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Instituto Ludwig von Mises Brasil http://www.mises.org.br As três escolas liberais do século XX por Ubiratan Jorge Iorio, quinta-feira, 4 de agosto de 2011 O século XX foi marcado, especialmente depois da Teoria Geral do senhor Keynes, pelo intervencionismo estatal como pensamento dominante. Essa doença -- a da crença de que o estado pode e deve solucionar os problemas das economias -- manifestou-se de diversas formas, entre as quais o keynesianismo, o marxismo, o estruturalismo e outras variantes. Gerações de economistas foram e continuam sendo educadas nas cartilhas intervencionistas. O resultado disso tem sido catastrófico: causas acabaram transmutadas em efeitos, poupar virou vício e gastar ganhou status de virtude, focinhos de porcos terminaram confundidos com tomadas (embora diferentes das que a ABNT agora nos empurrou goela abaixo)... Ontem (dia 2 de agosto) mesmo, em artigo no jornal O Globo, Paul Krugman -- que se transformou em um globetrotter da economia keynesiana --, ao criticar o acordo de Obama com o Congresso para elevar o teto da dívida pública, defende que o governo dos Estados Unidos deveria aumentar mais os seus gastos. Para ele e para a maioria dos economistas e políticos, gastos públicos têm o poder extraordinário de transformar " pedras em pães ", mediante uma varinha mágica semelhante à de Harry Potter, chamada de "efeito multiplicador". Interrompi por instantes a continuação deste artigo para atender ao telefone. Era uma jornalista de um importante canal de TV a cabo, me convidando para comentar o novo pacote de "políticas industriais" que a equipe do sr. Mantega anunciou ontem. Delicadamente, declinei do convite, porque cheguei a um ponto em que a simples menção a esses tipos de políticas tem o poder de colocar meus nervos à flor da pele. O tal pacote, como sempre, é mais um feixe de joio inútil e minha entrevista se transformaria em uma sucessão de críticas que a maioria dos telespectadores sequer entenderia, já que a cultura intervencionista e a crença em "medidas", "pacotes" e "planos" governamentais está enraizada na cabeça das pessoas... Voltando ao tema do artigo, vou apresentar um resumo das três escolas de pensamento econômico que apareceram no século XX e que ousaram criticar a onda intervencionista desencadeada pelos ventos

As Três Escolas Liberais

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As Três Escolas Liberais (Mises)

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Instituto Ludwig von Mises Brasil

http://www.mises.org.br

As três escolas liberais do século XXpor Ubiratan Jorge Iorio, quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O século XX foi marcado, especialmente

depois da Teoria Geral do senhor

Keynes, pelo intervencionismo estatalcomo pensamento dominante. Essa

doença -- a da crença de que o estadopode e deve solucionar os problemas das

economias -- manifestou-se de diversasformas, entre as quais o keynesianismo,

o marxismo, o estruturalismo e outrasvariantes. Gerações de economistasforam e continuam sendo educadas nas

cartilhas intervencionistas. O resultadodisso tem sido catastrófico: causas

acabaram transmutadas em efeitos,poupar virou vício e gastar ganhou statusde virtude, focinhos de porcos

terminaram confundidos com tomadas(embora diferentes das que a ABNT

agora nos empurrou goela abaixo)...

Ontem (dia 2 de agosto) mesmo, emartigo no jornal O Globo, Paul Krugman -- que se transformou em um globetrotter da economia keynesiana --,

ao criticar o acordo de Obama com o Congresso para elevar o teto da dívida pública, defende que o governo

dos Estados Unidos deveria aumentar mais os seus gastos. Para ele e para a maioria dos economistas e políticos,gastos públicos têm o poder extraordinário de transformar "pedras em pães", mediante uma varinha mágica

semelhante à de Harry Potter, chamada de "efeito multiplicador".

