com professores de duas escolas públicas que
inseriram o uso das TIC em sala de aula, utilizando este recurso em diversas disciplinas a partir
dos anos 2000. Neste contexto, o método comparativo revelou-se como um auxiliar valioso na
obtenção de análises mais profundas acerca do tema. Sérgio Bulgacov (1998), explica que os
estudos que envolvem tal método utilizam-no para identificar fenômenos complexos, assim
como, a atuação e a comparação entre organizações de um mesmo setor ou mesmo de setores
diferentes. Desta forma, o autor define o método comparativo como:
A comparação sistemática de um grupo determinado de organizações, ou grupos específicos de
organizações, com a finalidade de estabelecer relações entre suas variáveis ou categorias analíticas.
(BULGACOV, 1998)
A utilização do método comparativo teve como ponto de partida um elemento comum às
duas escolas: ambas apresentavam experiências exitosas posteriores à inserção das TIC na
aprendizagem do conteúdo das disciplinas curriculares. A partir disto, os dois ambientes foram
confrontados, com a finalidade de verificar outras similitudes e explicar possíveis divergências. A
análise comparativa auxiliou tanto na relação entre os resultados das duas no que concerne ao uso
das TIC, quanto à percepção do envolvimento dos professores e dos alunos com a nova realidade
escolar, mediante as variáveis de cada ambiente.
Resumindo o processo: a escolha bibliográfica subsidiou a formulação sociológica do
fenômeno estudado, de modo a interrogar, coletar e compreender dados e perspectivas de análise
referentes à temática. Em seguida, a pesquisa de campo deu sequência ao trabalho com o objetivo
de observar empiricamente a configuração do problema, subsidiando realinhamentos da
perspectiva teórica estruturada. Ao aplicar as entrevistas, a interpretação qualitativa foi
responsável por guiar a maior parte da pesquisa e o estudo comparativo foi fundamental para as
análises e proposições finais.
3.2. Inserção no campo – a escolha das escolas.
Propor um estudo sobre nativos digitais, uma categoria muito debatida na Educação e na
Pedagogia, mas pouco estudada nas Ciências Sociais, ainda mais em um Programa de Pós-
Graduação em Sociologia, não foi uma decisão das mais fáceis. Reinventar formas sociológicas
de olhar para os sujeitos desta pesquisa e pensar como a educação é influenciada pelo uso das
TIC e da internet requer uma compreensão mais ampla do que aquela engendrada pela
perspectiva educacional, pois é preciso pensar também os modos como a internet e as tecnologias
digitais se ramificam na sociedade como um todo. Mas como circunscrever o caminho teórico-
metodológico relativo a uma temática que se encontra na interseção de vários campos
disciplinares: da Sociologia à Educação, da Comunicação às Políticas Públicas, das Tecnologias
da Comunicação e Informação à Cultura?
Descrever em detalhes o campo, controlando a mediação da subjetividade do pesquisador
foi, talvez, o mais difícil. Em muitos momentos foi preciso rever prejulgamentos, os quais
conduziam à adjetivação e caracterização de alunos e professores em situação de aprendizagem, à
luz de concepções que conferiam sentido ao cotidiano compartilhado por pesquisador e sujeitos
da pesquisa. Na concepção formulada inicialmente, podia dizer quem era “comprometido”, sendo
feliz por ser professor; quem apesar de ser funcionário público, odiava a esfera pública da vida
coletiva; o que caracterizava os jovens e aquilo que não. Por isso, foi um difícil exercício
reflexivo e autorreflexivo considerar, sobretudo o que diziam e demonstravam os agentes da
pesquisa, recorrendo a categorias teórico-metodológicas que possibilitassem a superação de
descompassos e conflitos entre a prática e o discurso destes sujeitos.
Observar os jovens em suas interações cotidianas, as diversas maneiras de estar na escola
– no pátio, no refeitório, na biblioteca, na sala de aula – era o que mais interessava como forma
de aproximação do universo pesquisado. Os jovens pesquisados são fruto de suas relações com a
família e a escola, a partir de sua posição e disposições sociais e culturais. Mas eles são também
influenciados por suas interações cotidianas com amigos, face a face ou mediadas pelas
tecnologias digitais, seja o Facebook, o Instagram ou o WhatsApp.
No que concerne ao universo de valores do pesquisador, por vezes, surgia ainda a
comparação entre os jovens da escola pública e os jovens da escola particular, a experiência de
professores que lecionavam nas duas realidades, várias argumentações sobre cada um destes
universos sociais, até o momento em que um professor resumiu bem o que quase todos diziam:
“Minha filha, você quer saber, ‘gente’ é muito parecida, ‘jovem’ mais ainda. Depois da internet,
eles ficaram mais parecidos ainda, e eu penso que é assim em qualquer lugar do mundo. ”
A primeira dificuldade de delimitação do campo empírico da pesquisa foi a de selecionar
dentre as 621 escolas públicas de ensino médio, quais escolas atenderiam às questões abordadas
na pesquisa. A SEDUC fornecera uma lista com as 621 escolas e seus respectivos telefones. Na
Secretaria apenas uma pessoa, depois de bastante insistência sobre o recorte da pesquisa, sugeriu
cinco escolas: Colégio da Polícia Militar do Ceará, Colégio Militar do Corpo de Bombeiro,
Colégio Estadual Justiniano de Serpa, Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César Calls e a
Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra. Foram várias tentativas por telefone, e-
mail e visitas a estas escolas para conseguir contato com os diretores.
Feito o recorte de duas escolas, o percurso em campo foi iniciado no primeiro semestre de
2015. A Escola Estadual Adauto Bezerra tinha aprovado no ano anterior 144 estudantes no
ENEM (Exame Nacional de Ensino Médio) em universidades públicas, quase metade dos
inscritos na escola no terceiro ano do Ensino Médio, um feito noticiado por vários jornais locais.
Além do mais, um estudante de 16 anos surpreendeu a todos por acertar 172 das 180 questões da
prova, trazendo visibilidade para a escola em todo o Brasil.
Logo na entrada da escola de grades esverdeadas, um jardim pouco cuidado no centro e
quadras poliesportivas, havia um cartaz que mostrava que foram 60 aprovações na Universidade
Federal do Ceará (UFC), 18 na Universidade Estadual do Ceará (UECE), 45 em outras
instituições de ensino e 80 no Programa Universidade para Todos (Prouni). A título de
comparativo, no ano de 2005, cinco alunos foram aprovados em toda a escola. No ano de 2015, a
escola alcançou a marca de 255 aprovações. A Escola de Ensino Médio Governador Adauto
Bezerra, localizada na Rua Monsenhor Liberato, 1850, no bairro de Fátima, com 2000 alunos
matriculados no Ensino Médio e evasão de 3% no turno da manhã e 14% no turno da noite
constituiu-se assim como uma dentre as escolas que seriam analisadas.
Para corroborar a escolha, a escola usa as tecnologias para auxiliar na aula tradicional,
como, por exemplo, com o uso do programa GEOGEBRA, um software de Matemática dinâmica
para todos os níveis de ensino, reunindo em único programa: Geometria, Álgebra, Planilha de
Cálculos, Probabilidade, Estatística e Cálculos Simbólicos. A escola tem um blog alimentado por
professores e coordenadores pedagógicos e utiliza o aplicativo Facebook como principal
ferramenta de comunicação entre escola e comunidade. A escola também foi premiada pelo
programa “Aprender pra valer”, que busca a elevação do desempenho dos alunos do ensino
médio com níveis de proficiência adequados a cada série, bem como a articulação com a
educação profissional e tecnológica. Por esse feito, em 2014, a escola foi premiada com 304
computadores aos alunos que atingiram certo grau de proficiência. Este programa efetiva-se pela
Avaliação Censitária do Ensino Médio realizada pelo Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE) .
Em cada edição desta avaliação, são aplicados testes de desempenho e questionários
contextuais aos estudantes, visando traçar um panorama da qualidade de ensino. A partir dos
resultados, os gestores da educação podem elaborar e monitorar políticas, programas e projetos
educacionais; nas escolas, os diretores, os coordenadores pedagógicos, os professores, os
estudantes e os responsáveis podem definir ações para introduzir ajustes no projeto pedagógico
da escola. Assim, os dados fornecidos pelo SPAECE constituem ferramenta importante para
diagnosticar os resultados escolares e prestar esclarecimentos à sociedade sobre o ensino público
no Ceará.
No contexto de atuação do SPAECE, é preciso considerar que o surgimento da internet e
de todas as novas formas de comunicação e informação provocou mudanças nos modos de
pensar, agir, interagir, ler e aprender. Embora enfraquecido, o modelo disciplinar subsiste,
representando um campo de tensões entre abordagens que têm como base a chamada vanguarda
tecnológica e a disposição cultivada por valores educacionais “tradicionais”.
A segunda instituição selecionada, a Escola de Ensino Fundamental e Médio Dr. César
Calls, localizada na movimentada Avenida Domingos Olímpio, 1800, no bairro Farias Brito, em
Fortaleza, tem 1412 alunos, matriculados na 8ª e 9ª séries do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio. A evasão encontra-se na média cearense, cerca de 10%. O prédio deteriorado em pouco
se diferencia das duas outras escolas que se encontram na mesma avenida. A escola, com suas
colunas amarelas e azuis, um grande pátio ao centro e aquele vai e vem de jovens, é muito
parecida com a maioria das escolas públicas do estado do Ceará. No primeiro andar há um grande
pátio, algumas salas de aula e o refeitório. No segundo andar, além das salas de aula, estão a
biblioteca, as coordenações, as salas de Informática e a sala dos professores. Em toda parte há
cartazes, trabalhos, desenhos e frases motivacionais.
O bairro Farias Brito, conhecido pela população local como Otávio Bonfim, situado na
região Oeste de Fortaleza, ocupa posição privilegiada em termos de acesso à rede de transportes
públicos, pois na avenida transitam as principais linhas de ônibus do município. Assim, a escola
conta com alunos de todos os bairros. Como informou um dos coordenadores: “essa escola não é
uma escola de bairro, temos alunos de vários bairros e de outros municípios também. E temos
muitos alunos do ensino médio que vieram de escolas particulares”.
