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Texto elaborado e publicado em 2002 1 ASPECTOS TÉCNICOS E ECONÔMICOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA: OPORTUNIDADES, ENTRAVES E POTENCIAIS 1 Eli Lino de Jesus 2 INTRODUÇÃO Em anos recentes, o crescimento do mercado e da produção de produtos orgânicos a taxas de 30 a 50% ao ano (Lampkin, 1999) pode ser explicado por diversas razões, entre elas: a) demanda dos consumidores por alimentos mais saudáveis e nutritivos; b) necessidade da construção de um modelo de desenvolvimento rural mais harmônico e sustentável, mas também c) o objetivo dos agricultores e comerciantes de maximizarem seus lucros, obtendo prêmios por produtos diferenciados no mercado. Fenômenos recentes ocorridos principalmente na União Européia, como a doença da “Vaca Louca” e a febre aftosa, somados às intensas discussões político- econômicas e técnico-científicas em torno dos organismos geneticamente modificados, têm levado os consumidores em todo o mundo a buscarem uma maior qualidade em sua alimentação. Neste contexto é que a Agricultura Orgânica (AO) se coloca, de forma definitiva, como uma importante opção no cenário agrícola nacional e internacional, merecendo algumas reflexões sobre seus aspectos técnicos e econômicos, avaliando-se algumas contradições e algumas oportunidades, além de possíveis entraves e potenciais. Evidentemente, estas questões são aqui tratadas de forma resumida, sem nenhuma pretensão de esgotar este debate, nem de propor soluções definitivas, caso elas venham a existir. ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS A AO surgiu no cenário internacional já há muitos anos, sendo considerado um marco fundamental o lançamento do famoso livro de Sir Albert Howard, “An Agricultural Testament”, em 1940. No entanto, os trabalhos de Howard com AO foram iniciados muito antes, no início do século passado na Índia, onde Howard trabalhava como cientista do sistema de pesquisa agrícola inglês, visto ser a Índia, à época, uma colônia do Império Britânico (Jesus, 1985, 1996). Em torno do trabalho de Howard, organiza-se na Inglaterra um movimento muito importante, liderado pela “Soil Association”, fundada em 1946, e que buscava estabelecer uma clara ligação entre a forma como os alimentos são produzidos, a saúde humana e o equilíbrio ambiental. A “Soil Association” também estabeleceu os primeiros padrões para a produção de alimentos orgânicos (Lampkin, 1994a). Não é objetivo deste artigo 1 Artigo publicado em “Programa de Defesa Ambiental:Textos Orientadores”. Brasília: MMA/FNSA, pp. 201-220, 2002. 2 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia – Ciência do Solo pela UFRRJ/ Embrapa Agrobiologia. Consultor Autônomo em Agroecologia. ([email protected])

ASPECTOS TÉCNICOS E ECONÔMICOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA: OPORTUNIDADES, ENTRAVES E … · 2014. 9. 18. · ASPECTOS TÉCNICOS E ECONÔMICOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA: OPORTUNIDADES,

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Texto elaborado e publicado em 2002

1

ASPECTOS TÉCNICOS E ECONÔMICOS DA AGRICULTURA ORGÂNICA: OPORTUNIDADES, ENTRAVES E POTENCIAIS1

Eli Lino de Jesus2

INTRODUÇÃO

Em anos recentes, o crescimento do mercado e da produção de produtos orgânicos a taxas de 30 a 50% ao ano (Lampkin, 1999) pode ser explicado por diversas razões, entre elas: a) demanda dos consumidores por alimentos mais saudáveis e nutritivos; b) necessidade da construção de um modelo de desenvolvimento rural mais harmônico e sustentável, mas também c) o objetivo dos agricultores e comerciantes de maximizarem seus lucros, obtendo prêmios por produtos diferenciados no mercado.

Fenômenos recentes ocorridos principalmente na União Européia, como a doença da “Vaca Louca” e a febre aftosa, somados às intensas discussões político-econômicas e técnico-científicas em torno dos organismos geneticamente modificados, têm levado os consumidores em todo o mundo a buscarem uma maior qualidade em sua alimentação. Neste contexto é que a Agricultura Orgânica (AO) se coloca, de forma definitiva, como uma importante opção no cenário agrícola nacional e internacional, merecendo algumas reflexões sobre seus aspectos técnicos e econômicos, avaliando-se algumas contradições e algumas oportunidades, além de possíveis entraves e potenciais. Evidentemente, estas questões são aqui tratadas de forma resumida, sem nenhuma pretensão de esgotar este debate, nem de propor soluções definitivas, caso elas venham a existir.

ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS

A AO surgiu no cenário internacional já há muitos anos, sendo considerado um marco fundamental o lançamento do famoso livro de Sir Albert Howard, “An Agricultural Testament”, em 1940. No entanto, os trabalhos de Howard com AO foram iniciados muito antes, no início do século passado na Índia, onde Howard trabalhava como cientista do sistema de pesquisa agrícola inglês, visto ser a Índia, à época, uma colônia do Império Britânico (Jesus, 1985, 1996). Em torno do trabalho de Howard, organiza-se na Inglaterra um movimento muito importante, liderado pela “Soil Association”, fundada em 1946, e que buscava estabelecer uma clara ligação entre a forma como os alimentos são produzidos, a saúde humana e o equilíbrio ambiental. A “Soil Association” também estabeleceu os primeiros padrões para a produção de alimentos orgânicos (Lampkin, 1994a). Não é objetivo deste artigo

1 Artigo publicado em “Programa de Defesa Ambiental:Textos Orientadores”. Brasília:

MMA/FNSA, pp. 201-220, 2002. 2 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Agronomia – Ciência do Solo pela UFRRJ/ Embrapa

Agrobiologia. Consultor Autônomo em Agroecologia. ([email protected])

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apresentar as diversas correntes, escolas, ou linhas filosóficas das formas de agricultura não convencionais, entre elas a AO, as quais surgiram como uma reação aos métodos agrícolas modernos ou industriais, pois são muitas (Biodinâmica, Biológica, Regenerativa, Natural, Permacultura, etc.). Aos interessados em aprofundar este assunto, recomenda-se, entre outros, os seguintes autores: Jesus (1985, 1996a, 1996b); Bonilla (1992); Ehrlers (1999) e Assis (2002).