Interrompi por instantes a continuação deste artigo para atender ao telefone. Era uma jornalista de um importante

canal de TV a cabo, me convidando para comentar o novo pacote de "políticas industriais" que a equipe do sr.Mantega anunciou ontem. Delicadamente, declinei do convite, porque cheguei a um ponto em que a simples

menção a esses tipos de políticas tem o poder de colocar meus nervos à flor da pele. O tal pacote, como sempre,

é mais um feixe de joio inútil e minha entrevista se transformaria em uma sucessão de críticas que a maioria dostelespectadores sequer entenderia, já que a cultura intervencionista e a crença em "medidas", "pacotes" e "planos"

governamentais está enraizada na cabeça das pessoas...

Voltando ao tema do artigo, vou apresentar um resumo das três escolas de pensamento econômico que

apareceram no século XX e que ousaram criticar a onda intervencionista desencadeada pelos ventos

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keynesianos. As duas primeiras (o Monetarismo e seu desenvolvimento, a Escola de Expectativas Racionais) são

posteriores a Keynes e podem ser colocadas dentro da "mainstream economics" e a terceira -- a Escola

Austríaca de Economia -- é anterior e possui características bem distintas.

O Monetarismo

O principal nome do monetarismo é Milton Frieman (1912-2006), líder de um

grupo de defensores do livre mercado na Universidade de Chicago. Podemos

resumir o monetarismo em duas proposições básicas: (a) a instabilidade da ofertade moeda e (b) a estabilidade da demanda de moeda. Dessas premissas surge o

giagnóstico; as flutuações cíclicas das economias podem ser atribuídas à

instabilidade da oferta de moeda. Sendo assim, a terapia correta é que os bancos

centrais devem atuar sempre no sentido de garantir uma taxa fixa de crescimentomonetário (conhecida como a x-rule ).

Eis algumas das conclusões dos monetaristas:

1. Existe uma relação consistente, embora não precisa, entre crescimento na oferta

monetária e crescimento na renda nominal.

2. Leva algum tempo até que o crescimento na oferta de moeda afete a renda.

3. Uma alteração na taxa de crescimento da oferta de moeda leva de 6 a 9 meses para afetar a taxa decrescimento da renda nominal.

4. Mudanças naquela taxa de crescimento afetam primeiro o produto real e só depois é que se refletem

exclusivamente sobre o nível de preços.

5. Apenas transitoriamente é possível manter a economia acima de sua capacidade normal ou natural mediante

políticas keynesianas de "sintonia fina'' do lado da demanda. A insistência do governo em fazê-lo apenas farácom que a inflação se acelere.

6. "A inflação é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário".

7. O déficit público pode ou não ser inflacionário: o será se for financiado por expansão monetária, isto é, poraumentos no papel moeda e nos depósitos bancários.

8. A expansão monetária inicialmente reduz as taxas de juros, mas, na medida em que os gastos e os preçosaumentam, a demanda de empréstimos crescerá, o que elevará no futuro as taxas de juros. Isto explica porqueos monetaristas sempre insistiram na afirmativa de que a política monetária não deve ser guiada pelas taxas de

juros.

9. Além disso, as variações de preços provocadas pela instabilidade da oferta de moeda acabam introduzindodiscrepâncias entre as taxas de juros reais e as nominais, que terminam gerando distúrbios nos setores reais

(produção) da economia.

Neste modelo, existe uma curva de oferta agregada para cada valor das expectativas de preços P* (ofertasagregadas de curto prazo) e uma curva de oferta agregada de longo prazo, definida como o conjunto de todos

os pontos em que P* = P. Esta curva deve passar necessariamente por yn , que representa o nível

"natural" ou "normal'' de produto.

O equilíbrio de curto prazo se dá sempre que ocorre uma interseção entre uma curva de oferta agregada de curtoprazo com uma curva de demanda agregada e o equilíbrio de longo prazo sempre que tal interseção se der sobre

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a curva de oferta agregada de longo prazo.

As políticas monetárias e fiscais expansionistas elevariam transitoriamente o produto para, digamos, y', mas a

revisão das expectativas de preços para cima, com o passar do tempo, deslocaria as curvas de oferta agregada(OA) para a esquerda, o que levaria a economia, inicialmente em A, para o ponto B e daí para o ponto C, emque o nível de produto seria o inicial (nível natural ou normal), mas o nível de preços seria maior.

