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  • Revista Brasileira de Ensino de Fsica, v. 31, n. 3, 3304 (2009)www.sbfisica.org.br

    Atividade optica de um meio dieletrico diludo:

    Pasteur e as simetrias moleculares(Optical activity of a dilute dielectric medium: Pasteur and the molecular symmetries)

    M. Cattani1 e J.M.F. Bassalo2

    1Instituto de Fsica, Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brasil2Fundacao Minerva, Belem, Para, Brasil

    Recebido em 8/12/2008; Aceito em 24/1/2009; Publicado em 12/10/2009

    Em 1848 Pasteur conjeturou que a rotacao do plano de polarizacao da luz em um meio diludo e geradapelas propriedades de simetria das moleculas do meio no qual a luz se propaga. O objetivo do nosso artigo e demostrar que Pasteur estava correto usando conhecimentos de eletromagnetismo e mecanica quantica de um cursode graduacao em fsica. Faremos um breve retrospecto das ideias basicas da teoria eletromagnetica necessariaspara o estudo da atividade optica. A seguir, usando a teoria de perturbacoes em mecanica quantica e levandoem conta as simetrias das moleculas calcularemos a atividade optica do meio. Mostraremos que as previsoesteoricas, que estao plenamente de acordo com os resultados experimentais, comprovam a hipotese de Pasteur.Palavras-chave: atividade optica, simetrias moleculares.

    Pasteur proposed in 1848 that the rotation of the polarization plane of the light in a dilute medium is gen-erated by the symmetry properties of the molecules of the medium where the light propagates. Our objectiveis to show that Pasteur hypothesis was correct using the basic knowledge of electromagnetism and quantummechanics of the undergraduate physics course. We present a brief review of the fundamental concepts of theelectromagnetic theory necessary to understand the optical activity. Next, using the quantum mechanical pertur-bation theory and taking into account the molecular symmetries we calculate the optical activity of the medium.It will be shown that the theoretical predictions, which are in good agreement with the experimental results,give support to the Pasteur conjecture.Keywords: optical activity, molecular symmetries.

    1. Introducao atividade optica molecular

    Em um artigo anterior [1] no qual analisamos o efeitoda interacao fraca na bioqumica quiral [1] fizemosum breve retrospecto das primeiras experiencias sobreatividade optica em cristais produzidos em tartaros.Tartaros sao depositos cristalinos que se formam noprocesso de fermentacao de uvas. Esses cristais, rep-resentados pela formula NaOOC - CHOH - CHOH COONH4, sao denominados de cristais de tartarato desodio e amonio. A estrutura basica desses cristais eformada pelo acido tartarico (C4H6O6) que aparece nafermentacao das uvas, tambem denominado de acidoracemico (da palavra latina racemus que significa uva).Ele e o principal acido do vinho, conferindo-lhe a saudeindispensavel a sua vida. Como nao e nossa intencaoentrar em detalhes sobre a historia dos tartaros sugeri-mos que o leitor consulte o excelente livro Optical Ro-tatory Power de T.M. Lowry [2] para ter um relato

    detalhado dos estudos feitos por Eilhardt Mitscherlich,Pasteur e varios outros famosos pesquisadores sobre aatividade optica desses cristais. Sugerimos tambem aleitura do artigo Optical Activity and Molecular Dis-symetry de S.F. Mason [3]. Nessas referencias o leitorira encontrar a descricao dos mais significativos trabal-hos ate 1968 sobre atividade optica desde os pioneiros,como por exemplo, Christiaan Huygens (1690), JeanBaptiste Biot (1812) e Augustin Fresnel (1825).

    Entre 1848 e 1850, com cerca de 26 anos de idade,Pasteur examinando em detalhe amostras de cristaisde tartarato de sodio e amonio obtidas em tanques defermentacao de vinhos [2], ele verificou que elas con-tinham pequenos cristais de dois tipos diferentes, queeram imagem especular um do outro, tal como ocorrecom as maos esquerda e direita. Na literatura a es-querda e indicada com L (Levogiro ou Left) e a direitapor D (Destrogiro) ou R (Right).

    Laboriosamente, com o auxlio de uma lupa e uma1E-mail: [email protected].

    Copyright by the Sociedade Brasileira de Fsica. Printed in Brazil.

  • 3304-2 Cattani e Bassalo

    pinca, ele separou os cristais direitos (R ou D) e es-querdos (L) em dois montculos. Verificou, em seguida,que as solucoes aquosas separadas de cada um destesdiferentes montculos apresentavam atividades opticasopostas: a solucao de um dos montculos girava o planode polarizacao da luz no sentido levogiro e a do outrono sentido destrogiro. Mostrou tambem que as solucoesobtidas misturando igual numero de cristais direitos eesquerdos nao alteravam a polarizacao da luz. Essasolucao composta com 50% de cristais esquerdos e 50%de cristais direitos e denominada de solucao racemica.Pasteur em 1848 [2] criou um neologismo para batizaros cristais levogiros e destrogiros denominando-os dedissimetricos. Na Fig. 1 vemos os dois tipos de cristaisde tartarato de sodio e amonio, um destrorotatorio e ooutro levorotatorio.

    Figura 1 - Cristais dissimetricos L e R de tartarato de sodio eamonio.

