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Assis Reis

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ARTIGO SOBRE O ARQUITETO BAIANO ASSÍS REIS

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    Pedro A. C. Nery

    ASSIS REISarquitetura, regionalismo e modernidade

    O estudo de certas expresses arquitetnicas no Brasil, cognominadas de regionais,constituiu o propsito do presente texto. Essas expresses se destacaram como uma alternativa

    aos ditames do movimento moderno, a partir de 1960 e aps Braslia, como um reflexo dotrabalho da segunda gerao dos modernistas brasileiros. Tomou-se como parmetro a produo

    do arquiteto Assis Reis, na Bahia, entre os anos de 1952 e 1992, perodo destacado pelo carterhomogneo da obra e marcante pelas as suas referncias locais. um mtodo projetual que

    considera a suplantao do movimento moderno, a partir dos vnculos locais e dos reclames poruma pluralidade na arquitetura brasileira. Dessa forma, avalia em que medida possvel

    relacionar-se arquitetura, regionalismo e modernidade, um experimentoque ora apresentado de forma resumida.

    A arquitetura moderna no Brasil, nas suas mais variadas expresses, apresenta-secomo um vasto campo de pesquisa acadmica, notadamente pela dimenso cultu-ral que atribuda a essa disciplina. A fase pioneira, j bastante conhecida, estrepresentada principalmente pelas obras dos arquitetos da escola carioca, primeiragerao dos modernistas do Brasil, tendo alcanado grande prestgio e reconheci-mento internacional. Muito se tem estudado sobre esse glorioso perodo, que seinicia em 1937 com o famoso edifcio do Ministrio da Educao, culminando, em1960, com a consagrao de Braslia.A produo arquitetnica aps Braslia, entretanto, carece de uma maior investiga-o. o perodo de maior transformao da arquitetura brasileira, marcado pelotrabalho dos arquitetos da segunda gerao do movimento moderno no Brasil. Essafase corresponde tambm a um perodo de profundas transformaes nos rumosda arquitetura internacional, quando os alicerces tericos do movimento modernoso estremecidos a partir do ps-guerra, entre os anos de 1945 a 1965, poca emque o embate se desloca para as questes da continuidade ou reviso daquelemovimento. No passo seguinte, d-se a ecloso de uma nova situao entre osanos de 1966 a 1977, que se autodenomina ps-moderno e se desenvolve emmtodos prprios, muito embora, no pas, essas expresses s se fizessemefetivamente presentes a partir dcada de 1980.No Brasil, os arquitetos da segunda gerao, rompendo com os paradigmas dacartilha corbusiana e do Estilo Internacional, do incio a essa nova fase, que sereflete na procura e afirmao de valores que pudessem dar maior equilbrio relao entre a criao e a tcnica, entremeando, sobretudo, valores culturais,ambientais, entre outros.O arquiteto Assis Reis, na Bahia, abraando as idias dessa tendncia, cujo pontofocal o sul do pas, desenvolveu, de forma pioneira, uma arquitetura de feioregional, baseada nos valores culturais e ambientais do lugar, fato reconhecido pormuitos arquitetos da sua gerao. Produziu, dessa forma, um acervo arquitetnicode destacado valor e de uma expresso universal que extrapola os prprios limites

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    da baianidade a identidade cultural local. O acervo vasto, denso e diversifica-do, no qual se destacam muitas obras premiadas.Assis Reis participa desse grupo de arquitetos cujos princpios tericos eram bastantedivergentes daqueles preconizados at ento e em voga no pas, quando o expoentemximo a obra paradigmtica de Oscar Niemeyer. Defendendo outros valores efirmando novos caminhos, esses arquitetos desenvolveram seus princpios quando jno interessava ver a arquitetura apenas como produto de uma idia genial.A formao dos arquitetos da primeira gerao, ligada s belas artes, implicou odesenvolvimento de uma arquitetura excessivamente comprometida com a idia decomposio que, como na pintura, emoldura a obra, enfatizando a arquiteturacomo objeto de valor esttico, tornando secundrios outros valores do contextoonde se insere, uma idia da qual a gerao subseqente j no compartilhava.Assis Reis, em grande parte da sua obra, conduz essa constante procura peloenraizamento nas condies pr-existentes, dando lastro e suporte sua arquitetura.Esses princpios ficam bastante evidentes quando se aborda o perodo maishomogneo e caracterstico da obra, representado entre o Posto Pau de Vela, em1965, e o Centro Comunitrio Batista, em 1979.O arquiteto iniciou as suas atividades no EPUCS - Escritrio do Plano Urbanstico daCidade do Salvador, trabalhando como topgrafo e cartgrafo, fato que lhe permitiucompreender a geomorfolgica Cidade da Baa, com seus vales, encostas, ma-tas, rios e lagoas, rico cenrio geogrfico amalgamado por uma valiosa arquiteturacolonial barroca, valores que depois vo se desdobrar no trao caracterstico daobra.Entretanto, a atividade do arquiteto toma impulso a partir da projetao e constru-o de uma residncia de trao racionalista, no bairro do Rio Vermelho, em Salva-dor. Foi buscar, no famoso pavilho alemo em Barcelona, de autoria de Mies Vander Rohe, a inspirao e o mote para a feio daquele trabalho. Mais tarde, issolhe proporcionou uma posio autocrtica, ao admitir correta a conformao doedifcio e inadequada a sua opo arquitetnica. O fato foi decisivo para que bus-casse uma expresso mais atualizada do seu trabalho, tornando-se mais afinadocom as condicionantes locais.Outros dois eventos fazem pontuar a obra desse arquiteto como marcos balizadoresda sua vida profissional: o projeto para o pavilho brasileiro da Expo70, em Osaka/Japo e, em 1977, a sede da CHESF Companhia Hidreltrica do So Francisco,situada em Salvador. O primeiro obteve meno especial no Concurso promovidopelo Ministrio das Relaes Exteriores e o IAB/BR, em 1969, com reconhecimentohors-concours. Buscava sintetizar cones e referncias do Brasil, propondo umaedificao que representasse a cultura nacional ou regional, materializada numaexpresso arquitetnica universal. Foi um momento que lhe permitiu desprovin-cianizar-se, como costuma relatar, fazendo-o atingir o rumo da maturidade do seutrabalho, ao relacionar regionalismo e modernidade na dimenso da universalida-de. O segundo trabalho, tambm premiado em concurso privado, representa a suaobra magna e sintetiza os valores e conceitos de uma arquitetura que, plantada emsolo e alma da Bahia, traduz um marco regional numa feio de eterna atualidade,atemporal e universal.

