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Asas Da Loucura - Paul Hoffman

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Léo Fabiano

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Capa

  • Folha de Rosto

    PAUL HOFFMAN

    Asas da LoucuraA extraordinria vida de Santos-Dumont

    TraduoMarisa Motta

  • CrditosCopyright 2003 by Paul HoffmanPublicado originalmente nos Estados Unidos e no Canad pela Hyperion como Wings of Madness. Esta edio traduzida publicada mediante acordo com a Hyperion.

    Todos os direitos desta edio reservados Editora Objetiva Ltda. Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro RJ Cep: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824 Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br

    Ttulo originalWings of Madness

    CapaRomildo Gomes

    RevisoCristiane MarinhoHllen Dutra

    Converso para e-bookAbreus System Ltda.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    H647aHoffman, PaulAsas da loucura [recurso eletrnico] : a extraordinria vida de Santos-Dumont / Paul Hoffman ; traduo Marisa

    Motta. - Rio de Janeiro : Objetiva, 2010.recurso digital

  • Traduo de: Wings of madnessFormato: ePubModo de acesso:Requisitos do sistema:245p. ISBN 978-85-390-0136-1 (recurso eletrnico)1. Santos-Dumont, Alberto, 1873-1932. 2. Inventores - Brasil - Biografia. 3. Aeronutica - Histria. 4. Livros

    eletrnicos. I. Mota, Marisa. II. Ttulo.10-4430. CDD: 926.2913 CDU: 929:629.7

  • DedicatriaPara Ann, Alexander e Matt

  • Prlogo

    Um Jantar Suspenso Champs-lyses, 1903

    Em dezembro de 1903, Alberto Santos-Dumont, o pioneiro da aviao, h 11 anos residindoem Paris, ofereceu uma pequena recepo em seu apartamento no Champs-lyses. LouisCartier, o joalheiro, estava l, bem como a princesa Isabel, filha de D. Pedro II, o ltimoimperador do Brasil. Como no houve uma lista impressa de convidados, pode-se apenasconjeturar quem seriam os outros participantes do jantar. Mas seus parceiros regulares dosjantares e amigos prximos incluam George Goursat, o sofisticado escritor e cartunista quedesenhava caricaturas dos ricos e famosos nas paredes dos restaurantes da moda; GustaveEiffel, o arquiteto da torre; Antnio Prado Jr., filho de um embaixador brasileiro; dois ou trsRothschilds, os primeiros a conhecer Santos-Dumont, agora com 30 anos, quando suaaeronave experimental caiu em seus jardins; a imperatriz Eugnia, viva reclusa de NapoleoIII; e alguns reis, rainhas, duques e duquesas, to numerosos que impossvel mencionar todosos seus nomes.

    Quando o mordomo de Santos-Dumont levou os convidados sala de jantar, elesacharam divertido subir numa escada porttil para se sentarem em cadeiras com longos pscolocadas ao redor de uma mesa ainda mais alta. Porm no ficaram surpresos. Desde o finaldos anos 1890, Santos-Dumont costumava dar jantares areos. Os primeiros foram emmesas e cadeiras normais suspensas por cabos que eram presos no teto do grande p-direitodo apartamento. Isso funcionava quando o franzino brasileiro que pesava pouco mais de 50quilos jantava sozinho, mas, ao reunir um grupo, o teto acabou cedendo ao peso dosconvidados. Santos-Dumont era um arteso habilidoso, que aprendera marcenaria com osempregados da fazenda de caf de seu pai, e ento construra as mesas e as cadeiras comlongos ps, que se tornaram uma caracterstica de seu apartamento desde ento. Nos primeirosjantares, os convidados, entre goles de absinto verde leitoso, perguntavam sempre qual era oobjetivo dessa mesa to alta. E o tmido anfitrio, que preferia que os outros falassem, corriaseus dedos cheios de anis entre os cabelos negros partidos ao meio, num estilo visto quasesempre em mulheres, e explicava com malcia que era para que imaginassem como seria avida numa mquina voadora. Os convidados riam. As mquinas voadoras no existiam nosanos de 1890, e os prognsticos cientficos eram desanimadores. Santos-Dumont ignorava osrisinhos sarcsticos e insistia que em breve elas estariam em toda parte.

    Os bales a gs eram vistos normalmente no cu de Paris ao final do sculo XIX, mas

  • no eram mquinas voadoras. Sem a fora de um motor, esses grandes globos flutuantes eram descritos como esfricos, mas, na verdade, tinham a forma de uma pera invertida estavam sempre merc do vento. Na virada do sculo, Santos-Dumont revolucionou o mundoda aeronutica. Instalou um motor de automvel e um propulsor num balo e, para torn-loaerodinmico, deu-lhe o formato de um charuto alongado. No dia 19 de outubro de 1901,milhares de pessoas o viram circunavegar a torre Eiffel em sua nova aeronave. A multido quese aglomerou nas pontes do Sena era to numerosa que muitos foram jogados no rio ao escalaros parapeitos para ter uma viso melhor. Os cientistas que observaram o voo do apartamentode Gustave Eiffel no alto da torre tinham a certeza de que ele no conseguiria realiz-lo.Temiam que um vento imprevisvel o impelisse contra o para-raios da torre. Outros estavamconvencidos de que o balo explodiria. Quando Santos-Dumont contrariou todas as previses,Jlio Verne e H. G. Wells enviaram-lhe telegramas de congratulaes.

    No fim de 1903, poca dos jantares com Cartier e com a princesa Isabel, ele tornara-se uma figura familiar no cu de Paris. Desenhara uma pequena aeronave, que seusadmiradores chamavam de Baladeuse (Andarilho), seu transporte pessoal, na qualpasseava, amarrando-a nos lampies a gs diante dos locais noturnos em moda na cidade. OBaladeuse era to fcil de manejar quanto esta nova inveno, o automvel, que percorriabarulhento as ruas de Paris, mas tinha a vantagem de no assustar os cavalos nem os pedestresao voar. Os dirigveis de corrida maiores eram mais complicados de manobrar e Santos-Dumont queixou-se com Cartier que no conseguia calcular o tempo de seus voos, porque eramuito perigoso tirar as mos dos controles para puxar o relgio de bolso. Cartier prometeuarranjar uma soluo e logo depois inventou um dos primeiros relgios de pulso para ele uma verso comercial que se tornaria um acessrio indispensvel para os parisiensessofisticados.

    Santos-Dumont tinha uma viso romntica na qual todas as pessoas no mundo possuiriamseus prprios Baladeuses e, assim, seriam livres como pssaros para viajar a qualquer lugarque quisessem e a qualquer momento que lhes desse vontade. O futuro das aeronaves, pensava,estava no balo mais leve que o ar e no no aeroplano mais pesado que o ar, o qual at quantosabia no progredira alm dos planadores no propelidos. Ele imaginava aeronavesgigantescas no zepelins rgidos, mas bales grandes e flexveis com o local de cargasuspenso na parte de baixo transportando passageiros entre Paris e Nova York, Berlim eCalcut, Moscou e Rio de Janeiro.

    Santos-Dumont no acreditava em patentes e divulgou amplamente os projetos de seusdirigveis. Ele via as aeronaves como carruagens da paz, contatando culturas diferentes paraque os povos se conhecessem e reduzindo, dessa forma, as possveis hostilidades. Emretrospecto, parece uma viso ingnua, com a Primeira Guerra Mundial a uma dcada maisadiante, porm seu otimismo no era incomum nos meios cientficos na virada do sculo,quando novidades como a luz eltrica, o automvel e o telefone transformaram de modoradical a sociedade.

  • Nessa noite de dezembro de 1903, Santos-Dumont e seus amigos conversaram sobre oano esplndido que ele passara. No tivera seus acidentes usuais, que o tornaram famosocomo o homem que desafiava constantemente a morte. No cara em telhados de hotisparisienses, nem fizera mergulhos inesperados no Mediterrneo, ou sbitas aterrissagens emlocais estranhos. Fora um ano tranquilo. No Baladeuse, ele possua o cu da Frana. Era onico que estava sempre voando em uma aeronave. Quando o copeiro serviu vinho aosconvidados, Cartier e a princesa Isabel fizeram um brinde engenhosidade do anfitrio.Ningum mais estava perto de dominar o ar ou assim parecia.

    Ansioso por um novo desafio, Santos-Dumont juntou-se competio para construir evoar no primeiro avio do mundo. Durante uns poucos meses, parecia ter sido bem-sucedido,mas, depois de um voo pioneiro duramente discutido, essa glria coube a Wilbur e OrvilleWright, que haviam feito uma experincia em segredo. Santos-Dumont reteve a distino de tervoado no primeiro avio na Europa, e seu entusiasmo e sua perseverana inspiraramaeronautas em todo o continente.

    No incio, a aeronutica na Europa funcionava como um clube de cavalheiros. Osencontros de bales nas manhs de domingo substituam as partidas de polo ou as caadas deraposas. As mquinas voadoras eram um divertimento para os homens ricos que possuram osprimeiros automveis os bares do petrleo, advogados abastados e os magnatas daimprensa. Eles aceitaram Santos-Dumont como um deles porque era um filho bem-educado deum rico fazendeiro de caf. Eles apoiavam os inventores de dirigveis e avies financiandoseus projetos e oferecendo prmios lucrativos para os experimentos aeronuticos pioneiros:o primeiro a contornar a torre Eiffel num balo a motor, o primeiro a voar 45 metros em umavio e o primeiro a atravessar o canal da Mancha.

    O aspecto recreativo dessas competies tinha como objetivo disfarar seu perigo. Maisde duzentos homens, muitos deles com mulheres e crianas, alguns grandes engenheiros einventores sua poca, morreram em acidentes antes do sucesso de Santos-Dumont. Ospioneiros da aeronutica no possuam as tcnicas modernas para construir uma aeronavecapaz de voar com segurana. A nica maneira de provar que poderiam voar era fazendoexperimentos arriscados, porque a maioria dessas mquinas precrias no ascendia, no tinhaestabilidade no ar ou no conseguia pousar ilesa. Santos-Dumont conhecia os riscos daaerostao. E embora falasse com os amigos que voar era o maior prazer de sua vida, ele noteria se exposto tanto ao perigo se no fosse por uma meta mais ambiciosa a inveno deuma tecnologia que revolucionaria os meios de transporte e promoveria a paz mundial.

    A primeira metade de sua meta realizou-se durante sua vida. Hoje, o avio o principalmeio de transporte de longa distncia. S nos Estados Unidos decolam 90.700 voos por dia. Eno Brasil 157 avies partem para a Europa todas as semanas. O tempo de voo de So Paulo aParis de 11 horas, um percurso que Santos-Dumont faria em mais de uma semana de navio etrem. No entanto, seu objetivo de contribuir para a paz mundial no foi plenamente realizado.Os avies comerciais, o telefone, o rdio, a televiso, e agora a Internet transformaram o

  • mundo em uma comunidade global. Se um terremoto atingir El Salvador, o transporte areo dealimentos de Londres para o local atingido pode ser realizado em horas. Se uma epidemia deEbola for detectada no Congo, os mdicos dos Centers for Disease Control podem chegar lem um dia. Porm, a aviao militar fez milhares de vtimas no apenas em Hiroshima eNagasaki, mas tambm no curso normal da guerra. E em uma manh do dia 11 de setembro de2001, algo inconcebvel aconteceu: dois avies comerciais converteram-se diabolicamente emmsseis de ataque a arranha-cus. A primeira grande inveno do sculo XX tornou-se opesadelo do sculo XXI.