O livro de Howard esteve também ligado ao nascimento do movimento de AO nos EUA, pois foi a partir de sua leitura que Rodale iniciou seus trabalhos, os quais deram origem a uma série de eventos importantes, como a revista “Organic Gardening”, uma editora com uma série enorme de publicações, além dos centros de pesquisa, entre eles, Kutztown, em Emmaus, Pennsylvania, em associação com a universidade deste estado americano. A IFOAM, Federação Internacional para os Movimentos de AO, fundada em 1972, com sede em Tholey-Theley, na Alemanha, já há muitos anos é responsável pelo estabelecimento dos padrões internacionais para a produção, venda e estocagem de produtos orgânicos.

No Brasil, o movimento de AO, assim como as diversas outras correntes ou linhas filosóficas, passou a ter maior visibilidade nos anos 70s e principalmente nos anos 80s, com a organização dos três encontros de Agricultura Alternativa (1981, 1987 e 1989), coordenados pela FEAB (Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil) e pela FEEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil). Embora as primeiras iniciativas de produção e comercialização tenham surgido já nos anos 70s (Conatura-RJ, em 1979 e Coolméia-RS, em 1978), o mercado de produtos orgânicos passou a consolidar-se nos anos 90s, com uma melhor estrutura de comercialização e investimentos no setor (Jesus, 1996a). Já nos anos 80s, surge, em 1985, no Rio de Janeiro a ABIO (Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro) e em São Paulo, em 1989, a AAO (Associação de Agricultura Orgânica), com o objetivo de apoiar, assessorar, comercializar e, posteriormente, certificar a produção orgânica.

Na área da pesquisa agrícola e da formação am AO, destacam-se, no Brasil, a Embrapa Agrobiologia, que partindo de estudos de microbiologia do solo e principalmente de fixação biológica de nitrogênio, além da utilização de matéria orgânica, converteu-se em anos recentes num centro de pesquisa de AO e Agroecologia, tendo instituído, juntamente com a UFRRJ e a PESAGRO-RJ, a “Fazendinha km 47”, uma unidade de pesquisa que se destina ao estudo e difusão da AO, estabelecida em 1993. Em 1995, começou a funcionar na UFRRJ, em seu Instituto de Agronomia, Departamento de Fitotecnia, o primeiro curso de pós-graduação em Agroecologia do Brasil, já com cerca de 15 teses de mestrado e doutorado defendidas ou em andamento. Na UFSC, no CCA (Centro de Ciências Agrárias), funciona o Curso de Pós-Graduação em Agroecossistemas, no qual também têm sido estudados e difundidos métodos de agricultura mais equilibrados e em especial voltados às pequenas propriedades, tão comuns em Santa Catarina e em muitas regiões do Rio Grande do Sul e do Paraná. Em outras universidades, como na ESALQ-USP e na UNICAMP, existem já há algum tempo disciplinas que enfocam a produção orgânica (ESALQ) ou a Agroecologia (UNICAMP).

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ALGUNS ASPECTOS TÉCNICOS

A IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica), assim estabelece seus princípios para a produção orgânica:

a. Produzir alimentos de elevada qualidade nutricional, em quantidade suficiente.

b. Trabalhar a favor dos sistemas naturais, e não contra os mesmos, buscando a sua dominação.

c. Manter e aumentar a fertilidade dos solos. d. Utilizar o máximo possível, os recursos renováveis do próprio local. e. Trabalhar na reciclagem máxima possível, buscando sistemas de

circuito fechado, no que se refere à matéria orgânica e aos nutrientes. f. Dar aos animais as condições de vida que lhes permitam desempenhar

todos os aspectos de comportamento que lhes são inerentes. g. Evitar todas as formas de poluição que possam advir das técnicas

agrícolas. h. Manter a diversidade genética dos sistemas agrícolas e de suas

vizinhanças, incluindo a proteção das espécies silvestres de plantas e de animais.

i. Permitir aos agricultores um retorno adequado e satisfatório pela sua atividade, o que inclui um ambiente seguro de trabalho.

j. Considerar os aspectos mais amplos dos impactos sociais e ambientais da atividade agrícola.

Seria necessário um espaço muito maior do que se dispõe aqui para descrever o grande número de técnicas utilizadas na AO, no entanto, apresenta-se um resumo de algumas delas, aplicadas com o objetivo de alcançar os princípios acima estabelecidos, ou pelo menos, aproximar-se dos mesmos:

ADUBAÇÕES ORGÂNICAS

Constituem a base da fertilidade dos solos e podem ser realizadas de diferentes

maneiras, seja através da aplicação direta de esterco animal, seja através da sua compostagem, ou mesmo com o uso de Adubos Verdes, especialmente as leguminosas, as quais incorporam grandes quantidades de nitrogênio aos sistemas agrícolas. Outra forma é o uso de adubos orgânicos líquidos, biodigeridos ou não, aplicados ao solo com equipamentos especiais.

A utilização do adubo orgânico resultante da reciclagem do lixo urbano domiciliar, infelizmente, é muito pouco praticada no Brasil, pois os processos de coleta e disposição de lixo são muito primitivos, o que impede a sua utilização agrícola.

O uso criterioso dos adubos orgânicos permite a reciclagem e a melhoria das condições dos solos (químicas, físicas e biológicas). A utilização dos fertilizantes minerais, permitidos pelas normas gerais da AO, como os termofosfatos, os fosfatos naturais, as farinhas de ossos, o calcário, etc., permitem uma nutrição vegetal e animal equilibrada e garantem produtividades muito próximas àquelas obtidas nos sistemas de produção agrícola industriais.

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ROTAÇÃO DE CULTURAS

Este é outro princípio fundamental da AO, pois garante um melhor equilíbrio

ecológico. Era uma prática muito utilizada, especialmente na Europa, mas que foi abandonada com a modernização, que trouxe os produtos químicos, tanto os fertilizantes industrializados de alta solubilidade, quanto os agrotóxicos, os quais acompanhados de diversas práticas, permitiram um maior controle do ambiente, levando à adoção das monoculturas, como uma regra geral. Outra conseqüência da utilização intensiva dos fertilizantes foi o abandono da associação agricultura e pecuária, a qual aumentava a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, além de permitir a reciclagem da matéria orgânica.

