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São Paulo, setembro de 2018.
À
Associação Nacional de Hospitais Privados - ANAHP
Ref.: Competência dos Conselhos de Enfermagem para Determinar e Fiscalizar o
Dimensionamento de Profissionais de Enfermagem
Muitos dos Associados da Associação Nacional de Hospitais Privados
(“ANAHP”) têm sofrido fiscalizações dos Conselhos Regionais de Enfermagem
(“COREN”), por meio das quais tem sido exigido o cumprimento do dimensionamento
mínimo de profissionais de enfermagem definido pelo Conselho Federal de Enfermagem
(“COFEN”). Diante desse cenário, V.Sas. solicitam a nosso escritório a elaboração de
estudo com a análise dos aspectos jurídicos atinentes.
O presente estudo está estruturado em 03 tópicos: (i) no primeiro, analisamos a
competência do COFEN para regulamentar unidades de saúde e, dos COREN, para
fiscalizar os hospitais regularmente inscritos nos Conselhos Regionais de Medicina
(“CRM”); (ii) no segundo, abordamos a regulamentação do dimensionamento de
profissionais de enfermagem pelo COFEN; e, por fim, (iii) apresentamos as conclusões
da nossa análise.
I. DA COMPETÊNCIA DO COFEN E COREN PARA REGULAMENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
DE UNIDADES DE SAÚDE
Os COREN e o COFEN são autarquias vinculadas ao Ministério do Trabalho e
Previdência Social, responsáveis pela disciplina do exercício da profissão de enfermeiro
e das demais profissões compreendidas nos serviços de enfermagem.
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Dentre as competências que lhe são expressamente atribuídas, nos termos dos
artigos 8º e 15 da Lei Federal nº 5.905/19731, tem-se a competência do COFEN para
baixar provimentos e expedir instruções, e, do COREN, para executar as instruções e
provimentos do COFEN e disciplinar e fiscalizar o exercício profissional de enfermeiros,
técnicos e auxiliares, observadas as diretrizes gerais da autarquia federal.
Tais autarquias não podem ultrapassar a competência prevista em lei,
especialmente considerando que integram a Administração Pública Federal Indireta, no
âmbito da qual o princípio da legalidade determina rígidos limites para atuação e
expedição de normativos2.
Ademais, a Lei Federal nº 7.498/1986, que dispõe sobre a regulamentação do
exercício da enfermagem, e o Decreto nº 94.406/1987, que regulamenta esta lei, em
nada preceituam quanto à definição de requisitos para funcionamento de unidades de
saúde, tampouco quanto ao número mínimo de enfermeiros em unidades de saúde.
Diante disso, os tribunais têm declarado a atuação em extrapolação à lei
promovida pelo COFEN ao regulamentar temas tais como o dimensionamento do
quadro de profissionais de enfermagem de unidades de saúde.
Isso decorre do fato de a legislação não conferir ao COFEN poderes para regular
a atuação de unidades de saúde, mas para disciplinar o exercício da enfermagem e das
profissões nele compreendidas.
Ademais, a Lei nº 6.839/1980 determina que as pessoas jurídicas de direito
público ou privado devem promover seu registro no Conselho Profissional responsável
pela fiscalização da sua atividade básica.
1 Lei nº 5.905/1973: Art. 8º – Compete ao Conselho Federal: (...) IV – baixar provimentos e expedir instruções, para uniformidade de procedimento e bom funcionamento dos Conselhos Regionais. Art. 15 – Compete aos Conselhos Regionais: (...) II – disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, observadas as diretrizes gerais do Conselho Federal; III – fazer executar as instruções e provimentos do Conselho Federal. 2 Conforme jurisprudência dos Tribunais Superiores, dentre as quais cita-se: ARE 986628 AgR, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 09/12/2016, DJe-267 DIVULG 15-12-2016 PUBLIC 16-12-2016; e ADI 4954, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/08/2014, DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014.
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Os hospitais mantêm, como atividade básica e preponderante, a assistência
médica hospitalar, e estão sujeitos à registro no CRM de sua jurisdição, estando os
médicos habilitados a responder como responsáveis técnicos dessas unidades de
saúde3. Evidente que as atividades desenvolvidas pelos profissionais de enfermagem
são essenciais para os serviços de assistência médica prestados pelos hospitais, porém
não são a atividade básica desses estabelecimentos.