    A motivao dos irmos Wright ao desenvolver o avio era diferente da de Santos-Dumont. Eles no eram idealistas nem sonhavam reunir pessoas distantes umas das outras.No buscavam emoes fortes nem romantizavam o prazer de voar, ou tinham uma certaespiritualidade area. No eram esportistas com senso de humor e com certeza no ofereciamjantares em cadeiras com longos ps. Eles pretendiam construir aeronaves com intuitofinanceiro, e quando inicialmente o governo dos Estados Unidos recusou-se a financi-los,eles no tiveram escrpulos em se aproximar de militares estrangeiros.

    s vsperas da Primeira Guerra Mundial, quando era evidente que o avio poderia serusado como uma arma de destruio em massa, Santos-Dumont foi o primeiro aeronauta amanifestar-se contra a militarizao das aeronaves. Era uma voz solitria, conclamando oschefes de Estado a desativar suas bombas. Orville Wright no se juntou a esse apelo (nessapoca, Wilbur j havia morrido).

    Santos-Dumont foi talvez o homem mais prestigiado de Paris nos primeiros anos dosculo XX. Sua imagem elegante estampava-se em caixas de charutos, caixas de fsforos eaparelhos de jantar. Desenhistas de moda fizeram negcios prsperos com rplicas de seuchapu-panam e com seus colarinhos altos e duros dos quais ele tanto gostava. Fabricantesde brinquedos no conseguiam produzir quantidade suficiente de modelos de seus bales. Atmesmo os confeiteiros franceses o homenageavam com bolos em forma de charuto decoradoscom as cores da bandeira brasileira.

    Ele era famoso em ambos os lados do canal da Mancha na verdade, em ambos oslados do Atlntico. Quando os nomes daqueles que ocuparam posies de destaque no mundoforem esquecidos, declarou o Times londrino em 1901, um nome permanecer em nossamemria, o de Santos-Dumont.

    Hoje, seu nome quase no lembrado fora do Brasil, onde ainda um heri de mticaspropores. Uma cidade, um grande aeroporto e diversas ruas tm seu nome. A mera menode seu nome provoca um sorriso na maioria dos brasileiros, quando eles imaginam a poca emque seu ousado conterrneo cruzava orgulhosamente os cus em um pequeno balo. Assimcomo o resto do mundo em grande parte esqueceu Santos-Dumont, os brasileiros, aoromantiz-lo em poemas, canes, esttuas, bustos, pinturas, biografias e comemoraes emsua memria, esquecem seu lado negativo. Ele foi um gnio torturado, um esprito livre quebuscava escapar do confinamento da gravidade, da rivalidade de seus companheiros

  • aeronautas, do isolamento de sua educao num meio rural, da viso estreita dos cientistasmais velhos, da conformidade da vida de casado, dos esteretipos sexuais, e mesmo dodestino de sua querida inveno.

    Muitos meninos sonharam em ter uma mquina de voar, uma espcie de carro alado quepudesse decolar e pousar em qualquer lugar sem precisar de uma pista de pouso. No sculoXXI, ningum realizou esse sonho. Uma pequena elite corporativa utiliza helicpteros para irao trabalho, voando entre locais de pouso seguros e os telhados dos escritrios. Mas mesmoum poderoso industrial cosmopolita no pode voar at seu restaurante favorito, ao teatro ou auma loja. Um nico homem na histria usufruiu essa liberdade. Seu nome foi Alberto Santos-Dumont, e seu corcel areo era um balo dirigvel.

  • Captulo 1

    A Chegada Minas Gerais, 1873

    Alberto Santos-Dumont nasceu durante o reinado de D. Pedro II, em 20 de julho de 1873, emum local remoto de Minas Gerais. Os pais de Alberto, Henrique Dumont e Francisca de PaulaSantos, foram a primeira gerao de brasileiros a viver no distrito de Joo Aires, naminscula cidade de Cabangu. No incio, Cabangu consistia em apenas sua casa. Henrique eraengenheiro e fora contratado para construir uma extenso da estrada de ferro D. Pedro II atessa longnqua regio de Minas Gerais. A estrada de ferro fazia parte de um vasto projeto deobras pblicas do imperador, e foi uma honra para Henrique receber essa incumbncia. Adesvantagem era a vida to isolada.

    Quando Alberto tinha 6 anos, o trabalho de construo da ferrovia terminou, e seu pai,com a herana da esposa, mudou-se com a famlia para as terras frteis do estado de SoPaulo e comprou uma fazenda de caf. A mudana foi difcil; foi preciso arar o terreno, plantar500 mil ps de caf, construir paiis para estocar, secar e beneficiar os gros, e moradias paraos trabalhadores e feitores. A propriedade era to extensa que Henrique construiu uma estradade ferro com 96 quilmetros de comprimento para percorr-la e comprou sete locomotivas. Otrabalho foi recompensador. Henrique, apelidado de rei do caf pela imprensa, logo possuauma das maiores fazendas do pas. Essa fortuna recm-adquirida permitiu-lhe importarprofessores europeus para os filhos e enviar Alberto, quando mais velho, para colgiosparticulares em So Paulo e Ouro Preto.

    Os europeus imaginam as plantaes brasileiras como pitorescas colnias primitivas,perdidas na imensidade do serto, no conhecendo melhor a carreta nem o carrinho de moque a luz eltrica ou o telefone. Em verdade, h, em certas regies recuadas do interior,colnias desta espcie... Atravessei algumas delas... mas no eram fazendas de caf de SoPaulo. Dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginao de uma criana quesonha com invenes mecnicas, escreveu mais tarde Santos-Dumont.

    Aos 7 anos, ele dirigia as locomveis, mquinas a vapor sobre rodas utilizadas paracarregar os frutos vermelhos de caf dos campos para a estrada de ferro. Cinco anos depois,persuadiu um maquinista a deix-lo guiar uma enorme locomotiva Baldwin e transportar umvago cheio de gros para a usina de beneficiamento.

    Dos oito filhos de Henrique, Alberto era o sexto filho e o mais novo dos trs meninos, eo que mais se interessava pela mecnica de produo do caf. Ele conhecia cada etapa do

  • longo processo. Acho que se desconhece, em geral, como especializado o funcionamento deuma fazenda de caf no Brasil, ele recorda, desde o momento em que os frutos so colhidos eentram nos vages, at quando o subproduto embarcado nos navios transatlnticos. Em Meusbales, sua autobiografia escrita em 1904, Santos-Dumont descreve com mincias o processode produo de caf na fazenda da famlia.

    Os gros vo primeiramente a grandes tanques cheios dgua continuamente agitada e renovada. A terra aderentedeposita-se no fundo e os gros flutuam, conjuntamente com os detritos vegetais, e so carregados ao longo deuma calha inclinada, cujo fundo crivado de pequenos orifcios. Atravs desta passa o caf com um pouco dgua,ao passo que os pedaos de madeira e folhas continuam flutuando.

    Eis assim os gros limpos. Guardam sempre a cor vermelha e o aspecto e tamanho das cerejas.Cada fruto contm duas sementes, cada uma das quais est envolvida por uma pelcula.Na sua passagem a gua arrasta os gros ao despolpador, que, esmagando a polpa externa, produz o

    isolamento das sementes.Longos tubos, ditos secadores, recebem estas ainda molhadas e revestidas da pelcula e as agitam sem cessar,

    ao mesmo tempo que as submetem ao do ar quente.Uma vez secas, so as sementes apanhadas pelos alcatruzes de uma elevadora sem fim, que as conduzem at

    um outro edifcio, onde ficavam as demais mquinas.A primeira destas um ventilador munido de peneiras de vai e vem, que algumas deixam passar entre suas

    malhas os gros. Nenhum destes se perde a; nenhuma impureza fica. O mais insignificante fragmento de madeiraque parasse seria, alis, bastante para avariar a mquina seguinte, o descascador, que um conjunto de peas deextrema finura.

    Apanhadas por um outro elevador, de cadeia sem fim, as sementes, agora descascadas, mas sempremisturadas com as cascas, so levadas a um novo ventilador, onde as ltimas, pela sua leveza, so arrastadas pelovento.

    A operao seguinte tem lugar no separador, que um grande tubo de cobre, de 7 metros de comprimento por2 de dimetro, em posio ligeiramente inclinada. Este tubo, no seu primeiro percurso, tem uns pequeninos crivospelos quais passam os gros menores; depois orifcios maiores, que do passagem aos de tamanho mdio; e maisadiante, orifcios ainda mais largos, para a sada dos gros volumosos que constituem o moka.

    A funo do separador consiste, portanto, em reparar o caf sobre uma tremonha particular. Embaixo esto asbalanas e os homens com os sacos. medida que cada saco recebe o seu peso normal de caf, substitudo poroutro, vazio. Assim se formam repetidamente lotes enormes, que, depois de costurados e marcados, so expedidospara a Europa.

    Quando menino, Santos-Dumont passava dias inteiros observando as mquinas eaprendendo a consert-las. Elas quebravam com muita frequncia.

    As peneiras mveis, com especialidade, arriscam-se a se avariar a cada momento. Sua velocidade bastante grande,seu balano horizontal muito rpido consumiam uma quantidade enorme de energia motriz. Constantemente fazia-se necessrio reparar as polias. E bem me recordo dos vos esforos que empregvamos para remediar osdefeitos mecnicos do sistema.

    Causava-me espcie que, entre todas as mquinas da usina, s essas desastradas peneiras mveis no fossemrotativas. No eram rotativas e eram defeituosas! Creio que foi este pequeno fato que, desde cedo, me ps depreveno contra todos os processos mecnicos de agitao, e me predisps a favor do movimento rotatrio, demais fcil governo e mais prtico.

  • Essa preferncia pelos motores rotativos o ajudou muito na construo das mquinas voadorasquando adulto.

    Alberto tambm era o faz-tudo da casa. A mquina de costura da me travavaconstantemente, e ele parava qualquer coisa que estivesse fazendo para consert-la. Quando aspernas ou os braos das bonecas de suas irms caam, ele os colocava de novo no lugar.Quando as rodas das bicicletas dos irmos entortavam, era ele quem as alinhava.

    Alberto era um menino solitrio e sonhador, e preferia mais a companhia das mquinasda usina que as refeies com a famlia. O ambiente em casa era quase sempre tenso. O pai,um homem racional e de esprito cientfico, zombava abertamente da profunda religiosidade edas supersties da me nos jantares com a famlia. Embora Henrique apreciasse a fascinaodo filho mais novo pela tecnologia, ele no compreendia por que Alberto no se interessavaem caar, brigar e outras atividades masculinas como os irmos. Alberto nunca se juntava aoshomens nos passeios a cavalo e nos piqueniques em locais distantes da fazenda.

    noite, lia at bem tarde. O pai, que estudara engenharia em Paris na cole Centraledes Arts et Mtiers, tinha espalhadas pela casa pilhas de livros em francs, ingls e portugus.Alberto leu a maioria deles, at mesmo os manuais tcnicos. Os livros favoritos eram defico cientfica. Ele gostava da imagem de Jlio Verne de um cu povoado de mquinasvoadoras e, aos 10 anos, j tinha lido todos os seus romances. Aprendeu nos livros deengenharia do pai que o balo de ar quente fora inventado em 1783, por Joseph e EtienneMontgolfier, fabricantes de papel em Annonay, na Frana, uma cidade no vale do Rdano, a 64quilmetros de Lyon. Os irmos Montgolfier construram um grande invlucro em forma depera, de papel e seda, com uma abertura na base para ser inflado com a fumaa de palhaqueimada. Um relato dizia que a inspirao viera quando Joseph jogou despropositadamenteuma embalagem cnica de papel de po doce na lareira e surpreso a viu subir na chamin semqueimar. Outra histria a atribua ao ver a camisola de sua mulher levitar depois que ela acolocara diante do forno para secar.