Entre alguns dos princípios importantes da rotação de culturas, Lampkin (1994a), com algumas modificações, ressalta:

a. Espécies com sistema radicular profundo deveriam seguir aquelas com sistema radicular superficial.

b. Deve-se alternar espécies com elevada biomassa radicular com outras de baixa biomassa, com o objetivo de estimular a mesofauna (p. ex. minhocas). É o caso da rotação de culturas anual com uma cobertura de gramíneas/leguminosas (p. ex. trevo/azevém).

c. Espécies com alta capacidade de fixação de nitrogênio devem fazer parte do sistema no sentido de buscar a independência de fontes externas de N.

d. Deve-se buscar proteger ao máximo o solo. e. Deve-se buscar um arranjo vegetal, nas rotações, que possa suprimir ou

evitar a ocorrência de doenças vegetais, através das plantas companheiras e dos sinergismos positivos.

f. Deve-se buscar um equilíbrio entre as espécies comerciais, as espécies utilizadas para a melhoria do sistema (e.g. leguminosas) e as pastagens, respeitando as condições do mercado.

g. Adotar práticas de cultivo mínimo de plantio direto.

CONTROLE DE PRAGAS E DOENÇAS

Este é outro pilar fundamental da AO, assim como a fertilização orgânica e o manejo das espécies no sistema através da rotação de culturas. É certamente o maior problema da agricultura moderna, pois é no controle das pragas, doenças e invasoras que se utiliza uma enorme quantidade de produtos de alta toxicidade ao homem e ao ambiente. Na AO, os problemas com pragas e doenças são minimizados, exatamente pelo maior equilíbrio, dada a maior diversidade de espécies, variedades e a presença dos animais. O uso de variedades resistentes ou adaptadas é uma providência lógica, embora muitas variedades desenvolvidas através dos princípios da Revolução Verde (alta resposta aos insumos de alta solubilidade) sejam ainda capazes de produzir razoavelmente sob manejo orgânico. Entretanto, há muita pesquisa e investimento, agora até de grandes grupos, no desenvolvimento de variedades melhor adaptadas às condições da AO.

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Mesmo assim, caso surjam problemas mais graves, há algumas práticas e produtos que podem ser utilizados e que são aceitos pela legislação da internacional (IFOAM, Codex Alimentarius) e nacional (Instrução Normativa do MMA - Ministério da Agricultura e do Abastecimento). Segundo Lampkin (1994a), os extratos vegetais (confrei, nim, cavalinha, cebola, fumo, urtiga, camomila, etc) são utilizados com sucesso no controle de diversas pragas (p. ex. pulgões, ácaros e tripes). Produtos como o Agrobio ou Supermagro, além de promoverem um controle de algumas doenças vegetais, também funcionam como adubações foliares. Ingham (2000) descreve o uso de “chá de composto” no controle de antracnose, requeima, míldio, etc.

As tradicionais calda sulfocálcica e calda bordalesa são permitidas sob certas circunstâncias e controle, pois enxofre e cobre podem acumular-se nos solos (Lampkin, 1994a).

Os controles biológico e microbiológico constituem outras possibilidades, mas como na AO há uma grande preocupação com o equilíbrio ecológico, este tipo de controle é estimulado e ocorre freqüentemente. O uso de alguns produtos, como o Bacillus thuringiensis, é permitido sob certas condições, mas crescem as evidências do surgimento de insetos resistentes a esse agente de controle (Lampkin, 1994a).

CONTROLE DE INVASORAS

O controle de plantas invasoras é outra área fundamental e de impossível

inserção na AO, pois o uso de herbicidas, que revolucionou o controle das ervas invasoras, não é permitido. O elevado custo da mão-de-obra, nos países desenvolvidos, torna obrigatória a utilização da mecanização, havendo uma infinidade de tipos de cultivadores, utilização de fogo para queima das invasoras, uso de cobertura morta, uso de cobertura viva, etc.

O plantio direto sem o uso de herbicidas, assim como as técnicas de cultivo mínimo, são algumas das importantes opções de que dispõem os praticantes da AO em sua luta contra as invasoras. Estas técnicas foram inicialmente utilizadas apenas na produção de cereais, como o milho, a soja, o trigo, etc., mas atualmente diversos trabalhos estão desenvolvendo sua aplicação em olerícolas (Vittoi, 2002).

Segundo Lampkin (1994a), nas propriedades cultivadas organicamente há a presença de muitas ervas invasoras, sendo que poucas apresentam problemas econômicos em relação à produção agrícola, e as que apresentam problemas são as mesmas que predominam nos sistemas convencionais. Desta forma, o uso dos herbicidas promove e seleciona as espécies dominantes, destruindo aquelas de baixa importância econômica, mas de elevado interesse ecológico.

Em Países menos desenvolvidos, nos quais a mão-de-obra é abundante e relativamente barata, é possível controlar as invasoras com custos compatíveis, utilizando-se as técnicas acima descritas, assim como a mão-de-obra disponível.

MANEJO ANIMAL

Com relação ao manejo animal, há menos estudos no Brasil do que no caso

dos vegetais. Mesmo assim, há uma tradição no uso da pastagem, ao contrário do

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que ocorre na Europa e em muitas regiões dos EUA, tendo sido exatamente o uso excessivo de alimentos protéicos e de origem animal uma das causa da “Doença da Vaca Louca”. O sistema de pastoreio rotativo, conhecido como “Pastoreio Racional Voisin”, que alguns preferem chamar de “Pastoreio Rotativo Voisin”, constitui um método muito eficaz, equilibrado e eficiente de produzir laticínios e carne, havendo muita experiência acumulada, em especial nos Estados do Sul (RS e SC, principalmente) sendo o CCA-UFSC uma referência no tema, através dos trabalhos de diversos professores (Pinheiro Machado, Vicenzzi, Schmidt e Ribeiro entre outros). Na UPF (Passo Fundo, RS) há uma série de trabalhos realizados pelos professores Sório e Hoffmann.

Com relação ao tratamento das doenças, começam a surgir diversos profissionais da Medicina Veterinária que utilizam a Homeopatia para o tratamento animal, aliada a outros métodos, com resultados animadores.

A CERTIFICAÇÃO DA PRODUÇÃO ORGÂNICA

A certificação da produção orgânica constitui um dos aspectos importantes da

AO, pois ela garante, ou pelo menos deveria garantir, a autenticidade e a segurança aos consumidores. No Brasil, travou-se, e ainda trava-se, longo debate a respeito da certificação, pois além de diversos interesses envolvidos, há o problema da baixa renda da produção familiar que precisa ser enfrentado. Para a exportação, não há possibilidade de escapar da certificação oficial, mas para a venda no mercado nacional, vem funcionando uma certificação “informal” e gratuita, como a realizada, entre outros, pela EPAGRI-SC. Outra experiência inovadora é a Rede Ecovida de Agroecologia, também de Santa Catarina, que promove a chamada “certificação participativa”. Para a exportação, esta “certificação participativa” poderia enfrentar problemas com a legislação, pois a mesma exige que os organismos certificadores não participem da produção/distribuição, nem serviços ou assistência técnica (Campanhola & Valarini, 2001).