Friedman e os monetaristas trabalhavam com a hipótese de que as expectativas são adaptativas, ou seja, de que,

com o passar do tempo, os agentes econômicos percebiam os erros cometidos em suas avaliações e oscorrigiam, até que, no "longo prazo", eles fossem totalmente eliminados.

A política monetária não deveria ser usada para objetivos de pleno emprego, mas apenas para proporcionar aestabilidade de preços necessária para o crescimento sustentado da economia, que é considerado como umaquestão essencialmente de oferta (e não de demanda, como no keynesianismo), de expansão da capacidadeprodutiva ao longo do tempo.

Uma expansão na oferta de moeda reduziria a taxa de juros no curto prazo (efeito Keynes), mas, com o decorrerdo tempo, o aumento na renda por ele gerado iria aumentar a demanda por empréstimos e a demanda de moeda,o que elevaria a taxa de juros (efeito renda). Mais tarde, os preços subiriam, reduzindo assim a liquidez real eaumentando a taxa de juros (efeito liquidez) e, por fim, com o surgimento da expectativa de inflação, esta seria

incorporada à taxa de juros nominal, provocando um aumento na taxa de juros real (efeito Fischer).

Em 1958, Phillips, de inspiração keynesiana, sugeriu, em estudo que se tornou famoso, que existiria um dilema depolítica econômica: quando os governos resolvessem combater a inflação, o desemprego aumentaria e quando

resolvessem reduzir o desemprego, a inflação aumentaria. Até hoje, muitos economistas e economistas aindaacreditam nisso. E -- pior -- acreditam que o desemprego é a "cura" para a inflação, o que os leva a aceitar taxasde inflação elevadas. A própria presidente do Brasil não se cansa de afirmar coisas do tipo: "precisamos controlara inflação, mas de modo que a economia continue a crescer"...

Para a Escola Monetarista, o trade off (dilema) entre inflação e desemprego só seria relevante no curto prazo,porque existe uma curva de Phillips para cada valor das expectativas de inflação P*: suponhamos que a economia

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esteja no ponto A, com uma taxa de inflação ¶ 0 e no seu nível natural de desemprego, u n, e que o Banco

Central resolva executar uma forte política para derrubar a inflação.

No curto prazo, o efeito será aumentar a taxa de desemprego para u', mas, caso as autoridades monetáriaspermaneçam firmes em seu propósito -- e se o estado equilibrar as suas contas de forma permanente -- a inflação

esperada irá declinar, o que fará a curva de Phillips se deslocar para baixo, até ajustar-se à nova inflação ¶ 1. A

economia iria, então, de A para B no curto prazo e de B para C quando as expectativas se ajustassem (P*= P1).

A Escola de Expectativas Racionais

A Escola de Expectativas Racionais baseia-se em três hipóteses bastante fortes:primeira, todos os agentes econômicos são otimizadores; segunda, não têm qualquertipo de "money illusion", isto é, tomam sempre as suas decisões com base em

variáveis reais (e não em variáveis nominais) e terceira, suas expectativas sãoracionais (conceito formulado pela primeira vez por John Muth em 1961 e que sepopularizou após a publicação de artigo assinado por Robert Lucas e LeonardRapping em 1969 sobre salário real, emprego e inflação. De forma simples, asexpectativas dos agentes econômicos são racionais quando, na média, os agentes

acertam em suas expectativas.

Para essa escola, cujos principais economistas são Robert Lucas (foto acima), Neil Wallace, Leonard Rapping eThomas Sargent, com base nessas três hipóteses, nem mesmo transitoriamente é possível para o governo manter

a economia funcionando acima de sua capacidade natural mediante políticas de "sintonia fina" de naturezakeynesiana, pois os agentes econômicos antecipam a inflação futura e a trazem para o presente. Uma dasconclusões mais importantes dessa escola é a conhecida "proposição da invariância", segundo a qual as políticas

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do governo não têm qualquer poder -- mesmo no curto prazo -- para afetar as variáveis reais da economia, tais

como o produto, o emprego e os salários reais.