Em uma das últimas visitas à escola, acontecia o festival “Musique”. Naquele momento,
os professores do núcleo de Linguagens que normalmente trabalham com as TIC, estavam
apresentando aos alunos cantores brasileiros que eles desconheciam, como Zélia Duncan,
Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso, Raul Seixas, Chico Buarque, dentre outros. Os alunos
deveriam fazer uma fotografia autoral e relacioná-la com algum trecho da letra de músicas desses
cantores. Por isso, a escola estava repleta de fotografias espalhas por todos os andares. Além
disso, os mais talentosos participariam de um sarau na semana seguinte. Para a seleção, deveriam
gravar um vídeo mostrando seus talentos, os selecionados exibiriam suas apresentações aos
demais, em um dia dedicado à música, à arte e à cultura.
É preciso considerar que a escola conta com as seguintes propostas para o uso das TIC:
um projeto de tecnologia avançada em Robótica Educacional, que busca desenvolver nos
estudantes a capacidade de raciocínio lógico, as habilidades relacionadas com desenho
geométrico, construção de maquetes, Ciências Exatas utilizando a Informática e a linguagem de
programação. Esse projeto teve início em 2009, primeiro no Ensino Médio e depois no Ensino
Fundamental, com o Programa Mais Educação, envolvendo um grupo de 40 alunos. Ela também
tem um blog, alimentado pelos professores, e outro, mantido pelos estudantes, bem como tem no
Facebook sua principal ferramenta de comunicação entre escola e comunidade. No final de 2014,
14 alunos foram premiados com computadores por bom desempenho escolar.
A pesquisa de campo concretizou-se em duas etapas: a primeira, a partir de observações e
entrevistas informais com alunos, professores, coordenadores e servidores e, a segunda etapa, por
meio de uma entrevista estruturada com os professores.
Nas observações realizadas em campo, o celular do pesquisador foi um instrumento aceito
em campo como parte do cotidiano escolar. Como representante das tecnologias de síntese
presentes no século XXI, o celular e todas as suas funcionalidades supre as mais variadas
demandas experimentadas pelo pesquisador em campo: fotografar, filmar, gravar em áudio e em
vídeo e fazer registros no bloco de notas.
3.3. Notas da primeira visita à Escola César Calls
Enquanto esperava ser atendida pelo coordenador pedagógico da Escola César Calls,
fiquei observando aquele ambiente que em nada remetia à minha expectativa de uma escola
pública – além de cadernos e livros nas mãos e nas mochilas, meninas e meninos ostentavam
fones de ouvidos, telefones, smartfones e MP3.
Depois de passar pela biblioteca e pátio, cheguei à coordenação e fui recebida pelo
coordenador. “W” acumula as funções de coordenador financeiro e pedagógico e fala com muito
orgulho do seu trabalho. Entre interrupções de um aluno e intervenções da secretária,
conversamos por quase uma hora. Perguntei se o incomodaria a gravação de nossa conversa, ao
que ele me respondeu “não”.
Pedi que ele me falasse livremente como as TIC impactam no processo de ensino-
aprendizagem. Ele respondeu que as TIC têm a capacidade de aproximar realidade e
conhecimento e que a tecnologia em sala de aula torna o processo de aprendizagem mais atrativo
para os alunos. “Nós não temos como remar contra essa maré. Estes alunos estão sempre
conectados. Se nós, professores, estamos sempre conectados, imagina eles! Eu não posso
desprezar as TIC, eu não impeço que o menino traga seu laptop, eu não tenho como impedir que
ele goste de internet, eu não posso lutar contra isso! ”
Segundo W. o governo do estado apoia a iniciativa de inclusão digital na escola e para
isso os professores receberam tabletes emprestados do governo. A escola tem 60 computadores
educacionais e 40 computadores administrativos, mas só usam metade deles, pois os outros estão
armazenados. Também receberam uma lousa digital e ainda aguardavam receber mais cinco. A
lousa digital enviada pelo governo federal é um projetor com CPU embutida que acompanha uma
caneta holográfica e tem a vantagem de ser móvel, podendo ser levada para qualquer sala de aula.
Ao questionar se havia banda larga em toda a escola, W. disse que o provedor da IBM já
havia chegado, assim como os roteadores que farão parte do cinturão digital, mas que ainda
faltava a fibra ótica e a instalação deste material. Porém, a escola conta com internet nos 28
computadores administrativos e nos 60 computadores educacionais que estão no laboratório. Os
notebooks também têm acesso à internet, mas quando os três laboratórios são utilizados, é
suficiente para a internet cair. “Tem professor aqui que leva de 14 notebooks para a sala de aula!”
O coordenador afirmou ainda que os alunos não têm acesso à senha para utilização da
internet, mas que eles recorrem a programas nos celulares que descobrem a senha, enfraquecendo
o sistema. W. acrescentou: “Mas a gente vai ter que trabalhar com essa realidade, o governo já
mandou a parte física, o provedor e os roteadores, para que haja internet banda larga em toda a
escola. A verdade é que os alunos vão ter acesso à internet o tempo todo. A questão é: como será
a aula com esses meninos com internet o tempo todo? Esse é outro dilema! ”.
Questionado quanto à resistência de alguns professores em relação ao uso das TIC em sala
de aula, W. afirmou: “Você sabe, como em qualquer profissão, há profissionais e ‘profissionais’.
Na educação as pessoas têm o seu jeito de trabalhar, não é que alguns professores sejam
resistentes, mas não se identificam muito. Há professores aqui que dominam e brincam com
tecnologia, vão para a sala de aula e inventam novas maneiras de trabalhar. Nós temos projetos
exitosos na área de robótica, de Química, inclusive dois alunos daqui ganharam passagem e
hospedagem da SEDUC e foram participar de uma feira nacional. Há professores que se
identificam, que gostam. Aqui a gente influencia o aluno a pesquisar, a apresentar seminários, a
fazer banners. Nós temos um núcleo de pesquisa onde eles ficam direto nos computadores”. Ele
ainda acrescentou: “Têm professores inovadores que sabem lidar muito bem com a questão do
WhatsApp e com as redes sociais. Por outro lado, eu vejo professores se digladiando contra a
onda questionadora desses meninos, eu digo: gente, isso é ótimo! Parem de remar contra essa
maré! A nossa função de professor é muito mais de ponte. Eu tenho conhecimento e vou passar
para você, de jeito nenhum! Se esse menino entrar na internet ele descobre muito mais coisa do
que eu. Eu digo: gente, me tragam informações sobre o Barroco! Eu os deixo curiosos. Mas
também procuro ensiná-los a peneirar, a filtrar, priorizar. O que merece confiança? O que merece
uma análise? O que é subjetivo e o que é objetivo? Quando eles descobrem que a internet é um
acesso ao conhecimento e que eles têm acesso ao conhecimento quando querem é maravilhoso! ”.
W. informou que o laboratório de informática é o ambiente mais utilizado para o uso das
TIC, “os professores preferem levar os alunos ao laboratório onde a internet é melhor, apesar da
lousa digital ser móvel, a internet não funciona bem em todas as salas, então o laboratório ainda é
a melhor opção”. Também questionei quais programas e aplicativos são mais utilizados, o que me
respondeu: “o Internet Explorer, usamos bastante o google, os blogs e o facebook. Nós usamos o
facebook para se comunicar. Todos os recados que você vê pregado aí (aponta para um mural
cheio de avisos), eu boto aí só por mania, porque a comunicação escola professor acontece
mesmo pelo facebook. Por exemplo: o novo horário a partir de segunda, a convocação de uma
reunião, etc. Eles (os estudantes) usam todos esses aplicativos que você conhece: facebook,
WhatsApp, Instagram…. O pessoal da biblioteca alimenta o blog. O grêmio estudantil tem um
blog alimentado pelos alunos. Nós também temos uma rádio que os alunos se comunicam”.
Depois de aprofundarmos alguns pontos, como a faixa etária dos professores que usam as
TIC em sala de aula, a formação, se usam as TIC fora da sala de aula, dentre outras questões,
questionei se, na perspectiva do nativo digital, o uso das TIC em sala de aula contribui para
tornar o aprendizado mais atrativo. “Eles adoram, participam, se interessam e não querem perder.
Mas é preciso que haja planejamento, porque se deixar eles a vontade, só querem saber das redes
sociais! ”.
3.4. Notas da primeira visita à Escola Adauto Bezerra
Na primeira visita à Escola Adauto Bezerra fui recebida pela secretária e depois de uma
longa espera, fui encaminhada ao diretor. “O.” aceitou sem objeção que eu gravasse nossa
conversa.
A Escola Adauto Bezerra, no ano de 2014, havia sido premiada com 304 notebooks aos
alunos que atingiram certo grau de proficiência: “A Escola Adauto Bezerra foi uma das mais
premiadas pelo governo, foram 304 computadores…. o aluno não precisa concorrer com o outro,
só com ele mesmo, atingindo a escala, ele ganha!”
Questionei se a escola dispunha de internet para alunos e professores, ao que ele me
respondeu que a escola também fazia parte do cinturão digital, mas que a internet só estava
disponível aos professores. “Olha, a gente tem o cinturão digital, mas ainda é muito concentrado.
Quem é que pode usar? Só os professores! Os alunos não podem usar a internet. Não podem entre
aspas, porque eles são muito espertos, eles descobrem a senha e na hora do intervalo eles usam”.