A Lei nº 5.905/1973, conforme mencionado, outorgou ao COREN competência
para disciplinar e fiscalizar o exercício profissional da enfermagem, mas não para
fiscalizar unidades de saúde como um todo e, tampouco, para averiguar a atuação de
outros profissionais alocados no estabelecimento.
A Lei nº 8.080/1990 conferiu à União, aos Estados e aos Municípios competência
para controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde4. Com a
criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“ANVISA”), o legislador conferiu à
agência reguladora a competência para “normatizar, controlar e fiscalizar produtos,
substâncias e serviços de interesse para a saúde”.
No exercício de competência atribuída por lei, a ANVISA editou resoluções que
versam, justamente, sobre as atividades desenvolvidas por hospitais, como a Resolução
de Diretoria Colegiada (“RDC”) nº 63/2011, que dispõe sobre os requisitos de boas
práticas de funcionamento para os serviços de saúde, e a RDC nº 07/2010, que
estabelece os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia
Intensiva, inclusive definindo quantitativo mínimo de profissionais.
Assim, às Vigilâncias Sanitárias Estaduais e Locais compete promover as
medidas fiscalizatórias de unidades de saúde para verificar sua adequação às normas
expedidas pela ANVISA. Contudo, não compete às autarquias profissionais, às quais
3 Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1.932 (...) Art. 28 Nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistência médica pública ou privada poderá funcionar, em qualquer ponto do território nacional, sem ter um diretor técnico e principal responsável, habilitado para o exercício da medicina nos termos do regulamento sanitário federal. 4 Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das ações e serviços de saúde;
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foram conferidas atribuições relacionadas especificamente a determinadas profissões,
criar obrigações às unidades de saúde e, tampouco, promover fiscalizações nesse
sentido.
Apesar dos argumentos jurídicos acima indicados, os COREN têm exigido de
hospitais quantidade mínima de enfermeiros, impondo multas de forma ilegal.
Como demonstraremos adiante, a jurisprudência já declarou que o COREN não
tem competência para obrigar instituições de saúde a contratar enfermeiros em
quantidade que a autarquia considere ideal, definida por ato normativo interno.
II. REGULAMENTAÇÃO DO DIMENSIONAMENTO DE PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM
O COFEN, com suposto fundamento na Lei Federal nº 5.905/1973, editou
recentemente a Resolução COFEN nº 543/2017, estabelecendo “parâmetros mínimos
para dimensionar o quantitativo de profissionais das diferentes categorias de
enfermagem para os serviços e locais em que são realizadas quaisquer atividades de
enfermagem”.
A norma em questão substitui e revoga expressamente a Resolução COFEN nº
527/2016, para fins de estabelecer tabelas orientativas para o cálculo do
dimensionamento, sem alterar tal cálculo.
A resolução define critérios específicos de dimensionamento para cada tipo de
serviço envolvido na prestação da assistência à saúde, dentre os quais destacamos as
unidades de internação, unidades de assistência à pacientes de saúde mental, centros
de diagnóstico por imagem e centros cirúrgicos.
O COFEN normatiza o tema do dimensionamento de profissional há tempos,
desde a Resolução COFEN nº 189/1996, substituída pela Resolução COFEN nº
293/2004, que se seguiu da Resolução COFEN 527/2016 e, finalmente, da Resolução
COFEN 543/2017.
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Entende-se, porém, que a lei que constituiu o COFEN não outorgou à referida
autarquia competência para editar normativo que trate do dimensionamento de
profissionais de enfermagem, motivo pelo qual a norma seria ilegal. A ilegalidade do
dimensionamento de profissionais de enfermagem pelo COFEN já foi reconhecida por
nossas cortes, vide julgados abaixo colacionados.
CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DO MATO GROSSO. REGISTRO
DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO MÉDICO-
HOSPITALAR. ATIVIDADE BÁSICA DE MEDICINA. INEXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO JURÍDICA. COBRANÇA INDEVIDA DE CONTRIBUIÇÕES.
PREMISSAS PARA O DIMENSIONAMENTO DO QUADRO DE
PROFISSIONAIS FIXADAS SOMENTE EM RESOLUÇÃO. 1. Nos termos do art.