Atualmente, segundo Ormond et al. (2002), atuam no Brasil cerca de 17 certificadoras de produtos orgânicos, como pode ser visto na Tabela 1.

Em 1993, ao final do governo Itamar Franco, foi lançada pelo Ministério da Agricultura uma proposta de normalização para a produção orgânica, através de uma Portaria, que causou intenso debate entre as entidades envolvidas com a produção e assessoria na área da AO e do desenvolvimento rural. Esta Portaria acabou não entrando em vigor, mas desencadeou um processo que culminou com a elaboração da Instrução Normativa nº 7, de 17/05/1999, que constitui o amparo legal governamental para a produção, o processamento, a fiscalização, o controle e a certificação da AO no Brasil. Também foi instituído o Órgão Colegiado Nacional de Produtos Orgânicos Vegetais e Animais (designado em 27/11/2000, pela Portaria nº 42 do Secretário da Defesa Vegetal do Ministério da Agricultura e do Abastecimento), assim como os Colegiados Estaduais, que deverão ser estabelecidos por suas respectivas Secretarias da Agricultura. Esses órgãos são responsáveis pelo credenciamento das instituições certificadoras (Campanhola & Valarini, 2001).

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Tabela 1. Certificadoras que atuam com Agricultura Orgânica no Brasil

Certificadoras Local na Rede/ Endereço Eletrônico

AAO (São Paulo) www.aao.org.br

AB (Paris, França) www.agriculture.gouv.fr

ABIO (Niterói,RJ) www.abio.org.br

ANC (Campinas, SP) [email protected]

APAN (São Paulo, SP) [email protected]

BCS (Piracicaba, SP) [email protected]

Chão Vivo (Sta.Maria do Jetibá, ES) [email protected]

Coolmeia (Porto Alegre, RS) www.coolmeia.com.br

FVO (Recife, PE) [email protected]

IBD (Botucatu, SP) www.ibd.com.br

IHAO (Chapada dos Guimarães, MT) [email protected]

IMO Control do Brasil (São Paulo, SP) [email protected]

MOA (Rio Claro, SP) www.mokitiokada.org.br

OIA (São Paulo, SP) www.certificacionoia.com

Sapucaí (Pouso Alegre, MG) [email protected]

SKAL (Barreiras, BA) [email protected] Fonte: Ormod et al., 2002.

ALGUNS ASPECTOS ECONÔMICOS

Na União Européia, o mercado de produtos orgânicos já movimenta algo em torno de US$7,3 bilhões e, mundialmente, algo em torno de US$ 15,6 bilhões. O número de propriedades, na Europa, já passou de 6.300, em 1985, para mais de 100.000, em 1998. Espera-se que, em 2005, 10% de toda a agricultura da Europa Ocidental, seja orgânica. A Áustria praticamente já alcançou este patamar e a Suíça e a Suécia, estão próximas deste valor (Lampkin, 1999).

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A situação da AO nos EUA, embora consideravelmente mais desenvolvida do que na maioria dos países subdesenvolvidos, quando comparada com a Europa, não deixa de transparecer um menor desenvolvimento, já que a enorme área agrícola norte-americana, aliada ao gigantesco mercado, faria supor uma maior área. Comparando-se dados da tabela 2 de 1997 dos EUA, com dados da tabela 3, da Europa, em 1995, vemos que países de pequenas dimensões, como a Áustria e mesmo a Alemanha, apresentavam áreas cultivadas com AO superiores àquelas dos EUA (Lampkin, 1999; Greene, 2001).

Tabela 2. Agricultura orgânica, biológica, ecológica e biodinâmica na União Européia (UE) e outros países europeus, em hectares.

País 1985 1987 1995 2001 *

Áustria 10.000 293.877 345.377 271.959 Alemanha 29.100 276.718 389.693 546.023 Bélgica 500 1.371 6.4

18

20.263

Dinamarca

4.340 28.000 64.329 165.258

Espanha 2.140 17.000 152.105

380.838

Finlândia 1.000 28.000 102.335 147.423 França 45.000 85.000 165.405 370.000 Grécia 0 3.500 60.307 24.800 Holanda 2.450 11.000 12.385 27.820 Irlanda 1.000 5.000 10.000 32.355 Itália 5.000 115.000 334.176 1.040.377 Luxemburgo 350 500 594 1.030 Portugal 200 3.000 9.191 50.002 Suécia 4.500 56.751 117.669 171.682 Reino Unido 6.000 32.476 106.000 527.323 UE 111.580 963.124 2.301.363 3.777.144

Noruega 500 7.000 11.706 20.523 Suíça 3.000 25.000 71.790 95.000 Islândia n. d. n. d. n. d. 3.400 Liechtenstein n. d. n. d. n. d. 690 Bulgária n. d. n. d. n. d. 500 Chipre n. d. n. d. n. d. 52

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Rep. Tcheca n. d. n. d. n. d. 165.699 Estônia n. d. n. d. n. d. 9.872 Hungria n. d. n. d. n. d. 47.221 Letônia n. d. n. d. n. d. 20.000 Lituânia n. d. n. d. n. d. 4.709 Malta n. d. n. d. n. d. 0 Polônia n. d. n. d. n. d. 22.000 Romênia n. d. n. d. n. d. 1.000 Eslováquia n. d. n. d. n. d. 60.000 Eslovênia n. d. n. d. n. d. 5.200 Turquia n. d. n. d. n. d. 21.000 Total Geral n. d. n. d. n. d. 4.140.101

Lampkin, 1999; para 1998, eram previstos, mais de 3.000.000 ha na UE,* Estimativa Schmidt e Willer (Stiftung Ökologie & Landbau), 2001. n. d. : não disponível

Tabela 3. Agricultura Orgânica nos EUA.

Certificadoras Área com Agricultura Orgânica

Área com Pastagem (Nat.

ou Artificial)

Área Total

EUA (Total) Acres 40 850.177 496.385 1.346.558 EUA (Total ) Hectares:

40 209.994 122.607 332.600

Fonte: Greene, 2001 (ERS, USDA (Economic Research Service, United States Department of Agriculture, 1997). Observação: para transformar acre em hectares, usou-se: acre x 0,247 = hectare.