Ele explicou que a internet não está disponível para os alunos porque a tecnologia Wi-Fi só chega
à mediação da sala dos professores, na área administrativa, mas não se expande para toda a
escola. “A gente participou, há dois finais de semana passados, da construção do Plano Estadual
de Educação, e uma das estratégias de uma das metas do plano foi a instalação de uma internet
que fosse para toda a comunidade escolar, para que todos os estudantes tenham acesso à internet,
na escola inteira. Esse plano foi construído por comissões da sociedade civil e vai para a
Assembléia Legislativa para ser sancionado e transformado em lei, ele deve estar de acordo com
o Plano Nacional de Educação. Aqui na escola nós já temos os quatro access point para serem
instalados, a gente ainda não instalou porque contratamos uma empresa para fazer um estudo de
distribuição, já que a escola é grande, para sabermos os pontos exatos aonde devem ser
instalados. Quando forem instalados, a escola inteira vai ter tecnologia Wi-Fi. Mas mesmo
instalada, ela não estará, de imediato, liberada aos estudantes. Por que? Porque temos que ter
critérios de como os estudantes vão poder utilizar. Uma das nossas grandes dificuldades é o uso
do celular na sala de aula, porque ele é um equipamento proibido, por lei e pela escola. Ele
poderá ser usado como instrumento pedagógico, tem muito pedagogo que discute isso. É, pode,
mas como? E o professor que às vezes nem um tablete tem, não porque não pode comprar, mas
não tem interesse em ter. A gente precisa primeiro discutir como utilizar esses recursos, porque
estamos meio perdidos. Alguns professores não fazem questão de utilizar, eles são diferentes
desses meninos que estão um passo na nossa frente. Tem havido muitas mudanças em relação ao
uso de tecnologias em sala de aula, mas ainda é tudo concentrado na mão do professor. Eu acho
que as escolas que você for pesquisar, quando você falar em tecnologia em sala de aula ele vão
dizer que usam, porque tem data show, tem internet, tem laboratório de Informática. Tem aulas
que são dadas no laboratório de Informática, pelo professor da disciplina mesmo, mas no
laboratório”.
Para o diretor, as tecnologias da educação impactam no processo de ensino-aprendizagem
de forma positiva. “Eu acho que toda tecnologia que vai surgindo vem para suprir uma
necessidade que as outras tecnologias não resolviam. Por exemplo, eu acho que livros são ótimos,
mas não são tão eficientes como o Google. E também o Google não resolve tudo, então as
tecnologias são suplementares, elas dão suporte uma a outra. Nós professores temos que saber
utilizar uma em cada momento. Eu tenho que saber a hora de usar um projetor multimídia em
sala de aula. Agora eu não posso usar o projetor multimídia todo dia e esquecer o livro, que
também não deixa de ser uma tecnologia também. Eu acho que tem que ter o momento, tem horas
que o livro vai ser extremamente utilizado, tem horas que vou usar a tecnologia do quadro branco
e do pincel e farei um bom uso dele, contanto que eu não escreva cinquenta mil coisas, que eu
não preciso mais fazer isso, o quadro branco não serve mais para isso, mas serve para eu botar
tópicos, para chamar a atenção para algumas observações, então ele é importante também. O
quadro branco não serve mais para escrever tudo como faziam antes. Eu acredito que todas as
tecnologias que vão surgindo têm seu lugar de importância se forem usadas de forma correta.
Porque todas as tecnologias, inclusive as digitais, se forem mal utilizadas, podem até atrapalhar.
Quem vai saber o bom uso e o mal-uso delas é o professor. Aqui temos professores que usam
muito o notebook com o projetor multimídia, aqui na escola temos até uns kits, que vem com as
extensões e tudo. O professor pega o kit dele e leva para a sala de aula. Tem professor aqui que
tem o seu próprio kit, vem com sua maletinha, não passa nem na biblioteca para pedir material.
Mas o que é que acontece? Já temos até observado de forma pedagógica e discutido com os
PCA´s (Professores Coordenadores de Área), como um professor chega toda aula com uma
multimídia? Toda aula tem um filme, um documentário, isso também não soa bem, é interessante
em algum momento, mas em todos os momentos, não fica bem. Faz falta a discussão, o
aprofundamento, o envolvimento dos alunos. Por exemplo, uma aula de Filosofia, você bota para
eles para assistir A sociedade dos poetas mortos. O filme todinho acho que você deve assistir em
casa comendo pipoca. Para a sala de aula você corta algumas partes principais e complementa
com textos, com debates, com discussão. Se você não fizer esses meninos entrarem no debate,
ficar só aquela coisa unilateral, direcionada, não funciona. A mesma coisa se o professor chegar
na sala, ficar só falando, é a mesma coisa do filme, o menino não sai do lugar. Enfim, as
tecnologias são importantes, mas é preciso usá-las com bom senso, com estudo pedagógico,
feedback de conhecimento. Eu acho que eles já usam muita tecnologia, principalmente em
relação à escola e a nós, professores. Tem professor aqui que é craque, mas se eu pegar aqui a
escola, dos 100 professores, a grande maioria deles não usa com propriedade. É preciso saber a
competência do professor para usar a tecnologia de forma pedagógica. A gente tinha um
professor de Matemática que se aposentou agora nesse começo de ano e ele estava com uma
dificuldade de interagir com os meninos, até pela idade dele. Mas um excelente professor,
principalmente de conhecimento e domínio da Matemática. E aí a gente sentou com ele e com o
PCA de Matemática porque já tínhamos verificado que a maioria dos alunos estava com notas
baixíssimas na disciplina dele. Tirar nota baixa em Matemática não é nenhuma novidade, mas
com aquele professor a situação estava pior. Aí a gente pensou: será se esse professor pode usar
algum tipo de tecnologia que os outros professores usam, tipo o Geogebra, que é um programa
que pode ser usado no laboratório de Informática? Será que esse professor ganharia um pouco
mais dos meninos em sala de aula se ele levasse alguns vídeos interessantes de Matemática? E o
que foi que a gente fez? Bom, vamos conversar com o professor. O professor, para nossa
surpresa, foi muito aberto. ‘Olha, eu toparia, mas eu não sei usar essas coisas’! Não tem problema
professor, a gente te ajuda. Usamos esse programa em sala de aula e o PCA de Matemática o
acompanhava no laboratório de Informática. Na parte que ele não sabia fazer, o professor de
Informática dava o suporte, a parte do conteúdo, ficava por conta dele. Deu certo, o resultado não
foi maravilhoso, mas obtivemos resultados bons, inclusive com a avaliação do PCA citando que a
interação do professor com os meninos em sala de aula tinha melhorado. Mas foi usado dentro da
medida, continuou com o livro, continuou no quadro, continuou com as exposições do professor.
E os meninos gostaram, porque eles gostam de ir ao laboratório de Informática. Em um momento
como esse, se a gente tivesse estrutura, a gente poderia usar os celulares deles, porque todos eles
têm. Poderia ser um aliado nesse momento. Nós ainda não evoluímos porque primeiro não temos
ainda estrutura, segundo porque temos medo de que a escola entre um pouco mais na
modernidade e se perca no conteúdo”.
O Plano Nacional de Educação (PNE) foi instituído pela lei número 13.005/2014,
determinando para o primeiro ano de vigência a elaboração ou adequação dos planos estaduais,
distrital e municipais de educação, em consonância com o texto nacional. O PNE determina
diretrizes, metas e estratégias para a política educacional para dez anos. O plano é dividido em
grupos: no primeiro grupo estão as metas estruturantes, para a garantia do direito à educação
básica com qualidade, que promovam a garantia do acesso, a universalização do ensino
obrigatório e a ampliação das oportunidades educacionais. As metas do segundo grupo dizem
respeito a redução das desigualdades e a valorização da diversidade, caminhos que visam a
equidade. O terceiro grupo de metas trata da valorização dos profissionais de educação, essa
estratégia busca que as metas anteriores sejam atingidas. O quarto grupo de metas se refere ao
ensino superior.
Para que as metas de estados, Distrito Federal e municípios estejam articuladas com as
metas nacionais, o Ministério da Educação (MEC) atuou em conjunto como Conselho Nacional
de Secretários de Educação (Consed) e com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), criando uma Rede de Assistência técnica, que monitora e avalia os planos
estaduais, distrital e municipais, através de assistência técnica às comissões coordenadoras e as
equipes técnicas.
A figura do PCA (Professor Coordenador de Área), mencionada pelo diretor, foi criada na
rede estadual de ensino do Ceará para subsidiar o trabalho de planejamento e formação contínua
dos professores, assessorando os coordenadores escolares no acompanhamento do trabalho
docente. O PCA colabora com o professor para desenvolver estratégias pedagógicas com o
objetivo de qualificar o processo de aprendizagem dos alunos.
O perfil do PCA deve ser indicado com algumas características profissionais, como:
reconhecimento pelo corpo docente por sua experiência exitosa em sala de aula; capacidade de
manter relação respeitosa com seus pares; ter dinamismo, liderança, flexibilidade e capacidade
formativa; ser compromissado com autoformação; ser assíduo e ter o hábito de planejar suas
atividades; demonstrar comprometimento profissional e seriedade e ter capacidade para gerir
conflitos. O PCA deve ser habilitado em nível superior, tendo por referência a área de
Linguagens e Códigos; Ciências da Natureza e Matemática; ou Ciências Humanas.
Vale mencionar neste momento uma tabela com os recursos e ferramentas informatizadas
disponíveis em sala de aula nas duas escolas, disponíveis para o corpo docente e discente.
Tabela 1: Recursos e ferramentas informatizadas disponíveis na escola
QUANTIDADE
RECURSOS Escola 1 Escola 2
Computadores educacionais 60 60
Computadores
Administrativos 28 40
Notebook 20
Datashow 05 05
Lousa digital 02 01
Copiadora 03 03
Scanner 04 05
Tabela 2: Titulação dos professores do Ensino Médio
TITULAÇÃO QUANTIDADE DE PROFESSORES Escola 1 Escola 2
Graduados --- 12
Especialistas 43 57
Mestrandos 06 ---
Mestres 05 27
Doutores 01 04
Total 55 100
3.5. A etnografia visual e o professor dos NATIVOS DIGITAIS
O percurso metodológico trouxe a ideia de que os professores imigrantes no ciberespaço
vivem os desafios de um tempo em transição. Eles, se nasceram há mais de 20 anos, são de uma
escola onde o aprendizado se dava de forma presencial, oral e a construção do conhecimento se
dá de uma forma diferente do que esperam seus alunos.
Ao longo do trabalho de campo, estive em contato com alguns professores que me
chamaram bastante atenção. Empenhados em dar o seu melhor em sala de aula, são pessoas que
se dizem muito satisfeitas com a escolha profissional que fizeram. Por meio de entrevistas,
pretendi traçar o perfil do professor dos nativos digitais. Não que outros professores não
atendessem às expectativas da pesquisa, mas alguns deles ousavam um pouco mais.
