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De tempos em tempos, a imprensa traz notícias alarmantes sobre a possibilidade da queda de corpos celestes de grandes dimensões sobre a Terra. É comum que se dê destaque às conseqüências catastróficas que o impacto causaria: destruição de cidades, formação de maremotos, morte de milhões de pessoas ou até o fim da humanidade. No último mês de julho, o foco da atenção foi o 2002 NT7, asteróide com cerca de 2 km de largura. Como separar o sensacionalismo e a realidade em um assunto como esse? Daniela Lazzaro Coordenadoria de Astronomia e Astrofísica, Observatório Nacional Nos dias que antecederam 11 de agosto de 1999, centenas de pessoas Fim do 22 CIÊNCIA HOJE • vol. 32 • nº 187 perguntaram a mim e a outros astrônomos brasilei- ros se aquela data representaria, de fato, o fim da Terra e, conseqüentemente, da humanidade. Seria o ‘Dia do Apocalipse’, segundo as profecias do médico e astrólogo provençal Nostradamus (1503-1566), resumidas em sua obra Centúrias astrológicas, de 1555 (?). Mas o que iria ocorrer naquele dia? Para nós, astrônomos, apenas mais um eclipse total do Sol. Esse fenômeno podia de fato assustar nossos ante- passados, mas hoje se sabe que, assim como a Terra gira em torno do Sol, a Lua também gira em torno da Terra. De tempos em tempos, esse satélite natural fica exatamente na linha de visada entre o Sol e a Terra, e a isso chamamos eclipse. Nada de miste- rioso ou perigoso. Eclipses acontecem todos os anos. Poderíamos comparar esse fenômeno com a vida de um morador de um prédio. Ele poderá passar meses sem ver o seu vizinho, mas, um dia, os dois acabam se encon- trando no elevador. No entanto, é muito mais fácil prever um ‘encontro’ entre dois corpos que têm um movimento que se repete periodicamente, como é o caso da Terra e da Lua. Isso pode, até mesmo, ser calculado, usando-se os conceitos de probabilidade. Portanto, um eclipse não deveria assustar. E, em geral, não assusta ninguém... a não ser que esse alinhamento de corpos celestes esteja associado a alguma ‘profecia’ – geralmente, escrita de forma bastante obscura – sobre o fim do mundo. Nota acima de zero Não nos cabe aqui discutir profecias. Entretanto, é nossa obrigação vir a público esclarecer que, até este momento, não há indício algum de que planetas, asteróides ou cometas possam cair sobre a Terra nos próximos 80 anos. Isso mesmo: 80 anos, pelo menos. ASTROFÍSICA DO SISTEMA SOLAR DON DAVIS (NASA)

Asteroides

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De tempos em tempos,

a imprensa traz notícias

alarmantes sobre

a possibilidade da queda

de corpos celestes de grandes

dimensões sobre a Terra.

É comum que se dê destaque

às conseqüências catastróficas

que o impacto causaria:

destruição de cidades,

formação de maremotos,

morte de milhões de pessoas

ou até o fim da humanidade.

No último mês de julho,

o foco da atenção foi o 2002

NT7, asteróide com cerca

de 2 km de largura.

Como separar

o sensacionalismo

e a realidade

em um assunto como esse?

Daniela LazzaroCoordenadoriade Astronomia e Astrofísica,Observatório Nacional

Nos dias que antecederam 11 de agosto de 1999, centenas de pessoas

Fim do

2 2 • C I Ê N C I A H O J E • vo l . 3 2 • n º 1 8 7

perguntaram a mim e a outros astrônomos brasilei-ros se aquela data representaria, de fato, o fim daTerra e, conseqüentemente, da humanidade. Seria o‘Dia do Apocalipse’, segundo as profecias do médicoe astrólogo provençal Nostradamus (1503-1566),resumidas em sua obra Centúrias astrológicas, de1555 (?).