Segundo Pollan (2001), o mercado de produtos orgânicos nos EUA estaria

movimentando cerca de US$ 7 bilhões anualmente, deixando efetivamente de ser encarado como uma abordagem romântica da agricultura e passando a ser considerado como um importante e crescente “nicho” de mercado, no qual grandes empresas querem investir. Este mesmo autor afirma que os produtos geneticamente modificados têm provocado uma verdadeira corrida dos consumidores aos produtos orgânicos, pois desta forma eles têm a segurança de estarem consumindo alimentos isentos de modificações transgênicas.

No Brasil, segundo Darolt (2001), a situação em termos de agricultores credenciados na produção orgânica seria aquela apresentada na Tabela 4, onde se observa o número de produtores, mas não a área. Verifica-se nesta Tabela que o destaque é para os Estados do centro-sul do Brasil, coincidentemente local onde foram desenvolvidas as primeiras experiências brasileiras com AO. Além disso, percebe-se ainda que o Paraná detém atualmente mais da metade dos produtores orgânicos certificados do país, fato este que está relacionado ao desenvolvimento

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recente da produção orgânica de soja neste Estado, a ponto desta cultura ser hoje o principal produto orgânico exportado pelo Brasil.

Tabela 4: Estados brasileiros e número de agricultores orgânicos certificados.

Estado Número de Produtores Certificados

Paraná 2.400

Rio Grande do Sul

800

São Paulo 800

Rio de Janeiro 120

Espírito Santo 100

Santa Catarina 100

Distrito Federal 50

Outros 130

Total 4.500

Fonte: Darolt (2001). Infelizmente, as estatísticas brasileiras nesse sentido são escassas e pouco

confiáveis, na medida em que o crescimento do movimento de agricultura não-convencional tem sido muito intenso em anos recentes. Durante os anos 90s, o crescimento desses movimentos dava-se a taxas de cerca de 10% ao ano, mas a partir do final da última década as taxas pularam para cerca de 50% ao ano, impulsionadas pela conscientização dos consumidores, pela maior organização dos produtores e consultores, pelo sistema de credenciamento e certificação, assim como pela legislação em vigor. Além disso, fenômenos como o da “Vaca Louca” e da Febre Aftosa na Europa, além do debate sobre os alimentos transgênicos, têm propiciado uma maior visibilidade aos produtos orgânicos.

Segundo o IBD (1999), estariam sendo certificados 30.000 ha na América Latina, correspondentes a 1.500 produtores, com uma receita anual de cerca de R$ 40.000.000,00/ano. Esta informação é compatível com os dados de Darolt (2001), que relata serem 2.000 produtores e 60.000 ha certificados, mostrando uma rápida evolução de 1999 para 2001. Entre os produtos certificados (IBD, 1999), os principais são: açúcar, suco de laranja, soja, óleo de dendê, café, hortaliças, banana, tangerina, mate, acerola e guaraná.

Além dos produtos agrícolas em si, os insumos “orgânicos” também começam a constituir um mercado importante, com adubos foliares, compostos, produtos para controle de insetos e doenças, fortalecedores vegetais, entre outros. Ainda segundo o IBD (1999), as propriedades certificadas na América Latina estão localizadas na Argentina, Bolívia, Brasil, México e República Dominicana.

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A ECONOMICIDADE DA AGRICULTURA ORGÂNICA

Uma avaliação econômica atual dos sistemas orgânicos de produção é dificultada pelo fato de que os dados disponíveis na literatura representam um outro momento, no qual a valorização dos produtos orgânicos não era tão expressiva. Lampkin (1994) afirma que, para o Reino Unido, os sistemas orgânicos de produção são mais diversos quando comparados com os sistemas convencionais, e apresentam uma menor produtividade (Tabela 5). Os custos de mão-de-obra são mais elevados, mas eles não seriam compensados pela diminuição dos custos dos insumos, aplicados nos sistemas convencionais. Em alguns casos, na Inglaterra, é possível aos produtores orgânicos atingirem uma renda semelhante àquela dos produtores convencionais, mas para alguns tipos de cultivos de cereais, alguns produtos hortícolas e para produção intensiva de animais, há ainda uma diferença de rentabilidade econômica, mais favorável aos sistemas convencionais. Tabela 5. Comparação das produtividades de propriedades orgânicas e

convencionais na Grã-Bretanha (ano 1989).*

Cultura Orgânico**

(t.ha-1)

Convencional***

(t.ha-1)

Relação (Conv.=100)

Trigo de Inverno

3,73 6,16 61

Trigo de Primavera

3,24 4,95 65

Cevada de Inverno

3,09 5,31 58

Aveia 3,59 4,41 81

Feijão 1,97 2,96 66

Batata 18,98 51,27 37

Cenoura 19,19 - -

Cebola 27,41 49,47 55

* Fonte: Fonte: Murphy (1992) citado por Lampkin, 1994. ** Cultivos orgânicos produzidos em propriedades parcialmente ou totalmente orgânicas. *** Cultivos convencionais produzidos em propriedades parcialmente orgânicas.

Na Alemanha, por outro lado, Padel & Zerger (1994) afirmam que, em média, as

propriedades em produção orgânica são tão rentáveis quanto aquelas em produção

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convencional (Tabela 6). As menores produtividades das culturas aráveis são compensadas pelos menores custos dos insumos e pelos preços mais elevados, obtidos pelos produtos orgânicos. Na produção de leite, as menores produtividades são compensadas pelos menores custos dos insumos, sendo a produção leiteira uma atividade tão excepcional, que em alguns casos a rentabilidade pode ser mantida sem acesso aos preços especiais dos produtos orgânicos. No entanto, é preciso lembrar que as propriedades orgânicas apresentam menores lotações (animais por hectare), além de oferecerem menores retornos por hectare. Poucas informações quanto ao mercado de produtos orgânicos estão disponíveis a respeito de outras produções animais. Tabela 6. Margem bruta da produção agrícola e leiteira de propriedades orgânicas

comparadas com propriedades convencionais no norte da Alemanha (1991/92).*

Atividade Agrícola

Orgânica (MA. ha-1)** Convencional

(MA.ha-1)***

Relação (Convencional=100)

Trigo de Inverno 2.812 1.548 182

Centeio de Inverno

2.597 999 260

Trigo de Primavera

2.158 1.218 177

Aveia 2.304 831 277

Outros Cereais 2.431 - -

Feijão 1.857 967 192

Batata 11.584 4.983 232

Cenoura 11.644 - -

Outras olerícolas 2.285 - -

Leite (MA.vaca- 3.322 2.279 146

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1***)

* Fonte: Padel e Zerger, 1994 ** Marcos alemães por hectare *** Marcos alemães por vaca.

