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Augusto Cesar de Carvalho Leal

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Augusto Cesar de Carvalho Leal Procurador da Fazenda Nacional

SIGILO BANCÁRIO E ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

1ª edição

BrasíliaAdvocacia-Geral da União

2013

SIGILO BANCÁRIO E ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA BRASILEIRA

Autor: Augusto Cesar de Carvalho Leal, Mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UnB –, Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília – UnB –, Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET –, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE –, Procurador da Fazenda Nacional atuante perante o Supremo Tribunal Federal e Ex-Procurador Federal.

LEAL, Augusto Cesar de Carvalho. Sigilo Bancário e Administração Tributária Brasileira. — 1º ed. — Brasília-DF: Advocacia-Geral da União, 2013.

ISBN 978-85-63257-11-6© 2013 - Advocacia-Geral da União

À minha irmãzinha, Amanda de Carvalho Leal – in memoriam –, que sempre será a mais amada de todas as Amandas.

Aos meus pais, Maria Luiza de Carvalho Leal e Orlando Barbosa Leal, por quem possuo um amor impossível de manter sob sigilo e a quem tudo devo.

SUMÁRIOPrefácio ...........................................................................................................................07

Introdução. .....................................................................................................................11

I. Da Inexistência de Pacificação do Tema no Âmbito do Supremo Tribunal Federal. ............................................................................................................................12

II. Do Voto-Vencedor do Ministro Luiz Fux, no Julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.134.665, no Sentido da Plena Validade da LC 105/2001. ................................................................................................................27

III. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administração Tributária aos Dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5º, X, da Constituição. ..........28

IV. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administração Tributária aos Dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5º, XII, da Constituição. ......55

V. Da Inexistência de Reserva Jurisdicional na Hipótese do Sigilo de Dados. ..............................................................................................................................58

VI. A Oposição do Sigilo Bancário à Administração Tributária como forma de Incremento da Sonegação Fiscal e Violação dos Direitos Fundamentais à Igualdade e à Concorrência Leal, dos Princípios da Capacidade Contributiva, da Solidariedade e do Estado Democrático de Direito, bem como dos Objeti-vos Fundamentais da República. ...............................................................................65

VI.1. O Acesso Direto da Administração Tributária aos Dados Econômicos do Contribuinte e o Combate à Sonegação Fiscal no Brasil. ..............................67

VI.2. A Oponibilidade do Sigilo Bancário à Administração Tributária como Violação dos Direitos Fundamentais à Igualdade e à Concorrência Leal, e do Princípio da Capacidade Contributiva. ...........................................................71

VI.3. A Oponibilidade do Sigilo Bancário à Administração Tributária como Violação do Princípio da Solidariedade. ..................................................................79

VI.4. A Oponibilidade do Sigilo Bancário à Administração Tributária como Grave Óbice à Consecução dos Objetivos Fundamentais da República e à Realização do Estado Democrático de Direito. .....................................................81

VII. O Art. 145, §1º, da Constituição e a Teoria dos Poderes Implícitos como

Fundamentos Constitucionais do Acesso Direto da Administração Tributária aos Dados Bancários dos Contribuintes. .................................................................87

VIII. Direito Internacional e Direito Comparado: A Democracia e o Acesso aos Dados Bancários pela Administração Tributaria no Mundo. .................. 102

VIII.1. Estados Unidos ................................................................................... 136VIII.2. Alemanha .............................................................................................. 141VIII.3. França .................................................................................................... 143VIII.4. Itália ....................................................................................................... 147VIII.5. Espanha ................................................................................................. 148VIII.6. Reino Unido ......................................................................................... 155VIII.7. Argentina .............................................................................................. 156VIII.8. Portugual .............................................................................................. 160VIII.9. Holanda ................................................................................................. 164VIII.10. Austrália ............................................................................................. 164VIII.11. Canadá ................................................................................................. 165VIII.12. Bélgica ................................................................................................. 165VIII.13. Dinamarca .......................................................................................... 166VIII.14. Noruega .............................................................................................. 166VIII.15. México ................................................................................................. 166VIII.16. Hungria.............................................................................................. 167VIII.17. Turquia ............................................................................................... 167VIII.18. Polônia ................................................................................................. 167VIII.19. Suíça ..................................................................................................... 168VIII.20. Luxemburgo ...................................................................................... 170VIII.21. Uruguai ............................................................................................... 171VIII.22. Áustria ................................................................................................. 171VIII.23. Líbano .................................................................................................. 172

IX. Da Compatibilidade do Acesso Direto da Administração Tributária aos dados Financeiros do Contribuinte com o Art. 5º, LIV E LV, da Constituição. .173

X. Da Inexistência de Ofensa ao Art. 5º, XXXVI, e ao Art. 150, III, ‘a’, da Constituição por Parte da Lei n. 10.174/2001 e da Lei Complementar n.105/2001. ................................................................................................................. 176

Conclusões. .................................................................................................................. 182

Referências .................................................................................................................. 194

Sigilo Bancário e A Administração Tributária Brasileira 7

PREFÁCIO

Recebi o honroso convite para prefaciar este livro como generoso reconhecimento do autor a todos os seus colegas procuradores da Fazenda Nacional e pelo fato de que o provoquei a publicar o presente trabalho em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, pois a sua qualidade merecia ser tornada pública.

Com efeito, este livro intitulado “Sigilo bancário e administração tributária brasileira” nasceu da produção advocatícia do autor, procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal, em defesa dos interesses jurídicos da União Federal. É um trabalho que visa apresentar os fundamentos normativos e os argumentos jurídicos manejados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em defesa da validade constitucional da Lei Complementar n. 105/2001, especificamente no que autoriza à administração tributária, mediante rigoroso procedimento administrativo fiscal, ter acesso aos dados das movimentações financeiras dos contribuintes constantes nas instituições financeiras e similares, nos termos da legislação.

Este trabalho não é acadêmico, no sentido de busca da verdade. É um trabalho persuasivo. O seu destinatário precípuo foi (e é) o Supremo Tribunal Federal. É uma peça de persuasão e de convencimento. E, como peça de persuasão e convencimento, é uma excelente petição, nada obstante extensa. Mas a sua extensão decorreu da necessidade de esgotar o tema. E, nesse aspecto, o trabalho alcançou o seu propósito. Os ministros do STF estarão municiados para, se assim se convencerem, decidirem favoravelmente no sentido da constitucionalidade da citada Lei Complementar n. 105.

O trabalho de um advogado, e o autor deste livro é advogado público federal, consiste nisso: apresentar fundamentos normativos e argumentos jurídicos capazes de persuadir e de convencer os magistrados. A literatura normativa é prescritiva, assim como as decisões judiciais. A literatura acadêmica (ou científica) é descritiva da verdade buscada e desejável. Mas a literatura advocatícia é persuasiva. O advogado escreve para obter à adesão do seu leitor principal: o magistrado.

Portanto, este livro é uma peça de convencimento, é um texto persuasivo, é um convite para aderir à versão fazendária sobre a

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verdade discutida nos processos que tramitam no STF sobre o tema. Este trabalho é uma peça de utilidade jurídica.

Aqui não há especulações filosóficas nem elucubrações acadêmicas. O direito não se presta para esses fins. O direito há de ser uma tecnologia útil à sociedade para solucionar os problemas normativos existentes. Peças postulatórias ou decisões judiciais devem ser instrumentos normativos de solução de problemas jurídicos.

Mas qual o problema normativo enfrentado por esse livro? Saber se a citada LC n. 105 está em conformidade com a Constituição Federal. Há duas correntes interpretativas. Uma defende a incompatibilidade da referida lei com a Constituição e invoca preceitos constitucionais que estariam sendo violados. A outra corrente, que é a do autor, defende a conformidade da lei com a Constituição e invoca preceitos normativos chanceladores dessa interpretação.

Qual é a interpretação correta? Neste livro, o autor, com grande competência e maestria, apresentará motivos suficientes e bastantes para que se acredite que a interpretação correta seja a dele. Com efeito, o autor tem excelente formação acadêmica. Bacharelou-se pela tradicionalíssima Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, a famosa “Casa de Tobias Barreto”, celeiro de grandes juristas. Tem mestrado pela jovem, porém respeitada, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília que, se não possui a mesma riqueza histórica da “Casa de Tobias Barreto”, tem revelado grandes nomes que cintilam no cenário jurídico brasileiro. Tradição e modernidade se misturam na formação jurídica do autor. Logo, solidez intelectual é um dos seus atributos facilmente perceptíveis.

Paralelamente a essa respeitável bagagem acadêmica, o autor tem destacada militância advocatícia em matéria tributária, oficiando, inicialmente como advogado particular e, posteriormente, a partir de 2007, como Procurador Federal e, a partir de 2008 como Procurador da Fazenda Nacional. Na PGFN oficiou perante o Superior Tribunal de Justiça e desde 2010 tem atuado perante o Supremo Tribunal Federal. O autor alia, portanto, conhecimento intelectual com relevante prática jurídica.

Eis a razão de este livro ser lido e considerado. A sua boa qualidade e superior utilidade decorrem de seu realismo pragmático. O autor investiga, com profundidade, os fundamentos normativos da questão

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controvertida. Esgrima, com retórica competente, os argumentos jurídicos das teses que defende. E analisa as eventuais consequências da decisão que possa dimanar do STF.

O autor não é ingênuo. É realista e pragmático. Ele sabe que os textos normativos são pretextos para as decisões judiciais. Ele sabe que o STF é o único censor e controlador de seus próprios atos. Ele sabe que a única estratégia forte de obtenção de adesão dos ministros da Corte consiste em reclamar coerência narrativa e consistência argumentativa nas manifestações dos juízes do STF. Por isso o seu trabalho é tão bom.

É de sobejo conhecimento o uso abusivo dos princípios constitucionais para fundamentar e justificar quaisquer decisões em quaisquer direções. Com espeque nos princípios constitucionais tudo ou é válido ou é inválido. Os princípios constitucionais, que deveriam servir como vetores de realização dos postulados supremos da justiça e da paz, estão se tornando normas desestabilizadoras do sistema jurídico. Diante de explícitos e inequívocos preceitos normativos, mas que vão de encontro aos interesses das partes ou que sejam tidos como inconvenientes pelo magistrado, recebem a chancela de inválidos. Ou seja, paradoxalmente, nem o texto serve mais como pretexto para decidir. Basta invocar um princípio e a decisão está fundamentada e justificada.

O autor, Procurador da Fazenda Nacional, sabe que a atuação fiscal deve se pautar pela regra da estrita legalidade. O tributo devido é o legalmente estabelecido. A administração fiscal deve agir em milimétrica conformidade com a lei. A lei, para as autoridades administrativas tributárias, é ícone sagrado. Daí porque neste texto o autor faz vigorosa e vibrante defesa da lei. Lei aprovada pelos legítimos representantes do povo. Lei que visa tornar mais eficiente a administração tributária. Lei que visa combater uma das chagas sociais deste País: a sonegação fiscal. Lei que insere o Brasil como Nação séria na comunidade internacional, como se vê em sua “excursão” pelas experiências estrangeiras. Lei que, segundo o autor, tem pleno respaldo constitucional.

Este trabalho é uma densa contribuição às letras advocatícias nacionais e enche de orgulho a advocacia pública federal, pois rivaliza, ombro a ombro, com as melhores produções da advocacia tributária em favor dos particulares.

Eis outro aspecto positivo deste trabalho. A advocacia tributária tem uma rica publicação de suas teses e peças. A advocacia pública ainda

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engatinha nesse passo. Nada obstante, aqui e acolá, começam surgir produções intelectuais dos advogados públicos federais em defesa dos interesses que representam. Este trabalho é mais um tijolo na construção de uma advocacia pública federal sólida e respeitada.

É provável que o convite que recebi derive dessa luta por uma advocacia pública respeitável. Tive a oportunidade de publicar, também pela Escola da Advocacia-Geral da União, livro (Direito Constitucional Fazendário) que condensa parcela relevante de minha produção como Procurador da Fazenda Nacional, assim como o autor da presente obra.

Como assinalado, este trabalho não é especulativo. É pragmático. O autor apresenta, fundado em sólidos argumentos, as razões pelas quais o STF deve julgar a questão na linha que defende. O autor, com este trabalho, participa do “jogo processual” como elemento consistente e que deve ser considerado. Com este trabalho o autor revela imenso respeito pela Suprema Corte e um entusiasmado sentimento de defesa do interesse público federal, pois, sem favor algum, produziu uma das melhores peças sobre esse complicado tema.

Hora de finalizar e passar a palavra ao meu ilustre colega PFN Augusto Cesar Carvalho Leal. Antes, todavia, devo registrar vez mais, a satisfação pessoal em ver o seu texto publicado e ver o seu brilhantismo jurídico reconhecido. Esta é a primeira de muitas outras contribuições que o autor dará para as letras jurídicas nacionais.

Boa leitura!

Luís Carlos Martins Alves Jr1

1 Bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí; Doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais; Professor de Direito Constitucional, Centro Universitário de Brasília e Centro Universitário de Anápolis; Procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal; Advogado Público Federal inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal.

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INTRODUÇÃO

Desde a edição da Lei Complementar n. 105, em 2001, grande polêmica marca o debate doutrinário sobre a sua constitucionalidade, notadamente no ponto em que autoriza à Administração Tributária Federal, preenchidos certos requisitos, o acesso direto – sem prévia autorização judicial, portanto – aos dados da movimentação financeira dos contribuintes em posse de instituições bancárias e similares.

Para parte da doutrina, o acesso direto da Administração Tributária aos dados financeiros do contribuinte em posse das instituições bancárias e similares, embasado no art. 6º da LC n. 105, violaria o art. 5º, X, XII, LIV e LV, e o art. 145, § 1º, da Constituição. Nesse diapasão, é bastante comum a utilização, pelos juristas defensores da tese da inconstitucionalidade, de, dentre outros, argumentos no sentido da violação do direito à privacidade, do princípio do devido processo legal e da existência de uma reserva jurisdicional para a requisição de dados sigilosos dos contribuintes em posse de instituições financeiras.

É usual, ainda, argumentar-se que a aplicação do citado dispositivo legal para a apuração de créditos tributários referentes a exercícios anteriores ao da sua vigência encontraria obstáculo nos constitucionais art. 5º, XXXVI, e no art. 150, III, ‘a’, que vedariam qualquer possibilidade de retroatividade.

A controvérsia jurídica envolve poliédricos interesses, seja do lado do Estado, seja do lado dos particulares, que vão desde a privacidade dos contribuintes e a redução do ônus tributário até o combate à sonegação fiscal, nos âmbitos nacional e internacional, a igualdade tributária, a concorrência leal, o cumprimento de acordos de cooperação internacional voltados à prevenção e à repressão de ilícitos como a lavagem de dinheiro, o terrorismo, o tráfico de entorpecentes e o contrabando de armas.

Assim sendo, é natural que esse confronto de ideias, e de múltiplos e complexos interesses, tenha rapidamente transcendido o plano acadêmico e adotado o Judiciário como arena.

No entanto, decorridos mais de dez anos da vigência da LC n. 105/2001, e da judicialização da discussão, o impasse acerca da

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constitucionalidade do seu art. 6º ainda se encontra pendente de uma solução definitiva pelo Supremo Tribunal Federal que, finalmente, promova segurança jurídica em torno do tema.

Bem se vê que, ante a iminência da apreciação do tema pelo plenário do STF, seja no RE n. 601.314, com repercussão geral reconhecida, seja nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.386/DF, n. 2.390/DF, n. 2.397/DF e n. 4.010/DF, que têm por objeto a constitucionalidade do art. 6º da LC n. 105/2001, o debate continua extremamente atual e relevante, tanto do ponto de vista teórico como sob o prisma pragmático.

Daí a utilidade do presente estudo, que tem o escopo de demonstrar, minuciosamente, a absoluta constitucionalidade da regulação, positivada pela LC n. 105/2001, do acesso, independente de prévia autorização judicial, da Administração Tributária, nas específicas hipóteses ali previstas, aos dados da movimentação financeira dos contribuintes de que disponham os bancos e instituições análogas.

I DA INEXISTÊNCIA DE PACIFICAÇÃO DO TEMA NO ÂMBITO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Como antecipado na introdução, o tema é objeto de discussão nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2.386/DF, n. 2.390/DF, 2.397/DF e n. 4.010/DF, ainda não julgadas.

Sobre ele se debruçou o STF em razão do Recurso Extraordinário n. 389.808/PR e da Ação Cautelar 33/PR, a ele associada.

Contudo, não se pode considerar que, neles, a Excelsa Corte tenha pacificado a questão e definido o entendimento institucional do tribunal sobre a matéria, tarefa que caberá ao paradigmático precedente a ser estabelecido no julgamento do RE 601.314 ou de uma daquelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Na AC n. 33, não obstante o Ministro Marco Aurélio tenha, monocraticamente, deferido a liminar pleiteada, obstaculizando, até a decisão final do RE 389.808, o fornecimento de informações bancárias da requerente à Receita Federal, o plenário do STF negou referendo à cautelar, nos termos do aresto a seguir:

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EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA (PODER GERAL DE CAUTELA). REQUISITOS. AUSÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. REFERENDO DE DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 21, V DO RISTF). CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DADOS BANCÁRIOS PROTEGIDOS POR SIGILO. TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS DA ENTIDADE BANCÁRIA AO ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. LEI 10.174/2001. DECRETO 3.724/2001. A concessão de tutela de urgência ao recurso extraordinário pressupõe a verossimilhança da alegação e o risco do transcurso do tempo normalmente necessário ao processamento do recurso e ao julgamento dos pedidos. Isoladamente considerado, o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema é insuficiente para justificar a concessão de tutela de urgência a todo e qualquer caso. Ausência do risco da demora, devido ao considerável prazo transcorrido entre a sentença que denegou a ordem e o ajuizamento da ação cautelar, sem a indicação da existência de qualquer efeito lesivo concreto decorrente do ato tido por coator (21.09.2001 – 30.06.2003). Medida liminar não referendada. Decisão por maioria.

(AC 33 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-01 PP-00001).

Como se vê, o Pleno não antecipou, por ocasião da AC n. 33, o entendimento de mérito do STF sobre o tema, tendo a posição vencedora, representada pelo voto-vista do Ministro Joaquim Barbosa, se limitado a considerar inexistentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Por outro lado, o julgamento do RE n. 389.808 resultou em acórdão que recebeu essa ementa:

SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita

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Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.

(RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218).

Ocorre que o acórdão acima não consubstancia precedente idôneo a pacificar a questão e a revelar o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Isso em razão de dois graves vícios: a desobediência do quorum para a declaração de inconstitucionalidade exigido no art. 97 da Constituição – cláusula de reserva de plenário – e a contradição entre a ementa do julgado e a substância do julgamento, no que diz respeito à suposta necessidade da finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal para a obtenção dos dados financeiros dos contribuintes pela Administração Tributária.

Tais vícios, que foram demonstrados nos Embargos de Declaração opostos no processo pela União, serão, doravante, evidenciados.

No julgamento em comento, foi declarada, em sede de controle difuso, a inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, dos dispositivos da Lei n. 9.311/96, da Lei Complementar n. 105/01 e do Decreto n. 3.724/01 questionados no RE 389.808, utilizando-se a técnica da interpretação conforme, descrita na Lei n. 9.868/1999. Em virtude dessa declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução do texto, determinou-se que, naquele caso concreto, a Receita Federal somente poderia ter acesso aos dados bancários dos contribuintes mediante autorização judicial.

Primeiramente, cumpre ressalvar que não parece adequada a utilização, no caso, da técnica da interpretação conforme a Constituição, tendo, em verdade, o acórdão veiculado uma declaração de inconstitucionalidade total.

Isso porque a Lei Complementar n. 105/2001, além da possibilidade de acesso direto da Administração Tributária aos dados financeiros dos particulares em posse das instituições bancárias e similares prevista em seu art. 6º, estabelece, em seu art. 3º, que essas informações financeiras protegidas por sigilo bancário deverão ser prestadas pelas instituições financeiras em decorrência de ordem judicial, restringindo-se o seu conhecimento ao Juiz e às partes litigantes em uma dada ação judicial.

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Logo, declarando-se inconstitucional o dispositivo relativo ao acesso direto pela Administração Tributária – art. 6º da Lei Complementar –, naturalmente seria possível, com base no referido art. 3º – inoponibilidade do sigilo bancário em caso de ordem judicial – que o ente público solicitasse ao Poder Judiciário que lhe autorizasse a obtenção das sigilosas informações financeiras do contribuinte.

A técnica da interpretação conforme privilegia a integridade do ordenamento jurídico. Ela se presta a evitar a declaração de inconstitucionalidade de um dispositivo quando é possível orientar a sua interpretação para que adentre uma via interpretativa que o compatibilize com a Constituição Federal.

Na prática, o acórdão, ao dar interpretação conforme o dispositivo que estabelece o acesso direto das informações financeiras pela autoridade fiscal – art. 6º da LC n. 105/2001 –, determinando que somente seria possível o acesso por ordem judicial – retirou toda a utilidade jurídica do dispositivo interpretado, uma vez que a possibilidade de acesso por ordem judicial já existiria, de qualquer forma, com espeque em outro dispositivo legal explícito – art. 3º da mesma Lei.

Logo, a declaração de interpretação conforme, no caso, não garantiu a produção de nenhum efeito jurídico autônomo ao art. 6º da Lei Complementar n. 105/2001.

Por isso, na prática, não houve declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto – própria da interpretação conforme a Constituição – mas, sim, verdadeira declaração de inconstitucionalidade total do art. 6º da LC n. 105/01.

Essa constatação, por si só, já é suficiente para se perceber a necessidade de que a examinada decisão colegiada houvesse respeitado – o que não fez – a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição da República, que exige que, qualquer declaração de inconstitucionalidade efetivada por tribunais, seja determinada pelos votos da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do seu correspondente órgão especial.

Esse preceito constitucional garante a segurança jurídica, protegendo a presunção de constitucionalidade das leis. A inobservância dessa regra, com a declaração de inconstitucionalidade

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por mera maioria relativa, permite que um quorum de presença variável conduza a conclusões diversas quanto à constitucionalidade de uma norma dentro do mesmo Tribunal, o que é prejudicial ao ordenamento jurídico.

No caso do Supremo Tribunal Federal, são exigidos 06 (seis) votos no mesmo sentido para a declaração de inconstitucionalidade.

O acórdão, no entanto, omitiu-se no que tange à consideração do teor do indicado art. 97, dispositivo constitucional esse por cujo cumprimento, deveria, de ofício, zelar.

Observe-se que, naquele julgamento, a declaração de inconstitucionalidade somente foi proferida por cinco ministros, que seguiram o eminente Ministro Marco Aurélio, relator.

Eis a representação do plenário na indigitada sessão de julgamento e a posição dos respectivos Ministros:

Ministro Presidente – Cezar Peluso: INCONSTITUCIONAL

Min. Celso de Mello: INCONSTITUCIONAL Min. Marco Aurélio: INCONSTITUCIONAL

Min. Ellen Gracie: CONSTITUCIONAL Min. Gilmar Mendes: INCONSTITUCIONAL

Min. Ayres Britto: CONSTITUCIONAL Min. Joaquim Barbosa: AUSENTE

Min.Ricardo Lewandowski: INCONSTITUCIONAL

Min. Cármen Lúcia: CONSTITUCIONAL

Min. Dias Toffoli: CONSTITUCIONAL Min. Luiz Fux: AINDA NÃO HAVIA TOMADO POSSE

Verifica-se, em síntese, o quorum correspondente à votação do RE 389.808/PR:

Inconstitucionalidade = Cinco votos

Constitucionalidade = Quatro votos

Ausências = Dois votos

Ante o referido quadro, entende-se ter sido olvidado o procedimento imposto pelo art. 97 da Constituição.

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Também se considera que o acórdão incorreu em omissão no que diz respeito ao art. 173, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, que assim dispõe:

Art. 173. Efetuado o julgamento, com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros.

Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o quorum. (grifos nossos)

Nesse diapasão, é claro o transcrito dispositivo regimental no sentido de que, em situações como a dos autos do RE 389.808, em que não se atingiu o quorum necessário à declaração de inconstitucionalidade – seis votos –, deve o julgamento ser suspenso para que sejam colhidos os votos dos Ministros ausentes, em número suficiente ao atendimento do art. 97 da Constituição da República.

O art. 134, § 3º, do Regimento do STF, por sua vez, fulmina qualquer eventual dúvida quanto à possibilidade de, nessas hipóteses, Ministro ausente no momento da leitura do relatório participar do julgamento:

Art. 134. Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subseqüente.

[...]§ 2º Não participarão do julgamento os Ministros que não tenham assistido ao relatório ou aos debates, salvo quando se derem por esclarecidos.

§ 3º Se, para o efeito do quorum ou desempate na votação, for necessário o voto de Ministro nas condições do parágrafo anterior, serão renovados o relatório e a sustentação oral, computando-se os votos anteriormente proferidos. (grifos nossos)

Da leitura dos dispositivos do Regimento aqui colacionados, aduz-se que, diante da inexistência de quorum, deveria ter sido suspenso o julgamento para que se colhesse o voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa, e, havendo necessidade, até mesmo o do recém-empossado

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Ministro Luiz Fux – já que, no que tange a esse último, as normas regimentais não parecem discriminar o motivo da ausência do Ministro na sessão em que lido o relatório.

Conclui-se, portanto, que ao se proceder à proclamação do resultado do julgamento a despeito da ausência de quorum para a declaração de inconstitucionalidade, ignorou-se não apenas o art. 97 da Constituição, mas, igualmente, o art. 173, parágrafo único, do próprio Regimento Interno do STF, ambos veículos de normas de ordem pública, que deveriam ter sido conhecidas de ofício.

Destaca-se que se faz necessário o respeito ao art. 97 da Constituição e ao art. 173, parágrafo único, do RISTF, ainda que se considere que o acórdão não declarou a inconstitucionalidade total do art. 6º da LC n. 105, mas, apenas, procedeu a uma “interpretação conforme a Constituição”, reconhecendo a sua inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto. Senão vejamos.

Luís Roberto Barroso leciona que pode ser considerada interpretação conforme a Constituição a:

Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, que consiste na exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente a mais óbvia – e na afirmação de uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição.1

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes relata que:

Em decisão de 9 de novembro de 1987, deixou assente o Supremo Tribunal Federal que a interpretação conforme à Constituição não deve ser vista como simples princípio de interpretação, mas sim como modalidade de decisão do controle de normas, equiparável a uma declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.2

Uadi Lammêgo Bulos, por sua vez, elucida:

Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto é a técnica decisória que possibilita excluir determinadas hipóteses de aplicação de um programa normativo. Sem empreender qualquer

1 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 207

2 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1427

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alteração gramatical dos textos legais, permite que o Supremo aplique uma lei, num determinado sentido, a fim de preservar a sua constitucionalidade.3

Complementa, ainda, que a interpretação conforme a Constituição – construída pela jurisprudência alemã, sob a égide da Lei Fundamental de Bonn de 1949 – é um critério de exegese constitucional e, ao mesmo tempo, uma técnica de controle de constitucionalidade:

Assim, no equacionamento de problemas jurídico-constitucionais, resta ao intérprete recorrer à teoria da divisibilidade da norma. Desse modo, o Supremo declara a inconstitucionalidade da parte ‘doente’ da lei, preservando o restante dela. Evidente que isso só pode ser feito em preceitos que abriguem múltiplos significados (normas polissêmicas), aceitando várias interpretações. Caso a norma tenha sentido unívoco, não há opções de escolha. Resultado: ou ela é totalmente constitucional, ou inconstitucional. Por isso, o instituto ‘só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco’.4

Sob esse enfoque, Uadi afirma que:

Em algumas situações práticas, a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto posta-se como instrumento para operacionalizar a interpretação conforme. Sem alterar uma vírgula sequer da carta magna, o intérprete declara a inconstitucionalidade de algumas exegeses possíveis do texto legal, mantendo, assim, a lei ou ato normativo na ordem jurídica.5

Cumpre enfatizar que o acórdão do RE n. 389.808 se enquadra perfeitamente no conceito de declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto, definida pelo Ministro Gilmar Mendes como aquela em que há:

Expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. Assim, se se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional, dispõe o Tribunal da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, que, além de mostrar-se tecnicamente adequada para essas situações, tem a virtude de ser dotada de maior clareza e

3 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 356

4 BULOS, op. cit., p. 352

5 BULOS, op. cit., p. 357

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segurança jurídica, expressas na parte dispositiva da decisão (a lei X é inconstitucional se aplicável a tal hipótese; a lei Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro).6

Destarte, caso não se entenda que a decisão colegiada analisada realizou, nos termos já expostos, verdadeira declaração de inconstitucionalidade total do art. 6º da LC n. 105/2001, não deve haver dúvida de que, ao menos, configurou declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto.

Ocorre que o acórdão excluiu, expressamente, por suposta incompatibilidade com a Constituição – art. 5º, XII – justamente a interpretação literal e mais óbvia do art. 6º da LC n. 105/2001, qual seja, a de que, preenchidos os inúmeros requisitos e garantias estipulados naquela Lei, a Administração Tributária possui acesso direto aos dados financeiros dos contribuintes que estejam em posse das instituições bancárias e estabelecimentos análogos.

Muito além disso: a interpretação alternativa estabelecida na decisão colegiada, reputada compatível com a Constituição da República, como já salientado, esvaziou de sentido o debatido art. 6º da LC n. 105/2001, na medida em que lhe retirou toda e qualquer utilidade jurídica.

Afirma-se isso porque, como já salientado, a interpretação alternativa – “conforme a Constituição” – do dispositivo legal em questão é a de que a Administração Tributária poderá conhecer os dados econômicos dos contribuintes em posse das instituições financeiras se, e somente se, obtiver, por meio da propositura de uma ação, uma ordem judicial nesse sentido.

Ora, essa possibilidade de acesso por ordem judicial já existiria com base em norma jurídica diversa – art. 3º da LC n. 105/2001 –, pelo que o art. 6º da Lei nenhum efeito jurídico útil estaria produzindo, com base na “interpretação conforme a Constituição” realizada.

Evidencia-se, com isso, que o acórdão, considerando existir um suposto óbice constitucional – art. 5º, XII – retirou todo e qualquer efeito

6 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p.1428.

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jurídico útil do art. 6º da LC n. 105/2001, subtraindo, por isso mesmo, o seu caráter normativo, o que equivale a declarar a sua inconstitucionalidade.

Salta aos olhos, portanto, que a decisão colegiada recorrida configurou autêntica declaração de inconstitucionalidade, ou, no mínimo, uma declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, pois determinou, nas palavras já citadas de Barroso, “a exclusão de uma determinada interpretação possível da norma – geralmente a mais óbvia” e, no seu lugar, explicitou “uma interpretação alternativa, compatível com a Constituição”.

Realça-se que, para que essa inconstitucionalidade parcial sem redução do texto tivesse sido reconhecida pelo STF, deveria ter sido respeitada a cláusula de reserva de plenário, estatuída pelo art. 97 da Constituição, que impõe que a decisão de inconstitucionalidade por parte de tribunal seja tomada por um quorum correspondente à maioria absoluta do plenário ou do seu órgão especial.

Uadi Bulos, sobre a cláusula de reserva de plenário, revela:

Trata-se de construção jurisprudencial da Suprema Corte norte-americana, chamada de regra do full bench (‘composição plenária’), full court (‘tribunal pleno’) ou julgamento en banc (‘pela bancada’).7

Luís Roberto Barroso detalha bastante o instituto:

Por força do princípio da reserva do plenário, a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu órgão especial, onde exista. Essa norma, instituída pela primeira vez com a Constituição de 1934, e reproduzida nas subseqüentes, aplicava-se, por força de sua origem, apenas ao controle incidental e difuso. Com a criação do controle por via principal e concentrado, estendeu-se também a ele, não havendo qualquer distinção na norma materializada no art. 97 da Carta em vigor. A reserva de plenário espelha o princípio da presunção de constitucionalidade das leis, que para ser infirmado exige um quorum qualificado do tribunal. Sempre que o órgão julgador afastar a incidência de uma norma, por considerá-la inconstitucional, estará procedendo a uma declaração de inconstitucionalidade, mesmo que o faça sem explicitar e independentemente de argüição expressa.8

7 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 274.

8 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise critica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 95-96.

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O Ministro Gilmar Mendes não deixa dúvidas de que a interpretação que afasta, por incompatibilidade com a Constituição, uma determinada interpretação da norma, ainda que sem expurgar o correspondente texto legal do sistema, deve respeitar a cláusula de reserva de plenário:

Tema também importante relaciona-se à necessidade – ou não – de se observar a regra do art. 97 da Constituição no caso de não aplicação de uma dada norma ou de não adoção de determinada interpretação sem afetar a expressão literal (declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto). Entendemos que também nesse caso tem-se inequívoca declaração de inconstitucionalidade e, por isso, obrigatória se afigura a observância do disposto no art. 97 da Constituição Federal.9

Foi devidamente demonstrado que o acórdão claramente afastou, “por incompatibilidade com a Constituição, uma determinada interpretação da norma, ainda que sem expurgar o correspondente texto legal do sistema”, sem que tenha sido respeitado o quorum exigido pelo art. 97 da Constituição.

Em face de inúmeros casos sobre a aplicação do art. 97 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal editou ainda a Súmula Vinculante n. 10, que explicita que a cláusula de reserva de plenário deve ser respeitada ainda que a decisão do Tribunal não seja expressa acerca da declaração de inconstitucionalidade.

Segundo a aludida súmula vinculante, o que importa observar, para considerar aplicável o art. 97 da Constituição, é se a incidência da Lei está sendo afastada, no todo ou em parte, com base em um fundamento constitucional. Segue o teor da súmula:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Para que não haja qualquer hesitação sobre a tese aqui sustentada, reitera-se: o acórdão afastou, no todo ou em parte, a incidência do art. 6º da LC n. 105/2001 com base em um fundamento constitucional, o art. 5º,

9 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1230.

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XII, da Constituição, circunstância essa que se enquadra, com precisão, na leitura teleológica do art. 97 feita pela Súmula Vinculante n. 10.

Não sem motivo, o Ministério Público Federal também opôs Embargos de Declaração em face do acórdão do RE n. 389.808, alertando, em idêntico sentido, sobre a violação ao art. 97 da Constituição, bem como ao art. 173, parágrafo único, do RISTF.

Nos seus Embargos de Declaração, subscritos pelo Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos, o Ministério Público Federal confirmou a tese defendida pelos Embargos de Declaração da União, já reproduzida:

[...] 8. A redução das hipóteses de aplicação das normas – excluindo-se, sem redução do texto, a interpretação que admita o acesso dos dados bancários imediatamente pelo Fisco, sem intervenção jurisdicional – configura verdadeira declaração de inconstitucionalidade, ainda que parcial e proferida sob a roupagem de interpretação conforme a Constituição. [...] 10. A conexão que existe hoje entre os processos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade não deixa mais que sejam ignorados os amplos efeitos que qualquer decisão proferida pelo STF tem na aplicação das leis. 11. A declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, da LC 105/01, da Lei 9.311/96 e do Decreto 3.724/01, precisa representar o entendimento do Tribunal, devendo ser rigorosamente observado o art. 97 da Constituição da República. 12. No caso, foi atendido o quorum de instalação dos trabalhos (art. 143, parágrafo único, RISTF), presentes nove ministros à sessão de 15/12/2010. Contudo, no momento da votação, apurados cinco votos pela declaração de inconstitucionalidade, vencidos outros quatro ministros, o julgamento deveria, necessariamente, ter sido suspenso, observando-se o art. 97 da Constituição, pois a questão prejudicial da constitucionalidade de lei estava em pauta. 13. Naquele momento, o Tribunal não estava apreciando o caso concreto, subjacente ao recurso extraordinário. Estava, num processo de maior abrangência, tal como acontece com os tribunais ordinários, pelo rito dos arts. 481 e 482 do CPC, apurando a adequação de ato normativo federal, aprovado pelo Poder Legislativo, às diretrizes da Constituição. 14. A declaração de inadequação do texto normativo deve ser, portanto, do Tribunal. Noutras palavras, da maioria absoluta de seus membros, aliás, como é preconizado também pelo RISTF, que, em seus arts. 176, 177 e 178, comanda: Art. 176. Argüida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral. § 1º Feita a argüição em processo de competência da Turma, e considerada relevante, será ele

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submetido ao Plenário, independente de acórdão, depois de ouvido o Procurador-Geral. § 2º De igual modo procederão o Presidente do Tribunal e os das Turmas, se a inconstitucionalidade for alegada em processo de sua competência. Art. 177. O Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa. Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos arts. 176 e 177, far-se-á comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do art. 42, VII, da Constituição. 15. E o teor do art. 173 do RISTF, ao qual o art. 176 remete o procedimento de julgamento de questão prejudicial relativa a argüição de inconstitucionalidade de lei, é peremptório ao estabelecer que: ‘Art. 173. Efetuado o julgamento com o quorum do art. 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis Ministros. Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de inconstitucionalidade, estando licenciados ou ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o quorum’. 16. O vício de procedimento, tal como aqui deduzido, pode ser tratado em sede de embargos de declaração (RE 428.991/RS, Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, Dje-206, divulgado em 30/10/2008, publicado em 31/10/2008). Além de constituir em si mesmo tema omitido pelo acórdão, o que já daria ensejo ao seu acolhimento pela letra do art. 535, II, do CPC, nota-se a presença de nulidade de caráter absoluto, passível de ser alegada a qualquer tempo (art. 245, parágrafo único, do CPC). 17. Decretada a nulidade da proclamação do resultado do julgamento ocorrido em 15/12/2010, por não se ter observado o art. 97 da Constituição (cláusula de reserva de plenário), tal como o art. 173, parágrafo único, do RISTF, segundo os quais dever-se-ia ter suspendido a sessão para que fosse colhido o voto do ministro ausente, pede-se a renovação do ato (RE 418.978 AgR-ED/RJ, Ministro Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ de 4/3/2005, p. 22), preservados os pronunciamentos já colhidos, sendo então finalizado o julgamento com a manifestação do Ministro Joaquim Barbosa. [...]

Essas as sólidas razões pelas quais se sustenta ter o julgamento realizado no RE n. 389.808 violado o art. 97 da Constituição e o art. 173, parágrafo único, do Regimento Interno do STF, incorrendo em nulidade absoluta, conhecível de ofício, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

Além do demonstrado vício, o acórdão em foco também incorreu, com todas as vênias, no vício de contradição.

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O Ministério Público Federal, nos seus Embargos de Declaração, detalha de maneira bastante didática em que consiste o indigitado vício:

[...] 20. Os quatro ministros vencidos compreenderam que as disposições legais atinentes ao acesso dos dados bancários pelo Fisco não contrastam com o inciso XII do art. 5º da Constituição. 21. Mesmo que considerem essencial a intervenção do Poder Judiciário, os Ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski não convergiram para o argumento de que, inclusive, o acesso só possa ser realizado com fim específico de servir a investigação criminal e instrução processual penal. 22. Ou seja, quanto a essa restrição de finalidade, as normas não foram declaradas inconstitucionais (por pelo menos seis votos), apesar da manifestação do Relator, que seguia nesse sentido. 23. Ocorre, contudo, que da ementa consta a mencionada restrição, sugerindo-se que o acesso de dados só poderá ser admitido para os fins de se promover investigação criminal e instrução processual penal. O tema, nessa extensão, não foi acolhido pelo Plenário. 24. Seja pela ótica do erro material, seja pela contradição que se verifica entre o teor da ementa dada ao julgado e os votos colhidos, pede-se o acolhimento dos embargos de declaração para que o trecho ‘e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal’ seja retirado da ementa. [...]

Como bem sinalizado pelo Ministério Público Federal, a contradição revelada se materializa no destacado excerto da ementa do acórdão embargado:

SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte. (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218; grifos nossos)

Essa restrição – concernente à necessidade de investigação criminal ou instrução processual penal para que a Administração Tributária obtenha autorização judicial para acessar os dados financeiros

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do contribuinte em posse dos bancos – constava do voto proferido pelo eminente relator, Ministro Marco Aurélio.

Contudo, como lembra o Ministério Público Federal, essa específica restrição não foi acolhida pela maioria dos votantes, tendo o relator ficado vencido no ponto.

Como a posição vencedora não reflete essa restrição – possibilidade de autorização judicial à Administração Tributária no sentido do levantamento do sigilo bancário tão-somente para fins penais –, há nítida contradição na ementa do julgado, que veicula esse entendimento como se tivesse se sagrado vencedor na correlata sessão de julgamento.

O não acolhimento da tese do Ministro Marco Aurélio nesse específico ponto fica bem ilustrado no seguinte excerto dos debates ocorridos durante o voto do Ministro Gilmar Mendes – fl. 266-267 dos autos do RE n. 389.808:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Surge um problema, no tocante à jurisdição, a reserva diz respeito a um objeto, à persecução criminal, e, no caso concreto, o objeto é outro, é a cobrança de tributo. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não, mas pode haver até uma disciplina legislativa, uma medida cautelar que permita, porque essa permitiu ao legislador, eventualmente poderia permitir se entendermos. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Mas, aí, contrariaria, porque, quando a Constituição abre exceção à regra, o faz quanto ao Judiciário e para uma finalidade exclusiva, ou seja, a investigação criminal, e não a cobrança de tributo. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES – Não me parece, pelo menos não havia entendido assim o voto de Vossa Excelência e, certamente, não dou essa extensão. Eu entendo que a matéria está sujeita a exame – parece-me que aí é razoável -, mas não exigir que sempre haja uma investigação criminal. Não me parece também que fosse essa a posição do Ministro Celso de Mello. Ele enfatizava simplesmente o princípio da reserva de jurisdição, mas não a necessidade de existência de um procedimento de índole criminal. Tanto é que foi isso que me sensibilizou, especialmente no voto de Sua Excelência, quer dizer, é claro que isso onera. E Vossa Excelência, inclusive, sempre ressalta dizendo que se paga um preço para se viver no Estado de Direito ou na democracia, que é a observância de regras mais onerosas. Portanto, não chego a esse ponto, mas eu vou acompanhar Vossa Excelência quanto ao fundamento básico da necessidade de jurisdição, que também acho que foi a posição defendida pelo Ministro Cezar Peluso, no julgamento, a idéia de reserva de jurisdição. Portanto, Presidente, eu me manifesto nesse sentido, já com a ressalva, quer dizer, entendo que aqui está

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presente a necessidade de reserva de jurisdição, mas não a necessidade de que haja uma investigação de índole criminal. (grifos nossos)

Por tudo o que se expôs, entende-se inexistir, na jurisprudência do STF, precedente válido, sequer em sede de controle difuso de constitucionalidade, capaz de evidenciar o entendimento oficial da Excelsa Corte sobre o tema, que permanece indefinido e controverso.

II DO VOTO-VENCEDOR DO MINISTRO LUIZ FUX, NO JUL-GAMENTO DO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.134.665, NO SENTIDO DA PLENA VALIDADE DA LC 105/2001

No paradigmático Recurso Especial n. 1.134.665/SP, que se submeteu à sistemática dos recursos repetitivos – art. 543-C do Código de Processo Civil – o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se no sentido de que a oponibilidade do sigilo bancário ao Estado é uma forma de serem encobertos ilícitos tributários, reconhecendo a compatibilidade da LC n. 105/2001 com a Constituição.

Nesse sentido, o voto do eminente Ministro Luiz Fux – relator daquele Recurso Especial e, atualmente, Ministro do Supremo Tribunal Federal – acolhido à unanimidade pelos seus pares, deixou claro que o art. 145, § 1º, da Constituição fundamenta a criação de instrumentos que possibilitem que a Administração Tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte como forma de conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva. Mais do que isso: sustentou que o sigilo bancário não é absoluto, devendo ceder diante do princípio da moralidade, o qual impede que a intimidade seja invocada para encobrir ilícitos.

Para melhor compreensão, transcreve-se elucidativo excerto do voto-condutor exarado pelo Ministro Luiz Fux acerca da constitucionalidade da LC n. 105:

Deveras, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º). Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao

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princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.

Ademais, decidiu-se que a Lei Complementar n. 105/2001 estabelece normas formais que regulam o procedimento de fiscalização tributária, sendo, por isso mesmo, imediatamente aplicável, inclusive no que tange à apuração de fatos geradores anteriores à sua vigência.

III DA COMPATIBILIDADE DO ACESSO DIRETO DA ADMI-NISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AOS DADOS FINANCEIROS DO CONTRIBUINTE COM O ART. 5º, X, DA CONSTITUIÇÃO

O art. 5º, X, da Constituição da República preconiza que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Como bem esclareceu o eminente Ministro Ayres Britto, no voto proferido no RE n. 389.808, as informações do indivíduo protegidas por tal direito constitucional à intimidade são aquelas relacionadas à esfera do “ser”, vinculada à sua personalidade, e não àquela do “ter”.

Para o citado Ministro, o direito à intimidade não abrange os dados do “ter”, porquanto as informações relacionadas ao patrimônio, à renda e às atividades econômicas do sujeito de direito, na sua objetividade, são, num Estado Democrático de Direito, que possui a transparência como pilar da democracia, vocacionadas ao controle da sociedade.

Isso porque a sociedade, para alcançar o bem comum, necessita, por intermédio do Estado, fiscalizar a licitude desses bens, receitas e atividades econômicas.

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Não se pode olvidar que um dos pressupostos para que a atividade econômica do contribuinte esteja em plena harmonia com as normas jurídicas estabelecidas pelos representantes do povo é o pagamento de tributos em proveito de toda a sociedade, destinatária final das mais diversas políticas públicas mantidas com as receitas tributárias.

Como reconhece a doutrina e a jurisprudência notoriamente majoritárias, o pagamento de tributos deve ocorrer na medida da capacidade contributiva do contribuinte, o que prestigia o interesse deste e da própria sociedade de que o sistema tributário brasileiro respeite critérios de equidade e de solidariedade, realizando justiça fiscal.

Ora, é de se questionar como realizar a justiça fiscal, concretizando os valores da isonomia substancial – e não meramente formal – e da solidariedade tributárias, sem que o Estado possua meios de conhecer quais são os bens, as rendas e as atividades econômicas do contribuinte. Ou, em outras palavras, sem que a Administração Tributária tenha o poder de verificar se um dado contribuinte colaborou financeiramente com a manutenção da sociedade no montante devido ou se, por outro lado, omitiu-se, total ou parcialmente, desse dever cívico, relegando, egoisticamente, aos demais cidadãos e pessoas jurídicas a carga integral do sustento de obras e serviços públicos que beneficiam toda a comunidade, inclusive aquele devedor.

São, por certo, razões de interesse público primário como a justiça fiscal, a igualdade substancial e a solidariedade tributária, princípios decorrentes do sistema constitucional tributário brasileiro, que movem a interpretação de que o art. 5º, X, da Constituição da República veda, em homenagem ao legítimo resguardo da intimidade, o acesso da coletividade a informações do “ser”, estritamente ligadas à personalidade, mas não o acesso da Administração Tributária a dados do “ter”, com o absoluto resguardo do sigilo das informações, que continuam protegidas do público, e com respeito a inúmeras rígidas garantias do contribuinte estabelecidas na própria Lei Complementar n. 105/2001.