Mas o que iria ocorrer naquele dia? Para nós,astrônomos, apenas mais um eclipse total do Sol.Esse fenômeno podia de fato assustar nossos ante-passados, mas hoje se sabe que, assim como a Terragira em torno do Sol, a Lua também gira em torno daTerra. De tempos em tempos, esse satélite naturalfica exatamente na linha de visada entre o Sol e aTerra, e a isso chamamos eclipse. Nada de miste-rioso ou perigoso.

Eclipses acontecem todos os anos. Poderíamoscomparar esse fenômeno com a vida de um moradorde um prédio. Ele poderá passar meses sem ver oseu vizinho, mas, um dia, os dois acabam se encon-trando no elevador. No entanto, é muito mais fácilprever um ‘encontro’ entre dois corpos que têm ummovimento que se repete periodicamente, como é ocaso da Terra e da Lua. Isso pode, até mesmo, sercalculado, usando-se os conceitos de probabilidade.

Portanto, um eclipse não deveria assustar. E, emgeral, não assusta ninguém... a não ser que essealinhamento de corpos celestes esteja associado aalguma ‘profecia’ – geralmente, escrita de formabastante obscura – sobre o fim do mundo.

Nota acima de zero

Não nos cabe aqui discutir profecias. Entretanto, énossa obrigação vir a público esclarecer que, até estemomento, não há indício algum de que planetas,asteróides ou cometas possam cair sobre a Terra nospróximos 80 anos. Isso mesmo: 80 anos, pelo menos.

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mundo?Simulaçãode impactocom a Terrade um asteróidegigantesco.Há 65 milhõesde anos, choquesemelhante foiresponsável pelaextinção dosdinossauros

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Até este momento, nenhum objeto conhecidotem nota acima de zero. Portanto, do ponto de vistapuramente astronômico, a probabilidade de que ofim do mundo ocorra nos próximos anos pode serconsiderada nula. E, se o mundo acabar em algumadata desconhecida nas próximas oito décadas, nãoterá sido por causa da queda de um asteróide oucometa.

‘Estrelas cadentes’

Infelizmente para a humanidade, a ameaça da co-lisão com a Terra de um corpo de dimensões gi-gantescas é real. E as conseqüências de um eventodesse tipo podem ser tão apocalípticas quanto aspiores previsões que podemos imaginar. Tambémprecisa ser dito que é muito pequena a probabili-dade de que ocorra a destruição da Terra a partir daqueda de um asteróide.

Todos os dias, a Terra é bombardeada por deze-nas ou até centenas de pequenos corpos vindos doespaço interplanetário. Entretanto, devido ao pe-queno tamanho deles – alguns centímetros, no má-ximo –, esses pequenos objetos são totalmente de-sintegrados em sua passagem pela atmosfera.

Muitos dos leitores provavelmente já viram uma‘estrela cadente’. Na realidade, esses rastros lumino-sos que cruzam o céu noturno nada têm a ver com asestrelas. Eles são o que, em termos técnicos, chama-mos micrometeoritos, ou seja, pequenos corpos cujotamanho varia de um grão de areia a uma pedrinha.

É bem verdade, porém, que deve haver muitosobjetos que ainda nem foram descobertos e cujasórbitas são capazes de fazê-los colidir com a Terra.Mas também é verdade que, entre os objetos que osastrônomos descobrem quase todos os dias, a gran-de maioria é constituída por pequenos corpos que,mesmo caindo na Terra, não oferecem perigo realalgum – a menos que um deles caia sobre a cabeçade alguma pessoa, o que é muito, muito improvável.

Vale salientar que, no início de junho de 1999, foirealizada uma reunião científica exatamente sobreo problema da descoberta, do monitoramento e dadivulgação de corpos que possam oferecer algumperigo à Terra e, conseqüentemente, à humani-dade. Os participantes dessa reunião – e, posterior-mente, a própria União Astronômica Internacional– aprovaram uma nova escala de ‘periculosidade’de asteróides e cometas cujas órbitas estão próximasà Terra.