Apenas no caso em que as políticas do governo contiverem algum elemento de incerteza, não previsto, é quepoderiam transitoriamente afetar os níveis de produto e de emprego.

A equação de oferta de Lucas pode ser expressa como yt = yn + b (Pt - t-1Pe t) , em que yt é o PIB no período

t, yn é o nível normal ou natural do PIB, b representa um parâmetro, Pt é o nível de preços no período t e t-1Pe t é

a expectativa quanto ao nível de preços no período t, formulada no final do período t - 1. Sendo assim,quando as

expectativas estão certas (são racionais), o PIB será igual ao seu nível natural; se o nível esperado de preços forsuperior ao efetivo, o PIB será menor do que o natural e se o nível esperado de preços for inferior ao nívelefetivo, o PIB será superior ao seu nível normal.

Para chegar a essa equação, Lucas partiu de um mundo microeconômico de diversas ilhas isoladas umas dasoutras e, mediante uma elegante construção teórica, passou da microeconomia para a macroeconomia.

No gráfico seguinte, se o governo expandisse a demanda agregada DA, através de políticas monetárias e/oufiscais, partindo do ponto A, a economia iria imediatamente para o ponto B, sem qualquer aumento no produto,

mas com preços mais elevados.

Uma conclusão interessante da Escola de Expectativas Racionais é que nível de preços hoje depende da políticamonetária de agora -- que, obviamente, é conhecida -- e da política monetária que se espera vir a ser executadano futuro, a qual, por sua vez, depende do déficit governamental de hoje e do déficit esperado para o futuro.

Portanto, pode haver situações em que, na presença de desequilíbrio crônico nas contas públicas, uma políticamonetária austera pode significar mais inflação no futuro, bastando, para isso, que as expectativas para o déficitpúblico sejam no sentido de que ele vai se deteriorar. Não basta, para a Escola de Expectativas Racionais,olharmos para o que o Banco Central e as autoridades fiscais estão fazendo; é preciso que olhemos para o que

achamos que ambos irão fazer no futuro. Isto revolucionou a macroeconomia moderna, a partir dos anos 70 doséculo passado.

Outra contribuição importante da Escola de Expectativas Racionais foi que ele mostrou que deve existircoordenação entre os regimes monetário e fiscal, para que o "jogo" da economia seja cooperativo. Quando nãoexiste coordenação, por exemplo, quando o governo apresenta forte desequilíbrio em suas contas e o Banco

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Central resolve atacar a inflação, a taxa de juros necessária para que a inflação caia passa a ser muito maior doque seria caso as contas públicas apresentassem equilíbrio entre receitas e despesas.

A Escola das Escolhas Públicas (Public Choice)

Seu principal expoente é James Buchanan (1919, na foto), quepublicou com Gordon Tullock, em 1962, The Calculus ofConsent, a obra que estabeleceu a escolha pública como um ramoda economia.

No que estão baseadas as escolhas dos agentes políticos e dassociedades? Isto é o que tenta explicar a Teoria da EscolhaPública, assunto estudado em (bons) cursos de Ciências Sociais,Econômicas e Políticas, Direito e, também, na Administração. Éum elemento importante para entender os processos eleitorais. NoBrasil, infelizmente, essa escola é praticamente desconhecida etratada até com certo desdém pelos doutores keynesianos. A

rigor, só há um especialista no assunto em nosso país, o Prof.Jorge Vianna Monteiro, da PUC do Rio de Janeiro.

A escolha pública é um ramo da teoria econômica em que osconceitos da economia de mercado são aplicados à política e aosserviços públicos. Assim, a visão romântica de que o político é umservidor altruísta do interesse público em geral é substituída por

uma abordagem mais realista. Em vez de conceder aos políticos um tratamento especial, a escolha pública os tratacomo meros agentes humanos que priorizam a busca do seu interesse próprio.