Essa hermenêutica do art. 5º, X, da Constituição como proteção às informações próprias do “ser”, e não do “ter”, do sujeito de direito encontra forte eco na doutrina.

Observe-se, por exemplo, a lição de Roberto Massao Chinen, que cita, por sua vez, Tércio Sampaio Ferraz Júnior:

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A idéia de intimidade, conforme acima relatada, traz certa dificuldade de comportar bens econômicos, com os quais as contas bancárias guardam estreita conjugação; o sigilo bancário como manifestação do resguardo à intimidade não deixa de parecer, à primeira vista, uma tentativa de materialização de algo essencialmente espiritual. Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Júnior adverte que ‘não é tão simples subsumir os sigilos do mundo econômico, em especial da pessoa jurídica, à privacidade; até porque estes parecem ter, antes, um acentuado sentido de propriedade, mais do que de liberdade.10

Também assim, referindo-se ao Direito espanhol, entende José Ramón Ruiz García, segundo o qual:

O direito à intimidade constitucionalmente garantido pelo art. 18 tem relação com uma área espacial ou funcional da pessoa precisamente em favor da salvaguarda da sua privacidade, que há de restar imune às agressões exteriores de outras pessoas ou da Administração Pública e não se pode estender de tal modo que constitua um instrumento que impossibilite ou dificulte o dever constitucionalmente declarado no art. 31 da Norma Fundamental de todo cidadão de contribuir à sustentação dos gastos públicos através do sistema tributário, de acordo com sua capacidade econômica.11

Nas palavras de Aldemario Araujo Castro, “há notícia de que o Tribunal Constitucional espanhol distingue a intimidade pessoal da intimidade econômica”.12

Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho acentua que “só excepcionalmente as informações e documentos bancários, relativos a meros números, a contabilidade fria, poderiam revelar alguma relação com a vida privada do contribuinte”.13

Enfatiza-se que, na hipótese de se optar por uma leitura do art. 5º, X, da Constituição abrangente não apenas dos dados do “ser”, mas, também, dos dados do “ter”, ainda assim não se revelaria razoável,

10 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 90.

11 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 90.

12 CASTRO, Aldemario Araujo. Considerações acerca dos Sigilos Bancário e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da Privacidade e do Princípio Fundamental da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 457.

13 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 82.

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com a devida vênia, a tese da inconstitucionalidade do acesso direto da Administração Tributária às informações da movimentação financeira do contribuinte em poder dos bancos e instituições análogas.

Ocorre que, mesmo que se vislumbre o sigilo bancário como decorrência do direito à intimidade, a sua interpretação teleológica leva à conclusão de que a finalidade da norma veiculada pelo art. 5º, X, da Constituição é proteger a informação privada contra a sua divulgação pública.

Nesse diapasão, parece evidente que não há qualquer lesão ao direito à intimidade em decorrência do debatido acesso direto da Administração Tributária aos dados econômicos do contribuinte, uma vez que estes não são, de forma alguma, divulgados publicamente, havendo mera transferência do sigilo das instituições financeiras para o Estado, tendo por escopo, como será adiante demonstrado, a realização da justiça fiscal, por meio, por exemplo, da concretização dos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da solidariedade tributária, da concorrência leal e de objetivos fundamentais da República como a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária e a redução das desigualdades sociais.

Importante não ignorar que a função primordial dos direitos individuais é proteger os particulares contra ações ilegítimas do Estado, e não inibir as legítimas atividades estatais que busquem garantir diversos direitos fundamentais sem qualquer lesão à dignidade do indivíduo.

Ressalte-se, a propósito, que o art. 5º, §5º, e o art. 6º, parágrafo único, da LC n. 105 impõem à Administração Tributária que seja conservado o sigilo das informações bancárias obtidas.

Além disso, o acesso a esses dados ocorre em procedimento cercado de rigorosas garantias legais para o contribuinte, dentre as quais está a sanção criminal ao servidor público que divulgar a informação sigilosa.

Chinen elenca algumas dessas garantias:

Em síntese, a ordem de levantamento do sigilo é subordinada a uma série de garantias: a) existência de prévio processo administrativo

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ou procedimento fiscal; b) indispensabilidade dos dados para a apuração dos fatos; c) formalidades que delimitam a ação fiscal; d) intimação prévia do sujeito passivo para que apresente e esclareça as informações requeridas, que, sendo atendidas, dispensam a quebra do sigilo; e) conservação do sigilo.14

Oswaldo Othon também indica uma série de garantias formais dos contribuintes:

Assim é que reza o parágrafo único do art. 6º da Lei Complementar 105/2001, que o resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. Pondere-se, pois, que, em quaisquer hipóteses, esses informes, documentos, livros e registros bancários não estão sendo transmitidos para qualquer pessoa, para a curiosidade gratuita de algum particular ou mesmo concorrente, o que poderia justificar alguma limitação, mas para a Administração Tributária, que tem justo motivo e mesmo o dever de ter ciência desses dados, no uso da autoexecutoriedade do seu poder de polícia, para efeito de atender às exigências constitucionais de eficiência administrativa (CF, art. 37, caput) quanto à identificação do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas dos contribuintes, especialmente, para conferir efetividade aos princípios do caráter pessoal do imposto sobre a renda, da igualdade material e da capacidade contributiva (CF, art. 145, §1º. Art. 150, II). Repise-se que, por força da legislação tributária, os próprios contribuintes são obrigados a apresentar ao Fisco a totalidade de seus rendimentos, a identificação de suas atividades econômicas e profissionais e suas situações patrimoniais. Ademais, o art. 10 da Lei Complementar 105, de 10.01.2001, alerta que a quebra de sigilo, fora das hipóteses autorizadas nesta lei complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Na mesma linha, o art. 11 da Lei Complementar 105/2001, adverte que o servidor público que utilizar ou viabilizar a utilização de qualquer informação obtida em decorrência da quebra de sigilo de que trata esta lei complementar responde pessoal e diretamente pelos danos decorrentes, sem prejuízo da responsabilidade objetiva da entidade pública, quando comprovado que o servidor agiu de acordo com orientação oficial. [...] Pode-se dizer, então, em quaisquer hipóteses, que não há, a rigor, previsão de quebra de sigilo bancário, mas a mera transferência, com todas as garantias, de sigilo bancário para sigilo fiscal.15

14 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. 165-166.

15 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 35.

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Ainda sobre os rígidos requisitos para a transferência do sigilo bancário para a Administração Tributária, observa De Santi:

Basta ler a LC 105 e os Decretos 3.724/2001 e 4.489/2002, para verificarmos que o procedimento de acesso aos dados bancários é completamente blindado, protegido por sigilo funcional e com trâmite rigorosamente estrito aos agentes fiscais, sob pena de responsabilidade funcional, civil, pessoal e criminal: I. não é caso de simples conhecimento dos dados bancários: ao contrário, a LC 105 garante a proteção dos dados bancários, prescrevendo o dever de sigilo às instituições financeiras e ao Banco Central (artigos 1º e 2º); II. o acesso aos dados bancários também não é simples: exige processo administrativo ou procedimento fiscal em curso (artigo 6º da LC 105) e o início do procedimento exige mandado de procedimento fiscal (MPF), privativo de coordenador-geral, superintendente, delegado ou inspetor (§§1º e 2º e inciso V do §3º do artigo 2º do Decreto 3.724/2001; III. sendo pressuposto do ato de requisição de informações sobre movimentação financeira, a prévia intimação ao sujeito passivo para apresentação de suas informações financeiras, necessárias à execução do mandado de procedimento fiscal (§2º do artigo 4º do Decreto 3.724/2001); IV. o §2º do artigo 5º da LC 105 não permite possibilidade jurídica de ‘deixar ao desabrigo a intimidade das pessoas’, pois determina que as informações transferidas à Administração Tributária da União ‘restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados’; V. impõe-se, ainda, que tais informações sejam conservadas sob sigilo (§5º do artigo 5º e parágrafo único do artigo 6º da LC 105), com controle de acesso registrado e tramitação estritamente regulada mediante envelopes lacrados (§§1º e 2º do artigo 7º do Decreto 3.724/2001); VI. e todo esse regime rigoroso impõe-se sob pena de responsabilidade funcional do servidor público (artigo 10 do Decreto 4.489/2002) e responsabilidade material e moral pessoal do servidor por eventuais danos decorrentes (artigo 11 da LC 105); VII. Além disso, o acesso às informações bancárias fora das estritas hipóteses autorizadas na LC 105, ex vi do seu artigo 10, constitui crime sujeito à pena de reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de outras sanções.16

A Nota Conjunta Copes/Corin n. 2011/143, de 09 de agosto de 2011, emanada da Receita Federal do Brasil, demonstra, com riqueza

16 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 613-614.

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de detalhes, que a expedição de requisição de informações protegidas por sigilo bancário tem como pressuposto a observância de um rigoroso rito administrativo que afasta abusos na apuração da indispensabilidade dos dados requisitados, além de demandar a prévia intimação do contribuinte. Mais do que isso, a Nota em questão expõe que a requisição de informações bancárias protegidas por sigilo somente ocorre em hipóteses que revelam grande probabilidade de ocorrência de evasão fiscal no caso concreto:

Os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil somente podem requisitar os dados bancários considerados indispensáveis à apuração do crédito tributário, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e somente após o contribuinte ter sido intimado e ter se negado a proceder à entrega espontânea daquelas informações. O critério de indispensabilidade não está sob o arbítrio do Auditor Fiscal responsável pelo procedimento de fiscalização. O art. 3º do Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, estabelece as hipóteses exclusivas em que os exames das informações dos contribuintes, mantidas pelas instituições financeiras, são considerados indispensáveis à ação fiscal, a saber:

I - subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;

II - obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;

III - prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições estabelecidas no art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;

V - realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;

VI - remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;

VII - previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;

VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:

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a) cancelada;

b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei no 9.430, de 1996;

IX - pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou com inscrição cancelada;

X - negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;

XI - presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato.

Note-se que as hipóteses apresentadas, em numerus clausus, são extremamente restritivas e revelam condutas agressivamente evasivas, tais como:

fraudes no comércio internacional;

simulação de empréstimos para acobertar recursos de origem duvidosa, inclusive decorrente do tráfico de drogas e armas;

operações com paraísos fiscais ou com países que não permitam o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas;

omissão de rendimentos decorrentes de renda variável, inclusive com operações fora de bolsa de valores;

realização de gastos ou investimentos em valor superior a renda disponível;

remessa de valores ao exterior por conta de não residente de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;

contribuintes sujeitos ao regime especial de cumprimento de obrigações, como, por exemplo, empresas constituídas por interpostas pessoas;

pessoa jurídica inexistente de fato;

pessoa física inexistente de fato;

negativa do titular de direito da titularidade de fato dos recursos mantidos ou movimentados; e

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presença de indício de existência de interposta pessoa do titular de fato dos recursos (laranjas ou testas-de-ferro), neste hipótese, caracterizada, objetivamente, pela movimentação financeira superior a dez vezes a renda disponível ou declarada ou, ainda, de que a ficha cadastral do sujeito passivo na instituição financeira contenha informações falsas.

Verificada e comprovada uma das onze hipóteses de indispensabilidade, e apenas nesses casos, o Auditor Fiscal dará início ao procedimento de emissão da Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) para requisição às instituições financeiras das informações protegidas pelo sigilo bancário. O procedimento para a emissão da RMF, além dos requisitos objetivos previstos no Decreto, prevê um triplo grau de análise de sua indispensabilidade: a do Auditor-Fiscal responsável pelo procedimento de fiscalização, do Chefe de Fiscalização e do Delegado da Receita Federal do Brasil. (Anexo I – Cópia de RMF, onde estão discriminadas as assinaturas do Auditor-Fiscal, do Chefe de Equipe e do Delegado da Receita Federal). Assim, não basta que o Auditor Fiscal, que conduz a ação de fiscalização, se convença da imprescindibilidade das informações bancárias para sua requisição às instituições financeiras, é necessário que ele convença, ainda, seus dois superiores hierárquicos: o Chefe de Fiscalização e o Delegado da unidade local da RFB em que desenvolve o trabalho. O procedimento para emissão da RMF no âmbito da Receita Federal do Brasil é rigidamente controlado. Como dito, é checado em mais de uma instância hierárquica. Os agentes públicos envolvidos na requisição de tais informações são cientes da responsabilidade de manter o sigilo fiscal daquelas, sob pena de responsabilização administrava e penal. (Anexo II – Maprof – Título: Regras Gerais – Capítulo: Procedimentos Especiais – Seção: RMF – Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira). A manipulação dos dados bancários obtidos via RMF fica restrito ao Auditor Fiscal responsável pelo procedimento de fiscalização e apenas no curso do procedimento. Ao final do procedimento de fiscalização, os documentos obtidos a partir da RMF que não serviram de prova no processo de exigência tributária, são entregues ao contribuinte ou destruídos pela RFB.17

Em resumo, a Lei Complementar n. 105/2001 e o Decreto n. 3.724, que a regulamentou, exigem o inequívoco preenchimento de uma série de requisitos para que a Administração Tributária tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes, tais como:

a) a existência de processo administrativo instaurado;

17 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 04-06.

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b) a indispensabilidade dos dados bancários para a apuração do crédito tributário, o que somente ocorre nas restritas hipóte-ses do art. 3º do Decreto, as quais revelam grande probabili-dade de ocorrência de evasão fiscal;

c) a confirmação de tal indispensabilidade num triplo grau de análise, que envolve o exame por parte de três graus hierár-quicos no âmbito da Receita Federal;

d) a prévia intimação do contribuinte para que proceda à apre-sentação espontânea das informações, sendo essas requisi-tadas às instituições financeiras somente diante da negativa daquele;

e) a rígida manutenção do sigilo das informações bancárias obtidas, sob pena de responsabilização penal do servidor pú-blico responsável pela sua divulgação a terceiros. Para tanto, o art. 7º do Decreto determina que: as informações sejam enviadas pela instituição financeira em dois envelopes lacra-dos, um externo e um interno, sendo que este último deverá conter observação de que se trata de matéria sigilosa, ou, se encaminhadas por meio eletrônico, sejam obrigatoriamente criptografadas; os documentos sigilosos sejam guardados em condições especiais de segurança; seja mantido controle de acesso ao procedimento administrativo fiscal, ficando sem-pre registrado o responsável pelo recebimento, nos casos de movimentação.

Daí se advertir, vigorosamente, que, na remotíssima hipótese de mau uso das informações financeiras do contribuinte – o que se vislumbra, ante a sua extrema improbabilidade, simplesmente para fins argumentativos –, este, certamente, não ocorreria em razão da LC n. 105/2001, mas em inadmissível – e austeramente punível – afronta a ela.

Tanto assim é que a Receita Federal destaca que, do início da vigência da LC n. 105/2001 até meados de 2011, mais de setenta e quatro mil Requisições de Informações sobre Movimentação Financeira – RMF – foram expedidas, sem que seja, de forma alguma, comum o vazamento público das informações financeiras dos contribuintes obtidas por meio delas:

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Desde a edição da LC nº 105, de 2001, foram emitidas 74.101 Requisições de Informações sobre Movimentação Financeiras, cujo regramento republicano para sua emissão e as normas norteadoras para a guarda das informações, obtidas a partir desse instrumento, garantiram a sua manutenção em absoluto sigilo, preservando a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas sujeitas ao procedimento de fiscalização. Vale destacar que, decorridos onze anos desde a emissão da primeira RMF, e depois de emitidas mais de 74 mil, não há notícia de que em qualquer daqueles casos tenha havido vazamento de informações bancárias para o público ou para a mídia, o que demonstra a eficiência no controle e guardo do sigilo das informações bancárias pela Receita Federal do Brasil. Também não há notícia de que qualquer ação judicial tenha sido impetrada com o objeto de imputar à RFB a quebra de seu dever de guardar as informações bancárias obtidas a partir da transferência do sigilo bancário. Conforme demonstrado, para a obtenção de informações pela transferência do sigilo bancário à RFB, o pedido é objeto de análise por autoridades de três níveis hierárquicos da organização. Além disso, tais informações obtidas a partir da transferência do sigilo bancário à RFB são mantidas sob rígido sistema de controle interno. Com base nos fatos objetivos apontados, não há como concluir que a manutenção do procedimento estatuído pela LC nº 105, regulamentada pelo Decreto nº 3.724, ambos de 2001, leva a uma menor garantia do direito do contribuinte, em face de arbitrariedades que poderiam vir a ser praticadas por órgãos estatais da administração tributária, visto que o histórico do instrumento demonstra exatamente o contrário.18

Isso comprova a confiabilidade do procedimento de manutenção do sigilo bancário por parte da Administração Tributária Federal, em obediência ao que impõe aquela Lei Complementar. Eis o motivo pelo qual o Ministro Dias Toffoli, no julgamento do RE n. 389.808, destacou ser inapropriado designar o fenômeno ora estudado como “quebra de sigilo bancário”, sendo mais preciso falar-se em “transferência do sigilo” das instituições financeiras para a Administração Tributária.

É o que pensa André Terrigno Barbeitas, para quem o sigilo bancário seria convertido em sigilo fiscal, permanecendo as informações financeiras do contribuinte totalmente protegidas do conhecimento do público:

Sucede ainda que, como assinalado anteriormente, não haveria propriamente quebra do sigilo bancário dos contribuintes pelo Fisco, e, sim, mera subsunção das informações bancárias ao âmbito maior do sigilo fiscal ao qual estão vinculados os agentes públicos [...] O sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte

18 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 10.

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contra o perigo de divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do imposto de renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi dado conhecer.19

Segundo Eurico de Santi, a expressão “quebra do sigilo”, “além de passar, retoricamente, uma noção muito mais ampla e socialmente negativa dos termos da LC n. 105, é completamente estranha à atividade delegada à Administração nos artigos 5º e 6º”.20

Karla Padilha Rebelo Marques fortalece esse pensamento ao assim se manifestar:

Afinal, a rigor só se pode falar em ‘quebra de sigilo’ quando as informações coletadas são disponibilizadas ao público em geral. Se seu conhecimento fica restrito aos órgãos incumbidos de investigação, mais adequado seria o uso da expressão ‘transferência de sigilo’, cuja quebra redunda igualmente em sanções.21

Barretto, fazendo coro a essa orientação, também se posiciona pela inexistência de abalo da intimidade do contribuinte:

[...] Essa mesma elite toma-se de revolta quando o legislador permite que se use de dados pessoais, de contas bancárias, para apurar-se o crédito tributário. Essa utilização de dados não implica em quebrar-se a intimidade, porque a divulgação é proibida.22

No que concerne ao art. 5º da LC n. 105/0123, a própria literalidade do § 2º do dispositivo legal em questão não deixa qualquer dúvida da inexistência de agressão ao direito à intimidade, ao esclarecer que “as informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das

19 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 108.

20 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 595.

21 MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário: Desconstruindo Mitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009. p. 77.

22 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio In: Direito federal. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002. p. 252.

23 O dispositivo legal em foco foi regulamentado, no âmbito administrativo, pelo Decreto 4.489/2002.

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operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados”.

Saraiva Filho, a respeito do art. 5º da LC n. 105/01, assim se manifestou:

[...] esses dados genéricos cadastrais não estão protegidos pelo direito à vida privada e à intimidade em relação ao Fisco, embora, como aludido, se possa até admitir que mesmo essas matérias estariam protegidas pelo sigilo bancário nas relações privadas, para obstar a bisbilhotice de terceiros particulares. Ora, o que pode haver de sigiloso, de privativo, com a transferência direta, por parte das instituições financeiras para o Fisco, de informes globais acerca de valores, periodicamente, movimentados e de números dos respectivos CPFs, com o escopo de controle com outros elementos que, eventualmente, possa dispor a Receita Federal do Brasil, se o ordenamento jurídico pátrio determina que até mesmo o mais humilde das pessoas naturais declare ao Fisco os totais dos seus rendimentos, suas atividades econômicas e a variação do seu patrimônio, via declaração do IRPF? Presumivelmente, os rendimentos declarados, pelas pessoas físicas para a Receita Federal, para fins de fiscalização do imposto de renda, devem ser, normalmente, compatíveis com os totais dos valores movimentados, investidos ou depositados em instituições financeiras. Da mesma forma, o que tem de sigiloso na transferência dessas informações sobre movimentações globais de pessoas jurídicas e os respectivos CNPJs, se elas próprias estão obrigadas, pela legislação tributária, a declarar ao Fisco os totais de seus rendimentos, suas atividades econômicas e a respectiva variação patrimonial, tudo no interesse da fiscalização e da arrecadação do IRPJ? Se as sociedades anônimas estão obrigadas, por lei comercial, a publicar seus balanços em jornais de alta circulação? Aliás, nos termos do art. 1º, inciso I, e do art. 2º, inciso I, ambos da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990 constitui crime contra a ordem tributária omitir informação ao Fisco ou omitir declaração sobre rendas. Ademais, as pessoas jurídicas fazem questão de divulgar, por toda mídia, os recordes seguidos dos seus lucros, com vistas à obtenção de mais investimentos e à valorização de suas ações!24

Sobre esse aspecto, versa Roberto Massao:

24 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 32.

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Os informes periódicos, que as instituições financeiras deverão remeter à Secretaria da Receita Federal, restringem-se à identificação dos titulares das operações e aos montantes globais mensalmente movimentados, sendo vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a origem dos recursos financeiros e a natureza dos gastos realizados. Verifica-se que, por essa disposição legal, nenhum dado que envolva o direito à privacidade ou à intimidade das pessoas é repassado ao fisco, tendo em vista que os informes limitam-se à identificação de pessoas e aos montantes mensais de suas operações bancárias. Esses registros viabilizam, para a Administração Tributária Federal, a verificação do correto cumprimento de obrigações tributárias dos contribuintes, mediante confronto com os rendimentos que eles declararam à Receita Federal, fazendo parte daquilo que Tércio Sampaio Ferraz Júnior denomina ‘fiscalização continuada’ dentro do exercício do dever de vigilância das autoridades fiscais.25

E prossegue:

Segundo relatório da OCDE, as informações periódicas automáticas fornecidas pelos bancos ao fisco, prática que ocorre em dezenove dos trinta países-membros, beneficiam tanto a administração fazendária como os contribuintes, pois: a) viabilizam a verificação da informação declarada pelos contribuintes; b) provocam aumento da adesão voluntária à observância das leis tributárias, já que os contribuintes sabem que dados seus são transmitidos ao fisco; e c) possibilitam à administração tributária implementar programas que beneficiam os contribuintes pela redução de formalidades que devem cumprir.26

O Ministro Toffoli, no voto pronunciado no RE n. 389.808, lembrou, ainda, que os contribuintes são legalmente obrigados a declararem anualmente à Receita Federal o seu patrimônio e renda auferida sem qualquer necessidade de prévia autorização judicial.

Ora, como se vê, os contribuintes declaram anualmente o seu patrimônio e a sua renda diretamente à Administração Tributária, dispensada intervenção judicial, sem que se vislumbre qualquer lesão ao direito à intimidade em razão do conhecimento da vida econômica daqueles pelo Fisco.

Daí se revelar de difícil compreensão a alegação de que viola o direito à intimidade – e necessita de autorização judicial – a mera confirmação da exatidão das informações declaradas pelos próprios

25 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 79.

26 CHINEN, op. cit., p. 161.

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contribuintes por meio da verificação documental da sua veracidade junto às instituições financeiras.

Em outros termos: não parece consistente o pensamento de que não há afronta ao direito à intimidade – sendo desnecessária qualquer autorização judicial – quando a Administração Tributária conhece o patrimônio, a renda e as atividades econômicas do contribuinte por meio da sua declaração anual e de outras declarações de caráter financeiro, mas que, por outro lado, há grave lesão a esse direito constitucional – sendo imprescindível a intervenção judicial prévia – quando o Fisco conhece esse mesmo patrimônio, renda e atividades econômicas por meio de documentos em posse das instituições financeiras.

Não sem motivo, Oswaldo Othon Saraiva Filho alega:

Cumpre, ainda, ponderar que o direito não existe e as normas jurídicas não podem ser interpretadas para amparar torpezas e proporcionar impunidades de quem comete ilegalidades. Todo o conteúdo da vida econômica dos contribuintes, guardado nos bancos, deve ter sido declarado pelos próprios contribuintes, quando do cumprimento de suas próprias obrigações acessórias, estipuladas pela legislação tributária, no interesse da arrecadação e da fiscalização dos tributos, de modo que não se pode, juridicamente, entender que os dados e informas bancários sejam tidos como sigilosos para o Fisco, em nome da proteção da vida privada e da comunicação de dados informáticos, embora sejam sigilosos para terceiros que não tenham autorização legal nem justo motivo para ter acesso a eles.27

Destarte, se o verdadeiro problema fosse o conhecimento da situação financeira do contribuinte pela Administração Tributária, por demanda de coerência, a tese deveria ser a de que o direito à intimidade seria violado pela exigência legal de que os particulares revelem ao Fisco, na declaração anual, e sem a intervenção do Judiciário, o seu patrimônio, renda e atividades econômicas.

Isso porque, partindo-se da premissa de que o contribuinte declarou corretamente os seus dados financeiros, a sua intimidade – se é que com esta se confunde a sua vida econômica – já teria sido revelada à Administração Tributária quando da entrega da sua declaração,

27 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 27.

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nenhuma surpresa havendo no momento da confirmação documental desses dados junto às instituições financeiras, nos termos dos arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001.

Eurico Marcos Diniz de Santi ratifica a constatação acima de forma minuciosa, através de lúcida explicação que abrange não apenas as declarações anuais de renda, mas diversas outras declarações de caráter financeiro exigidas a título de obrigações acessórias:

Existe um conjunto de informações que o contribuinte, ordinariamente, é obrigado a prestar para a fiscalização e exigência do crédito tributário de vários tributos. Tais deveres são denominados ‘obrigações acessórias’ ou, mais contemporaneamente, ‘deveres instrumentais’. Trata-se do reflexo documental das atividades do contribuinte, com a finalidade de fornecer instrumentos à Administração Tributária na apuração e verificação dos tributos devidos. O conhecimento dos dados relativos à movimentação financeira dos sujeitos passivos somente tem por condão comprovar e testar a veracidade das informações constantes dos documentos que instrumentalizam o cumprimento das obrigações acessórias. Ilustrativamente e de forma não exaustiva, pode-se citar: no imposto sobre a renda e na contribuição social sobre o lucro: tendo-se em vista que tais exações incidem sobre o acréscimo patrimonial da pessoa física ou jurídica, para a sua apuração regular é necessário ter conhecimento de todas as entradas que compõem o faturamento, bem como todas as despesas efetivas. Será do encontro de tais informações apuradas na contabilidade, no LALUR, na DIPJ, na DCTF, na Declaração Trimestral de Ajuste, na Declaração Anual, etc., que será apurado e exigido o imposto devido; na contribuição ao PIS e na COFINS: a exemplo do que ocorre com o IR e com a CSL, a apuração do valor a pagar dessas contribuições depende da verificação da receita bruta das pessoas jurídicas, que deverá ser informada à Fiscalização em documento próprio, a DCTF, com base na qual o pagamento desses tributos deve ser efetuado para, posteriormente, ser homologado pela Administração. Nesse caso, igualmente, a Administração toma ciência de dados financeiros do sujeito passivo sem que isso ofensa qualquer princípio constitucional; no imposto sobre as operações de circulação de mercadorias: a emissão da nota fiscal de compra e venda denuncia, formalizando em linguagem, a ocorrência do fato gerador desse imposto. Ademais, a obrigação de o sujeito passivo informar mensalmente na GIA (Guia de Informação e Apuração do ICMS) as operações realizadas, somada com a escrituração dessas mesmas operações nos livros fiscais respectivos, igualmente demonstra que o simples cumprimento de obrigações acessórias, necessárias para a apuração e verificação da correção do tributo recolhido, resulta na transferência de informações econômicas para a Administração, inclusive relacionadas com atividades mercantis e financeiras do sujeito passivo; no imposto sobre operações de

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crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF): as pessoas jurídicas que efetuarem operações sujeitas à incidência do IOF devem manter à disposição da fiscalização as seguintes informações: (i) relação diária das operações tributadas, com elementos identificadores da operação (beneficiário, espécie, valor e prazo) e o somatório diário do tributo; (ii) relação diária das operações isentas ou tributadas à alíquota zero, com elementos identificadores da operação (beneficiário, espécie, valor e prazo); (iii) relação mensal dos empréstimos em conta, inclusive excessos de limite, de prazo de até trezentos e sessenta e quatro dias, tributados com base no somatório dos saldos devedores diários, apurado no último dia de cada mês, contendo nome do beneficiário, somatório e valor do IOF cobrado; (iv) relação mensal dos adiantamentos e depositantes, contendo nome do devedor, valor e data de cada parcela tributada e valor do IOF cobrado; e (v) relação mensal dos excessos de limite, relativos aos contratos com prazo igual ou superior a trezentos e sessenta e cinco dias ou com prazo indeterminado, contendo nome do mutuário, limite, valor dos excessos tributados e datas das ocorrências. Além disso, como forma de tornar a fiscalização mais eficiente, no exercício de suas atribuições, a Secretaria da Receita Federal do Brasil poderá proceder ao exame de documentos, livros e registros dos contribuintes do IOF e dos responsáveis pela sua cobrança e recolhimento, independentemente de instauração de processo. As informações assim obtidas somente poderão ser utilizadas para efeito de verificação do cumprimento de obrigações tributárias, mantido, portanto, o sigilo bancário, mas autorizada a transferência desse sigilo para a Administração, sem que tais providências causem qualquer espanto por parte dos contribuintes. Conclusão: as informações objeto da transferência do sigilo bancário para o Fisco não vão além daquelas que o contribuinte já é obrigado a prestar em razão das obrigações acessórias, instituídas na legislação tributária.28

Ainda refletindo sobre os tributos sujeitos ao lançamento por homologação, articula:

[...] tais tributos são declaratórios, isto é, dependem, para a sua apuração, do fornecimento de declarações constitutivas do crédito tributário, com base nas quais o pagamento do tributo deve ser efetuado, sem que haja qualquer análise prévia por parte da Administração. Tendo em vista essa grande liberdade do sujeito passivo, em declarar e apurar o valor devido de tributo, a Administração, de outro lado, deve ter instrumentos eficazes de controle da veracidade das informações prestadas e o acesso à

28 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 593-594.

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movimentação financeira é fundamental nesse sentido. Com efeito, as declarações mentem... [...] Em tributos declaratórios como ICMS, IPI, IR, PIS, COFINS ou IVA sempre é possível dizer a verdade com o dom de iludir: tais tributos não incidem sobre fatos geradores reais, mas sobre as versões consolidadas em provas de negócios diretos e indiretos repletos de margem para fraude, dissimulação e passeios em paraísos fiscais. São os cupins atacando.29

Essa a razão de encontrar-se na doutrina o seguinte pensamento:

[...] se existe para o sujeito passivo uma obrigação de declarar a totalidade dos seus rendimentos (princípio da sujeição ilimitada ou world wide taxation), a verificação da conta bancária serve apenas para verificar a veracidade dessa declaração, pois os dados contidos na conta bancária só poderão acrescentar alguma coisa aos elementos já comunicados à Administração quando se tiverem verificado violações do dever de declarar.30

Em se tratando de pessoas jurídicas, o que se afirma é de ainda mais fácil percepção, conquanto elas são obrigadas pela legislação empresarial e tributária, à manutenção de uma série de livros contábeis e fiscais detalhados sobre a sua situação financeira.

Outrossim, no caso, por exemplo, das sociedades anônimas, as pessoas jurídicas são até mesmo obrigadas, sem que se cogite qualquer inconstitucionalidade por violação ao direito à intimidade, a publicar, nos termos da redação atualizada do art. 176, §1º da Lei n. 6.404/76, para conhecimento de toda a sociedade – e não apenas da Administração Tributária – inúmeras demonstrações financeiras que “deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício”, como o balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício e demonstração dos fluxos de caixa.

Atento a esses detalhes, André Barbeitas registrou que:

Em outras palavras, se já é sobremodo difícil estabelecer uma constante vinculação entre qualquer movimentação bancária promovida pelos indivíduos com a noção de dignidade da pessoa humana, não parece sequer razoável tentar estabelecer esta

29 SANTI, op. cit., p. 594-595.

30 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 277.

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correspondência quando se tratar de pessoa jurídica. Será crível justificar o resguardo das ordinárias transações financeiras promovidas por uma pessoa jurídica com base na dignidade da pessoa humana? Será mesmo minimamente razoável reputar como expressão da dignidade humana toda e qualquer transferência de ativos financeiros encetada por uma pessoa jurídica em função da aquisição diuturna de mercadorias e serviços no exercício de sua atividade social?31

A Nota RFB Copes/Corin n. 2011/143 sintetiza bem tudo o que foi há pouco dito:

Com o advento da Constituição Federal, a RFB continuou a buscar os dados bancários junto às instituições financeiras com objetivo de auditar as declarações de rendimentos entregues pelas pessoas físicas e jurídicas. Constam dessas declarações dados que revelam muito mais da intimidade, da vida privada e da imagem dos declarantes que um eventual extrato bancário pode vir a revelar. As declarações de rendimento das pessoas físicas entregues anualmente ao Fisco, além de trazerem os dados sobre os saldos de valores mantidos em conta junto a instituições financeiras, trazem dados sobre a renda efetiva dos indivíduos, vínculos familiares, dependência econômica, rendas produzidas e mantidas no exterior, relação de bens ou existência de dívidas e ônus reais de sua responsabilidade. No caso das pessoas jurídicas, os dados bancários são utilizados para auditar os lançamentos efetuados na escrituração contábil, em especial nas contas do ativo que representam disponibilidades mantidas junto a instituições financeiras. Tais dados contábeis são públicos, pois além dos livros societários estarem sujeitos ao registro nas Juntas Comerciais, as demonstrações financeiras são publicadas anualmente em jornais de grande circulação em decorrência da lei societária. Além dessas informações, as declarações de renda das pessoas jurídicas revelam relações comerciais e segredos industriais que, em muitos casos, são mais relevantes e estratégicos do que eventual disponibilidade financeira da declarante. Em última análise, quando o contribuinte escritura suas receitas em observância às leis societárias e tributárias, os dados bancários obtidos junto às instituições financeiras não trazem qualquer informação nova para o Fisco. Os dados bancários revelam informação nova ao Fisco apenas em relação ao contribuinte que sonega informações. Do mesmo modo que revelam informações novas ao Fisco os dados obtidos junto a clientes, fornecedores, órgãos de registro de imóveis, de veículos, de embarcações e de aeronaves, quando essas informações não estão registradas na contabilidade ou na declaração de rendimentos entregue anualmente. Levando-se em conta que os dados mantidos em instituição financeira, protegidos pelo sigilo bancário, quando transferidos à Receita Federal mantém

31 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 65.

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sua condição de sigilosos, em face do sigilo fiscal imposto por lei aos servidores da RFB, entender que a transferência de tais dados fere preceitos de garantia à intimidade, à vida privada ou à imagem das pessoas, se equivaleria a defender que a requisição de dados de terceiros, em que não há proteção por sigilo definido em lei, seria defeso à RFB por também desnudar aspectos da vida privada do cidadão. Para os contribuintes que cumprem sua obrigação tributária de informar corretamente ao Fisco os dados de sua atividade, não há informações novas a serem obtidas em seus extratos bancários, pois todas elas são do conhecimento do Fisco, não se podendo falar em invasão da intimidade do cidadão ou da sociedade empresária. Tanto é assim que as regras de indispensabilidade não permitem à RFB acesso aos dados bancários daqueles contribuintes que espelharam em suas declarações sua real situação patrimonial. Não há permissivo nas normas do art. 3º do Decreto nº 3.724, de 2001. No entanto, em relação aos contribuintes que não cumprem a obrigação tributária de informar ao Fisco ou o fazem de modo parcial, a análise dos dados de seus extratos bancários revela ao Fisco dados patrimoniais que ele próprio deveria ter revelado ao Fisco por força de lei. A impossibilidade de transferência dos dados pelas instituições financeiras ao Fisco estaria protegendo única e exclusivamente aqueles sujeitos passivos que mantém a margem de sua escrituração contábil e fiscal informações que deveriam nela constar. Não é consentâneo com a interpretação sistemática do direito a inserção de norma no regramento jurídico que venha proteger aqueles que não cumprem suas obrigações legais, em detrimento daqueles que as cumprem.32

Massao Chinen, por sua vez, demonstra perplexidade com a contraditória tese de que agrediria a intimidade do contribuinte o conhecimento das suas informações financeiras, sob sigilo e outras garantias legais, por um agente público federal, aprovado em concurso público, que goza de fé pública e que se submete a rigorosas regras disciplinares, mas não por um empregado de instituição financeira privada, caracterizada por grande rotatividade de funcionários:

Dessa forma, a diversidade de tratamento encerra uma incoerência: por que motivo um indivíduo que não se importa em ter seus dados vistos pelo funcionário do banco, sentir-se-ia violado em sua intimidade ao ter as mesmas informações lidas por um agente fiscal? Alguns diriam que se pode selecionar as pessoas em relação as quais se tolera a revelação de dados íntimos; entretanto, em geral, não se conhecem todos os empregados da agência, até porque entre eles há alta rotatividade; mesmo admitindo que a intimidade comporta seletividade, a escolha não pode ser individual, mas por categoria. Por que motivo, assim, estaria sempre justificada a escolha da categoria

32 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 07-08.

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dos funcionários do banco para compartilhar dados íntimos, e nunca a dos agentes fazendários?33

A indicada inconsistência da tese da inconstitucionalidade do acesso da Administração Tributária aos dados econômicos do contribuinte em posse das instituições financeiras foi identificada e ressaltada pela Ministra Cármen Lúcia e pelo Ministro Dias Toffoli, no já mencionado RE n. 389.808, oportunidade na qual assentaram, dentre outros fundamentos, que não há que se falar em violação ao direito à intimidade no conhecimento da movimentação financeira do contribuinte por parte de um Auditor da Receita Federal, nos estritos termos da Lei Complementar n.105, que estabelece uma série de garantias e a manutenção do sigilo, se tais informações já eram de conhecimento até mesmo de empregados de instituição financeira privada.

Tudo isso conduz à inexorável conclusão de que os arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001 não violentam, de forma alguma, o direito à intimidade, veiculado pelo art. 5º, X, da Constituição, ao permitir, diante das taxativas hipóteses e sob as rígidas garantias ali elencadas, a ciência da Administração Tributária, por meio de documentos em posse dos bancos e instituições similares, da situação financeira já declarada pelo próprio contribuinte – e que, muitas vezes, em se tratando de pessoa jurídica, é divulgada para toda a sociedade na forma de demonstrações financeiras.

Outra conclusão também parece plausível: o direito constitucional à intimidade tem servido de instrumento retórico de legitimação da pretensão, oculta, de certos contribuintes de, fragilizando o poder de fiscalização da Administração Tributária, se evadirem do pagamento dos tributos devidos, furtando-se a contribuírem com a sua justa cota para a manutenção da sociedade e a consecução do bem comum.

É nesse sentido o importante alerta feito por Ricardo César Mandarino Barretto:

Em parte, toda essa comoção resulta na luta obstinada dos grandes contribuintes, aqueles que vivem da sonegação, em especial, para pretenderem manter privilégios [....]. O que é lamentável é o fato de algumas mentes lúcidas do nosso país deixarem-se envolver por

33 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 169.

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um ‘discurso humanitário’, de falsos princípios, para, ingenuamente, trabalharem em favor dos sonegadores.34

Em idêntico sentido, Mary Elbe Queiroz afirma que a oposição do sigilo bancário em face da Administração Tributária pode ser vista como um “escudo para o acobertamento de operações decorrentes de interesses ilegítimos e de crimes fiscais”.35

Investigando a realidade dos raros países, como a Suíça e os chamados “paraísos fiscais” – a exemplo das Ilhas Cayman –, que ainda divinizam o sigilo bancário, sobrepondo-o aos interesses públicos, Saldanha Sanches e João Taborda da Gama comentam:

A ofensiva internacional contra um segredo bancário oponível à Administração Fiscal veio salientar a irracionalidade do segredo bancário que levava a que os países que o pratica(va)m, como a Suíça e as pequenas ilhas periféricas, se tornassem locais de acolhimento para as sociedades e capitais do resto do mundo. As estruturas societárias nesses países funciona(va)m como meras caixas de correio, constituídas por razões fiscais ou outras (mas nunca com fins produtivos). A justificação de tais práticas (na perspectiva do Estado de acolhimento dos capitais) não passava por qualquer direito constitucional dos utilizadores, constituindo antes uma pura forma de concorrência fiscal: atrair capitais à procura de abrigo contra a tributação ou acção penal – ou mesmo por razões de natureza civil, como a falência ou o divórcio. O sigilo bancário, teoricamente justificado pela defesa da intimidade, foi historicamente construído como um direito fundamental do sujeito passivo à ocultação de rendimentos que deveriam figurar na sua declaração de rendimentos, o que cria um obstáculo quase intransponível aos sistemas fiscais, que assim fazem uma ‘tributação às apalpadelas’. Constitui um simples e injustificável anacronismo de quem não aceita que a tributação do rendimento por meio dos deveres de cooperação do sujeito passivo implica a criação de um regime de verificação da declaração, sem o qual o regime da declaração sofre de uma insanável debilidade. [...] Não há boas razões para defender o sigilo bancário: o sigilo é um buraco negro no sistema de tributação, que é a base da justiça, um instrumento assistemático no desenvolvimento e no progresso das nações. Se é nefasto quando praticado por ilhas longínquas, é autofágico quando praticado pelos próprios países que cobram impostos e permitem que os rendimentos que visam cobrar se

34 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio. In: Direito federal. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002, p. 249-250.

35 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 94.

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escondam dos olhos do próprio Estado, a coberto de leis do próprio Estado.36

E sintetizam, em tom de censura:

Um dos argumentos mais utilizados contra o acesso da Administração Tributária às contas bancárias do contribuinte é o de que estaria em causa a intimidade dos contribuintes, valor absoluto e irrestringível. São argumentos demagógicos, alicerçados numa concepção de intimidade e privacidade discutível.37

Não sem motivo, Eurico de Santi desabafou:

Verificamos, na argumentação que pretende defender o ‘sigilo bancário’, uma espécie de sacralização litúrgica dessa ideia que, conforme sucede nos dogmas religiosos, pretende se autoimpor como verdade absoluta que não se justifica, mas ao mesmo tempo em que deixa vazar claramente suas incoerências, proíbe e pune como pecado inadmissível qualquer desalinhamento ideológico de suas infundadas e obtusas conclusões: parece mesmo coisa de religião!38

A própria Lei Complementar n. 105/2001, em seu art. 1º, § 3º, I e II, apresenta um convincente exemplo, bem detectado pela doutrina, de que o verdadeiro interesse subjacente à tese da inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001, ora rejeitada, não é o de manter sob segredo absoluto a vida econômica do contribuinte por questão de preservação da sua intimidade, mas, sim, o de impedir a cobrança de tributos com base nessas informações.

Explica-se: os incisos I e II do art. 1º, § 3º, da LC n. 105/01 dispõem que não constituem violação do dever de sigilo “a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil” e “o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes

36 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 270.

37 SANCHES, op. cit., p. 274.

38 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 595.

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de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil”.

Está claro para inúmeros doutrinadores que, diferentemente do acesso da Administração Tributária previsto nos arts. 5º e 6º daquela Lei Complementar, esse compartilhamento de dados financeiros do contribuinte entre as instituições financeiras e as centrais de risco e entidades de proteção ao crédito, sim, apresenta extrema potencialidade lesiva para a intimidade do particular, dada a probabilidade de, em razão disso, ele enfrentar sérios constrangimentos morais como, por exemplo, ver o seu crédito negado, publicamente, em uma loja em que tente adquirir algum produto.

Além da probabilidade de abalo moral daí decorrente, os doutrinadores consignam que os fins desse compartilhamento de informações cadastrais e de inadimplência do particular são eminentemente privados – não obstante possuam reflexos econômico-sociais –, diferentemente do interesse público primário que ampara os arts. 5º e 6º da LC n. 105/01, consubstanciado na promoção da justiça fiscal, da isonomia e da solidariedade tributárias, além do financiamento das políticas públicas voltadas para a sociedade.

A despeito disso, não se identificam contra a constitucionalidade do art. 1º, § 3º, I e II, da LC n. 105 as acaloradas iniciativas existentes no sentido da declaração da suposta inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da mesma Lei, o que denota que a preservação da intimidade não é a real motivação desse movimento.

Sob esse enfoque, Roberto Massao Chinen argumenta:

Essas informações atinentes às dívidas do consumidor ou do correntista, não fariam parte de sua intimidade? [...] Verifica-se, pois, que a mitigação do sigilo bancário constitui prática costumeira no âmbito das centrais de risco financeiro, as quais manejam poderoso banco de dados com informações diversificadas sobre pessoas físicas e jurídicas, que são trocadas sem qualquer prévia aquiescência judicial. Dessa forma, pode-se concluir que a legitimidade dos serviços de proteção ao crédito, que aqui não se questiona, resulta de uma ponderação de bens, em que a intimidade do inadimplente cede perante o instituto do crédito, de inegável relevância jurídico-social. Impossível aqui deixar de perceber o paralelo que se estabelece entre a colisão acima identificada e a que constitui o objeto do presente

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estudo. Se, por um lado, o direito à intimidade rende-se à proteção do crédito, por outro lado, como poderia prevalecer perante o direito à isonomia? Por uma questão de lógica cartesiana, a única possibilidade que ampararia ambas as teses seria a predominância dos valores da segurança, da propriedade e da igualdade do crédito sobre o valor da efetiva igualdade no âmbito tributário. Essa hierarquização de valores é absurda, pois, apesar de o crédito passar da esfera de mero interesse privado para o âmbito do interesse público e social, que assegura um sistema financeiro saudável, seguro, estável, forte, com repercussões nos desígnios da economia de todo o País, e cujo colapso pode representar a ruína econômica de toda a nação, a subserviência aos comandos internacionais, a perda da independência de fato de um Estado, esse bem não é diretamente assegurado pela Constituição, ao contrário do que ocorre nas consultas de crédito, que acontecem em lugares públicos.39

Corroborando essa opinião, Barbeitas assevera que:

Também o sistema de proteção ao crédito – consubstanciado na estruturação de informações cadastrais, dentre os quais exercem importância capital os dados de cunho financeiro – sofreria o risco de inviabilização se, a cada consulta, tivesse o estabelecimento comercial ou financeiro interessado que obter prévia autorização judicial. É interessante notar que os mesmos autores, adeptos fervorosos da intangibilidade do sigilo bancário em face do Fisco – chegando, até mesmo, a buscar restringir a atualização fiscalizadora do Banco Central – assinalam, candidamente, que ‘sempre houve troca de informações entre os bancos’ e que ‘a criação de centrais de informações e a adoção de outras medidas, como a elaboração de ‘listas negras’ [...] são iniciativas que passaram a ser vistas como procedimentos naturais e de interesse geral’. Ademais, ‘as centrais de risco reforçam os controles das autoridades de supervisão bancária e são, também por isso, benéficas ao sistema financeiro e aos próprios investidores e poupadores’. [...] Não se questiona o papel relevante desempenhado pelas centrais de risco na preservação da saúde do sistema financeiro, mas a existência das mesmas colidiria, frontalmente, com o arquétipo delineado pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao sigilo bancário. A não ser que, por absurdo, defenda-se a concepção de que o sigilo bancário possa ser oposto ao Fisco, ao Banco Central, ao Ministério Público, à Comissão de Valores Mobiliários, ao órgão colegiado incumbido da identificação dos recursos oriundos de atividades criminosas e não ao conjunto das próprias instituições financeiras privadas reunidas em centrais de risco em nome da preservação imediata do seus próprios

39 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 167-168.