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    O interesse em enfocar essa fase da arquitetura brasileira implicou a consideraode aspectos da crtica arquitetnica e o entendimento sobre as questes decorren-tes das expresses regionais, seus descaminhos e suas contradies. Importoumuito mais promover uma avaliao do trabalho de Assis Reis, identificando-se asquestes prioritrias que delineiam uma prtica arquitetnica como uma contribui-o ao estudo da arquitetura moderna na Bahia.Nesse sentido, faz-se uma abordagem ou compreenso desse perodo da arquiteturae do caminho percorrido por esse arquiteto, ou seja, a busca por uma alternativa aomovimento moderno, j internacionalmente contestado, quando, em Salvador, asociedade clamava por modernidade, ao se tornar tardiamente industrial. Para si-tuar em Salvador, ao lado das transformaes urbanas que se processavam, decor-rentes da implantao de um novo impulso industrial, somente na dcada de 1950 que a arquitetura moderna se consolida na cidade.E para esses descaminhos, com os quais o movimento moderno se deparou, oscrticos, de forma variada, tentaram compreender as novas rotinas, entendidas,entre outras, como regionalismo crtico, tardo-moderno, moderna apropriada ou,no caso baiano, temperada, como talvez se poderia afirmar. Assis Reis, com seutrao definido por uma forte intuio, desenvolveu uma arquitetura de corpo ealma, revelando uma expresso nordestina de firme carter antropolgico.Tudo leva, por conseguinte, a admitir-se uma constatao na arquitetura modernabrasileira, desde os seus primrdios, ao se perceber um certo vis que reveladono seu corpo de contradies, trazendo sempre uma idia renovada de traduodas referncias nacionais, ou de tradio regional.O movimento moderno, que nasceu de idias internacionalistas quando as van-guardas dos anos 20 estruturam horizontes estticos e ticos para um futuro quese queria vislumbrar, e que surgiu das novas condies de produo da industriali-zao em voga1, (...) na cidade de Salvador, afirmou-se como uma novidade des-compassada no tempo. E nesse momento que se d o aparecimento da figura deAssis Reis, o qual, migrando de Parnaba no Piau, uma cidade to colonial e marcantequanto Salvador, aporta na Cidade da Baa para produzir uma arquitetura to cheiade reminiscncias.Desse modo, a tarefa de versar sobre uma Arquitetura Regional, com nfase naobra de Assis Reis, implica necessariamente uma abordagem sobre o panorama daarquitetura aps a construo de Braslia, em 1960. um perodo de grandestransformaes, quando as cidades brasileiras se expandem, absorvendo grandesinvestimentos em infraestrutura, e as construes se multiplicam para atender aoadensamento populacional de um Brasil que j se fazia definitivamente urbano. Doponto de vista arquitetnico, as cidades brasileiras adquirem uma expresso dediversidade e pluralidade, uma marca caracterstica da segunda gerao dos mo-dernistas a partir de ento.Perceber aquele ambiente da arquitetura brasileira e a contribuio daquelesarquitetos faz destacar, sobretudo, a busca por novas diretrizes projetuais. Tendocomo caracterstica principal a produo dos anos 60 e 70, aquela gerao passoua relacionar Regionalismo e Modernidade, reforando os vnculos locais daarquitetura, traduzidos numa expresso universal.

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    Na arquitetura produzida por essa gerao, mesmo ao se considerar a busca poruma experincia no formalista e plural, possvel identificar uma tendncia noconjunto das obras. Nesse sentido, a tnica construtiva foi, sem dvida, a princi-pal preocupao, atrelada a uma verdade dos materiais. a manifestao dobrutalismo europeu, propagado pelas obras de Le Corbusier, aps a 2 guerra. NoBrasil, essa tendncia ganha fora a partir dos anos 60, sobretudo no ambientepaulista, com a influncia da arquitetura de Vilanova Artigas, na qual se privilegia amanifestao do espao, amalgamando diferentes elementos arquitetnicos, taiscomo vigas, coberturas, paredes, colunas etc.A obra de Assis Reis tomada por alguns desses princpios, ao enfatizar diferente-mente os elementos construtivos e arquitetnicos, dando um carter prprio acada componente, distanciando-se de uma linguagem fabril, padronizada, de ele-mentos construtivos em geral. Entretanto, a qualidade da arquitetura de Assis Reisrevela-se pela variedade e adequao da linguagem, reelaborada para cada obra.O engajamento do arquiteto baiano naquele ambiente expressa-se pelo seu grandetalento, destacando-se do grupo pela originalidade de sua contribuio, uma vezque suas solues nunca recorrem, quer plasticamente, quer funcionalmente, aoschaves comuns na poca, ou encontram derivaes. Suas obras tm um lugarespecial no conjunto daquelas realizadas durante o sculo XX, no Brasil.Obras como a CHESF, o Solar Itaigara e o Solar das Mangueiras se destacam ou sesobressaem, cada uma sua maneira, em razo do carter nico dado ao temaproposto. A simples comparao com obras projetadas para fins semelhantes de-monstra o trao virtuoso, traduzido pela densidade e complexidade do fazerarquitetnico de Assis Reis.Do ponto de vista da sua expresso, o regionalismo das obras de Assis Reis estpresente na medida da originalidade de cada uma delas, sendo o aspecto regio-nal expresso pela profunda cultura local, da qual o arquiteto est impregnado.Quando iniciou as atividades no seu escritrio, em 1964, os trabalhos de Assis Reisj estavam bem conhecidos, reconhecidos e sucedidos. Desde j, o arquiteto de-fendia a idia de que a arquitetura deveria procurar uma representao do presen-te-futuro, mas, sobretudo, pertencer a um lugar especfico. Os projetos j apresen-tavam solues alternativas corrente dominante do modernismo brasileiro e, noseu modo pioneiro, influenciou muitos arquitetos, seus contemporneos. Nomescomo Joaquim Guedes, Miguel Pereira, Luis Paulo Conde, Paulo Cas, Sergio Ma-galhes, entre outros, reconhecem o talento e a fora singulares da obra e atestama importncia do trabalho do arquiteto baiano na configurao das idias daquelagerao.Nesse sentido, so muitos os trabalhos de Assis que se poderia destacar, sejaaqueles que alcanaram a materializao na pedra e no concreto, seja aqueles quecontriburam para a cultura brasileira pela fora da proposta, apesar de no teremsido executados, como o caso do Pavilho de Osaka uma autntica abordagemmetafrica do trao cultural do pas.A arquitetura de Assis Reis, sendo tpica da antropologia cultural ou da antropografiado Brasil, confere-lhe um carter universal. Como arquiteto nato, instintivo e intui-tivo, essa condio da obra se revela pelos vnculos locais, traduzidos pela riqueza