1º da Lei 6.839/1980, o registro de empresas e a anotação dos profissionais
legalmente habilitados delas encarregados serão obrigatórios nas entidades
competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão
da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
2. O hospital ou clínica que tenha por atividade básica a prestação de serviços
médico-hospitalares, embora possa se utilizar de serviços de enfermagem para
auxílio no desempenho de alguns de seus objetivos sociais, não está sujeito a
registro no Conselho Regional de Enfermagem, e sim no Conselho Regional de
Medicina. 3. Indevida a cobrança da taxa pela emissão e renovação da anotação
de responsabilidade técnica dos estabelecimentos de serviços de saúde, pois
não há tal previsão nas Leis 5.905/1973 e 7.498/1986. 4. As Leis 5.905/1973 e
7.498/1986, assim como o Decreto 94.406/1987, não estabelecem um
número mínimo de enfermeiros em um hospital, o que retira a legitimidade
da previsão contida exclusivamente na Resolução COFEN 189/1996 quanto às
premissas básicas para o dimensionamento do quadro de profissionais. 5.
Remessa oficial a que se nega provimento. (TRF 1ª Região, 8ª Turma, Reexame
Necessário nº 2004.36.00.007843-6/MT, Rel. Des. Maria do Carmo Cardoso,
DJe 25/01/2013.)
ADMINISTRATIVO. CONSELHO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIA DE
CONTRATAÇÃO DE MAIOR NÚMERO DE ENFERMEIROS. RESOLUÇÃO 146
DO CONSELHO DE ENFERMAGEM. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
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IMPOSSIBILIDADE. 1. A Lei 7.498/86 não confere atribuição ao Conselho
Regional de Enfermagem para determinar às instituições de saúde a
contratar profissional de enfermagem, pois inexiste previsão legal que o
autorize a fazer tal exigência. 2. A Resolução do COREN 146/92, como ato
hierarquicamente inferior à lei, não tem o condão de criar obrigações. 3. Se o
estabelecimento já se apresenta devidamente registrado no órgão fiscalizador
competente, de acordo com a atividade básica que desenvolve, e se a
duplicidade de registro é vedada pela Lei 6.839/80, não cabe ao Conselho
Regional de Enfermagem fiscalizá-lo. 4. Apelação a que se nega provimento.
(TRF 1ª Região, AC nº 200341000061066/RO, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Maria
do Carmo Cardoso, j. 31.10.2006, DJ 11.12.2006, pág. 132)
PROCESSO CIVIL. AGRAVO. ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO
REGIONAL DE ENFERMAGEM COREN. LEI N. 7.498/86. EXIGÊNCIA DE
CONTRATAÇÃO DE ENFERMEIROS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
DESPROVIDO. 1. Para a aplicação do disposto no artigo 557 do CPC, não há
necessidade de o entendimento ser unânime ou de existir Súmula a respeito,
bastando a existência de jurisprudência dominante no Tribunal ou nos Tribunais
Superiores. 2. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a Lei nº 7.498/86
e o Decreto nº 94.406/87 em nada preceituam quanto ao número mínimo de
enfermeiros em um hospital, não podendo tal regra ser veiculada por meio
de ato infralegal, sob pena de afronta ao princípio da reserva legal e aos limites
do poder regulamentar. 3. A exigência de contratar profissionais de enfermagem
foge à competência do Conselho, uma vez que não há no artigo 15 da Lei nº
5.905/73 tal competência. (...) 5. Não há no agravo elementos novos capazes de
alterar o entendimento externado na decisão monocrática. 6. Agravo desprovido.
(TRF3, AMS n.º 000763385.2014.4.03.6100, Rel. Des. Fed. NELTON DOS
SANTOS, TERCEIRA TURMA, j. 03/12/2015, eDJF3 11/12/2015)
CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM COREN/SP Lei nº 7.498/86
PRESENÇA DE ENFERMEIRO DURANTE TODO O PERÍODO DE
FUNCIONAMENTO DO ESTABELECIMENTO Resolução COFEN nº 293/04
DIMENSIONAMENTO DOS QUADROS DE PROFISSIONAIS DAS
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INSTITUIÇÕES DE SAÚDE O Conselho Regional de Enfermagem tem como
meta zelar pela saúde pública, fiscalizando os profissionais inscritos em seu
quadro, bem como os estabelecimentos de saúde. (...) A Lei nº 7.498/86 e o
Decreto nº 94.406/87 em nada preceituam quanto ao número mínimo desses
profissionais em um hospital. As premissas básicas para o dimensionamento do
quadro de profissionais são fixadas pela Resolução nº 189/96 do COFEN.