A Teoria da Escolha Pública tem como unidade básica a análise do indivíduo político e social através do métodoeconômico. Sustenta que cada ator político toma decisões que vão ao encontro de seus interesses pessoais, o quegeraria uma maximização da utilidade deste agente social. É a influência direta dos economistas nas políticaspúblicas estatais. Eles perceberam que com a passagem das monarquias absolutistas para monarquias ourepúblicas constitucionais os parlamentos passaram a ter certo controle sobre a ação dos Executivos.

Basicamente a teoria foi sendo fundamentada numa redefinição da problemática das finanças públicas. O principal

não era mais a manutenção de uma corte, mas o estabelecimento de uma espécie de troca entre impostos pagospelos cidadãos e os bens e serviços recebidos através das despesas públicas. Transferindo estas mudanças para apolítica, significou que a democracia não deve substituir a tirania de um rei ou oligarquia pela tirania da maioria,mas servir os interesses da coletividade e as preferências dos cidadãos em relação aos bens públicos.

Estudando as diferentes formas de democracia que iam surgindo, percebeu-se que a perspectiva da teoria daescolha pública é que as decisões políticas e econômicas dos governos estão sujeitas a um conjunto de poderesrepartidos por diferentes agentes com funções diferentes no sistema político. Ou seja, os poderes Executivo,Legislativo e Judiciário, a própria administração pública, os partidos políticos e os grupos de interesse interferem

na possibilidade e capacidade de implementar as políticas públicas. Ao mesmo tempo, os governos têm temposde atuação limitados, tendo que se submeter à apreciação popular periodicamente, o que acaba influenciando asdecisões tomadas.

Em suma, a teoria da escolha pública mostra que o indivíduo é peça fundamental. Que a escolha coletiva éresultado das preferências dos agentes envolvidos nesta escolha e das regras e procedimentos que permitempassar de preferências diversas de cada indivíduo para uma única escolha coletiva. Autores como o professorportuguês José Manuel Moreira defendem que os indivíduos são instrumentalmente racionais, isto é, capazes deescolher ações apropriadas aos objetivos que pretendem alcançar.

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Moreira diz ainda que se não há racionalidade há o egoísmo de sempre cuidar dos interesses pessoais. Daí anecessidade de definir regras, procedimentos e instituições que evitem os piores abusos de poder e outrastentações políticas.

Em outras palavras, os cidadãos precisam, de acordo com essa escola, conter o excesso de poder do estadomediante instituições adequadas.

A Escola Austríaca de Economia

Ao se falar da EAE os primeiros nomes que nos vêm à mente são, indubitavelmente, os de Ludwig von Mises(1881-1973) e Friedrich August von Hayek 1899-1992), retratados na imagem abaixo.. Mas a tradição austríacaremonta aos pós-escolásticos ou escolásticos tardios e também a Richard Cantillon. O fundador da EAE é CarlMenger (1840-1921) e ela prosseguiu com Wieser, Böhm-Bawerk, Murray Rothbard e prossegue com Israel

Kirzner, Hans-Hermann Hoppe, Roger Garrison, Joseph Salerno, Lew Rockwell, Mark Thornton, Tom Woods,Robert Murphy, Jörg Guido Hülsmann e outros, cujas obras mantêm viva a tradição mengeriana. No Brasil hápoucos economistas que desenvolvem seus trabalhos na tradição austríaca, mas esse número vem crescendograças, em boa parte, ao trabalho do Instituto Mises do Brasil. Além do autor deste artigo, temos os professoresFabio Barbieri (da USP de Ribeirão Preto) e Antony Mueller (da Universidade Federal de Aracaju), além dejovens como Fernando Ulrich e Domingos Crosseti Branda, além de diversos jovens recém-formados quepretendem aprofundar seus estudos no exterior na tradição da EAE.

Podemos resumir a EAE em um núcleo, formado por umatríade básica -- ação, tempo e conhecimento -- e trêselementos de propagação -- a saber, o conceito de utilidademarginal, o subjetivismo e a definição de ordens espontâneas.Em meu novo livro, Ação, tempo e conhecimento: a EscolaAustríaca de Economia (IMB, 2011) analiso esse núcleo eesses elementos de difusão e mostro como se estendem àFilosofia Política, à Epistemologia e à Economia.