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interesses. Seria, sem dúvida, a total inversão de valores que, não obstante, certamente convém, e muito, à elite financeira nacional.40

Karla Marques também emite juízo de valor sobre esse tópico:

A máscara ideológica que permeia a doutrina e a legislação atinentes ao sigilo bancário é retirada facilmente quando se observa que, enquanto atua em prol dos interesses das classes dominantes, o Estado mostra-se muito mais simpático à transferência do sigilo, dispensando, nestes casos, a própria intervenção judicial. Nesse sentido, em se tratando de informações transferidas às próprias instituições financeiras, não se admite como violação ao sigilo bancário o acúmulo de dados por centrais de risco como a SERASA, que detém detalhes da vida pessoal e financeira de todo cidadão que mantenha qualquer relação comercial ou bancária, sob a escusa de se constituir em um imperativo da economia da chamada ‘sociedade de massas’. Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu nesse sentido, quando, no julgamento da ADIN 1.790-5 assim se pronunciou: ‘...3. A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas...’. Maria José Roque, a esse respeito, tece o comentário seguinte: ‘é bom observar que os Bancos e os comerciantes possuem hoje acesso a bancos de dados que funcionam em rede, onde são cruzadas informações dos clientes. É possível saber, em poucos segundos, quem emitiu cheque sem fundos, quem teve cheques devolvidos por outros motivos, contas encerradas em estabelecimentos bancários ou está inadimplente no comércio ou com as instituições financeiras. Os bancos de dados são cada vez mais completos e têm por escopo defender os comerciantes dos maus pagadores e proteger o crédito, afastando os prováveis caloteiros’. Nesses casos, o discurso é no sentido de que não há que se falar em ofensa a direitos fundamentais, sendo o direito à própria intimidade e ao sigilo bancário prontamente afastados, de modo não razoável ou plausível, visando a interesses eminentemente privados e financeiros das entidades interessadas. A propósito, o interesse público, nesses casos, não se faz presente, de molde a justificar tais condutas. Em relação a tais hipóteses, tanto a doutrina quanto a jurisprudência silenciam e não invocam qualquer ferimento a direitos fundamentais da personalidade, já que é a elite financeira nacional a maior beneficiária de tais bancos de dados.41

40 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 82-84.

41 MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário: Desconstruindo Mitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009, p. 74-75.

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Essas as inúmeras razões pelas quais os arts. 5º e 6º da LC n. 105/01 não apresentam qualquer incompatibilidade com o art. 5º, X, da Constituição.

Longe de ser inconstitucional esse acesso direto da Administração Tributária – independentemente de autorização judicial prévia – às informações da situação econômica do contribuinte junto às instituições financeiras, que, conforme será adiante demonstrado, é admitido sem maiores controvérsias nas mais avançadas democracias do planeta, ele concretiza valores constitucionais fundamentais como: a) a continuidade das políticas públicas que beneficiam toda a sociedade, financiadas pelas receitas tributárias; b) a justiça fiscal, em decorrência da promoção da isonomia, bem como dos princípios da capacidade contributiva, da livre concorrência e da solidariedade tributárias; c) e, por conseguinte, a persecução dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, veiculados pelo art. 3º da Constituição, precipuamente o da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o da garantia do desenvolvimento nacional e o da promoção do bem de todos, sem qualquer forma de discriminação, além das exigências do próprio Estado Democrático de Direito.

Salta aos olhos, portanto, que “é abuso de direito a pretensão de gozar e dispor do direito à intimidade de forma absoluta, afetando terceiros e o Estado no exercício da legalidade tributária”.42 O fato é que “o texto constitucional não se refere à manutenção de uma intimidade injustificável. Muito ao contrário, a sintaxe do dispositivo apenas não admite a violação ilegal, ilícita”.43

É esse o pensamento de Eurico de Santi44, para quem, longe de violar o art. 5º, X, da Constituição, a LC n. 105/2001 o regulamenta, providenciando a harmonização, a conciliação da proteção da intimidade – por meio do estabelecimento de inúmeras garantias de manutenção, por parte da Administração Tributária, do sigilo das suas informações bancárias – com a proteção de inúmeros outros valores

42 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 613.

43 SANTI, op. cit., p. 617.

44 SANTI, op. cit., p. 615.

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constitucionais igualmente importantes para a sociedade – como os citados logo acima.

IV DA COMPATIBILIDADE DO ACESSO DIRETO DA ADMI-NISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AOS DADOS FINANCEIROS DO CONTRIBUINTE COM O ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO

Aqueles que defendem a inconstitucionalidade do acesso direto da Administração Tributária às informações das instituições financeiras sobre a vida econômica do contribuinte também suscitam violação ao art. 5º, XII, da Constituição, segundo o qual “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Para os que proclamam tal inconstitucionalidade, haveria no acesso às informações financeiras em tela pela Administração Tributária desrespeito a um supostamente absoluto sigilo de dados.

Todavia, o Ministro Ayres Britto, também na oportunidade em que apreciou o RE n. 389.808, explicou que o que nele se protege é o sigilo das diversas formas de comunicações ali tratadas – dentre elas, a comunicação de dados – contra uma eventual interceptação, em tempo real, dessa interlocução subjetiva por terceiros, e não, propriamente, os vestígios, o registro material que remanesce dessa conversação travada, por exemplo, por meio da correspondência, do telégrafo, de equipamentos informáticos e telemáticos, e do telefone.

Assim, não encontra guarida no art. 5º, XII, da Constituição a oposição do sigilo bancário à Administração Tributária, que não pretende interceptar em tempo real a comunicação de dados entre o contribuinte e as instituições financeiras, mas, apenas, ter acesso, por razões de intenso interesse público, aos vestígios materiais dela remanescentes, armazenados pelos bancos e estabelecimentos semelhantes.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior alicerça a interpretação do Ministro Britto, como revela Massao Chinen:

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU56

Quanto ao sigilo de dados, Tércio Sampaio Ferraz Júnior releva que o objeto de proteção não são os dados em si, mas, a sua comunicação; é a troca de informações, a comunicação, que não pode ser violada por sujeito estranho à comunicação. A proibição da interceptação da mensagem não implica a vedação ao posterior acesso ao conteúdo da informação45

Na percepção de Márcia Haydée, “vê-se que, apesar de a Constituição tratar do sigilo de dados, em face do contexto em que está inserido, junto ao sigilo de outros tipos de comunicação, quis dizer, na verdade, sigilo de comunicação de dados”.46

Ademais, André Terrigno Barbeitas demonstra que a interpretação histórica favorece essa conclusão:

[...] Pesquisando-se os arquivos dos trabalhos da Assembléia Constituinte, verificou-se que a inserção da expressão enfocada resultou de emenda aditiva n. ES32893-0 apresentada pelo então constituinte Artur da Távola em 5.9.1987 sob a seguinte justificativa: ‘No mundo contemporâneo o mesmo direito ao sigilo clássico nas comunicações postais, telefônicas e telegráficas, pelas mesmas razões deve abranger a comunicação de dados’. Ou seja, objetivou-se apenas a adequação do figurino clássico às inovações tecnológicas decorrentes do incremento da informatização dos dados, sem qualquer intenção de alargar o conteúdo daqueles meios de transmissão do pensamento de corriqueira presença na história do constitucionalismo pátrio.47

Chinen detalha ainda mais esse entendimento de que a Constituição proibiu a interceptação da comunicação de dados – diferentemente do tratamento dado à comunicação telefônica, que pode ser excepcionalmente interceptada, em razão desta, ao contrário das demais formas de comunicação, não deixar vestígios –, mas, não vedou o acesso posterior ao seu vestígio material quando extremamente necessário para a concretização de valores constitucionais fundamentais:

A ressalva prevista no dispositivo constitucional em apreço, limitada à comunicação telefônica, poderia conduzir à apressada conclusão de que, nas demais formas de comunicação, ou seja, correspondência,

45 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 82.

46 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007, p. 136.

47 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25.

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telegráfica e de dados, não seria possível, em hipótese alguma, o acesso ao objeto da comunicação. Novamente aqui, é providente o entendimento do citado autor, segundo o qual, a exceção feita ao sigilo telefônico se justifica por ser a única forma de comunicação que não deixa vestígios, de sorte que o chamado ‘grampeamento’ torna-se o único recurso para preservar o conteúdo da mensagem; assim sendo, é de se concluir que o constituinte negou a quebra do sigilo das demais formas de comunicação, não porque as considerasse absolutamente insusceptíveis à quebra do sigilo, mas porque o acesso àquelas informações é possível por outros meios, como, por exemplo, através de busca e apreensão de documentos. [...] Entender o contrário corresponderia a concluir, absurdamente, que alguém, conhecedor de dados incriminadores de outrem, obtidos por meio lícito, ficaria impedido de cumprir o seu dever de denunciá-lo.48

É também essa a interpretação do art. 5º, XII, da Constituição adotada por Eurico de Santi:

Dos quatro meios de comunicação relacionados no inciso XII do artigo 5º, apenas a comunicação telefônica não deixa resquícios ou marcas materiais da sua existência (provas); sua natureza exige intervenção de terceiro no próprio ato comunicacional. A previsão de transferência no sigilo na comunicação telefônica é a confirmação, neste dispositivo, da prevalência do interesse da prova sobre o próprio direito ao sigilo. Correspondência, telegramas e dados deixam provas: por sua própria natureza, marcas (índices) do conteúdo dessas comunicações. Daí por que o texto constitucional exigir autorização judicial exclusivamente para o acesso à comunicação telefônica: neste caso, o processo de comunicação não resulta em qualquer produto; o único meio de se ter conhecimento do conteúdo da comunicação é pela interceptação direta no ato de comunicar. Essa percepção corrobora duas importantes conclusões: (i) o âmbito de proteção é, centralmente, o processo de comunicação e não o produto (prova da transação ou do negócio) que dela decorre; e (ii) a justificativa dessa exceção (sigilo telefônico) está, precisamente, em garantir expressamente a legalidade mediante o pleno acesso a todos os tipos de comunicação, viabilizando a produção de provas, sem as quais o direito não se concretiza: legalidade de papel.49

48 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 86-87.

49 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 621.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU58

Ressalva-se que, ainda que se entendesse que o art. 5º, XII, da Constituição tem por objeto o sigilo de dados, e não o sigilo da comunicação de dados, a sua interpretação teleológica evidencia que tal norma só faria sentido como forma de proteger, de maneira específica, o direito à intimidade, genericamente previsto no art. 5º, X.

Entretanto, como já foi demonstrado, o acesso direto da Administração Tributária a certas informações financeiras do contribuinte em posse dos bancos e instituições similares – as quais o particular já tem a obrigação de declarar corretamente ao Estado, e, em se tratando de determinadas formas de pessoas jurídicas, a toda a sociedade, por meio de demonstrações financeiras –, nas taxativas hipóteses e sob as rígidas garantias, inclusive de manutenção do sigilo, arroladas na LC n. 105/01, não oferece risco algum ao direito constitucional à intimidade.

Logo, não representando perigo para a intimidade do contribuinte, não se mostra razoável, com a devida vênia, que o sigilo de dados do art. 5º, XII, seja invocado como óbice para a concretização de inúmeros valores constitucionais relevantíssimos como a justiça fiscal, a isonomia e a solidariedade tributárias – umbilicalmente associadas à dignidade da pessoa humana –, os objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade justa e solidária, de desenvolvimento nacional e de promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação, e o financiamento das políticas públicas em benefício da comunidade social.

Todos esses valores são, em significativa extensão, dependentes da efetividade da cobrança de tributos de todo e qualquer contribuinte na exata medida da sua capacidade contributiva, que somente pode ser aferida, com segurança, por meio da adequada fiscalização da movimentação financeira do particular junto às instituições bancárias e análogas, tal qual ocorre nos países consagrados como aqueles que mais respeitam os direitos fundamentais.

V DA INEXISTÊNCIA DE RESERVA JURISDICIONAL NA HI-PÓTESE DO SIGILO DE DADOS

Deve-se objetar, também, o argumento de que há reserva jurisdicional na hipótese do sigilo de dados previsto no art. 5º, X, da Constituição. Essa premissa deve ser desconstruída.

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Canotilho diz que “há um ‘monopólio da primeira palavra’, monopólio do juiz ou reserva absoluta de jurisdição quando, em certos litígios, compete ao juiz não só a última e decisiva palavra, mas, também, a primeira palavra referente à definição do direito aplicável”.50

Para a doutrina amplamente majoritária, somente há reserva jurisdicional quando a Constituição é explícita nesse sentido. A Constituição, todavia, não estabeleceu expressamente qualquer reserva jurisdicional para o sigilo de dados, seja no inciso X, seja no inciso XII do seu art. 5º.

Com essa orientação, José Paulo Baltazar Junior argumenta que:

A existência de reservas de jurisdição expressas autoriza a conclusão de que, fora de tais hipóteses, como é o caso da proteção à privacidade, o campo está aberto para conformação pelo legislador ordinário, desde que não afaste a possibilidade de exame posterior da questão pelo Poder Judiciário; assim, não se pode invocar a pretendida reserva de jurisdição no sentido de vedar o acesso da autoridade fazendária aos documentos cobertos pelo sigilo bancário.51

Consoante Roberto Massao, as taxativas hipóteses de reserva jurisdicional previstas na Constituição estão no “art. 5º, XI (violação de domicílio), XII (interceptação telefônica), XIX (dissolução compulsória de associação) e LXI (prisão, exceto flagrante).52

Márcia Haydée Porto de Carvalho deixa claro que:

O sigilo bancário, mesmo quanto protegido constitucionalmente, não está submetido à reserva constitucional de jurisdição. Não está explícito na Carta Política que o direito à privacidade a que se liga o direito ao sigilo bancário, nesse caso, somente possa ser excepcionado pelo Poder Judiciário.53

Aldemario Castro valida esse entendimento:

A reserva constitucional de jurisdição reclama explícita menção, na medida em que foge aos parâmetros normais da atuação judicial. Em

50 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 96.

51 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 82.

52 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 96.

53 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 211.

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assim sendo, não definiu o constituinte a necessidade de autorização judicial, e somente judicial, para acesso às informações bancárias e financeiras do contribuinte. Ao contrário, a Constituição foi explícita em viabilizar o acesso do Fisco ao patrimônio, aos rendimentos e às atividades econômicas do contribuinte (art. 145, §1º).54

Eurico Diniz também se alinha a essa orientação:

Sendo assim, não encontra qualquer fundamento a alegação de que a LC 105 ofende a reserva de jurisdição, por dois motivos: primeiro, porque a transferência do sigilo bancário está fora do núcleo de proteção previsto no artigo 5º, incisos X e XII da Constituição e, segundo, porque a reserva de jurisdição não pode acobertar informações (dados) que são objeto de obrigações tributárias acessórias ordinárias, mas tão somente as interceptações telefônicas.55

De Santi complementa:

Deslocar esse acesso de informações, exclusivamente, para o Poder Judiciário, em nome da genérica ideia da universalidade da jurisdição, não encontra outro motivo jurídico senão a prática de sobrecarregar o Poder Judiciário com o objetivo de mitigar e retardar a efetividade (eficácia social) da legislação tributária.56

Kleber Augusto Tagliaferro, por outro lado, defende que macularia o princípio da separação dos poderes reconhecer-se, no caso do acesso da Administração Tributária às informações econômicas do contribuinte em posse das instituições financeiras, uma reserva de jurisdição que não foi explicitamente prevista pelo poder constituinte originário:

Violaria a idéia de independência em relação ao Judiciário, princípio, aliás, elevado à condição de cláusula pétrea pelo inc. III, §4º do art. 60 da CF/88, a imposição da condição de autorização judicial para

54 CASTRO, Aldemario Araujo. Considerações acerca dos Sigilos Bancário e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da Privacidade e do Princípio Fundamental da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 458.

55 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 622-623.

56 SANTI, op. cit. p. 632-633.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 61

que o Executivo pudesse exercer suas atividades fiscalizatórias próprias.57

A doutrina, a propósito, pondera bem a clara inviabilidade prática, por total ineficiência da sistemática, de que os valores da justiça fiscal, da isonomia e da solidariedade tributárias, dos objetivos fundamentais da República e do financiamento das políticas públicas para a sociedade sejam satisfatoriamente concretizados caso a fiscalização da Administração Tributária sobre a movimentação financeira dos contribuintes dependa, em todo e qualquer caso concreto, da prévia autorização do Poder Judiciário.

Assim é que Barbeitas enuncia que:

É inegável que a inviabilização do acesso direto do Fisco às informações bancárias dos contribuintes constitui mecanismo perpetuador e incrementador deste sistema tributário intrinsecamente injusto e, em última análise, do quadro de desigualdade social que tanto coloca em risco a nossa estabilidade político-institucional. Seria mesmo risível se não fosse trágico conceber, em um mundo globalizado de milhões de transações financeiras diárias, tivesse o agente fiscal de, a cada diligência, obter uma prévia autorização judicial para levantar informações sobre a movimentação de recursos por parte do contribuinte. O controle judicial há de ser concomitante ou posterior à efetivação da medida, transferindo-se ao contribuinte o ônus de demonstrar a sua cabal desnecessidade ou mesmo o caráter abusivo do ato administrativo. Exigir do Fisco que exponha, previamente, a necessidade da medida redunda na sua desnaturação e ineficácia, eis que, no mais das vezes, em função da dinâmica das relações econômicas, as próprias informações bancárias constituirão os indícios da evasão fiscal, pelo que não teria a Administração como apontar ao Judiciário, objetivamente, as suspeitas que recairiam sobre determinado contribuinte.58

Não sem motivo se teme que a exigência de uma decisão judicial para todo e qualquer caso de necessidade de acesso a dados bancários de contribuinte, nos termos da LC n. 105, acarretará – ante o enorme volume de processos que ocupa o Judiciário, somado à existência de inúmeros recursos processuais – morosidade e ineficiência ao processo de fiscalização, além do gravíssimo risco de decadência, uma vez que, enquanto não concluído o processo judicial, estará fluindo o prazo

57 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 98.

58 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 105-106.

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decadencial para o lançamento do crédito tributário que se pretende apurar:

A reserva de jurisdição implica necessariamente uma decisão judicial, passível de ser recorrida. A combinação de vários recursos processuais, a iminência do prazo decadencial e o número limitado de Auditores Fiscais impedirá, na prática, que o lançamento fiscal se dê no contribuinte recorrente contumaz. A Receita Federal, precisando agir com eficiência, direcionará a fiscalização para outro contribuinte que não se valha de todas as hipóteses recursais, ou seja, quem tiver advogados processuais hábeis estará fora do alcance do Fisco, o que prejudicará a concretização do Princípio da Igualdade.59

Chinen também reproduz pensamentos de outros doutrinadores na mesma direção, levando em consideração a existência de prejuízo não apenas para a eficácia da Administração Tributária, mas para o próprio Poder Judiciário:

Cumpre ressaltar ainda que a prévia autorização judicial nessa matéria conspira contra os ideais da eficiência administrativa. Aurélio Pitanga Seixas Filho pondera que o Judiciário se encontra já assoberbado de ações que lhe competem ordinariamente julgar, pelo que não teria cabimento impingir-lhe uma função tutelar de ação investigatória, que, de ordinário, é uma função administrativa, salvo, como é natural, examinar extraordinariamente algum abuso ou desvio de poder, concretamente materializado. Aylton Dutra Leal calcula que o Judiciário teria recebido, em 1999, somente da Secretaria da Receita Federal, cerca de vinte mil pedidos de autorização para fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, o que faria dos órgãos jurisdicionais verdadeiros balcões de despachos de pedidos de fornecimento de informações, em prejuízo da solução ágil de litígios.60

No que concerne ao agravamento do já dramático problema do imenso volume de processos que sufoca o Judiciário, cumpre lembrar o dado, informado em páginas anteriores, de que, entre 2001 e meados de 2011, mais de 74.000 Requisições de Informações sobre Movimentação Financeira – RMF – foram expedidas. Como é intuitivo, num cenário hipotético de invalidade do art. 6º da LC n. 105/2001, e, destarte, de reserva jurisdicional, teriam sido gerados mais de 74.000 processos judiciais no período, estrangulando, ainda mais, a Justiça brasileira.

59 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 28.

60 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 99.

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Não se pode deixar de realçar que, com relação à questão da reserva de jurisdição, pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – já havia revelado que, dos então trinta países membros daquela organização, apenas na Suíça, na Áustria e em Luxemburgo o acesso às informações bancárias não podia ser feito diretamente pela Administração Tributária, necessitando de autorização judicial.61

Roberto Massao procura explicar essa constatação da seguinte maneira:

Nesses países, é sabido que o sigilo bancário atua como instrumento de captação de recursos, que se insere dentro das políticas econômicas nacionais, o que explica o rigor da limitação do acesso aos dados bancários. Os argumentos construídos pelos autores brasileiros – reserva absoluta de jurisdição, repartição de poderes, imparcialidade do juiz etc. – sempre giram em torno do valor por eles atribuído à intimidade. É de se refletir nesse momento qual seria o fundamento de tamanha supremacia desse direito, sobrevalorizado de forma singular no Brasil.62

Considerando que dentre esses vinte e sete membros da OCDE que, segundo a pesquisa, já permitiam o acesso direto da Administração Tributária, independentemente de autorização judicial, aos dados da movimentação econômica do contribuinte junto às instituições financeiras estão, por exemplo, Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Canadá, Austrália, Suécia, Finlândia, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica, países considerados democracias altamente desenvolvidas, bem se vê que não procede adjetivar tal prática como arbitrária e antidemocrática, como se o reconhecimento de uma reserva jurisdicional implícita na hipótese decorresse dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.

Observa-se que, recentemente, em 2010, o Fórum Global da Transparência publicou novo estudo, intitulado “Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field”, o qual revelou que setenta países, dentre aqueles que o integram, já permitiam o acesso a informações bancárias, sem autorização judicial, para fins de intercâmbio de informações, sendo que apenas dezoito membros ainda exigiam autorização judicial para que as suas autoridades fiscais obtivessem informações bancárias

61 CHINEN, op. cit., p. 100.

62 CHINEN, op. cit., p. 100.

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a serem intercambiadas com as Administrações Tributárias de outros países.

Tão poderoso é o movimento internacional no sentido do acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes que, em meio aos setenta países que não possuem reserva jurisdicional para tais informações, estão tradicionais paraísos fiscais como Bahamas, Jersey e Ilhas Virgens Britânicas. Por outro lado, os dezoito países que ainda impõem – com grande pressão para que o deixem de fazer – a reserva jurisdicional para o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários dos contribuintes correspondem, predominantemente, a paraísos fiscais, e não a democracias avançadas e de destaque na economia internacional. É o que informa a Nota RFB Copes/Corin n. 2011/143:

De acordo com o documento Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field (Cooperação Tributária 2010: Em Direção a um Nível de Concorrência), produzido pelo Fórum Global, consoante resposta dos países, quase todas as jurisdições permitem que suas autoridades fiscais tenham acesso direto, sem necessidade de autorização judicial, a informações bancárias para fins fiscais, o que corrobora os dados apresentados até aqui. O estudo é um retrato da revolução que tem ocorrido nos últimos anos com relação à possibilidade de as autoridades fiscais terem acesso efetivo e célere a informações sobre bens e rendas, ainda que essas informações estejam em poder de instituições financeiras. Nesse sentido, setenta países responderam que permitem o acesso a informações bancárias sem autorização judicial para fins de intercâmbio de informações. Vale notar que muitos dos países que responderam ao questionário alteraram suas legislações recentemente para permitir esse acesso e, consequentemente, estarem compatíveis com os padrões de transparência estabelecidos pelo Fórum Global. A análise desses setenta países surpreende, pois muitos são tradicionais paraísos fiscais, como Bahamas, Jersey, Ilhas Virgens Britânicas, que não podem mais manter a postura de opor o sigilo bancário ao interesse da fiscalização de tributos. Por outro lado, de acordo com o referido documento, apenas dezoito jurisdições ainda exigem autorização judicial para que suas autoridades fiscais tenham acesso a informações bancárias para realizar o intercâmbio de informações com autoridades fiscais de outros países. Praticamente todas as jurisdições que ainda exigem algum tipo de autorização judicial para o intercâmbio de informações financeiras entre autoridades fiscais são países pouco expressivos no cenário econômico internacional ou centros financeiros ou tradicionais paraísos fiscais, quais sejam: Botswana, Brunei, Costa Rica, Chipre, Granada, Guatemala, Jamaica, Libéria, Liechtenstein, Luxemburgo, Qatar, Santa Lúcia, Samoa, Ilhas Turcas e Caicos, Uruguai e Vanuatu. É razoável presumir que a razão pela qual esses países ainda exigem autorização judicial para permitir o acesso a

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 65

informações bancárias para fins tributários é justamente inviabilizar o efetivo e célere acesso a essas informações para fins de fiscalização tributária. Em outras palavras, ao criar essa dificuldade de acesso àquelas informações, procuram resguardar os interesses dos investidores internacionais que buscam o anonimato nos bancos locais.63

Consciente dessas estatísticas parece-nos bastante desafiadora a indagação sobre como justificar, com base em argumentos democráticos, a reserva jurisdicional correlata ao acesso da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes, se tal prática é combatida pela maioria das nações democráticas do mundo, sendo atualmente admitida por uma ínfima minoria de paraísos fiscais, e, ainda assim, de forma cada vez menor:

Ora, se até mesmo os tradicionais paraísos fiscais estão admitindo o acesso direto a informações bancárias pelas autoridades fiscais, fica difícil justificar que as autoridades fiscais brasileiras não tenham acesso a essas informações. Também seria difícil justificar tal limitação na ordem dos recentes acontecimentos internacionais e nos compromissos internacionais adotados pelo Brasil no G20, como o combate à evasão fiscal internacional, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.64

Não há, portanto, reserva jurisdicional explícita – e sequer implícita – na Constituição brasileira, no que tange ao acesso da Administração Tributária às informações financeiras dos contribuintes armazenadas pelos bancos e instituições equiparadas. Mais do que isso: com a devida vênia, admitir-se a reserva jurisdicional para o acesso da Administração Tributária aos dados econômicos dos contribuintes é fazer o Brasil caminhar na contramão da ordem internacional, alinhando a prática brasileira àquela de uma minoria de países, predominantemente paraísos fiscais, em pernicioso contraste com a realidade da imensa maioria dos Estados, notadamente a das mais avançadas democracias e economias do planeta.

VI A OPOSIÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO À ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO FORMA DE INCREMENTO DA SONEGA-ÇÃO FISCAL E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À IGUALDADE E À CONCORRÊNCIA LEAL, DOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA, DA SOLIDARIEDADE E DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, BEM COMO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA

63 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 20-21.

64 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 23.

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Como já visto, não há que se falar em violação do direito fundamental à intimidade em decorrência da fiscalização direta pela Administração Tributária dos dados da movimentação financeira do contribuinte em posse das instituições bancárias e análogas, quando atendidos os inúmeros requisitos legais garantidores da privacidade individual.

Por outro lado, já não se pode afirmar validamente que a eventual efetivação do pretendido óbice à fiscalização do correto pagamento dos tributos, consubstanciado na oposição do sigilo bancário à Administração Tributária, não representa agressão a qualquer direito fundamental.

Da adequada fiscalização do correto cumprimento das obrigações tributárias por todos os contribuintes depende a concretização do direito fundamental à igualdade65, um dos mais importantes direitos humanos, além do direito fundamental à concorrência leal66, bem como dos princípios constitucionais da capacidade contributiva67 e da solidariedade68, todos imprescindíveis para a consecução da dignidade da pessoa humana69, e o do próprio Estado Democrático de Direito70.

Dela também dependem o combate à sonegação fiscal e o financiamento das políticas públicas em benefício da comunidade social, bem como a realização dos objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade justa e solidária71, de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais72, de desenvolvimento nacional73 e de promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação74.

Logo, o eventual reconhecimento, a pretexto de uma suposta proteção à intimidade do contribuinte, que não resta efetivamente

65 Cf. Art. 5º, caput e art. 150, II, CF.

66 Cf. Art. 170, IV, CF.

67 Cf. Art. 145, §1º, CF.

68 Cf. Art. 3º, I, e art. 145, §1º, CF.

69 Cf. Art. 1º, III, CF.

70 Cf. Art. 1º, caput, CF.

71 Cf. Art. 3º, I, CF.

72 Cf. Art. 3º, III, CF.

73 Cf.Art. 3º, II, CF.

74 Cf. Art. 3º, IV, CF.

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ameaçada, da possibilidade, mesmo diante do preenchimento dos específicos e razoáveis requisitos impostos pela LC n.105, de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária violentaria a Constituição da República de inúmeras formas.

Nesse diapasão, a tese aqui rechaçada exsurge inconstitucional por afronta ao direito fundamental à igualdade dos contribuintes que não podem se evadir dos tributos com o auxílio do sigilo bancário – recordando-se que não basta existir igualdade na Lei, devendo, também, haver igualdade na aplicação da Lei –, ao direito individual à concorrência leal – de que depende a materialização do princípio da livre concorrência –, ao princípio da capacidade contributiva, ao princípio da solidariedade, aos objetivos fundamentais da República já citados e ao próprio Estado Democrático de Direito, que demanda alta intensidade de transparência e de cidadania em benefício da sociedade como um todo.

VI.1 O ACESSO DIRETO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA AOS DADOS ECONÔMICOS DO CONTRIBUINTE E O COM-BATE À SONEGAÇÃO FISCAL NO BRASIL

A possibilidade de acesso da Administração Tributária aos dados financeiros do contribuinte, nas específicas hipóteses permitidas pela Lei Complementar 105/2001 – que exige, como demonstrado, o preenchimento de inúmeros requisitos e oferecimento de severas garantias em prol do particular –, tem sido o mais eficaz instrumento de combate à sonegação fiscal no Brasil.

Os dados divulgados pela Receita Federal do Brasil – RFB –, na Nota Copes/Corin n. 2011/143, não deixam dúvida disso. Segundo tal documento, graças ao acesso da Administração Tributária a dados bancários dos contribuintes, possível nos termos da LC n. 105:

a) apenas em 2009, descobriu-se que 21.884 pessoas jurídicas ti-veram movimentação financeira, pelo menos, dez vezes supe-rior ao rendimento total por elas declarado, totalizando uma diferença de um trilhão e vinte um bilhões de reais entre o montante que constava das declarações e aquele efetivamente movimentado, quase 1/3 do Produto Interno Bruto – PIB – do

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU68

país em 201075;

b) no mesmo ano, 50.619 pessoas físicas, por sua vez, apresenta-ram movimentação financeira, pelo menos, dez vezes superior ao rendimento total por elas declarado, numa diferença de cen-to e vinte e três bilhões e cem milhões de reais entre o valor constante das declarações e aquele realmente movimentado;

c) entre 2006 e 2010, mais de 27.000 contribuintes, entre pessoas jurídicas e físicas, foram fiscalizados pela Receita Federal em razão da diferença entre os dados da sua movimentação finan-ceira e aqueles escriturados em sua contabilidade, o que resul-tou em lançamento de crédito tributário da ordem de noventa e oito bilhões de reais.

Para melhor compreensão e visualização das estatísticas, transcreve-se o pertinente excerto da Nota Copes/Corin n. 2011/143:

Atualmente, as informações consolidadas sobre movimentações financeiras prestadas à RFB são fundamentais para a identificação de indícios relevantes de infração à lei tributária. No quadro abaixo, consolidamos informações acerca das pessoas jurídicas que, no ano-calendário de 2009, tiveram movimentação financeira 10 vezes superior à receita total declarada76:

Quantidade de Pessoas Jurídicas (1)

Movimentação Financeira em 2009 (2)

Receita Bruta Total (3) Diferença

21.884 R$ 1, 036 trilhão R$ 15 bilhões R$ 1,021 tri-lhão

A diferença apurada em um ano, para 21.884 pessoas jurídicas totalizou R$1.021.000.000.000 (um trilhão e vinte e um bilhões de

75 IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php? id_noticia=1830&id_pagina=1&titulo=Em-2010,-PIB-varia-7,5%-e-fica-em-R$-3,675-trilhoes>. Acesso em jul. 2011.

76 (i) Número de contribuintes pessoas jurídicas que apresentam movimentação financeira superior a 10 vezes a receita bruta declarada na Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ ou na Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica – DSPJ. Excluídas as pessoas jurídicas que declararam receita bruta igual a zero ou foram omissas na entrega da declaração. (ii) Fonte: Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira – Dimof, dados mensais agregados de 2009. (iii) Receita bruta total informada pela pessoa jurídica na DIPJ ou DSPJ.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 69

reais). O quadro seguinte resume a situação referente às pessoas físicas77:

Quantidade de Pessoas Físicas (1)

Movimentação Financeira em 2009 (2)

Rendimento Total (3) Diferença

50.619 R$ 127,7 bilhões R$ 4,5 bilhões R$ 123,1 bilhões

A diferença apurada em um ano, para 50.619 pessoas físicas totalizou R$123.100.000.000 (cento e vinte e três bilhões e cem milhões de reais). Os 72.503 contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, que apresentam indícios relevantes de omissão de rendimentos e de receita só se tornaram visíveis à Receita Federal do Brasil em decorrência do meio de fiscalização instituído pela LC nº 105, de 2001. O quadro abaixo resume o resultado das ações de fiscalização iniciadas a partir de informações coletadas da Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira – Dimof, nos últimos cinco anos-calendário:

Ano de encerramento da ação fiscal

Quantidade de Procedimentos de Fiscalização

Crédito Tributário Lançado

2010 4.105 R$ 12.327.700.865

2009 4.415 R$ 15.440.548.106

2008 4.138 R$ 10.646.603.439

2007 3.551 R$ 15.057.590.048

2006 2.782 R$ 8.562.676.755

Total 18.991 R$ 62.035.119.213

No quadro a seguir é apresentado o valor de crédito tributário lançado pela RFB, com base em informações obtidas a partir de Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira nos últimos cinco anos:

Ano de encerramentoRequisição de Informações sobre Movimentação Financeira

Quantidade Crédito Tributário Lançado

77 (i) Número de contribuintes pessoas físicas que apresentam movimentação financeira superior a 10 vezes o rendimento total declarado na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física – DIRPF. Excluídas as pessoas físicas que declararam rendimento total igual a zero ou foram omissas na entrega da declaração. (ii) Fonte: Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira – Dimof, dados mensais agregados de 2009. (iii) Somatório dos rendimentos tributáveis, tributados exclusivamente na fonte, isentos e não-tributáveis informados na DIRPF.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU70

2010 1.965 R$ 8.031.285.862

2009 2.040 R$ 9.174.308.914

2008 1.678 R$ 5.400.656.256

2007 1.598 R$ 8.211.285.569

2006 1.327 R$ 5.517.503.904

Total 8.608 R$ 36.335.040.504

Resumindo: nos últimos cinco anos mais de 27 mil contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas, foram fiscalizados pela RFB com base na diferença apontada entre os dados de sua movimentação financeira e os dados escriturados em sua contabilidade, resultando em lançamento de crédito tributário superior a 98 bilhões de reais. É preciso admitir que o resultado obtido na atividade da fiscalização sobre esses contribuintes só foi possível a partir da possibilidade de acesso pelo Fisco aos dados bancários mantidos em contas junto às instituições financeiras.78

Do exposto, enfatiza-se que sem a possibilidade de acesso da Administração Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, nos termos da LC n. 105/2001, em apenas quatro anos – 2006 a 2010 – noventa e oito bilhões de reais, aproximadamente, teriam sido impunemente sonegados por pessoas jurídicas e físicas. Essa sonegação fiscal bilionária somente foi descoberta e combatida em razão do poder-dever conferido à Receita Federal pelos arts. 5º e 6º da LC n. 105.

Não se pode ignorar que esse enorme montante foi sonegado a despeito da consciência dos infratores de que o Estado dispunha de poderes para descobrir a infração tributária por meio do acesso aos seus dados bancários. Por conseguinte, o nível de sonegação tenderia a ser bastante superior ao constatado se os sonegadores tivessem, em razão da invalidação dos arts. 5º e 6º da LC n. 105, a certeza de que a Administração Tributária não dispõe de meios tão eficientes de fiscalização, e que, portanto, a impunidade seria bastante provável.

Em outras palavras, declarada a inconstitucionalidade da LC n. 105/2001, no ponto concernente ao acesso direto da Administração Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, bilhões de reais em tributos serão sonegados anualmente, deixando de ser destinados 78 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 08-10.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 71

à sociedade na forma de políticas públicas de saúde, educação, infraestrutura, meio-ambiente, dentre outras – isto é, de promoção da fruição dos mais diversos direitos fundamentais – para ficar no bolso dos sonegadores, sem que o Estado possua instrumento eficaz para impedir esse nefasto cenário.

VI.2 A OPONIBILIDADE DO SIGILO BANCÁRIO À ADMI-NISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO VIOLAÇÃO DOS DIREI-TOS FUNDAMENTAIS À IGUALDADE E À CONCORRÊNCIA LEAL, E DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

No que concerne ao direito fundamental à igualdade e ao princípio da capacidade contributiva, observa-se que a eventual possibilidade de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária poderá acarretar a ineficácia da fiscalização do correto pagamento dos tributos devidos, estimulando, ante a percepção da reduzida probabilidade de descoberta do ilícito pelo Estado, a sonegação fiscal por parte daqueles contribuintes que não têm os seus tributos devidos retidos na fonte e de cujo recolhimento espontâneo dependeria o financiamento das políticas públicas.

Criar-se-ia, destarte, uma flagrante desigualdade entre contribuintes cujos tributos devidos são retidos na fonte – os quais, portanto, não podem sonegá-los confiando-se na ineficácia da fiscalização tributária, resultante da eventual possibilidade de oposição do sigilo bancário – e aqueles cujos tributos devidos não são retidos na fonte, mas, sim, recolhidos espontaneamente – os quais seriam estimulados a se evadirem da obrigação fiscal, em razão da possibilidade de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária e da ineficácia, daí decorrente, da fiscalização exercida pelo ente público.

Sobre isso, já se afirmou na doutrina que:

A discrepância entre essas duas situações fáticas, quais sejam, a capacidade de comprovação quase que automática pelo fisco dos rendimentos dos assalariados, e a impossibilidade de conhecer-se a renda percebida pelos demais, evidencia a flagrante desigualdade que assim se estabelece.79

79 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 143.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU72

Ricardo Cesar Mandarino Barretto assevera, de forma bastante crítica, que:

Diante dessas circunstâncias globais, onde a tendência é a flexibilização do sigilo bancário, em um país cheio de desigualdades como o nosso, pensar-se em coibir o acesso do fisco aos dados das contas dos contribuintes, que já são acessados pelos funcionários dos bancos, chega a ser fútil. Fútil, não, o que se pretende é a manutenção de privilégios, com cidadãos de duas categorias, aqueles que podem sonegar livremente e os que não podem, ferindo o princípio da igualdade constitucional. Inconstitucional seria a rigidez pretendida.80

O drama subjacente a essa desigualdade é realçado ao se constatar que justamente os contribuintes com maior capacidade econômica – e, portanto, capacidade contributiva, como as grandes empresas e pessoas físicas não assalariadas, a exemplo de capitalistas que obtêm a sua renda da especulação imobiliária – pertencem ao grupo de particulares cuja absoluta maioria dos tributos devidos não é retida na fonte, devendo ser recolhida espontaneamente. Em contraste, a maioria dos tributos devidos pelas pessoas físicas assalariadas, a classe de contribuintes de menor capacidade econômica, sofre a retenção na fonte.

Sob esse enfoque, o reconhecimento judicial da possibilidade de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária tende a conduzir o Brasil a um cenário em que um trabalhador assalariado, de já reduzida capacidade econômica, uma vez que sofre a retenção na fonte, não podendo opor o debatido sigilo, paga corretamente os seus tributos devidos, enquanto, à guisa de exemplo, uma grande empresa e um grande especulador imobiliário pessoa física, confiando na possibilidade de oposição do sigilo bancário e na correlata ineficácia da fiscalização estatal, se evadem do pagamento dos tributos devidos.

Em outras palavras, o eventual reconhecimento da tese combatida pelo presente estudo por parte do Excelso Supremo Tribunal Federal tende a levar o Brasil a uma realidade em que a absoluta maioria dos indivíduos com menor capacidade econômica, os trabalhadores assalariados, suportem, na prática, a maior parte da carga tributária, enquanto grande parcela das empresas e pessoas físicas com maior capacidade contributiva fuja, sob o manto do sigilo bancário e da

80 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio. In: Direito federal. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002. p. 254-255.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 73

conseqüente impotência da fiscalização estatal, de contribuir com a sua cota para o financiamento das políticas públicas que interessam a toda a sociedade.

Mary Elbe Queiroz reforça essa interpretação constitucional ao defender que:

Restringir o dever-poder de o fisco examinar as informações financeiras resultaria em tornar ineficaz a ação fiscal, pois somente poderiam ser passíveis de exames os valores que os contribuintes espontaneamente quisessem informar em suas declarações, resultando em violação da igualdade tributária, com total desprestígio daqueles contribuintes que não querem, ou não podem, esconder valores do crivo da tributação.81

Outrossim, a tendência é que a desigualdade seja acentuada, num nefasto círculo vicioso, já que é da lógica econômica do sistema que, havendo premente necessidade de financiamento das políticas públicas, a inadimplência provocada pela elevação da sonegação fiscal seja compensada por majoração dos tributos.

Ocorre que não se é de esperar que, com a majoração dos tributos, os sonegadores deixem de sonegar, pelo que também o aumento da carga tributária será suportado pelos contribuintes honestos e por aqueles que não se podem evadir do pagamento do tributo por este ser retido na fonte. Ou seja, também serão os contribuintes de menor capacidade econômicas aqueles que, em grande parte, suportarão a carga tributária majorada.

É esse o pensamento de André Terrigno Barbeitas, que leciona que o sigilo bancário constitui:

Um dos pilares de sustentação de um sistema tributário que conspira contra a plena efetividade dos mais altos valores constitucionais em uma dupla e cruel face: seja onerando de forma mais acentuada os menos favorecidos economicamente, seja propiciando aos mais capacitados financeiramente meios de se evadirem à tributação, em violação do princípio da igualdade fiscal – e, em decorrência, também do princípio da capacidade contributiva – o qual ‘exige não apenas a igualdade na legislação mas também a igualdade na aplicação da lei’. Se todos têm o dever de contribuir para com as despesas públicas, é consectário lógico que a imposição fiscal seja proporcional à capacidade econômica de cada contribuinte. E, na medida em que o Estado vê-se privado de aferir a real capacidade econômica de determinado grupo, irá onerar mais incisivamente aqueles já excessivamente onerados, tornando o sistema como um

81 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p.146.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU74

todo ainda mais iníquo, em um círculo vicioso que parece não ter fim. Configura-se, assim, na realidade fática, um tratamento diverso entre ‘os contribuintes com rendimentos de trabalho – que vêem os seus rendimentos ser sempre comunicados à Administração fiscal – e os contribuintes que têm rendimentos de capital.82

Com essa mesma concepção, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho protesta:

O ganho de eficiência dos meios da fiscalização tributária, e a conseqüente maior arrecadação do que é legalmente devido, o que já foi notado pela sociedade brasileira imediatamente após a publicação da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001, que permite a transferência direta do sigilo bancário para a Administração Tributária, traz, entre nós, a clara percepção de que os verdadeiros inimigos e concorrentes desleais dos contribuintes são aqueles que, com a hipócrita sacralização do direito à vida privada, e, apostando, assim, nas amarras e na ineficiência do Fisco, conseguem se evadir de suas obrigações tributárias, principais e acessórias, forçando o Estado, que não pode prescindir da arrecadação que lhe é necessária, a tributar, cada vez mais, os que pagam os tributos honestamente, o que vai de encontro à razoabilidade da tributação, proporcionadora da liberdade, justamente aquilo que o Estado fiscal visa a assegurar.83

Também José Casalta Nabais protesta:

Com efeito, é de todo insustentável a situação a que uma parte significativa e crescente de contribuintes se conseguiu alcandorar, fugindo descaradamente e com assinalável êxito aos impostos. É insustentável pela receita perdida que origina e, consequentemente, pelo apartheid fiscal que a mesma provoca, desonerando os fugitivos fiscais e sobrecarregando os demais contribuintes que, não podendo fugir aos impostos, se tornam verdadeiros reféns ou cativos do Fisco por impostos alheios.84

82 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 109.

83 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 24-25.

84 Apud SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 25.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 75

Doutrina Adilson Rodrigues Pires que “o objetivo da fiscalização, com o seu trabalho de investigação, é promover a justiça fiscal. ‘Onde todos pagam, todos pagam menos’ é o lema a ser seguido”.85

Eurico Marcos Diniz brada, de forma sensata:

O privilégio de não transferir os dados bancários à Administração implica o benefício de ocultar a prova que é condição do ato de aplicação da lei, rompendo com a legalidade e sujeitando a igualdade à ‘Lei de Gerson’, no processo de concretiza da lei tributária. Ocorre que há dois planos de legalidade: (i) a legalidade geral e abstrata, que engendra a incidência conceptual (‘eficácia legal’ em Pontes de Miranda) e (ii) a incidência jurídica (‘efetividade’ em Pontes). É esta última que Paulos de Barros Carvalho, de Pontes à Kelsen, define como sendo o derradeiro ato de aplicação do Direito Tributário: aquela que produz enunciados conformativos da norma individual e concreta. Sem esta, aquela não se realiza, sem aquela esta perde seu fundamento legal. Perante a legislação do imposto de renda, realizam o fato gerador ‘auferir renda’: tanto (i) o contribuinte que, ao cumprir as obrigações acessórias, espelha nas informações fiscais sua efetiva movimentação financeira; quanto (ii) o contribuinte que se omite e não declara seus rendimentos, apresentando inconsistência com a efetiva movimentação financeira. Para ambos, nasce a obrigação de pagar impostos sobre a renda. Contudo, sem a prova deste fato gerador, que é motivo do ato de lançamento tributário, não há como aplicar a lei concretamente. Cria-se discriminação injustificada entre o primeiro, que oferece a informação, e o segundo, que oculta a prova, e ainda pretende gozar de forma abusiva do direito ao sigilo, em atitude de fraude à lei tributária. A realização prática da legalidade exige prova dos fatos descritos hipoteticamente na lei. Sem prova não há ato administrativo: compromete-se a eficácia jurídica da lei. Sem ato administrativo, a legalidade não se concretiza, não se generaliza, ferindo o primado da igualdade. [...] Sem legalidade, não há igualdade; sem igualdade não há república.86

Eis a indagação central por ele formulada em torno da questão jurídica aqui debatida:

85 PIRES, Adilson Rodrigues. Sigilos Fiscal e Bancário. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 328.

86 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 616.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU76

Que direito se contrapõe ao sigilo bancário? Referido direito se revela no princípio da prevalência do interesse público em face do interesse particular que, nesse caso, se manifesta pela necessidade de agregar eficácia à legalidade e à igualdade através da faculdade conferida à Administração de controlar a veracidade das informações declaradas pelo contribuinte, mediante a averiguação das movimentações financeiras respectivas, observados os ditames legais (LC 105), e, assim, produzir as provas necessárias para a constituição do fato jurídico tributário.87

Karla Padilha, por sua vez, acrescenta ao debate a visão, desenvolvida a partir de contexto histórico anterior à edição da LC n. 105/2001, de que:

Em favor da preservação dos privilégios, pressionam as classes dominantes pela inviabilização do acesso direto do Fisco às informações bancárias dos contribuintes, perpetuando-se assim um sistema tributário intrinsecamente injusto, que contribui para a formação de elevados índices de desigualdade social, e, assim, compromete a própria estabilidade político-institucional do país. De fato, a carga tributária elevada só chega a atingir de forma integral as classes assalariadas, que se vêem privadas de qualquer válvula de escape ao regular recolhimento de tributos, o que imprime um quadro caótico à realidade brasileira: alta carga tributária versus insuficiente arrecadação. A existência de elevados índices de sonegação fiscal, sempre aludida pelos Governos, Secretários da Receita etc., tem resistido em face de barreiras opostas aos processos de investigação e, por conseguinte, de identificação de atores, em face da aceitação do direito ao sigilo bancário sob uma concepção rigorosa, por parte dos sistemas jurídico e político brasileiros.88

É de se notar que a fragilização da fiscalização tributária por meio do reconhecimento da possibilidade de oposição do sigilo bancário em face do ente público acarretará o incremento substancial da sonegação fiscal no Brasil, o que, muito além do prejuízo para a arrecadação do Estado, provocará, inexoravelmente, distorções no sistema tributário representadas por um quadro fático de grave ausência de isonomia tributária e de flagrante desrespeito ao princípio da capacidade contributiva. Tudo isso por razões completamente alheias à atividade 87 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade,

Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 618.