Essa escala, chamada ‘escala de Torino’, em ho-menagem à cidade italiana onde se realizou a reu-nião, atribui notas de zero a 10 a cada um dessesobjetos celestes. Essa ‘nota’ é baseada na probabili-dade de queda desse corpo e no seu tamanho – oumelhor, na energia que seria liberada por seu impac-to. Posteriormente, essa escala foi ligeiramentemodificada em outra reunião similar – agora, reali-zada em Palermo, em junho do ano passado – paraser usada pela comunidade científica. Ela ganhou onome ‘escala técnica de Palermo’, sendo que a deTorino continua a ser adotada apenas para comuni-cação com a mídia.

A tabelarelaciona otamanho dosasteróides comas respectivasfreqüênciasde impacto e asconseqüênciasdo choque,citando exemplosreais de queda

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Os números do ‘Apocalipse’Tamanho Freqüência Conseqüências Exemplos reaisdo asteróide de impacto

Menor que 10 m 20 impactos por ano Desintegração na ‘Estrelas cadentes’atmosfera terrestre

Entre 10 e 100 m Um impacto Destruição de uma Em 1908, na Sibéria,entre 10 e 1.000 anos cidade e formação a queda de um corpo rochoso,

de maremotos de alguns metros de diâmetro,causou a destruição de 1.000 km2

de floresta

Entre 100 m e 1 km Um impacto entre Morte de 5 Cerca de 50 mil anos atrás,5 mil e 300 mil anos a 100 milhões no Arizona (Estados Unidos),

de pessoas um corpo ferroso, com cerca de 50 mde largura, criou uma crateracom cerca de 2 km de diâmetro,a conhecida Cratera do Meteoro

Maior que 5 km Um impacto entre Inverno nuclear Cerca de 65 milhões de anos atrás,10 milhões e desaparecimento na península de Chiexulub (México),e 30 milhões de anos da humanidade um corpo, com cerca de 20 km de largura,

causou a extinção dos dinossauros

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bastante conhecido é o de um pequeno meteoritoque atingiu um carro estacionado nos Estados Uni-dos, provocando um pequeno estrago.

Finalmente, há os grandes corpos, com algunsquilômetros de diâmetro (ver ‘De onde vêm os as-teróides e os cometas?’). Caindo na Terra, eles po-dem causar estragos globais – e até mesmo a extin-ção completa da raça humana.

É importante salientar que, por maior que seja ocorpo que cai, a destruição global não se dá pelochoque propriamente dito, ou seja, não teríamostoda a humanidade esmagada por uma pedra – de-pendendo do local do impacto, o número de pes-soas mortas imediatamente após um choque des-ses chegaria à casa dos milhões.

No entanto, a bola de fogo provocada pela pas-sagem na atmosfera de um corpo gigantesco iriagerar incêndios de dimensões continentais, enquantoa onda de choque causada pelo impacto faria surgirintensos terremotos, maremotos e erupções de vul-cões. Mas, depois que a ‘paz’ voltasse a reinar, aí simo pior iria acontecer.

No instante do choque, toneladas de poeira se-riam levantadas na atmosfera, escurecendo o dia ecriando uma noite contínua na Terra. A poeiraformaria uma camada densa que impediria que osraios do Sol atingissem a superfície do planeta,dando origem ao chamado inverno nuclear.

Acredita-se que todo o sistema solar tenha

se formado a partir de uma nuvem de gás e

poeira que teria colapsado por ação de sua

própria gravidade, formando, na região cen-

tral, um objeto estelar (que se tornaria o Sol)

e um disco de gás e poeira do qual todo o

sistema planetário se originou. Nesse disco, a

poeira foi se agregando em corpos maiores

(planetesimais) que, por sua vez, foram for-

mando os planetas.