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    da cultura baiana e nordestina do pas, enfatizando a importncia de que cadapovo tem sua fisionomia, seu clima cultural e espiritual.Com uma abordagem correlata, o escritor Ariano Suassuna faz referncias a umpolmico texto, por ele publicado na dcada de 60, que ajudou a suscitar o debatenaquele momento. Ele volta a afirmar seu ponto de vista sobre a arquitetura mo-derna no Brasil e sua preocupao com a questo da afirmao das culturas regi-onais, em entrevista Revista AU - Arquitetura e Urbanismo.O escritor alerta que as manifestaes culturais populares esto mais prximas daesttica do barroco. O que chamo de barroco no Brasil est, em verdade, maisprximo do romnico do que do resto da Europa do sculo XIII. Certas formasmacias de igrejas parecem fortalezas. O barroco que me interessa o aclimatizado.O barroco ibrico que, ao ser interpretado aqui por negros, ndios, e descendentesde portugueses pobres, acabou se reencontrando com a raiz popular. umainterpretao que responde formao dos contextos coloniais, sobretudo nascidades do nordeste brasileiro.Por outro lado, diz ele: a cultura ibrica, europia, acabou se tornando a base dacultura erudita, e ambas tm um lado comum: a coragem da imaginao, da cor eda forma, da inveno, incluindo a arquitetura (...) A maneira como o povo constrisuas casas, como pintava as casas e as fachadas, ainda que represente umanoo equivocada do espao, revela uma viso do edifcio ou da construo comouma simples alegoria. A arquitetura contempornea brasileira est muito ligada aLe Corbusier. A viso dele cartesiana, calvinista, tem pouco a ver com o Brasil.Desse modo, Braslia poderia ser entendida como uma cidade fria, ao contrrio deSalvador, Ouro Preto e Olinda.2Sob esse aspecto, ao rever a obra de Assis Reis, possvel destac-la de modo ailustrar o trao mais representativo, no que se refere sua expresso regional,entre 1952 e 1992, como uma caracterstica da formao cultural brasileira. possvel, por exemplo, constituir uma viso crtica sobre a problemtica que envolveas expresses arquitetnicas particularizadas, dentro dos contextos regionais, quandoavaliar a arquitetura implica discutir a relao entre espao, lugar e arquitetura,alis temas que tambm so reincorporados no ambiente de contestao presentena arquitetura dos anos sessenta.Quando se reflete acerca de uma certa arquitetura, formulando um conceito que buscadefinir uma prtica arquitetnica, a qual envolve regionalismo x universalismo, que sedepara com uma diversidade de opinies entre os crticos e tericos da arquitetura.Partindo-se da famosa frase de Mario Pedrosa, segundo a qual somos um pascondenado ao moderno, percebe-se o carter definitivo para um entendimentosobre a natureza cultural brasileira de feio mestia, miscigenada, e, dentro dessevis antropofgico, oscilando entre o passado e o futuro, para definir a identidade.A questo do regionalismo est profundamente associada identidade cultural,ou seja, s tradies e costumes de um povo, a alguns marcos e episdios signifi-cativos de sua histria, s formas especficas de organizar e de se apropriar doespao. No caso brasileiro, essa questo pode tambm estar ligada ao modo pe-culiar de viver amalgamando as tendncias culturais hegemnicas trazidas pelosmovimentos internacionais, como o da arquitetura moderna.