Ainda segundo Padel & Zerger (1994), os maiores custos com mão-de-obra e

maquinaria não representam aspectos acessórios dos sistemas orgânicos de produção, mas precisam ser vistos como diferenças estruturais desses sistemas.

Anderson (1994) relata que, nos EUA, as propriedades orgânicas, em média, apresentam-se ligeiramente menos rentáveis do que as propriedades convencionais. Embora, em muitos casos, as menores produtividades dos sistemas orgânicos possam ser equilibradas pelos menores custos de produção. Os programas agrícolas federais têm historicamente incentivado os agricultores a utilizar os recursos naturais além de sua capacidade de renovação, usar áreas marginais e grandes quantidades de insumos químicos, muitas vezes de forma ineficiente.

Segundo o mesmo autor, as leis agrícolas mais recentes começaram a estabelecer pagamentos aos agricultores que estão vinculados à conservação ambiental. Entretanto, os agricultores orgânicos ainda estão fora desses benefícios. Sua única vantagem é o fato dos consumidores concordarem em pagar um preço extra, um “prêmio”, em apoio ao uso de métodos produtivos ambientalmente mais adequados.

Considera-se que se o desgaste dos recursos naturais fosse incluído nos cálculos de rentabilidade, a AO ou a Agricultura de Baixo-Uso-de-Insumos (chamada em alguns círculos de Sustentável), nos EUA, poderia ser tão competitiva, ou mesmo superior, aos sistemas agrícolas convencionais, com o que concordam Anderson (1994) e Faeth et al. (1991). Estes últimos autores realizaram uma contabilidade ambiental de diferentes sistemas de produção e concluíram que um superavit pode transformar-se facilmente num déficit, caso sejam incorporados os custos ambientais causados pelas formas de produção da agricultura convencional.

Dados obtidos do mercado norte americano (Greene, 2001) comparam a renda de produtores de milho. A produção orgânica proporciona cerca de 4,00 US$ por “bushel” de milho (R$ 390,00 por tonelada) contra 1,67 US$ por “bushel” de milho (R$160,00 por tonelada) produzido de forma convencional.

No Brasil, vantagens competitivas da AO podem ser percebidas pelo preço de mercado da soja orgânica, que é de aproximadamente US$ 16,00 por saca (em setembro 2001), contra cerca de US$ 9,00 por saca obtidos com a soja convencional, ou seja, uma diferença de 66,7%. Não por acaso, esta é a cultura com maior área orgânica cultivada atualmente no País.

Em relação ao cultivo de hortaliças, base das experiências precursoras em AO no Brasil, Ndiaye et al. (1999) verificaram que o impacto do manejo orgânico sobre o resultado econômico pode, em muitos casos, ser mais interessante, não só devido ao menor uso de insumos industrializados, como também aos melhores resultados de produtividade. Seus dados mostraram que entre sete hortaliças produzidas organicamente, quatro apresentaram produtividades superiores ao padrão convencional. A mesma observação foi feita por Reydon et al. (1999) com a produção orgânica de café, na qual os custos de produção foram reduzidos, a partir da adoção de métodos alternativos de controle fitossanitários.

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Além disso, é importante comentar, como afirma Bateman (1994), que uma avaliação econômica envolve diversos aspectos ligados à sociedade e não apenas o lucro, não sendo, portanto, o mesmo que uma avaliação financeira. Assim, mesmo que a AO seja eventualmente inviável financeiramente, há razões, especialmente ambientais, para que seja estimulada e incentivada.

Carmo e Magalhães (1998) em extenso trabalho sobre AO no Brasil, concluem que de modo geral, a AO e as formas não convencionais de agricultura são eficientes, tanto tecnicamente, quanto economicamente. No entanto, esta eficiência estaria muito mais associada aos preços diferenciados obtidos pelos produtos orgânicos ou ecológicos no mercado, do que efetivamente às diferentes em seus métodos e processos. Desta forma, algumas propriedades que praticam AO, mesmo obtendo menores produtividades, ou apresentando determinadas deficiências técnicas, conseguem viabilizar-se, através dos prêmios obtidos no mercado.

O MERCADO ORGÂNICO: IDEOLOGIA VERSUS REALIDADE

A discussão sobre o mercado de produtos orgânicos encerra uma velha fratura

dentro dos movimentos de agricultura não-convencional. Em boa parte, a origem destes movimentos esteve sempre ligada à contestação dos sistemas dominantes, não apenas do ponto de vista tecnológico, mas também socioeconômico, cultural, ambiental, etc. Neste aspecto, para diversas correntes do movimento “rebelde”, o sistema capitalista sempre foi considerado pouco confiável e, em casos extremos, até mesmo como um “inimigo”. Entretanto, o capitalismo tem demonstrado um dinamismo, uma flexibilidade e uma capacidade de adaptar-se às diferentes transformações culturais e sociais, que não foi apresentada pelos sistemas políticos não-capitalistas, vide o desmoronamento do Bloco Soviético, principal país do “socialismo real”.

É interessante também notar que, dentre todas as diferentes correntes de agricultura não-convencional (Orgânica, Biológica, Biodinâmica, Ecológica, Natural, etc.), nenhuma delas surgiu dentro do chamado “socialismo real”, sendo que nesses sistemas os modelos agrícolas foram caracterizados pela violenta adoção de métodos e práticas de dominação, controle e submissão da natureza, sendo a grande propriedade, a monocultura, o uso de máquinas, agrotóxicos, fertilizantes solúveis, práticas tão comuns quanto em países capitalistas mais avançados. Segundo Shannin (1999), o uso de insumos, na ex-União Soviética, continuou aumentando, mesmo quando já não havia aumentos nas produtividades, o que apenas confirma as dificuldades do “socialismo real”, tanto quanto do capitalismo, em equacionar os problemas agrícolas juntamente com os problemas ambientais3.

A China constitui uma exceção a esta regra, pois criou um modelo agrícola muito em função de suas diferentes realidades locais e baseado na reciclagem de nutrientes, inclusive com o desenvolvimento de sistemas como o biogás/biodigestor. Entretanto, com o fim da era “Mao”, iniciada em fins dos anos 70s por Deng Xiao 3 O desastre do Mar de Aral, a intensa poluição industrial, o acidente nuclear de Tchernobil, são mais

alguns exemplos da falta de consciência e controle ambiental, que predominava nos países do “socialismo real”.

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Ping, os métodos da agricultura industrial foram maciçamente difundidos na China, com conseqüências ainda imprevisíveis para a sustentabilidade agrícola e a segurança alimentar de longo prazo (Chang, 1992).