Os professores entrevistados entendem que essa geração de crianças e jovens é muito
diferente no modo de aprender, pois geralmente ela é autodidata naquilo que lhe interessa. Para
muitos autores a grande característica desses jovens está na necessidade e na autonomia em
adquirir o conhecimento que lhes interessa: “eles se comportam como ativos pesquisadores de
informações e não ‘recipientes’. São inquietos e preferem descobrir sozinhos a seguir linearmente
os passos planejados por outrem para chegar às aprendizagens”. (Kenski, 2010, p.50)
Durante a pesquisa nas escolas, vários professores assinalam que percebem os jovens de
hoje apresentam autonomia no processo de aprendizagem. “Para mim, o estudante de hoje é meio
autodidata. Digo isso porque vejo isso todos os dias em sala de aula. É aquele tipo de aluno que a
gente pede para fazer uma pesquisa sobre determinado assunto para debatermos na sala de aula.
Quando o aluno chega em sala para o dia do debate, ele sabe mais do assunto do que eu. Ele traz
coisas que eu nunca nem tinha ouvido falar. Quando eu chego em casa vou pesquisar a
veracidade do que eles disseram e quase sempre eles têm razão”, relata F., professor de História.
“Um dia estava trabalhando com eles sobre jornal e teve um menino que trouxe uma matéria do
New York Times. Ele trouxe a notícia, usou o Google tradutor e traduziu. Tem aluno que se limita
à informação da Wikipédia, mas também tem aquele que vai mais longe.”, afirma G., professora
de TIC.
Os jovens nascidos após 1995, caracterizados por Bortolazzo (2012) como jovens da
Geração Z, fazendo referência ao verbo “zapear” ou mudar os canais da televisão sem se demorar
no mesmo canal, não se adaptam também a horários pouco flexíveis. Se antes, nos conectávamos
ao mundo por meio dos computadores de mesa, esta geração está sempre disponível e conectada
graças aos dispositivos móveis. Se antes a família se reunia na sala ao redor da televisão, hoje
esta geração tem em seu smartfone acesso a tantas possibilidades que nada lhes prende a lugar
nenhum. Parece que a Geração Z se identifica mais com o mundo virtual do que com o mundo
real e traz traços de comportamento bem peculiares, como a preocupação com o meio ambiente e
a construção de um planeta mais sustentável, conformando um forte senso de responsabilidade
social. Se as gerações anteriores precisavam se conectar à internet para entrar no mundo virtual, a
Geração Z já nasceu conectada e trata a conexão a internet como se fosse o fornecimento de água
ou eletricidade, sem imaginar o quanto já foi difícil acessar a internet em uma conexão discada.
Na verdade, a Geração Z não entende bem o verbo “discar”.
Marc Prensky foi quem melhor definiu esses jovens que nasceram pós o advento da
internet, dos smartfones e das conexões de acesso rápido à internet. Os nativos digitais têm uma
maneira diferente de se relacionar com tabletes, computadores e smartfones e isso é claramente
percebido na observação em campo, nas ruas, nos shoppings e nos transportes públicos.
Bortolazzo (2012) descreve o comportamento dos nativos digitais:
Eles são despertados pelo alarme de um telefone celular e já aproveitam para no mesmo aparelho
verificar a temperatura da rua, antes mesmo de sair da cama. Vão para a escola ou para o trabalho
escutando suas músicas favoritas – atividade que pode durar o dia inteiro – e passam a maior parte
do tempo operando com as tecnologias digitais. E finalmente chegam em casa para descansar. Onde?
Na internet. (BORTOLAZZO, 2012, p.07)
Quando questionada sobre quais programas são mais utilizados em sala de aula, a
professora de Português B., relata: “eu basicamente uso na internet os sites de busca, tipo o
Google. Eles sabem editar um texto no Word, por exemplo. Eu vejo mais a dificuldade deles em
usar e-mail. Eu falo: gente manda esse texto para mim! Eles não falam em usar e-mail, eu estava
até trabalhando esse gênero com eles. Preferem usar Facebook ou WhatsApp para enviar”. A
professora também opta por pedir que eles baixem alguns livros paradidáticos da internet:
“Porque eles não querem comprar livros, na biblioteca tem poucos exemplares, então facilita
bastante meu trabalho quando eles baixam o livro da internet, aí não tem a desculpa de que não
leu porque não tinha o livro. Eu acho engraçado que eles não reclamam de ler no computador, eu
reclamaria. Eu sou do tempo que precisava imprimir o material. Se não for assim, parece que eu
não estou estudando, mas eles não.” Os imigrantes digitais, como não foram socializados
imediatamente com os recursos tecnológicos encontram certa dificuldade nesse processo de
socialização não encontrada pelos nativos digitais, como em usar o fone de ouvido o tempo todo,
ler no computador ou assistir filmes em um telefone celular. Uma professora ponderou: “não sei
como eles usam esses fones o dia inteiro, me incomoda tanto, mas parece que eles não se
incomodam não”.
Neste sentido, uma característica percebida pelos professores, também descrita por
Howard Gardner (2013), é o gosto desses jovens por aplicativos.
Os aplicativos são programas desenvolvidos principalmente para celulares, que possibilitam acesso
rápido a música, jogos, jornais, livros, dicionários, respondem as perguntas, controlam dietas, sonos,
alarmes, agendas e um sem número de outras informações. Os jovens estão imersos de aplicativos, e
acreditam que tudo aquilo que se necessita é resolvido por um deles. Se para algum desejo, não
existe um aplicativo – e se não for imediatamente desenvolvido – é porque o desejo não é
necessário. (Lins e Silva)
L., professora de História, destacou a frequência na qual os jovens usam os aplicativos na
sua prática docente: “Olha, esses meninos têm aplicativo para tudo. Você acredita que eles têm
um aplicativo para descobrir a senha da Wi-Fi? Eles dizem assim: professora, você quer que eu
conecte seu celular à internet? Você quer a senha da secretaria, da tesouraria ou da sala dos
professores? Eu fico impressionada! E todos eles têm celulares, mas nem sempre eles têm acesso
à internet”.
Quanto aos aplicativos mais utilizados em sala de aula, a professora de Português B. citou
o Spotfy, um aplicativo de músicas, que é usado para interpretação de textos, unindo o lúdico e a
tecnologia nas aulas de Português. O Spotify foi lançado em outubro de 2008 e é um serviço de
música comercial que fornece conteúdo de gravadoras e empresas de mídia, incluindo a BBC,
Sony, EMI, Warner Music Group e Universal. As músicas podem ser pesquisadas por artista,
álbum, gênero, lista de reprodução ou gravadora. “É uma febre entre os jovens”. A professora
conta que foram os próprios alunos que sugeriram o uso do aplicativo para substituir o uso do CD
player.
Outro aplicativo utilizado pela maioria dos professores é o Facebook. Segundo B.,
professora de Literatura: “usamos na maioria das vezes para publicar notas, avisos e lembretes.
Mas ano passado, resolvemos fazer um projeto tendo como principal ferramenta o Facebook”. O
projeto chamava-se “Ampliando a Escrita”, no qual os alunos faziam produções textuais
semanais sobre diversos temas e os professores usavam o Facebook para publicar textos de
referência para leitura e selecionar as melhores produções escritas pelos alunos.
A professora de Ciências, F., relata que os alunos usam mais o Facebook do que qualquer
outro aplicativo. “Até porque no Facebook a gente tem grupos da sala. No começo do ano eu já
digo: me incluam no grupo da sala! Às vezes a aula acaba, o debate foi bem interessante e não
deu tempo de terminar a correção, eu vou lá no grupo da sala no ‘face’ e termino a correção. O
Facebook é a ferramenta mais utilizada por mim em minhas aulas e funciona porque eles não
saem da ‘face’, então eu sei que eles visualizaram, eu sei que eles estão lá. Eles têm uma
necessidade do Facebook!”. Por conta disso, as escolas têm suas páginas no Facebook, muitas
vezes administradas pelos próprios alunos. “Uma das escolas, por exemplo, tem duas contas de
Facebook para garantir a interação e comunicação: um grupo aberto para todos os alunos e outro
privado somente para professores e funcionários”, comenta a professora F., de Geografia.
Vale nesse ponto firmar uma breve consideração sobre a plataforma Facebook. O site foi
criado em 2004 por quatro estudantes americanos, primeiramente limitado aos estudantes da
Universidade de Harvard, depois se expandindo a outras universidades, até que se tornou de
domínio público. A rede social, em 2014, divulgou a marca de 1,44 bilhão de usuários e permite
aos usuários participar de grupos de interesses comuns, organizados pela escola, trabalho ou
faculdade, permite também categorizar os amigos em listas, como “amigos do trabalho”, “colegas
de sala de aula”, dentre outros. Segundo levantamento da Pew Research Center, 71% dos jovens
usam a plataforma. Movimentos sociais ganharam força graças às palavras de ordem ditas no
Facebook, levando milhares de pessoas às ruas, como na Primavera árabe e no Movimento Passe
Livre. Segundo dados da própria ferramenta, o número de interações realizado durante os três
meses de campanha presidencial no Brasil em 2014 bateu o recorde de 346 milhões de
comentários, curtidas e compartilhamentos, atingindo 44 milhões de pessoas, ou 49,4% dos
usuários brasileiros.
Abaixo se encontra a representação gráfica dos principais aplicativos e programas
utilizados pelos professores em sala de aula, seja para socializar conteúdo, seja para comunicação
com os estudantes. Neste comparativo entre as duas escolas, os percentuais se referem ao número
total de professores (N=20). Os dados foram obtidos a partir de entrevistas com professores.
Gráfico 1: Aplicativos e programas utilizados pelos professores em sala de aula
No livro Educação e Tecnologias – o novo ritmo da informação, a autora Vani Moreira
Kenski aponta outra característica comum desses estudantes que também é percebida pelos
professores, a capacidade de articularem-se entre si, em grupos e redes. Os professores percebem
claramente essa interação quando os direcionam a trabalhar em grupos. “Eu percebo muito
claramente a capacidade deles de articulação quando eu proponho um trabalho. Por exemplo, eu
proponho uma pesquisa sobre a formação e características do povo brasileiro. Eu peço um
trabalho escrito e uma apresentação em sala de aula. Esses meninos criam logo um grupo de
WhatsApp para discutir o trabalho, aonde vão se encontrar, se é que vão, eu percebo que eles
fazem esses trabalhos sem nem se encontrar, quem vai fazer o quê no trabalho, como serão
divididas as tarefas. No dia do trabalho, eles chegam com tudo pronto. Vejo trabalhos excelentes,
com apresentações esclarecedoras. Claro que também tem trabalhos mal feitos, que mais parecem
colagem da Wikipédia”, disse G., professora de Geografia.