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    A esse respeito, o filsofo alemo Jurgen Habermas3, em uma conferncia sobreArquitetura Moderna e Ps Moderna, pronunciada em Munique, em 1981, saiuem defesa da arquitetura moderna, dada como morta e no entanto, ela ainda vive. Ademais, no que se refere infidelidade ou desvios em relao sua fasepioneira, diz que aquele movimento se deixou voluntria, porm, indevidamentecarregar e que s ela brotou do esprito das vanguardas. Alm disso, para aexausto das vanguardas e do movimento moderno, entende que se trata de umprojeto incompleto de uma modernidade que derrapa.4Por outro lado, Anatole Kopp (1990), seja pelo alto formalismo alcanado, sejapela extremada aplicao do seu modelo, reivindica a idia de que a arquiteturamoderna se transformou de causa em estilo, para o seu malogro.Otlia Arantes, contestando ambos, revela estar convencida de que a arquiteturamoderna carrega consigo o germe da sua prpria destruio, tendo, assim, cum-prido a realizao do seu programa. E ainda assim, sobre o ps-moderno, diz queao mesmo tempo, como boa parte dos arquitetos e crticos empenhados nestareciclagem da arquitetura possuam um sentimento forte de que forma e funosocial no podiam se descolar uma da outra como parece ter ocorrido com aarquitetura, inclusive por razes de programa. So pontos com os quais a segundagerao veio a se identificar, que, na verdade, constituem-se como princpios parauma alternativa.O carter alternativo traz tambm certas implicaes e contradies, fatos a queAssis Reis sempre esteve exposto. Ou seja, descartando em geral a rubrica de ps-modernos, querem ser considerados de novos modernos. Ou em linha de continui-dade com Movimento Moderno, sem os excessos a que chegara a sua ditaracionalidade. Afinal, desde que uma tal utopia passava do domnio do discursopara o plano concreto do edifcio ou da cidade, ela acabava por evidenciar seusvnculos locais. Portanto, talvez mais do que uma correo de rumo, se tratasse deextrair as lies de uma prtica nem sempre colada ao discurso, pois a produomoderna era muito variada. E est a a arquitetura brasileira para atest-lo. Afinal,o que todos os crticos de c e de l sempre acentuaram foi a nossa particularida-de, os traos idiossincrticos da nossa arquitetura, especialmente de seu repre-sentante mximo Oscar Niemeyer. Quem sabe sempre fomos regionalistas ape-sar de modernos5, deixa escapar.Por sua vez, o crtico Josep Maria Montaner, partindo do conceito to amplo demmesis, revela que as distintas maneiras de representar a imagem visvel domundo tm sido o motor de uma evoluo contnua. Entre os sculos XIX e XX, seconsumou a grande transformao ao abandonar-se paulatinamente a mmesisda realidade, ao buscar-se novos modos de expresso no mundo da mquina,idias muito bem incorporadas pelos pioneiros da arquitetura moderna.Entretanto, esse mtodo vai se transformar quando as geraes seguintes rechaamo estilo internacional e reclamam considerar novamente os monumentos, a hist-ria, a realidade e o usurio, em face de uma arquitetura verncula. Desse modo,Se consubstancia uma obra que arranca da experincia acumulada, nos desenhosque estes arquitetos voltam a fazer interpretando a arquitetura construda, umaautntica segunda natureza que a histria vem gerando.6 um princpio que faz

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    desenvolver no um estilo, mas um mtodo que possibilitasse a busca do novo noambiente da arquitetura, com o qual Assis Reis tambm se comprometeu.No Brasil, a arquiteta Lina Bo Bardi desenvolveu uma das experincias mais origi-nais e significativas nesse sentido. Mediante suas qualidades artsticas, Lina BoBardi conseguiu superar os limites da prpria arte moderna, sem romper com seusprincpios bsicos. (...) Em sua obra, se superam as dicotomias nas quais se haviadividido a esttica do sculo XX: a luta entre abstrao e mmesis, esprito e mat-ria, concepo e representao, cultura e natureza. Sua atividade demonstra comoo projeto das vanguardas, ao aplicar-se nas condies latino-americanas, comple-tamente distintas das europias, se revitalizou e humanizou, conseguindo no cairno academicismo.7A experincia realizada por Lina vem por outros caminhos, diferentes da experinciade Assis Reis. Bo Bardi no props uma forma arquitetnica, seno um mtodo:um mtodo para superar as limitaes da prpria modernidade, consistente emharmonizar a base cultural com o projeto moderno de criar novas formas para umanova sociedade.8 O arquiteto baiano, nesse sentido e em sua medida, tambmdemarcou a sua reinveno.Para Kenneth Frampton, todavia, tais expresses da arquitetura podem ser descri-tas como sendo o Regionalismo Crtico, ou a nica ponte por onde deve passar nofuturo uma arquitetura humanista.9 E, de outra maneira, Charles Jencks, outroautor ingls, que v nessas expresses particularizadas da arquitetura do lugar umevento tardo-moderno, numa aluso ao descompasso desses programas diantede um contexto internacional ps-moderno.10Entre os latino-americanos, o mexicano Antonio Toca faz lembrar que as reflexessobre a morte do Movimento Moderno e o nascimento improvisado do seu suces-sor espelham a vingana da memria.11 E o chileno Christian Fernandez-Cox alertaque a arquitetura produzida num contexto socioambiental bastante diverso proces-sa os valores modernos exgenos pela fora, que a soma de uma identidadepotente e original com sua realidade, entendida como modernidade apropria-da.12Luis Barragan, em depoimento Revista Mxico en el Arte, em 1985, diz quedevemos tratar de conseguir, com a arquitetura moderna, a mesma atrao queexiste nas superfcies, espaos e volumes da arquitetura pr-colombiana e daarquitetura colonial popular, mas com expresso notadamente contempornea.Obviamente, resulta que ns no podemos repetir essas formas, mas se nos con-centrarmos em analisar em que consistia a essncia do que agradvel dessesjardins, dessas praas, desses espaos (...) O interessante seria analisar em queconsistiam essas solues to boas. Nos assombra que na arquitetura modernano se haja logrado uma soluo capaz de manifestar a atrao de um lugar.Louis Kahn, ao visitar a casa de Luis Barragan, no Mxico, em 1981, relatou queEnquanto circundava a sua casa, percebi o sentido do termo casa: boa para elee boa para qualquer um em qualquer momento da vida. Isto nos diz que o artistabusca somente a verdade e que o que tradicional ou moderno no tem nenhumsentido para o artista.13