Para efeitos deste modesto artigo, contudo, é suficiente esboçarmos alguns conceitos. A Escola Austríaca baseia-se na ideia filosófica de individualismo (em oposição ao conceito de coletivismo). Sua visãoaristotélica/racionalista da economia diverge das teorias econômicas neoclássicas dominantes da mainstream,baseadas numa visão platônica/positivista da economia.

Considera o individualismo metodológico como única fonte válida para a determinação de teorias econômicas,ou seja, dada a complexidade e infinitos fatores que influenciam as decisões econômicas dos vários indivíduos

numa sociedade, a única forma válida de explicar essas decisões é estudar quais os princípios fundamentais queregem todas as ações humanas.

À aplicação formal do individualismo metodológico dá-se o nome de praxeologia, que visa a definir leiseconômicas válidas para qualquer ação humana, ou seja, a praxeologia preocupa-se em analisar quais osconceitos e implicações lógicas por detrás das preferências e escolhas dos indivíduos, considerando verdadeirasapenas as leis econômicas que são válidas até prova em contrário (por fatos reais), independentemente do tempoou lugar em que se aplicam. É o falsificacionismo popperiano.

A praxeologia supõe o axioma de que o homem age sempre com a intenção de aumentar o seu conforto oureduzir seu desconforto, respeitando sempre uma escala ordinal de necessidades que nem sempre são objetivasou racionais.

Utilizando o mesmo axioma, conclui que um mercado livre da influência estatal é a forma mais eficiente de suprir

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as diversas necessidades que surgem numa sociedade, dada a incapacidade do estado em interpretarcorretamente e suprir com eficiência as necessidades em constante mutação dos diferentes indivíduos quecompõem a sociedade.

Características da EAE

(esta seção foi extraída, com algumas alterações, de O Processo de Mercado na Escola Austríaca Moderna,dissertação de mestrado de Fabio Barbieri, USP, São Paulo, 2001).

(a) Individualismo Metodológico: este preceito busca a explicação dos fenômenos econômicos na ação dosindivíduos, e não em entidades coletivas, como, por exemplo, faz o historicismo. Rejeita-se da mesma formaconceitos e agregados macroeconômicos que não sejam fundamentados na ação individual. A ação humanaindividual ao longo do tempo e sob condições de incerteza genuína é o ponto de partida para a Escola Austríaca.

(b) Subjetivismo Metodológico: o subjetivismo da EA não se limita às preferências do consumidor, mas parte danoção de ação humana baseada em planos individuais, que incorpora também as expectativas e o conhecimentogeral dos agentes econômicos, como conjecturas empresariais. Os meios e fins dos planos individuais têm suaorigem na mente dos agentes, são imaginados e definidos pelas pessoas. É um subjetivismo "epistêmico": asexpectativas, o conhecimento das preferências, dos bens e as conjecturas empresariais são conhecimento falível e

conjectural, imaginados pelos agentes, não sendo "dados" de antemão ao economista. A relação entre oconhecimento individual e as realidades objetivas do mercado faz parte dos problemas estudados pela EscolaAustríaca.

(c) Análise de Processo: os austríacos não centram sua análise nas propriedades de um estado de equilíbrio, massim no processo de trocas que levaria ou não a tal estado. Estuda a ação humana fora do equilíbrio. A análise deprocesso parte das conjecturas empresariais, cuja implementação leva a erros que surgem das ações baseadasem conhecimento sempre limitado e disperso e prossegue estudando os mecanismos de correção de erros. AEscola Austríaca estuda a ordem espontânea do mercado, que surge da interação de indivíduos que agem

conforme seus planos independentes, baseados em conhecimento imperfeito e sujeito a mudanças inesperadas.

Os austríacos não utilizam a concepção newtoniana do tempo, mas o conceito de tempo real ou dinâmico deHenri Bergson. Para os austríacos, o mercado é um processo.