88 MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário: Desconstruindo Mitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009. p. 74.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 77

da Administração Tributária, impotente, nesse hipotético contexto, para cumprir a sua missão, diante da privação do seu mais eficiente instrumento de fiscalização.

Outra grave conseqüência negativa da sonegação fiscal para toda a economia é a concorrência desleal – combatida pelos arts. 170, IV, e 173, § 4º, da Constituição, intimamente ligada à isonomia tributária na concorrência econômica e que impede a materialização do importante princípio da livre concorrência – na qual o sonegador leva grande vantagem competitiva em relação aos seus concorrentes que se encontram quites com as respectivas obrigações tributárias.

Eis a razão pela qual Oswaldo Othon Saraiva Filho anota que:

[...] a evasão e a sonegação fiscal também são combatidas pela Carta Política brasileira quando ela reza que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (CF, §4º do art. 173) 89.

Sem dúvida, numa conjuntura econômica de concorrência desleal, em razão do alto nível de sonegação tributária, não se materializa o princípio da livre concorrência – art. 170, IV – dos empresários honestos, cumpridores dos deveres tributários, por esses se tornarem incapazes de competir com os concorrentes sonegadores, que podem oferecer bens e serviços ao mercado por preços bastante inferiores aos seus.

Desta maneira, Ricardo Lobo Torres exterioriza que “a proteção da concorrência torna-se, nesta fase de globalização econômica e de massificação da fiscalidade, um dos mais sensíveis princípios da tributação” e que a proteção da concorrência na Constituição Tributária é mera especificação do princípio geral da livre concorrência, estampado na Constituição Econômica, art. 170, IV.90

89 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 27.

90 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 150.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU78

Segundo ele, “ao Estado fiscal incumbe não apenas se manter neutro frente à concorrência, senão que lhe compete também promover o ambiente propício ao desenvolvimento das forças do mercado”.91

Daí o Autor defender que:

Inexiste razão para se manter o tabu do sigilo bancário e sua elevação a direito da liberdade; o princípio constitucional da intimidade cede lugar a outros princípios constitucionais, nomeadamente os da concorrência e da eficiência, no jogo de ponderação de interesses governado pela transferência fiscal.92

Por outro lado, Roberto Massao enaltece a importância do conhecimento das informações financeiras do contribuinte pela Administração Tributária como meio de efetivação do princípio da capacidade contributiva:

[...] considerando ainda que através de sua intermediação os bancos constituem um trajeto obrigatório dos recursos monetários, razão pela qual dispõem de amplas fontes de informação sobre o patrimônio e a movimentação dos fundos de seus clientes, o conhecimento dos dados bancários por parte do fisco contribui decisivamente para que o princípio da capacidade contributiva seja efetivado.93

O citado Autor, ao comentar relatório da OCDE sobre o tema, destaca que:

As conseqüências nefastas da negação das informações bancárias ao fisco foram identificadas pela OCDE, que conclui que tal vedação pode debilitar a confiança na justiça do sistema tributário, na medida em que os contribuintes percebem que outros conseguiram escapar das obrigações tributárias, abusando do sigilo bancário para ocultar rendimentos ou a real natureza das transações. O relatório registra ainda que a confiança na justiça do sistema tributário é essencial para estimular os contribuintes a cumprirem voluntariamente as leis tributárias, e que a percepção pelos contribuintes de que suportam uma proporção maior da carga tributária nacional tende a aumentar o contingente daqueles que não observam as leis fiscais.94

91 TORRES, op. cit., p. 151.

92 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 153.

93 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 154.

94 CHINEN, op. cit., p. 156.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 79

Nessa esteira, interessante a metáfora feita por Luigi Vittorio Berliri, em obra dedicada ao tema da justiça fiscal, que bem demonstra a importância da promoção da igualdade tributária para a dignidade da pessoa humana:

Dê um chocolate a uma criança para fazê-la rir de alegria; mas para fazê-la chorar, basta dar dois a seu irmão. Essa criança, que nada entende de justiça distributiva, gritará entre lágrimas que não é justo que tenha um só chocolate e seu irmão dois: a dor da injustiça, em definitivo, superará e dominará o prazer do presente. Do mesmo modo, o contribuinte a quem se aplique um imposto, antes de indagar se tal imposto é bom ou mau, se é racional ou improdutivo e talvez antes mesmo de indagar o que conviria fazer para satisfazê-lo, considerará a situação relativa dos demais contribuintes e refletirá se é justo que ele deva pagar esse imposto e que ele deva pagá-lo naquele montante. E se ele acha-o injusto, além de certo limite – entendendo não somente como inevitável reação superficial de desgosto, mas também no foro íntimo de sua consciência ético-jurídica – a dor da injustiça poderá superar, e em muito, à da não-satisfação de outras necessidades materiais que poderiam ter sido atendidas com o gasto absorvido pelo imposto.95

VI.3 A OPONIBILIDADE DO SIGILO BANCÁRIO À ADMINIS-TRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Ademais, ao que parece, é intuitivo que, nesse panorama de impotência da Administração Tributária em relação à sonegação fiscal por parte de contribuintes com grande capacidade econômica e de desprestígio aos direitos fundamentais, notadamente àqueles da isonomia e da capacidade contributiva, o princípio constitucional da solidariedade da tributação não restará atendido.

Inspirada por essa compreensão, Karla Padilha Rebelo Marques anota que:

A defesa incondicional do sigilo bancário, a propósito, só é invocada pelas classes mais abastadas economicamente, que, legislando em causa própria, permanecem refratárias a colaborar com a concretização do Estado Social e com a redistribuição de renda, frustrando o ideário constitucional refletido no princípio da capacidade contributiva, preconizado no §1º do art. 145 da Carta Constitucional, o qual reflete as modernas concepções de cidadania e solidariedade. O princípio da solidariedade, sob a vertente das

95 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 158.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU80

relações interpessoais, encontra-se refletido na necessidade de repartição das cargas tributárias entre os cidadãos de forma que, solidariamente, possam contribuir ao fim público. [...] Ora, referido princípio reflete, isto posto, a inadequação de uma concepção individualista para o enfrentamento do problema, bem como, indica a necessidade, baseada em critérios de equidade, de que todos colaborem na construção do bem comum, levando-se em consideração, por certo, a efetiva capacidade de cooperação de cada um para a realização dos ideários do Estado Social e Democrático de Direito.96

E prossegue a Autora afirmando que:

Quando se trata do controle para se evitar a sonegação de tributos pode-se lançar mão, inclusive, do argumento do dever de todos de solidariedade em relação aos gastos públicos, de acordo com a capacidade contributiva de cada um, que se sobreporia a qualquer argüição de violação da intimidade, nos moldes defendidos pela doutrina jurídica italiana. Não se vislumbra, in casu, valores da pessoa humana carecedores de tutela, mas sim, interesses meramente patrimoniais.97

No que concerne ao valor subjacente ao princípio da solidariedade tributária, é profícuo recorrer-se a José Casalta Nabais, que, em sua obra sobre o dever fundamental de pagar tributos, lembra que esses não podem ser encarados como mero poder para o Estado, nem como mero sacrifício para os cidadãos, constituindo, antes, o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada.98

Maurin Almeida Falcão enxerga a questão sob semelhante ângulo:

A vida em sociedade supõe a adesão a um contrato previamente estabelecido. Daí por que o indivíduo não poderia recorrer ao sigilo com o intuito de se furtar ao cumprimento do seu dever cívico de pagar tributo, segundo a sua capacidade contributiva. A repartição equânime do fardo tributário é um dever do Estado. Para isso, deve utilizar os meios disponibilizados pelo Estado de Direito. O equilíbrio social decorre desta repartição equânime e toda e qualquer distorção produzirá na mesma intensidade a ruptura no princípio do consentimento. O manuseio dos sigilos bancário e fiscal que em

96 MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupção, dinheiro público e sigilo bancário: Desconstruindo Mitos. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2009, p. 114.

97 MARQUES, op. cit., p. 77.

98 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 128.

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princípio deveria ser visto como um procedimento comum tornou-se uma ‘vaca sagrada’ e refúgio para um significativo número de contribuintes. Os níveis de sonegação fiscal e de lavagem de dinheiro, em escalada crescente, parecem demonstrar que estaríamos nos afastando a passos largos da noção de justiça fiscal, de equidade e de isonomia. A movimentação de recursos que não fazem parte do mundo real decorre das práticas nas quais se registra elementos de sonegação fiscal e revelam a solidez da economia informal. A perda de receitas em função desse processo finda por repercutir em outros segmentos de contribuintes, os quais são levados a suportar um ônus mais pesado em decorrência da subtração de receitas decorrentes das práticas de sonegação fiscal.99

O princípio da solidariedade, seguramente, não será protegido naquela hipotética situação, porquanto, no plano prático, a maior responsabilidade pelo financiamento das políticas que interessam a toda a sociedade estará sendo, desproporcionalmente, assumida por quem menos pode: os trabalhadores assalariados com reduzida capacidade contributiva quando comparados, e.g., com grandes empresas, que, não raramente, se beneficiarão das despesas estatais, como investimentos em infra-estrutura, sem terem contribuído, na medida da sua capacidade, para tanto.

VI. 4 A OPONIBILIDADE DO SIGILO BANCÁRIO À ADMINIS-TRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO GRAVE ÓBICE À CONSECU-ÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA E À REALIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Por igual motivo, não se vislumbra que as apontadas conseqüências advindas de um eventual reconhecimento da possibilidade de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária contribuam para a realização dos objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade justa e solidária, de desenvolvimento nacional, de erradicação da pobreza e de promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação.

Muito pelo contrário, tal reconhecimento afastaria o Brasil desses objetivos: sem dúvida, não será justa, não será solidária, não erradicará a pobreza e não promoverá o bem de todos uma sociedade que seja sustentada, em significativa parte, por indivíduos com reduzida

99 FALCÃO, Maurin Almeida. O Comportamento do Contribuinte em face dos Fundamentos Políticos do Tributo e a sua Postura diante dos Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 509.

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capacidade econômica, e na qual seja a Administração Tributária impotente para combater a sonegação fiscal praticada por contribuintes de grande capacidade econômica.

Conforme doutrina Barretto, além de não haver, no acesso direto da Administração Tributária aos dados bancários, violação à intimidade, mas mera transferência de sigilo:

A autorização legislativa para assim proceder-se foi instituída em nome de um bem maior, que é a persecução dos objetivos da República, consistentes na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza, na redução das desigualdades sociais e regionais e na promoção do bem de todos (art. 3º, da Constituição Federal). A única forma que dispõe o Estado para construir uma sociedade justa, erradicar pobreza e reduzir desigualdade é através da cobrança de impostos. Não existe outra, respeitando-se, evidentemente, as limitações ao poder de tributar. Foi através da instituição do IPMF e seu sucedâneo CPMF, que o Estado brasileiro pôde constatar aquilo que os economistas, especialmente os técnicas da Receita já apontavam, que se sonega, em nosso país, o mesmo que se arrecada. Outro PIB brasileiro, de um trilhão e duzentos bilhões de reais constitui a base de cálculo da sonegação. [...] Isso significa que deixamos de ter metade das escolas, metade da segurança, metade da educação e, em um governo empenhado com os grandes interesses nacionais, metade da energia. Enfim, metade de tudo. Enfim, objetivos da República alcançados pela metade.100

Essa realidade também não se conciliaria com o princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, representativo do paradigma constitucional atual do Brasil, que demanda maximização da transparência e uma cidadania de alta intensidade.

Para o Professor Menelick de Carvalho Netto, o Estado Democrático de Direito impõe uma cidadania forte e participativa, fundada no entrelaçamento das esferas pública e privada, com a intensa participação da sociedade civil na realização do interesse público, por meio de um “direito participativo, pluralista e aberto” 101.

100 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio. In: Direito federal. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002. p. 252.

101 CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos Pragmáticos da Interpretação Jurídica sob o Paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Comparado, v. 3. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 481.

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Nesse diapasão, não se vislumbra harmonizar-se com tal paradigma constitucional uma sociedade cuja jurisprudência – contrariando a sua exigência de intensa transparência e cidadania – ensejasse que indivíduos e empresas detentores de grande riqueza se furtassem a exercitar ativamente a cidadania, participando, na medida da sua capacidade econômica, do projeto democrático de construção do bem comum por meio do financiamento – tributário – das políticas públicas que beneficiam a comunidade.

Déficit de cidadania esse cujo risco estaria sendo assumido, na contramão do Estado Democrático de Direito, em razão da legitimação da ausência de transparência das informações necessárias à verificação da regularidade ou não do pagamento dos tributos.

Ricardo Lobo Torres deixa claro que o dever de transparência, decorrente do próprio Estado Democrático de Direito, não se destina, apenas, ao Estado, aplicando-se também ao contribuinte, que deve se submeter a regras de relativização do sigilo bancário por razões de interesse público:

Em síntese, o princípio da transparência, significando clareza, abertura e simplicidade, vincula assim o Estado e a Sociedade e se transforma em instrumento importante para a superação dos riscos fiscais provocados pela globalização. Só a transparência na atividade financeira, consubstanciada na clareza orçamentária, na responsabilidade fiscal, no respeito aos direitos fundamentais do contribuinte, no aperfeiçoamento da comunicação social e no combate à corrupção dos agentes públicos, em contraponto à transparência na conduta do contribuinte garantida pelas normas antielisivas, pelas regras antissigilo bancário e pelo combate à corrupção ativa, pode conduzir à minimização dos riscos fiscais do Estado Democrático de Direito.102

Em verdade, parece que essa interpenetração entre o espaço público e o privado, desejada pelo paradigma do Estado Democrático de Direito, é devidamente concretizada por meio do modelo da LC n. 105/2001 de acessibilidade das autoridades fiscais aos dados financeiros do contribuinte junto aos bancos.

102 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 150.

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Isso porque, nessa regulamentação, o público, o coletivo, estaria sendo prestigiado – e.g., financiamento das políticas públicas, promoção da igualdade e do princípio da capacidade contributiva, consecução dos objetivos fundamentais da República – sem que, com isso, se desproteja o privado – e.g., por meio do dever de manutenção do sigilo pelo ente público cujo descumprimento configura crime, bem como o prévio atendimento de inúmeras garantias formais em prol do contribuinte.

Chinen identifica diversas conseqüências, no plano nacional, da oponibilidade do sigilo bancário que impactam, de maneira profunda e negativa, a fruição de direitos fundamentais pelos cidadãos e empresas e na consecução dos objetivos do Estado, estabelecidos em prol do bem da coletividade:

Internamente, a negação do acesso às informações bancárias às autoridades fiscais pode impedir a capacidade deles de determinar e arrecadar o imposto correto, o que provoca desigualdade tributária entre os contribuintes. Alguns indivíduos, utilizando-se de recursos tecnológicos e financeiros para escapar da fiscalização, recorrem a instituições financeiras situadas em jurisdições que vedam o acesso da informação bancária pelas autoridades fiscais, o que acaba distorcendo a carga tributária, causando desilusão com respeito à justiça do sistema tributária. Essa situação faz com que os capitais móveis sejam privilegiados com relação aos rendimentos derivados do trabalho ou da propriedade imóvel. Além disso, a falta de acesso aos dados bancários incrementa os custos da administração tributária provocando, conseqüentemente, elevação das obrigações tributárias por parte dos contribuintes.103

No plano internacional, relata que a globalização, movida pela revolução tecnológica, aumentou exponencialmente o potencial para abusos decorrentes da falta de acesso às informações bancárias para fins tributários, tendo sido, nesse contexto, removidas as tradicionais fontes de informação das transações bancárias, como os controles de câmbio. Sobre as terríveis conseqüências internacionais para a referida fruição dos direitos humanos e alcance dos objetivos dos Estados, explana:

Esse novo cenário mundial faz com que as autoridades fiscais estimem que as limitações ao acesso bancário para fins tributários causarão: a) comprometimento de sua capacidade de determinar e coletar o imposto devido pelos contribuintes; b) promoção de desigualdades entre os contribuintes que têm acesso aos recursos tecnológicos que facilitam o não-respeito à legislação tributária,

103 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 58-59.

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e aqueles que não têm; c) desigualdade de tratamento tributário entre capital mobiliário e os rendimentos derivados do trabalho ou de propriedade imóvel; d) desestímulo ao cumprimento voluntário das obrigações tributárias; e) aumento dos custos da administração tributária e a conseqüente elevação das obrigações tributárias por parte dos contribuintes; f) distorção dos fluxos internacionais de capital; g) injusta competição fiscal; h) bloqueio da cooperação internacional entre as administrações tributárias.104

Tudo isso levou Saraiva Filho a argüir:

Que eficiência se pode esperar da Administração Tributária (CF, art. 37, caput; art. 145, §1º) nesse quadro, em que a interpretação constitucional, advogada por alguns, concede amplos direitos aos contribuintes, mesmo os que, usual e patologicamente, cometem ‘irregularidades’ fiscais, e nega quase tudo à Administração Tributária em detrimento dos contribuintes corretos? Como os direitos humanos da grande maioria dos contribuintes de legalidade tributária, de igualdade no tratamento fiscal, de graduação da tributação em confronto com a maior ou menor capacidade contributiva poderão, com eficácia e eficiência, ser materializados pela Administração Tributária brasileira? Os tributos devidos, facilmente, sofreriam evasão, em detrimento dos que não têm como fugir da tributação, em prejuízo da maioria da sociedade brasileira, sobretudo os mais pobres, e do nosso país, que tem pela Constituição e pelas leis direito de arrecadar esses tributos sonegados, em decorrência da eficiência de sua Administração Tributária.105

E a complementar, de forma bastante profunda:

Destarte, mostra-se até mesmo absolutamente incompatível com a ideia de Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput, art. 3º, I) a possibilidade de se tolerar que o mau contribuinte tenha qualquer direito de dificultar ou tornar ineficiente a colheita de dados, especialmente os genéricos, por parte do Fisco, ou mesmo de tornar inacessível à Administração fiscal, na prática, rendimentos, atividades econômicas e propriedades tributáveis [...]. Da mesma forma, não se constrói uma sociedade livre se alguns poucos têm reconhecido o privilégio nada democrático e jurídico de, na prática, fugir, com normalidade, da tributação, enquanto que os outros sofrem, como válvula de escape, o aumento, cada vez maior da carga tributária do país, por força das necessidades de gastos

104 CHINEN, op. cit., p. 58-59.

105 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.39.

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e investimentos do Estado em vista do interesse comum. Não se pode construir nessa diversidade perversa de tratamento fiscal uma tributação e, de resto, uma sociedade justa e solidária se os honestos e os que não podem fugir da tributação, os que só são tributados na fonte, são os que, na realidade, carregam o país nas costas, sustentando os gastos públicos, enquanto que os que cometem esquecimentos ou omissões ou mesmo os que cometem, de modo contumaz e descarado, irregularidades fiscais ficam tranqüilos na sua impunidade, acobertados pela incapacidade ou ineficiência impostas à Administração Tributária, não pela Constituição, mas pela interpretação míope, sem razoabilidade e desvinculada da realidade, que alguns, mesmo com boa intenção, talvez por questão ideológica, de sobrepor o interesse privado ao irrenunciável interesse público, são levados a dar aos textos constitucionais (CF, art. 3º, caput, inciso I). Prevalecendo a exegese de que a Administração Tributária só poderia ter acesso a dados bancários mediante prévia autorização judicial, para uma parcela de nossa população, valerá a pena correr o risco, posto que muito dificilmente as ‘irregularidades fiscais’ serão descobertas, sequer suspeitas trarão, já que não declaradas espontaneamente. Na realidade, lamentavelmente, um número considerável de malfeitores aposta, justamente, na morosidade e na incapacidade de a Administração Tributária ter acesso rápido e eficiente ao total de seus rendimentos, às suas movimentações financeiras e aos seus dados bancários genéricos, e assim acalentados, pretendem usar o Direito em favor de sua própria torpeza e cometem ‘irregularidades’ fiscais, sabendo que os rendimentos por eles informados na declaração para fins de imposto de renda, em atendimento à exigência legal, não coincidem com sua movimentação financeira ou com seus saldos bancários, assim mesmo eles estão cientes de que terão muito mais possibilidades de mantença de sua impunidade. Os verdadeiros cidadãos, as pessoas de bem, nada têm a temer, pois sabem que não cometeram irregularidade alguma, estão seguros que procuram o banco para cuidar de negócios lícitos, estão cientes de que existe total coincidência entre os rendimentos declarados para fins do imposto de renda e suas movimentações ou seus saldos bancários. [...] Este verdadeiro apartheid fiscal tenderia a ser acrescido em desrespeito a outros direitos humanos e valores constitucionais (CF/1988, art. 1º, caput, incisos II, IV; art. 2º; art. 3º, caput, incisos I, II, III e IV; art. 5º, caput, incisos I, XIII, XXII, XXIII, XXXII, XLI, LIV; art. 37, caput; inciso XVIII; art. 145, caput, e §1º; art. 147; art. 148; art. 149; art. 195; §4º do art. 177; art. 239; art. 146-A; art. 150, caput, incisos I, II, IV, §§6º e 7º; art. 153; art. 154, caput, incisos I e II; art. 155; art. 156; art. 170, caput, incisos II, III, IV, V, VIII. Art. 173, §4º, art. 192).106

106 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 43.

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Eis a razão pela qual se afirma veementemente que a procedência da tese da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária, muito longe de garantir um direito fundamental, o da intimidade – que não resta ameaçado pela fiscalização tributária – conduziria a uma sociedade de completa injustiça fiscal, na qual seriam solenemente violadas inúmeras normas constitucionais, dentre elas direitos fundamentais, como a isonomia e a concorrência leal, e os princípios da capacidade contributiva, da solidariedade, do Estado Democrático de Direito, além dos objetivos fundamentais da República.

VII O ART. 145, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO E A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS COMO FUNDAMENTOS CONSTITU-CIONAIS DO ACESSO DIRETO DA ADMINISTRAÇÃO TRI-BUTÁRIA AOS DADOS BANCÁRIOS DOS CONTRIBUINTES

Conforme demonstrado no tópico anterior, o eventual posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária – a despeito de atendidos os rigorosos requisitos da LC n. 105/2001 – retiraria do ente público os meios necessários para a realização do princípio da capacidade contributiva.

Isso porque o Estado não teria poder para identificar, de forma eficaz, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas de inúmeros contribuintes, sobretudo aqueles que possuem maior capacidade econômica e que não sofrem a retenção na fonte, e, portanto, seria incapaz, nesses casos, de verificar se o tributo foi pago no montante devido ou se, de forma contrária, o contribuinte se evadiu de contribuir com a sua legítima cota-parte para o financiamento das políticas de interesse de toda a sociedade.

A principal conseqüência disso seria o fomento da sonegação fiscal e da decorrente desigualdade entre os contribuintes que, por honestidade ou por sofrerem a retenção na fonte – grupo esse formado, em significativa parte, por trabalhadores assalariados, de reduzida capacidade econômica –, pagariam corretamente os seus tributos devidos e entre os contribuintes que, se confiando no sigilo bancário e na conseqüente ineficácia da fiscalização, não contribuiriam para as despesas sociais na medida da sua capacidade econômica – frequentemente vultosa, ressalte-se.

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Por tal razão, alerta-se que a tese refutada, ao pretender retirar de um ente detentor de uma competência constitucional os meios necessários e suficientes para o alcance da missão a ele atribuída pela Constituição, encontra óbice, além de nos inúmeros outros, data venia, insuperáveis entraves constitucionais indicados neste estudo, na teoria dos poderes implícitos – inherent powers –, amplamente reconhecida no seio da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A origem histórica da teoria dos poderes implícitos na jurisprudência dos Estados Unidos está associada ao célebre caso McCulloch v. Maryland:

[...] no qual a Suprema Corte norte-americana julgou inconstitucional uma lei do Estado de Maryland que tributava os bancos que funcionavam sem autorização nesse Estado. Essa lei voltava-se especificamente ao Bank of the United States, criado em 1791 para servir como um banco central para o país. O Estado de Maryland, opositor à criação do referido Bank of the United States, determinou o pagamento de um tributo anual no valor de $ 15.000. Segundo a doutrina federalista norte-americana, os poderes nacionais, pertencentes à União, são chamados enumerados ou delegados. Isso porque são especificamente enumerados pela Constituição em seu artigo I, sessão 8, cláusula 18. Os poderes dos Estados são chamados residuais ou reservados, decorrentes da sua não atribuição ao ente federal. [...] Tradicionalmente, havia uma divergência no tocante à extensão dos poderes da União. Os construcionistas em sentido estrito (strict constructionists) entendiam que a União apenas possuiria os poderes especificamente listados na Constituição. Para os construcionistas em sentido amplo (loose constructionists), outros poderes poderiam ser interpretados como pertencentes à União, ainda que não fossem listados no texto constitucional. A par dessa discussão, no referido julgamento, entendeu-se que seria impossível se enumerar todos os poderes necessários à concretização das competências atribuídas a um ente da Federação. Assim, quando a Constituição atribuísse uma função a um determinado ente, dever-se-ia considerar que todos os poderes necessários à concretização desse objetivo também seriam implicitamente concedidos. 107

Tal qual antecipado, a teoria dos poderes implícitos é pacificamente aplicada no âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, podendo-se citar, a título exemplificativo, os seguintes precedentes nos quais aquela é discutida: ADI n. 2.480/PB-STF,

107 ALBUQUERQUE, Fabrício Sarmanho de. Direito Constitucional: teoria da constituição. 1. ed. Brasília: Vestcon, 2009. p. 83-84.

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Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária de 2/4/2007; ADI n. 2.797/DF-STF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, Sessão Plenária de 15/9/2005 (voto proferido pelo Ministro Celso de Mello); RE n. 128.881/RO-STF, Relator Ministro Moreira Alves, Primeira Turma, 26/4/1994, Rp n. 1.360/PE-STF, Relator Ministro Moreira Alves, Sessão Plenária de 22/10/1987; RE n. 43.353/RJ-STF, Relator Ministro Victor Nunes, Segunda Turma, 26/10/1965; RHC n. 34.823/RS-STF, Relator Ministro Ary Franco, Sessão Plenária de 24/4/1957; RE n. 17.468/DF-SP, Relator Ministro Orosimbo Nonato, Segunda Turma, 23/1/1951.

Nesse diapasão, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, no HC n. 91.661/PE, já decidiu caber ao Ministério Público a coleta de provas sem que, necessariamente, haja a interferência de uma autoridade policial na função de investigação. O fundamento dessa decisão foi a existência de poderes implícitos em favor do Ministério Público, tendo sido reconhecido que a Constituição Federal não imporia funções a esse órgão sem garantir-lhe os mecanismos para o cumprimento dessa finalidade.

Nele, a Ministra Ellen Gracie, relatora, em seu voto-condutor, afirmou que “é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos ‘poderes implícitos’, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios”.

Dentre tantos precedentes, transcreve-se ainda, de forma representativa, por seu caráter elucidativo, o seguinte excerto do voto do Ministro Celso de Mello no HC n. 93.930/RJ:

[...] Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos (CARLOS MAXIMILIANO, ‘Hermenêutica e Aplicação do Direito’, p. 312, item n. XI, 18ª ed., 1999, Forense, v.g.), cuja doutrina – construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso ‘McCULLOCH v. MARYLAND’ (1819) – enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Há que se registrar, ante a sua extrema pertinência, o autorizado magistério de MARCELO CAETANO (‘Direito Constitucional’, vol. II/12-13, item n. 9, 1978, Forense), cuja observação, no tema, referindo-se aos processos de hermenêutica constitucional, assinala que, ‘em relação aos poderes dos órgãos

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ou das pessoas físicas ou jurídicas, admite-se, por exemplo, a interpretação extensiva, sobretudo pela determinação dos poderes que estejam implícitos noutros expressamente atribuídos’. Esta Suprema Corte, ao exercer o seu poder de indagação constitucional – consoante adverte CASTRO NUNES (‘Teoria e Prática do Poder Judiciário’, p. 641/650, 1943, Forense) – deve ter presente, sempre, essa técnica lógico-racional, fundada na teoria jurídica dos poderes implícitos, para, assim, conferir eficácia real ao conteúdo e ao exercício de dada competência constitucional, como a de que ora se cuida, consideradas as atribuições do Ministério Público, tais como expressamente relacionadas no art. 129 da Constituição da República. É por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a instauração, pelo próprio Ministério Público, de investigação penal, atribuição que lhe é reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, e que permite, ao Ministério Público, adotar as medidas necessárias tanto ao fiel cumprimento de suas funções institucionais quanto ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República. Não fora assim, e adotada, em conseqüência, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente conferidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial, quanto em seu momento pré-processual.

Logo, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal pela Constituição importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.

Em outras palavras: quando a Constituição atribui expressamente um dever, uma missão, uma finalidade a um ente público, também lhe dá os meios necessários e suficientes para que o cumpra.

Ora, o parágrafo primeiro do art. 145 da Constituição da República atribui expressamente à Administração Tributária o relevante dever de, com a finalidade precípua de conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Marçal Justen Filho demonstra bem quão rigoroso foi o dever imposto pela Constituição à Administração Tributária de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte para que seja respeitada a capacidade contributiva:

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A administração fazendária não possui faculdade de conferir efetividade ao princípio do caráter pessoal e da graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte. A Constituição não editou norma dispositiva, mas imperativa. Logo, tanto o Legislativo como o Executivo têm o dever de conferir efetividade a tais princípios. A identificação das condições pessoais do contribuinte é, por fim, dever da administração fazendária, tendo em vista a estrita legalidade tributária. A fixação em concreto do montante da prestação tributária não se insere na discricionariedade administrativa. Em suma, essa identificação deriva da rigorosa vinculação do administrador fiscal ao conteúdo da lei tributária.108

De forma bastante similar, José Eduardo Soares de Melo assevera que a Constituição não confere faculdade, mas, em realidade, impõe obrigação e que “a administração tributária deve perseguir, até as últimas conseqüências, o caráter pessoal e a graduação do imposto, estando vinculada aos parâmetros estabelecidos na lei”.109

Argumenta Saraiva Filho:

É inerente à atividade da Administração ter acesso às informações bancárias a fim de poder desempenhar o seu poder-dever de fiscalização. E isso para a perseguição de objetivos que a própria Constituição lhe impõe na concretização da justiça fiscal e, em última instância do princípio da igualdade que consagra.110

Chinen acrescenta que:

A partir dessa interpretação, torna-se claro que o art. 145 da Constituição Federal enuncia um princípio fundamental: o da capacidade contributiva, eis que identificado com um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, e uma permissão conferida à administração tributária como meio de produzir efetividade àquele princípio. Na qualidade de objetivo fundamental, ou de um fim, a administração encontra-se vinculada à busca da efetivação do princípio da capacidade contributiva. Por outro lado, o constituinte conferiu à administração tributária a faculdade de analisar a oportunidade e conveniência de identificar o patrimônio,

108 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 135.

109 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 135.

110 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 26.

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os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, meio que é a obtenção de um fim.111

Cumpre transcrever, para melhor elucidação, inspirado excerto da sua obra em que aprofunda essa ideia:

A preocupação do constituinte quanto à exequibilidade do princípio ora em estudo encontra-se em perfeita consonância com a noção mais atual do princípio da isonomia, que desde o Estado Social deixou de ser compreendido como um enunciado formal, passando a ser interpretado também em sentido material. A simples previsão do princípio, desprovida de qualquer medida tendente a conferir-lhe materialidade, configuraria um traço do Estado Liberal, o que nitidamente confrontaria com as atuais diretrizes irradiadas pela Carta Maior. É o que ocorreria caso a administração tributária não tivesse a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, pois, nessa hipótese, a capacidade contributiva formalmente manifestada em lei restaria letra morta diante da impotência de o fisco garantir sua concretização. Daí o jurista espanhol José Ramón Ruiz Garcia afirmar que ‘a plena realização da idéia de justiça tributária requer também inescusavelmente a realização da norma jurídica conforme o seu sentido; é necessário dotar a administração dos meios jurídicos necessários para a correta aplicação da norma; [...] a comprovação e investigação tributária efetivamente realizada é o único meio que permite garantir a prática aplicação da justiça tributária, evitando que essa última fique reduzida a uma mera proclamação teórica.112

Sublinha, ainda, de forma mais específica, a dependência do conhecimento das informações bancárias dos contribuintes pela Administração Tributária para a eficaz concretização do princípio da capacidade contributiva:

Compreendida a essencialidade de prover a administração tributária de meios para garantir a materialização do princípio da capacidade contributiva, resta investigar quais são os instrumentos disponíveis. O expediente mais eficaz de que a administração fazendária poderia dispor nesse contexto é, sem dúvida, o acesso às informações bancárias do contribuinte.113

Enfatiza-se que o deferimento à Administração Tributária de meios eficazes para cumprir a sua finalidade é uma decorrência do

111 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 137.

112 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 140.

113 CHINEN, op. cit, p. 140-141.

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próprio princípio da eficiência da Administração Pública, positivado pelo art. 37, caput, da vigente Constituição.

A respeito da necessidade de eficiência na fiscalização tributária, Saldanha Sanches e João Taborda frisam:

Para que os depósitos bancários sejam expeditamente comparados com a declaração do contribuinte, o procedimento de derrogação do sigilo bancário deve ser um procedimento administrativo, ou seja, não deve ser um procedimento judicial. Independentemente da possibilidade de recurso para entidades judiciais – como em todos os demais campos da relação entre a Administração Fiscal e o sujeito passivo -, o procedimento deve ter iniciativa administrativa e a Administração deve ser dotada de todos os poderes para, sem a vinculação a qualquer acto prévio de outras entidades, poder levar o procedimento até o fim. [...] Tal deve ser realizado de forma expedita – não em nome de um qualquer interesse ou poder do Estado que se justificaria a si próprio, mas em nome dos próprios contribuintes que vão suportar as despesas públicas em geral (potenciadoras de justiça e igualdade) e, em contreto, as próprias despesas da fiscalização. De facto, os contribuintes cumpridores têm o direito de exigir uma Administração eficiente, porque são eles que suportam toda a despesa do Estado. Isso implica a existência de um dever do legislador. Este deve, sem restrição inaceitável dos direitos fundamentais de qualquer cidadão, mesmo dos que fogem aos impostos, encontrar as formas mais eficientes e mais baratas de controlar a aplicação da lei, o que, numa sociedade moderna, implica o controlo administrativo da informação bancária sem qualquer espécie de requisitos, autorizações ou trâmites que a tornem ineficiente.114

Oswaldo Othon Saraiva Filho suscita o gravíssimo risco a que se exporia a eficácia da fiscalização tributária caso as autoridades fiscais dependessem de prévia autorização do Poder Judiciário para a obtenção de dados financeiros dos contribuintes em posse dos bancos:

Posição radical em sentido contrário, exigindo-se prévia autorização judicial, para que a Administração Tributária simplesmente exerça a sua função exclusiva de fiscalizar os tributos, na prática, inviabilizaria a fiscalização eficiente do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza: a cada fiscalização demandaria um pedido específico ao Poder Judiciário, que já exaurido de demandas, certamente atrasaria a investigação e a pesquisa, contribuindo

114 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 273.

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para a decadência do crédito fiscal, ou mesmo inviabilizaria a necessária fiscalização tributária, sendo esta indispensável para o real cumprimento dos princípios constitucionais da legalidade, da eficiência administrativa, da pessoalidade do imposto de renda, da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da livre e justa concorrência.115

A essas ponderações, o Autor soma os seguintes argumentos:

A Administração Tributária, no mundo de hoje, numa economia globalizada, em que, num simples clique no mouse do computador, fortunas são transferidas de uma conta bancária para outra, de um continente para o outro, reclama, para o enfrentamento desta realidade e para o cumprimento das exigências constitucionais, meios mais rápidos e eficiência de fiscalização. Não é de se esperar, rogata venia, que as necessárias rapidez e eficiência, reclamadas pela Constituição à Administração Tributária, possam ser atendidas pelo Poder Judiciário, não por falta de esforço e de elevado espírito público de seus ilustrados membros, mas em face da sua combatida morosidade, fato imputado à ingente sobrecarga de processos que os senhos magistrados são instados a dar vazão.116

Diante disso, para estímulo à reflexão, lança-se o seguinte questionamento retórico: seria coerente com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a teoria dos poderes implícitos afirmar-se que a Constituição expressamente atribui à Administração Tributária a missão de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte – com a finalidade de viabilizar o princípio da capacidade contributiva –, mas que não confere àquele ente o meio necessário e suficiente para que a realize?

Isto é, harmonizar-se-ia com a teoria dos poderes implícitos a interpretação de que, apesar da Constituição, no art. 145, §1º, explicitamente impor à Administração Tributária a atividade de identificar os patrimônios, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes, realizando o princípio da capacidade contributiva, ela não concedeu ao correlato órgão público o poder instrumental de fiscalizar, com efetividade, esses mesmos patrimônios, rendimentos e atividades econômicas quando tais elementos somente possam

115 SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 34.

116 SARAIVA FILHO, op. cit., p. 38.

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ser seguramente verificados por meio de documentos em posse de instituições financeiras?

No rastro do pensamento até aqui construído, parece claro que é diametralmente oposta à teoria dos poderes implícitos a interpretação favorável à oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária.

Explica-se: a referida interpretação leva, inexoravelmente, à conclusão de que a Constituição teria consagrado a impotência da Administração Tributária em cumprir a missão por ela mesma estabelecida no art. 145, §1º, naqueles suscitados casos em que a segura verificação do correto pagamento do tributo pelo contribuinte depende, necessariamente, de informações financeiras suas que estão em posse de instituições bancárias e análogas.

Por isso mesmo é que se reputa merecer uma nova reflexão o fundamento utilizado pelo Ministro Marco Aurélio, no voto proferido no RE n. 389.808, segundo o qual o acesso, nos termos da LC n. 105, da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes consistiria em “verdadeira coação política na cobrança de tributos, a contrariar a jurisprudência sedimentada – Verbetes nº 70, n. 323 e n. 547 da Súmula do Supremo”. Consoante demonstrado, tal acesso consubstancia mero instrumento de fiscalização de que dispõe o Estado para cumprir a missão constitucional de cobrar os tributos devidos conforme a capacidade contributiva de cada um, tal qual determinado pelo art. 145, §1º. O perigo da posição de se visualizar, aí, coação política vedada pela Constituição parece ser o de abrir margem para a interpretação de que estaria havendo coação política na cobrança de tributos sempre que nos deparássemos com alguma forma eficiente de fiscalização do contribuinte, que, justamente por sua eficácia, o estimulasse a pagar os tributos – receitas da sociedade, de interesse público – em vez de optar pela sonegação.

O que se defende neste tópico encontra estrondoso eco na doutrina.

Hugo de Brito entende que um eficaz poder de fiscalização por parte da Administração Tributária é inerente à atividade a ela imposta pelo art. 145, §1º, da Constituição:

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Não tivesse a administração a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, não poderia tributar, a não ser na medida em que os contribuintes, espontaneamente, declarassem ao fisco os fatos tributáveis. O tributo deixaria de ser uma prestação pecuniária compulsória, para ser uma prestação voluntária, simples colaboração do contribuinte, prestada ao Tesouro Público.117

Em razão disso, afirma que não se pode admitir “a posição extremada dos que sustentam a impossibilidade de identificação dos elementos necessários à cobrança do tributo, a pretexto de preservar o direito individual ao sigilo, ou à intimidade”.118

Também comentando o §1º do art. 145 da Constituição, Sacha Calmon ensina que:

É princípio instrumental do Direito o que proclama: quem tem fins deve ter meios. O dever de contribuir pode ser descumprido total ou parcialmente. Compete ao Estado, olhos postos na lei, conferir a correspondência do dever em face da lei, isto é, a sua função indeclinável e obrigatória de fiscalizar os contribuintes. O constituinte desejou obrigar a administração a cumprir, realizar o princípio da capacidade contributiva, autorizando-a a investigar a realidade e, conseqüentemente os contribuintes, sem intuito fiscalizatório, senão preparatório, com vistas a estabelecer um sistema efetivo e justo de tributação. A administração, portanto, terá que cumprir o ditame constitucional sob pena de desrespeito à Lei Maior, que a todos subordina.119

Concordando com a afirmação de que reconhecer a oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária é dela subtrair o meio necessário e suficiente para a realização da sua finalidade social imposta pela Constituição, Mary Elbe Queiroz alerta que obstar o acesso às contas e depósitos bancários é impedir o fisco de cumprir os preceitos constitucionais, pois lhe veda a possibilidade de conhecer e aferir com certeza e precisão a capacidade contributiva dos sujeitos passivos com

117 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 151.

118 Apud SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 40.

119 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 151.

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vistas à correta imposição tributária, o que resulta em uma grande injustiça fiscal e uma quebra de igualdade tributária.120

Roberto Massao reproduz doutrina estrangeira que corrobora a tese aqui desenvolvida:

Diversos autores estrangeiros também aderem a essa tese: os argentinos Félix Gustavo Guerrieri e Ramón Eduardo Pena asseveram que se deve ter presente que a equidade exige que os contribuintes sejam tributados de acordo com sua capacidade contributiva, e para isso resulta indispensável que o fisco esteja em condições de conhecer a verdadeira magnitude das rendas e dos patrimônios individuais. Para o professor português José Luís Saldanha Sanches, a tributação do rendimento segundo o princípio da capacidade contributiva implicou a tributação como base mundial daqueles que residem num determinado país, que se encontram na situação de sujeição. Como conseqüência, atribui-se o dever a cada cidadão de prestar, de forma periódica, informações sobre todos os rendimentos de que é titular; para que esse dever não seja aplicável a um segmento da população, como os empregados, impõe-se a criação de sistemas de controle, que englobam a análise dos dados bancários, que garantem o cumprimento da lei.121

A Nota Copes/Corin n. 2011/143 da Receita Federal do Brasil, evidencia que a adoção do lançamento por homologação demandou a existência de instrumentos, à disposição da Administração Tributária, de verificação eficaz da regularidade da declaração apresentada pelo contribuinte e do pagamento realizado, sob pena de se minar a percepção de risco por parte daqueles que têm o dever de pagar tributos, desestimulando-se o espontâneo cumprimento das obrigações tributárias:

Até o início da década de 1980, grande parte dos lançamentos tributários era do tipo denominado “por declaração”, previsto no art. 147 do CTN, onde o Fisco participava da formalização do crédito, executando um exame de pré-legitimidade dos valores que seriam exigidos. Esse exame prévio ao efetivo lançamento permitia um maior controle tributário, mas trazia consigo um ônus operacional aos agentes econômicos. Com o avançar das relações econômicas e jurídicas, que demandavam cada vez mais agilidade e menor intervenção do Estado, o Fisco teve de sistematicamente se afastar do momento da ocorrência do fato gerador. Essa mudança de postura do Fisco foi a principal motivação para que a exigência tributária migrasse para a modalidade de lançamento

120 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 141.

121 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 141.

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“por homologação”, no qual a Administração Tributária deixa de ser uma interveniente em cada fato gerador, para executar um papel de “controle de qualidade” sobre a atividade de pagamento do tributo, agora sem prévio exame da autoridade. Essa mudança de postura da Administração Tributária, adotada pela maioria das grandes economias mundiais só pode ser implementada em conjunto com a instituição de obrigações acessórias que garantissem o acesso às informações relativas à ocorrência dos fatos geradores. Os deveres instrumentais, que são prestados diretamente pelos contribuintes ou por terceiros vinculados ao fato ou negócio jurídico considerado relevante pela lei tributária, são fundamentais no sistema do lançamento por homologação. Sem as declarações prestadas e, mais ainda, sem o cruzamento e comparação dessas declarações, o sistema do lançamento por homologação não se sustentaria, pela impossibilidade da verificação da matéria tributável pelas autoridades tributárias. O conjunto das obrigações acessórias instituídas com base no § 1º, do art. 145, da CF, e no art. 113 do CTN é um dos pilares que garantem ao País fluxo contínuo de arrecadação espontânea, equivalente a 96% da arrecadação tributária. A espontaneidade está diretamente ligada à real percepção de risco pelo contribuinte faltoso. A Administração Tributária entende que o recolhimento espontâneo existe em razão da sensação de provável identificação do fato gerador e punição no caso de inadimplemento das obrigações, o que se chama de percepção de risco por parte do contribuinte.122

Sanches e Gama também relatam que, antigamente, a liquidação e a cobrança dos tributos competiam, primordialmente, à Administração Tributária, enquanto, atualmente, cabe, na maioria das vezes, ao próprio contribuinte o dever de quantificar e pagar o tributo devido, independentemente de qualquer ação prévia das autoridades fiscais, cujo papel principal acabou se tornando o de verificar a regularidade do procedimento feito pelo particular. Nesse contexto, destacam que:

A atividade do Fisco passou a consistir essencialmente neste controlo final: em verificar a veracidade das declarações (e em fiscalizar a sua existência). Ora se é nesta tarefa em que o Fisco se concentra nos nossos dias, a determinação dos meios de controlo que a Administração Fiscal pode utilizar é um aspecto essencial. Estabelecer um regime de liquidação e cobrança baseado na declaração e não oferecer ao Fisco os meios necessários para o seu controlo equivale a estabelecer uma presunção absoluta de veracidade dessa declaração – ou, por outras palavras, perguntar ao contribuinte se quer pagar e quanto quer pagar...123

122 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/14, p. 06.