    O fato de que milhes de pessoas ao longo da histria viram o mesmo fenmeno,observou um comentarista, e que no tenham tirado proveito prtico dessa experincia, sengrandece aqueles que a partir de indcios to banais fizeram a descoberta. O projeto maisantigo de aerostao, como o balonismo era chamado, precedeu os Montgolfier em dois milanos, mas provavelmente no autntico. Em Noctes Atticae, o escritor romano Aulus Gelliusdescreveu uma pomba voadora construda por Arquitas de Tarento, um matemtico pitagricoque viveu no sculo IV a.C. Era um modelo com a forma de uma pomba ou de um pomboesculpido em madeira dotado de um mecanismo engenhoso que lhe permitia voar: equilibrava-se muito bem e movia-se impulsionado por um fluxo de ar oculto e direcionado. Embora oar oculto e direcionado sugira uma antecipao do balo de ar quente, duvidoso que umpssaro de madeira oco fosse suficientemente leve para ascender. mais provvel que o vooaparente da pomba fosse produzido por um engenho mecnico acionado por fios invisveis.

    O princpio fsico da aerostao era to simples como a soluo dos Montgolfiers de

  • encerrar ar quente num saco: o balo flutuava porque pesava menos que o volume equivalentede ar, assim como um navio flutua porque pesa menos que o volume equivalente de gua. Masa analogia entre um navio e um balo s funciona se aceitarmos o pressuposto da pressoatmosfrica, fato desconhecido antes da poca de Galileu, quando Evangelista Torricelli, oinventor do barmetro, demonstrou que a presso atmosfrica diminua com a altitude. Outropesquisador do sculo XVII, Otto von Guericke, de Magdeburgo, Alemanha, inventou umabomba a vcuo para criar um ar rarefeito encontrado em altitudes muito elevadas. Em 1670,Francesco de Lana-Terzi, um padre jesuta italiano, concebeu uma nave tripulada, sustentadapor quatro enormes esferas ocas de cobre desprovidas de ar. Como essas esferas seriam maisleves que o ar que deslocavam, ele esperava que a nave ascendesse como uma bolha de arsobe atravs da gua. Com conhecimentos matemticos sofisticados, o padre calculou que asesferas teriam 7,5 metros de dimetro e poucos milmetros de espessura. Quando seus colegasfsicos o advertiram que esferas to finas se romperiam quando o ar fosse retirado delas, elerespondeu segundo o historiador e engenheiro L. T. C. Rolt que isso era s umexerccio terico, argumentando que como Deus no agraciou os homens com o dom de voar,qualquer tentativa sria e prtica de escarnecer de Seu desgnio seria uma atitude mpia erepleta de perigo para a raa humana. Suspeita-se que os jesutas possam ter tido umaconversa sria com esse padre cientista, e que ele ocultara suas verdadeiras intenes porquesentira o cheiro de madeira queimando na fogueira.

    Mas outros clrigos prosseguiram com os exerccios tericos. Em 1755, Joseph Galien,um frei dominicano e telogo da universidade papal de Avignon, props recolher o arrarefeito das camadas superiores da atmosfera e encerr-lo num navio com 1,6 quilmetro decomprimento, capaz de levantar 54 vezes o peso carregado pela arca de No. Em primeirolugar, Galien nunca explicou como planejava alcanar as altas camadas atmosfricas, e seusupervisor na universidade implorou-lhe que tirasse um longo descanso de suas obrigaeseclesisticas e, na volta, restringisse suas especulaes teologia e no tecnologia.

    Esses projetos quimricos para o balonismo foram abandonados quando os Montgolfiersdemonstraram quo distantes estavam da realidade. Em 5 de junho de 1783, os dois irmosfizeram uma demonstrao com um balo no tripulado de 9 metros de dimetro na praapblica de Annonay. Oito homens seguraram o balo com 6.000 metros cbicos, cujoinvlucro consistia em pedaos de seda e papel presos por botes e botoeiras. Quando osMontgolfiers deram o sinal, os homens soltaram o enorme envelope de gs e ele ascendeucerca de 2.000 metros. Aps dez minutos, caiu num campo a uns 2 quilmetros de distncia.

    As notcias sobre o experimento chegaram Academia de Cincias de Paris, cujosmembros trabalhavam na construo de um balo mais leve que o ar, mas no haviam obtidoat ento nenhum resultado prtico. Os cientistas parisienses, no querendo ser suplantadospor fabricantes de papis incultos, aceleraram seus esforos. O engenheiro-fsico JacquesAlexandre Csar Charles, ajudado por dois artesos, os irmos Ain e Cadet Robert,substituram a fumaa de palha queimada por hidrognio e, em 23 de agosto de 1783,

  • comearam a inflar um balo de seda de 4 metros de dimetro na praa des Victoires. Ohidrognio era obtido derramando 226 quilos de cido sulfrico sobre 453 quilos de limalhasde ferro. Charles no previu que a reao qumica produzisse tanto calor, e o tecido do baloprecisou ser aspergido repetidamente com gua fria para no queimar. O vapor acumuladopelo balo condensou-se e o invlucro vergou-se com o peso.

    O balo levou trs dias para encher e, quando a notcia desse evento se espalhou, umamultido aglomerou-se na praa impedindo a livre circulao nas ruas vizinhas. Para diminuiro congestionamento, Charles mandou que levassem o balo noite, escoltado por guardasarmados, para o Campo de Marte, uma rea maior, prximo ao local onde se encontra hoje atorre Eiffel. Barthlemy Faujas de Saint-Fond presenciou a cena:

    No poderia haver espetculo mais magnfico que ver o Balo ser assim transportado, precedido por tochasiluminadas, cercado por um cortejo e escoltado por um destacamento de guardas a p e a cavalo; a caminhadanoturna, a forma e o tamanho do balo carregado com tanta precauo; o silncio que reinava, a hora pouco usual,tudo dava uma impresso singular e misteriosa queles que conheciam o motivo. Os cocheiros dos fiacres ficaramto atnitos que pararam as carruagens e se ajoelharam humildemente, com o chapu na mo, enquanto aprocisso passava.

    s 17 horas, no dia 27 de agosto, os assistentes de Charles soltaram triunfantes o balo que,rapidamente, ascendeu a uma altura de 1.000 metros. Depois de 45 minutos, ele desceu numcampo na cidade de Gonesse, a 24 quilmetros de Paris.

    Ao contrrio do balo de ar quente, que poderia ter sido feito em qualquer momento denossa histria, a inveno do balo de hidrognio s foi possvel aps a descoberta, em 1766,do gs chamado no incio de flogstico, ou gs inflamvel, pelo cientista ingls HenryCavendish. Ao tomar conhecimento de que o gs inflamvel era nove vezes mais leve que ogs comum, Joseph Black, em Edimburgo, encheu um saco pequeno e fino com o novo gs eobservou-o subir at o teto do seu laboratrio. Ele teve dificuldade, no entanto, em reproduzira experincia em uma escala maior, pois os materiais utilizados como sacos eram ou muitopesados ou muito porosos. Em uma grande conferncia pblica, ele usou a alantoide de umbezerro como invlucro, mas foi humilhado com seu fracasso em ascender e desistiu porcompleto do balonismo. Em 1782, Tiberius Cavallo, membro da Sociedade Real de Londres,descobriu que a bexiga, mesmo quando cuidadosamente cortada, muito pesada, e que opapel chins permevel ao gs. Charles foi bem-sucedido porque teve a ideia deimpermeabilizar a seda, porm sem deix-la pesada, envernizando-a com uma soluo deresina elstica.

    Os Montgolfiers deram o prximo passo na corrida para o progresso da aerostao. Em19 de setembro de 1783, eles repetiram o experimento em Versalhes, na presena do rei LusXVI, da rainha Maria Antonieta e de sua corte. Segundo um espectador, os fabricantes depapel recolheram todos os sapatos velhos que encontraram e os jogaram sobre a palha midaque estava queimando, junto com pedaos de carne putrefata; essas eram as substncias quecompunham o gs do balo. O rei e a rainha aproximaram-se para examinar o invento, mas o

  • cheiro nauseabundo que se desprendia do material em combusto fizeram-nos afastar-seimediatamente. Os cientistas franceses sentiram-se especialmente insultados com ademonstrao, porque os dois irmos os haviam precedido na inveno do balo, apesar dasnoes incorretas sobre a causa de sua ascenso. Os Montgolfiers atribuam a foraascensional fumaa mais leve que o ar, produzida pela combinao de carne ftida esapatos sujos. Na verdade, as partculas de fumaa eram mais pesadas que o ar eprejudicavam a subida do balo. A ascenso se dera no em razo dessa fumaa, mas pelo arquente encerrado no invlucro, que era mais leve que o ar mais frio do ambiente. Para amaioria dos espectadores, no importava o que fizera o espetacular balo azul e dourado voar eles simplesmente se maravilharam com o fato. Os primeiros passageiros areos no mundo,uma ovelha, um galo e um pato, foram colocados em uma gaiola suspensa embaixo do balo.Os animais escaparam ilesos da viagem de uns 3 quilmetros at a floresta de Vaucresson,exceto o galo, cuja asa direita ficou ferida por um golpe maldoso desferido pela ovelha.

    Charles e os Montgolfiers comunicaram ao rei que na prxima ascenso eles seriam ospassageiros, porm sua majestade proibiu que sditos to preciosos arriscassem a vida. Emvez disso, ofereceu prisioneiros como os primeiros pilotos, com a proposta de serem libertosse sobrevivessem. Mas Charles, por fim, convenceu o rei de que o primeiro tripulante deveriaser um homem de cincia, que poderia descrever a viagem, caso tivesse a sorte de retornar. Ahonra coube a Francis Piltre de Rozier, um eminente membro da Academia de Cincias, esuperintendente da coleo de histria natural do rei. Em 15 de outubro de 1783, ele ascendeunum balo cativo (preso ao cho), com o ar quente fornecido pela combusto da mistura depalha e madeira colocada num cesto de ferro pendurado embaixo do balo. Como achou fcilatiar o fogo quando estava no ar, Piltre de Rozier e um companheiro, o marqus dArlandes,subiram num balo livre pela primeira vez em 21 de novembro. Ascendendo do Bois deBoulogne s 13h54, eles alcanaram uma altitude entre 150 a 300 metros e, aps 25 minutosde voo, desceram alm dos limites da cidade de Paris, a cerca de 820 metros de onde haviampartido. Dez dias mais tarde, Charles e Ain Robert tiveram a honra de serem as primeiraspessoas a ascender num balo de hidrognio, numa viagem de duas horas que comeou nasTulherias e terminou a 43 quilmetros de distncia, na cidade de Nesle.

    Poucos meses depois da viagem de Charles, viam-se no cu de Paris tanto os bales dehidrognio, conhecidos como charlires, quanto os montgolfires (bales de ar quente). Oscharlires eram mais seguros porque no precisavam de uma chama aberta, mas osmontgolfires eram mais viveis, visto que o hidrognio era caro e raro de se encontrar. Abalomania, como o historiador Lee Kennett chamou essa moda, invadiu a Frana: A dcadade 1780 foi, em muitos sentidos, uma poca frvola e libertina e as novas mquinasaerostticas fizeram enorme sucesso. As ascenses tornaram-se to em voga quanto os bailesa fantasia, e to numerosas que as autoridades da cidade de Paris promulgaram uma leiregulamentando sua prtica as primeiras normas de trfego areo no mundo. O formato dosdiferentes bales eram reproduzidos em objetos to diversos como encostos de cadeiras ou

  • caixas de rap.