(d) Complexidade: A Escola Austríaca identifica na diversidade micro a causa fundamental de vários fenômenoseconômicos. Suas teorias evitam utilizar agregados homogêneos, apontando em vez disso para as relações

estruturais entre os elementos diferenciados de tais agregados: enfatiza-se a estrutura do capital em detrimentode sua quantidade total, os movimentos relativos nos preços são mais importantes do que o estudo do "nível depreços", o conhecimento e expectativas variam conforme os agentes e o sistema de preços é visto como um complexo processo de adaptação a mudanças freqüentes e desconhecidas pelos agentes, formando uma ordemespontânea auto-organizável.

(e) Heurística Positiva: orientada por estes preceitos básicos, a Escola Austríaca desenvolve teorias nasseguintes direções: tornar os fenômenos inteligíveis em termos de ação humana proposital, em especial o estudode planos individuais; traçar conseqüências não intencionais da ação humana; lidar com as conseqüências dapassagem do tempo e da imperfeição do conhecimento, como o estudo da inconsistência de planos; desenvolver

teorias sobre a aquisição de conhecimento por parte dos agentes; estabelecer as condições para se admitir aexistência de uma tendência ao equilíbrio; estabelecer as condições em que ocorrem desequilíbrio, como na teoriade ciclos; construir teorias com relações estruturais entre seus elementos, que dêem conta da diversidade ecomplexidade do fenômeno estudado.

(f) Heurística Negativa: paralelamente a este programa positivo, os austríacos seguem regras negativas como:não construir teorias que estabeleçam relações causais entre agregados e médias, mas que careçam de base em

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ações humanas individuais; não construir teorias nas quais as ações humanas são completamente determinadaspor situações externas, negando-se alguma autonomia à mente humana; não utilizar teorias que admitemconhecimento perfeito ou otimamente imperfeito; não desconsiderar diversidade individual dos agentes e orealismo das hipóteses (rejeita-se o instrumentalismo metodológico).

Comentários finais

Esboçamos as linhas principais das três escolas econômicas liberais que marcaram o século XX, um século emque prevaleceram idéias coletivistas e intervencionistas, em que o relativismo moral passou a dar as cartas e emque as chamadas "soluções políticas" prevaleceram sobre as soluções da economia de mercado.

Dentro desse quadro extremamente adverso, temos que louvar os economistas da Escola Monetarista e oschamados Novos Clássicos, bem como os da Public Choice e os que prosseguiram com a tradição austríacainiciada por Carl Menger. Foram -- e ainda são -- verdadeiros heróis, semelhantes a dom Quixotes lutandocontra os moinhos movidos pelos ventos do estatismo, do intervencionismo, do keynesianismo, da social-democracia e do socialismo. Quem trabalha como professor em uma universidade -- pública ou privada -- sabemuito bem do que estou falando. Em um departamento de Economia com, digamos, 30 professores, encontrar um

ou dois monetaristas ou novos clássicos é muito difícil -- porque quase todos são keynesianos ou marxistas (!) --e achar um seguidor da public choice ou um austríaco é praticamente impossível. Anima-nos, contudo, areceptividade que as idéias austríacas encontra entre muitos alunos interessados em alargar o seu leque deconhecimentos.

Todos sabem que há alguns anos passei a me considerar um economista austríaco e isso pressupõe queconsidero a Escola Austríaca superior à Monetarista e à da Escolha Pública, no sentido de explicar com maispropriedade a economia do mundo real, seja por sua metodologia mais apropriada para as ciências sociais, sejapelo fato de encarar os mercados como processos de permanentes descobertas, ou por ser a única que possui

uma teoria do capital, dentre outras vantagens. Mas isto, neste artigo, não vem ao caso. Em um mundo marcadopela crença nas pajelanças do estado como indutor do "crescimento", o que importa é que há economistas quenadam contra a maré, sejam eles monetaristas, seguidores de Buchanan ou austríacos.

Porque o inimigo é o mesmo: o estado. Nossa luta é para recolocá-lo em sua devida função, que é a de nos servirnaqueles poucos setores em que sua presença pode ser aceita, e não a de servir-se de nós, cidadãos de bem epagadores de tributos.

Palmas para Friedman, Buchanan, Mises e Hayek, então! E, para os dois últimos, palmas com bis...