O WhatsApp é também uma das principais ferramentas de comunicação da escola: cada
sala tem um líder que cria o grupo da turma, com o objetivo de trocar informações sobre provas,
conteúdos, grupos de estudo ou datas de entregas de trabalho, podendo também ser usado como
ferramenta em sala de aula. O WhatsApp é um software para smartfones utilizado para troca de
mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios através de uma conexão à
internet. O WhatsApp foi lançado oficialmente em 2009 pelos veteranos do Yahoo e é visto como
uma substituição ao SMS, por ser mais prático e econômico, pois não há custo adicional para
troca de mensagens.
A professora de Português A., 40 anos, 17 anos de docência, também é adepta do uso das
TIC em sala de aula: “O uso das TIC sem dúvida deixa as aulas mais atrativas, o que influencia
diretamente no rendimento dos alunos. Qualquer pequeno recurso tecnológico que usamos, como
o simples uso do celular, deixa os alunos mais motivados e mais receptivos ao aprendizado e
consequentemente, as notas melhoram. Eu percebo alguns colegas bem resistentes em usar as
TIC em sala de aula, mas acho que é uma realidade difícil de ignorar, se a gente resiste muito, a
gente se perde no tempo, porque eles não têm dificuldade nenhuma para usar as tecnologias e o
que vier, eles encaram mesmo! Até um Datashow eles gostam, eu digo assim: me ajuda aqui
gente! E eles vem. ‘Professora, pode deixar que eu vou passando aqui!’ Está desconfigurado,
gente! ‘Pode deixar professora, que eu sei configurar!’ Eu acho interessante porque eles são dessa
era, eles nasceram inseridos nisso”.
Mattar (2010) descreve outra característica bem peculiar dos nativos digitais: é uma
geração que aprende fazendo. As gerações anteriores quando em face de um novo programa de
computador ou de um jogo eletrônico, tendem a ler o manual para entenderem como funciona o
programa ou jogo, já os nativos digitais acreditam que testando o programa ou jogo, em tentativas
de erros e acertos, aprenderão a usar o programa tentando usá-lo.
Os nativos digitais têm a capacidade de jogar videogames online e se comunicar com
pessoas do mundo todo. Durante a pesquisa de campo, havia um grupo de adolescentes
conversando sobre videogames e cheguei mais perto para escutar. Um deles comentava que tinha
jogado com um americano de Minnesota. Intrometi-me na conversa e perguntei: e você fala
inglês? Ele me respondeu que não, apenas o suficiente para jogar. O não entender a língua, que
encabula imigrantes digitais em entrar em uma partida online de videogame, não inibe os falantes
da língua de internet e computadores.
As principais tecnologias usadas nas escolas são a lousa digital, o Datashow, as caixas de
som, os computadores dos laboratórios e os smartfones. J., professora de História, afirma que a
principal ferramenta tecnológica usada por ela e por seus alunos é o smartfone e me apresenta
duas razões relacionadas à praticidade do aparelho: “além de ser fácil de manusear e de todos os
alunos terem, não é preciso criar um ambiente diferente para esse tipo de aula, podemos usá-lo
em qualquer sala em que estivermos. Outra vantagem é que quanto falta Xerox, tôner ou quando
falta papel, eu consigo facilmente multiplicar um texto em sala de aula, usando o aparelho
celular. Eles podem baixar da internet, eu posso passar por blootooth, ou até tirar o print e
encaminhar para o WhatsApp da turma. Assim conseguimos dar continuidade a aula”.
Há apenas 20 anos, não se previa que os celulares contemplariam enciclopédias digitais, mapas do
mundo, câmeras de fotografar e de filmar, redes sociais, Facebook, Twitter, WhatsApp, máquina de
calcular, livros, televisão, filmes, informações ilimitadas, muitos aplicativos e outras tantas
facilitadoras que vieram mudar nossas vidas. Hoje carregamos o mundo no bolso. (Patrícia Konder
Lins e Silva, O mundo dos nativos digitais).
A seguir, encontra-se a representação gráfica dos recursos tecnológicos utilizados pelos
professores em sala de aula como ferramentas para a socialização do conteúdo. Há um
comparativo entre as duas escolas; os percentuais se referem ao número total de professores
(N=20). Esses dados foram obtidos a partir de entrevistas com os professores.
Gráfico 2: Recursos utilizados em sala de aula pelos professores
Alguns professores relatam que a falta de Wi-Fi limita o uso dos smartfones: “Gente, pega
o celular de vocês para a gente fazer uma pesquisa! ‘Ah não, professora, não vou gastar minha
internet com isso! ’Eles têm muito disso, de achar que a internet é só para acessarem as redes
sociais, o WhatsApp e para curtir fotos dos amigos no Facebook e não para fazer pesquisa em
sala de aula”. K, professora de Português. A professora F., de Ciências, também repetiu o mesmo
depoimento: “ontem mesmo eu estava pensando em planejar uma aula para usar o celular desses
meninos, porque eu já tentei, mas na hora que a gente parte para a prática, pede para eles usarem
o celular, eles não querem gastar a internet. É como se o celular fosse só para o bate-papo, só
para as redes sociais. Bom mesmo era se a escola tivesse Wi-Fi para eles usarem, mas como não
tem, limita bastante.”
Quando os questionamentos são os recursos tecnológicos oferecidos pela escola, M., 32
anos, professor de Inglês, cita a lousa digital como a tecnologia mais moderna que a escola
dispõe. No entanto, o professor acha que a lousa é subaproveitada, pois só é possível utilizá-la
com um Datashow e a escola não dispõe de aparelhos suficientes. Outra limitação para o uso da
lousa, segundo o professor, é a questão da preparação do ambiente. “Às vezes temos mais
tecnologia do que ambiente. Nós temos que levar os equipamentos para a sala de aula e montá-los
e muito professores não estão preparados para isso. Existe um único profissional no colégio para
montar o equipamento e deixar o ambiente pronto, mas ele não consegue atender a demanda de
20 turmas pela manhã e 20 turmas no turno da tarde.” A professora de Ciências relatou sua
expectativa quando a lousa digital estava para chegar: “fiquei muito ansiosa com a perspectiva da
chegada da lousa digital. Meu Deus, a lousa digital vai chegar! A gente teve uma aula para
aprender a usar a lousa digital, mas você acredita que eu nunca usei? Acho que eu não uso por
falta de hábito, mas também vejo uma questão de espaço. O colégio é enorme, mas se todos os
professores precisarem usar a sala de Informática, não dá. Temos que fazer um revezamento.” A
escola recebeu a lousa digital do Governo Federal e apesar de móvel, optaram por deixá-la fixa
no laboratório de Informática, já que o alcance da internet é melhor.
Em uma das escolas, quando a lousa digital estava para chegar, os professores tiveram um
breve treinamento para utilizá-la. “Para a lousa digital a gente teve um curso bem básico, mas
com uma pessoa daqui mesmo, foi com um professor que já usava, que já tinha prática com a
lousa digital. Mas eu não sei te dizer se ele foi capacitado para isso, eu acredito que não. A minha
área teve esse curso bem ‘intensivão’, bem rápido mesmo. ”
Pelo discurso dos professores, eles até gostariam de usar mais recursos de tecnologia da
informação e comunicação em sala de aula, mas esbarram em alguns entraves: os equipamentos
são de boa qualidade, mas a manutenção não é frequente, se um computador deu algum
problema, vai demandar algum tempo para ser consertado; os recursos são escassos, dois
laboratórios por escola não são suficientes para atender a demanda de 4000 alunos; e
principalmente, os professores não se sentem capacitados para usar esses recursos, falta um
treinamento voltado ao uso das TIC.
A professora de Português, A., diz que não se sente preparada para tirar o melhor proveito
das TIC no planejamento de suas aulas: “O pouco que sei sobre tecnologia vem de uma bagagem
pessoal, que eu particularmente vou buscar ou em casa com a ajuda do meu filho, ou com a ajuda
dos outros professores e até mesmo dos próprios alunos”. A professora diz que gostaria de ser
capacitada pelo Estado e considera necessária e interessante a implantação de uma política
pública neste sentido. Enfatiza que esta capacitação deva ser feita no ambiente de trabalho:
“Geralmente as reciclagens que são propostas para o professor são fora do horário e do ambiente
de trabalho, o que dificulta a sua aplicação quando trazemos para a nossa realidade”. Ela
considera que se a informação é repassada no ambiente real em que trabalham, fica mais fácil
identificar os fatores limitantes e encontrar suas respectivas soluções, para que se logre êxito no
processo.
Outra queixa constante dos professores, coordenadores e diretores são quanto à qualidade
da internet. Eles lamentam não ter uma internet de ótima qualidade para usar certos recursos em
sala de aula. “A internet aqui às vezes é um problema, tem dias que ela está perfeita, sabe? Mas
eu não posso contar com ela todos os dias, então dificulta muito. Por exemplo, eu planejei uma
aula para amanhã, mas eu não sei se a internet estará legal amanhã, e aí?” Para a professora de
Química, C., 45 anos, a banda larga do colégio não possui capacidade suficiente para que todos a
usem simultaneamente. Foi instituída em uma das escolas uma política de uso limitado com três
logins e senhas diferentes: um para a secretaria, um para os professores e outro para a diretoria.
Não existe um login próprio para os alunos. “Tal política não funciona na prática, pois os alunos
acabam descobrindo a senha e todos usam ao mesmo tempo, o que a torna ainda mais lenta”.
O objetivo desta pesquisa é evidenciar as condições sociais de emergência dos chamados
nativos digitais na escola pública, a partir da mediação significativa e da perspectiva dos
professores. Assim, é possível afirmar que quase todos os jovens do ensino médio na escola
pública usam o Facebook. É fácil percebê-los conectados na fila do lanche, interagindo com os
colegas, fazendo “selfies” e postando na rede social. Apesar de não ser diretamente o objeto de
pesquisa, foi questionado aos professores como eles viam essa interação virtual dos jovens: “vejo
muita desvantagem também. Têm uns meninos daqui da escola que dizem que eu entro no ‘face’
para monitorá-los. Mas não é, é um cuidado que a gente tem. Por exemplo, quando eu vejo
postagens inadequadas, eu acho que eles se expõem muito, eles parecem que têm uma
necessidade de fazer qualquer coisa e tirar uma foto e dizer o que estão fazendo. É uma
necessidade e eu vejo isso como uma coisa negativa. Eu tenho alunas que, sei lá, tiram foto de
biquíni, são lindas e tudo, aí tiram foto e botam lá, pode até ser na inocência, mas aí vêm
comentários desagradáveis. Aí eu chego para elas e para eles também: gente, cuidado!