    Em 1883, Alberto Santos-Dumont, aos 10 anos, ainda no vira um balo, mas imitava ainveno dos Montgolfier em miniatura. A partir das ilustraes dos livros, ele fazia pequenosbales de papel e os enchia de ar quente com a chama do fogo. Nas comemoraes dos diassantos, ele fazia demonstraes para os trabalhadores do campo. At mesmo seus pais, queno aprovavam esses experimentos incendirios, no conseguiam esconder o espanto ao veros montgolfires voarem mais alto que a casa. Ele construiu tambm um aeroplano pequeno,de madeira, cujo propulsor, chamado na poca de hlice, era acionado por tiras de borrachaenroladas.

    Por ter lido Jlio Verne, Alberto estava convencido de que as pessoas j tinhamultrapassado a etapa dos bales de ar quente e haviam voado em aeronaves, tambmconhecidas como dirigveis (bales a motor que obedeciam ao do leme). A famlia e osamigos tentavam dissuadi-lo dessa ideia. Ele e outras crianas gostavam muito de umabrincadeira. um divertimento muito conhecido. As crianas colocam-se em torno de umamesa e uma delas vai perguntando em voz alta: Pombo voa?... Galinha voa?... Urubuvoa?... Abelha voa? E assim sucessivamente. A cada chamada todos ns devamos levantaro dedo e responder. Acontecia porm que de quando em quando gritavam: Cachorro voa?...Raposa voa?... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Se algumlevantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda.

    E meus companheiros no deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vezque perguntavam: Homem voa? que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, erespondia: Voa!!!! Com entonao de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagarprenda.

    Quanto mais troavam de mim, mais feliz eu me sentia. Tinha a convico de que umdia os trocistas estariam do meu lado.

    Alberto s viu um voo tripulado aos 15 anos, em 1888, em uma feira em So Paulo,quando um aeronauta ascendeu num balo esfrico e desceu de paraquedas. A imaginao deAlberto inflamou-se:

    Durante as compridas tardes ensolaradas do Brasil, ninado pelo zumbido de insetos e pelo grito distante de algumpssaro, deitado sombra da varanda, eu me detinha horas e horas a contemplar o cu brasileiro e a admirar afacilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E, ao ver as nuvens queflutuavam alegremente luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espao livre.

    Assim meditando sobre a explorao do grande oceano celeste, por minha vez eu criava aeronaves e inventavamquinas.

    Tais devaneios eu os guardava comigo. Nessa poca, e no Brasil, falar em inventar uma mquina voadora, umbalo dirigvel, seria quase passar por desequilibrado ou visionrio. Os aeronautas, que subiam em bales esfricos,eram considerados como profissionais habilssimos, quase semelhantes aos acrobatas de circo.

    Se o filho de um fazendeiro de caf sonhasse em se transformar em um mulo deles, cometeria um verdadeiropecado social.

  • Os pais de Santos-Dumont eram conservadores. Eles apoiavam o imperador, cujaestrada de ferro Henrique construra com tanto empenho. Mas no podiam evitar que acuriosidade do filho o expusesse a todos os tipos de ideologia que lhes desagradava. QuandoAlberto estava na usina de beneficiamento de caf, apesar de sua timidez, ele ouvia asconversas dos operrios sobre o movimento democrtico. O jovem Alberto se interessavapouco por poltica e no escolhera ainda sua profisso provavelmente no lhe ocorrera quealgum pudesse se tornar um aeronauta ou inventor. No entanto, sabia que, qualquer que fossesua escolha, ela teria um profundo impacto nas pessoas que o rodeavam. Com certeza, nenhumoutro pioneiro da aeronutica tivera ambies to grandes uma dcada antes de comear avoar.

  • Captulo 2

    O Lugar Mais Perigoso para um Rapaz Paris, 1891

    O mundo restrito de Santos-Dumont expandiu-se quando ele tinha 18 anos. Aos 60 anos, seupai, ainda no comando da famlia e da fazenda, sofreu uma queda de cavalo e teve uma sriaconcusso cerebral que o deixou hemiplgico. Como no se recuperou plenamente, Henriquevendeu seu negcio de caf por 6 milhes de dlares e partiu para a Europa com sua esposa eAlberto em busca de tratamento mdico. Eles tomaram um vapor para Lisboa. Aps uma breveestada no Porto, onde duas irms de Alberto moravam com seus maridos portugueses, osirmos Villares (uma terceira irm que voltara para o Brasil casara-se com outro irmoVillares), eles partiram de trem para Paris. Henrique tinha esperana de que os mdicosparisienses o curariam. Afinal, l, Louis Pasteur estava realizando milagres na medicina,salvando crianas com raiva canina por meio da vacinao.

    Desde o momento em que desembarcou na estao de trem de Orlans, em 1891, Santos-Dumont apaixonou-se pela cidade. Paris , como se diz, o lugar para onde emigra a alma dosbons americanos quando morrem, escreveu. Para um jovem que adorava as invenes, Parisno final do sculo representava a prpria grandeza e o progresso. Logo encantou-se com asmaravilhas tecnolgicas da cidade. No primeiro dia, visitou a torre Eiffel construda h doisanos, que com seus 300 metros de altura era quase duas vezes mais alta que qualquerconstruo feita pelo homem no mundo. Embora a macia trelia de ferro estivesse iluminadacom a luz a gs convencional, os elevadores que carregavam visitantes e meteorologistas paraa plataforma de observao moviam-se por esta extraordinria nova forma de energia aeletricidade. Alberto passou metade do dia andando nos elevadores, e depois sentou-se numbanco do Sena e admirou a alta silhueta da torre recortando-se no cu.

    Henrique compartilhava seu deslumbramento. Quando estudara engenharia havia quatrodcadas, a profisso no tinha a notoriedade daqueles dias na Frana e na Inglaterra. Aconstruo de slidas, porm graciosas pontes, para estender o sistema ferrovirio ao longodos rios e desfiladeiros da Europa, conferiu prestgio profisso de engenheiro. Sequisermos um trabalho diferente e o encomendarmos a um arquiteto, ele hesita, discute,preocupa-se com ninharias, observou o prncipe Alberto da Gr-Bretanha, mas pea a umengenheiro e ele o executar. Gustave Eiffel era um desses famosos construtores de pontes, efoi escolhido para construir a monumental torre para a Exposio Universal de Paris, em1889, uma feira mundial para comemorar o centenrio da Revoluo Francesa e divulgar os

  • avanos tecnolgicos da industrializao no sculo XIX. Em ambos os lados do Atlntico,pensava-se em construir uma torre dessa altura, mas o projeto era mais acalentado na Frana.Paris queria provar para si mesma e para o mundo que se recuperara plenamente da GuerraFranco-prussiana, na qual os alemes anexaram as provncias da Alscia e da Lorena, e asubsequente Comuna de Paris, em que 20 mil franceses foram massacrados por seuscompanheiros e reas inteiras da cidade se sublevaram.

    Os organizadores da exposio aprovaram o projeto assim que o viram, porm algunsescritores e pintores protestaram contra a ideia de uma torre grotesca e vertiginosadominando Paris como uma chamin de fbrica negra e gigantesca e da odiosa sombra daexecrvel coluna metlica sempre visvel. No entanto, quando a torre foi construda, muitosdos estetas indignados a aprovaram, salvo a notvel exceo do escritor Guy de Maupassantque, se comentava, jantava regularmente no restaurante no segundo andar porque era o nicolugar da cidade de onde no se via a torre. Em 1891, os parisienses ainda estavam em lua demel com o colosso metlico de 10 mil toneladas. Henrique e Alberto viam jovens elegantessubirem os 1.671 degraus usando vestidos especiais comprados na rua Auber, conhecidoscomo Eiffel ascensionniste, que ostentavam diversos modelos de golas para proteger asintrpidas visitantes das temperaturas mais frias em altitudes elevadas.

    Alberto Santos-Dumont tambm maravilhou-se com os novos veculos. As primeirasbicicletas produzidas em srie percorriam silenciosamente as ruas, com pneus de borracha emvez das barulhentas rodas de madeira que ele conhecia. A bicicleta deu classe mdiaparisiense uma liberdade de movimento que poucos brasileiros poderiam ter e contribuiu parauma revoluo sexual, quando as mulheres, desejando a mesma liberdade de movimento doshomens, insistiram em ter suas prprias bicicletas, e para andar nelas usaram calas culotes pela primeira vez. (Um anncio popular na poca mostrava uma noiva sorridentepartindo em sua bicicleta aps abandonar o noivo no altar.) Os primeiros e raros carros amotor, totalmente desconhecidos no Rio de Janeiro, percorriam estrepitosamente as ruas emvelocidades inferiores a 16 quilmetros por hora e os mesmos artistas que haviamdesaprovado a torre Eiffel reclamavam que o cheiro acre da gasolina dissipava o nobre odordo estrume do cavalo. Nas esquinas das ruas havia thtrophones, fones nos quais o pblicopagante podia ouvir espetculos de pera, msica de cmara, peas e at mesmo reuniespolticas.

    Apesar dessas novidades tecnolgicas, o tpico apartamento parisiense, exceto nochamado bairro americano na margem direita do Sena, no tinha certos confortos comuns deNova York e Chicago (mas no ainda do Rio ou de So Paulo). Os elevadores so umaexceo e no uma regra, as velas so mais usadas do que as lmpadas eltricas... e umbanheiro bem equipado praticamente inexistente, observou o nova-iorquino Burton Holmes,um contemporneo de Santos-Dumont e um dos primeiros reprteres fotogrficos do mundo.Holmes ficara especialmente aborrecido com a dificuldade de tomar um banho quente:

    Um banho, monsieur? Mas claro! Providenciarei o banho para as 17 horas, disse o obsequioso concierge quando

  • eu expressei meu desejo de total imerso. Mas quero o banho agora, antes do caf da manh, insisti.Impossvel, monsieur, demora para prepar-lo e lev-lo, porm ser maravilhoso seu banho , o ltimocavalheiro que tomou um h um ms gostou muito. O senhor ver como um banho em Paris delicioso ele lheser levado s 16 horas. A esta hora, um homem, ou melhor, um par de pernas, subiu cambaleando a escada apropsito, cinco lanos com uma grande banheira de zinco que cobria a cabea, os ombros e a metade do corpodo infeliz proprietrio das pernas. A banheira foi colocada no meio do meu quarto: forraram-na com um tecido delinho branco; diversas toalhas e um grande roupo de banho para me abrigar aps a experincia estavamostensivamente mostra. Comeou ento a importante operao de encher a banheira. Dois baldes, trs criados, eincontveis viagens ao hidrante, muitos andares abaixo e, por fim, aconteceu a proeza: a banheira estava cheia degua fria como gelo. Mas eu pedi um banho quente. Pacincia, monsieur, aqui est a gua quente! A, oencarregado do banho abriu um cilindro alto de zinco parecido com um extintor de incndio e derramou cerca de 4litros de gua quente nessa cuba de linho branco. Resultado, um banho morno ao preo de sessenta cents e quedemorou duas horas, pois a banheira foi esvaziada retirando a gua, balde aps balde. Ento, o orgulhosoproprietrio do equipamento pendurou os baldes nos braos, ps a banheira na cabea como se fosse um chapu ecomeou a perigosa descida dos meus cinco lanos de escada.