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    Caracterizar o regionalismo em qualquer obra de arquitetura, enfim, tem o sentidode traduzir significados latentes, seja na organizao dos espaos, nas eventuaisrepresentaes simblicas, no modo de utilizar e trabalhar materiais de construoe tcnicas construtivas, na forma de abrigar referncias culturais em sua visibilida-de das massas, volumetria, fachadas ou espaos internos. Sobretudo se essasexpresses se destacam particularizadas, isto , com um carter genuno e umsignificado prprio, dentro de uma expresso que no tenha se manifestado emoutro lugar qualquer.Nesse sentido, possvel encontrar, sem exagerar, alguns traos regionais naarquitetura de Assis, muito mais marcada, contudo, pelo modernismo e por ele-mentos da cultura nordestina, na organizao do espao como uma herana daarquitetura colonial, presentes nas casas baianas do sculo XIX, e sem retirar ovalor simblico de suas obras.A arquitetura de residncias de Assis tem, por exemplo, sua principal caractersticana organizao e articulao dos espaos internos. Esses so quase todos conce-bidos para uma vida familiar intensa, voltada para si mesma. Dificilmente os espa-os das residncias de Assis Reis voltam-se para a rua. Pode-se dizer que, nessecaso, ele recupera leves vestgios da organizao das residncias urbanas do per-odo colonial, em que a viso da rua se dava atravs das esquadrias com trelias, nafachada principal. Soltas dos limites do lote, as residncias modernas do arquitetotm barreiras visuais inclusive para as laterais do terreno, o que ocorria nas resi-dncias urbanas anteriores primeira metade do sculo XX, com a total ocupaodo lote.Nas casas projetadas por Assis Reis, a relao com a rua se d a partir de umponto ou acesso, para onde convergem o olhar e o interesse do usurio, fazendo atransposio do espao externo para o interno, como ponto de transformao dopblico para o privado, do coletivo para a intimidade, sensao que enfatizadanos pequenos ambientes internos das casas. Entretanto, na casa Jos Luis, ou nacasa Antonio Gouveia, h uma supresso dos elementos delimitadores do terreno,em que o recuo legal do lote incorporado ao conjunto, fazendo a obra participarda cena urbana de modo integral.A utilizao de planos distintos para gerar maior dinmica na articulao das mas-sas de uma edificao de dois andares, o uso de diagonais ou de ngulos de 600 e1200 em planta, muitas vezes descantonada, e a implantao de alguns elementosestruturadores da organizao do espao, como se fossem centros de gravidade doprprio projeto, so recursos do mesmo repertrio modernista que no podem serexatamente caracterizados como regionais.A rejeio da aplicao incondicional dos modelos globais da arquitetura modernae a forte impresso dos grandes telhados de duas guas que se escondem sob aMata Atlntica nas encostas da Cidade do Salvador, levaram Assis Reis, por umcerto perodo de tempo, a riscar residncias que mais se aproximavam do gostoneocolonial, ou neobarroco, como costuma se referir.Durante os anos sessenta, essas casas apresentavam um desenho e uma aparn-cia que expressam uma fase de procura. Era uma arquitetura de interpretao, naqual esto implcitos os valores culturais e histricos preexistentes, encontrados

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    nas moradas coloniais baianas. Destaca-se a cobertura com telhado cermico, emduas guas, formando grandes beirais. A organizao sbria das fenestraes e asfaixas de guarda-corpo com desenho completam o principal repertrio, onde tudodevia ter um certo grau de modernidade.Em vrias obras, o arquiteto empregava o ladrilho hidrulico decorado no revesti-mento de algumas paredes, peas que ele mesmo desenhava e fabricava, artifcioherdado da azulejaria colonial-barroca, resgatado na arquitetura moderna brasilei-ra. Destacam-se as residncias Eduardo de Carvalho, em 1959, a residncia AdrianoFernandes, em 1960, a residncia Aquiles Calmon de Passos, em 1963, e a resi-dncia Quinta das Mangueiras, em 1964.Ao se afastar das interpretaes mais literais da arquitetura tradicional, Assis Reispassou a adotar umas solues mais prximas da arquitetura popular traduzindo,num grau de contemporaneidade, todos os valores existentes na histria da culturabaiana, como costuma dizer. Com esse propsito, o arquiteto desenvolveu projetosde residncias, inicialmente aquelas construdas em alvenaria de bloco e pintadasde branco. Vale ressaltar o Barraco dos Carvalho, uma casa desenhada ainda em1965.Posteriormente, segue-se a fase das casas construdas em blocos aparentes, paradepois desenvolver as casas em tijolo laminado aparente. Marca, dessa forma, oseu trao definitivo nos projetos residenciais, destacando-se a expresso plstica evolumtrica, sobressadas pelos slidos multifacetados; a organizao das plantassextavadas, com a sua complexidade orgnica dando fluidez e dinamismo aos es-paos; a supresso do telhado colonial e a adoo do teto reto e em laje deconcreto; a luz zenital com os domos em fibra de vidro e o nvel de detalhamentonas solues empregadas. Destacam-se: a casa Jos Paixo, em 1970; a casaJos Luis, em 1971; a casa Oleone Pereira, em 1973; a casa Loba dos Patama-res, em 1974; a casa Lindoel Farias e a casa Antonio Carlos Mota, em 1975; acasa Elza Santa Izabel, em 1976 e a casa de Santo Estevo, em 1978.A habitao em torre tambm se sobressai pelo carter pessoal dado quelasobras, uma transposio de suas idias para a escala vertical. Nesse caso, AssisReis traz a experincia das residncias, desenvolvendo projetos muitos caractersti-cos a partir de plantas orgnicas, com revestimento em tijolo aparente ou emmosaico vitroso e pelo jogo volumtrico surpreendente. Entre eles, o Solar dasMangueiras, de 1976, sobressaindo-se pela alta qualidade de implantao, pro-pores, tratamentos, resoluo funcional, que do um carter de eterna atualidadequela obra. Nesse projeto, o carter regional se sobressai, seja na rica concepovolumtrica, seja no colorido metafrico da Bahia, seja na lio de confortoambiental, com a captao da brisa marinha para o bem-estar do morador.O Solar das Mangueiras se sobressai tambm pela influncia que exerceu no de-senvolvimento da arquitetura brasileira, especialmente na tipologia da habitaoem torre, hoje hegemnica no Brasil urbano. Da mesma forma, outros dois exem-plares se destacam, como o Solar Itaigara e o Edifcio Morro do Conselho, refern-cias arquitetnicas exemplares.A arquitetura no-residencial de Assis Reis, por outro lado, tem uma influnciainternacionalista muito mais marcante, baseada no receiturio modernista. As es-