Principalmente as meninas, eu percebo que elas se expõem mais e parece que quanto mais
‘curtidas’, melhor! Quanto mais comentários, melhor! Aí elas acham: estou bombando! Eu
converso muito com elas, eu não consigo dar uma aula e pronto, eu vejo muito o lado humano
deles. Se eu perceber a evolução do meu aluno como ser humano, eu acho que vale mais do que
em termos de conteúdo, sabe? Eu me preocupo com o tipo de ser humano que estou formando.”,
diz G., professora de Geografia.
Gráfico 3: Usuários de Internet no ambiente escolar
O gráfico acima se refere aos usuários de internet no ambiente escolar. Neste gráfico
também estão contemplados os professores, diretores e coordenadores que acessam a internet Wi-
Fi dos seus telefones celulares. Neste comparativo entre as duas escolas, os percentuais se
referem ao número total de professores, coordenadores e diretores (N=24). Os dados foram
obtidos a partir de entrevistas com os professores, os coordenadores e os diretores.
3.6. A inserção da disciplina TIC na estrutura curricular
Ao visitar a escola César Calls fui surpreendida pela existência da disciplina Tecnologias
da Informação e Comunicação – TIC, que faz parte da estrutura curricular do ensino médio. Com
dois laboratórios, a disciplina tem por objetivo promover o desenvolvimento de conhecimentos e
capacidades dos alunos na utilização das tecnologias de informação e comunicação, de modo que
permitam um domínio digital generalizado, tendo em vista a igualdade de oportunidades.
Ao explicar meu objeto de estudo ao coordenador do Ensino Médio, ele me sugeriu que
conversasse com os professores desta disciplina. Para isso, me direcionou ao laboratório, onde
entrevistei o professor J. 58 anos, professor de Matemática e atual professor de TIC e em seguida
conversei com G., 29 anos, também professora da disciplina.
O professor explicou que é recomendado que a escola siga um planejamento
encaminhado anualmente pelo Ministério da Educação – MEC para cumprir a grade da disciplina
TIC, mas que, por muitas vezes, isto não é possível, pois tal planejamento não condiz com a
realidade dos alunos do Nordeste. Os projetos vindos do MEC tratam, na maioria das vezes, a
realidade do Sudeste e citou como exemplos aqueles que exploram experiências com metrôs, com
enchentes e com outras situações que se tornam impossíveis de serem trabalhadas com a vivência
dos alunos cearenses.
Para adaptar esse planejamento à realidade local, o professor planeja as aulas em paralelo
com a disciplina de núcleos, que trabalha questões dinâmicas e atuais como cidadania, práticas
sociais, identidade social e outras questões de interesse dos alunos: “as aulas de TIC não podem
estar fora do contexto de interesse do aluno, porque assim eles não gostam”, relata o professor,
preocupado com o envolvimento da turma com os temas escolhidos. Ele cita como a principal
virtude desse projeto o fato de ser uma ferramenta que trabalha com a formação pessoal do aluno:
“as aulas de TIC orientam questões de conduta, de valores e até questões vocacionais.”
A professora completou afirmando que a disciplina tem um cronograma e ela tenta
conciliar com a sala de aula. “O terceiro ano está trabalhando com linha do tempo na disciplina
de Português e nós os auxiliamos na construção desse trabalho. Esse trabalho é feito no
laboratório, onde eles fazem pesquisa na internet, eu ensino eles a salvar imagem, a anexar no e-
mail, a gente vai inserindo as tecnologias dentro da realidade deles. Eu também trabalho com eles
o editor de texto, porque eles são excelentes no Facebook, no WhatsApp, mas têm dificuldade de
formatar um texto, por exemplo. Eu acho interessante como eles são: eu escrevo uma atividade
no quadro, em vez de copiarem, eles batem a foto. Eles também trabalham muito em grupo, cada
sala tem um grupo de Whatsapp e eles disseminam a informação que foi dada em sala entre eles.
A tecnologia facilita a comunicação, o aluno que faltou pode se inteirar do que aconteceu em sala
de aula. Eles são diferentes, desde que nasceram eles já tiveram algum contato com as
tecnologias digitais, seja no tablete, seja no celular”.
Grande parte dos professores ainda reclama da qualidade da internet: “olha, a internet
daqui, comparada com a de outras escolas públicas, é boa, mas ainda não é ideal para fazer um
excelente trabalho. Às vezes a internet cai e demora dois dias para voltar. Mas ela é muito mais
constante, do que inconstante.
Mesmo sendo inconstante, a internet tem fornecido a base para a comunicação entre
professores e alunos: “O e-mail é um gênero que eles não veem utilidade em usar. Como o
WhatsApp tem uma comunicação mais direta e instantânea, eles preferem. A rede social é muito
utilizada por eles. Mas eu quis mostrar para eles a importância do e-mail. Principalmente as
turmas do terceiro ano, que logo entrarão no mercado de trabalho. Hoje, a gente faz a atividade
em sala de aula, eles anexam ao e-mail e mandam para eles mesmos. O e-mail hoje, depois que
trabalhei com eles, é uma ferramenta de uso constante, que fez com que abolíssemos o pen drive.
O Facebook da turma eu uso para divulgar algum trabalho, para postar algum link importante que
eu gostaria que eles vissem. Para não perder o tempo de aula, eu mando um link para eles no
Facebook e eles já assistem antes da aula. Também mando vídeos do YouTube, documentários. É
muito mais simples do que era na minha época de aluna, tudo está ao alcance de um clique. Eu
tenho alunos que me surpreendem bastante. Um dia nosso laboratório não estava funcionando e
como todos têm celular, eu trouxe o material e passei por bluetooth, eles repassaram também por
bluetooth de uma para o outro e podemos trabalhar o texto planejado. O interessante foi que eles
que me lembraram de usar o bluetooth, eu como nunca uso, não lembrei dessa possibilidade”,
informou ainda outro professor.
Percebe-se pelo discurso dos docentes que as aulas têm o intuito de privilegiar a
participação dos alunos em pequenos projetos, na resolução de problemas e de exercícios práticos
contextualizados na produção de um projeto ou produto. Desta forma, pretende-se que os alunos
possam atingir diferentes metas multidisciplinares durante o desenvolvimento dos trabalhos.
Estes devem ser resolvidos no computador, permitindo ao aluno encarar a utilização das
aplicações informáticas não como um fim em si, mas como uma ferramenta poderosa para
facilitar a comunicação, a colaboração, o tratamento de dados e a resolução de problemas. O
professor da disciplina TIC explica que acaba sendo um processo constituído de pequenas tarefas
e resume: “ao usar as TIC em todas as etapas do processo, os alunos podem pesquisar, discutir e
contestar as ideias, produzir os trabalhos e ao concluí-los, enviá-los ao e-mail do professor”.
Ao perguntar se ele usava as TIC quando ensina Matemática, ele respondeu que fazia isto
em outras escolas em que também trabalha, mas que na escola pública isto não era possível, pois
as máquinas não eram atualizadas e não rodavam certos programas direcionados ao conteúdo. “O
sistema operacional usado na rede pública é o Linux, que tem muitas restrições para instalação de
programas.” Citou também como fator limitante a lentidão na velocidade da internet,
principalmente quando os dois laboratórios estão lotados, funcionando ao mesmo tempo.
Quanto à organização do ambiente na aula de TIC, o professor agrupa três ou quatro
alunos por computador, pois as turmas são numerosas. Ao perguntar se havia algum critério para
agrupar esses alunos ou se isso funcionava aleatoriamente, ele respondeu que depende do
conteúdo a ser pesquisado e citou como exemplo a pesquisa que fez sobre identidade social, onde
cada um teria que relatar a realidade do seu bairro. Neste caso, ele agrupou os alunos usando o
critério domiciliar. “Esta escola não é de comunidade.
Ao questionar sobre quais os principais programas usados por ele nas aulas de TIC, já que
todos pertencem ao sistema Operacional Linux, ele citou programas como OpenOffice Calc
(planilhas), Impress (apresentações multimídias) e OpenOffice Writer (editor de texto),
considerando-os como essenciais. Entre algumas dificuldades encontradas na condução dos
projetos, estão as diferentes versões do Linux instaladas nas máquinas dos laboratórios, o que
dificulta a orientação do professor e a compreensão dos alunos.
Este é o primeiro ano deste professor ministrando a disciplina TIC e para isso, ele não
teve capacitação ou treinamento especial. Traz consigo somente sua boa vontade, sua experiência
como professor de Matemática e o conhecimento tecnológico adquirido na vida pessoal, pois
sempre se considerou uma pessoa “conectada”. Ele relata que seu primeiro computador foi um
PC 386 no início dos anos 90 e que até hoje usa a tecnologia de todas as formas que estão ao seu
alcance: participa de redes sociais, tem grupos no WhatsApp, se comunica por e-mail, possui um
e-mail próprio para receber os trabalhos dos alunos e assiste vídeos no YouTube.
O professor considera que o uso das TIC em sala de aula contribui significativamente para
que os alunos vejam as aulas de uma forma mais atrativa. Numa pesquisa feita no site da
SEDUC, a TIC aparece como a disciplina com o maior número de votos no quesito: qual a
disciplina que você mais gosta? “Os alunos são altamente conectados e antenados com o mundo
virtual: cerca de 99% deles têm acesso à internet, pelo computador ou pelo smartfone, alguns
alunos possuem as últimas gerações de smartfones do mercado, melhores até do que o meu”.
Em relação ao uso das TIC pelos demais professores da escola, o professor J. afirma que a
maioria usa a tecnologia como um recurso complementar à sua disciplina, principalmente os
professores mais jovens. “O laboratório de informática não tem horários livres, o agendamento é
completo. Todos gostam de usar este recurso”, conclui.