    Nas casas particulares, o telefone era to escasso quanto a gua quente. A sociedadeeducada mostra-se relativamente lenta em aceitar o telefone, mencionou o historiador EugenWeber e, mesmo o presidente Grvy foi longamente persuadido a aceitar a instalao de umaparelho no Palcio do Eliseu. A classe alta considerava o telefone como uma interfernciana sagrada privacidade de suas casas. Era raro encontrar um parisiense como a condessa deGreffulhe que apreciava a vida mgica, supernatural que o telefone oferecia: estranhopara uma mulher deitada em sua cama, ela explicava, falar com um homem que pode estardeitado na dele. E voc sabe, se o marido entrar basta jogar o aparelho embaixo da cama e eleno perceber nada. At 1900, havia s 30 mil telefones na Frana, Weber observou,quando os hotis de Nova York tinham mais de 20 mil.

    Contudo, com a exceo de uns poucos estetas ranzinzas, os parisienses, ainda mais queos nova-iorquinos, acreditavam nas virtudes inerentes da tecnologia. Quando o estado deNova York instituiu a cadeira eltrica em 1899, Weber comentou que as companhias deenergia eltrica protestaram, com medo de que as pessoas ao saberem do poder letal daeletricidade no iriam quer-la em suas casas ou seus escritrios. Mas os franceses riam dapossibilidade de uma cadeira eltrica mortfera; eles no podiam imaginar que essa nova fonteextraordinria de energia pudesse ser destrutiva.

    Santos-Dumont sentiu-se vontade em meio aos adeptos dos avanos tecnolgicos emParis. A cidade tinha todos os recursos, porm, para sua surpresa o cu no era povoado poraeronaves. Ele esperava que ele fosse pontilhado de verses reais das mquinas de voar deJlio Verne. Afinal, esse era o pas onde os irmos Montgolfier ascenderam no primeiro balode ar quente um sculo atrs. Alm disso, como Santos-Dumont sabia, em 1852 o francsHenri Giffard voara precariamente a uma velocidade de menos de um quilmetro por hora noprimeiro balo motorizado do mundo, em formato de charuto, de 44 metros de comprimento,com um motor a vapor de 5 HP e um propulsor. Em 1883, dois irmos, Gaston e AlbertTissander, substituram o motor a vapor por um motor eltrico e atingiram a velocidade de 5

  • quilmetros por hora. Em 1884, como parte do programa militar francs de balonagem, ocoronel Charles Renard e o tenente Arthur Krebs foram mais bem-sucedidos com um motoreltrico alcanando o recorde de velocidade de 23 quilmetros por hora. Santos-Dumont nocompreendia por que nos sete anos seguintes as aeronaves no haviam evoludo como meio detransporte do dia a dia. Na verdade, no havia aeronaves em 189l.

    Os bales a gs sem motor que ascendiam eram, em geral, amarrados ao solo por longascordas que os impediam de serem carregados pelo vento. A maioria no era dirigida porinventores ou cientistas, mas por balonistas que se exibiam nas ruas. Uma mulher muitoconhecida sentou-se num piano suspenso a um balo e tocou Wagner a 151 metros acima daterra. Outro artista regularmente colocava galos, tartarugas e camundongos em bales, eorgulhava-se de que no lhes fazia nenhum mal. Em Paris, havia tambm alguns comerciantesinescrupulosos que cobravam preos exorbitantes para passeios em bales livres. Elescontrolavam mais ou menos a altitude jogando fora o lastro ou deixando escapar gs, mastinham pouco domnio da direo que o vento lhes impunha.

    Antigamente, os clrigos admoestaram homens que tentaram voar, prevenindo-os de queestavam cortejando o desastre ao invadir o reino dos anjos. Em 1709, o aeronauta brasileiroLoureno de Gusmo, conhecido como o padre voador, foi condenado morte pela Inquisiosob acusao de feitiaria. Mesmo no esclarecido final do sculo na Frana, o desejo dohomem de voar ainda era visro como uma bruxaria. Santos-Dumont ouvira uma histria sobreum balo levado pelo vento imprevisvel de Paris para uma cidade vizinha, onde caiuabruptamente. Enquanto os infelizes clientes que haviam pago pelo passeio pulavam da cesta,os camponeses atacaram o balo avariado, batendo nele ferozmente com paus e denunciando-ocomo obra do diabo. Para prevenir futuros acidentes com consequncias mais funestas, ogoverno distribuiu um panfleto na regio rural explicando que os bales no eram naves dasforas do mal. Para Santos-Dumont, esse problema poderia ser resolvido de uma melhorforma. Decidiu, ento, que era sua misso desenhar um balo dirigvel resistente ao vento e,assim, ningum seria levado inadvertidamente para terras estranhas.

    O primeiro passo seria voar em um desses bales existentes. Um dia, quando seus paisestavam numa consulta mdica, Santos-Dumont consultou os endereos de balonistas nocatlogo da cidade e procurou o primeiro da lista.

    O senhor quer subir em balo?, perguntou-me o homem em tom grave. Hum, hum!. ..Acha que ter coragem? Isso no nenhuma brincadeira, e o senhor me parece muito jovem.

    Santos-Dumont convenceu-o de seu propsito e de sua resoluo, e o aeronautaconsentiu em ascend-lo por no mximo duas horas se fizesse sol e o tempo estivesse calmo.

    Minha remunerao, acrescentou ele, ser de 1.200 francos. Alm disto, o senhorassinar um contrato declarando que se responsabiliza por qualquer acidente na sua pessoa ena minha, em benefcio de terceiros, bem como por qualquer dano que suceder ao balo e seusacessrios. O senhor ficar tambm com o encargo de pagar nossas passagens de volta e otransporte do balo com sua cesta na estrada de ferro, do lugar em que aterrarmos at Paris.

  • Santos-Dumont pediu um tempo para refletir. Para um rapaz de 18 anos, 1.200 francosera uma grande quantia. Como justificar-me de tal despesa perante os meus? E fiz o raciocnioseguinte: se arriscar 1.200 francos pelo prazer de uma tarde, posso gostar ou no gostar. Nosegundo caso, empregarei meu dinheiro em pura perda; no primeiro, ficarei com vontade derepetir o divertimento e no disporei de meios. O dilema mostrou-me o caminho a seguir.Renunciei no sem mgoa aeroestao e fui buscar consolo no automobilismo.

    Esse interesse por automveis surgiu quando ele acompanhou o pai ao palcio daIndstria, um prdio que, como a torre Eiffel, fora construdo como parte da ExposioUniversal de Paris, em 1889. Durante a feira, o amplo edifcio, uma catedral de ferro e vidrodedicada tecnologia, abrigara milhares de artefatos do mundo inteiro, desde equipamento deminerao e teares movidos a vapor, ao primeiro automvel com motor a gs patenteado porKarl Benz, e a amostra de fongrafos e luzes eltricas de Thomas Edison, operada peloprprio inventor. Embora a exposio tivesse sido encerrada oficialmente meses antes davisita de Henrique e Alberto, o palcio da Indstria continuava a exibir novas tecnologias. Emum dado momento, Henrique percebeu que perdera de vista o filho. Percorreu lentamente ocaminho de volta em sua cadeira de rodas e encontrou Alberto fascinado por um motor decombusto interna, deslumbrado ao ver que uma mquina muito menor que um motor a vaporpudesse ser to potente. Parei diante dele como que pregado pelo Destino. Estavacompletamente fascinado, Santos-Dumont escreveu mais tarde. Contei a meu pai a minhaadmirao de ver funcionar aquele motor, e ele me respondeu: Por hoje basta.

    Logo depois, Alberto visitou a fbrica Peugeot em Valentigny. Embora tivesseescrpulos de gastar o dinheiro ganho com muito esforo por seu pai em uma ascenso debalo, ele no hesitou em comprar um automvel cup de 3,5 HP. A Peugeot s fabricou doiscarros em 1891 o volante e os freios funcionavam muito mal , e o jovem brasileiro de 18anos era agora o orgulhoso proprietrio de um deles. Poucos meses depois, quando seu paiconstatou que a medicina parisiense no lhe restauraria a sade, Alberto tomou o navio comele para o Brasil. Trouxe o Peugeot cup e ao dirigi-lo em So Paulo ficou conhecido como aprimeira pessoa a guiar um automvel na Amrica do Sul.

    Henrique sabia que estava morte e teve uma longa conversa com Alberto sobre seufuturo. Ele percebera como o filho mais novo fora feliz na Cidade Luz e, para tristeza de suaesposa, insistiu que ele voltasse sozinho para Paris, a despeito de preveni-lo ambiguamenteque era o lugar mais perigoso para um rapaz. Disse-lhe que no precisaria se preocupar emganhar dinheiro para viver e adiantou-lhe sua herana de meio milho de dlares. Despediu-secom o desafio: Vamos ver se voc se faz um homem duras palavras que refletiam suapreocupao com o desinteresse do filho pelo sexo oposto. Alberto chegou em Paris no verode 1892 e seu pai morreu em agosto.

    A primeira tarefa de Santos-Dumont em Paris foi procurar outros balonistas no catlogode endereos. Mas como o primeiro, escreveu, todos me pediam somas extravagantes pelamais insignificante ascenso. As atitudes eram sempre as mesmas. Faziam da aerostao um

  • perigo e uma dificuldade, exagerando, a seu bel-prazer, os riscos de pessoas e bens. Ainda,no obstante os altos preos que pediam, no mostravam interesse em que eu lhes aceitasse aspropostas. Evidentemente, estavam decididos a guardar a aerostao s para eles, como umsegredo de Estado. E a consequncia foi que me limitei a comprar um novo automvel.

    Santos-Dumont tambm se preocupou com sua educao. Henrique e ele haviampesquisado algumas universidades em Paris, mas, ao final, o pai, sabendo que Alberto poderiarebelar-se contra um currculo rgido, sugeriu que ele contratasse um professor particular. Issoagradou a Alberto, que tinha pesadelos recorrentes de ser chamado a responder uma perguntadiante de uma sala de aula cheia. Em 1892, ele contratou um antigo professor universitriochamado Garcia e os dois elaboraram um intenso programa de estudos voltado para ascincias prticas fsica, qumica e engenharia mecnica e eltrica. Esse plano de estudoem casa estimulou o lado recluso e de rato de biblioteca em Santos-Dumont, e nos cincoanos seguintes ele concentrou-se nos livros. Ocasionalmente, visitou primos na Inglaterra,onde se esgueirava nas salas de conferncias da Universidade de Bristol e ouvia osprofessores; como no era um aluno oficial havia pouco perigo de ser interrogado.

    Para relaxar durante esses anos de estudo, Santos-Dumont dirigia carros. (Segundobigrafos brasileiros, ele possua mais automveis em 1892 que qualquer outra pessoa emParis, mas a veracidade dessa afirmao e a quantidade exata de carros no puderam serconfirmadas.) Ele passava o tempo percorrendo as largas avenidas, porm os primeirosmotores de combusto interna eram to precrios que quebravam com frequncia, bloqueandoo trfego predominante de veculos puxados a cavalo. Seu Peugeot era uma tal novidade que,mesmo quando estava trafegando normalmente, ele dificultava a circulao porque as pessoasse precipitavam rua para v-lo melhor. A polcia o advertia a prosseguir o caminho e, umavez, ele foi multado o que pode ter sido a primeira violao de trfego na cidade , emrazo de provocar distrbio perto do prdio da pera. Esse distrbio foi, na verdade, umimprovisado encontro festivo de pedestres encantados com a viso do carro.