Todavia, cabe ressaltar que a proposta de contratar profissionais de
enfermagem foge à competência do Conselho; uma vez que não há nos
dispositivos do artigo 15 da Lei nº 5.905/73, que dispõe sobre a criação dos
Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem, essa atribuição. Apelação
não provida. (TRF3, AC n.º 000885350.2007.4.03.6105, Rel. Des. Fed. NERY
JUNIOR, TERCEIRA TURMA, j. 10/09/2009, eDJF3 27/10/2009 – destacou-se)
A despeito de a ilegalidade por vício de competência ser reconhecida pelas
cortes brasileiras, a norma tem sido utilizada como fundamento para fiscalizações e
autuações de unidades de saúde, podendo resultar em sanções fundamentadas no
descumprimento da referida norma.
III. DOS RISCOS DO DESCUMPRIMENTO DA REGULAMENTAÇÃO DO DIMENSIONAMENTO DE
PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM PELOS HOSPITAIS
Considerando o entendimento de que o legislador não outorgou ao COFEN
poderes para definir o dimensionamento dos profissionais de enfermagem, conforme
entendimento majoritário da jurisprudência, conclui-se que os principais riscos oriundos
do descumprimento da regulamentação do dimensionamento são:
1. Para os hospitais, risco de autuação pelo COREN, com consequente aplicação
de multa que poderá ser objeto de recurso ao Judiciário, sustentando a
ilegalidade da exigência, com boas chances de êxito.
2. Para os hospitais, risco de encaminhamento de denúncia, pelo COREN, ao
Ministério Público do Trabalho e outros órgãos fiscalizadores, que acabam por
também exigir a observância do quantitativo de profissionais estabelecido pelo
COFEN em Resolução, resultando em investigações da regularidade da
atividade desenvolvida pela instituição de saúde.
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3. Para o Responsável Técnico de Enfermagem (“RTE”) dos hospitais, risco de
sofrer processo ético disciplinar por parte do COREN, por não observância do
dimensionamento, podendo resultar na caracterização da infração prevista no
artigo 104 do Código de ética dos Profissionais de Enfermagem5 e na
consequente aplicação das penalidades de (i) advertência, (ii) multa, (iii)
suspensão ou (iv) cassação do exercício profissional.
Neste cenário, se assumidos os riscos do descumprimento da regulamentação
do dimensionamento pelos hospitais, é importante considerar os meios de proteção
dos RTE atualmente designados, que poderão ser questionados pelo COREN. Cabe
abordarmos a ilegalidade da exigência do artigo 3º da Resolução COFEN nº 509/2016,
que trata da Anotação de Responsabilidade Técnica.
III.1. DA ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA DO ARTIGO 3º DA RESOLUÇÃO COFEN 509/2016
Conforme já exposto, hospitais mantêm, como atividade básica e preponderante,
a prestação de serviços médicos e hospitalares, possuindo, em sua estrutura, uma série
de profissionais da saúde, dentre eles médicos, farmacêuticos e enfermeiros, todos
devidamente inscritos nos respectivos conselhos profissionais.
Sobre o registro de empresas e anotação dos profissionais legalmente
habilitados, a já mencionada Lei Federal nº 6.839/1980 assim prevê:
Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais
legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios
nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das
diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação
àquela pela qual prestem serviços a terceiros.
5 ANEXO DA RESOLUÇÃO COFEN Nº 564/2017 Art. 104 Considera-se infração ética e disciplinar a ação, omissão ou conivência que implique em desobediência e/ou inobservância às disposições do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, bem como a inobservância das normas do Sistema Cofen/Conselhos Regionais de Enfermagem.