123 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 272.

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Cumpre iluminar que Zalmo Denari afasta a tese de que a expressão “respeitados os direitos individuais”, constante do estudado art. 145, §1º, da Constituição, fundamentaria a oponibilidade do sigilo bancário às autoridades fiscais:

[...] Sem embargo, tenho por mim que o art. 145, §1º, da Constituição Federal, não tutela – segundo faz crer a pergunta – o direito ao sigilo de dados, mas sim o princípio da capacidade contributiva, permitindo à Administração pública adotar procedimento que, de certa forma, se opõe àquele previstos nos incisos X e XII do art. 5º da CF. De fato, a citada disposição normativa constitucional permite que a administração tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, sem desrespeito aos direitos individuais. Quais seriam esses direitos? Todos, à exceção daqueles previstos nos incisos X e XII, os quais, justamente, foram ressalvados no texto em exame. Por todo o exposto estou convencido de que o art. 145, §1º da Constituição Federal, sobre hospedar o princípio constitucional do respeito à capacidade contributiva, atua como limite ao alcance incidental de norma de mesma hierarquia. Trata-se, portanto, ao longo das considerações feitas no início deste trabalho, de ressalva à matéria tributária, em obséquio, ainda, ao princípio da autoridade pública, que prioriza o interesse público frente ao direito privado.124

Bastante esclarecedora, outrossim, a opinião de Aldemario Castro:

A cláusula final do art. 145, §1º, da Constituição, não reforça a inacessibilidade aos dados bancários ou financeiros, como querem alguns. As expressões ‘respeitados os direitos individuais e nos termos da lei’ procuram resguardar o contribuinte em dois sentidos: a) para as informações relacionadas com sua vida privada, em relação à não divulgação ou conhecimento amplo das mesmas; e b) na fixação de regras de organização e procedimento das ações fiscais quando voltadas para identificação de manifestações econômicas tributáveis.125

Eurico Marcos Diniz de Santi também visita o tema:

124 Apud SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 40-41.

125 CASTRO, Aldemario Araujo. Considerações acerca dos Sigilos Bancário e Fiscal, do Direito Fundamental de Inviolabilidade da Privacidade e do Princípio Fundamental da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 458.

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Alega-se, confusamente, que a quebra de sigilo bancário ofende o artigo 145, §1º, da Constituição, na medida em que tal dispositivo, apesar de possibilitar que a Administração Tributária, para conferir efetividade à realização da capacidade contributiva, pode identificar ‘o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte’, limita tais atividades ao respeito dos direitos individuais; e, no presente caso, a LC 105 não teria observado tais direitos. A não observância decorre do argumento de que a quebra de sigilo bancário ofende os direitos tutelados pelo artigo 5º, incisos X, XII, LIV e LV, todos da Constituição. Novamente revisitamos os mesmos incisos X, XII, LIV e LV do artigo 5º, agora direcionados pela inusitada via do artigo 145, §1º, sob a rubrica ‘direitos individuais’. Entretanto, como exposto até agora, nenhum desses dispositivos, devidamente modulados pelo sempre esquecido caput do artigo 5º tem o condão de infirmar a LC 105. Conforme demonstrado, ao contrário de opor-se, a LC 105 outorga concretude e regulamentação aos aludidos direitos.126

Nem poderia ser diferente, porquanto, como demonstrado em tópicos anteriores, mesmo os indigitados incisos X e XII do art. 5º da Constituição são devidamente respeitados pelo acesso direto da Administração Tributária às informações econômicas dos contribuintes em posse das instituições financeiras, sempre que atendidos os requisitos e garantias estabelecidos na LC n. 105/2001.

Deve-se ter em mente que o art. 145, §1º, é obra do poder constituinte originário, e não do poder constituinte derivado, pelo que apresenta, para os fins aqui discutidos, idêntica força normativa àquela do art. 5º, X e XII, devendo-se proceder à interpretação sistemática acima proposta, e não a uma interpretação que sufoque aquele dispositivo constitucional originário em nome desses últimos, os quais, como visto, sequer restam materialmente violentados.

Tão óbvio isso é para Aurélio Pitanga Seixas Filho que, em sua opinião, a autorização concedida pelo art. 145, §1º nada acrescenta à ordem jurídica brasileira, e os direitos individuais, dos quais o sigilo de dados é espécie, não são absolutos, mas, sim, sempre restringidos por outros importantes direitos individuais e coletivos:

126 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 624.

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[...] porquanto a autoridade fiscal competente para cobrar imposto incidente sobre o patrimônio ou a renda de uma pessoa tem competência, também, e concedida por lei, de fiscalizar o correto pagamento do imposto. Para isto, tem o Fisco um dever-poder, para identificar o patrimônio e os rendimentos auferidos pelos contribuintes, com discricionariedade sobre o momento, a oportunidade e a forma de agir. Por sua vez, os contribuintes não possuem qualquer direito subjetivo de se furtarem a identificar (confessar ou declarar) para o Fisco todo o patrimônio, todos os seus rendimentos e todas as suas operações tributadas, já que sonegar bens ou rendimentos está tipificado legalmente como crime. Com respeito à inviolabilidade do sigilo de dados previsto no artigo quinto, inciso XII, da Constituição de 1988, seria bom lembrar que os direitos dos indivíduos são restringidos pelos direitos de seus semelhantes, no singular ou no plural (direitos individuais ou coletivos), preponderando o interesse da sociedade sobre o individual.127

Tagliaferro argumenta, ainda, que afronta o princípio constitucional da separação de poderes a interpretação de que a Administração Tributária dependeria de prévia concordância do Judiciário para exercer a sua atividade típica, expressamente estabelecida na Constituição, de fiscalização do correto pagamento dos tributos pelos contribuintes, por meio da identificação do seu patrimônio, rendimentos e atividades econômicas:

Violaria a idéia de independência em relação ao Judiciário, princípio, aliás, elevado à condição de cláusula pétrea pelo inc. III, §4º do art. 60 da CF/88, a imposição da condição de autorização judicial para que o Executivo pudesse exercer suas atividades fiscalizatórias próprias.128

Nesse mesmo rumo, Seixas Filho deixa claro que, na divisão de funções entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, cabe a este último o dever imposto por leis, de todos os níveis, de conferir a exata aplicação das normas jurídicas, sendo, consequentemente, delegado às autoridades administrativas uma potestade – exercício do poder de polícia, de investigar e fiscalizar se as pessoas estão cumprindo corretamente seus deveres jurídicos. Daí decorre que o ato da Administração Tributária de acessar os dados bancários diretamente

127 Apud SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Segredos Bancário e Fiscal relacionados com a Administração Tributária e o Ministério Público. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 41.

128 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 98.

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é legítimo, eis que realizado no exercício do poder de polícia fiscal, que autoriza restrição de liberdades individuais e imposição de deveres aos particulares com vistas a uma justa e isonômica tributação, sendo dotado de auto-executoriedade com fundamento na Lei Complementar n.105/2001, independendo, nessa condição, de autorização judicial.129

Todas as ideias compartilhadas neste tópico governam o raciocínio jurídico à sólida conclusão de que a tese da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária também colide, abruptamente, com a Constituição da República em razão da sua total incompatibilidade com a teoria constitucional dos poderes implícitos, abraçada vigorosamente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

VIII DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO COMPARADO: A DEMOCRACIA E O ACESSO AOS DADOS BANCÁRIOS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA NO MUNDO

O presente tópico tem a imprescindível missão de desconstruir o equivocado mito do caráter antidemocrático do acesso direto, pela Administração Tributária, aos dados da movimentação financeira dos contribuintes em posse das instituições bancárias e análogas.

Isso será feito demonstrando-se que não procede adjetivar tal prática como arbitrária e antidemocrática, porquanto ela é adotada, sem maiores controvérsias, na esmagadora maioria dos países considerados, pelo senso comum, as mais avançadas democracias do nosso planeta.

Para tanto, bastante válido reiterar a afirmação de Massao de que pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – já havia revelado que, dos então trinta países membros daquela organização, apenas na Suíça, na Áustria e em Luxemburgo o acesso às informações bancárias não pode ser feito diretamente pela Administração Tributária. Dentre esses vinte e sete membros da OCDE que, segundo a pesquisa, já permitiam o acesso direto da Administração Tributária, independentemente de autorização judicial, aos dados da movimentação econômica do contribuinte junto às instituições financeiras estão, por exemplo, Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Canadá, Austrália,

129 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 98-99.

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Suécia, Finlândia, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica, países considerados democracias altamente desenvolvidas.

Como anteriormente observado, esse cenário evoluiu. Recentemente, em 2010, o Fórum Global da Transparência publicou novo estudo, intitulado “Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field”, o qual revelou que setenta países membros já permitiam o acesso a informações bancárias, sem autorização judicial, para fins de intercâmbio de informações, sendo que apenas dezoito membros ainda exigiam autorização judicial para que as suas autoridades fiscais obtivessem informações bancárias a serem intercambiadas com as Administrações Tributárias de outros países.

Tão poderoso é o movimento internacional no sentido do acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes que, em meio aos setenta países que não possuem reserva jurisdicional para tais informações, estão, até mesmo, tradicionais paraísos fiscais como Bahamas, Jersey e Ilhas Virgens Britânicas. Por outro lado, os dezoito países que ainda impõem – com grande pressão para que o deixem de fazer – a reserva jurisdicional para o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários dos contribuintes correspondem, predominantemente, a paraísos fiscais, e não a democracias avançadas e de destaque na economia internacional. É o que informa a Nota RFB Copes/Corin n. 2011/143:

De acordo com o documento Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field (Cooperação Tributária 2010: Em Direção a um Nível de Concorrência), produzido pelo Fórum Global, consoante resposta dos países, quase todas as jurisdições permitem que suas autoridades fiscais tenham acesso direto, sem necessidade de autorização judicial, a informações bancárias para fins fiscais, o que corrobora os dados apresentados até aqui. O estudo é um retrato da revolução que tem ocorrido nos últimos anos com relação à possibilidade de as autoridades fiscais terem acesso efetivo e célere a informações sobre bens e rendas, ainda que essas informações estejam em poder de instituições financeiras. Nesse sentido, setenta países responderam que permitem o acesso a informações bancárias sem autorização judicial para fins de intercâmbio de informações. Vale notar que muitos dos países que responderam ao questionário alteraram suas legislações recentemente para permitir esse acesso e, consequentemente, estarem compatíveis com os padrões de transparência estabelecidos pelo Fórum Global. A análise desses setenta países surpreende, pois muitos são tradicionais paraísos fiscais, como Bahamas, Jersey, Ilhas Virgens Britânicas,

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que não podem mais manter a postura de opor o sigilo bancário ao interesse da fiscalização de tributos. Por outro lado, de acordo com o referido documento, apenas dezoito jurisdições ainda exigem autorização judicial para que suas autoridades fiscais tenham acesso a informações bancárias para realizar o intercâmbio de informações com autoridades fiscais de outros países. Praticamente todas as jurisdições que ainda exigem algum tipo de autorização judicial para o intercâmbio de informações financeiras entre autoridades fiscais são países pouco expressivos no cenário econômico internacional ou centros financeiros ou tradicionais paraísos fiscais, quais sejam: Botswana, Brunei, Costa Rica, Chipre, Granada, Guatemala, Jamaica, Libéria, Liechtenstein, Luxemburgo, Qatar, Santa Lúcia, Samoa, Ilhas Turcas e Caicos, Uruguai e Vanuatu. É razoável presumir que a razão pela qual esses países ainda exigem autorização judicial para permitir o acesso a informações bancárias para fins tributários é justamente inviabilizar o efetivo e célere acesso a essas informações para fins de fiscalização tributária. Em outras palavras, ao criar essa dificuldade de acesso àquelas informações, procuram resguardar os interesses dos investidores internacionais que buscam o anonimato nos bancos locais. Assim, com relação a esses centros financeiros ou paraísos fiscais, a ausência de interesse em colaborar de forma célere e incondicionada no combate à evasão fiscal internacional ou a crimes como a lavagem de dinheiro está ligada ao interesse de manutenção de recursos estrangeiros em seus bancos. 130

Esse movimento internacional vem sendo prestigiado pelos tribunais estrangeiros, que têm reconhecido a finalidade democrática do acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes:

Ressalvamos que não encontramos nenhuma decisão internacional atual que entendesse ser ilegítimo o acesso direto ou indireto às informações bancárias por parte das autoridades fiscais. A título exemplificativo, em 18 de fevereiro de 1992, a Corte Constitucional italiana entendeu que o sigilo bancário não é um fim em si mesmo, razão pela qual não poderia representar um obstáculo às investigações sobre violações tributárias, aceitando o acesso direto. Portugal, que alterou recentemente sua lei, conforme visto acima, apresenta inúmeros julgamentos recentes, nos quais também se aceita o acesso direto às informações financeiras por parte da Administração Tributária. As intervenções judiciais recentes dizem respeito à verificação dos pressupostos do ato administrativo que requisita a informação, especialmente quanto à motivação expressa. Em outras palavras, não se discute em juízo se a possibilidade de requisição direta de informação bancária é legal, embora eventualmente o contribuinte leve a juízo o questionamento sobre a observância dos

130 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/14, p. 20-21.

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requisitos do ato administrativo no caso concreto. Analogamente, a Suprema Corte da Lituânia também aceitou o acesso direto às informações bancárias pelas autoridades fiscais, entendendo que a requisição se tratava de um ato administrativo. O Tribunal Constitucional espanhol fez uma distinção entre intimidade pessoal e “intimidade econômica”, sendo que nesta a proteção constitucional seria menos intensa. Vale lembrar que a Espanha também permite o acesso direto a informações bancárias pelas autoridades tributárias. O Tribunal Constitucional da Alemanha entendeu que, se uma lei somente pode ser fiscalizada de forma eficiente no caso de alguns contribuintes (pessoas físicas assalariadas que sofrem retenção do imposto na fonte), em detrimento de outros que tendem a demonstrar maior capacidade contributiva (pessoas físicas que auferem renda de capital e todas as pessoas jurídicas), então a discussão passa a ser sobre a possibilidade de concretização dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade. Em outras palavras, o Tribunal colocou a questão da eficácia social da lei tributária e como tornar efetivos os princípios da capacidade contributiva e a da igualdade entre contribuintes em primeiro plano. 131

Para a integral compreensão da importância do acesso direto da Administração Tributária aos dados da movimentação financeira dos contribuintes para toda a economia mundial, informa-se, uma vez mais, que Chinen relata que, no plano internacional, a globalização, movida pela revolução tecnológica, aumentou exponencialmente o potencial para abusos decorrentes da falta de acesso às informações bancárias para fins tributários, tendo sido, nesse contexto, removidas as tradicionais fontes de informação das transações bancárias, como os controles de câmbio132.

Diante disso, ele identifica terríveis conseqüências internacionais para a fruição de direitos humanos como a igualdade e para o atingimento dos objetivos dos Estados, estabelecidos em prol da sociedade:

Esse novo cenário mundial faz com que as autoridades fiscais estimem que as limitações ao acesso bancário para fins tributários causarão: a) comprometimento de sua capacidade de determinar e coletar o imposto devido pelos contribuintes; b) promoção de desigualdades entre os contribuintes que têm acesso aos recursos tecnológicos que facilitam o não-respeito à legislação tributária, e aqueles que não têm; c) desigualdade de tratamento tributário entre capital mobiliário e os rendimentos derivados do trabalho ou de propriedade imóvel; d) desestímulo ao cumprimento voluntário

131 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p.24.

132 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 58.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU106

das obrigações tributárias; e) aumento dos custos da administração tributária e a conseqüente elevação das obrigações tributárias por parte dos contribuintes; f) distorção dos fluxos internacionais de capital; g) injusta competição fiscal; h) bloqueio da cooperação internacional entre as administrações tributárias.133

No apontado caso da promoção, pela oposição do sigilo bancário às autoridades fiscais, da denunciada desigualdade entre capital mobiliário e os rendimentos derivados do trabalho, como já se iluminou no presente estudo, esta representa, em concreto, uma abissal – e, por isso mesmo, execrável – desigualdade entre, respectivamente, os mais poderosos contribuintes da economia mundial, que movimentam o capital financeiro internacional, e os trabalhadores assalariados de incomparavelmente reduzida condição econômica, a qual, não raramente, pouco supera o mínimo existencial.134

Sanches elucida que “a maioria dos países da OCDE chegou à conclusão de que as autoridades fiscais não deviam ser tratadas como terceiros, mas devia-lhes ser assegurado um acesso privilegiado à informação bancária com finalidades fiscais”.135

Melissa Folmann, expondo como a questão vem sendo conduzida no seio da OCDE, observa que:

[...] A ‘Convenção Modelo Relativa ao Imposto sobre a Renda e o Capital’, em seu art. 26, e os relatórios de 1998 e 2000 do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, representam a preocupação deste órgão em evitar a fraude fiscal e a concorrência desleal em matéria tributária, pregando como medida saneadora o levantamento do véu das informações bancárias às autoridades fiscais.136

No que concerne à Convenção Modelo Relativa ao Imposto sobre a Renda e o Capital (Model Tax Convention on Income and on Capital137),

133 CHINEN, op. cit., p. 58-59.

134 Lembra-se que, comumemente, cidadãos cujos elementos econômicos não revelam a superação sequer desse mínimo existencial são contemplados por isenções tributárias, sobretudo nos tributos diretos da União.

135 Apud BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 52.

136 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 102.

137 Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/14/32/41147804.pdf>. Acesso em: 26 maio 2011.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 107

o item 1138 do seu citado artigo 26 estabelece o dever dos Estados Contratantes de proceder ao intercâmbio de informações relevantes para fins fiscais não contrárias às disposições da própria Convenção. Já o item 5139 do mesmo dispositivo deixa claro que o Estado Contratante não poderá se negar a fornecer a informação de interesse fiscal requerida por outro Estado Contratante alegando que ela se encontra em posse de um banco ou instituição análoga.

Em outras palavras, nos termos da Convenção, não poderá o Estado Contratante se negar a fornecer a informação requerida para fins fiscais alegando a existência de sigilo bancário a impedir a sua obtenção e posterior intercâmbio.

Folmann também detalha o núcleo dos citados relatórios da OCDE, o de 1998 – Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue – e o de 2000 – Improving Access to Bank Information for Tax Purposes –, no que tange às conseqüências nefastas da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária:

Conclusão indelével que se pode retirar da análise do relatório de 1998, denominado Harmful Tax Competition – An Emerging Global Issue, no qual, dentre as recomendações mais importantes, estão: ‘para contrastar a competição fiscal prejudicial, os países devem revisar as suas leis, regulamentos e práticas sobre o sigilo bancário, para remover empecilhos de acesso a tais informações, por autoridades fiscais; intensificar o uso de trocas de informações, principalmente sobre as transações com países de tributação favorecida’ [...] Essas recomendações foram complementadas pelo Relatório de 2000, segundo o qual o cenário do sigilo pós 1985 sofreu alterações geradas pela transnacionalização, mas principalmente pela tecnologia promovedora da ‘Era da Banca sem fronteiras’ com uma melhora no nível de vida e das transações financeiras. Todavia, esse sistema trouxe também uma maior dificuldade de fiscalização tributária, podendo ocasionar conseqüências nacionais pela inviolabilidade de sigilo bancário em face do Fisco, como: a injustiça fiscal e a falta de equidade; e no plano internacional: obstáculos à cooperação e concorrência fiscal nociva. Nesse sentido, apesar de o sigilo ser

138 1. The competent authorities of the Contracting States shall exchange such information as is foreseeably relevant for carrying out the provisions of this Convention or to the administration or enforcement of the domestic laws concerning taxes of every kind and description imposed on behalf of the Contracting states, or of their political subdivisions or local authorities, insofar as the taxation thereunder is not contrary to the Convention. The exchange of information is not restricted articles 1 and 2.

139 5. In no case shall the provisions of paragraph 3 be construed to permit a Contracting State to decline to supply information solely because the information is held by a bank, other financial institution, nominee or person acting in an agency or a fiduciary capacity or because it relates to ownership interests in a person.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU108

uma manifestação da intimidade da pessoa, conforme reconhece o órgão em caso, o mesmo mantém a recomendação da abertura das informações bancárias ao Fisco, destacando como exemplo a Coréia, onde a declaração de rendimentos é feita automaticamente pelo banco à administração tributária sobre a importância, retenções, contas acessadas, identificação do titular, local de residência, registro mercantil. Esse sistema, conforme o item 42 do Relatório facilitaria a relação do contribuinte com o Fisco na medida em que complementa as informações a serem declaradas pelo sujeito passivo.140

Além disso, ao mesmo tempo em que exalta a necessidade do intercâmbio, para fins fiscais, de informações bancárias entre os Estados e, para que isso aconteça, o acesso da Administração Tributária às informações bancárias sigilosas, ela explicita o posicionamento da OCDE de que, para que o indivíduo não tenha sua intimidade violada, faz-se necessária a manutenção do caráter não público dos dados, por meio da chamada transferência de sigilo – ou, em outras palavras, da continuidade da proteção das informações contra a divulgação ao público, antes a título de sigilo bancário e, agora, sob o manto do sigilo fiscal, exatamente, aliás, como determina a LC n. 105/2001, no Brasil:

Para a OCDE a troca de informações bancárias entre Estados não representa mais um fator a ser ponderado, mas uma necessidade do mercado global na busca pela justiça fiscal e da desconstrução de paraísos fiscais, os quais indiretamente propiciam a lavagem de dinheiro decorrente do narcotráfico, todavia esse órgão reconhece ser o sigilo bancário uma parcela do direito à intimidade, o qual, uma vez violado, pode pôr em risco a situação econômico-financeira do indivíduo, desta feita aponta o sigilo fiscal como forma de garantia do sigilo das informações bancárias obtidas pelo Fisco em decorrência de seu processo de fiscalização.141

Daí ressalvar que a OCDE pontua, ao início de seus relatórios, que

[...] devido à importância do sigilo bancário na banca de um país, há que se vigiar o acesso da administração tributária à informação bancária. A supressão do sigilo bancário por motivos fiscais deverá realizar-se sempre com estritas precauções para garantir que a informação vá ser utilizada exclusivamente por razões especificadas por lei.142

140 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 103.

141 FOLMANN, op. cit., p. 102.

142 FOLMANN op. cit., p. 104.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 109

Chinen constrói o seguinte panorama histórico a respeito da evolução do tema no bojo da OCDE:

O sigilo bancário vem merecendo particular atenção, numa perspectiva do direito tributário internacional, por parte da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento), já há algumas décadas. Em setembro de 1977, adotando uma recomendação sobre a evasão e fraude fiscais, a organização elaborou estudos concluindo que em todos os países existiam disposições que permitiam às instituições de crédito recusar informações relativas aos negócios dos clientes, que poderiam dar cobertura a situações pouco transparentes, prejudicando tanto a administração tributária como os próprios contribuintes, pelo estímulo de uma efetiva discriminação com relação àqueles que não se beneficiavam desse instituto. Um grande número de países acolheu a tese de que as autoridades fiscais não deviam ser consideradas simples terceiros quanto ao segredo bancário, sobretudo, se houver a possibilidade de facilitação ou promoção de fraudes fiscais. Na década de 80 do século XX, através do relatório ‘Tributação e o Abuso do Sigilo Bancário’ (Taxation and the Abuse of Bank Secrecy), de 1985, a OCDE sugeriu o relaxamento do sigilo bancário em face das autoridades fiscais. No relatório ‘Competição Fiscal Nociva: uma questão global emergente’ (Harmful Tax Competition: An Emerging Global Issue), produzido pela OCDE em 1998, que tinha por objetivo proporcionar um melhor entendimento das práticas fiscais nocivas e recomendar medidas para combatê-las, foi recomendado que os países membros revisassem suas leis, regulamentos e práticas que disciplinavam o acesso à informação bancária, no sentido de remover impedimentos ao acesso de tais dados pelas autoridades fiscais. Em março de 2000, a OCDE, através do Comitê de Assuntos Fiscais, publicou o relatório ‘Melhorando o Acesso à Informação Bancária para Fins Fiscais’ (Improving Access to Bank Information for Tax Purposes), contendo considerações sobre como melhorar a cooperação internacional com respeito ao intercâmbio de informações em posse de bancos e outras instituições financeiras para fins tributários. Os principais objetivos do relatório foram: a) descrever as atuais posições dos países-membros acerca do acesso à informação bancária; b) sugerir medidas visando melhorar o acesso à informação bancária para fins tributários.143

A análise de André Terrigno Barbeitas sobre o tratamento da questão em diversas importantes democracias ocidentais permite perceber como é extremamente minoritária, no âmbito internacional, a posição de se vedar o acesso direto da Administração Tributária aos dados da movimentação financeira do contribuinte, sobretudo quando precedido do atendimento de inúmeros requisitos e garantias,

143 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 56-57.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU110

como os estatuídos na LC n. 105/2001 e nas normas infralegais que a regulamentam:

No campo fiscal, verificamos que a maior parte dos países analisados prevê um sistema de acesso controlado da Administração Tributária aos dados bancários, seja mediante a instauração de um procedimento administrativo com a prévia notificação do contribuinte (Áustria, Alemanha, Espanha, EUA, Argentina e em Portugal após o ano de 2000) seja em virtude da necessidade de demonstração (a) de fundadas suspeitas (Bélgica) ou (b) de que houve a tentativa infrutífera de obter os dados junto ao próprio contribuinte (Holanda). Já o acesso sem restrições do Fisco às informações bancárias é o sistema adotado pela Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá e Itália. A Suíça, por seu turno, constitui o exemplo isolado de vedação do acesso.144

Para Barretto, nada mais natural:

No país mais rico do mundo, os Estados Unidos, cujo PIB é de nove trilhões de dólares, o fisco tem legitimidade para acessar dados pessoais dos contribuintes, sem que haja manifestações de indignação. As instituições funcionam, a democracia não se sente ameaçada. Ressalte-se que o povo americano tem paixão por ações de danos morais. Os fatos mais banais resultam em indenizações milionárias.145

Ainda sobre o panorama internacional, Ricardo Lobo Torres informa:

Com a crise financeira mundial de 2008, tornou-se dramática a influência das questões de finanças públicas sobre o sigilo bancário e os paraísos fiscais. A correspondente Deborah Berlinck subscreve a seguinte notícia: ‘O que está em jogo não é pouco. Estima-se que os paraísos fiscais movimentem US$ 11,5 trilhões. Com a crise, governos passaram a apoiar o cerco a esses países, de olho no aumento de suas receitas. A pressão é grande. O caso mais emblemático dessa mudança é a Suíça. Uma violenta queda de braço com as autoridades americanas levou o maior banco da Suíça – o UBS – a concordar esta semana a entregar os nomes de 4.450 clientes americanos suspeitos de evasão fiscal. Um duro golpe contra o segredo bancário suíço, que já vinha se erodindo nos últimos anos, sob pressão dos EUA’. De modo que a recepção das normas antissigilo bancário, sob a

144 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 53.

145 BARRETTO, Ricardo Cesar Mandarino. Sigilo bancário: direito à intimidade ou privilégio. In: Direito federal. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, v.21, n.69, jan./mar. 2002. p. 252.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 111

inspiração do princípio da transparência, vem acertar o passo do direito tributário brasileiro com o das nações mais adiantadas.146

Acerca do princípio da transparência e da cooperação internacional em matéria tributária, cujo sucesso depende, necessariamente, da possibilidade de obtenção, pela Administração Tributária do país requerido, das informações de interesse fiscal do país requerente, ainda que em posse de bancos e instituições análogas, aprofunda o referido Autor:

A legislação brasileira, nos últimos anos, vem procurando se precaver contra os paraísos fiscais, fonte de grande evasão fiscal através de tributação favorecida e de ocultação de resultados tributáveis. Mas, recentemente, algumas normas jurídicas federais passam a definir o paraíso fiscal também em função da opacidade da sua conduta e do fechamento à troça de informações. Assim é que o art. 24 da Lei 11.727, de 23.06.2008, modificou o art. 24 da Lei 9.430/96, introduzindo-lhe o §4º e acrescentando-lhe o art. 24-A, com a redação dada pela Lei 11.941/09. Explica, a propósito, Heleno Torres: ‘Como se depreende, o conceito atual de ‘países com tributação favorecida’ compreende países que garantem o sigilo societário e a confidencialidade do beneficiário efetivo dos rendimentos, bem como aqueles que se recusam a cooperar com as autoridades fiscais de outros Estados e que concedem vantagens específicas para investimentos de não residentes, sem condicioná-los ao exercício de atividade econômica’. No plano cosmopolita, destaca-se o trabalho da OCDE, que acaba por influenciar até a conduta de países que não lhe são filiados, como o Brasil. O novo art. 26 da Convenção Modelo da OCDE dispõe sobre a troca de informações. Outros documentos importantes da OCDE são a proposta para a adoção de modelos de transparência e cooperação fiscal e a reformulação da black list dos países não cooperativos. [...] A conclusão que se retira deste artigo é a de que os sigilos bancário e fiscal se encontram em fase de grande transformação, na busca de maior transparência e de proteção da concorrência. A legislação brasileira e o direito comparado caminham no sentido de combater efetivamente a evasão fiscal, em todas as suas manifestações, que foi uma das causas mais relevantes da crise financeira mundial de 2008.147

146 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 156.

147 TORRES, Ricardo Lobo. Sigilos Bancário e Fiscal. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 158-159.

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Marcos Aurélio Pereira Valadão148 medita sobre a tendência internacional que inspirou a declaração final da Cúpula de Londres do G-20149, de abril de 2009, na qual se proclamou que “a era do segredo bancário acabou”:

Há uma tendência internacional à chamada transparência tributária internacional, que se reflete no fortalecimento do Fórum da Transparência e Troca de Informações Tributárias, criado sob a OCDE, mas que tem a participação de diversos membros não associados daquela organização, como é o caso do Brasil, que aderiu ao Fórum em setembro de 2009, na reunião do México. Desde a eclosão da crise financeira de 2007, as economias mais importantes do mundo, reunidas sob o chamado G20, têm tentado agir de maneira coordenada no sentido de buscar soluções para a crise e de preveni-las. O G20 estabeleceu na Cúpula de Londres do G-20, ocorrida em abril de 2009, na declaração final, que entre as ações a serem tomadas pelos Governos está a troca de informações tributárias, sem favorecimento ao sigilo bancário, nos seguintes termos: ’15. To this end we are implementing the Action Plan agreed at our last meeting, as set out in the attached progress report. We have today also issued a Declaration, Strengthening the Financial System. In particular we agree: […] to take action against non-cooperative jurisdictions, including tax havens. We stand ready to deploy sanctions to protect our public finances and financial systems. The era of banking secrecy is over. We note that the OECD has today published a lista of countries assessed by the Global Forum against the international standard for exchange of tax information’ 150.

148 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Troca de Informações com base em Tratados Internacionais e os Sigilos Fiscal e Bancário. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 430.

149 O G20 é formado pelas autoridades das finanças e dos bancos centrais dos seguintes países: Alemanha, Arábia Saudita, África do Sul, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia (Federação Russa) e Turquia. A União Europeia também integra o grupo como seu vigésimo membro. Disponível em: <http://www.g20.org/about_what_is_g20.aspx>. Acesso em: 04 set. 2011.

150 Tradução livre: ‘15. Para este fim, estamos implementando o Plano de Ação acordado no nosso último encontro, tal como definido no relatório de progresso anexo. Hoje também emitimos uma Declaração, reforçando o Sistema Financeiro. Em particular, concordamos em: tomar medidas contra as jurisdições não-cooperativas, incluindo paraísos fiscais. Estamos prontos para impor sanções para proteger nossas finanças públicas e sistemas financeiros. A era do segredo bancário acabou. Notamos que a OCDE publicou hoje uma lista de países avaliados pelo Fórum Global com base no padrão internacional para a troca de informações fiscais.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 113

Valadão aborda de forma mais minuciosa o Fórum da Transparência Tributária, do qual o Brasil passou a fazer parte em setembro de 2009:

Neste sentido, o Fórum da Transparência Tributária constituiu-se no fórum onde as direções a respeito do fortalecimento da transparência tributária serão tomadas. A troca de informações em matéria tributária, ao lado de legislação que permita o acesso à verificação dos sócios e proprietários das empresas e de suas atuações é o núcleo da atuação do Fórum. O parâmetro atual para se atingir o standard da troca de informações de uma jurisdição cooperante é a existência de 12 tratados que contenham as cláusulas padrões do art. 26 do Modelo da OCDE (DTA ou TIEA). A tendência é que esse padrão seja refinado no sentido de verificar a efetividade da troca de informações, considerando, evidentemente, também a legislação interna de cada país. A partir da reunião do México, o Fórum passou a ter participação igualitária de seus membros, com direito a voz e voto, mesmo os não membros da OCDE (equal footing), e a contar com dois subgrupos: o grupo direto (Steering Group) e o grupo de revisão dos pares (Peer Review Group), que fará periodicamente a revisão das legislações e da rede de tratados, que permitem troca de informações tributárias, dos países membros e não membros, para verificar se seguem os standards das chamadas jurisdições cooperativas. O Brasil, que somente passou a fazer parte do Fórum a partir da reunião de setembro no México, integra ambos os grupos. O Fórum tem editado relatórios sobre essas revisões (somente em relação aos países membros). Além disto, o Fórum da Transparência edita e atualiza o Progress Report on the jurisdictions surveyed by the OECD Global Fórum in implementing the internationally agreed tax standard (Progress Report). Especificamente em relação ao acesso a informações bancárias, o Comitê de Assuntos Físicos da OCDE editou em 2007 um documento (Improving Access to Bank Information for Tax Purposes: The 2007 Progress Report), no qual destaca o trabalho iniciado anteriormente e que havia resultado em um documento semelhante editado em 2000. Além disto, há o esforço no sentido de se eliminar tratamentos legais problemáticos, como contas sem identificação do titular etc. Percebe-se por este documento a evolução da necessidade de acesso às informações bancárias no contexto das trocas de informações tributárias em nível internacional.151

Demonstrando a força da tendência internacional, o Autor evidencia que, além dos tratados sobre dupla tributação, nos quais é comum a

151 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. Troca de Informações com base em Tratados Internacionais e os Sigilos Fiscal e Bancário. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 431.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU114

inclusão da cláusula de troca de informações, “somente em 2009, foram assinados e entraram em vigor 184 Tratados sobre Troca de Informações Tributárias entre os mais diversos países do mundo, especialmente os chamados paraísos fiscais, sendo todos seguindo o padrão do Fórum da Transparência”152. Ademais, também são freqüentes as cláusulas de troca de informações nos tratados de cooperação aduaneira.

Bastante útil para se compreender o contexto internacional da afirmação do G20 de que “a era do sigilo bancário acabou”, o conhecimento do teor da chamada cláusula padrão (art. 26) dos modelos da ONU e da OCDE, sobretudo do seu parágrafo quinto, que é explícito quanto à inoponibilidade daquela espécie de sigilo como óbice à obtenção, pela Administração Tributária, dos dados financeiros dos contribuintes em posse dos bancos e instituições análogas:

Troca de Informações

As autoridades competentes dos Estados contratantes trocarão entre si a informação presumivelmente relevante para aplicar as disposições da Convenção ou para administrar ou por em vigor as leis internas dos Estados contratantes, das suas subdivisões políticas ou autarquias locais, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária à Convenção. A troca de informações não é restringida pelo disposto nos Artigos 1º e 2º.

Qualquer informação recebida, nos termos do parágrafo 1º, por um Estado Contratante, será considerada secreta do mesmo modo que a informação obtida com base na legislação interna desse Estado e só poderá ser comunicada às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e autoridades administrativas) encarregadas da liquidação ou cobrança dos impostos objeto desta Convenção, ou dos procedimentos declarativos ou executivos relativos a estes impostos, ou da decisão de recursos referentes a estes impostos. Essas pessoas ou autoridades utilizarão as informações assim obtidas apenas para os fins referidos. Essas informações podem ser reveladas em audiências públicas de tribunais ou em decisões judiciais. [...]

O disposto no número 1 e 2 não poderá ser interpretado no sentido de impor a um Estado contratante a obrigação de:

a) tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação, e à sua prática administrativa ou às do outro Estado contratante;

152 VALADÃO, op. cit., p. 438.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 115

b) fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua própria legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou nas do outro Estado contratante;

c) transmitir informações reveladoras de segredos ou processos comerciais, industriais ou profissionais, ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública.

[...]

5. O disposto no número 3 não pode em caso algum ser interpretado no sentido de permitir que um Estado contratante se recuse a prestar informações apenas porque estas são detidas por uma instituição bancária, um outro estabelecimento financeiro, um mandatário ou por uma pessoa agindo na qualidade de agente ou fiduciário, ou porque essas informações são conexas com os direitos de propriedade de uma pessoa.

A doutrina historia que o Brasil tem adotado cláusula de troca de informações em todos os seus tratados153, cuja redação foi evoluindo ao longo do tempo. Revela-se que o Brasil tinha reservas em relação ao parágrafo quinto da Convenção Modelo da OCDE, introduzido em 2004, sendo que, recentemente, foram elas retiradas, o que adequou o país ao padrão observado pelos países considerados jurisdições cooperativas.

Acerca de reunião, no âmbito da OCDE, realizada em Berlim, em junho de 2009, com pauta voltada ao tema da troca de informações fiscais e de como as Administrações Tributárias vão se posicionar para tornar mais eficazes suas respectivas legislações, conta Marco Aurélio Greco:

É interessante que a segunda conclusão da reunião de Berlim é no sentido de a transparência e a troca de informações em matéria fiscal serem a base para uma competição equitativa numa economia global e maneiras de assegurar a carga tributária adequada em relação aos contribuintes honestos. Notem como é interessante: 19 Ministros da Fazenda, 23 de junho de 2009, dizendo que troca de informações é um instrumento adequado para assegurar a carga tributária justa ao contribuinte honesto. Ou seja, o tema da troca de informações assumiu um novo perfil, com reflexo não apenas no âmbito da

153 Cf. Art. 199 do Código Tributário Nacional: “[...] a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU116

arrecadação, mas também do efeito que esta produz em relação ao contribuinte que cumpre suas obrigações.154

Na mesma linha, J.L. Saldanha Sanches e João da Gama raciocinam:

Os acontecimentos dos últimos anos, sobretudo dos últimos dois anos, vêm reforçar o que até aqui apontamos – neste texto e noutros – quanto à necessidade da abolição do sigilo bancário. Pela primeira vez, tem-se assistido a uma pressão internacional séria para que o sigilo bancário deixe de ser um dever absoluto em que as instituições financeiras de algumas jurisdições se refugiam para proteger (e atrair) os seus clientes. Esta pressão passa sobretudo pelos esforços dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido e da França contra as zonas de baixa fiscalidade que recusam a troca de informações. O mesmo tipo de pressão foi internacionalmente coordenado pela OCDE e pelo FMI. É significativa, por exemplo, a alteração aos artigos 26º da Convenção Modelo da OCDE, da Convenção Modelo das Nações Unidas e da Convenção Modelo americana, que passaram a excluir a possibilidade de um Estado negar a informação que deve prestar no âmbito dos mecanismos de troca de informações com base nas regras sobre sigilo bancário, garantindo, assim, uma efectivação dos poderes tributários dos vários estados. Também é significativa a afirmação constante da proposta de Common Principles and Standards on Propriety, Integrity and Transparency for International Dealings apresentada pelo G8 em Áquila, em Julho de 2009, segundo a qual ‘o segredo bancário não deve constituir um obstáculo à aplicação dos princípios mencionados [sobre integridade e transparência], incluindo o cumprimento das obrigações fiscais. Que significado pode ser atribuído à ofensiva internacional contra o segredo bancário, entendido como fundamento para a recusa de cooperação com as autoridades fiscais? A pressão internacional para que todas as jurisdições passem a permitir o acesso das Administrações fiscais aos registos bancários veio em larga medida expor as verdadeiras razões por trás da existência de regimes em que o sigilo é quase absoluto.155

Eurico Marcos Diniz de Santi cogita que, “talvez, seja o alvorecer, perante a crise econômica, de uma nova ordem global que se enquadra bem ao que Marcelo Neves denomina transconstitucionalismo”, conceito este assim explicado por Neves:154 GRECO, Marco Aurélio. Troca Internacional de Informações Fiscais. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo

Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 177.

155 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 281-282.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 117

[...] o reconhecimento de que as diversas ordens jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-caso – a saber, de direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder -, que lhes são concomitantemente relevantes, devem buscar formas transversais de articulação para a solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus próprios limites e possibilidades de contribuir para a solução do problema. Sua identidade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação do outro. Isso parece-me frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo observador tem um limite de visão no ‘ponto cego’, aquele que o observador não pode ver em virtude de sua posição ou perspectiva de observação. Mas se é verdade, considerando a diversidade de perspectivas de observação de alter e de ego, que ‘eu vejo o que tu não vês’, cabe acrescentar que o ‘ponto cego’ de um observador pode ser visto pelo outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que o transconstitucionalismo implica o reconhecimento dos limites de observação de uma determina ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver.156

Na Nota Copes/Corin n. 2011/143, a Receita Federal sintetiza, com grande clareza, a evolução histórica, na ordem internacional, do acesso a dados bancários pelas autoridades fiscais. Pelo caráter didático e pela riqueza de detalhes desse relato, pede-se licença para transcrevê-lo:

Em relação ao crescente acesso, nas relações internacionais, a informações sobre a propriedade de bens e rendas dos contribuintes, por parte das autoridades fiscais, é possível delinear três fases evolutivas:

(i) A primeira fase se caracterizou pela percepção da fragilidade que as autoridades fiscais tinham para fiscalizar contribuintes apenas em um Estado;

(ii) A segunda fase se caracterizou por ser o início do combate à possibilidade de os contribuintes usarem estratagemas para ocultar bens e rendas em outros países, especialmente em paraísos fiscais, utilizando-se do sigilo bancário; e

156 Apud SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 610.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU118

(iii) A terceira fase diz respeito ao momento atual, caracterizado pela inoponibilidade do sigilo bancário às autoridades fiscais, pela integração das informações sobre bens e rendas entre as administrações tributárias da maior parte dos países e pela integração das atividades de fiscalização tributária e combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.

I- Primeira fase: a identificação da necessidade de expandir os poderes das autoridades fiscais além das fronteiras nacionais

Há mais de trinta anos algumas nações desenvolvidas começaram a se preocupar com a aplicação das normas tributárias e penais internas em transações internacionais. O aumento das relações econômicas internacionais fez surgir novas oportunidades para a prática de evasão fiscal e de crimes de diversos tipos. Para exemplificar, do ponto de vista estritamente tributário, as empresas multinacionais conseguem transferir lucros, despesas e prejuízos de uma jurisdição para outra com artifícios como a estruturação de transações e composições societárias, os quais dificilmente podem ser combatidos apenas a partir das informações declaradas pelo contribuinte ao Fisco de um só país. Não raro, essas estratégias levam a imprensa, estrangeira ou nacional, a noticiar casos de cobrança de impostos e multas que ultrapassam centenas de milhões de dólares. Identificado que esse novo cenário das relações econômicas internacionais potencializava as oportunidades para abusos, os Estados mais ricos perceberam que a fiscalização das empresas multinacionais já não podia ser realizada apenas em um país. Como, até então, as autoridades fiscais fiscalizavam as multinacionais em apenas uma jurisdição, abriam-se oportunidades para a evasão fiscal internacional.

Em razão dessa constatação, em 1975, a Comunidade Européia e outros países decidiram ampliar a capacidade de fiscalização de suas autoridades fiscais para além de suas próprias fronteiras. Esse foi o início de uma série de medidas adotadas com o objetivo de integrar as administrações tributárias e expandir seu poder de fiscalização para a dimensão internacional. Em 19 de dezembro de 1977, o Conselho Europeu adotou a Diretiva 77/799/CEE, que tem por objeto o intercâmbio internacional de informações para a fiscalização de tributos. Na introdução da Diretiva fica ressaltada a necessidade de compatibilizar o poder de fiscalização das administrações tributárias com a nova realidade econômica, considerando a possibilidade de violação do princípio da justiça fiscal e distorções nos movimentos de capital e concorrência, que decorreriam dos casos de evasão fiscal internacional.

Embora já existissem cláusulas de intercâmbio de informações em Acordos para Evitar a Dupla Tributação, a Diretiva do Conselho

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Europeu representou um marco histórico, ao reconhecer que a evasão tributária internacional tinha um papel negativo sobre a justiça fiscal e a concorrência. Além disso, reconheceu que os poderes das administrações tributárias e seus mecanismos tradicionais de fiscalização local precisavam ser complementados em âmbito internacional, considerando a realidade das relações econômicas que se impunha. Em decorrência desse primeiro movimento foram celebrados inúmeros acordos internacionais que permitiram o intercâmbio de informações entre administrações tributárias para a realização de fiscalizações. A década de 1970 e o começo da década de 1980 caracterizaram-se pelo incremento no número de acordos internacionais firmados para possibilitar o intercâmbio de informações com vistas a subsidiar fiscalizações tributárias de fatos que envolviam mais de uma administração tributária, mas isso não foi acompanhado de um forte e consistente movimento conjunto internacional de expansão do acesso a informações (inclusive bancárias) para as autoridades fiscais. Por outro lado, naquele período houve um crescimento exponencial dos montantes de depósitos estrangeiros em bancos de todo o mundo, especialmente em paraísos fiscais, o que provocou novas iniciativas no sentido de aumentar a efetividade da fiscalização, por meio, inclusive, do acesso a informações bancárias.

II - Segunda fase: começo das iniciativas para abolir o sigilo bancário e aumentar o acesso às informações bancárias para fins fiscais

Enquanto a primeira fase do processo histórico global de evolução das prerrogativas de fiscalização das autoridades fiscais dizia respeito à possibilidade de fiscalização internacional, especialmente por meio de intercâmbio de informações, a segunda fase foi caracterizada pelo início da implementação das medidas com o fito de aumentar o acesso às informações bancárias para fins fiscais. Em 1985, a OCDE por meio do documento Taxation and The Abuse of Bank Secrecy (Tributação e Abuso do Sigilo Bancário) já apresentava algumas iniciativas, mesmo que tímidas, para o combate ao sigilo bancário inflexível, indicando que diversas jurisdições já começavam a se posicionar contra a oponibilidade do sigilo bancário para as autoridades fiscais.