    No final do sculo, os parisienses gostavam muito de festas. Segundo Eugen Weber, elestransformavam at mesmo experincias desagradveis tal como a vacinao contra a varolaem ocasies festivas. As inoculaes eram realizadas em festas, como se estivessem indo aoteatro, as colunas sociais comentavam. Algum organiza um almoo ntimo; o doutor chegana hora da sobremesa, a vacina em seu bolso. poca de seus estudos, Santos-Dumont noera muito inclinado a festas ou bebidas alcolicas, contudo, por vezes frequentava a noiteparisiense: este turbilho de conversas inteligentes e decadncia moral. Os cafs eram lugarespara conversar no apenas sobre arte e literatura, mas tambm sobre os progressos cientficose tecnolgicos como a descoberta dos raios X e a construo do metr em Paris. Os pretensosintelectuais passavam a noite conversando, com interrupes para se injetarem com morfinaem seringas de metal dourado, beber Vin Coca Mariani (um vinho impregnado de cocana), oucomer morangos embebidos em ter. A virada do sculo em Paris era condescendente comalgum como Santos-Dumont, inseguro sobre sua sexualidade. Os frequentadores dos cafs de

  • vanguarda promoviam experimentos erticos, e a homossexualidade ficou to em voga quetodos tinham de experimentar. Todas as mulheres sofisticadas a praticam, escreveu a esposade um banqueiro, mas muito difcil, preciso ter aulas.

    Em 1897, Santos-Dumont voltou para o Brasil e refletiu sobre os cinco anos passadosem Paris. Orientado por Garcia, ele dominava as cincias. Ele lhe era grato por isso, pormhavia coisas que desejava ter feito. Lastimei amargamente no ter perseverado no meuprojeto de ascenso, escreveu. Longe de todas as possibilidades, as excessivas pretensesdos aeronautas pareciam-me de pequena monta.

    Antes de voltar para Paris, comprou numa livraria no Rio um exemplar do livroAndres Balloon Expedition, In Search of the North Pole. O livro, escrito pelos construtoresde balo parisienses Henri Lachambre e Alexis Machuron, foi uma grande diverso na longaviagem de navio. Lachambre e Machuron construram um grande balo chamado Eagle para ojovem cientista sueco Salomon August Andre, que havia mais de uma dcada planejava fazera primeira expedio de balo ao polo Norte. Andre teve, por fim, essa oportunidade em 11de julho de 1897, ao ascender da ilha de Dane no litoral norte da Noruega, perto deSpitsbergen, para fazer um percurso de 3.700 quilmetros, que esperava completar em seisdias. Ele estava acompanhado por dois amigos, trs dzias de pombos-correio, um barco, umfogareiro, um tren, tendas, vrios instrumentos cientficos, cmaras fotogrficas, comida ealpiste suficientes para durar quatro meses. Embora o Eagle no fosse motorizado, Andreinteligentemente o equipou com grandes velas para poder manobr-lo caso o vento desviassesua rota em mais de 30 graus.

    Lachambre e Machuron publicaram seu livro nos dias da ascenso de Andre, antes quesoubessem de seu destino. Eles mencionaram que um pombo-correio entregara uma mensagemencorajadora: 13 de julho, 12h30, 82 2 de latitude norte, 15 5 de longitude leste. Bomprogresso em direo ao Norte. Tudo vai bem a bordo. Esta mensagem a terceira levada porum pombo-correio. Andre. Quando Santos-Dumont desembarcou na Frana, soube que smais um pombo voltara. A expedio de Andre era a conversa favorita nos cafs de Paris. Osentimento predominante era de que ele no retornaria, o que realmente aconteceu. S trsdcadas mais tarde um grupo de caadores descobriu o corpo de Andre e seu dirio na ilhade White, um grande bloco de gelo deserto a apenas 240 quilmetros do ponto de partida doEagle. As velas aparentemente falharam e Andre no conseguiu pilotar o balo em meio auma terrvel tempestade de neve, que finalmente o derrubou. Andre descreveu no dirio comoele e seus companheiros sobreviveram comendo liquens e gordura de focas durante trsmeses. Ento o livro se encerra. O inverno rigoroso chegara e os homens morreramcongelados em uma nevasca.

    Em sua autobiografia, Santos-Dumont escreveu como a histria de Andre o afetara:Consagrei os lazeres da travessia leitura desse livro, que foi para mim uma revelao.Acabei decorando-o como se fosse um manual escolar. Detalhes de construo e prazosabriram-me os olhos. Enfim, eu chegara a ver claro! O enorme balo de Andre do qual a

  • capa trazia uma reproduo fotogrfica, mostrando os flancos e o pice escalados, como umamontanha, pelos operrios encarregados de enverniz-lo no havia custado seno 40 milfrancos. Chegando a Paris, decidi-me a deixar de lado os aeronautas profissionais e dirigir-meaos construtores.

    Santos-Dumont se identificava um pouco com Salomon Andre. Ele gostava do espritoaventureiro do jovem cientista sueco e compartilhava sua crena no poder ilimitado datecnologia para pr fim ao tormento humano. Andre descreveu, em uma srie de artigosotimistas, os provveis benefcios da luz eltrica e de outras novas invenes para a evoluodo homem, a liberdade, a higiene, o atletismo, a linguagem, a arquitetura, o planejamentomilitar, a vida domstica, o casamento e a educao. Apesar de sua loquacidade ao escrever,Andre era um homem reservado em pblico, e Santos-Dumont tambm era de poucaspalavras em ocasies sociais.

    Ambos evitavam relaes ntimas com mulheres e nunca se casaram. No casamento,lida-se com fatores que no podem ser organizados conforme um plano, escreveu Andre. tambm um grande risco unir-se a uma condio de vida em que outro indivduo possa sesentir plenamente autorizado e que direito eu teria de reprimir essa individualidade? apedir o mesmo lugar na minha vida que eu ocupo! Logo que sinto um broto de afetividadegerminando, apresso-me a pod-lo, pois sei que qualquer sentimento que eu me permitissesentir se tornaria to forte que eu no ousaria me submeter a ele.

  • Captulo 3

    O Primeiro Vo Vaugirard, 1897

    No outono de 1897, Santos-Dumont visitou os construtores do balo de Andre no Parque daAerostao em Vaugirard, nos arredores de Paris. Esperava que os arquitetos desse projetoarriscado e singular do primeiro voo ao polo Norte fossem receptivos aos seus interesses pelaaeronutica. Lachambre e Machuron o agradaram de imediato. Eles no o dispensaram comoum mero sonhador; nem pediram honorrios caros ou exageraram os perigos bvios daaerostao. Quando perguntei ao sr. Lachambre o preo de um ligeiro passeio em balo,fiquei to surpreso com a resposta que lhe pedi que me repetisse, escreveu Santos-Dumont.

    Uma ascenso de trs ou quatro horas, com todas as despesas pagas, incluindo otransporte de volta do balo em caminho de ferro, custar-lhe- 250 francos.

    E as avarias?, arrisquei eu.Mas, retrucou o meu interlocutor, rindo, ns no vamos ocasionar avarias.Santos-Dumont aceitou a proposta antes que Lachambre tivesse a chance de mudar de

    ideia. Machuron props fazer a viagem no dia seguinte.Santos-Dumont no confiou em seus queridos veculos motorizados para lev-lo ao local

    da ascenso, e logo bem cedo chegou a Vaugirard num fiacre para assistir aos preparativos. Obalo vazio estendia-se sem forma na grama. Sob o comando de Lachambre, os operrioscomearam a encher de gs o invlucro at que o balo, lentamente, atingiu 13 metros dedimetro e 750 metros cbicos. s 11 horas, o trabalho terminara. Uma brisa suave balanavaa cesta de vime; Machuron ps-se de p de um lado e oposto a ele ficou o pequeninobrasileiro, impaciente e nervoso, segurando um grande saco de lastro de areia para que a cestano se inclinasse demais na direo de Machuron, que tinha o dobro de seu peso. Larguemtudo!, gritou Machuron. Os operrios soltaram o balo, e a primeira sensao de Santos-Dumont no ar foi que o vento cessara.

    No mesmo instante, o vento deixou de soprar. Era como se o ar em volta de ns tivessese imobilizado. que havamos partido, e a corrente de ar que atravessvamos noscomunicava sua prpria velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa quando se sobenum balo esfrico. Esse movimento imperceptvel de marcha possui um sabor infinitamenteagradvel. A iluso absoluta. Acreditar-se-ia, no que o balo que se move, mas que aterra que foge dele e se abaixa.

    No fundo do abismo que se cava sob ns, a 1.500 metros, a terra, em lugar de parecer

  • redonda como uma bola, apresentava a forma cncava de uma tigela, por efeito de umfenmeno de refrao que faz o crculo do horizonte elevar-se continuamente aos olhos doaeronauta, recorda Santos-Dumont. Ele ainda via as pessoas na terra pareciam formigas,observou (uma descrio que hoje soa como lugar-comum, mas que deve lhe ter parecidooriginal). Ele no ouvia suas vozes. O nico som eram os latidos fracos dos ces e o apitoocasional de uma locomotiva.

    Eles subiram ainda mais alto. De sbito, uma nuvem encobriu o sol, esfriando o gs dobalo, que comeou a murchar e descer, devagar a princpio e depois mais rpido. Tivemedo, recordou Santos-Dumont, no me sentia cair, mas via a terra aproximando-sevelozmente e sabia o que isso significava. Os dois homens jogaram lastro at estabilizar obalo numa altura de 3.000 metros. Santos-Dumont descobriu a utilidade do lastro e fez asegunda grande observao: Alguns quilos de areia bastam para restituir ao indivduo odomnio da altitude. Agora eles flutuavam acima de uma camada de nuvens. Sobre essefundo de alvura imaculada, o sol projetava a sombra do balo; e nossos perfis, fantasticamenteaumentados, desenhavam-se no centro de um triplo arco-ris. Pelo fato de no vermos a terra,toda noo de movimento deixava de existir para ns. Poderamos avanar com a velocidadede um furaco sem nos apercebermos. No tnhamos nenhum outro meio de conhecer o rumotomado, seno descer e determinar nossa posio.

    Eles perceberam que voavam j h uma hora ao ouvir os sinos das igrejas tocando ongelus ao meio-dia. Santos-Dumont, para quem cada refeio era uma ocasio especial,declarou que estava na hora de almoar. Machuron franziu o cenho ele no planejara descerto cedo. Mas Santos-Dumont tambm no pensava em voltar. Com um olhar malicioso, abriusua mala e retirou um suntuoso almoo: ovos cozidos, rosbife, frango, queijos variados, fruta,sorvete derretido e doces. Para deleite de Machuron, tambm abriu uma garrafa dechampanhe, que lhes pareceu especialmente efervescente em razo da reduzida pressoatmosfrica naquela altitude. Santos-Dumont apanhou duas taas de cristal. Ao fazer um brindeao seu anfitrio, comentou que jamais fizera refeies em cenrio to esplndido. O calor dosol, pondo as nuvens em ebulio, fazia-as largar em derredor de nossa mesa jatos irisadosde vapor gelado, comparveis a grandes feixes de fogos de artifcio. A neve, como por obrade um milagre, espargia-se em todos os sentidos, em lindas e minsculas palhetas brancas. Porinstantes os flocos formavam-se, espontneos, sob os nossos olhos, mesmo nos nossoscopos!. Nenhuma refeio estava completa para Santos-Dumont sem um clice de licor e odelicioso caf brasileiro que ele carregava numa garrafa trmica.