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    truturas visveis de concreto aparente, os panos de vidro, as coberturas planas e atmesmo os jardins carregam a linguagem do modernismo. No entanto, so notveisa absolvio dos pilotis, a movimentao angulada das plantas e a preocupaocom as condicionantes locais. Entre os projetos, ressalta-se o Farol Quebra-Mar,de 1964, e o Centro Mdico Albert Schweitzer, de 1967.O projeto do Centro Mdico Albert Schweitzer foi desenvolvido em concreto aparen-te, cuja planta abre-se em forma de leque, buscando dar uma melhor ventilao.Pelo vazio existente entre os blocos e entre a parede e a laje, em cada pavimento,a circulao interna do ar fica garantida pela presena de uma grade metlica, umasoluo que tambm admitida no hall do elevador.Algumas de suas propostas vo ainda mais longe, nessa leitura, tal como a doHospital Geral do Canela, no qual se reiterava, em uma de suas massas, um edif-cio de vrios andares, cuja estrutura era baseada em um pilar central e nas suasquatro fachadas de vidro, inspirado vagamente nas propostas de Frank Lloyd WrigthAinda nos primeiros tempos, Assis Reis enriqueceu o acervo arquitetnico brasileirocom projetos enraizados na baianidade e florescidos na tecnologia. Desses, desta-ca-se o Posto Pau de Vela e o Ginsio Humanstico de Pojuca, em 1965. Comfunes diferenciadas, essas edificaes apresentam uma conformao espacialmuito prpria que, de forma orgnica, estabelecem a fluidez e o dinamismo dosambientes, tambm dispostos pelo princpio das plantas em leque. A volumetriatem sua caracterstica marcada pelo material local empregado, que, atravs doredesenho, impe s estruturas um trao singular na obra do arquiteto. Paredes,esquadrias, estruturas, pisos, toda a tcnica convencional refeita a partir de umdesenho novo.O tema escolar extremamente enfatizado na obra de Assis Reis. Os projetos doCentro Educacional Joventino Silva, em 1968 e o Ginsio Polivalente do Cabula,em 1971, so exemplares que se sobressaem pelo tratamento dado aos espaoscom finalidades educacionais, pelas estruturas que compem as volumetrias, oumesmo com a idia sempre presente de conforto nos ambientes, sobretudo trmi-co e luminoso. Da mesma forma, a preocupao em integrar o edifcio paisageme ao todo construdo do local.Outros projetos se agrupam pela expresso caracterstica, seja pelas formas dosvolumes, seja pela tcnica do concreto armado aparente. So destacados projetoscom finalidades diversas, os quais se sobressaem pela perfeita adequao ao lugare a nfase dada participao do usurio. Vale citar o Jockey Clube da Bahia, de1974, o Iate Clube de Alagoas e a Sede Administrativa do Porto de Aratu, de 1976,e o Centro Comunitrio Batista, de 1979. So obras que revelam um completodomnio projetual e a assuno do trao caracterstico que marca o trabalho deAssis Reis.Outros dois projetos devem ser destacados pela natureza excntrica do tema, masque atestam perfil caracterstico de uma prtica arquitetnica. So eles, o Cemit-rio Parque, de 1969, e o Loteamento Morro do Conselho, de 1972. O primeiropode ser compreendido a partir dos croquis e dos esboos que compem o estudopreliminar, um mtodo projetual em que a composio nasce da interpretaoartstica da paisagem, como uma pintura do local. O outro, um projeto urbano

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    que compreende a proposta fsica a partir da interpretao das condicionanteslocais e da geomorfologia, um princpio que se reporta ao comeo da carreira doarquiteto, partindo-se do contexto urbano para a arquitetura.A obra sntese do trabalho de Assis Reis o projeto do Edifcio/Sede da CHESF-Companhia Hidreltrica do So Francisco, em Salvador, que data de 1977. A idiado edifcio primeiro foi exposta atravs de memorial, no concurso privado para aescolha do projeto. Sagrando-se vencedor, o arquiteto desenvolve um projeto quesintetiza toda a sua vivncia em arquitetura, ao integrar a linguagem de materiaisdiversos, modernos ou tradicionais, dando uma expresso singular e atualizada aoedifcio.A obra, executada em estrutura de concreto, revestida em tijolo laminado aparente, constituda por um edifcio de planta retangular, organizado em torno de umclaustro central coberto por domos translcidos, destacando-se a escadaria emao e a estrutura metlica com piso em grelha e que, sobre o espelho dgua dotrreo, faz articular os diversos ambientes. H, nesse caso, uma perfeita integraocom o entorno paisagstico.Na sua maturidade profissional, o arquiteto tem se voltado para o espao urbano, noqual faz da cultura local a matria de sua obra. A cultura nordestina, sobretudo abaiana, tem contornos muito peculiares, cujos traos fizeram marcar distintamente aarquitetura de Assis Reis. A partir desses vnculos, ele cria um compromisso de tradu-o dessas densas culturas e de suas variadas manifestaes, tendo como corolrioa concepo do Centro de Identidade Cultural. A partir da criao do Modelo Reduzi-do, uma representao da cidade do Salvador, na escala 1:2000, o arquiteto vemtrabalhando no sentido configurar definitivamente aquilo que entende como sendo ocentro de referncia cultural da civilizao baiana e bero do Brasil.Em todo caso, a obra de Assis Reis se sobressai como uma das mais importantesno contexto da arquitetura brasileira, no pelo seu trao regional, mas pela altssimaqualidade naqueles valores universais da arquitetura, em que consegue somar Re-gionalismo e Modernidade.O emprego da expresso regional, de toda maneira, merece ser justificado. Acompreenso do termo ganha contornos culturais locais, mas se insere numa es-cala de maior amplitude. Quer dizer, dentro da atualidade brasileira, na qual oreconhecimento da multiplicidade dessas expresses, em suas legtimas autono-mias, atinge uma totalidade. Uma sntese das expresses regionais, portanto, deverefletir a cultura nacional seno dentro dessa complexidade, com a qual a arquiteturano Brasil sempre teve fortes comprometimentos.Convm lembrar, todavia, que o perodo estudado especfico, compreendido en-tre 1952 e 1992, os quarenta anos que configuram a prtica arquitetnica deAssis Reis de forma mais homognea. No primeiro momento, o ensaio e a procurapor um caminho novo, incluindo a Casa do Rio Vermelho e as Casas neobarrocas;no momento seguinte, a afirmao do trao caracterstico no trabalho do arquiteto,entre a Casa Jos Paixo e o Centro Comunitrio da Graa; e, por fim, o desafio ea tentativa de suplantar-se, que, nesse caso, refere-se aos projetos da ConchaAcstica do Campo Grande e do Pavilho de Sevilha. Dessa forma, pode-se teruma compreenso mais pormenorizada daquelas obras.