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Referido dispositivo legal obriga as pessoas jurídicas de direito público ou
privado a promoverem seu registro e a anotação dos seus profissionais no Conselho
competente para a fiscalização de sua atividade básica, sendo pacífico o entendimento
de que não pode haver sobreposição de registros. Os hospitais estão sujeitos,
portanto, apenas ao registro e anotação de responsabilidade técnica (“ART”) junto ao
CRM.
Ocorre que os COREN costumam exigir que quaisquer unidades de saúde
tenham, em seus quadros, responsável técnico enfermeiro registrado perante a
referida autarquia, sob o argumento de que o profissional é necessário à supervisão
das atividades privativas de enfermagem.
A Resolução COFEN 509/2016 prevê, em seu artigo 3º, que
“Toda empresa/instituição onde houver serviços/ensino de
Enfermagem, deve apresentar CRT6, devendo a mesma ser
afixada em suas dependências, em local visível ao público.”
Tal previsão normativa conflita fundamentalmente com o artigo 1º da Lei Federal
nº 6.839/1980, acima transcrito, que determina o registro e anotação dos seus
profissionais exclusivamente no Conselho competente para a fiscalização de sua
atividade básica ou daquelas pelas quais prestem serviços a terceiros.
Neste ponto, destacamos fragmento do voto do Ministro José Delgado, Relator
do Recurso Especial nº 446.244/PE, que transcrevemos com grifos:
“O art. 1º, da Lei 6.839/80, preconiza que é obrigatório o registro das empresas
e profissionais da área que executem as tarefas, sejam tais atividades básicas
ou aquelas pelas quais prestem serviços a terceiros. (...) Com enfoque dado à
parte final do dispositivo, pode-se concluir que a tese jurídica defendida pelo
recorrente é a seguinte: se uma empresa exclusivamente prestar serviços de
6 CRT é a chamada Certidão de Responsabilidade Técnica, ou documento emitido pelos COREN para a concessão de Anotação de Responsabilidade Técnica pelo Serviço de Enfermagem (“ART”).
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enfermagem, deve ter seu registro no Conselho pertinente, e mesmo se a
atividade de enfermagem não for básica, mas secundária, ainda assim o registro
continua sendo obrigatório. A interpretação almejada pelo recorrente à lei em
comento não se coaduna com o nosso ordenamento jurídico,
apresentando-se equivocada em seus termos. Não se trata, no presente
caso, de uma empresa que presta serviços exclusivos na área de enfermagem,
mas sim um hospital, que possui como atividade finalística a prática da medicina,
cujos profissionais são médicos. É realidade o fato de que estes não podem
executar todas as tarefas sozinhos, razão pela qual necessária se torna a
contratação de profissionais de diversas áreas, como enfermeiros, cozinheiros,
faxineiros, motoristas, telefonistas, etc. Mas isso não quer dizer que haja
obrigatoriedade de registro do hospital em todos os diferentes Conselhos de
exercício profissional. Conclui-se, portanto, que embora haja prestação dos
serviços de enfermagem num hospital, esta não é, sem sombra de dúvidas,
sua principal atividade, o que conduz acertadamente à dispensa de seu
registro no Conselho de Enfermagem, como, aliás, bem ficou salientado na
sentença.”
(Resp 446.244/PE, Relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJe
01.10.2002)
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de afastar a obrigatoriedade de
registro de instituições médicas no COREN, quando devidamente registradas junto ao
CRM e, da mesma forma, afastar a obrigatoriedade de anotação de seus
profissionais enfermeiros junto à esta autarquia, conforme julgados abaixo.
ADMINISTRATIVO. INSTITUIÇÃO HOSPITALAR. REGISTRO EM CONSELHO
REGIONAL DE ENFERMAGEM. DESNECESSIDADE. ART. 1º DA LEI
6.839/80. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.