Outra exceção no mundo do “socialismo real” é Cuba, que após o desmoronamento da União Soviética e da “cortina de ferro”, viu-se tolhida da cooperação internacional e foi dado o início ao “período especial”, que incluiu entre suas diretrizes, o estabelecimento de um modelo agrícola sustentável, tendo sido escolhida a Agroecologia como o novo paradigma a ser adotado em toda a agricultura cubana, constituindo-se num exemplo único e num verdadeiro “laboratório” em larga escala, com resultados animadores conforme apresentados por Rosset (1993) e Jesus (1994).

É evidente que para uma boa parte dos movimentos de agricultura não-convencional, por terem uma origem ligada à contestação do sistema dominante, o fato da AO tornar-se um cobiçado “nicho” de mercado de grandes grupos capitalistas causa uma espécie de frustração, algo semelhante àquela causada pela transformação dos movimentos de contracultura dos anos 60s em fonte de lucro e exploração capitalista. No Brasil, este é um fenômeno relativamente recente, em função do mercado de produtos orgânicos só ter alcançado maior visibilidade mais recentemente, mas nos países desenvolvidos este embate vem sendo enfrentado há algum tempo.

De um lado estão os que defendem uma relação mais pessoal entre consumidores e produtores, que podem ser chamados de “ambientalistas puristas”, de outro, há aqueles que têm uma visão de expansão do mercado ou do “negócio orgânico”, apregoando a certificação dos produtores e o credenciamento de instituições certificadoras. Para estes, o mercado é o propulsor do movimento orgânico, de forma que somente com a certificação/credenciamento e ampliação deste mercado será possível uma diminuição dos preços e uma massificação deste tipo de agricultura, com conseqüências positivas locais, regionais e globais. Há ainda aqueles oriundos do movimento político de base, que apregoam a revolução social e sentem-se incomodados com as ações de comércio e mercado de produtos orgânicos. Estes últimos constituem os chamados “ecossocialistas” (Figura 1).

Eco-

Socialistas

Negócio

Orgânico

Ambientalistas

Puristas

Percepções Relativas ao Mercado de Produtos Orgânicos

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Figura 1. Correntes relativas as diferentes percepções da função do mercado de

produtos orgânicos.

Este embate opôs em algum momento a IFOAM (Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica) e as organizações ligadas ao movimento Biodinâmico, na Europa, de um lado, e de outro, as instituições de cunho mais socialista, na Espanha e especialmente na América Latina, como o MAELA (Movimento Agroecológico Latino Americano). Enquanto o MAELA, passada a “onda” da ECO-92, vai ficando cada vez menos atuante e menos articulado, a IFOAM vai firmando-se, na medida em que o mercado orgânico vai ganhando mais visibilidade e ocupando espaço nos meios de comunicação de massa e nas gôndolas das grandes redes de supermercados.

Os limites da produção orgânica poderiam ser criticamente avaliados e, num ponto extremo, poderíamos imaginar um produtor que não hesitaria em mudar seu sistema de produção, ao descobrir a possibilidade de vender seus produtos por um preço cerca de dez vezes maior. Este agricultor passaria a substituir o NPK pelo composto orgânico e pela cama de aviário, cinzas e termofosfato ou fosfato de rocha. Para o controle de pragas e doenças, aplicaria o arsenal de produtos permitidos nas normas de produção orgânica. Mas, continuaria a explorar um sistema com baixa diversidade e até mesmo com uma monocultura. Continuaria a manter uma relação trabalhista convencional, assim como as outras relações intra e extra propriedade. Poderia ser o caso de uma exploração orgânica “elitista”, mas não seria sustentável.

Não é possível pensar uma exploração agrícola sem mercado, mas há que se repensar a forma de relacionamento com este mercado. Nesse sentido, é interessante analisar a figura do mercado “justo” (fair trade) que tem ganhado força em alguns países europeus. Este segmento não dá uma importância grande ao controle rigoroso da presença de agrotóxicos, mas tem uma predileção por produtos produzidos pela agricultura familiar, por camponeses e assentados.

Organizar esta produção é realmente um desafio, pois há grande necessidade de recursos a serem concedidos a fundo perdido. Esta demanda choca-se com as diretrizes neoliberais de abertura de mercados, atualmente predominantes, de forma que somente seria possível a ampliação significativa deste mercado se as seguintes condições fossem asseguradas:

a. Que os países ricos cumprissem seus compromissos assumidos na ONU,

destinando parte de seu PIB ao desenvolvimento das nações menos desenvolvidas (apenas os países da Escandinávia aproximam-se destas metas).

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b. Que boa parte dos fundos aplicados no desenvolvimento fosse direcionada à capacitação do desenvolvimento do "mercado justo" e não apenas à capacitação técnica.

c. Que os países pobres tivessem como meta dar aos seus agricultores as

condições e os conhecimentos que permitissem um modelo de produção sustentável, baseado em processos agroecológicos, e paralelamente pudessem garantir processos de comercialização que permitissem ao agricultor apropriar-se de uma maior parcela dos lucros gerados por sua atividade.

O discurso da AO, considerada como um empreendimento, um negócio, é de

certa forma chocante para os primeiros adeptos do movimento em torno das formas não-convencionais de agricultura, que foram oriundos de movimentos ambientalistas e socialistas extremamente críticos em relação ao capitalismo, os quais sentem um enorme desconforto com o lucro e com o modus operandi desse sistema. O crescimento da produção orgânica que vai sendo dominado por grandes redes de supermercados e grandes redes atacadistas, ou mesmo por pequenas empresas que vêm se firmando neste mercado, provoca um certo descontentamento nesses setores mais ligados a uma certa nostalgia em relação ao movimento “vanguardista” dos anos 60s e 70s, que desbravaram, com muita dificuldade, os caminhos da AO (Assis, 2002)

Desconfortos à parte, estamos submetidos e vivemos sob um regime capitalista

e se quisermos o avanço e a evolução das formas de agricultura não-convencionais, não poderá ser por outra via, que não através da organização da produção e da distribuição desses produtos através do mercado. A carência de cooperativas ou associações de consumo e de produção que funcionem a contento, infelizmente, impedem modelos e formas de organização, as quais mesmo sob sistemas capitalistas, poderiam representar alternativas muito interessantes, inclusive unindo os consumidores e os produtores, como demonstram algumas experiências na América do Norte (“Consumers Supported Agriculture”) (consultar: www.umass.edu/umext/csa/ ).