Alguns desses objetos, em regiões bem

distintas, não chegaram a se aglutinar e per-

manecem até hoje como corpos relativamen-

te pequenos. Situada entre Marte e Júpiter, a

primeira dessas regiões é o chamado cinturão

de asteróides.

Os cometas, por sua vez, situam-se em

dois reservatórios: o cinturão de Kuiper

(localizado entre 6 bilhões e 100 bilhões

de quilômetros do Sol) e a nuvem de Oort

(além do sistema planetário, cerca de 15

trilhões de quilômetros depois da órbita de

Plutão). De tempos em tempos, alguns des-

ses corpos se deslocam para as regiões in-

teriores do sistema solar

e, pela presen-

ça de gelo em

sua constitui-

ção, transfor-

mam-se em objetos

dotados de envoltórios

gasosos (comas) e caudas.

De onde vêm os asteróides e os cometas?

Asteróide Idae seu satélite,Dactyl(à direita),que estãono cinturãode asteróides,localizado entreMarte e Júpiter.O Ida tem cercade 56 kmde diâmetroe permanecea cerca de 390milhões de kmda Terra

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Ao entrarem na atmosfera terrestre, os microme-teoritos, dotados de grandes velocidades, tornam-seincandescentes devido ao atrito com as camadassuperiores, criando os rastros luminosos que cha-mamos ‘estrelas cadentes’.

Conseqüências terríveis

Mas há corpos maiores que não são destruídos to-talmente em sua passagem pela atmosfera e, assim,conseguem atingir a superfície terrestre, formandocrateras e podendo deixar algum resíduo. São oschamados meteoritos, e sua freqüência de queda ébem menor que a dos micrometeoritos, sendo daordem de uma a duas quedas por ano, no máximo.

As conseqüências desses impactos são peque-nas e, mais importante, os estragos são apenas lo-cais. Obviamente, tanto menor é o estrago quantomais deserto é o local do impacto. Um meteorito dealguns metros que cair no centro da cidade de SãoPaulo, por exemplo, vai causar um número muitomaior de mortes diretas e indiretas que aquele queatingir o sertão nordestino ou o mar. Até hoje, po-rém, não se registrou nenhuma colisão desse tipoem áreas habitadas. Um caso bastante famoso é o deTunguska, região desértica na Sibéria em que caiuum objeto de alguns metros. Outro caso que ficou

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assim espero! Mas, se os astrônomos descobriremcom apenas dois ou três dias de antecedência –como geralmente mostram os filmes –, então nadapoderá ser feito.

Em março de 1998, foi anunciada – e depoisdesmentida, felizmente – a queda de um grandeasteróide em 2023. Com dimensões de centenas dequilômetros, esse corpo, batizado 1997XR2, mos-trava-se potencialmente perigoso para a Terra.

Os astrônomos receberam a notícia com natu-ralidade. Não que ela não fosse assustadora. Sim-plesmente, era esperada, sendo conseqüência natu-ral do ambiente no qual se encontra a Terra. O quetambém deu tranqüilidade – e um certo sentimentode orgulho para nós, astrônomos – foi a antece-dência com que o evento foi previsto. Em 20 anos,certamente, surgiriam várias soluções para o pro-blema. E a humanidade seria salva.

O orgulho vem exatamente da capacidade de seprever uma possível catástrofe tanto tempo antes. É verdade que, no caso desse asteróide, cálculosmais precisos – resultantes de mais observações –mostraram, como já dissemos, que a possibilidadede colisão com a Terra estava descartada. Mas oalarme foi dado.