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    A realizao deste experimento, portanto, demanda algumas consideraes finais deforma sucinta. O desafio de avaliar a obra do arquiteto Assis Reis em seus aspectossingulares, somando-se regionalismo e modernidade, impe diversas indagaes.H, nesse sentido, um fio condutor que se deve tomar ao se considerar a trajetriado arquiteto, no como um relato biogrfico, mas sim como uma avaliao do seumtodo de compor arquitetura, como uma atitude de viver o dia-a-dia. Assis Reis mesmo um arquiteto nato, instintivo e intuitivo. Disso decorre que essas caracters-ticas marcantes regem a conduo do seu trabalho, a partir das quais se podeperceber a sua obra.Em Parnaba, no Piau, uma cidade aberta ao mundo, Assis Reis forma-se nordes-tino, dentro de um rico contexto litorneo. um lugar marcado por muitas histri-as, onde a reinveno caracteriza o seu povo, na forma de ver a vida, no cotidianoda praa, na fora da natureza contida no rio, nas lagoas e nas dunas marinhas.Nessas circunstncias da infncia, tantos tipos fizeram-no literalmente rabiscar osfatos daquela pequena vila, sobretudo o seu primeiro mestre Alfredo Amstein, quelhe deu instrumentos tcnicos e orientao para prosseguir desenhando na vida.Em Salvador, a Cidade da Baa, Assis Reis se encantou, identificando-se como sefosse nato. A sensualidade da terra, do povo, e a escala da cidade, entre vales ealtiplanos, proporcionaram-lhe uma experincia nica. A vida mundana, nos becos,nas ladeiras, nos sobrados entre as matas, ou no contato com uma gente que viviana rua, fez de Salvador o lugar natural do arquiteto. Porm, foi com o trabalho noEPUCS que o ento cartgrafo e topgrafo pde efetivamente perceber a cidade.Aquele trabalho deu a Assis Reis a chance de conhecer o seu mestre Digenes,seguidor da mesma trajetria, ou seja, do urbanismo para a arquitetura. Dessaforma, ele traduziu as influncias e os conhecimentos adquiridos no EPUCS, princi-palmente os fatores climticos, topogrficos e os traos culturais de Salvador. Odomnio dos fatores fsicos e os aspectos culturais da cidade deram-lhe as refern-cias para traar as formas que concebeu em suas obras. Esse procedimento aten-deu ao processo de busca por uma expresso atualizada nas interpretaes daarquitetura, uma marca singular da sua atuao profissional.A formao universitria, ainda ao lado de Digenes, tem um trao de pragmatismopara a obteno tardia do ttulo de arquiteto. J maduro e profissionalmente reco-nhecido, Assis Reis faz o seu perfilhamento aos padres internacionais do movi-mento moderno e participa de uma formao acadmica em arquitetura. Contudo,independe de regras ou estilos formais para conceber as suas obras. Alis, a expe-rincia de projetao da casa do Rio Vermelho, em 1952, baseada em princpiosmiesianos do pavilho alemo, demonstra a sua incompatibilidade com princpiosou regras. Obteve, durante esse perodo, como natural, os instrumentos e as infor-maes necessrios ao aprimoramento da sua condio de habilidoso desenhista,dando lastro terico ao perfil de criador artstico.Esse aspecto tambm conduziu o interesse de Assis Reis por arquitetos mestres,cujos trabalhos suplantam as tendncias ou escolas de desenho. Figuras comoFrank Lloyd Wrigth, Louis Kahn ou Luis Barragan compem a trade de influncia doarquiteto baiano, uma identidade que formada pela extrema capacidade artsti-ca, nunca traduzida de forma clara pela palavra, e sim pela alta qualidade dos