    Como a diferenca de rotacao da luz ocorria emsolucao aquosa, ele conjecturou que a rotacao do planode polarizacao da luz era caracterstica nao dos cristais,mas das moleculas do tartarato, pois os cristais se dis-solviam na agua. Ou seja, deveria existir uma dis-simetria molecular que seria responsavel pelas dife-rentes rotacoes da polarizacao da luz. Ele classificouessas moleculas em dois tipos: mao-direita (levogira)e mao-esquerda (destrogira). Hoje essas moleculas, co-nhecidas como quirais (da palavra grega keir, que sig-nifica mao), sao denominadas de enanciomeras e saode dois tipos: L - enanciomera e R - enanciomera. Es-sas moleculas possuem a propriedade de que nao hasuperposicao entre sua representacao estrutural e a re-spectiva imagem especular, como acontece com as maosesquerda e direita. Com essa descoberta ele foi agracia-do com a Legion dHonneur Francaise.

    Na Fig. 2 mostramos as estruturas dissimetricas L eR do acido tartarico que sao as estruturas elementaresdos cristais de tartarato de sodio e amonio.

    Figura 2 - Formas estruturais dissimetricas L e R do acidotartarico (C4H6O6).

    Pasteur, mais tarde, depois de analisar varios outrosfenomenos [1] onde apareciam dissimetrias ele percebeuque havia algo mais profundo no fenomeno esquerda -direita. Esta conviccao o levou a apresentar perante aAcademia Francesa de Ciencias sua celebre conjectura:O Universo e dissimetrico.

    Somente cerca de cem anos mais tarde, em 1957,constatou-se que Pasteur estava certo com a verificacaoexperimental da nao-conservacao da paridade nas in-teracoes fracas [1, 4].

    Vale a pena ressaltar que, em 1815, Biot [2, 3] que foiprofessor de Pasteur, descobriu que varias substanciasna natureza (como, por exemplo, acucar e canfora) tematividade optica nao so cristalizadas, mas tambem emsolucoes. Da ele tambem inferiu em 1817 que a as-simetria que gera a rotacao da polarizacao da luz deve-ria estar dentro das proprias moleculas da substancia.Fresnel [2, 3] para explicar a existencia das formasCPL (circularmente polarizadas a esquerda) e CPR( circularmente polarizadas a direita) de um meio opti-camente ativo postulou em 1825 que as moleculas domeio deveriam ter formas helicoidais, umas com roscaesquerda e outras com rosca direita.

    Hoje em dia essas propriedades moleculares saomuito bem conhecidas e estudadas do ponto de vista desuas simetrias e propriedades fsicas e qumicas. Essesestudos fazem parte do topico conhecido como IsomeriaOptica [3].

    Alguns exemplos de enanciomeros famosos que pos-suem dois isomeros opticos sao: a talidomida e a lemo-nina. Um dos isomeros da talidomida cura o enjoomatinal e o outro causa defeitos no feto. A lemonina(C10H6) e encontrada no limao e na laranja; um dosisomeros tem o sabor do limao e o outro o sabor dalaranja.

    Na Fig. 3 mostramos os cristais hexagonais enan-ciomorfos de quartzo, muito usados nos estudos deatividade optica [2].

  • Atividade optica de um meio dieletrico diludo: Pasteur e as simetrias moleculares 3304-3

    Figura 3 - As duas formas enanciomorfas ou dissimetricas (L eR) do cristal hexagonal de quartzo.

    No cap. 2 apresentaremos as equacoes de Maxwellno sistema de unidades CGS que usaremos nesse artigo.No cap. 3 e 4 vamos assumir ab initio que os ndicesde refracao nl e nr das ondas CPL e CPR, respecti-vamente, sejam complexos. Ou seja, nl = nl + i le e nr = nr + i r, onde n e sao reais. Partindodessa hipotese mostraremos que o poder rotatorio [] edado por [] = (/)(nl nr) e que o dicrosmo circu-lar ou efeito Cotton e medido pela elipsidade dadapor = (/)(l r). No cap. 5 usando o mo-delo atomico classico e a teoria eletromagnetica, vamoscalcular os ndices de refracao nl e nr de ondas CPR eCPL quando o meio dieletrico e submetido a um campomagnetico externo B constante (efeito Faraday ou bir-refringencia magnetica). No cap. 6 vamos calcular []e usando a mecanica quantica e levando em contaas simetrias das moleculas que compoem meio. Verifi-camos que ha um excelente acordo entre a teoria e osresultados experimentais comprovando, desse modo, ahipotese de Pasteur.

    2. As equacoes de Maxwell em meiosdieletricos

    Antes de comecarmos a estudar a rotacao do plano depolarizacao da luz num dieletrico vamos fazer um re-sumo das propriedades essenciais [5-7] das equacoes deMaxwell nesse meio.Neste artigo adotaremos o sistemaCGS de unidades. As equacoes de Maxwell, no casogeral sao dadas por

    divD = reais [Gauss],

    rotE = 1c

    Bt

    [Faraday] (1)

    divB = 0,

    rotH = jreais +1c

    Dt

    , [Ampere] (2)

    que na ausencia cargas (reais = 0) e correntes reais(jreais = 0) dao

    divD = 0, rotE = 1c

    Bt

    , (3)

    divB = 0, rotH =1c

    Dt

    . (4)

    Os vetores D e B sao definidos por D = E +4P e B = H + 4M, onde P e vetor polarizacaoeletrica e M