    Enquanto os dois aeronautas saboreavam o Chartreuse, a neve comeou discretamente ase acumular em cima do balo. Mas pelo menos Machuron estava sbrio o suficiente paraverificar os instrumentos. Em um dado momento, o barmetro subiu 5 milmetros indicandoque o balo ficara mais pesado com a precipitao atmosfrica, e que poderia estar caindocom grande velocidade, mesmo que eles no sentissem qualquer movimento. De repente,mergulharam em semiobscuridade quando a aeronave atravessou uma nuvem. Eles ainda

  • distinguiam a cesta, os objetos e os equipamentos prximos ao cordame, porm o balo noera mais visvel. Experimentamos assim, e por um instante, a singular sensao de estarmossuspensos no vcuo, sem nenhuma sustentao. Como se houvssemos perdido nosso ltimograma de gravidade e nos achssemos prisioneiros do nada opaco, escreveu Santos-Dumont.Apressados, atiraram fora mais lastro. Aps alguns minutos, saram do nevoeiro escuro eviram-se a apenas 300 metros da cidade o balo descera quase 2.700 metros. Os doislocalizaram sua posio com um compasso, comparando os pontos de referncia na terra comos que viam no mapa. Foi-nos fcil identificar as estradas, os caminhos de ferro, as aldeias,os bosques. Tudo isso avanava para o horizonte com a rapidez do vento. Rajadas de ventoimpeliam o balo em todas as direes, transformando em sopa o que restara do rosbife e dosorvete.

    Se essa viagem de estreia mostrara a Santos-Dumont a importncia do lastro para mantero equilbrio de um balo, ensinara-lhe tambm a utilidade da guide rope para umaaterrissagem e decolagem tranquilas. A corda grossa, de uns 100 metros de comprimento,pendente da cesta, servia de freio automtico quando o balo voltava para a terra em grandevelocidade por qualquer razo. E os motivos poderiam ser vrios: uma rajada de vento, aperda acidental de gs, o acmulo de neve no invlucro ou uma nuvem passando diante do sol.Quando o balo desce abaixo de 100 metros, a corda se arrasta cada vez mais no solo,diminuindo, assim, o peso da aeronave e amenizando sua queda. Ao contrrio, quando o balosobe com muita rapidez, ao levantar a guide rope aumenta-se o peso do balo, reduzindo avelocidade da ascenso.

    Essa corda, um acessrio simples e eficiente, tambm tinha suas inconvenincias,como Santos-Dumont observou. Pelo fato de arrastar-se sobre superfcies desiguais, sobrecampos e sobre prados, sobre colinas e sobre vales, sobre estradas e sobre casas, sobre sebese sobre fios telegrficos, imprime ao balo violentas sacudidelas. Acontece que, aps ter-seenrolado, ela desembaraa instantaneamente; ou que venha a prender-se a qualquer asperezado solo, ou enganchar-se ao tronco ou aos galhos de uma rvore, escreveu mais tarde,baseando-se em sua experincia. Quando Machuron preparava-se para aterrissar, a cordaenrolou-se num grande carvalho, ocasionando uma parada abrupta do balo, e os doisaeronautas foram arremessados contra a extremidade da cesta. Durante 15 minutos, o balonetefustigado pelo vento sacudiu-os como um cesto de verduras. Machuron aproveitou a ocasiopara dissuadir Santos-Dumont de construir um balo a motor. Observe a treita e o humorvingativo desse vento, ele gritou. Estamos presos rvore, mas veja com que fora eleprocura arrancar-nos! Nesse momento, Santos-Dumont foi jogado de novo no fundo da cesta.Que propulsor seria capaz de venc-lo?, prosseguiu Machuron. Que balo alongado no sedobraria em dois?

    Por fim, conseguiram se desvencilhar do carvalho atirando fora quase todo o lastro. Masa aventura no se encerrara. O balo deu ento um pulo terrvel e foi como uma bala furar asnuvens. Estvamos ameaados de atingir alturas que depois nos podiam ser perigosas para a

  • descida, dada a pequena proviso de lastro que j dispnhamos, recordou Santos-Dumont. Oexperiente Machuron tinha ainda um ltimo recurso: abriu a vlvula para escapar o gs e obalo comeou a descer em direo a um campo aberto, a guide rope dessa vez cumprindo suafuno ao tocar o solo. Em circunstncias normais, esse seria um local ideal para aterrissar,mas uma forte corrente de vento prometia uma descida difcil. A sorte favoreceu Santos-Dumont, no entanto, e o balo caiu depois de quase duas horas no ar na extremidade docampo.

    Avanava ao nosso encontro um recanto da floresta de Fontainebleau. Em algunsinstantes, custa do nosso ltimo punhado de lastro, contornamos a extremidade do bosque.As rvores agora nos protegiam contra o vento. Atiramos a ncora, ao mesmo tempo queabramos completamente a vlvula para dar escapamento completo ao gs. Eles pousaramsem problemas, saltaram ilesos da cesta e olharam o balo esvaziar. Alongado no cho, eleesvaa-se do gs restante em estremecimentos convulsivos, como um grande pssaro batendoas asas ao morrer, disse Santos-Dumont. Alm disso, no teriam achado local melhor para opouso final, pois desceram no belo parque do castelo de Ferrire, propriedade de Alphonsede Rothschild, de 70 anos, presidente do Conselho Geral do Banco da Frana e responsvelpela fortuna da famlia famosa. Criados e trabalhadores da propriedade ajudaram os doisaeronautas a dobrar o balo e coloc-lo junto com o cordame e a mesa de almoo na cesta. Emseguida, eles transportaram a carga de 200 quilos estao de trem mais prxima, a umadistncia de 4 quilmetros. Na viagem de quase 100 quilmetros at Paris, Santos-Dumontconversou com Machuron sobre seu enorme interesse pela aeronutica. O construtor prometeuconstruir um balo em forma de pera para ele. O nico desapontamento de Santos-Dumont foio de ter que refrear seu sonho de um balo dirigvel. Os dois chegaram a Paris s 18 horas.Santos-Dumont declarou que o dia fora um sucesso e comeou a pensar no que iria jantar.

    Machuron e Lachambre nunca tiveram um cliente to impaciente e difcil. Santos-Dumont voltou oficina dos construtores no dia seguinte para encomendar seu primeiro balo,o Brasil. Os desacordos logo surgiram. Machuron pensara em um balo de tamanho normal,com uma carga entre 4.200 e 17.500 metros cbicos de gs. Mas Santos-Dumont queria uminvlucro quatro vezes menor que os dos aerstatos existentes, um balo compacto com cercade 6 metros de dimetro e 100 metros cbicos, que ao ser esvaziado poderia ser carregado emsua maleta de mo. Machuron recusou a encomenda e passou uma tarde tentando convencerSantos-Dumont de que o Brasil jamais voaria.

    Quantas vezes, mais tarde, os meus projetos foram submetidos a provas anlogas! Hojeestou habituado a elas. Espero-as. Todavia, por mais desconcertado que ficasse ento,perseverei no meu ponto de vista, escreveu mais tarde.

    Machuron e Lachambre insistiram que a estabilidade de um balo dependia de um pesomnimo. O aeronauta precisava de espao para se mover na cesta, sem temer que suas aesprovocassem turbulncias incontrolveis na aeronave. Com um balo pequeno, essa liberdadeseria impossvel. No, Santos-Dumont retrucou. Se o comprimento dos cabos de suspenso

  • que conectam a cesta ao balo fossem proporcionalmente mais longos, o centro da gravidade,at mesmo de um sistema leve, no se alteraria muito com os movimentos do aeronauta.Desenhou dois diagramas para mostrar sua ideia. Os construtores veteranos admitiram que eletinha razo e comearam os projetos para construir o Brasil com os materiais de costume.

    Santos-Dumont tambm discordou do plano porque, segundo ele, esses materiais erammuito pesados. Queria fazer o balo com uma seda japonesa bem leve e levou para Machuronuma amostra do tecido. Ser muito fraco, disse o construtor. No resistir enormepresso do gs. Santos-Dumont queria provas e, ento, Machuron mediu a resistncia da sedacom um dinammetro. O resultado surpreendeu a ambos. A seda era trinta vezes maisresistente do que seria necessrio. Embora o metro quadrado do tecido pesasse pouco mais de28 gramas, era capaz de suportar uma tenso de mais de 700 quilos.

    Quando Santos-Dumont partiu, Machuron e Lachambre entreolharam-se confusos. Ele ospersuadira a mudar todos os materiais usuais. O invlucro de seda do balo pesaria menos de4 quilos. Porm, as trs camadas de verniz para impedir o vazamento do gs aumentariam opeso para 14 quilos. A rede que cobriria o balo pesaria cerca de 2 quilos em vez dos 50habituais, e a cesta de vime pesaria apenas 6 quilos, cinco vezes mais leve que o normal.

    Santos-Dumont teria de esperar alguns meses para testar seu balo, pois Machuron eLachambre tinham diversas encomendas para entregar antes de comear a construo doBrasil. Os dois construtores estavam tambm comprometidos com ascenses pblicas emfeiras, festivais e casamentos na Frana e na Blgica. Santos-Dumont preferia que elespermanecessem na oficina construindo a aeronave e, assim, fez-se um acordo em que ele ossubstituiria nas ascenses, aps dois treinos com Machuron. Isto evitava trabalho ao sr.Lachambre a quem eu indenizava de todas as despesas e todos os incmodos, proporcionava-me prazer e permitia-me praticar o sport. A combinao acomodava a ns dois, relembrouSantos-Dumont. Ao final, ele fez mais de 24 voos antes de o Brasil ficar pronto.

    Em uma tarde tempestuosa de maro de 1898, ele substituiu Lachambre numa feira emPronne, no norte da Frana. Os troves ribombavam ao longe e alguns espectadoresconhecendo sua inexperincia insistiram que ele desistisse de voar ou, ao menos, levasse umcopiloto. Os semblantes preocupados reforaram sua deciso de ascender sozinho.

    No atendendo a ningum, parti, conforme havia deliberado, recordou ele. Ascendeuno final da tarde como planejara. Em breve lastimei-me da minha temeridade. Achava-me s,perdido nas nuvens, entre relmpagos e rudos de troves, e a noite se fechava em torno demim. Eu ia, ia nas trevas. Sabia que avanava a grande velocidade, mas no sentia nenhummovimento. Ouvia e recebia a procela, e era s. Tinha conscincia de um grande perigo, maseste no era tangvel. Permaneceu de p toda a noite aguardando o final da tempestade.Quanto mais esperava, sem dano visvel para o balo, menos medo sentia. Uma espcie dealegria selvagem dominava os meus nervos. L no alto, na solido negra, entre os relmpagosdos raios, eu me sentia como parte integrante da prpria tempestade!

    Quando o mau tempo passou, a inebriante sensao da balonagem noturna cedeu

  • beatitude.

    A gente sente-se s no vcuo obscuro, em limbos de trevas onde se tem a impresso de flutuar sem peso, fora domundo, a alma aliviada do fardo da matria! Est-se feliz assim, quando, de tempos em tempos, surgem luzesterrestres. Pontinhos acendem-se ao longe e lentamente se apagam. Ali, onde antes no se enxergava seno umdbil claro, veem-se de sbito inumerveis manchas brilhantes, que desfilam em linhas, uma atrs das outras comocachos de claridade. uma cidade que se atravessa.

    E quando a aurora vem, numa coroa de carmesim, de ouro e de prpura, quase a contragosto que se procuraa terra. Novo prazer o imprevisto de uma aterragem em no se sabe que parte da Europa. Para muitas pessoas,a aerostao no possui atrativo maior. O aeronauta transforma-se em explorador e goza-se de indizvel alegria eminteragir com homens estranhos, como um Deus sado de uma mquina. Em que pas se est? Em que lngua,alem, russa, norueguesa, obterse- resposta?

    Nessa ocasio, a resposta veio em flamengo, porque Santos-Dumont descera no interior daBlgica.

    Assim que retornou a Paris, insistiu com seus jovens amigos, a quem o gosto pelasaventuras fora reprimido em virtude de presses familiares e negcios, que praticassem abalonagem. Ao meio-dia, almoais tranquilamente com os vossos. s duas horas, partis embalo. Dez minutos mais tarde no sereis mais um cidado vulgar, sim um explorador, umaventureiro da cincia, tal como os que vo gelar nos icebergs da Groenlndia ou fundir decalor nos rios de coral da ndia.