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    valores universais da arquitetura por eles produzida. A questo primordial residenas afinidades que se estabelecem a partir dos desafios do desenho, das prticasprojetuais, exercidos no grafismo da velha prancheta. So arquitetos natos, vers-teis, de compromissos artsticos e, para os quais, o ineditismo das formas encon-tradas transcende os limites das regras dominantes, alcanado por uma plasticidadenica em cada obra.Superada a fase de Digenes, Assis Reis foi, por longo tempo, o arquiteto dacidade com maior prestgio no cenrio nacional. Atuando durante o perodo em queo mercado esteve em pleno processo de expanso, ao promover a renovao urba-na dos bairros centrais, Assis Reis participou intensamente, conseguindo desenvol-ver obras que se sobrepuseram aos interesses do mercado, afirmando as suasidias sobre arquitetura.Essa liderana foi obtida num espao de tempo relativamente pequeno, no signi-ficando isso um fator de sorte. Desde os tempos na Universidade, Assis Reis perce-be o valor dos fruns e encontros de arquitetura, nos quais fez divulgar suas idiase obras, fortalecendo vnculos com outros profissionais, sobretudo aqueles que,com ele, constituem a segunda gerao de arquitetos modernistas do Brasil.O empenho em abrir-se ao mundo veio de forma galopante, a partir do seu reco-nhecimento com o projeto para o pavilho brasileiro de Osaka, em 1970. Dadesenvolve a sua obra com a firmeza e um trao muito caractersticos, uma condi-o que o coloca como referncia nacional, dado ao trabalho pioneiro que desen-volvia, ao configurar a alternativa e a pluralidade na arquitetura brasileira, atitudesque encontram respostas em muitos companheiros do sul do Brasil. Ao lado deles,tambm constitui seu discurso acerca das idias de arquitetura.O passo seguinte tem alcance fora do pas, quando o arquiteto, em diversas opor-tunidades, v-se identificado com o trabalho dos colegas latino-americanos, noseventos onde sua obra reconhecida como referncia. um tempo em que o estilops-moderno, numa viso centrista, torna-se internacionalmente difundido, sendoa pluralidade das expresses a marca registrada. Durante aqueles anos oitenta,nos fruns latino-americanos, Assis Reis e seus companheiros reclamam por umlugar ao sol naquela diversidade. Ao levantar a bandeira da identidade latino-ame-ricana, eles alertavam que as suas arquiteturas regionais j apontavam um rumona suplantao do modernismo como uma condio ps-moderna da periferia.A obra de Assis Reis , sobretudo, marcante pelo perodo situado entre o Posto Pau deVela, concebido em 1965, e o Centro Comunitrio da Graa, em 1979. Entretanto, asua profcua obra cheia de grandes exemplares, sobressaindo-se a obra magna, que o Edifcio Sede da CHESF - Companhia Hidreltrica do So Francisco, em 1977.O trao regional fez marcar a produo desse perodo, destacando-se no trabalhodo arquiteto o elevado valor da sua obra. Num entendimento acadmico, essacondio regional pode no significar uma suplantao do moderno, porquantocarrega muito do iderio desse movimento. Em todo caso, h de se admitir que,enquanto procedeu reinveno na continuidade do seu trabalho, Assis Reis pro-duziu uma arquitetura regional de dimenso universal. Suplantar a obra magna CHESF talvez fosse possvel se continuasse atendendo sua natureza de arquitetonato, instintivo e intuitivo.

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    Casa do Rio Vermelho: esboo de Assis Reis.Acervo do auto

    Casa Jos PaixoFoto do acervo Assis Reis

    Posto Pau de vela: perspectiva geralAcervo Assis Reis

    Casa Oleone PereiraFoto acervo Assis Reis

    Casa Elza Santa Izabel: maqueteFoto Acervo Assis re

    Casa Santo EstevoFoto acervo Assis reis

    Farol-Quebra Mar: esboo geralAcervo Assis Reis

    O Barraco dos CarvalhoFoto do acervo Assis Reis

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    Alagoas Iate Clube: maqueteFoto acervo Assis Reis

    Ginsio Humanstico de PojucaFoto acervo Assis Reis Centro Mdico Albert Schweitezer: perspectivaAcervo Assis Reis

    Centro Educacional Joventino Silva: perspectivaAcervo Assis Reis

    Pavilho de Osaka: maqueteFoto do acervo Assis Reis

    Hospital Geral do Canela: maqueteFoto acervo Assis Reis

    Ginsio polivalente do CabulaFoto acervo Assis Reis

    Sede da CHESF- Cia. Hidreltrica do So FranciscoFoto acervo Assis reis

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    Pedro Alosio Cedraz Nery arquiteto e professor do Curso de Arquitetura da UNIME.Este artigo baseado na sua dissertao de mestrado, defendida em 2002 no PPG-AU/FAUFBA,

    sob a orientao da prof. Esterzilda Berenstein de Azevedo.

    Notas1 ZEIN, Ruth Verde. Arquitectura brasilea en la dcada do los 80: algunas tendencias. In TOCA, Antonio Fernndez

    (Ed.). Nueva Arquitectura en Amrica Latina: Presente y Futuro. p. 2272 SUASSUNA, Ariano. Elogio Cor: In: revista AU, n 94, 2001, p.70-71.3 Citado por ARANTES, Otlia Do universalismo moderno ao regionalismo ps-crtico . In: CARDOSO, L.A.F. e OLIVEIRA,

    F. de. (Org.). (Re) Discutindo o modernismo. p. 11.4.Citado por ARANTES, Otlia Do universalismo moderno ao regionalismo ps-crtico. . In: CARDOSO, L.A.F. e OLIVEIRA,

    F. de. (Org.). (Re) Discutindo o modernismo. p. 11.5 ARANTES, Otlia Do universalismo moderno ao regionalismo ps-crtico. . In: CARDOSO, L.A.F. e OLIVEIRA, F. de. (Org.).

    (Re) Discutindo o modernismo. p. 11.6 MONTANER, J. M. La Modernidad Superada: arquitectura, arte y pensamiento Del siglo XX. p.127 ARANTES, Otlia Do universalismo moderno ao regionalismo ps-crtico. . In: CARDOSO, L.A.F. e OLIVEIRA, F. de. (Org.).

    (Re) Discutindo o modernismo. p. 138 MONTANER, J. M. La Modernidad Superada: arquitectura, arte y pensamiento Del siglo XX. p.139 FRAMPTOM, Kenneth. Histria crtica de la arquitectura moderna. p. 317.10 JENCKS,Charles. Movimentos Modernos em Arquitetura. p. 28111 TOCA, Antonio Fernndez. Presentacion. In TOCA, Antonio Ferndez et alli. Mas All del Posmoderno: crtica a la

    arquitectura reciente. p. 131.12 FERNANDZ-COX, Christian. Hacia una modernidad apropriada: obstculos y tareas internas. In TOCA, Antonio

    Fernndez (Ed.). Nueva Arquitectura en Amrica Latina: Presente y Futuro. p. 71.13 Citado por MONTANER, J. M. La Modernidad Superada: arquitectura, arte y pensamiento Del siglo XX.

    Solar das Magueiras: planta do pavimento tipoAcervo Assis Reis

    Solar Itaigara: planta do pavimento tipoAcervo Assis ReisEdifcio Morro do Conselho: fachada lesteFoto acervo do autor

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