De fato, a divulgação da notícia tinha o intuito desensibilizar astrônomos e diretores dos grandes ob-servatórios para que fossem obtidos mais dados so-bre esse objeto e, com isso, fossem aprimorados oscálculos da trajetória. Muitos criticaram a pressa emse divulgar algo tão assustador sem se saber, comcerteza, o que iria acontecer. Em defesa dos que di-

O asteróide 2002 NT7 foi descoberto pelo

projeto Linear (Estados Unidos) em 5 de ju-

lho de 2002. A partir do dia 18 daquele mês,

apareceu nas páginas da internet do NEODyS,

da Universidade de Pisa (Itália), e do Labora-

tório de Propulsão a Jato (Estados Unidos)

com probabilidade um na escala de Torino.

Desde a criação dessa escala, esse foi o

primeiro objeto a ter probabilidade de im-

pacto acima de zero. O 2002 NT7 tem um

diâmetro estimado entre 1,7 km e 3,7 km e,

ao longo de 835 dias, percorre uma trajetó-

ria altamente alongada e inclinada em rela-

ção à órbita da Terra.

Essa trajetória o leva a cruzar a órbita do

planeta Marte e a passar muito perto da órbi-

ta terrestre. Devido às características de sua

trajetória, o impacto com a Terra – se ocorres-

se – aconteceria com a fantástica velocidade

de 28 mil metros por segundo (cerca de 100

mil quilômetros por hora). O choque seria

equivalente à explosão simultânea de mui-

tas bombas atômicas, o que significaria uma

catástrofe de dimensões continentais.

RadiogrRadiogrRadiogrRadiogrRadiografia do 2002NT7afia do 2002NT7afia do 2002NT7afia do 2002NT7afia do 2002NT7

As conseqüências desse cenário seriam terríveis.Primeiramente, as plantas morreriam; em seguida,os animais que se alimentam das plantas; depois, osanimais que se nutrem dos animais que comem asplantas... E aí toda a raça humana.

Foi assim que, depois do choque de um corpocom 20 km de diâmetro ocorrido cerca de 65 mi-lhões de anos atrás, morreram todos os dinossau-ros, e apenas sobreviveram os organismos que nãodependiam dos raios solares.

Sobre nossos tetos

Depois de mostrar esse quadro tão aterrorizante,vale dar olhada na tabela que fornece, entre ou-tras informações, a freqüência com que esses even-tos ocorrem e que podemos chamar de ‘númerosdo Apocalipse’. Como se pode ver, a probabilidadede um impacto com conseqüências catastróficasglobais é de um choque em cerca de 10 milhões a30 milhões de anos. Sem dúvida, muito tempo.

Por outro lado, a mesma tabela nos mostra que operigo existe. Não é invenção da mídia, para vendermais ou aumentar a audiência, nem dos astrônomos,para conseguir mais verbas para suas pesquisas.

Assim, a única forma de salvar a Terra e a raçahumana é se prevenir. Nesse caso, prevenção im-plica ter a capacidade de prever, com muitos anosde antecedência, a queda de tal corpo. Tendo en-tre 20 anos e 30 anos, o homem, com certeza,encontrará uma solução para evitar a catástrofe –

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Sugestõespara leitura

FRANKEL, C.The end of thedinosaurs,Cambridge,CambridgeUniversity Press,1999.

CHAPMAN, C. R.‘The asteroid/cometimpact hazard:Homo sapiensas dinosaur?’in Prediction:Science, DecisionMaking, and theFuture of Nature,Sarewitz, D.,Pielke Jr., R. A.e Byerly, R.,Washington DC,Island Press,pp. 107-134,2000.

LEWIS, J. S. Cometand asteroid impacthazards ona populated Earth,Nova York,Academic Press,1999.

LEVY, D. H. Comets:creators anddestroyers, NovaYork, Touchstone-Simon&Schuster,1998.