Em 1985, o Comitê produziu o relatório Taxation and The Abuse of Bank Secrecy [Tributação e Abuso do Sigilo Bancário] [...]. Para tratar as adversas consequências domésticas e internacionais indicadas acima, o relatório de 1985 sugeriu ‘aumentar, onde necessário, a informação disponível domesticamente por meio de flexibilização do sigilo bancário para autoridades fiscais’, ao intimar autoridades fiscais de países com limitado acesso a informações bancárias a encorajar seus governos a flexibilizarem o sigilo bancário aplicável às autoridades fiscais, usando como fundamento para essa flexibilização o crescente relaxamento dessas regras em outros

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países da OCDE e as recomendações de organizações internacionais tais como o Conselho da Europa. (g.n., tradução livre)

Em 1998, no documento Harmful Tax Competition: an Emerging Global Issue (Competição Fiscal Prejudicial: um Problema Global Emergente), começam a ser debatidos temas como a competição fiscal prejudicial entre países e o fato de o sigilo bancário para fins tributários ser um elemento impeditivo para detectar e prevenir o abuso de regimes fiscais privilegiados pelos contribuintes. Nesse documento, reaparecem, agora de forma mais enfática, as sugestões de extinção da oponibilidade do sigilo bancário ao poder de fiscalização da administração tributária em qualquer país. Esta nova fase global de desenvolvimento do poder fiscalizatório das autoridades tributárias é definitivamente caracterizada e reforçada em 2000, no âmbito da OCDE, por meio do documento Improving Access to Bank Information for Tax Purposes (Melhorando o Acesso a Informações Bancárias para Fins Tributários). Neste documento, já se identifica a nítida tendência de expansão do acesso à informação bancária para fins tributários nas leis internas de muitos países e seu alinhamento sobre esse tema:

A maior parte dos países relatou mudanças em suas leis ou regras ou práticas administrativas com relação ao acesso à informação bancária. Na maior parte, as mudanças refletiram um movimento em direção à expansão do acesso às informações bancárias para fins tributários. (g.n., tradução livre)

Neste documento fica claro que, até o ano 2000, poucos países apresentavam restrições significativas ao acesso à informação bancária por parte das autoridades fiscais. Por exemplo, a partir de 1º de abril de 1995, para que as autoridades fiscais tivessem acesso à informação bancária, a Finlândia não exigia que a informação bancária fosse necessária para fins tributários, passando a ser suficiente que a informação bancária pudesse ser necessária para fins tributários. No mesmo sentido, em 1997, a Polônia aboliu todas as restrições para o acesso à informação bancária para fins tributários.

Além disso, consta do relatório da OCDE que, em 2000, dos trinta países que participaram do levantamento, apenas dez não enviavam automaticamente algum tipo de relatório com informações bancárias para as autoridades fiscais, como atualmente ocorre no Brasil nos moldes da Declaração de Informações sobre a Movimentação Financeira (DIMOF)157. Em outras palavras, a prática brasileira de exigir das instituições financeiras relatório com algum tipo de informação bancária é consagrada mundialmente há mais de uma década. Daquele estudo pode-se concluir que, há quase 20 anos as

157 A DIMOF é um relatório enviado automaticamente pelas instituições financeiras à RFB contendo valores globais de movimentações financeiras, sem identificar a natureza do gasto do correntista.

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legislações internas de outros países já eram mais abrangentes do que os atuais parâmetros da legislação brasileira para a requisição de informações bancárias. Além dos exemplos da Finlândia e Polônia, outras leis internas estrangeiras não estabelecem hipóteses tão fixas e objetivas como pressuposto para a requisição direta de informações bancárias pelas autoridades fiscais. Essas tendem a estabelecer critérios mais flexíveis como a mera (i) presença de indícios de desconformidade ou (ii) quando a informação bancária puder ser útil para a fiscalização. Nesse sentido, o art. 3º do Decreto nº 3.724, de 2001, que regulamenta as hipóteses em que é possível o Auditor-Fiscal requisitar informações bancárias, é muito mais limitador do que as leis de outros países, por prever hipóteses específicas, que, em verdade, nem sempre cobrem todas as necessidades concretas de fiscalização. Portanto, além de a legislação brasileira garantir mais proteção aos dados bancários, ela também restringe o acesso das autoridades fiscais a esses dados em maior grau do que as leis estrangeiras em geral.

Ainda com relação ao documento Improving Access to Bank Information for Tax Purposes 2000, outros fundamentos são apontados para contextualizar a necessidade de as autoridades fiscais terem acesso a informações bancárias. No documento, sustenta-se que a limitação de acesso a informações bancárias irá gradativamente:

minar a habilidade de determinar e cobrar valores corretos de tributos;

promover o tratamento não isonômico entre contribuintes que têm acesso a tecnologias que facilitem o descumprimento de obrigações tributárias e aqueles que não têm esse acesso;

fomentar a diferenciação de tributação entre capital móvel (como dividendos, juros e royalties) e renda derivada do trabalho;

desencorajar o cumprimento voluntário de obrigações;

aumentar os custos da administração tributária e custo de cumprimento de obrigações por parte dos contribuintes;

distorcer o fluxo internacional de capital;

contribuir para a competição tributária agressiva;

prejudicar a cooperação internacional entre autoridades fiscais.

Paralelamente a este movimento de expansão das prerrogativas de fiscalização das autoridades fiscais, pode ser destacado o movimento

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desenvolvido pelo Financial Action Task Force (FATF), um grupo intergovernamental com atividades ligadas à OCDE, cujo objetivo primordial é fomentar a transparência no sistema financeiro, facilitando a detecção de atividades criminosas. Inicialmente, em 1990, suas recomendações tinham por objeto o combate à lavagem de dinheiro. A partir dos atentados de 11 de setembro de 2011, o grupo teve seu escopo reformulado para combater também a corrupção e o financiamento ao terrorismo. Basicamente, suas recomendações dizem respeito à possibilidade de identificação da titularidade de ativos financeiros, rastreabilidade e controle das transações financeiras. No Brasil, em 1996, em correspondência aos esforços do FATF, foi criado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), com vistas ao incremento no combate ao crime de lavagem de dinheiro. O COAF conta, entre seus integrantes, com servidores da Receita Federal do Brasil. Portanto, faz-se necessário destacar que a limitação de acesso às informações bancárias às autoridades fiscais tem conseqüências negativas sobre o desenvolvimento das atividades do COAF e no combate, entre outros, à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, compromissos que foram assumidos pelo país em âmbito internacional. Nesse sentido, reproduz-se trecho do citado documento da OCDE em que se ressalta a importância do acesso às informações bancárias no trabalho das autoridades fiscais com vistas ao combate àqueles crimes:

Lavagem de dinheiro, corrupção, financiamento ao terrorismo, crimes fiscais e outros crimes financeiros podem ameaçar interesses estratégicos, políticos e econômicos, de países desenvolvidos e em desenvolvimento. [...] O combate a essas atividades requer maior transparência e esforços redobrados para capacitar diferentes agências governamentais para trabalharem juntas para deter, detectar e processar esses crimes por meio de uma abordagem governamental integrada. [...] A OCDE tem desenvolvido orientação prática para capacitar autoridades tributárias a detectar casos de corrupção e exemplos de lavagem de dinheiro. (g.n., tradução livre)

Portanto, o acesso às informações bancárias por autoridades fiscais tem importância além da área estritamente tributária, uma vez que tais informações são utilizadas na prevenção e combate a diversos tipos de crime. Impedir ou limitar o acesso, por meio de condicionamento à autorização judicial, trará inegáveis prejuízos para o papel desempenhado pelas autoridades fiscais brasileiras no combate à lavagem de dinheiro, à corrupção, ao financiamento ao terrorismo e à evasão fiscal, compromisso assumido internacionalmente pelo

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país.158 Ressalvamos que essa interação entre a Receita Federal do Brasil e outras entidades fiscalizadoras e reguladoras também é uma característica marcante da terceira fase do processo de evolução dos poderes de fiscalização das autoridades tributárias. A interação entre as autoridades fiscais e outras autoridades (como Polícia Federal e COAF, no Brasil) é uma necessidade que reflete o movimento mundial no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

III - Terceira fase: Tendência à extinção do sigilo bancário para fins tributários. Com aumento da transparência de informações sobre os bens e rendas dos contribuintes

O movimento de ampliação dos poderes de fiscalização das autoridades fiscais e redução das possibilidades de ocultação de informações sobre a propriedade de bens e rendas dos contribuintes ganhou impulso com a crise financeira iniciada em 2008, sobretudo por meio do comprometimento dos Ministros de Fazenda/Finanças dos países do G8 e G20, de que o Brasil faz parte, os quais pressionaram o Fórum Global no sentido de coordenar as alterações necessárias na legislação e nas práticas administrativas das diversas jurisdições. O Fórum Global, cuja origem data do ano de 2000, conta hoje com mais de noventa jurisdições e, embora seja administrativamente conduzido pela OCDE, é uma iniciativa consensual de seus membros em que todas as jurisdições têm igualdade de voz e voto. O objetivo do Fórum Global é promover a ampla transparência em relação ao acesso a informações sobre bens e rendas dos contribuintes, visando à erradicação da elisão e evasão fiscal internacional:

Altos padrões de transparência e a erradicação da elisão fiscal internacional têm sido elevados na agenda política global desde 2008. Elisão e evasão fiscal internacional ameaçam receitas governamentais por todo o mundo. Em muitos países desenvolvidos as somas chegam a bilhões de Euros e países em desenvolvimento perdem receitas vitais por meio da evasão fiscal. Isso se traduz em menos recursos para infraestrutura governamental e social que, a seu turno, afeta o padrão de vida em países desenvolvidos e em desenvolvimento. (g.n., tradução livre)

Como dito acima, em 23 de junho de 2008, o G8, e posteriormente o G20, impulsionou o novo movimento global que tem propugnado pela ampliação do acesso às informações e da possibilidade de fiscalização efetiva por parte das autoridades fiscais:

158 A título exemplificativo: entre 2007 e 2009, a Receita Federal do Brasil participou da investigação de mais de trezentos casos suspeitos de lavagem de dinheiro, conforme relatório do FATF sobre o Brasil. Certamente, a apuração desses casos seria prejudicada, caso fosse inviabilizado o acesso direto a dados bancários por parte das autoridades fiscais.

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Em vista dos recentes desenvolvimentos, conclamamos todos os países que ainda não implementaram os padrões de transparência e efetivo intercâmbio de informações em assuntos tributários a fazê-lo sem adiamento. Parabenizamos os esforços da OCDE nesse ponto e pedimos à OCDE que fortaleça seu trabalho sobre evasão fiscal. (g.n., tradução livre)

Desde então, a reunião de Ministros de Fazenda/Finanças do G20 tem reiterado a importância e urgência das medidas de transparência objetivadas pelo Fórum, como ocorreu nas reuniões de: 26/06/2010; 23/04/2010; 25/09/2009; 08/07/2009; 13/06/2009; 02/04/2009; 27/03/2009; 15/11/2008; 09/07/2008; 14/06/2008. Em outras palavras, o comprometimento internacional em promover a ampla transparência (sobre a titularidade de bens e rendas para as administrações tributárias) e o intercâmbio de informações tributárias tem levado a uma revolução nas leis internas de países que ainda eram refratários a essa nova realidade, por meio da intervenção do Fórum Global. Nesse sentido, segue relato veiculado no site do Fórum:

AVALIAÇÃO DA OCDE MOSTRA QUE O SIGILO BANCÁRIO COMO UM ESCUDO PARA SONEGADORES CHEGA A UM FIM. O mais importante [é que] o relatório mostra que muitos outros desenvolvimentos significativos estão a caminho, na medida em que os países trabalham para implementar os padrões da OCDE. Em particular, virtualmente todos os países estão promovendo mudanças para eliminar o estrito sigilo bancário para fins tributários. Comentando sobre esses desenvolvimentos, Angel Gurría, Secretário Geral da OCDE disse: “O que tem acontecido é nada menos do que uma revolução. Por décadas foi possível que contribuintes escondessem rendas e ativos das autoridades fiscais por meio do abuso do sigilo bancário e outros impedimentos para o intercâmbio de informações. O que esses desenvolvimentos mostram é que isso não mais será possível”. (g.n., tradução livre)

Por trás desse novo movimento de ampliação da capacidade de efetiva fiscalização pelas autoridades fiscais, encontram-se justificativas que já eram sustentadas. Em 23 de junho de 2009, levantou-se novamente o fundamento do acesso a informações como forma de aumentar a eficiência na aplicação das leis tributárias nacionais, levando à concorrência equilibrada e à carga tributária adequada para os contribuintes honestos. Aqueles argumentos que eram levantados pelo Conselho Europeu quando se começou a ampliar a capacidade de fiscalização das autoridades fiscais além de suas fronteiras por meio da Diretiva 77/799/CEE continuam válidos ainda hoje e fundamentam, historicamente, todo o processo descrito até aqui. Certamente, todos esses fundamentos são aplicáveis ao Brasil.159

159 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 12-18.

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Arnaldo Sampaio Moraes Godoy retrata o atual cenário internacional de intensa pressão por uma cooperação internacional célere e eficiente, baseada na troca de informações de relevância tributária, incompatível com a oponibilidade do sigilo bancário às autoridades fiscais. Atento a essa conjuntura, justifica o seu grave e fundado receio de que, caso o Supremo Tribunal Federal adote, no RE n. 601.314, o mesmo posicionamento daquele prevalente no RE n. 389.808, o Brasil, como conseqüência, venha a ser considerado internacionalmente um país refratário ao Direito Internacional nesse campo, com inegáveis prejuízos de ordem política, econômica e social:

Teme-se que decisão que restrinja substancialmente a celeridade de atuação fazendária possa reverter-se contra a posição brasileira na ordem internacional. Constata-se contexto favorável a medidas que promovam efetiva assistência entre os países no que se refere à fiscalização e cobrança de tributos, bem como no combate ao ilícito fiscal, por intermédio do envio de informações com conteúdo significativo e que decorram da transferência de sigilo, fiscal e bancário. É da transferência de dados de que se cuida, e que se defende, e não de sua quebra, como açodadamente alguns querem entender. Além do que, como argumento, a questão deve ser levada para outro plano, de dimensão internacional. […] A discussão deve ser travada num ambiente mais ousado, ambicioso e dinâmico. Em primeiro lugar, deve-se acompanhar o artigo 26 da Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que dispõe sobre troca de informações entre autoridades competentes, na confecção e no desdobramento de tratados que cuidem de fórmulas para se evitar a bitributação internacional. A correta aplicação de tais mecanismos implica nova leitura de regras fechadas referentes ao sigilo fiscal. O mundo mudou. A manter-se tendência do STF pode-se qualificar o Brasil como país sistematicamente refratário à ampla aplicação da diretiva da OCDE. Do ponto de vista institucional, e de desenho de modelo normativo orientado para o desenvolvimento, necessário que eventual posição destoante seja revista. O ambiente é de intensa cooperação internacional, especialmente à luz de algumas tendências e ênfases que se tem presentemente. Exemplifico com a necessidade de avançarmos nos processos negociadores multilaterais e, em especial, na Organização Mundial do Comércio- OMC, a par de tentativas nossas de inserção na própria OCDE. Inegável a necessidade de que abandonemos reservas e restrições para o art. 26 do modelo da OCDE, como razão necessária e suficiente para a inserção definitiva de nossos interesses na constelação de países que intransigentemente combatem o ilícito fiscal. E o STF deve ser sensibilizado sobre o problema. Um fórum global sobre transparência e troca de informações para propósitos tributários fora engendrado no ano de 2000, a partir de propostas de alguns países membros da OCDE, com o objetivo de se combater

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a fraude internacional, que se desdobra a partir de paraísos fiscais. Estruturou-se definitivamente em reunião no México, em 2009. Atendia-se a pressão do G-20. Pretende-se que se tenha regime simplificado e direto para acesso a informações bancárias, por parte das autoridades fazendárias, como mecanismo indicativo de transparência negocial. O fórum conta presentemente com 95 países membros. O Brasil faz parte do grupo. Recentemente, Bostwana, Jamaica e Qatar aderiram ao modelo. Pressionou-se o Quênia, que apresentou metodologias para alcance de padrões de transparência. Periodicamente são feitas avaliações dos ambientes jurídicos de vários países, no que se refere à indicação de mecanismos de transparência e de troca de informações. Conceberam-se termos de referências, calcados em três pilares: a) disponibilidade de dados; b) acesso aos dados por parte das autoridades fazendárias; c) trocas de informações entre autoridades competentes de países signatários de acordos. Tudo, naturalmente, dentro de estreitos limites de salvaguardas de sigilo. O muro do segredo e o escudo da discrição protegem os dados do conhecimento público. Não existem (e nem devem existir) entre o detentor da informação e a autoridade fiscal. O fórum que se realiza em Bermuda prepara relatório que será apresentado ao G-20.160

Godoy conclui sua argumentação de forma enfática ao afirmar que apenas 18 países impedem que as autoridades fiscais tenham acesso direto – sem necessidade de prévia autorização judicial, portanto – às informações bancárias do contribuinte, sendo que, desses, 16 são considerados paraísos fiscais:

Na maioria dos países do mundo (a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa Continental) não há necessidade do fisco acessar informações bancárias do contribuinte mediante ordem judicial. Apenas 18 países exigem que o fisco provoque a Justiça para obter informações bancárias dos contribuintes: 16 deles são paraísos fiscais. É este o campo para o qual se deve levar o debate. Do contrário, aos historiadores do direito do futuro a nossa geração oferecerá insuspeito enigma: num tempo em que o Judiciário debate a não judicialização da existência, o próprio judiciário invocaria, em favor próprio, a prerrogativa de autorizar que o fisco tenha (ou não) acesso a dados bancários de seus contribuintes. Referendada posição brasileira, no sentido de se exigir autorização judicial para acesso a dados bancários do contribuinte, por parte da autoridade fiscal, corre-se o risco de que nos alistemos no sinistro rol de países refratários à transparência internacional. Um paraíso fiscal para quem não atenda a obrigação tributária acessória que radica na própria Constituição (§ 1º do art. 145). E um embaraço internacional

160 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-30/autorizacao-judicial-acessar-dados-banco-compromete-transparencia>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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para país pujante cuja utopia de um futuro glamoroso, na previsão de Stefan Zweig, feita no início da década de 1940, se revela no presente.161

Vasco Branco Guimarães oferece a sua relevante observação:

O segredo bancário é uma expressão da componente econômica da intimidade da vida privada e, como tal, merecedor de tutela constitucional na maioria dos países da OCDE. Alguns encontram nesta tutela constitucional uma proibição de acesso aos dados bancários de natureza absoluta e intransponível. São hoje, sem qualquer dúvida, uma minoria. O carácter de protecção da intimidade da vida privada que os dados da conta bancária reflectem não pode pôr em causa outros valores de ordem pública, como a justiça na tributação que um combate à fraude e evasão fiscais inculcam e exigem.162

Marcos Torre Cavalcante, considerando o estágio atual da tutela jurídica do sigilo bancário no direito comparado, divide os países em três grandes grupos ou sistemas jurídicos, quais sejam: sigilo moderado, sigilo reforçado e sigilo absoluto.163

Em relação ao grupo de países que adotam o sigilo moderado, adverte-se que esse:

tem por característica o enfoque sobre o sigilo bancário em nível constitucional, implícita ou explicitamente, mas cuja regulação legal comporta variadas derrogações ao respectivo dever de reserva, cumulando-se com a variação procedimental, ora mais, ora menos, flexível para obtenção das informações, implicando, por conseguinte, na colocação do correspondente direito em segundo plano em relação ao interesse público, por força de uma série de razões, ‘justas causas’.164

Observa, ainda, que “este grupo é bastante grande, sendo de longe o maior, podendo nele ser incluídos países desenvolvidos e em

161 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-30/autorizacao-judicial-acessar-dados-banco-compromete-transparencia>. Acesso em: 01 jun. 2011.

162 GUIMARÃES, Vasco Branco. O Segredo Bancário (Uma Interpretação dos Estudos da OCDE). In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 161.

163 CAVALCANTE, Marcos Torre. O direito ao sigilo bancário e sua relativização frente à administração tributária brasileira. Maceió, 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas, p. 20.

164 CAVALCANTE, Marcos Torre. O direito ao sigilo bancário e sua relativização frente à administração tributária brasileira. Maceió, 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas, p. 20.

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desenvolvimento, tais como: Argentina, Alemanha, Estados Unidos da América, França e Portugal, dentre outros, inclusive o Brasil”.165

Quanto ao sistema jurídico do sigilo reforçado, o Autor noticia que tal grupo comporta um rol bastante limitado de países, dentre os quais se incluem “primeiramente, a Suíça e depois outros que adotaram o seu caminho, tais como: Áustria, Luxemburgo e Uruguai”.166

Versando o sistema suíço, que, segundo ele, se assemelha, em boa medida, aos demais países desse sistema jurídico, consigna:

A despeito de tal rigor quanto à proteção ao sigilo bancário este não se apresenta absoluto, havendo exceções embora poucas e sob grandes restrições procedimentais, tais como: no âmbito civil, em casos de herança, divórcio e recuperação de dívidas na insolvência; no âmbito penal, especialmente, após a adoção das recomendações da OCDE relativamente aos crimes de lavagem de dinheiro e fraude fiscal não sendo possível a ‘quebra’ nos casos de evasão fiscal.167

Em relação ao sistema jurídico do sigilo absoluto, expõe Cavalcante:

Este grupo é composto por países ou territórios autônomos, cujas legislações autorizam de forma facilitadora a circulação de capitais muitas vezes de origens escusas, possibilitando-se o anonimato dos partícipes dessas operações financeiras com a proteção dada pelo sigilo bancário absoluto e a concessão de diversos mecanismos incentivadores de investimentos financeiros e de outras espécies em seus territórios. Tais locais são conhecidos como ‘paraísos fiscais’ onde há autorização para abertura de empresas cujos titulares têm residência em outros países. Essas empresas, Off shore company, são utilizadas, no mais das vezes, para realização de operações de ‘lavagem de dinheiro’ oriundo de atividades ilícitas tais como: a corrupção política, o tráfico de drogas e de armas, podendo, inclusive, financiar as práticas terroristas que têm hodiernamente tomado o foco das tensões mundiais ao lado das guerras localizadas. Esses territórios, em geral, se opõem à observância das normas internacionais de combate às atividades ilícitas acima mencionadas, adotam uma prática fiscal de baixíssima ou inexistente tributação para atração desses capitais. [...] Inúmeros são os países ou territórios autônomos que a legislação brasileira enquadra neste grupo, dentre eles podemos mencionar alguns: Bahamas, Madeira, Hong Kong,

165 CAVALCANTE, op. cit., p. 20.

166 CAVALCANTE, op. cit., p. 30.

167 CAVALCANTE, op. cit., p. 31.

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Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Líbano, Liechtenstein, Nauru, Mônaco e outros mencionados no art. 1º da IN SRF n. 188/2000. A despeito da grande pressão que têm sofrido nos últimos anos esses pequenos países pela OCDE para que possam adotar práticas que coíbam a lavagem de dinheiro, muitos deles se mantêm firmas na manutenção de suas regras, em especial, com utilização do sigilo bancário absoluto.168

Por derradeiro, sintetiza a tendência internacional apresentada:

De observar que as modificações promovidas no âmbito dos sistemas jurídicos que adotam o sigilo relativo e moderado, implicaram também em mudança de paradigma do interesse a ser prioritariamente preservado, se antes o valor maior era o interesse privado (dos clientes dos bancos e terceiros de alguma forma vinculados às operações dessas entidades, ou ainda dessas próprias instituições), agora o interesse público predomina (interesse da justiça, do sistema financeiro nacional, da arrecadação de impostos, do combate à lavagem de dinheiro etc.). No que tange aos países que adotam o sigilo relativo, porém reforçado, [...] a partir da última década do século passado têm sido adotadas alterações legislativas decorrentes de adesão a convenções internacionais de combate ao crime organizado e a lavagem de dinheiro, razão pela qual se promoveu importante abrandamento das regras que tutelam o direito ao sigilo bancário, mas ainda assim não se pode dizer que tais sistemas jurídicos se igualariam aos do grupo anterior. Por fim, quanto aos do grupo que adotam um sigilo bancário absoluto estes pouco têm cedido às pressões internacionais com vista ao combate dos crimes financeiros em nível global, restando como refúgio do capital sujo que financia o terror e tantos outros crimes mundialmente abomináveis.169

A relevância da sistematização feita por Marcos Torre Cavalcante, que complementa as demais informações colacionadas neste tópico, está na capacitação do leitor para visualizar que:

a) a amplíssima maioria dos países desenvolvidos e em desenvol-vimento do planeta admitem que o sigilo bancário deve – res-guardada, dentre outras, a garantia da sua não-divulgação a terceiros – ceder diante de elevados interesses públicos, como os relacionados à efetividade dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, bem como do financiamento das polí-

168 CAVALCANTE, Marcos Torre. O direito ao sigilo bancário e sua relativização frente à administração tributária brasileira. Maceió, 2006. Disse rtação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas, p. 32.

169 CAVALCANTE, op. cit., p. 33.

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ticas públicas que beneficiam a sociedade dependente da arre-cadação tributária;

b) são contáveis nos dedos de uma mão os países com democracias com certo respeito que inviabilizam o acesso da Administra-ção Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, como Suíça, Luxemburgo, Áustria e Uruguai; sendo que mesmo es-ses têm sofrido, cada vez mais, pressão internacional para o enfraquecimento do seu sigilo bancário, com o escopo de que os interesses legítimos de todos os cidadãos, coletivamente concebidos – em escala internacional –, possam se sobrepor ao interesse do indivíduo, que se converte em egoisticamente patrimonial, de evasão tributária, quando garantido o respeito da sua intimidade por meio de rígidos deveres no sentido da não divulgação a terceiros das informações obtidas pelo ente público;

c) a glorificação do sigilo bancário é típica de países conhecidos como “paraísos fiscais”, duramente criticados pela consistente maioria dos países democráticos, os quais os acusam de aco-bertarem práticas de evasão fiscal e de lavagem de dinheiro, com o fomento, por essa via e em escala mundial, da corrup-ção política, do tráfico de drogas e de armas, e do terrorismo, como Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Líbano, Liechtenstein, Nauru e Mônaco. Todavia, como, recentemente, revelou o já comenta-do documento “Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field”, de autoria do Fórum Global da Transparência, até mesmo os paraísos fiscais têm se alinhado, gradativamente, ao posicionamento internacional prevalente e passado a permitir o acesso das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes, independentemente de prévia autorização judi-cial; é o caso, por exemplo, de Jersey, Bahamas, e Ilhas Virgens Britânicas.

É bastante elucidativa, nesse sentido, a visão panorâmica oferecida por estudo elaborado pela Receita Federal acerca da atual conjuntura internacional sobre o tema:

Até mesmo Seychelles, tradicional paraíso fiscal, alterou sua lei tributária (Revenue Administration Act) em dezembro de 2009, conferindo poderes para que as autoridades fiscais requisitassem diretamente às instituições financeiras quaisquer informações

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bancárias. Relembre-se, mais uma vez, que esse paraíso fiscal não está sozinho nesse movimento, pois dezenas de outros paraísos fiscais estão alterando suas leis tributárias para permitir que autoridades fiscais tenham acesso a informações bancárias sem autorização judicial, em decorrência da influência dos trabalhos do Fórum Global e da posição do G20 sobre esse tema. Ora, se até mesmo os tradicionais paraísos fiscais estão admitindo o acesso direto a informações bancárias pelas autoridades fiscais, fica difícil justificar que as autoridades fiscais brasileiras não tenham acesso a essas informações. Também seria difícil justificar tal limitação na ordem dos recentes acontecimentos internacionais e nos compromissos internacionais adotados pelo Brasil no G20, como o combate à evasão fiscal internacional, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Nesse mesmo sentido, cite-se que Austrália, Dinamarca, Finlândia, França, Itália e Noruega permitem que as autoridades fiscais requisitem informações bancárias, sem qualquer autorização judicial ou limitação. Estados Unidos e Polônia prevêem intimação do contribuinte para a apresentação espontânea de documentos em momento anterior à requisição de informação diretamente à instituição financeira, regra similar à brasileira. Como já apontamos acima, o Fórum Global apresentou setenta jurisdições que permitem o acesso direto a informações bancárias por parte de suas autoridades fiscais. Por outro lado, apenas dezoito demandam autorização judicial, sendo que quase todas são tradicionais ilhas financeiras ou paraísos fiscais e, por isso, não têm interesse em promover o completo, célere e eficiente acesso a informações bancárias para fins tributários. 170

Essa constatação provoca, a um só tempo, uma certeza e uma pergunta.

A certeza de que, com todas as vênias, a prática antidemocrática, como se verifica no pensamento dominante no Direito Internacional e no Direito Comparado, é aquela de, sob a justificativa de um rígido sigilo bancário, impedir a realização de elevados interesses públicos, como o financiamento tributário das políticas públicas e a concretização dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e não o acesso direto da Administração Tributária às informações financeiras do contribuinte. Atento a essa claríssima realidade internacional, José Augusto Delgado arremata: “parece evidente, destarte, que todo o mundo civilizado abandonou a possibilidade de opor-se à Administração Tributária o Sigilo Bancário”.171

170 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 23.

171 DELGADO, José Augusto. Os sigilos bancário e fiscal no ordenamento jurídico brasileiro. In: Interesse Público, São Paulo, v.4, n.15, jul./set. 2002. p. 39.

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E a pergunta: qual o país que o Brasil quer ser, aquele em que – a exemplo de Estados Unidos, Alemanha, França e de quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos econômicos e democráticos – o sigilo bancário cede a relevantes interesses públicos, como os promovidos pela Administração Tributária, garantindo-se a intimidade do indivíduo por meio da não divulgação das informações obtidas a terceiros ou aquele em que – a exemplo de Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Líbano, Liechtenstein, Nauru e Mônaco – o interesse público sucumbe perante um deificado sigilo bancário, que acoberta evasão fiscal, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de armas, e terrorismo?

Tendo como bússola os já comentados objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consagrados na Constituição, a resposta parece evidente.

A Nota Copes/Corin da Receita Federal, inúmeras vezes citada no presente estudo, destaca o enorme prejuízo que o Brasil certamente enfrentaria, na ordem internacional, na hipótese de, na contramão das diretrizes do Fórum Global da Transparência, ser declarado inconstitucional o acesso direto da Administração Tributária, nos termos da LC n. 105/2001, aos dados financeiros dos contribuintes:

Os trabalhos do Fórum Global dizem respeito à possibilidade de as autoridades fiscais terem acesso a informações de identificação de bens e rendas de contribuintes, ainda que essas informações sejam detidas por instituições financeiras. Com isso, o Fórum objetivou dar plena eficácia social aos Acordos de Intercâmbio de Informações e aos artigos de intercâmbio de informações que estão baseados no artigo 26 da Convenção-Modelo da OCDE para Evitar a Dupla Tributação:

Acordo Modelo da OCDE de Intercâmbio de Informações Tributárias

Artigo 5 – Intercâmbio de Informações a pedido

[...]

4. Cada Parte Contratante deverá assegurar que suas autoridades [fiscais] competentes para os propósitos especificados no Artigo 1 do Acordo [intercâmbio de informações relativas a assuntos tributários] têm a autoridade de obter e fornecer a pedido:

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a) informações detidas por bancos, outras instituições financeiras, e qualquer pessoa agindo na condição de agente ou fiduciário, incluindo mandatários e trustes; [...] (g.n., tradução livre)

Convenção Modelo para Evitar a Dupla Tributação

Artigo 26 – Intercâmbio de Informações

1. As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações previsivelmente relevantes com vista à aplicação das disposições da presente Convenção ou à administração ou aplicação das leis internas relativas aos impostos de qualquer natureza e denominação cobrados em benefício dos Estados Contratantes [...];

2. As informações obtidas nos termos do número 1 por um Estado Contratante serão consideradas secretas do mesmo modo que as informações obtidas com base na legislação interna desse Estado [...];

3. O disposto nos números 1 e 2 não poderá em caso algum ser interpretado no sentido de impor a um Estado Contratante a obrigação:

a) de tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação e à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante;

b) de fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou nas do outro Estado Contratante;

c) de transmitir informações reveladoras de segredos ou processos comerciais, industriais ou profissionais, ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública. [...];

5. O disposto no número 3 não pode, em caso algum, ser interpretado no sentido de permitir que um Estado Contratante se recuse a prestar informações unicamente porque estas são detidas por uma instituição bancária, um outro estabelecimento financeiro [...](g.n., tradução livre)

Os textos relacionados acima prevêem o comprometimento internacional de não recusar o intercâmbio de uma informação bancária para uma autoridade fiscal de outro país com fundamento apenas no sigilo bancário. Esses modelos, que estão sendo utilizados em centenas de convenções e acordos internacionais em todo o mundo, refletem o movimento que descrevemos nesta terceira fase. Além disso, alguns acordos internacionais negociados pelo Brasil, embora ainda estejam pendentes de aprovação no Congresso Nacional ou para serem assinados, já contemplam expressamente a

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impossibilidade de recusar o intercâmbio de informações bancárias para fins tributários em razão do sigilo bancário. Em síntese, esses textos, que estão sendo utilizados como modelo para a negociação de centenas de acordos internacionais, inclusive pelo Brasil, prevêem que não é justificável deixar de repassar uma informação bancária para uma autoridade fiscal estrangeira sob a alegação de a informação estar protegida por sigilo bancário.

Caso prevaleça a impossibilidade de as autoridades fiscais brasileiras terem acesso às informações bancárias para intercâmbio internacional de informações, inevitavelmente estaria configurada a discrepância da posição brasileira com o que está sendo pacificamente aplicado pelos países do Fórum Global, a violação internacional de acordos brasileiros e a contradição com a posição adotada pelo país no âmbito do G20. O repasse de informações bancárias a outras administrações tributárias, com frequência diz respeito diretamente ao interesse nacional. Isso porque permite verificar se uma empresa multinacional está competindo em igualdade de condições com uma empresa nacional, uma vez que aquela empresa não se beneficiará da evasão fiscal internacional. Sob o ponto de vista das relações internacionais, faz-se necessário considerar o efeito da impossibilidade de as autoridades fiscais brasileiras terem acesso a informações bancárias para o intercâmbio de informações com outras administrações tributárias estrangeiras. Se as autoridades fiscais brasileiras não puderem repassar informações bancárias para outras autoridades fiscais estrangeiras, ou caso esse repasse possa ser impedido pelo contribuinte no Judiciário, o Brasil estará em posição contrária aos preceitos do Fórum Global e, por conseguinte, aos compromissos assumidos no G20. Além disso, com base no princípio da reciprocidade que rege as relações internacionais, outros países se recusarão a fornecer informações bancárias para as autoridades fiscais brasileiras, o que prejudicará fiscalizações sobre potenciais casos de evasão fiscal internacional.172

Ainda sobre os perniciosos efeitos, para a política internacional brasileira, da vedação de acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes, o documento em tela estabelece:

[...] se necessária autorização judicial para as autoridades fiscais terem acesso a informações bancárias para o intercâmbio de informações, estaremos indo na contramão de todo o inequívoco desenvolvimento recente de promover o intercâmbio internacional de informações relativas a bens e rendas de contribuintes de forma célere, efetiva e pouco onerosa. Também estaremos nos alinhando internacionalmente a tradicionais paraísos fiscais ou

172 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 18-20.

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a países de pouca expressividade na economia mundial. No plano interno, conforme já apontado anteriormente, ficará prejudicada a concretização do princípio constitucional da capacidade contributiva, entre outros efeitos colaterais negativos, já que os contribuintes sem acesso a operações internacionais tenderão a ser mais fiscalizados (e tributados) do que os que têm esse acesso e que são justamente aqueles com maior capacidade contributiva. 173

E prossegue desta feita, detalhando minuciosamente as consequências práticas negativas – e imediatas – para o Brasil no âmbito do Fórum Global da Transparência, do qual é membro, caso declarada a inconstitucionalidade do art. 6º da n. LC 105/2001:

Conforme visto, tendo em vista o cenário internacional, agravado pela crise global de 2008, o G20 passou a apoiar o Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários. O Brasil tem apoiado vigorosamente as medidas do Fórum Global por meio da participação direta da Presidência da República nas reuniões do G20.174 O Fórum Global está prestes a iniciar a Fase 1 da avaliação do Brasil175 no tocante aos parâmetros de transparência internacional. Nesta Fase, serão analisadas, entre outras, as normas internas sobre o intercâmbio de informações. Segundo os padrões do Fórum Global, as jurisdições têm de estar aptas a trocar informações bancárias para fins tributários, conforme os acordos internacionais. Caso o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue inconstitucional o art. 6º da LC nº 105, a posição do Brasil junto a Comunidade Internacional ficará vulnerável no tocante aos compromissos assumidos junto ao Fórum Global, podendo, inclusive, se incluir na lista dos países não cooperantes, o que em última análise, igualaria o Brasil, aos olhos da Comunidade Internacional, aos países classificados como paraísos fiscais com todas as implicações econômicas decorrentes de tal fato (desconfiança, queda de investimentos, diminuição de avaliação pelas agências de risco). Não é demais consignar que, caso o STF entenda que as autoridades fiscais não podem acessar aos dados bancários dos contribuintes, independentemente de prévia autorização judicial, a posição brasileira frente à Comunidade Internacional ficará vulnerável, implicando em uma provável avaliação negativa do Brasil pelo Fórum Global (Global Forum Assessment), levando a desgaste político com

173 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p.18-21.

174 Como membro do G20, o país deve estar alinhado com os objetivos e parâmetros do Fórum Global. A título exemplificativo, o país já se mostrou interessado em assinar a Convenção Multilateral sobre Assistência Mútua Administrativa em Assuntos Tributários, por ocasião da reunião de Ministros de Fazenda do G20, que ocorrerá em Paris, em novembro de 2011. A adesão a essa Convenção objetiva ampliar a rede de países com os quais a RFB poderá trocar informações, além de propiciar ao país uma maior integração com os demais membros do G20.

175 OCDE. Disponível em <http://www.eoi-tax.org/keydocs/schedule-of-reviews#y2011>. Acesso em: jul. 2011.

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países do G20 e com outros países integrantes do Fórum Global. A ausência daquele dispositivo inviabilizaria o cumprimento pleno do intercâmbio de informações e poderia configurar o descumprimento de obrigações decorrentes de tratados e acordos internacionais, tendo por consequência provável a avaliação negativa da legislação interna brasileira pelo Fórum Global de Transparência. Tal fato implicaria em incluir o Brasil na lista dos países não cooperantes com o fomento da transparência internacional, ao lado de países considerados paraísos fiscais.176

Por derradeiro, para que não reste qualquer dúvida sobre o caráter extremamente democrático do acesso direto das autoridades fiscais às informações financeiras dos contribuintes em posse dos bancos e instituições análogas, aprofundar-se-á o exame do Direito Comparado em relação aos paradigmáticos exemplos dos Estados Unidos, da Alemanha, França, Itália, Espanha, Reino Unido, Portugal, Argentina, Holanda, Austrália, Canadá, Bélgica, Dinamarca, Noruega, México, Hungria, Turquia, Polônia, Suíça, Luxemburgo, Uruguai, Áustria e Líbano.

VIII.1 ESTADOS UNIDOS

Márcia Haydée Porto de Carvalho procede a uma análise histórica da evolução da legislação norte-americana sobre a possibilidade de acesso das autoridades fiscais às informações financeiras dos contribuintes em posse das instituições bancárias e similares, desde que atendidos requisitos formais que assegurem a não divulgação dos dados ao público:

Promulgada em 1970, a Lei sobre Relatórios de Transações Monetárias Domésticas e Estrangeiras (Currency and Foreign Transactions Reportings Act), conhecida como Lei sobre Sigilo Bancário (Bank Secrecy Act), impõe às entidades creditícias obrigações de colaboração com o Governo, consistentes na manutenção de registros e apresentação de relatórios ao Secretário de Tesouro. Em face da Lei sobre Sigilo Bancário, os bancos situados no território norte-americano estão obrigados a enviar ao Secretário do Tesouro, no prazo de quinze dias, um relatório sobre cada movimentação ou tentativa real de movimentação de moeda corrente e estrangeira, de montante superior a 10.000 dólares, devendo constar desse relatório a identidade da pessoa em favor de quem a transação foi feita. Esse documento é denominado de Relatório de Transações Monetárias (Currency Transactions Reports). A Lei sobre o Direito à Privacidade Financeira (Rights to Financial Privacy Act), de 1978, confere ao Fisco

176 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p.25-26.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 137

(Internal Revenue Service – IRS) poderes para requisitar informações dos bancos, mediante a observância de certas garantias processuais, que têm por fim proteger a privacidade financeira dos indivíduos contra ações abusivas da Administração Tributária. [...] Outro diploma legal que tem por objeto proteger o direito à intimidade dos cidadãos estadunidenses é a Lei sobre a Privacidade, de 1974, que garante materialmente a confidencialidade das informações bancárias em poder do Fisco ou de qualquer agência federal.177

Imergindo nos aludidos requisitos formais de garantia dos contribuintes:

Os requisitos processuais fixados pela Lei sobre o Direito à privacidade Financeira para o acesso da Administração Tributária a dados financeiros dos clientes de banco são os seguintes: 1 – notificação do interessado sobre o requerimento de informações formulado por autoridade pública à entidade de crédito; 2 – transcurso de um tempo preestabelecido para que o particular possa se opor judicialmente ao fornecimento da informação requerida, com a ressalva de que o motivo da reclamação pode referir-se apenas à irrelevância dos registros solicitados ou ao não-cumprimento dos requisitos legais para a notificação; e 3 – não exibição pelo banco da documentação solicitada até que a autoridade pública certifique por escrito ter seguido o procedimento legal. A Lei sobre o Direito à Privacidade Financeira foi emendada em 1986, passando a especificar mais um requisito processual: o de que os bancos só devem atender a uma requisição de desvelamento, caso esta indique os dados a serem fornecidos, o nome do contribuinte sujeito à apuração e as contas investigadas. O dever de notificação ao titular da conta pode ser anulado se um tribunal federal julga que existem motivos razoáveis para presumir que a notificação pode ensejar manobras para ocultar, destruir ou modificar os documentos objetos da investigação; impedir a transmissão da informação, mediante intimidação, corrupção ou conluio; ou ainda levar à fuga dos envolvidos, visando a evitar o processo, ter de testemunhar ou apresentar documentos. Tais circunstâncias em que a notificação ao investigado deixa de ser obrigatória foram estabelecidas também através de Emenda à Lei sobre o Direito à Privacidade Financeira.178

Chinen invoca a atenção para a existência de requisitos garantidores do contribuinte, que também existem na legislação brasileira, contra abusos no acesso direto das autoridades fiscais aos seus dados financeiros em posse dos bancos e estabelecimentos semelhantes:

177 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 64-65.

178 CARVALHO, op. cit., p. 65-66.

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Segundo informações do relatório ‘Melhorando o Acesso à Informação Bancária para Fins Fiscais’ (Improving Access to Bank Information for Tax Purposes), publicado pela OCDE, com base em questionário respondido pelos países-membros dessa organização, nos EUA, o acesso às informações bancárias por autoridades fiscais é possível desde que observados os critérios de boa-fé estabelecidos no caso Powell: a) investigação de boa-fé; b) relevância da informação demandada para a investigação; c) observância de todos os procedimentos administrativos requeridos; d) que a informação ordenada ainda não se encontre em poder da administração tributária. Esses critérios foram criados sob espírito liberal nos tribunais americanos, sendo que os bancos respondem regularmente às intimações do IRS sem necessidade de intervenção judicial.179

Esclarece Melissa Folmann que a Administração Tributária pode solicitar os dados bancários diretamente ao banco ou ao contribuinte. Contudo, “deve notificá-lo sobre a expedição de solicitação de informações ao terceiro (banco), no prazo mínimo de 23 (vinte e três) dias antes da data fixada para a apresentação das informações”.180

Tamanha é a preocupação dos Estados Unidos com o interesse público que, como ressalva Barbeitas, até mesmo a garantia formal da notificação prévia pode ser afastada quando tal ato colocar em risco a finalidade de interesse público que se busca atingir com o acesso às informações financeiras:

Esta obrigação de notificação prévia pode ser afastada se a autoridade pública demonstra que as informações são pertinentes a um objetivo que se sabe de outro modo comprometido. Nesse caso, o banco recebe uma intimação de silêncio e não pode revelar ao cliente que seus dados foram requisitados. Os bancos também podem repassar ao Governo, sem advertir o seu cliente, informações relevantes relacionadas com uma possível violação de lei ou de regulamento.181

Ainda sobre a evolução da legislação dos Estados Unidos, sempre inspirada na premissa de que o sigilo bancário deve ceder diante de razões de interesse público, preservando-se, contudo, a intimidade

179 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 47.

180 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 93.

181 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 44.

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individual por meio da manutenção, no âmbito estatal, do sigilo das informações obtidas, reflete Márcia Haydée:

Para fortalecer a luta contra a lavagem de dinheiro, foi promulgada em 1986 a Lei sobre o Controle da Lavagem de Dinheiro (Money Laudering Control Act). Essa nova Lei deu ao governo outras possibilidades de obtenção de dados protegidos pelo sigilo bancário. De um lado, impôs às instituições bancárias o dever de fornecer às autoridades executoras da Lei toda informação sobre cliente, conta e operação suspeita, independentemente de intimação, ordem de tribunal ou responsabilidade por cada revelação. De outro, deferiu ao Secretário do Tesouro a faculdade de requisitar documentos em poder dos bancos, sem prejuízo da iniciativa voluntária destes no repasse de informações sobre clientes suspeitos. Ressalta-se que os informes financeiros obtidos pela Secretaria do Tesouro não permanecem restritos a ela, pois a Lei sobre Sigilo Bancário prevê que o Secretário do Tesouro pode repassá-los a certos órgãos públicos, como o Serviço Interno de Rendas (Internal Revenue Service – IRS), o Serviço Alfandegário (Custom Service), o Órgão de Controle do Mercado de Valores (Securities and Exchange Commission) e a Agência Federal de Luta contra a Droga (Drug Enforcement Agency). A Lei sobre o Controle de Lavagem de Dinheiro também fortaleceu a Lei sobre o Sigilo Bancário, ao obrigar as instituições financeiras a tratarem de forma unitária, para o fim de apresentação do Relatório de Transações Monetárias, as transações fracionadas de moeda corrente, que individualmente não excedam 10.000 dólares, mas que, somadas, ultrapassem esse valor, durante um dia de negócio, em nome de uma mesma pessoa física ou jurídica, transações essas denominadas de estruturantes. Antes da Lei sobre o Controle de Lavagem de Dinheiro, esse tipo de transação se constituía na técnica mais comum de evasão tributária. Outras exceções legais ao sigilo bancário encontram-se estabelecidas ainda na Lei sobre Mercado de Valores (Securities Exchange Act), de 1934, e no Código de Impostos. A primeira, dá à Comissão de Câmbio de Seguros poderes para quebrar o sigilo bancário, via procedimento, que não inclui nem o dever de notificação ao interessado nem a possibilidade de impugnação do requerimento do desvelamento, enquanto o Código de Impostos, por seu turno, faculta ao Fisco examinar a documentação bancária nas investigações sobre a exatidão de pagamento dos impostos, através de um procedimento semelhante ao fixado na Lei sobre o Direito à Privacidade Financeira. O USA Patriot Act apresenta entre suas normas exemplos típicos de relativização do sigilo bancário, que permitem à Administração Pública acesso a dados da vida econômica das pessoas para atendimento de interesses havidos como legítimos, no caso, o combate ao terrorismo.182

182 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 66-67.