No modelo de comercialização de produtos orgânicos, há a presença dos certificadores entre os intermediários e os comerciantes finais. Estes certificadores são responsáveis por garantir a qualidade orgânica e a ausência de agrotóxicos nos sistemas produtivos, visto ser este o quesito mais valorizado pelos consumidores deste “nicho” de mercado. Evidentemente, a presença deste “elemento a mais” no processo provoca um encarecimento dos produtos orgânicos, mas não é o único fator responsável por esse sobrepreço. O outro, se refere a uma questão de oportunidade, explorada pelos produtores–intermediários e comerciantes. Isto é,

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algum agente do mercado (consumidor) está disposto a pagar um preço maior por um produto diferenciado (orgânico) e algum outro agente de mercado (produtor) está disposto a produzir esses produtos (orgânicos), seja por razões filosóficas ou ideológicas, ou puramente econômicas.

Esta questão – preço mais elevado do produto orgânico do que seu equivalente convencional –, tem sido o maior problema ligado ao mercado de produtos orgânicos, tanto do ponto de vista da ampliação do mercado (do lado dos consumidores), quanto da crítica dos movimentos ecossocialistas.

Um argumento bastante eficiente desses movimentos críticos é o de que a produção de alimentos deveria ser direcionada à alimentação da população brasileira e não à exportação. Neste ponto, esta crítica faz coro à outra crítica, mais tradicional, de que o país produz alimentos, mas possui entre seus habitantes uma larga presença de famintos e mal nutridos, devendo ocupar-se do abastecimento interno, antes da exportação. Esta crítica está correta, no entanto, percebe-se que há muito mais um problema de acesso aos alimentos, isto é, um problema de renda, do que um problema de produção.

Produzir alimentos não significa exatamente alimentar a população, pois os caminhos da distribuição e do consumo estão dissociados, uma vez que para consumir é preciso ter renda. A soja, por exemplo, é em boa parte exportada para alimentar frangos, suínos e bovinos na Europa, e não diretamente para alimentar seres humanos. Evidentemente, esses animais serão consumidos, na forma de carne, ovos, leite e laticínios. Parte desta soja, quer direta ou indiretamente, poderia ser destinada à alimentação de brasileiros, mas a falta de renda interna faz com que seja exportada, atendendo aos mercados internacionais.

Dessa forma, a crítica de que primeiro dever-se-ia alimentar a população brasileira para somente depois pensar em exportar a produção orgânica não traduz efetivamente o funcionamento do mercado, pois os agricultores, intermediários e comerciantes, incluindo-se aqui os exportadores, dispondo de um mercado que lhes pague um preço diferenciado, tratarão de maximizar sua renda, atendendo a este mercado.

Outro problema, transformado em severa crítica aos modelos de produção orgânica, é o que a caracteriza como tendo um cunho elitista. Neste caso, o que se afirma é que, ao estabelecer um mercado diferenciado, convencional versus orgânico, cria-se com o sobrepreço deste último uma sociedade na qual alguns (a elite, seja econômica ou intelectual) têm acesso a um produto privilegiado, enquanto que a população em geral terá que se conformar com o consumo de um produto carregado com agrotóxicos e excesso de fertilizantes solúveis. É uma lógica perversa, mas quanto mais descontrole há no mercado em geral, mais é valorizado o mercado diferenciado e maiores preços podem ser atingidos pelos produtos orgânicos. Esta crítica não é gratuita, pois num supermercado do Rio de Janeiro (abril de 2002) pode ser observado o preço do tomate orgânico, embalado e selado, de R$ 8,00 por kg, enquanto que o tomate convencional, nas mesmas condições (embalado e selado) custava R$ 1,86 por kg. Será que o produtor orgânico está recebendo este suave “sobrepreço” de 430% ? Certamente ele recebe, quando muito, um sobrepreço na faixa de 30%, ficando o restante para os intermediários e comerciantes.

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Ormond et al. (2002) observam que enquanto que em alguns países europeus os sobrepreços ou os “prêmios” recebidos pelos produtores orgânicos oscilaram entre 14% e 90%, no Brasil constatou-se que em cerca da metade dos produtos pesquisados o sobrepreço passava de 100%, e em cerca de 27% dos produtos pesquisados, os sobrepreços passavam de 200%, sendo que nas feiras livres os preços tendem a ser mais baixos do que nas grandes redes de supermercados.

É necessário lembrar que a informação desempenha aqui um papel muito importante, tanto com relação aos consumidores (Assis et al., 1995), quanto com relação aos agricultores (Assis, 2002). Junto aos primeiros verifica-se a necessidade de aumentar o nível de esclarecimento dos consumidores em relação aos problemas de contaminação, atualmente verificados nos alimentos produzidos convencionalmente, de forma que estes possam perceber a importância de influírem, através de mecanismos da sociedade organizada, na formulação de políticas que favoreçam a difusão de sistemas orgânicos de produção.

Já no que se refere aos agricultores, esta importância se deve, sobretudo, às dificuldades de acesso à informação pelos agricultores familiares, conforme ressalta Assis (2002), na medida em que se considera este tipo de produtor mais afeito a contribuir para uma produção orgânica que não fique restrita aos “nichos” de mercado.

CONCLUSÕES

Modelos agrícolas não convencionais já se apresentam hoje como opção economicamente viável ao modelo industrial de agricultura, ao mesmo tempo que tem tido resultados extremamente animadores em termos de mercado. Este último fato tem gerado diferentes reações nos movimentos de agricultura não-convencional, determinando um embate entre três diferentes tendências aqui denominadas de ecossocialista, ambientalista purista, e negócio orgânico.

Considera-se que este conflito tem se travado de forma extremamente emotiva, o que não permite um debate construtivo para a busca da sustentabilidade da agricultura. A análise que se faz é de que no sistema capitalista não é possível à agricultura, enquanto atividade econômica, estar dissociada do mercado. O relacionamento com o mercado, no entanto, não deve ser o único objetivo da AO, nem a exploração dos “nichos” elitizados. Deve-se buscar a eficiência econômica, mas sem perder de vista uma visão mais abrangente da inserção da AO nos processos de desenvolvimento rural.

Para isto, faz-se necessário o estabelecimento de associações entre agricultores isoladamente ou com consumidores, que possibilitem o aumento da

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escala de produção da AO, de forma que esta não tenha sua comercialização restrita apenas a determinados “nichos” de mercado.

Espera-se, dessa forma, que seja possível desenvolver uma AO que, ao buscar eficiência econômica, não seja dissociada das questões ambientais e sociais, pois estes foram os principais motivos para o surgimento dos movimentos de agricultura não-convencional.

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