Na internethttp://

neo.jpl.nasa.gov/risk/ (em inglês)

http://newton.dm.unipi.it/cgi-bin/neodys/neoibo?objects:2002NT7;main(em inglês)

http://www.on.br/revista/index.html

No Observatório Nacional, o Grupo de Plane-

tologia – coordenado pela autora deste arti-

go – pesquisa asteróides e cometas. Com re-

lação aos primeiros, tentamos entender me-

lhor a composição mineralógica, o grau de aque-

cimento, os processos de colisão ocorridos na

região do cinturão de asteróides e as possíveis

trajetórias. Para isso, são realizadas observa-

ções tanto em telescópios no Brasil – Observa-

tório do Pico dos Dias, em Brasópolis (MG) –

quanto no exterior (Chile, França e Argentina).

Nosso grupo acaba de completar o segun-

do maior mapeamento de composições de

asteróides existente no mundo, com mais de

800 objetos estudados, o que vem permitindo

obter resultados significativos para melhor

compreender a formação e a evolução desses

corpos.

A descoberta do asteróide 1459 Magnya,

com composição basáltica (rocha resultante

de um processo de vulcanismo), na parte

mais fria do cinturão de asteróides, foi certa-

mente um dos resultados mais importantes

do grupo até hoje – o artigo foi publicado na

revista científica norte-americana Science

(vol. 288, 2000).

MMMMMapeamento e deapeamento e deapeamento e deapeamento e deapeamento e descoberscoberscoberscoberscobertttttaaaaa

vulgaram a notícia está o fato de que não pode-mos esperar que um objeto desse tamanho estejaem cima do nosso teto para gritar que ele vai cairsobre nossas cabeças.

A nova ‘ameaça’

No último mês de julho, história semelhante chamoua atenção da mídia mundial. Era outro corpo dedimensões gigantescas que poderia atingir a Terra.Com cerca de 2 km de largura, o asteróide 2002NT7apresenta risco – pequeno, é verdade – de colisão coma Terra em 2019 – mais exatamente em 1 de feverei-ro daquele ano. No momento da divulgação, a pro-babilidade de impacto na escala de Torino era um.

Com mais observações realizadas ao longo domês de julho, os cálculos foram sendo aprimorados,e a probabilidade de colisão com a Terra diminuiu,retirando-se o objeto da classificação um e passan-do-o para zero, ou seja, nenhum risco. Surgiu, éverdade, outro possível impacto desse asteróide emfevereiro de 2060, mas os cálculos ainda têm impre-cisões muito grandes.

Novamente, como ocorreu no caso do asteróide1997XR2, a mídia primeiramente deu enormes es-paços para a notícia e, depois, com o novo desmen-tido, apareceram críticas em relação à ‘pressa’ comque os astrônomos anunciaram a possível queda.

Esse caso foi longamente discutido no congressoAsteróides, Cometas e Meteoros, realizado no últi-

mo mês de julho em Berlim (Alemanha). Esse en-contro reúne, a cada três anos, toda a comunidadecientífica internacional que pesquisa esses peque-nos corpos – por sinal, o próximo, em 2005, vai serrealizado no Rio de Janeiro, organizado pelo Obser-vatório Nacional.

Na reunião em Berlim, os pesquisadores decidi-ram elaborar o que vai ser conhecido como Decla-ração de Berlim. Nesse documento, os participan-tes declaram que o risco de impacto de objetos ce-lestes com a Terra é real e que os governos têm feitomuito pouco no sentido de dar condições aos as-trônomos de mapear completamente todos os cor-pos ‘potencialmente perigosos’.

Evitar o inevitável

A cada nova ameaça, a possibilidade de um futuroimpacto se torna mais real. No momento, a únicaforma que temos para evitar uma catástrofe para ahumanidade é conhecer todos os nossos ‘vizinhos’.Daí a importância de se pesquisar detalhadamentetodo o sistema solar, tanto do ponto de vista dasórbitas (passadas e, principalmente, futuras) quan-to da composição e da evolução dinâmica de seusobjetos (ver ‘Mapeamento e descoberta’).

Vale lembrar que precisamos de muito tempopara elaborar, criar e testar tecnologias suficiente-mente precisas para evitar o que seria inevitável seocorresse nos dias de hoje: o fim do mundo.