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Segundo aquela Autora, a Suprema Corte dos Estados Unidos já afastou a tese de que a norma constitucional que protege a privacidade impediria o a acesso do Estado, para fins de interesse público, às informações financeiras do contribuinte em posse dos bancos e instituições análogas183:

Em 1976, a Suprema Corte ratificou esse posicionamento, ao afirmar que a Quarta Emenda não serve de justificação para o sigilo bancário, porque os bancos resguardam documentos e informações que não estão materialmente na posse dos clientes, razão pela qual corre por conta destes últimos o risco de que os estabelecimentos bancários repassem a documentação ao governo.184

Nesse mesmo sentido, Roberto Massao explicita que, em resposta às ações propostas por grupos da sociedade civil americana alegando violação a direitos constitucionais como o da intimidade, “a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou que os clientes dos bancos não possuem expectativas legítimas de privacidade em suas contas bancárias”.185

Ele também reconhece que:

O tratamento ao sigilo bancário pelos Estados Unidos opõe-se frontalmente aos ideais suíços de segurança econômica nacional, privacidade e a relação banqueiro-cliente. Enquanto as leis suíças estabelecem penalidades às violações do sigilo bancário, as leis americanas impõem sanções criminais aos bancos que descumprem a obrigação de envio aos poderes públicos de relatórios contendo certos dados de seus clientes, estabelecidos pelo Ato do Sigilo Bancário (Bank Secrecy Act), de 1970.186

Eurico de Santi lembra que Barack Obama, atual presidente dos Estados Unidos, quando era senador, pensando a respeito do caráter absoluto do sigilo bancário nos paraísos fiscais, “denunciou com

183 André Terrigno traz as palavras da própria Corte: [...] ‘The checks are not confidential communications but negotiable instruments to be used in commercial transactions. All of the documents obtained, including financial statements and deposit slips, contain only information voluntarily conveyed to the banks and deposit slips contain only information voluntarily conveyed to the banks and exposed to […]. This Court has held repeatedly that the Fourth Amendment does not prohibit the obtaining of information revealed to a third party and conveyed by him to government authorities, even if the information is revealed on the assumption that it will be used only for a limited purpose and the confidence placed in the third party will no be betrayed”. BARBEITAS, p. 44.

184 CARVALHO, op. cit., p. 64.

185 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 45.

186 CHINEN, op. cit., p. 45.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 141

perseverança a imoralidade desses ‘remansos de paz para o dinheiro corrompido’”.187

Os Estados Unidos têm participado ativamente do processo de pressão internacional pela relativização do sigilo bancário para fins tributários, não somente no âmbito da OCDE e do Fórum Global, mas, também, até mesmo em duras negociações diretas, bilaterais, com países tradicionalmente refratários à transparência, como se percebe da seguinte explanação:

O primeiro ataque dos Estados Unidos foi dado contra a União de Bancos Suíços (UBS), gigantesca instituição bancária suíça que, em face da ameaça dos norte-americanos de retirar sua licença nos EUA, passaram o nome de 250 clientes americanos por ela ajudados a fraudar o Fisco. Mais recentemente o ataque foi retomado: desta vez, os americanos exigem que a UBS forneça o nome de seus 52.000 clientes titulares de contas ilegais. 188

VIII.2 ALEMANHA

Sobre o enfoque constitucional do sigilo bancário na Alemanha, Márcia Haydée anuncia que:

A tese que baseia o sigilo bancário no direito constitucional à intimidade tem sido objeto de duras críticas, em especial de Canaris, para quem, se a proteção da intimidade pessoal pode ser considerada como um aspecto da dignidade humana, é inaceitável entender que os dados bancários estejam incluídos na esfera da intimidade, porque tal pensamento significaria a banalização da idéia de intimidade pessoal e do conceito de dignidade humana que aquela traz consigo. [...] A jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão reconhece que o direito à intimidade se encontra tutelado pela Constituição e não é irrestrito, posicionando-se pela aplicação do método de ponderação de interesses para resolver conflitos entre esse direito e outros bens ou interesses amparados constitucionalmente.189

187 SANTI, op. cit., p. 609.

188 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 609-610.

189 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 73-74.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU142

Ela destaca que as limitações legais mais relevantes ao sigilo bancário no ordenamento alemão são as relacionadas à Administração da Justiça e à Administração Tributária, respeitadas certas garantias formais. No que concerne ao ponto de interesse deste estudo:

[...] o sigilo bancário apresenta-se bastante restringido em função dos amplos poderes concedidos às autoridades fiscais para ter acesso a documentos e registros em poder de terceiros, inclusive os bancos, em que pese os condicionamentos formais a esses poderes. [...] Entre as cautelas formais que limitam os poderes de apuração tributária, duas são dignas de menção em primeiro lugar: a) a exigência de um procedimento administrativo tributário e arrecadador para a requisição de informações bancárias diretamente pelo fisco; b) necessidade de que a requisição de informação apenas se dê em relação à pessoa investigada.190

Em complemento, a doutrinadora informa:

Verifica-se que também na Alemanha a legislação prevê a observância de uma série de requisitos materiais e formais, erigidos em benefício do contribuinte para a quebra do sigilo bancário pela Administração Tributária, destacando-se entre eles o requerimento prévio de informação ao contribuinte, que dá a ele oportunidade e condições para ajuizar ação contra a requisição arbitrária ou abusiva de informações bancárias.191

Nesse mesmo sentido, André Terrigno Barbeitas:

O levantamento do sigilo deve efetuar-se no seio de um procedimento administrativo tributário (Besteuerungsverfahren e Steuerfahndungsverfahren), e a instituição financeira poderá solicitar da autoridade fiscal um requerimento escrito para aferir se está ou não em conformidade com o Direito, se está suficientemente detalhado e se a autoridade solicitou primeiro ao contribuinte as informações requisitadas.192

Nos termos da seção 93 do Código Tributário alemão, o contribuinte deve ser intimado a apresentar as informações bancárias necessárias à fiscalização tributária. Dessa maneira, “caso a intimação seja infrutífera, ou seja, previsivelmente infrutífera, as autoridades

190 CARVALHO, op. cit., p. 75.

191 CARVALHO, op. cit., p. 76.

192 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 36.

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fiscais podem requerer diretamente as informações bancárias das instituições financeiras” 193.

VIII.3 FRANÇA

Examinando a legislação francesa, Márcia Porto de Carvalho leciona:

Quanto à justificativa jurídica do sigilo bancário, como na maioria dos países, esta também se mostra controvertida na França. O referido instituto é tido por alguns autores como expressão de um direito privado pertinente ao cliente do banco, e por outros, como uma espécie do direito individual ao segredo, assentado no direito à liberdade tutelado pela Constituição francesa. [...] O art. 226-13 do novo Código Penal francês dispõe que a revelação de uma informação de caráter secreto por uma pessoa que é seu depositário por estado ou por profissão, seja em razão de uma função ou de uma missão temporária, é punida com um ano de prisão e 100.000 francos de multa, enquanto que o art. 226-14, alínea 1, estabelece que o art. 226-13 não é aplicável nos casos em que lei impõe ou autoriza a revelação do segredo. O art. 57 da Lei Bancária de 1984 afirma de forma expressa e sem ambigüidade a existência do dever de sigilo bancário, apontando as pessoas que podem ser responsabilizadas pela violação desse dever, as quais, pelo enunciado aberto do dispositivo, são todas aquelas que trabalham em um estabelecimento de crédito e têm conhecimento de informação confidencial através de seu ofício.194

Acrescenta que, a despeito dessa proteção penal da informação sigilosa, o sigilo bancário, na França, faz inúmeras concessões em hipóteses de interesse público, dentre as quais a eficácia da fiscalização realizada pelas autoridades tributárias:

[...] interesses de ordem pública, consubstanciados no direito fundamental à liberdade, constituem a base jurídica do sigilo bancário. Mesmo aceitado tal entendimento como válido, o sigilo bancário não é tido em França como direito absoluto, que não cede em nenhuma hipótese. Outros interesses, igualmente de ordem pública, justificam a imposição de limitações ao instituto.[...] Configuram-se no citado país as seguintes exceções normativas ao sigilo bancário, em favor de autoridade ou órgão público: a) a revelação de dados bancários por determinação de autoridades judiciárias, nos autos de procedimento penal e em certos casos que se processam perante

193 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/14, p. 22.

194 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 77-78.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU144

os juízos cível e comercial, como em matéria de divórcio ou em procedimento para recebimento de crédito ou de administração e falência; b) o dever de levar ao conhecimento de autoridades de departamento do Ministério da Economia e Finanças informações bancárias que se constituem em indícios de lavagem de dinheiro; c) a obrigação de fornecer informes bancários requisitados por autoridades administrativas francesas – tributárias, alfandegárias, do Comitê Bancário, do Banco da França, da Comissão de Operações da Bolsa, do Tribunal de Contas, da Comissão Nacional de Informática e Liberdades. Em todos esses casos, o sigilo bancário praticamente inexiste, havendo acesso às informações bancárias automaticamente, salvo quanto a compras anônimas de ouro ou de subscrição anônima de bônus de caixa. O anonimato das referidas transações financeiras foi instituído na França para recuperar o dinheiro francês que migrou para a Suíça, consistindo, nas palavras de Misabel Derzi, em respiradores que países, como a França, instituíram em favor do seu sistema bancário, da sua moeda e da proteção ao crédito interno.195

A Autora faz a prudente ressalva de que:

Apesar de todas essas exceções, pode-se afirmar que o sigilo bancário é um princípio importante do Direito francês. Dois argumentos fundamentam essa conclusão: a Corte Suprema somente admite qualquer exceção ao sigilo bancário na presença de interesses públicos superiores; mesmo nos casos em que o direito ao sigilo dá lugar ao direito à revelação, a informação revelada é limitada a pessoas indicadas por lei, as quais devem manter confidencial a informação.196

Especificamente no que tange ao acesso direto da Administração Tributária aos dados da movimentação financeira do contribuinte em posse dos bancos, tem-se que:

A exceção legal ao sigilo bancário, consistente no dever de fornecer informações bancárias a autoridades tributárias, decorre, sobretudo, do art. L83 do Código de Processo Tributário. Com esteio neste artigo, a Suprema Corte Administrativa, em decisão de 22.12.1982, concluiu que as autoridades tributárias estão autorizadas a obter a transmissão das operações registradas em contas bancárias de pessoa determinada. Outro dispositivo legal que determina o fornecimento de registros bancários ou financeiros a autoridades tributárias é o art. L96A do Código de Processo Tributário, o qual obriga as entidades de crédito a declarar a data e o montante das transferências de fundos ao estrangeiro, quando solicitado pela administração

195 CARVALHO, op. cit., p. 79-80.

196 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 82.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 145

tributária. Além disso, para facilitar os controles da administração fiscal, os bancos são obrigados a fazer certas comunicações ao Fisco, notadamente de aberturas e fechamentos de contas (conforme o art. 1649A do Código Geral de Impostos) e da existência de haveres herdados. Por outro lado, não há qualquer restrição na França para o acesso da administração fiscal às informações relativas a contas bancárias. Uma vez obtidos, todos esses informes são armazenados pela administração tributária francesa em uma base de dados para investigação, controle e cobrança de contribuições.197

Melissa Folmann corrobora essa descrição da forma como a questão é conduzida na França:

[...] o sigilo bancário não pode ser oposto à justiça penal, à justiça civil se o banco for parte no processo, e às autoridades fiscais. Relativamente a estas o sigilo bancário praticamente inexiste, havendo acesso às informações bancárias automaticamente, salvo nos casos de compras anônimas de ouro ou de subscrição anônima de bônus de caixa. Neste país a administração tributária armazena todas as informações passadas pelos bancos em uma base de dados para investigação, controle e cobrança de contribuições.198

Segundo Barbeitas, a Administração possui amplos poderes de controle da situação fiscal dos contribuintes: “O Código Geral de Impostos concede ao Fisco, em caso de suspeita de evasão fiscal, o chamado ‘droit de communication’. [...] Essa faculdade está subordinada à obtenção de uma autorização administrativa.”199

Roberto Massao é bastante esclarecedor sobre o tema:

A proteção ao sigilo bancário encontra limites nos interesses do Estado, o que lhe confere um caráter relativo, que emerge quando os interesses dos particulares são confrontados com o interesse geral. Os bancos devem participar desse interesse nos diferentes aspectos reconhecidos pela lei: o bom funcionamento do sistema bancário, o bom funcionamento da justiça penal, a defesa dos interesses econômicos do Estado. Esses últimos aparecem sobretudo, em matéria tributária e na administração das aduanas. [...] A administração tributária sempre foi dotada de meios eficazes na busca de informações visando assegurar a efetividade da aplicação

197 CARVALHO, op. cit., p. 81-82.

198 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 94-95.

199 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 34.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU146

da lei tributária. Nesse sentido, os bancos desempenham um papel vital, como provedores de dados particularmente eficazes. Anne Teissier, professora doutora da Universidade de Direito, Economia e Ciências de Aix-Marseille, assevera que a quebra do sigilo bancário é necessária na luta contra a fraude fiscal, através da utilização de diversos instrumentos: a) obrigação de comunicação espontânea ao fisco (obligation de communication spontanée), b) direito de informação do fisco (droit de communication), c) busca e apreensão (droit de visite et saisie).200

Como na maioria dos demais países considerados exemplos de democracias avançadas, o acesso da Administração Tributária aos dados da movimentação financeira do contribuinte ocorre com o atendimento de certas garantias:

Importa assinalar que o Código de Processo Tributário preocupa-se em resguardar os interesses dos investigados, por meio de garantias formais. Nesse sentido, submete os agentes fiscais à obrigação de segredo profissional e impõe ao banco, objeto de uma demanda de informações por parte do Fisco, o dever de informar o fato a seu cliente.201

Todavia, Chinen demonstra que, na França, apesar desses requisitos formais, o sigilo bancário é bastante mitigado em prol do interesse público subjacente à atividade da Administração Tributária:

O direito de informação é exercido pelo fisco sem a necessidade de comunicar à pessoa que está sendo investigada e sem necessidade de motivação; não há previsão legal que imponha aos agentes fiscais a necessidade de informar a respeito da decisão de utilização do direito de informação; na prática, são os bancos que, sistematicamente, comunicam a seus clientes as demandas do fisco que a eles afetam; quanto à motivação, entende-se que é desnecessária, pois a justificativa do uso do direito de informação torna-se difícil antes que se tenha acesso a certos documentos indispensáveis, e, além disso, pode haver cumplicidade dos agentes bancários em fraudes fiscais. Os banqueiros não se podem opor ao fornecimento das informações alegando o segredo bancário, que configuraria uma recusa de informação, sujeita às sanções previstas.202

200 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 41-42.

201 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007, p. 82.

202 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 43.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 147

VIII.4 ITÁLIA

Márcia Haydée ressalta que o sigilo bancário na Itália, embora considerado um princípio importante do sistema jurídico:

[...] nunca teve um objetivo ilimitado de aplicação, posto que existiam previsões normativas nas áreas criminal e tributária, forçando os bancos, sem qualquer responsabilidade para com seus clientes, a quebrar o sigilo e revelar informações para juízes investigantes e autoridades tributárias. Entretanto, com a edição de um conjunto de leis entre o final da década de 80 e início da década de 90 do século anterior, quais sejam, o novo Código de Processo Criminal, instituído pelo Decreto Presidencial 447, de 12.09.1988, a chamada Lei Anti-Máfia, 197, de 05.07.1991 e a Lei Orçamentária de 1992, 413, de 30.12.1991, foram alargadas substancialmente as circunstâncias ou hipóteses de quebra do sigilo bancário. [...] Superando Leis anteriores, que possibilitavam o levantamento do sigilo bancário pela Administração Tributária em hipóteses limitadas, a Lei 413, de 30.12.1991, fixou como único requisito necessário para acionar o poder das autoridades fiscais para forçar os bancos a revelarem dados sobre um contribuinte a existência prévia de uma auditoria ou exame de contas desse contribuinte, independentemente da natureza da violação suspeita, das quantidades envolvidas ou de qualquer outra circunstância. Além disso, para simplificar o procedimento, as inspeções agora dependem apenas de uma mera aprovação de um agente hierarquicamente superior, dispensada a autorização do Presidente da Corte Tributária, antes requerida, Desse modo, a Lei 413/91 ampliou e deu novos poderes às autoridades tributárias no que diz respeito à obtenção de informações bancárias, impedindo os bancos de oporem o sigilo bancário contra estas, tudo para evitar que esse instituto sirva de cômodo abrigo para a evasão fiscal e a criminalidade econômica.203

Nessa esteira, André Terrigno confirma:

Com o advento da Lei 413, de 30.12.1991, foram sacrificadas as informações confidenciais do contribuinte diante do interesse representado pela Administração fiscal. Deverá ser obtida uma autorização do Diretor Regional para viabilizar a requisição. Uma vez autorizada, a autoridade fiscal poderá requisitar a cópia das contas do contribuinte, bem como qualquer outro documento que guarde relação com elas.204

Ele reproduz, ademais, o entendimento da Corte Constitucional italiana no sentido de que a oponibilidade do sigilo bancário à

203 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 70-72.

204 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 48.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU148

Administração Tributária, além de favorecer, em verdade, um interesse patrimonial, e não a intimidade, ameaça gravemente o princípio da solidariedade, fomentando a evasão fiscal, que rompe o vínculo de lealdade mínima que liga os cidadãos:

A Corte Constitucional, através da sentença n. 51/1992, ao analisar a questão atinente à possibilidade de inserção ou não dos documentos bancários na transmissibilidade de informações à administração fiscal, sopesando os interesses envolvidos, assentou que: ‘[...] em outros termos, ao caráter confidencial a que os bancos estão mantidos nos confrontos das operações dos próprios clientes não se pode aplicar o paradigma de garantia próprio dos direitos de liberdade pessoal, eis que na base do sigilo bancário, não há valores da pessoa humana a tutelar; há, mais simplesmente, instituições econômicas e interesses patrimoniais, aos quais, segundo a jurisprudência constante desta Corte, aquele paradigma não é aplicável. [...] À luz dos princípios constitucionais, de fato, a evasão fiscal constitui em cada caso uma ‘hipótese de particular gravidade’, pelo simples fato que representa em quaisquer de suas manifestações a ruptura do vínculo de lealdade mínima que liga os cidadãos e comporta, então, a violação de um dos ‘deveres inderrogáveis de solidariedade’, nos quais, no entender do artigo 2º da Constituição, funda-se em uma convivência civil ordenada aos valores de liberdade individual e de justiça social.205

VIII.5 ESPANHA

Márcia de Carvalho resume de maneira clara a reduzida força do sigilo bancário na Espanha ao proclamar que: “[...] duas características definem a sua regulação no Direito espanhol. De um lado, as poucas normas tutelando o instituto. De outro, em contraste, as inúmeras hipóteses legais em que o sigilo bancário cede diante do poder público”.206

Registra que a legislação espanhola prevê diversas exceções ou limites objetivos ao sigilo bancário, “os quais se referem principalmente à esfera pública e à necessidade de defesa de valores superiores, como a administração da justiça, o sustento das despesas públicas e o combate à fraude fiscal”.207

205 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 49-50.

206 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 39.

207 CARVALHO, op. cit., p. 42.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 149

A Autora assim especifica a flexibilização do sigilo bancário quando em confronto com a atividade da Administração Tributária:

Outra exceção relevante em relação ao sigilo bancário no direito espanhol, na verdade, várias que podem ser entendidas de forma conjunta, são as prerrogativas da Administração Tributária, as quais derivam da obrigação de contribuição com o sustento dos gastos públicos, consoante o princípio da capacidade econômica, previsto no art. 31.1 da Constituição Espanhola, e o princípio da colaboração com a Administração Tributária, daquele decorrente, de que trata, entre outros, o art. 111 da Lei 230/63, denominada de Lei Geral Tributária (LGT), dispositivo este redigido conforme a Lei 25/95.208

Roberto Massao, por sua vez, oferece a seguinte visão panorâmica:

Por um lado, dá-se muita ênfase aos deveres de colaboração, sobretudo àqueles atribuídos às instituições bancárias em face do fisco, com respeito às informações passíveis de repercussões fiscais. Por outro lado, entende-se que o acesso aos dados bancários pelo fisco não pode ser oposto pela alegação de violação do direito à intimidade [...].209

Historia, além disso, que:

No âmbito legislativo tributário, o art. 111 da Ley General Tributaria, em redação dada em 1985, após estabelecer a obrigação de informar à administração sobre matérias com transcendência tributária, determina com toda clareza que o descumprimento das obrigações estabelecidas nesse artigo não poderá ser amparado no sigilo bancário. O dever de colaboração exigido pela Ley General Tributaria completa-se com outros preceitos legais, que vinculam especificamente as instituições de crédito e demais entidades assemelhadas, obrigando-as a fornecerem toda uma gama de informações pertinentes à movimentação financeira de seus clientes.210

Com maior riqueza de detalhes, foi dito:

Dispõe expressamente o art. 31.1 da Constituição Espanhola de 1978 que ‘todos contribuirão para as despesas públicas em harmonia com a sua capacidade econômica, mediante um sistema tributário justo, inspirado nos princípios da igualdade, progressividade que,

208 CARVALHO, op. cit., p. 43.

209 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 52.

210 CHINEN, op. cit., p. 55.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU150

em caso algum, terá alcance confiscatório’. O art. 111 da LGT versa especificamente sobre o dever de comunicar ao Fisco dados de relevância tributária, que se insere no dever geral de colaboração fiscal. [...] Em síntese, o art. 111 da LGT estabelece que tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas estão obrigadas a comunicar à Administração Tributária as informações com transcendência tributária, deduzidas de suas relações econômicas, profissionais ou financeiras com outras pessoas; essa obrigação deve ser cumprida diretamente, por força de lei, quanto a certos tipos de informações ou em virtude de requerimento individualizado do órgão competente da Administração Fiscal, na forma e prazos estabelecidos em regulamento; e o descumprimento da referida obrigação não pode amparar-se no sigilo bancário. Examinando o dispositivo citado, pode-se deduzir primeiramente que o dever atribuído por ele vincula tanto o contribuinte quanto terceiros, como as entidades financeiras. Também decorre do art. 111 da LGT que há dois tipos de deveres de informação tributária a cargo dos bancos e demais entidades de crédito: o de fornecimento de toda classe de informes de repercussão tributária deduzidos de suas relações econômicas, profissionais ou financeiras com outras pessoas, que decorre imediatamente de norma de caráter geral, e o de atendimento de requerimentos individualizados de informação realizados pelos órgãos competentes da Administração Tributária. O art. 111, inc. I, da LGT, especifica, embora apenas a título exemplificativo, as informações que as instituições financeiras devem comunicar de forma autônoma ao Fisco. São elas: registros sobre depósitos efetuados por pagadores de rendimentos de trabalho, de capital mobiliário e de atividades profissionais; informes sobre rendimentos obtidos com a cobrança de honorários profissionais ou de comissões pelas atividades de captação, colocação e cessão ou mediação em mercados de capitais, desde que as instituições financeiras realizem atividade de gestão ou intervenção em relação a tais cobranças; informes sobre depósitos realizados por devedores da Administração Tributária.211

Adicionalmente:

Outro órgão administrativo arrecadador a que é facultada a obtenção direta de registros bancários é o Tesouro Geral da Seguridade Social (TGSS). De acordo com o art. 36 da Lei Geral da Seguridade Social, RD Legislativo 1/94, as pessoas ou entidades depositárias de dinheiro em efetivo ou em conta, valores ou outros bens de devedores da Seguridade Social devem colaborar com o TGSS através do fornecimento de informações espontâneas ou o cumprimento de requerimentos, formulados pelo citado órgão no exercício de suas funções legais.212

211 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 44-45.

212 CARVALHO, op. cit., p. 47.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 151

Folmann certifica a evolução legislativa em comento:

[...] Com a redação dada pela Lei 25/95 ao art. 111 da Lei Geral Tributária (Lei 230/63) os bancos passaram a ser obrigados a proporcionar à Administração Tributária todos os dados econômicos ou financeiros dos clientes, afastando-se nos termos do §3º o sigilo bancário, passando essas informações a constituírem um banco de dados da administração tributária a ser utilizado no ato de fiscalização.213

Já sobre as garantias formais que consubstanciam requisitos para o acesso, na Espanha, da Administração Tributária às informações financeiras em posse dos bancos e estabelecimentos similares, ficou consignado que:

Em qualquer dos casos antes indicados, as informações só devem ser proporcionadas ao Fisco pelas instituições financeiras se atenderem aos requisitos materiais impostos pelo próprio art. 111 da LGT, quais sejam: possam conduzir à verificação de crédito tributário e consistam em dados que estejam na posse das entidades requeridas em decorrência das relações econômicas e financeiras desenvolvidas entre estas e o cliente. Segundo Guillén Ferrer, estas restrições visam a evitar que a Administração Tributária tenha acesso a detalhes da intimidade pessoal e familiar, incluídos dados econômicos sem relevância tributária, que não sejam necessários para atender o bem constitucionalmente protegido da distribuição equitativa no sustento dos gastos públicos. Além de limites materiais, a obtenção de informações junto a entidades de crédito, mediante requerimento do próprio órgão fazendário, sofre também restrições formais, consistente no procedimento a ser seguido, cujo fundamento encontra-se no direito à intimidade. O mencionado procedimento, previsto no art. 111 da LGT e regulado pelo art. 38 do Regulamento Geral de Inspeção Tributária (RGIT), é composto por uma série de cautelas formais, que são as seguintes: a) obtenção de autorização da autoridade competente para o requerimento de informação, que são o Inspetor Chefe, no caso de procedimento geral, e o Diretor de Departamento competente ou Delegado competente da Agência Estatal de Administração Tributária, na hipótese de procedimento especial; b) notificação da entidade requerida e do sujeito passivo ou contribuinte; c) indicação no requerimento dos dados identificativos do instrumento de transação bancária ou das operações objetivo de investigação, dos investigados e do período de tempo a que se refiram. A esses limites, Azaustre Fernándes defende que se acrescente um outro, também de natureza formal, relacionado com o da restrição do conteúdo do requerimento de informações bancárias dos investigados, que é o da exigência de motivação substancial

213 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 92.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU152

da necessidade do requerimento, como, por exemplo, a existência de indício de fraude. Consoante Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2000, a notificação do contribuinte é uma das formalidades jurídicas exigidas na Espanha para a obtenção de dados bancários com fins fiscais, consistindo na obrigação da Administração Tributária de enviar um aviso ao contribuinte em questão comunicando que a autoridade competente autorizou um requerimento de informações a um banco. Tal garantia reveste-se de grande importância, na medida em que dá ao investigado a possibilidade de impugnar judicialmente o acesso do Fisco a suas informações bancárias. Como visto, por força do art. 111 da LGT, o requerimento no procedimento de investigação de contas e operações bancárias deve conter a indicação do instrumento de transação ou operação bancária objeto da investigação, identificação dos obrigados tributários afetados, especificação do período de tempo a que se refiram. A razão de ser dessa exigência formal é limitar o procedimento a uma investigação concreta e determinada. [...] Mas não é só. Além de garantias prévias, a legislação espanhola estabelece ainda garantias posteriores à consecução dos dados, dentre os quais sobressaem: o caráter reservado das informações, as quais, por força do art. 18.1, §1º, da Lei 1/98, de Direitos e Garantias dos Contribuintes, e do art. 113.1 da LGT, não podem ser cedidas ou comunicadas a terceiros a não ser em casos especificados em lei, como às Administrações Públicas; o dever de sigilo de autoridades e funcionários sobre as informações a que tenham acesso; os direitos do contribuinte de acesso, retificação e cancelamento dos dados tributários.214

Barbeitas robustece:

O Decreto 2.027/1985, regulamentador da Lei de reforma fiscal de 1977, estabelece o procedimento através do qual o Fisco pode requisitar informações bancárias. É preciso que o agente fiscal faça, antes, uma solicitação formal neste sentido ao diretor geral dos impostos, ou ao intendente de finanças local, declinando os motivos pelos quais se revelam necessárias as informações bancárias. Somente depois de obtida a anuência administrativa é que se notifica o banco.215

Márcia Haydée anota que do exame das citadas regras para a conversão do sigilo bancário em sigilo fiscal, sob a égide da Administração Tributária, chega-se à conclusão de que, no ordenamento jurídico espanhol, “embora o sigilo bancário, considerado como um direito

214 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 45-46.

215 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 39.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 153

fundamental, ceda em face do dever constitucional de colaboração fiscal, isto se dá com respeito a garantias materiais e procedimentais do cliente do banco investigado”.216

Há legislação ainda mais recente sobre o tema: nos termos do art. 57 do Real Decreto n. 1.065/2007, a Administração Tributária espanhola pode requisitar dados econômicos dos contribuintes às instituições financeiras. Para tanto, faz-se necessário que o superior hierárquico, isto é, o diretor do departamento ou o delegado da Agência Estatal de Administração Tributária, assim o autorize. Nessa hipótese, “que é diferente da regra brasileira que exige prévia intimação, o contribuinte não precisa ser intimado a apresentar as informações bancárias, que podem ser obtidas diretamente da instituição financeira”. 217

É de se observar, ainda, que, na Espanha, o sigilo bancário não é excepcionado apenas diante das legítimas atividades da Administração Tributária, mas em inúmeros outros casos:

Em face de suas funções de supervisão, também têm acesso a dados cobertos pelo sigilo bancário o Banco de Espanha e a Comissão Nacional de Mercado de Valores. Outros órgãos com poderes para obter informes bancários na Espanha, mediante requerimento direto às entidades de crédito, são as Comissões Parlamentares de Investigação, o Tribunal e o Serviço de Defesa de competências e, finalmente, a Auditoria de Contas. [...] A necessidade de um combate mais efetivo ao tráfico de drogas, ao terrorismo e a outros delitos praticados por organizações criminosas, fez surgir mais recentemente uma nova frente de ruptura do sigilo bancário na Espanha. Trata-se da Lei 19/93, sobre medidas de prevenção da lavagem de dinheiro. Segundo a citada Lei, as entidades financeiras devem comunicar à Comissão de Prevenção de Lavagem de Capitais e Infrações Monetárias, por ela criada, qualquer fato ou operação a respeito da qual exista qualquer indício de relacionamento como lavagem de dinheiro, bem como facilitar a informação requerida pelo Serviço Executivo da Comissão no exercício de suas competências.218

Terrigno colaciona importante excerto de decisão do Tribunal Constitucional italiano que veicula o entendimento de que o direito à intimidade é limitado por outros direitos fundamentais e pela necessidade de preservar outros bens constitucionalmente protegidos, como a 216 CARVALHO, op. cit., p. 46.

217 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 22.

218 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 47-48.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU154

distribuição equitativa da carga tributária, pelo que não afrontaria o direito à intimidade, nem o sigilo profissional, o acesso, movido por um tal interesse público, da Administração Tributária aos dados da movimentação financeira do contribuinte em posse de um banco:

El derecho a la intimidad está limitado, aparte de otros derechos fundamentales, por la necesidad de preservar otros bienes constitucionalmente protegidos. El conocimiento de las cuentas bancarias puede ser necesario para proteger el bien constitucionalmente protegido que es la distribución equitativa Del sostenimiento de los gastos públicos. Pero esta actividad pública debe realizarse com ciertas garantias, entre las que merece especial mención el deber de sigilo que pesa sobre quienes tengan conocimiento por razón de su cargo de los gastos descubiertos em la investigación. 4. Las injerencias en la intimidad no pueden ser arbitrarias o ilegales, como dice el art. 17.1 del Pacto de Derechos Civiles y Políticos, y la Lei solo puede autorizar esas intromisiones por ‘imperativos de interés público’. 5. La posibilidad de exigir las certificaciones del movimiento de las cuentas no viola en si el secreto profesional, así como tampoco el simple conocimiento del nombre del cliente y de las cantidades pagadas por El em concepto de honorarios. 6. No hay en la Constitución uma consagración explícita y reforzada del secreto bancario, como la hay del secreto profesional.219

Massao, evidenciando não se tratar de precedente isolado no âmbito daquela Corte, assegura que:

Os contornos do alcance do sigilo bancário em matéria tributária têm sido desenhados pelo Tribunal Constitucional, mediante um esforço de harmonização de dois interesses juridicamente tutelados: a proteção da intimidade, prevista no art. 18.1 da Constituição espanhola, e o dever de contribuir para a sustentação dos gastos públicos, consagrado no art. 31 do texto constitucional, com nítida predominância desse último interesse. Na sentença 11, de 08.04.1981, menciona-se que o direito à intimidade é limitado pelo dever de todos de contribuir para a sustentação das receitas públicas de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. A decisão do Tribunal Constitucional 642, de 23.07.1986, assinala que o direito à intimidade não se pode estender a ponto de constituir um obstáculo que impossibilite ou dificulte o dever constitucionalmente declarado no art. 31 da norma fundamental de todo cidadão de contribuir para a sustentação dos gastos públicos através do sistema tributário, de acordo com sua capacidade econômica. Em decisão mais recente, através da Sentença 76, de 26.04.1990, a jurisprudência do Tribunal Constitucional reafirma essas orientações, declarando que o dever de contribuir à sustentação dos gastos públicos vincula tanto os poderes públicos como os cidadãos, e para estes, trata-se de um

219 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 39.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 155

dever constitucional que configura uma situação de sujeição e de colaboração com a Administração Tributária, cujo indiscutível e essencial interesse público justifica a imposição de limitações legais ao exercício dos direitos individuais.220

Compartilha-se, ainda, a conclusão a que chega Jaime García Añoveros:

O Tribunal Constitucional não encontrou, até o momento, nem um tipo de dado ou informação econômica com transcendência tributária que limite a ação inquisitiva da administração tributária por razão de intimidade. Pode-se dizer, portanto, que em face da administração tributária, em se tratando do exercício da função de busca de dados com transcendência tributária, o direito à intimidade, pessoal ou familiar, não existe.221

Apresenta-se, por fim, a posição da jurista espanhola Mercedes Peláez Marqués, para quem:

O Tribunal Constitucional deixa, pois, bem clara a legitimidade da administração para arrecadar e, se for o caso, inspecionar a situação financeira dos administrados. [...] A faculdade comprobatória da administração, que tem seus próprios limites, não é mais que uma garantia do cumprimento do princípio da igualdade diante da lei proclamado pela Constituição: a iguais rendimentos ou titularidades patrimoniais igual imposição.222

VIII.6 REINO UNIDO

Folmann dispõe que, na Inglaterra, o sigilo é respeitado a tal ponto de “exigir-se do candidato a trabalhar no banco a assinatura de um termo de compromisso de respeito ao sigilo das informações dos clientes. Todavia, perante o Fisco o sigilo bancário cede automaticamente”.223

Consoante assevera André Terrigno:

Ante a ausência de norma escrita consagradora do sigilo bancário, este é reconhecido e tutelado pelo Judiciário, tendo por base uma natureza contratual. [...] A Administração Fiscal pode requisitar

220 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 54.

221 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 54.

222 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 55.

223 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 95.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU156

aos bancos, sem autorização preventiva, informações gerais sobre a titularidade das contas.224

E prossegue: “após a Declaração de Princípios da Basiléia, a Inglaterra, no final de 1988, impôs aos bancos, através do Banco Central, o dever de identificar os próprios clientes responsáveis por operações bancárias superiores a dez mil libras”.225

VIII.7 ARGENTINA

Porto de Carvalho delineia os contornos da problemática sob os holofotes no ordenamento jurídico argentino:

O sigilo bancário não está previsto de forma explícita na Constituição da Argentina, derivando, portanto, de uma construção interpretativa, a partir do direito à inviolabilidade da correspondência e dos papéis privados, bem como do direito à intimidade, que galgou o status constitucional graças ao Pacto de San Jose da Costa Rica, tratado cujos dispositivos estão no mesmo nível da Constituição nacional, conforme nela própria definido, precisamente em seu art. 75, item 22. São leis que dão os contornos ao instituto na Argentina. Mesmo tratando da limitação de um direito tido como constitucional, essa legislação infraconstitucional não chegou a suscitar grandes discussões sobre a temática, porque tanto a doutrina como a jurisprudência, partindo da idéia de que o sigilo bancário não apresenta caráter absoluto, têm concordado com a consagração legal de exceções ao instituto, que atendam à satisfação de interesses públicos passíveis de serem obstaculizados por ele. Não são admitidas, porém, outras exceções ao sigilo bancário além daquelas fixadas em lei. Nesse sentido é o teor da sentença da Corte Nacional Federal Contencioso Administrativo, Sala II, proferida em 21.05.1981, a qual impediu a Comissão Nacional de Valores (CNV) de investigar contas correntes, mesmo aquelas de pessoas físicas ou jurídicas submetidas a seu controle, para resguardar o direito ao sigilo bancário, sob o argumento de que a Lei de criação da CNV, apesar da importância nacional da instituição, não lhe dá faculdade de realizar investigações em contas correntes, frente ao rol taxativo da Lei 21.526/77.226

224 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 37.

225 BARBEITAS, op. cit., p. 38.

226 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 57.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 157

Para melhor compreensão, traça a trajetória histórica da legislação:

Segundo a Lei 18.061/69, já revogada, toda e qualquer operação bancária e informações recebidas de clientes deviam ser mantidas sob sigilo, salvo nos casos por ela própria taxativamente enumerados, que se constituíam unicamente nos requerimentos dos juízes, os quais supõem as garantias do devido processo legal. Com esteio nessa disposição, prevalecia a concepção de que as autoridades tributárias não estavam entre as autoridades que, conforme a citada Lei, podiam exigir das entidades financeiras a revelação do sigilo bancário. Atualmente o instituto do sigilo bancário tem como marco regulatório os arts. 39 e 40 da Lei 21.526/77, por força da reforma promovida pela Lei 24.144/92. [...] Além de circunscrever o sigilo bancário às operações passivas das entidades financeiras, a Lei 21.526/97 estabeleceu também outros limites a esse instituto, ao indicar autoridades a quem devam ser desvelados registros bancários de natureza sigilosa, cumpridos certos requisitos, também apontados pela citada legislação. São elas exceções contra as quais doutrina e jurisprudência não oferecem maiores oposições, por considerarem que são instituídas em favor do interesse público ou de ordem superior, sendo interpretadas, todavia, como rol de caráter taxativo. Tais exceções dizem respeito à admissão de requerimentos de informações pelas seguintes autoridades ou órgãos públicos: a) juízes em causas judiciais, com as cautelas prescritas em lei; b) o Banco Central da República Argentina, no exercício de suas funções; c) os órgãos arrecadadores de impostos nacionais, provinciais ou municipais, atendidas determinadas condições: que os dados se refiram a um responsável determinado; que esteja em curso uma verificação impositiva contra esse responsável; e, finalmente, que as informações sejam requeridas formal e previamente. A Lei 21.526/97, portanto, restringe o sigilo bancário quando se trata de informes requeridos, entre outros, pelo Fisco, ao mesmo tempo em que consagra certos limites ao seu exercício, quais sejam: que o pedido esteja necessariamente vinculado a operações passivas de um sujeito concretamente determinado; que haja um processo administrativo tributário em curso contra o investigado e que as informações sejam requeridas preliminarmente e de modo formal ao contribuinte. 227

A Autora exibe quão frágil é, na Argentina, a oponibilidade do sigilo bancário, especialmente, à Administração Tributária Federal:

A terceira hipótese de exceção ao sigilo bancário, prevista na Lei 21.562/77, justamente relativa à Administração Tributária, foi parcialmente modificada por força da Lei 23.271/85, que fez

227 CARVALHO, op. cit., p. 58-60.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU158

acrescentar ao art. 39 da Lei 21.562/77 disposição no sentido de que, em sendo o órgão arrecadador de tributos a Direção Geral Impositiva, hoje submetida à Administração Federal de Ingressos Públicos (AFIP), as suas requisições de informes protegidos pelo sigilo bancário devem ser atendidas, respeitada apenas a condição de requerimento formal prévio dessas informações aos investigados, ainda que sejam de caráter geral, refiram-se a mais de um sujeito, sejam os sujeitos passivos indeterminados, e não se encontre em andamento nenhum processo de fiscalização tributária. Em síntese, a Lei 21.526/77 garante à AFIP acesso aos registros bancários sob sigilo legal, mesmo que não cumpra certos requisitos interpostos pelo mesmo art. 39 para que sejam atendidos requerimentos de informações dos demais órgãos arrecadadores tributários.228

Consigna-se, igualmente, que:

Acerca das normas sobre o acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários sigilosos, Carlos Mighetti assinala que, a princípio e desde que não consistam na concessão de poderes ilimitados, arbitrários, não afrontam o texto constitucional, por se fundarem no interesse público de um eficiente desenvolvimento da gestão tributária, que prevalece sobre os direitos individuais com os quais entram em conflito. [...] Os poderes da AFIP não param por aí. Por força do disposto no art. 101, §7º, da Lei 11.683/33 (Lei de Procedimentos Tributários), com suas alterações posteriores, a Direção Geral Impositiva, subordinada à AFIP, deverá fornecer ou requerer a informação bancária à Direção Geral Aduaneira, também submetida à AFIP, à Comissão Nacional de Valores e ao Banco Central da República Federal Argentina. Em outras palavras, tal norma permite, ou melhor, impõe que a informação bancária sob sigilo legal, uma vez obtida pela AFIP ou outro órgão referenciado, circule livremente entre os demais, entre eles, a Comissão Nacional de Valores, a quem a Lei 21.526/77, que prevê as exceções ao sigilo bancário, não havia possibilitado o acesso a esses informes. [...] Finalmente, a Lei 11.683/33, art. 92, §12, conferiu à AFIP poderes que vão além de faculdades meramente investigatórias eventualmente dadas à Administração, por apresentarem características próprias das funções judiciais, o de decretar o bloqueio de contas bancárias, fundos e valores depositados em entidades financeiras, ou de bens de qualquer tipo ou natureza, seqüestro geral de bens e outras medidas cautelares tendentes a garantir o pagamento da dívida em execução, estando as entidades notificadas sobre a medida obrigadas a informar à AFIP, no prazo de quinze dias, os fundos e valores que resultem bloqueados, não incidindo, nesse caso, por imposição do próprio dispositivo legal, o sigilo estabelecido no art. 39 da Lei 21.526/77. Para contrabalançar toda essa gama de poderes, concedidos em maior ou menor proporção, às autoridades

228 CARVALHO, op. cit., p. 60.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 159

tributárias, a Lei 11.683/33, no art. 101, §2º, impõe às autoridades tributárias o dever de guardar o chamado sigilo fiscal, para evitar que tais autoridades venham a divulgar as informações bancárias de clientes a que tiveram acesso, gerando danos a essas pessoas.229

Barbeitas percorre o mesmo caminho descritivo das alterações legislativas sobre a temática na Argentina:

Com a edição da Lei 18.061, de 22.1.1969, pretendeu-se regulamentar detalhadamente a questão, ressalvando-se do sigilo bancário as informações: a) requisitadas pelos juízes; b) em favor do Banco Central no exercício das suas funções; c) em benefício dos órgãos de arrecadação dos impostos nacionais ou provinciais, sempre que os respectivos pedidos “se refieran a un contribuyente determinado, se encontrare en curso una verificación impositiva a su respecto y hubiere sido formal y previamente emplazado; e d) em favor das instituições financeiras entre si, consoante a respectiva regulamentação. [...] Essa estrutura manteve-se praticamente inalterada até a edição da Lei 23.271, de 21.10.1985, que ampliou o poder do órgão arrecadador de âmbito nacional (a Direção Geral Impositiva) de modo a prever que suas requisições de informações bancárias poderiam ter caráter particular ou geral e referir-se a um ou a vários sujeitos determinados ou indeterminados, ainda quando tais sujeitos não se encontrem sob fiscalização.230

Chinen também entrega a sua contribuição doutrinária sobre o ponto:

O sigilo bancário argentino encontra-se disciplinado expressamente no art. 39 da Ley de Entidades Financieras (Ley 21.526), que estabelece a proibição de divulgação dos dados financeiros por parte das instituições financeiras, exceto quando requisitadas pelos juízes em causas judiciais, pelo Banco Central no exercício de suas funções, e pelo fisco, sob determinadas condições. Da leitura desse dispositivo supracitado, percebe-se que a administração tributária platina é dotada de amplos poderes de investigação, podendo requisitar dados financeiros diretamente às instituições financeiras, sem necessidade de intervenção judicial. A única condição exigida é a existência de um pedido formal e prévio. A esse poder fiscalizatório atribuído aos agentes fiscais, contrapõe-se o dever de guardar segredo, do qual a legislação local não se descuidou. Esse dever encontra-se disciplinado na Ley 11.683, qualificado como delito de natureza penal. [...] Os juristas argentinos Félix Gustavo Guerrieri e Ramón

229 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 61-62.

230 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 47.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU160

Eduardo Pena esclarecem que a legislação atual, que confere amplas faculdades investigadoras ao fisco, é fruto de uma reforma tributária ocorrida na década de 80 do século XX, sendo antagônica ao regime anterior, que protegia os interesses dos investidores. Atualmente, o fisco pode requisitar dados aos bancos sem que haja um responsável determinado e sem haver procedimento fiscalizatório instaurado, bastando um prévio pedido formal, o que abre a possibilidade de obtenção de dados de contribuintes indeterminados. O que se pretendeu com essa reforma foi esgotar os meios para evitar a existência de redutos de evasão que, à época, alcançava níveis preocupantes.231

VIII.8 PORTUGAL

Márcia Haydée explica que, até o ano 2000, prevalecia em Portugal a ideia da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária, o que, entretanto, foi modificado a partir daquele marco:

Sobre a disciplina legal do sigilo bancário em relação ao Fisco, é importante sublinhar que até recentemente a Administração Tributária somente podia tomar conhecimento de informações bancárias mediante decisão judicial como estabelecido no art. 34, n. 3, do Dec.-lei 363/78 e consolidado posteriormente pelo Dec.-lei 398/98, que instituiu a Lei Geral Tributária (LGT), em sua redação original. [...] A Lei 30-G, de 29.12.2000, Lei de Reforma da Tributação de Rendimento (LRTR), flexibilizou a disciplina jurídica do sigilo bancário em Portugal, ao possibilitar à Administração Tributária, ainda que em hipóteses específicas e cumpridos certos requisitos formais, o acesso direto a informações bancárias do contribuinte.232

Ela ressalva que a recente autorização de acesso direto dos dados financeiros em posse dos bancos e instituições análogas pelas autoridades fiscais veio cercada de garantias para os contribuintes:

A par de definir todas as hipóteses de levantamento administrativo do sigilo bancário, o art. 63-B da LGT, aditado pela Lei 30-G/2000, cerca a execução da medida de uma série de cautelas. Em primeiro lugar, preceitua que as decisões do Fisco de acessar diretamente as informações bancárias, são da competência apenas do Diretor-geral dos Impostos ou do Diretor-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ou seus substitutos legais. Além disso, fixa cautelas processuais administrativas: a) exigência

231 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 47-48.