    E a aventura no terminava com o pouso. Alguns aeronautas, contou a seus amigos,foram baleados ao descerem em pases estrangeiros. Outros detidos no momento daaterrissagem e levados presena de algum burgomestre ou governador militar, comearampor sofrer o susto de uma acusao de espionagem enquanto o telgrafo avisava sua priso capital distante para acabarem o dia bebendo champanhe no entusiasmo de uma roda deoficiais. Outros, mesmo em pequenos lugares perdidos, tiveram de se defender contra aignorncia e a superstio das populaes rurais. Tal a fortuna dos ventos.

    Santos-Dumont escolheu fazer sua primeira ascenso no Brasil no dia 4 de julho de1898, no Jardim da Aclimao, o jardim zoolgico do Bois de Boulogne, um grande bosquequase trs vezes maior que o Central Park, em Nova York. No incio do sculo, fora o local derefgio de ladres e marginais. Napoleo III pedira ao baro Haussmann para redesenhar oparque nos moldes do Hyde Park de Londres. Ele transformou algumas reas arborizadas emespaos abertos e policiados, construiu bangals, pavilhes, jardins e alamedas largas osuficiente para que as carruagens pudessem fazer a curva. poca de Santos-Dumont, oparque era a rea de lazer das pessoas ricas de Paris, com campos de polo bem cuidados e ohipdromo de Longchamp.

    O Jardim da Aclimao, na extremidade norte do Bois, foi inaugurado em 1856. Foioriginalmente concebido como um centro de pesquisa cientfica para abrigar animais exticosque suscitavam interesse dos criadores franceses. Entre os primeiros habitantes havia iaquesdo Tibete, porcos-espinhos de Java, toninhas da Amrica do Sul, zebus da ndia e zebras,

  • cangurus, guepardos, lhamas, avestruzes e tatus. Havia tambm mastins da Espanha, galgossiberianos e outras raas de ces. Alphonse de Rothschild, o novo amigo de Santos-Dumont,dirigira o Jardim da Aclimao por algum tempo, mas o projeto mostrou-se muito caro paraser mantido apenas como um empreendimento cientfico e, em 1865, tornou-se uma atraoturstica com a introduo de animais com mais apelo popular como ursos, elefantes,hipoptamos e dromedrios. As crianas podiam andar num trem puxado por uma zebra ou veruma charrete puxada por lhamas com um macaco como cocheiro. No entanto, os diretores dozoolgico no estavam contentes com a mera exibio de animais. A fim de atrair maispblico, decidiram mostrar tambm gente dos quatro cantos do mundo. ndios americanos,esquims, nbios, hindus e curdos eram exibidos com etiquetas e mapas indicando suaprocedncia, como se fossem macacos exticos. Aos domingos, senhoras elegantes e seusacompanhantes passeavam pelos jardins do zoolgico e contemplavam pasmos os nativos mostra.

    Santos-Dumont poderia ter escolhido um lugar mais reservado, mas ele confiava noBrasil e queria mostr-lo aos curiosos do Jardim da Aclimao. Alm disso, o local eraconveniente porque Lachambre instalara ali uma usina de produo de hidrognio. O pequenobalo, com um longo cordame desproporcional ao seu tamanho, mostrava-se altura dodesafio. Santos-Dumont demonstrou um comedimento incomum em no embarcar a cesta comseu farto almoo, para que o Brasil pudesse carregar o mximo possvel de lastro, 30 quilosde sacos de areia. Apesar de o balo conter s 1/7 da carga de hidrognio de um aerstatonormal, ele ascendeu com facilidade seu piloto e o lastro. Enquanto Machuron e Lachambreolhavam ansiosos a ascenso, Santos-Dumont demonstrou a estabilidade do Brasilmovimentando-se pela cesta do balo. Aliviados, os dois beberam a garrafa de champanheque ficara para trs. Aps a descida suave, Santos-Dumont recolheu a corda, esperou o baloesvaziar e guardou todo o equipamento em sua maleta.

    Esse voo tranquilo inspirou-lhe confiana. Se os aeronautas veteranos descreram daestabilidade do Brasil e subestimaram a resistncia da seda japonesa, por que tambm nopoderiam estar errados quanto dificuldade de construir um balo dirigvel? Como poderiamter tanta certeza de que uma aeronave autopropulsada no resistiria a um vento forte? E se elemudasse a forma do balo esfrico para um cilindro alongado? Em vez de ser impulsionadopelas correntes areas, por que no cortaria o ar?

    O primeiro obstculo foi a escolha da fonte de propulso. O motor a petrleo era umcandidato improvvel, pois no era confivel, alm de ser barulhento e malcheiroso caractersticas que perturbariam a tranquilidade da balonagem. Os motores a petrleo dosautomveis pareciam ter vontade prpria, diminuindo ou aumentando a velocidade, eenguiando ao seu belprazer, fato bastante desagradvel numa estrada, mas inaceitvel no ar.

    Santos-Dumont comprara seis automveis depois do Peugeot cup. Embora noestivesse contente com o desempenho deles, gostava de passear com seus veculosbarulhentos. O prazer de umas frias no outono foi de dirigir 960 quilmetros num Panhard de

  • 6 HP de Paris a Nice; levou 54 horas para chegar, parando com frequncia para fazerpequenos reparos e regular o motor, mas no para dormir. Entretanto, nunca mais fez umalonga viagem de carro, porque no suportava ficar longe de seus bales.

    Por fim, deixou de usar automveis para movimentar-se no dia a dia. Em um dadomomento, enamorei-me dos automveis a petrleo pela liberdade que eles nos davam, dissea um jornalista alguns anos mais tarde. Voc pode comprar gasolina em qualquer lugar: eassim tem-se a liberdade de partir para Roma ou So Petersburgo. Porm, ao descobrir queno queria ir a esses lugares, mas to somente fazer viagens curtas aos arredores de Paris,passei a usar um pequeno buggy eltrico, acrescentou, de um tipo visto raramente na Frana.

    Em 1898, importou um veculo eltrico de Chicago e nunca se arrependeu da compra.Todos os dias fazia um passeio matinal no Bois de Boulogne e, s tardes, visitava as oficinasdos construtores de bales em Vaugirard e o Automvel Clube na praa da Concorde. O motoreltrico, alm da confiabilidade, tinha outras vantagens sobre o motor a petrleo: erasilencioso e sem odor. Mas no servia para viagens areas, porque com suas baterias eramuito pesado e, provavelmente, seria difcil modific-lo. Santos-Dumont sabia que o governofrancs apoiara os esforos de Renard e de Krebs nos anos de 1880 e gastara milhes defrancos em aeronaves com motores eltricos, cujos projetos foram finalmente abandonadossobretudo em razo do peso do motor.

    Certo dia, quando passeava em Paris num triciclo De Dion, ocorreu-lhe que talveztivesse sido precipitado ao descartar o motor a petrleo. O motor de um cilindro do triciclopareceu-lhe adequado no momento, comparado aos incmodos motores a petrleo de altapotncia dos veculos de quatro rodas. O motor de 1,75 HP do De Dion era relativamentepotente, embora no o suficiente para uma aeronave. A fim de aumentar a potncia, planejoucombinar dois motores desse. Normalmente, era muito convicto de suas invenes, mas destavez no se sentiu confiante de exibir-se em pblico.

    Procurei uma pequena oficina mecnica... no centro de Paris, recordou Santos-Dumont. L veria meus projetos serem executados sob minha superviso e faria tambm otrabalho. Achei-a na rua do Coliseu. No local, trabalhei numa mquina com dois cilindros deum motor a petrleo, isto , posicionados um atrs do outro, de modo a funcionar em uma sbiela, alimentado por um nico carburador. Para que tivesse um peso mnimo, eliminei todosos elementos que no fossem estritamente necessrios sua solidez. Desse modo, produzi algonotvel na poca um motor de 3 HP pesando apenas 30 quilos.

    O trabalho agradou-lhe e resolveu testar o motor reconstrudo em seu triciclo. A corridade carros Paris-Amsterd aproximava-se e pensou que seria uma tima oportunidade paraexperiment-lo na competio. Ficou desapontado quando o informaram que o veculo com omotor envenenado no atendia aos requisitos necessrios para inscrev-lo, mas tirou omelhor partido da situao dirigindo o triciclo junto com a corrida at se convencer de quepoderia manter a mesma velocidade dos lderes da prova. Poderia ter chegado em um dosprimeiros lugares (a velocidade mdia era s de 40 quilmetros por hora), escreveu Santos-

  • Dumont, se no houvesse receado que o motor submetido a um esforo to longo e extenuantesofresse algum dano e atrasasse a construo da minha aeronave. Portanto, retirei-me dacorrida ainda na dianteira.

    A trepidao do motor lembrou-lhe os defeitos mecnicos das mquinas da fazenda decaf, em decorrncia dos movimentos vibratrios. Decidiu testar o novo motor e levou otriciclo ao Bois de Bologne noite, quando o parque estava vazio. Contratara dois operriosrobustos para encontr-lo l, munidos de cordas resistentes, e recompensou-os generosamentepara que no contassem a experincia noturna. Escolheu uma grande rvore com um galho bemgrosso logo acima de sua cabea. Os homens jogaram as cordas por cima do galho e asamarraram com firmeza nas extremidades do triciclo. Santos-Dumont subiu no veculo e pediuque o levantassem a alguns centmetros do cho. Ps o motor em movimento e observou suasvibraes suspenso no ar; eram muito menos perceptveis que na terra, onde havia umelemento de atrito. Ficou exultante com o teste, pediu mais uma vez segredo aos homens eesgueirou-se do parque antes que fosse preso por violar o regulamento.

    Ao amanhecer, contou aos amigos seu plano. Desde o incio todos foram contrrios ideia, relembrou. Disseram-me que um motor a exploso poderia incendiar o hidrognio dobalo e isso provocaria a minha morte. Lembrou aos amigos descrentes que meio sculoantes Giffard pilotara sem problemas um balo com um motor a exploso, apesar de o voo terobtido um sucesso parcial (porque o motor no tinha potncia suficiente para resistir aosimpulsos do vento). O motor do triciclo, insistiu Santos-Dumont, desprenderia menos fagulhase fumaa.

    Desenhou o projeto de construo de uma aeronave em formato de charuto e retornou firma dos construtores em Vaugirard. Lachambre a princpio recusou-se a aceitar a tarefa,lembrou Santos-Dumont, alegando a impossibilidade de construir tal aerstato e que noseria responsvel por minha precipitao e imprudncia. Santos-Dumont lembrou-lhe queouvira dele as mesmas dvidas antes de construir o Brasil. Prometeu tambm indenizarLachambre caso ocorresse qualquer exploso ou danos e concordou em trabalhar no motorlonge da oficina. Diante dessa insistncia, Lachambre iniciou o trabalho sem entusiasmo .

    A ideia principal de Santos-Dumont ao projetar esse dirigvel, a que deu o nome deSantos-Dumont N 1 o primeiro de uma srie de aeronaves construdas ao longo da vida era de fazer um balo alongado o menor possvel, capaz de arcar com o peso do motor apetrleo reconstrudo, o propulsor, o leme, a cesta, o cordame, uma quantidade mnima delastro, a corda e, claro, seu prprio peso, no muito alm de 50 quilos, dependendo de seushbitos alimentares no momento.

    Entregou a Lachambre o projeto de um invlucro cilndrico com as extremidades emforma de cone. Teria 25 metros de comprimento por 3,50