Para finalizar, foi questionado há quanto tempo à disciplina TIC foi inserida como
obrigatória na estrutura curricular do ensino médio. Ele não pôde dar uma informação precisa,
mas disse fazer muito tempo, “talvez mais de 10 anos”. Em abril de 1997, foi criado, pela
Portaria Nº 522/MEC, o Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo) para promover
o uso pedagógico da informática na rede pública de ensino fundamental e médio. O programa
funciona de forma descentralizada, no entanto, sua coordenação é de responsabilidade federal,
mas a operacionalização é conduzida pelos estados e municípios. Em cada unidade da Federação,
existe uma coordenação estadual ProInfo, cujo trabalho principal é o de introduzir as Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) nas escolas públicas de ensino médio e fundamental.
3.7. Entrevistando o professor que não usa as TIC em sala de aula
Durante a pesquisa, foi se constatando que alguns professores, principalmente aqueles
com faixa etária mais avançada, encontram-se presos aos modelos tradicionais de ensino e se
recusam a usar as TIC em sala de aula.
Há certo receio deste professor, quando desafiado a inserir as TIC como ferramentas de
busca e construção do saber, de ser substituído pelos recursos tecnológicos, perdendo o seu papel
de detentor do conhecimento. Eles não admitem essa insegurança: “Um computador nunca
substituirá um livro, muito menos um professor”.
O objetivo da pesquisa em campo não foi abordar o tema como uma ameaça à profissão,
já que as novas tecnologias não substituirão o papel do professor em sala, as TIC poderão, talvez,
trazer novas formas de se chegar ao conhecimento, obtido por sua vez de modo mais prazeroso,
interativo e transversal.
Foi possível entrevistar um pequeno grupo de professores que trabalha há mais de 20 anos
na escola Adauto Bezerra, alguns já em tempo de aposentadoria, e a partir daí, tentar traçar um
perfil do professor que resiste às novas tecnologias, seja na vida pessoal, seja na vida
profissional.
Há um consenso entre esse grupo que os alunos estão muito conectados e que as TIC
devem fazer parte do ensino, talvez como um instrumento auxiliar, como uma ferramenta usada
esporadicamente, sempre como exceção: “usamos as TIC para variar a dinâmica da aula, mas
nada é melhor do que pesquisar no próprio livro, do que folhear um dicionário. A tecnologia,
muitas vezes, pode deixar os alunos preguiçosos”.
Um deles citou Bauman, dizendo que “as redes são muito úteis, oferecem serviços muito
prazerosos, mas são uma armadilha. Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus
horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zona de conforto, onde o único
som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único ser que veem são os reflexos de
suas próprias caras.” A professora complementa dizendo que alguns poucos corajosos resistem a
se adaptar ao mundo tecnológico e a valorizar as ferramentas tradicionais como o quadro, o livro,
o caderno e as discussões em grupo.
A professora de História A., 62 anos, relembra que no início dos anos 2000, a escola
estabeleceu uma parceria com um grupo de concludentes do Curso de Informática da
Universidade Federal do Ceará (UFC), que treinaria os professores para que pudessem adaptar
suas aulas ao uso do laboratório de Informática. Até então o espaço era usado somente pelos
alunos na disciplina de Informática, uma vez por semana, e a dinâmica da aula consistia em três
ou quatro alunos por computador e os alunos escreviam no Word ou desenhavam no Paint.
Ela relata que a chegada da equipe da UFC não foi muito bem-vista pelos professores
mais conservadores: “O que eles vieram fazer aqui? Mudar nosso jeito de dar aula? Esse
laboratório não serve para nada mesmo! Só vai para lá quem não gosta de ensinar, para enrolar
aula e deixar os alunos acessando o Orkut”.
Apesar de certa resistência, o grupo da UFC levou adiante o projeto “Inserção de
Informática nas escolas públicas”. Este trabalho já havia sido realizado em escolas particulares,
cuja realidade era inversa, pois os professores já tinham contato com as TIC por meio da vivência
com a informática na vida pessoal. “Eles tinham computadores em casa, usavam com os filhos e
buscavam conteúdo de aulas em sites de busca”.
Segundo o relato da professora, na época havia cerca de 100 professores no turno da
manhã e como a adesão ao projeto da UFC era opcional, apenas 10% aceitaram participar. Para
muitos, estes encontros oportunizaram um primeiro contato com o computador: “foi quando
aprendemos a ligar e desligar a máquina, a digitar usando um editor de textos, a criar um e-mail e
a usar o MSN.” A ideia da equipe da UFC era conquistar os professores, para que eles se
“encantassem” com as facilidades oferecidas pelas TIC, usando-as nas suas atividades pessoais,
para que depois pudessem migrar para as atividades profissionais.
Importante frisar que antes da implantação deste projeto, os únicos recursos tecnológicos
usados em sala de aula eram a TV, o DVD e o retroprojetor com transparências. Outra
experiência narrada pelos professores foi a do tele ensino. A partir de um convênio entre o
Governo Federal e a Fundação Roberto Marinho, um sistema de Educação a Distância (EAD)
oferecia programas e conteúdo do Telecurso 2000, no qual o professor assumia o papel de
orientador de aprendizagem. Algumas turmas da escola pilotaram tal projeto, mas o projeto não
logrou êxito. Ficou constatado que os alunos que participaram das aulas televisionadas ficaram
mais dispersos e regrediram no aprendizado. Houve declínio das notas em todas as matérias. Na
época o tele ensino foi apelidado pelos próprios professores de “tele engano”.
A professora narra que implantação do uso das TIC nas aulas curriculares, por meio do
projeto dos estudantes de Informática da UFC, ocorria da seguinte forma: “o professor planejava
o tema e os tópicos a serem abordados e ao chegar ao laboratório de informática, contavam com a
ajuda de um monitor, que auxiliava na parte técnica. Eram cerca de três alunos por computador
pesquisando e discutindo o tema, para que depois produzissem um texto acerca da pesquisa. O
que chamava a atenção da professora era a rapidez com que os alunos aprendiam a usar o
computador: “Nós tínhamos demorado meses para aprender a usar os recursos, mas para eles
parecia tudo muito mais natural e interessante”.
Os professores mais abertos e flexíveis à introdução dos recursos do laboratório de
Informática nas suas aulas tiveram bons resultados. Os alunos ficaram mais interessados e
obtiveram um melhor rendimento. “Quando vamos ter aula no computador de novo? – Era a
primeira pergunta ao chegar à sala de aula”. Na época, pouquíssimos alunos da escola pública
tinham acesso ao computador em casa. Quando precisavam, frequentavam lan houses. Quase
nenhum deles tinha telefone celular. Então, o maior contato com as TIC para esses alunos era na
própria escola.
Ao questionar quais as tecnologias que eles usam na vida pessoal, talvez mais da metade
use e-mail e tem redes sociais, mas não acham que isso agregue muito na vida profissional deles.
A ferramenta mais usada por eles é o site de busca Google. Alguns admitem que possam usar
mais o YouTube, de onde poderiam retirar dinâmicas para suas aulas, mas não o fazem.
Gráfico 4: Aplicativos e programas utilizados pelos professores fora do ambiente escolar
Acima, encontra-se a representação gráfica dos aplicativos e programas utilizados pelos
professores fora do ambiente escolar. Neste comparativo entre as duas escolas, os percentuais se
referem ao número total de professores (N=20). Os dados foram obtidos a partir de entrevistas
com professores.
O professor de Matemática, M. 59 anos, diz que, na verdade, muitos professores não se
sentem seguros para usar as TIC como suporte de aprendizado: “Nós deveríamos aprender a usá-
las ainda na faculdade, nos nossos cursos de Licenciatura. Deveria haver uma mudança na grade
curricular nas universidades para que chegássemos preparados para lidar com essa nova
realidade”. A maioria acrescenta que os professores deveriam ter um momento de reciclagem,
uma espécie de formação continuada. “As mudanças tecnológicas são muito rápidas. Fica difícil
acompanhá-las sem reciclagem. Além de termos que nos adequar, temos também que nos
atualizar sempre. A formação continuada seria um bom caminho para isso”.
Mesmo os professores que não usam as TIC em sala de aula se mostram abertos às
mudanças e acreditam que o uso pedagógico das TIC pode contribuir para que o aprendizado se
torne mais atrativo. Aqueles professores que passaram pela inserção das TIC trabalhada pelos
alunos do curso de Informática da UFC, 15 anos passados, relatam que necessitam de um
treinamento continuado para o uso dessas tecnologias, já que se sentem com a autoridade
abalada, uma vez que os alunos dominam as tecnologias mais que eles, gerando insegurança nos
professores.
Quando chegamos a este ponto, senti que eles estavam mais abertos a falar deste assunto e
que os questionamentos abriram espaço a uma reflexão acerca das mudanças. Naquele momento,
pareciam dispostos a dar uma chance ao novo e acolher os nativos digitais de uma forma mais
serena. Refazer uma disposição instalada é o primeiro grande desafio na formação desses
profissionais que passaram anos de suas vidas usando recursos como giz, livros, cadernos, caneta
piloto e quadro branco. Quando queriam inovar, usavam no máximo um CD Player ou um
aparelho de DVD com TV.
Considerações finais
O debate sobre a inserção das TIC em práticas de ensino e aprendizagem nas escolas
públicas de Fortaleza e a emergência dos nativos digitais aborda fenômenos perpassados por uma
questão mais ampla e complexa, a emergência de um “tempo novo”, a contemporaneidade. O
verbo que parece predominar nesse momento é “interagir”, comprimindo distâncias, seja por
Whatsapp, Facebook, Youtube, Instagram, e-mail ou Snapchat, pois a marca distintiva dessa
comunicação é que ela se faz via dispositivos eletrônicos.