1. As instituições hospitalares, mercê de prestarem in itinere, serviços de
enfermagem, têm como atividade básica a prestação de serviços médicos, que
lhes aloca junto ao Conselho de Medicina e as exclui da obrigatória inscrição ao
Conselho de Enfermagem. Precedentes do STJ: REsp 404.664/PE, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, DJe 31.08.06; REsp 494.497/CE, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJe 12.12.05; RESP 667.173/PE, Relator Ministro Luiz Fux,
11
Dje 26.04.2005; e REsp 517.633/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Dje
07.06.04. 2. A atividade básica desempenhada pela empresa é que determina a
sua vinculação ao conselho de fiscalização profissional, ratio essendi do art. 1º
da Lei 6.839/80. 3. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a
questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535,
II, do CPC. 4. Ademais, a análise da questão relativa à Certidão de
Responsabilidade Técnica do Enfermeiro, consoante pleiteado pelo
COREN/PR, não altera a conclusão esboçada no decisum objurgado, no
sentido de que as instituições hospitalares, mercê de prestarem in itinere
serviços de enfermagem, ostentam como atividade básica a prestação de
serviços médicos, fato que afasta a obrigatoriedade de registro dessas
instituições e, conseqüentemente, a anotação de seus profissionais no
Conselho de Enfermagem. Precedente do STJ: RESP 954.909/PR, Relator
Ministro Francisco Falcão, DJe 25.10.2007. 5. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1175022/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma,
DJe 17/08/2010)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO -
ADMINISTRATIVO - REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE
ENFERMAGEM - INSTITUIÇÃO HOSPITALAR - ART. 1º, LEI N. 6.839/80.
Em instituição hospitalar, os serviços de enfermagem não constituem atividade
fim, mas atividade meio. Dessa forma, fica submetida ao registro e fiscalização
do Conselho Regional de Medicina, uma vez que a prática da medicina é o seu
principal objetivo. Precedentes jurisprudenciais. Recurso não provido.
(AgRg no Ag 486.735/DF, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ
24/11/2003)
Pelo exposto, entende-se que a exigência de ART de enfermagem pelo
COREN é ilegal, não havendo necessidade de manutenção do RTE no hospital.
Vale mencionar que o profissional que exerce, atualmente, a importante função de
supervisão da equipe de enfermagem, pode continuar o fazendo, sem que haja a
necessidade de ART perante o COREN.
12
Neste contexto, para a proteção do RTE atualmente designado pelo hospital,
seria possível o pedido de baixa da ART pelo referido profissional junto ao Conselho.
Caso opte pela baixa da ART, o hospital poderá vir a ser questionado por parte
do COREN por descumprimento do artigo 3º da Resolução COFEN 509/2016, o que, se
levado ao Judiciário, representa boas chances de êxito para o hospital.
IV. CONCLUSÕES
Entende-se, por todo o exposto, que o legislador não outorgou ao COFEN
poderes para definir, por ato normativo interno, como se dará o funcionamento de
unidades de saúde, não estando autorizado a veicular regras desta natureza, tal como
o dimensionamento de profissionais, sob pena de afronta ao princípio da legalidade
estrita e aos limites do poder regulamentar.
Ademais, o estabelecimento de um parâmetro quantitativo único para a
distribuição de profissionais da saúde é, além de arbitrário, ineficiente e alheio às
peculiaridades de cada unidade de saúde, afrontando o fundamento republicano da livre
iniciativa, previsto no inciso IV do artigo 1º e caput do artigo 170 da Constituição Federal.
Sabe-se, contudo, que fiscalizações do COREN são recorrentes e costumam
determinar, ao hospital, a apresentação do cálculo do dimensionamento dos seus
profissionais de enfermagem nos moldes indicados em resolução, sob pena de multa.
Além disso, há risco de encaminhamento de denúncia, pelo COREN, ao
Ministério Público do Trabalho e outros órgãos fiscalizadores, que acabam por também
exigir a observância do quantitativo de profissionais estabelecido pelo COFEN em
resolução, resultando em investigações da regularidade da atividade desenvolvida pela
instituição de saúde.
Na prática, muitas instituições de saúde têm sustentado a ilegalidade da
exigência aos COREN, inclusive perante o Judiciário, com boas chances de êxito.
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Em relação à proteção do RTE, ressalta-se que a exigência de Anotação de
Responsabilidade Técnica de Enfermagem também é entendida pelos Tribunais como
ilegal, motivo pelo qual poderia ser solicitada a baixa da ART e consequente proteção
do profissional anteriormente designado RTE, caso o hospital opte pela não observância
do dimensionamento.
Sendo essas as considerações que tínhamos para o momento, colocamo-nos à
disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais.
Teresa Gutierrez Marília Bortolotto