Quando tal fenômeno se insinua no âmbito da educação escolar, percebe-se claramente
um descompasso entre temporalidades: por um lado, temos o tempo vivido por alunos
constantemente conectados, que usam dispositivos eletrônicos 24/7 (24 horas, 7 dias por semana)
com muita facilidade, aplicativos fazem parte de seus cotidianos e cultivam a certeza que a vida
foi sempre assim; por outro, temos a temporalidade dos professores que percebem seus alunos
como nativos digitais, já compreendem que essa geração tem um olhar diferente sobre a
aprendizagem, concordam que o modelo disciplinar de ensino ignora algumas possibilidades
desses jovens, mas, na maioria das vezes, não são preparados para inserir recursos tecnológicos
como ferramentas de aprendizagem; e ainda temos aquela que caracteriza muito mais
permanências do que mudanças na instituição escolar: currículo estruturado por disciplinas
estanques, avaliações baseadas em notas, ensino centrado no professor, que permanece a voz
mais ativa no espaço disciplinador da sala de aula.
Nesse contexto, é preciso considerar ainda que as informações se propagam pela internet
numa velocidade crescente, pois é a partir das redes sociais que nos informamos sobre política,
esporte, entretenimento, religião e tudo mais que nos interessar. É a partir da web que
organizamos nossos protestos, que nos manifestamos, que dizemos o que pensamos, onde
estamos, dividimos a dimensão privada da vida cotidiana, postando imagens nossas viagens, o
que sentimos, expomos nossas vidas e nosso cotidiano.
Instada a dar respostas a este contexto, a UNESCO tem sido a grande estimuladora do uso
das TIC na educação, entendendo que estas contribuem para a inclusão, a equidade e a qualidade
do ensino. Entende também que é preciso que os professores tenham habilidades para usar as TIC
em todos os aspectos da prática de sua profissão e que se fazem necessárias políticas públicas as
quais garantam que o potencial das TIC seja aplicado ao sistema educacional.
Na escola pública brasileira, embora as TIC sejam uma parte importante do processo
contínuo de aprendizagem, deste não se suprimem o quadro, o pincel, o livro e, principalmente, o
professor. Na escola contemporânea, o professor tem ainda o desafio de formar estudantes
críticos, com consciência da realidade, conhecimento dos seus direitos e deveres, conferindo
importância à participação social
Em termos locais, para adentrar no campo empírico, foi preciso fazer um breve
levantamento nos dados do CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação), que pesquisou 930 escolas de ensino médio da região Nordeste, no
ano de 2015. Nesse universo, apenas 30% das escolas públicas tem professores capacitados para
usar as TIC em sala de aula; porém, 96% das escolas públicas do ensino médio possuem
infraestrutura necessária para o uso das TIC; 67% possuem laboratório de informática; 26%
possuem computadores na biblioteca; 7% apresentam computadores em sala de aula, 42% na sala
dos professores e 79% na sala de coordenação/direção, em contrapartida, apenas 5% das escolas
possuem responsáveis pela manutenção de equipamentos de informática. Apesar de 85% das
escolas terem acesso à internet, apenas 30% dos professores dão aula específica de informática.
Vale mencionar nesse texto final que no Ceará 4696 escolas públicas foram beneficiadas
pelo ProInfo, dentre estas as duas escolas objetos de pesquisa desse trabalho. O ProInfo institui o
uso pedagógico da Informática na rede pública de educação básica. A Escola de Ensino Médio
Governador Adauto Bezerra recebeu um laboratório de informática cujo investimento foi de
R$11.103,46 e a Escola de Ensino Médio Dr. César Calls foi beneficiada com três laboratórios de
informática, com um investimento de R$1.349.093,46.
Em campo, foi possível fazer algumas considerações sobre as questões da pesquisa.
Segundo a entrevista realizada com os professores, o Estado não os capacita para usar as TIC em
sala de aula, os professores as usam com a ajuda dos estudantes e com a experiência que
acumularam empiricamente.
Os professores organizam o ambiente de trabalho com as TIC de acordo com a
disponibilidade dos laboratórios de Informática. Nestes não há computadores suficientes para que
cada estudante ocupe uma máquina. Geralmente, são dois ou três estudantes que se revezam na
utilização de cada computador.
Há um consenso entre professores, coordenadores e diretores que o uso das TIC em sala
de aula contribui para tornar o aprendizado mais atrativo, deixando os alunos mais interessados e
participativos. Embora o aprendizado se torne mais atrativo com o uso das TIC, os professores
reclamam da falta de um programa de capacitação para que façam melhor uso das TIC no
ambiente escolar. Os docentes que fazem uso um programa específico (por exemplo, o
Geogebra), utilizam-no com a ajuda do professor do laboratório de Informática ou com a
experiência que trazem de outras escolas, geralmente privadas.
Há unanimidade entre professores, coordenadores e diretores que cerca de 99% dos
estudantes têm acesso à internet fora do ambiente escolar, evidenciando o caráter social do
fenômeno analisado. Vale relembrar que essa pesquisa foi realizada com os professores e não
com os estudantes, buscando captar a perspectiva daqueles acerca da emergência e da formação
dos chamados nativos digitais na escola pública.
É também consenso entre professores que é complexo para as escolas disponibilizar a
utilização de banda larga aos alunos. É sabido que os docentes têm acesso à internet na sala dos
professores em ambas as escolas. No entanto, os alunos utilizam a internet Wi-Fi da sala dos
professores, da coordenação, da diretoria ou dos laboratórios de informática por meio de
aplicativos que dão acesso às senhas sigilosas.
Quase todos os professores que utilizam as TIC em sala de aula o fazem
independentemente da disciplina lecionada, seja na forma de documentário, em apresentações no
Datashow ou utilizando a internet. Não há como afirmar que os professores das Ciências Exatas
usam menos as TIC do que os professores das Ciências Humanas e vice-versa. De acordo com a
pesquisa, os professores que mais utilizam as tecnologias são aqueles que se apropriaram delas a
partir de inúmeros fatores que configuram a particularidade de suas trajetórias de vida.
Também de acordo com os dados coletados, o Estado investiu em provedores, mas o
cinturão digital ainda não é eficiente para oferecer banda larga para estudantes, professores,
diretores, coordenadores e corpo administrativo.
Quando se pensa em interação professor estudante nas redes sociais, 70% dos professores
interagem com os alunos. Alguns optam por interagir com os alunos apenas em grupos destinados
a este fim, como nos grupos de WhatsApp e Facebook da turma, outros não veem problema em
interagir com os estudantes por meio de suas contas pessoais do Facebook.
A partir desta pesquisa foi possível entender que um novo modelo de escola pública se
esboça, uma instituição escolar que já compreende que precisa aproximar-se do universo de seus
estudantes, nas formas de ensinar, de aprender, de interagir e de ouvir esta geração. É uma escola
que enfrenta paradoxos: por um lado, o temor do momento em que a banda larga será instalada,
possibilitando aos alunos acesso à internet em todo o ambiente escolar; por outro, o incentivo à
ampliação de um segmento do corpo docente que tem aprendido como lidar com os jovens
conectados, empenhando-se na integração das novas tecnologias como aliadas no processo de
ensino e aprendizagem.
O tema não se exaure neste trabalho, há muito que se pensar para uma pesquisa futura. É
cedo para qualquer conclusão definitiva sobre o uso das TIC na educação, até porque falar em
TIC é sempre estar obsoleto. Já na escrita final desse texto uma reportagem do jornal Estadão
mostra que professores começam a “mirar” o Snapchat e o YouTube como aliados na hora de
partilhar conhecimento, pois a proposta é que o estudo sincronize com o ritmo dos jovens. O
Descomplica, uma plataforma de educação online que prepara os jovens para o vestibular, Enem
e Sisu por meio de dicas e conteúdos das provas, já utiliza o Snapchat como aliado. O idealizador
do projeto afirma: “uma das nossas propostas é fazer o jovem gostar de estudar. Hoje já não dá
para esperar que eles estudem só com os livros, precisamos usar ferramentas que eles já usam a
nosso favor”.
Muitos questionamentos ficaram sem resposta, mas pensar que temos uma escola com
horário de entrada e saída, com 40 alunos enfileirados em um espaço retangular separado por
idade e nível, onde o uso de uniforme é obrigatório, onde há uma razão de três aulas de
Matemática para uma de História, faz-nos considerar dinâmicas de produção e apropriação de
conhecimento que circulam neste mesmo espaço de forma intersticial e menos estruturada.
Se as TIC ainda não foram totalmente integradas ao processo de ensino-aprendizagem, é
possível ao menos afirmar que se engendra no âmbito escolar o duplo movimento de
reconfiguração dessa realidade. Percebe-se a emergência de dinâmicas ensejadas de forma
heterônoma, por meio de políticas públicas federais e estaduais que subsidiam com equipamentos
e recursos financeiros a objetivação de práticas de ensino e de aprendizagem mediadas pelas
novas tecnologias, e mesmo um lugar físico que referencia estas práticas – é este o caso do
laboratório de informática; e ainda, de forma autônoma, pela intensificação de intercâmbios e
constituição de redes de sociabilidade entre os chamados nativos digitais, mas também entre estes
e aqueles que representam figuras de transição no modo de apropriação destas tecnologias – os
professores.
Se a análise desta pesquisa deteve-se sobretudo à perspectiva docente, é porque o
professor apresenta-se como o agente que concentra de forma dramática o conflito interno que
marca a transição sofrida pela instituição escolar na contemporaneidade. De modo recorrente, o
professor das escolas públicas estudadas encarna um frágil processo de familiarização com as
novas tecnologias ao longo de sua trajetória social; ao mesmo tempo em que se vê convocado a
enfrentar a urgência da aquisição de formas de pensar e de agir mediadas por estas mesmas
tecnologias. O professor percebe que estas competências fundamentam cada vez mais a
importância do papel que desempenha na formação dos nativos digitais, ao mesmo tempo em que
evidenciam forte descompasso entre sua apropriação destes recursos e a familiaridade com que
estes estudantes manipulam tais tecnologias.
Frente a este impasse, não cabe ao sociólogo formular juízos de valor que apontem as
vantagens ou desvantagens representadas pela introdução das TIC no ambiente escolar, ou
mesmo assumir a superioridade das práticas escolares mediadas pelas TIC em detrimento
daquelas estruturadas como ensino “tradicional”. Ao sociólogo cabe sim compreender as recentes
condições sociais de possibilidade da emergência dos chamados nativos digitais e as
transformações da prática docente neste contexto. Assim, percebe-se que longe de configurar-se
como um agente que se encontra em vias de desaparecimento, os avanços gradativos da utilização
das TIC na escola pública não eliminam a importância do docente como elemento mediador e
socializador destas.
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