232 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 51-52.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 161

de fundamentação da decisão da quebra do sigilo bancário, com expressa menção dos motivos concretos que justificam a medida; b) prévia audição do contribuinte com pressuposto da decisão de levantamento do segredo bancário; e c) comunicação ao Defensor do Contribuinte da decisão de supressão do sigilo bancário, no caso de violação ostensiva do dever de colaboração. [...] A essas garantias soma-se outra, de natureza penal, que consiste na tipificação da violação do sigilo fiscal como um crime qualificado em relação ao crime de violação de sigilo profissional, como consta do art. 195 do Código Penal c.c. o art. 91 do Regime Geral de Infrações Tributárias (RGIT).233

A autora defende a alteração ocorrida na legislação em 2000 nos seguintes termos:

Entende-se que a Lei de Reforma da Tributação de Rendimento, apesar de ter relativizado consideravelmente o sigilo bancário frente ao Fisco, estabeleceu garantias materiais e principalmente formais aos indivíduos para protegê-los contra ações abusivas de autoridades tributárias direcionadas ao desvelamento de seus registros financeiros, sobressaindo-se entre elas a necessidade de audição ou oitiva prévia do contribuinte investigado, antes da emanação da decisão de quebra do sigilo bancário por parte da autoridade fiscal competente, o que, além de atender ao princípio do devido processo legal no âmbito da Administração Tributária, com todos os subprincípios a ele inerentes, como o contraditório, a ampla defesa e uma decisão efetivamente fundamentada, possibilita a impugnação judicial da provável decisão de levantamento do sigilo bancário do sujeito passivo.234

Melissa Folmann ilustra bem a paradigmática mudança ocorrida em Portugal acerca do desvelamento das informações bancárias pelas autoridades tributárias:

Filiando-se ao segredo profissional, só se admite o acesso dos fiscais às informações bancárias com autorização judicial, ‘ou em circunstâncias excepcionais, havendo um procedimento penal contra o contribuinte’. O sistema português de proteção do sigilo bancário era considerado nessa medida como um dos mais cerrados do mundo, sobrepondo-se até ao suíço. Todavia, com a edição da Lei 30-G de 29.12.2000 (Lei da reforma da tributação do rendimento), artigo 63.0-B, o regime do sigilo bancário passou por uma profunda relativização permitindo-se aos fiscais o acesso automático às

233 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 53-54.

234 CARVALHO, op. cit., p. 55.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU162

informações bancárias dos contribuintes, pressupondo, contudo, a oitiva do cidadão.235

Para Alberto Luís, essa conjuntura normativa existente em Portugal anteriormente à alteração legislativa de 2000, “transformou os bancos em lugares de asilo para os capitais, senão de impunidade para certas operações”.236

A Receita Federal, em estudo sobre o tema, demonstra que, recentemente, em 2009, o ordenamento jurídico português facilitou, ainda mais, o acesso direto da Administração Tributária aos dados econômicos dos contribuintes:

Portugal, que era um dos últimos remanescentes europeus em que as autoridades fiscais precisavam recorrer ao Judiciário para ter acesso a informações bancárias específicas, alterou sua legislação, no sentido de facilitar o acesso a informações bancárias. Na prática, hoje, as autoridades fiscais portuguesas não precisam de autorização judicial para ter acesso a informações bancárias, quando houver simples “indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível”, requisitos menos objetivos e mais eficientes para a fiscalização tributária do que os correspondentes da legislação brasileira. Vale a pena conferir os termos da Lei Geral Tributária de Portugal, alterada em 2009:

ARTIGO 63.º- B - Acesso a informações e documentos bancários

1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:

a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;

b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

c) Quando se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º;

d) Quando se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos dos sujeitos passivos de IRS

235 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 99.

236 Apud COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário. São Paulo: Universitária de Direito. 2001, p. 54.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 163

[imposto de renda de pessoa física] e IRC [imposto de renda de pessoa jurídica] que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;

e) Quando exista a necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o contribuinte usufrua;

f) Quando se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.º, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta.

A simples leitura do texto legal português permite concluir que o sistema português, além de permitir o acesso direto, confere maior liberdade de trabalho e escolha para as autoridades fiscais decidirem se desejam requisitar informações bancárias do que o sistema brasileiro. Além disso, o sistema português não exige intimação prévia do contribuinte, como exige a regra brasileira, para que ele apresente as informações bancárias. 237

Útil a informação prestada por Sanches e Gama:

[...] Hoje, o acesso à informação bancária por parte da Administração Fiscal sem qualquer comunicação prévia ao titular das contas é possível: i) nos casos de existência de prática de crime em matéria tributária; ii) nos casos de indício de existência de acréscimos patrimoniais não justificados; iii) nos casos de indícios (mesmo que vagos) da falta de veracidade das suas declarações tributárias; iv) nos casos de inexistência dessas declarações; v) nos casos de necessidade de verificação de qualquer registo contabilístico em caso de contabilidade organizada; vi) nos casos de necessidade de verificar pressupostos de regimes fiscais privilegiados; e vii) quando estejam verificadas situações que sejam pressuposto da aplicação de métodos indirectos de apuramento da matéria tributável (por exemplo, falhas na contabilidade, inexistência de contabilidade, existência de contabilidade paralelas). Em todos estes casos, o Fisco tem acesso directo aos registos bancários que solicite à instituição. Ao sujeito passivo resta, nos termos gerais, o recurso com efeito meramente devolutivo. Em caso de provimento do recurso, os elementos de prova entretanto recolhidos não podem ser usados em desfavor do contribuinte.238

237 BRASIL. Receita Federal do Brasil. Nota Conjunta Copes/Corin nº 2011/143, p. 21-22.

238 SANCHES, J.L. Saldanha; GAMA, João Taborda da. Sigilo Bancário: Crônica de uma Morte Anunciada. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 287.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU164

VIII.9 HOLANDA

A Lei Geral sobre impostos sujeita os bancos holandeses ao dever de repassar aos agentes fiscais dados e informações úteis para a apuração dos impostos devidos por terceiros.

Contudo, o Código de conduta do Fisco e dos Bancos, de 1984, firmou o princípio de que o Fisco não pode requisitar informações bancárias sem antes ter tentado obtê-las do próprio contribuinte.239

VIII.10 AUSTRÁLIA

André Terrigno presta o seguinte esclarecimento sobre a posição dominante em relação ao tema na Austrália:

A fonte do dever de sigilo na Austrália é de base consuetudinária e contratual, além de acolhida nos princípios da equity. [...] A Lei de apuração do imposto de renda federal, de 1936, estabelece que o Commissioner of Taxation pode exigir de qualquer pessoa, trate-se ou não de um contribuinte, que forneça todas as informações requisitadas. A todos os contribuintes é fornecido um número de código fiscal que permite ao Fisco confrontar os dados declarados pelo contribuinte com as informações que os bancos devem fornecer sobre as contas dos clientes. Para inibir os possíveis abusos, a Lei sobre privacidade de 1988 concedeu ao Comissário da privacidade amplos poderes de investigação sobre violações dos deveres de sigilo oriundos do sistema de código fiscal.240

Melissa Folmann, sob outro ângulo, realça os eficazes meios de que dispõe a fiscalização tributária na Austrália para cumprir as suas finalidades institucionais:

As autoridades fiscais têm acesso automático às informações sobre pagamentos efetuados bem como a quem foram efetuados; informações conjuntas sobre contas, sem reservas; informações sobre uma pessoa específica, sem limites; informação sobre uma pessoa específica suspeita de fraude tributária; informação sobre o cliente do banco (situação econômica/atividade) obtida para fins de crédito bancário; informações sobre se uma pessoa específica tem conta no banco.241

239 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 38.

240 BARBEITAS, op. cit., p. 42.

241 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 90.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 165

VIII.11 CANADÁ

Segundo André Terrigno, no Canadá, a Lei sobre imposto direto admite que o Fisco submeta à verificação os documentos bancários do contribuinte, “ainda que esta atividade venha a redundar na divulgação de dados reservados relativos a clientes do Banco que não estão sob averiguação”242.

VIII.12 BÉLGICA

Covello divulga que, na Bélgica, há derrogações legais do sigilo bancário com o escopo de atender aos interesses da Justiça e da Administração Tributária.243

Folmann ensina que, na Bélgica, no que diz respeito à fiscalização dos tributos em geral, a Administração Tributária possui o poder de obter diretamente as informações econômico-financeiras do contribuinte que se encontrarem em posse dos bancos. Em se tratando especificamente do imposto de renda, há restrição a tal acesso na fase da apuração do tributo devido, sendo que, mesmo nesse imposto, as autoridades fiscais podem obter as informações financeiras a partir do momento em que o contribuinte contesta um lançamento tributário, questionando os valores incluídos na base de cálculo:

Mais especificamente com relação ao Fisco vale ressaltar que o sigilo bancário praticamente inexiste, ou seja, os fiscais podem obter as informações desejadas diretamente do banco, salvo com relação ao imposto sobre a renda. Neste caso há duas fases: na primeira, para apuração e controle os fiscais não podem obter informações bancárias; já na segunda, que ocorre em havendo reclamação do contribuinte com relação ao imposto, o Fisco pode obter informações bancárias.244

Roberto Massao difunde o interessante dado de que:

um julgado da Cour de cassation de 1981 decidiu que a administração tributária pode querer a produção de todas as informações, sejam elas relativas à vida privada do contribuinte ou não, medida essa

242 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 43.

243 COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário. São Paulo: Universitária de Direito, 2001. p. 44.

244 FOLMANN, op. cit., p. 91.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU166

necessária, notadamente ao bem-estar econômico de uma sociedade democrática.245

VIII.13 DINAMARCA

Na Dinamarca, como constata André Terrigno, as autoridades fiscais também têm acesso direto aos dados financeiros dos contribuintes em posse dos bancos, mediante a garantia da manutenção do sigilo das informações, que devem, também, ser efetivamente necessárias para a eficácia da fiscalização tributária:

A fonte do sigilo bancário radica na Lei Bancária de 1974. [...] Em virtude da Lei de apuração fiscal, há uma precisa obrigação dos bancos de repassarem às autoridades fiscais dados e informações específicos sobre a situação financeira dos clientes, desde que tais informações sejam particularmente úteis ao fim de apuração tributária. Devem as autoridades fiscais, por seu turno, manter ´l´incondizionato segreto sulle informazioni riguardanti il reddito e la proprietà dei contribuenti’.246

VIII.14 NORUEGA

Versando a inoponibilidade do sigilo bancário perante as autoridades fiscais na Noruega, Folmann discorre:

De acordo com Alfredo Echerría Herrera, neste país o Fisco tem acesso automático aos seguintes dados bancários do contribuinte: pagamentos efetuados e a quem foram pagos; saldo da conta ao final do ano; outras informações mais genéricas sobre os serviços; informações conjuntas, sem limites, sobre contas; informações sobre uma pessoa específica, sem limites; informações sobre uma pessoa específica suspeita de fraude tributária; informação sobre o cliente do banco (situação econômica/atividade) obtidas para fins de crédito bancário; informações sobre se uma pessoa específica tem conta no banco. E, ainda, conforme Relatório da OCDE, informações sobre o saldo final do ano e rendimentos do cliente.247

VIII.15 MÉXICO

Barbeitas explica que, no México, qualquer autoridade fazendária federal pode requisitar, para fins fiscais, o acesso a dados protegidos

245 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005, p. 44.

246 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 33.

247 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 98.

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pelo sigilo bancário – que, segundo o Autor, encontra-se acorde com os preceitos da Constituição mexicana, a qual prevê a liberdade do exercício profissional, a liberdade de expressão e a proteção da esfera privada –, com a condição de que tal requisição seja intermediada pela Comissão Nacional Bancária e de Seguros.248

O manifestado entendimento é confirmado por Melissa Folmann, que enfatiza que o art. 105 da Lei Geral de Títulos e Operações de Crédito de 1932 disciplinou o sigilo bancário no México, excetuando-o em relação aos juízes, em processo judicial em que o cliente seja parte, bem como em relação à Comissão Nacional Bancária e de Seguros, para fins fiscais.249

VIII.16 HUNGRIA

Folmann sustenta que as autoridades fiscais, na Hungria, têm acesso automático às informações sobre “abertura de conta corrente; informações conjuntas sobre contas, com certa reserva; informações sobre pessoa específica, suspeita de fraude tributária; informação sobre se uma pessoa específica tem conta no banco”.250

VIII.17 TURQUIA

Em relação à Turquia, Melissa Folmann proclama:

As autoridades fiscais, fundadas na Lei Bancária 4.389, art. 22, têm acesso a: informações conjuntas, sem limites, sobre contas; informações sobre uma conta específica, sem limites; informações sobre uma pessoa específica suspeita de fraude tributária; informação sobre o cliente do banco (situação econômica/atividade) obtidas para fins de crédito bancário, informações sobre se uma pessoa específica tem conta no banco.251

VIII.18 POLÔNIA

Desta feita à luz da legislação polonesa, concluiu-se:

248 BARBEITAS, op. cit., p. 45-46.

249 FOLMANN, op. cit., p. 97.

250 FOLMANN, op. cit., p. 95.

251 FOLMANN, op. cit., p. 100.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU168

As autoridades fiscais, com fundamento na Lei Bancária e no Código de procedimentos penais, têm acesso a informações conjuntas, com alguns limites, sobre contas; informações sobre uma pessoa específica, sem limites; informações sobre uma pessoa específica suspeita de fraude tributária; informação sobre o cliente do banco (situação econômica/atividade) obtida para fins de crédito bancário; informações sobre se uma pessoa específica tem conta no banco.252

VIII.19 SUÍÇA

Raymond Farhat assinala que os autores suíços admitem que o segredo bancário se justifica por razões de ordem econômica. Segundo o citado doutrinador, explica-se o fundamento de caráter econômico desse instituto pelo fato de, na Suíça, ele operar como uma estratégia de captação. O segredo “oferece um atrativo para os capitais errantes, carentes de segurança, de anonimato e de conforto”.253

Segundo Massao, “atualmente, a Suíça é considerada o país líder mundial em operações bancárias privadas. Estimativas demonstram que mais de um quarto da riqueza privada mundial mantida fora do país de origem encontra-se depositada na Suíça”.254

Eurico de Santi destaca que:

Coerentemente com os interesses do grande negócio nacional suíço, mais rentável que a fabricação de relógios, chocolates e queijos, lá o sigilo bancário não é suspenso sequer diante de evasão fiscal, mesmo mediante requerimento de governo estrangeiro.255

Assim, enquanto a ampla maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, para flexibilizar o seu sigilo bancário, são movidos por anseios ligados à concretização de direitos fundamentais individuais e sociais, os países que optam por divinizar o sigilo bancário, como os do sistema do sigilo reforçado – e.g., Suíça, Luxemburgo, Áustria e Uruguai – e do sistema do sigilo absoluto – e.g., Líbano, Ilhas Cayman,

252 FOLMANN, op. cit., p. 98.

253 Apud CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 34.

254 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 37.

255 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 609.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 169

Ilhas Cook, Liechtenstein, Nauru e Mônaco –, assim não agem sob a inspiração da luta pela realização dos direitos humanos – de que se servem, com a devida vênia, retoricamente, os defensores da tese da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária – mas, sim, tendo como motor o interesse manifestamente econômico de atração de capitais internacionais.

Não obstante a Suíça seja um exemplo dos países, extremamente minoritários no cenário internacional, em que o sigilo bancário é glorificado, revelando-se bastante rígido e não admitindo o acesso direto da Administração Tributária aos dados econômicos dos contribuintes em posse dos bancos, não se pode desconhecer que, mesmo nesse país, o sigilo bancário apresenta uma clara tendência de flexibilização, ante a forte pressão internacional; embora, por enquanto, o enfraquecimento do segredo bancário, naquele país, esteja ainda muito associado à cooperação internacional em matéria de lavagem de dinheiro.

Assim é que Melissa Folmann recorda:

[...] Desde 1987, em face do art. 186 da lei de impostos federais, o sigilo cede mediante autorização judicial no curso de processo penal, bem como deve o banco informar ao governo sobre operações suspeitas, principalmente as decorrentes de capital estrangeiro, em razão da lei sobre cooperação penal internacional de 1981.256

André Terrigno colabora com o estudo da tendência de gradativa flexibilização do sigilo bancário na Suíça:

Eis que até mesmo a Suíça foi levada, em 1990, a introduzir o crime de lavagem de dinheiro no seu Código Penal e a subscrever as convenções bilaterais que prevêem a derrogação do sigilo bancário para combater a reciclagem de dinheiro ilícito. Os bancos suíços e suas filiais no exterior são obrigadas a repassar todas as informações requisitadas pela Comissão federal bancária e pelo Banco Nacional Suíço, ainda que cobertas pelo sigilo bancário. É possível derrogar o sigilo bancário em caso de processo penal por fraude fiscal, o que é vedado na hipótese de evasão fiscal comum, assim considerada omissão de fonte de renda e de bens patrimoniais.257

256 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 100.

257 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 41-42.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU170

Também Massao:

Através do General Federal Act on International Mutual Assistance in Criminal Matters, qualquer país pode contar com a cooperação legal da Suíça, incluindo a produção de registros bancários. A condição imposta é a observância ao princípio da dupla incriminação, ou seja, ofensa combatida no país de origem de configurar um delito punível também pela lei suíça. A título de exemplo, a evasão fiscal não é considerada crime, embora a fraude fiscal o seja, o que impossibilita a cooperação judicial por parte dos suíços. Esse ato é aplicável a todos os países, mesmo àqueles que não tenham assinado tratados de cooperação internacional multilateral ou bilateral com a Suíça.258

Ademais, Márcia Haydée emitiu, igualmente, a sua opinião:

Registra-se, finalmente, que também a Suíça entrou na luta contra a lavagem de dinheiro. Assim, foram editadas novas medidas legislativas. Em 1990, entrou em vigor novo dispositivo do Código Penal suíço que tipifica o delito de lavagem de dinheiro. Em 1998, foi a vez da Lei contra a Lavagem de Dinheiro no Setor Financeiro, a qual passou a impor às entidades bancárias o dever, até então previsto como simples faculdade, de denunciar às autoridades competentes as atividades de lavagem de dinheiro que têm conhecimento, dever esse que se completa com a obrigação das mesmas instituições financeiras de, após informar as autoridades, bloquear os fundos do cliente durante o prazo de cinco dias úteis, após o que, sem decisão alguma das autoridades competentes, o bloqueio pode ser revogado.259

VIII.20 LUXEMBURGO

Márcia Haydée revela a oponibilidade do sigilo bancário às autoridades fiscais em Luxemburgo:

Devido a uma Lei de 1940, até recentemente o sigilo bancário em Luxemburgo não podia ser oposto ao Fisco, posto que tal legislação atribuía aos bancos o dever de proporcionar à Administração Tributária todas as informações necessárias para assegurar a determinação e o recebimento de impostos, inclusive aquelas requisitadas pelos agentes fiscais. Com o advento do Regulamento de 24.03.1989, do Grande Ducado, que tornou oficial a tradicional proibição de acesso à informação bancária, o Fisco de Luxemburgo não tem mais acesso direto a informações bancárias, podendo

258 CHINEN, Roberto Massao. Sigilo bancário e o fisco. Curitiba: Juruá, 2005. p. 37.

259 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 83.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 171

obtê-las, entretanto, mediante autorização judicial, embora exclusivamente em caso de presunção de fraude fiscal.260

VIII.21 URUGUAI

Ideval Inácio de Paula e Alfredo Camargo Penteado Neto261 consideram o Uruguai um centro de confiança propício para o desenvolvimento das operações off-shore, principalmente pela específica previsão do sigilo bancário no art. 25 do Dec.-lei 15.322/82, denominado Lei de Intermediação Financeira. Essa norma veda o franqueamento de informações sobre valores e outras de caráter confidencial referentes ao cliente, salvo nos seguintes casos: autorização do cliente; decisão do Poder Judiciário; e por exigência do Banco Central do Uruguai.

VIII.22 ÁUSTRIA

No que concerne à extensão e força do sigilo bancário na Áustria, Barbeitas explana:

O ordenamento jurídico austríaco tutela expressamente o sigilo bancário na Lei do Sistema Creditício (KWG) de 1979, a qual também prevê as hipóteses de derrogação. Não pode ser oposto o sigilo bancário às cortes penais que conduzem procedimentos judiciais criminais e às autoridades fiscais penais responsáveis por procedimentos envolvendo crimes fiscais internacionais. Tanto aquelas quanto estas têm poder de requisitar dados bancários sob a condição de que o procedimento pertinente possa considerar-se iniciado e desde que subsista conexão entre o procedimento e o requerimento de informações. [...] O rígido sistema austríaco, o qual admite expressamente a abertura de contas anônimas, vem sofrendo mitigações em função da necessidade de combate à lavagem de dinheiro. Em decorrência da Declaração de Princípios do Comitê da Basiléia, os próprios bancos austríacos firmaram um acordo interbancário em 1989 estabelecendo, dentre outras, a obrigação de exigir a comprovação de identidade dos clientes, compreendidos os titulares de contas utilizadas na transferência de valores e realização de pagamentos.262

Folmann ressalva que, em se tratando de procedimento penal, as autoridades fiscais competentes podem requisitar informações financeiras em posse dos bancos:

260 CARVALHO, op. cit., p.84-85.

261 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 101.

262 BARBEITAS, André Terrigno. O sigilo bancário e a necessidade da ponderação dos interesses. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 31-32.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU172

[....] Mediante requisição da administração tributária e dentro de certos limites – procedimento penal ou consentimento do contribuinte – podem os bancos prestar informações conjuntas sobre conta corrente e informar sobre uma pessoa específica suspeita de fraude tributária; informar se uma pessoa específica tem conta no banco.263

VIII.23 LÍBANO

Já foi transcrita no presente estudo a opinião de Marcos Torre Cavalcante264 de que o Líbano pertence ao grupo de países considerados ‘paraísos fiscais’, nos quais o sigilo bancário é considerado absoluto, tais como Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Liechtenstein, Nauru e Mônaco.

Porto de Carvalho ajuda a compreender a glorificação do sigilo bancário no Líbano:

O referido sistema de proteção ao sigilo bancário apresenta poucos casos de derrogação, que são aqueles impostos por lei ou pela organização da atividade financeira. Pode-se sustentar quanto ao Líbano, a quase completa indenidade das instituições bancárias perante as requisições das autoridades judiciárias. Excetuam-se apenas os casos de falência, litígio entre banco e cliente e ações relativas ao enriquecimento ilícito, previsto por Lei libanesa de 03.09.1956. [...] O levantamento do sigilo bancário existe ainda no caso de troca de informações entre os bancos a respeito das contas devedoras dos clientes.265

Para ela, o apreço pelo sigilo bancário é tão forte na Suíça e, sobretudo, no Líbano que são “práticas correntes naqueles países o uso de contas sob números ou nomes, denominadas de contas cifradas, numeradas ou anônimas, cujos titulares só são conhecidos pelo diretor do banco e seu adjunto, e a locação de cofres-fortes numerados”.266

Sob esse mesmo ponto de vista, Sérgio Covello ratifica que:

Os limites do sigilo bancário no Líbano são bem poucos. Um deles diz respeito à falência do cliente. Neste caso, o estabelecimento financeiro fica obrigado a revelar a situação da conta ao juízo da falência ou ao síndico. O outro refere-se ao litígio entre cliente e Banco, por causa das

263 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003. p. 90.

264 CAVALCANTE, Marcos Torre. O direito ao sigilo bancário e sua relativização frente à administração tributária brasileira. Maceió, 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Alagoas, p. 32.

265 CARVALHO, Márcia Haydée Porto de. Sigilo bancário à luz da doutrina e da jurisprudência. Curitiba: Juruá, 2007. p. 84.

266 CARVALHO, op. cit. , p. 84.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 173

operações de crédito. O banco pode, na hipótese, revelar o que sabe a fim de defender seus interesses. Outro limite concerne à informação à Justiça, em caso específico de ações relativas a enriquecimento ilícito. Os bancos, no entanto, podem trocar informações entre si a respeito das contas devedoras de seus clientes.267

Covello bem demonstra que a divinização do sigilo bancário no Líbano, a exemplo do que já se comentou em relação à Suíça, teve por origem um interesse econômico de atração de capitais para o país, e não, propriamente, anseios relacionados à defesa de direitos fundamentais do indivíduo como aquele à intimidade:

A partir de 1945, capitais evadidos de outros países com o fim de escaparem à fúria de governos autoritários foram depositados em bancos libaneses. Tal fato fez com que o Líbano reformasse sua legislação monetária para atrair esses capitais à procura de abrigo e emprego e, por isso, copiou o modelo suíço, dando origem à lei de 3 de dezembro de 1956, que instituiu o sigilo bancário em caráter praticamente absoluto, introduzindo no país o sistema de contas cifradas e cofres-fortes sob números, o que tornou indevassável a atividade bancária.268

Melissa Folmann não diverge dessa interpretação ao afirmar que “o sigilo é reconhecido como um privilégio que atrai clientes” e que “o banco não pode fornecer informações a quaisquer pessoas, mesmo para autoridade judiciária, salvo em caso de falência, litígio entre banco e cliente, e ações relativas ao enriquecimento ilícito, com o consentimento do cliente”.269

IX DA COMPATIBILIDADE DO ACESSO DIRETO DA ADMINIS-TRAÇÃO TRIBUTÁRIA AOS DADOS FINANCEIROS DO CON-TRIBUINTE COM O ART. 5º, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO

Já foi enfatizado que a Lei Complementar n. 105/2001 e o Decreto n. 3.724, que a regulamentou, exigem o inequívoco preenchimento de uma série de requisitos para que a Administração Tributária tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes, tais como:

a) a existência de processo administrativo instaurado;

b) a indispensabilidade dos dados bancários para a apuração do crédito tributário, o que somente ocorre nas restritas hipóte-

267 COVELLO, Sérgio Carlos. O sigilo bancário. São Paulo: Universitária de Direito, 2001, p. 61.

268 COVELLO, op. cit., p. 59.

269 FOLMANN, Melissa. Interpretação constitucional principiológica & sigilo bancário. Curitiba: Juruá, 2003, p. 96.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU174

ses do art. 3º do Decreto, as quais revelam grande probabili-dade de ocorrência de evasão fiscal no caso concreto;

c) a confirmação de tal indispensabilidade num triplo grau de análise, que envolve o exame por parte de três graus hierár-quicos no âmbito da Receita Federal;

d) a prévia intimação do contribuinte para que proceda à apre-sentação espontânea das informações, sendo essas requisi-tadas às instituições financeiras somente diante da negativa daquele;

e) a rígida manutenção do sigilo das informações bancárias obtidas, sob pena de responsabilização penal do servidor pú-blico responsável pela sua divulgação a terceiros. Para tanto, o art. 7º do Decreto determina que: as informações sejam enviadas pela instituição financeira em dois envelopes lacra-dos, um externo e um interno, sendo que este último deverá conter observação de que se trata de matéria sigilosa, ou, se encaminhadas por meio eletrônico, sejam obrigatoriamente criptografadas; os documentos sigilosos sejam guardados em condições especiais de segurança; seja mantido controle de acesso ao procedimento administrativo fiscal, ficando sem-pre registrado o responsável pelo recebimento, nos casos de movimentação.

Em razão disso, parece evidente que a realização de um rigoroso procedimento disciplinado em lei, que oferece inúmeras garantias aos particulares, é condição sine qua non do acesso da autoridade tributária às suas informações bancárias. Em outras palavras, a Lei Complementar n. 105 não faz, de maneira alguma, concessões a práticas arbitrárias no que diz respeito ao conhecimento dos dados financeiros dos contribuintes pelo Estado. Muito pelo contrário: impõe o preenchimento de requisitos que afastam a possibilidade de abuso e prevê punições, inclusive na esfera penal, àqueles que violem o caráter sigiloso das informações obtidas. Logo, não há que se falar em transgressão ao princípio constitucional do devido processo legal.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 175

Por outro lado, Eurico Marcos Diniz de Santi270 esclarece que a suposta ofensa ao art. 5º, LIV e LV, comumente invocada pelos contribuintes, está fundada em dois argumentos distintos: (i) a transferência de sigilo dependeria de autorização específica do Poder Judiciário e, assim, a LC n.105 ofenderia a reserva de jurisdição; e, (ii) o acesso das autoridades tributárias às movimentações financeiras dos contribuintes resultaria em ofensa ao contraditório e ao direito à ampla defesa, já que ao contribuinte não seria dado contestar, ao menos administrativamente, a providência fazendária.

No que concerne à alegação de existência de reserva jurisdicional, já foram explicitadas, em páginas anteriores do presente estudo, as razões pelas quais tal argumento não procede e, portanto, deve ser prontamente rechaçado.

Também é frágil, não merecendo prosperar, o argumento no sentido da ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Primeiramente, porque os contribuintes são, nos termos da legislação tributária, intimados a apresentar espontaneamente as suas informações bancárias, anteriormente à expedição da requisição às instituições financeiras. Assim, em entendendo que não se encontram preenchidos, no caso, os requisitos legais para a requisição, pode o sujeito passivo a ela se antecipar, ajuizando ação judicial que a impeça. Ademais, porque a requisição de informações sobre movimentação financeira é mecanismo de fiscalização, e, portanto, de produção de prova, ainda não havendo lançamento tributário; realizado este, após devidamente notificado ao particular interessado, há amplo contraditório na esfera administrativa. É o que leciona Santi:

[...] No que se refere à suposta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, a tese, igualmente, não possui respaldo na Constituição Federal, nem nos termos do Decreto 3.724/2001, que regulamenta a LC 105 e determina a intimação prévia do contribuinte que terá o sigilo de seus dados bancários transferidos à Administração: Art. 4º [...] §2º A RMF (requisição de informações sobre movimentação financeira) será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do MPF. (mandado de procedimento fiscal). Ora, uma vez intimado, na hipótese de o contribuinte entender que

270 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 622.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU176

tal providência é abusiva ou ilegal e, assim, não se encontrar de acordo com os ditames da LC 105, poderá impetrar mandado de segurança e garantir o exercício de ampla defesa e contraditório. É importante frisar que a própria lei complementar estabelece, de forma precisa, as condições para que seja possível a solicitação, pela autoridade administrativa às instituições financeiras, das informações bancárias dos contribuintes. [...] Conforme se verifica da simples leitura dos dispositivos, o objetivo da Administração em obter tais informações é o de colher elementos para, eventualmente, apurar obrigação tributária existente em face do sujeito passivo, mas não adimplida. Trata-se, pois, de mecanismo de produção de prova e, como tal, necessariamente inquisitório: faz parte da obrigação da autoridade fiscal seguir rigorosamente a legislação que regula o procedimento administrativo de apuração de fatos destinados à formação da motivação do ato de lançamento tributário. É tão apenas após a notificação do ato de lançamento que se deve falar em exercício do contraditório. Até então, estamos diante das atividades vinculadas da Administração, voltadas à formalização do crédito tributário. [...] Em verdade, a transferência do sigilo bancário para a Administração Pública, exaustivamente disciplinada na LC 105 e seus regulamentos, regula e incrementa a realização efetiva do devido processo legal, sendo que qualquer ilegalidade neste procedimento estará sempre sujeita à apreciação do Poder Judiciário.271

X DA INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 5º, XXXVI, E AO ART. 150, III, ‘A’, DA CONSTITUIÇÃO POR PARTE DA LEI 10.174/2001 E DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001

Outra tese frequentemente adotada pelos contribuintes – e cuja repercussão geral foi reconhecida pelo STF no RE n. 601.314 – é a da inconstitucionalidade da aplicação do art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311/96272, com a redação dada pela Lei n. 10.174/2001, a fatos geradores anteriores à sua vigência.

O dispositivo legal em exame permitiu a utilização, na fiscalização e lançamento de tributos administrados pela Receita Federal, dos dados

271 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. O Sigilo e a Lei Tributária: Transparência, Controle da Legalidade, Direito à Prova e a Transferência do Sigilo Bancário para a Administração Tributária na Constituição e na Lei Complementar 105. In: SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. (Org.). Sigilos Bancário e Fiscal - Homenagem ao Jurista José Carlos Moreira Alves. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 623.

272 Art. 11 [...] § 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 177

bancários prestados, nos termos da Lei n. 9.311/96, pelas instituições financeiras, até então destinados apenas à apuração da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF.

O STF, na oportunidade do julgamento do RE n. 601.314, deverá decidir se a regra pode ser aplicada para que as informações econômicas dos contribuintes fornecidas, nos termos da Lei n. 9.311/96, pelas instituições financeiras sejam utilizadas para a apuração de fatos geradores ocorridos anteriormente à vigência da Lei n. 10.174/2001.

A argumentação desenvolvida pelos contribuintes é no sentido de que a aplicação da norma a fatos geradores anteriores à vigência da Lei 10.174/2001 seria inconstitucional por violar o art. 5º, XXXVI273e o art. 150, III, ‘a’274, da Constituição da República. A tese, destarte, é a de que aplicar o art. 11, §3º, da Lei n. 9.311/96, com a redação dada pela Lei n.10.174/2001, a fatos geradores anteriores à vigência desta última lei violaria o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, além do princípio da irretroatividade tributária.

Quanto ao princípio da irretroatividade tributária, Luciano Amaro explica que “o que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito”.275 A própria literalidade do art. 150, III, ‘a’, deixa claro que o que é vedado é a aplicação da lei que houver instituído ou aumentado tributo aos fatos anteriores à sua vigência. Busca-se, portanto, garantir que o contribuinte não seja surpreendido com a cobrança de tributos em razão de fatos que, quando ocorridos, não geravam, conforme a legislação tributária da época, qualquer obrigação tributária ou a geravam em montante inferior ao da nova lei.

Ora, a Lei n. 10.174/2001, ao alterar o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311/96, não criou ou majorou qualquer tributo. A nova lei não alterou o aspecto material ou mesmo o aspecto quantitativo de nenhum tributo. Em virtude dela, não passou a Administração Tributária a cobrar um tributo

273 Art. 5º [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

274 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[....] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou

aumentado.

275 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 141.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU178

antes inexistente ou a exigir o pagamento de um tributo já existente com alíquota e ou base de cálculo aumentadas.

Percebe-se que a aplicação da Lei n.10.174/2001 a fatos anteriores à sua vigência não resulta em cobrança de um tributo que, nos termos da legislação tributária vigente na época da sua ocorrência, não seria devido ou o seria em volume inferior. Isso porque a Lei n. 10.174/2001 não é material – porquanto não altera elemento essencial de qualquer tributo, não modificando nenhuma regra-matriz de incidência tributária –, mas, sim, procedimental, limitando-se a instrumentalizar a Administração Tributária com maiores poderes de fiscalização para que cumpra de forma eficaz a sua missão constitucional de cobrar os tributos devidos – em razão de outra lei que não a Lei n. 10.174 – conforme a capacidade contributiva de cada um.

Nesse sentido, enfatiza-se de forma ainda mais específica: a Lei n. 10.174, ao modificar o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311, não criou ou majorou tributo, mas, tão somente, concedeu à Administração Tributária, meios mais eficientes de fiscalizar o correto pagamento dos tributos, que já são devidos em decorrência de outras leis.

Eis a razão pela qual a Lei n. 10.174 não acarreta a cobrança de tributo novo, isto é, que não seria devido nos termos da legislação tributária da época dos fatos que antecederam a sua vigência. Muito pelo contrário: a Lei n. 10.174 apenas maximiza a efetividade da legislação tributária vigente na época dos fatos, na medida em que permite a adequada fiscalização e, como resultado, o cumprimento de obrigações tributárias já existentes com base na legislação da época da ocorrência do fato gerador.

É justamente por esse motivo que o art. 144, §1º, do Código Tributário Nacional276 estabelece que se aplique ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, tenha instituído processos de fiscalização ou ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas.

Não há que se cogitar, destarte, a ocorrência de qualquer mínima lesão ao princípio constitucional da irretroatividade tributária, que, 276 Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei

então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. § 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação,

tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

Sigilo Bancário e Administração Tribubária Brasileira 179

como demonstrado, apenas veda que uma lei que crie ou aumente tributo seja aplicada a fatos ocorridos anteriormente à sua vigência.

Por outro lado, implausível o argumento de que a Lei n. 10.174 prejudica o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada.

Enquanto não ocorrida a decadência tributária, a Administração Tributária pode e deve fiscalizar, com todos os instrumentos de investigação admitidos pelo ordenamento jurídico, os fatos geradores ocorridos, procedendo ao lançamento do crédito tributário correspondente. Os atos de fiscalização podem ocorrer a qualquer momento entre a ocorrência do fato gerador e a decadência tributária. Observe-se que, enquanto não consumada a decadência, o lançamento já realizado pode até mesmo ser revisado de ofício pela autoridade administrativa, nos termos do art. 149 do Código Tributário277. Nesse diapasão, considerando que o que a Lei n.10.174 regula é o procedimento de fiscalização tributária – e não qualquer hipótese de incidência, alíquota ou base de cálculo de tributo – nada mais natural do que a aplicação do seu regime aos atos de fiscalização que ocorram posteriormente à sua vigência, ainda que sejam fiscalizados fatos geradores ocorridos anteriormente – os quais, por óbvio, serão tributados conforme a disciplina da lei vigente à época da sua ocorrência.

277 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação

tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso

anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;

IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;

V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;

VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;

VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que

o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda

Pública.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU180

O contribuinte, portanto, deve ser fiscalizado por meio de um procedimento regulado pela lei vigente no momento da fiscalização, o que ocorre com a Lei n. 10.174. Não se vislumbra, portanto, qualquer direito adquirido do contribuinte a ser fiscalizado por meio de procedimento disciplinado pela legislação vigente à época da ocorrência do fato gerador.

Sem dúvida, há direito adquirido do contribuinte a que a legislação da época do fato gerador seja o regime aplicável aos aspectos da regra-matriz de incidência tributária, isto é, aquele que regulará se aquele fato gera ou não a obrigação tributária, quem é o sujeito passivo da relação jurídica tributária, bem como qual a alíquota e a base de cálculo que definirão o montante devido.

Não há, entretanto, qualquer direito adquirido do contribuinte a que a Administração Tributária não o fiscalize utilizando todos os meios permitidos pelo ordenamento jurídico no momento do procedimento de fiscalização. Interpretação contrária tornaria inefetiva a legislação tributária na medida em que possibilitaria que fatos geradores ocorridos posteriormente à vigência da lei que instituiu ou majorou o tributo permanecessem ocultos em decorrência da impotência da fiscalização, pelo que um sonegador poderia se evadir do cumprimento da sua legítima obrigação tributária, violando os princípios da solidariedade, da igualdade tributária e da capacidade contributiva, como já estudado neste trabalho.

No caso, sendo o ato jurídico em questão a fiscalização tributária – e não a cobrança de tributo –, o momento em que aquela – e não o fato gerador – ocorre deve ser, de acordo com o princípio tempus regit actum, o definidor do regime aplicável ao procedimento fiscalizatório.

Logo, devendo a Administração Tributária fiscalizar a ocorrência de fatos geradores enquanto não consumada a decadência, não há qualquer direito adquirido do contribuinte contra a criação e a utilização de meios mais eficientes de fiscalização para a investigação de fatos geradores já ocorridos, mas ainda não atingidos pela decadência.

O direito adquirido do contribuinte é contra a aplicação de lei que instituiu ou majorou tributo aos fatos anteriores à sua vigência,

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o que não é o caso da Lei n. 10.174, mas, não contra o advento e aplicação de lei que conceda à administração tributária instrumentos mais eficazes para descobrir a verdade acerca dos fatos geradores ocorridos, justamente para que a obrigação tributária seja cumprida como determinado pela lei já vigente no momento do surgimento do fato tributável.

Entender-se que há direito adquirido contra a aplicação da Lei n. 10.174 como reguladora da fiscalização tributária de fatos geradores ocorridos anteriormente à sua vigência, com a devida vênia, equivaleria a afirmar que há direito adquirido dos contribuintes à ineficiência da fiscalização e, portanto, direito adquirido a uma sonegação tributária com alta probabilidade de impunidade.

Não se consegue, outrossim, visualizar qualquer ato jurídico perfeito a impedir a aplicação da Lei n.10.174 para a fiscalização de fatos geradores ocorridos anteriormente. Ora, ou já ocorreu o cumprimento da obrigação tributária exatamente como determinava a legislação reguladora da regra-matriz de incidência tributária vigente à época do fato gerador, e, aí, há ato jurídico perfeito, ou não houve o adequado pagamento do tributo como determinado pela legislação aplicável, e, aí, não há ato jurídico perfeito, mas, ato jurídico incompatível com a lei. Assim, se de fato houver um ato jurídico perfeito – no caso, o pagamento do tributo tal qual determinado pela legislação vigente à época do fato gerador – nenhuma consequência trará uma fiscalização eficiente, já que a obrigação tributária teria sido cumprida de acordo com o ordenamento jurídico. Se, por outro lado, não houve o integral pagamento do tributo devido, é impossível falar-se em ato jurídico perfeito, revelando-se importantíssima a eficiência da fiscalização justamente para que a legislação tributária seja efetivamente respeitada, e, somente então, se possa falar em ato jurídico perfeito. Seja como for, é discussão que se trava em concreto, e não em abstrato.

Por fim, somente em casos concretos bastante específicos poder-se-ia falar em formação de uma coisa julgada que impeça que um certo fato gerador, relativo a um determinado contribuinte, seja objeto de um procedimento de fiscalização tributária. Portanto, a Lei n.10.174 apenas pode ter a sua aplicação afastada, em razão da coisa julgada, num eventual caso concreto definitivamente decidido em um processo judicial

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cujo título transitado em julgado impeça a realização de fiscalização tributária sobre determinados fatos geradores de certo contribuinte.

Por isso, não se mostra razoável o argumento de que o instituto da coisa julgada, abstratamente considerado, leve à inconstitucionalidade da aplicação da Lei n.10.174 na fiscalização de fatos geradores anteriores à sua vigência.

Bem se vê que não se mostra consistente a tese no sentido da inconstitucionalidade da Lei n.10.174, no ponto em que modificou o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311, porquanto inexiste qualquer incompatibilidade com o art. 5º, XXXVI, e com o art. 150, III, ‘a’, da Constituição.

Por ser análogo, esse mesmo entendimento se estende à LC n.105/2001, no sentido da validade da sua aplicação aos procedimentos de fiscalização que tenham ocorrido posteriormente à sua vigência, ainda que tenham por objeto fatos geradores anteriores ao advento daquela Lei Complementar. Assim, a propósito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos – art. 543-C do Código de Processo Civil – no julgamento do REsp n.1.134.665/SP, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo, na ocasião, ficado assentado que a Lei Complementar n.105/2001 e a Lei n. 8.021/90 são normas procedimentais, e, portanto, imediatamente aplicáveis, inclusive a fatos pretéritos, e que “a razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que a Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la”.

CONCLUSÕES

1. As informações do indivíduo protegidas pelo direito constitucional à intimidade – art. 5º, X – são as relacionadas à esfera do “ser”, vinculada à sua personalidade, e não àquela do “ter”, porquanto as informações relacionadas ao patrimônio, à renda e às atividades econômicas do sujeito de direito, na sua objetividade, são, num Estado Democrático de Direito – que possui a transparência como pilar da democracia –, vocacionadas ao controle da sociedade. Isso porque a sociedade, para alcançar o bem comum, necessita, por intermédio do Estado, fiscalizar a licitude desses bens, receitas e atividades econômicas. Não se pode olvidar que um dos pressupostos para que a atividade econômica do contribuinte esteja em plena harmonia com as normas jurídicas estabelecidas pelos

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representantes do povo é o pagamento de tributos em proveito de toda a sociedade, destinatária final das mais diversas políticas públicas mantidas com as receitas tributárias. Logo, o art. 5º, X, não protege, sob a égide do direito à intimidade, os dados do “ter”, justamente o que se pretende ocultar com base na invocação do sigilo bancário.

2. Mesmo que se vislumbre o sigilo bancário como decorrência do direito à intimidade, a sua interpretação teleológica leva à conclusão de que a finalidade da norma veiculada pelo art. 5º, X, da Constituição é proteger a informação privada contra a sua divulgação pública. Nesse diapasão, parece evidente que não há qualquer lesão ao direito à intimidade em decorrência do debatido acesso direto da Administração Tributária aos dados econômicos do contribuinte. A explicação é que estes não são, de forma alguma, divulgados publicamente, havendo mera transferência – e não quebra – do sigilo das instituições financeiras para o Estado, tendo por escopo a realização da justiça fiscal, por meio, por exemplo, da concretização dos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da solidariedade tributária, da concorrência leal e de objetivos fundamentais da República como a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária e a redução das desigualdades sociais. Importante não ignorar que a função primordial dos direitos individuais é proteger os particulares contra ações ilegítimas do Estado, e não inibir as legítimas atividades estatais que busquem garantir diversos direitos fundamentais sem qualquer lesão à dignidade do indivíduo.

3. Registra-se, nesse contexto, que a Lei Complementar n. 105/2001 e o Decreto n. 3.724, que a regulamentou, exigem o inequívoco preenchimento de uma série de requisitos para que a Administração Tributária tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes, tais como: a) a existência de processo administrativo instaurado; b) a indispensabilidade dos dados bancários para a apuração do crédito tributário, o que somente ocorre nas restritas hipóteses do art. 3º do Decreto, as quais revelam grande probabilidade de ocorrência de evasão fiscal no caso concreto; c) a confirmação de tal indispensabilidade num triplo grau de análise, que envolve o exame por parte de três graus hierárquicos no âmbito da Receita Federal; d) a prévia intimação do contribuinte para que proceda à apresentação espontânea das informações, sendo essas requisitadas às instituições financeiras somente diante da negativa daquele; e) a rígida manutenção do sigilo das informações bancárias obtidas, sob pena de responsabilização penal do servidor público responsável pela sua divulgação a terceiros. Para tanto,

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o art. 7º do Decreto determina que: as informações sejam enviadas pela instituição financeira em dois envelopes lacrados, um externo e um interno, sendo que este último deverá conter observação de que se trata de matéria sigilosa, ou, se encaminhadas por meio eletrônico, sejam obrigatoriamente criptografadas; os documentos sigilosos sejam guardados em condições especiais de segurança; seja mantido controle de acesso ao procedimento administrativo fiscal, ficando sempre registrado o responsável pelo recebimento, nos casos de movimentação.

4. Daí se advertir, vigorosamente, que, na remotíssima hipótese de mau uso das informações financeiras do contribuinte – o que se vislumbra, ante a sua extrema improbabilidade, simplesmente para fins argumentativos –, este, certamente, não ocorreria em razão da LC n. 105/2001, mas em inadmissível – e austeramente punível – afronta a ela. Tanto assim é que a Receita Federal destaca que, do início da vigência da LC n. 105/2001 até meados de 2011, mais de setenta e quatro mil Requisições de Informações sobre Movimentação Financeira – RMF – foram expedidas, sem que seja, de forma alguma, comum o vazamento público das informações financeiras dos contribuintes obtidas por meio delas.

5. Destaca-se que os contribuintes declaram anualmente o seu patrimônio e a sua renda diretamente à Administração Tributária, dispensada intervenção judicial, sem que se vislumbre qualquer lesão ao direito à intimidade em razão do conhecimento da vida econômica daqueles pelo Fisco. Por isso, revela-se de difícil compreensão a alegação de que viola o direito à intimidade – e necessita de autorização judicial – a mera confirmação da exatidão das informações declaradas pelos próprios contribuintes por meio da verificação documental da sua veracidade junto às instituições financeiras. Em se tratando de pessoas jurídicas, o que se afirma é de ainda mais fácil percepção conquanto elas são obrigadas, pela legislação empresarial e tributária, à manutenção de uma série de livros contábeis e fiscais detalhados sobre a sua situação financeira. Outrossim, no caso, por exemplo, das sociedades anônimas, as pessoas jurídicas são até mesmo obrigadas, sem que se cogite qualquer inconstitucionalidade por violação ao direito à intimidade, a publicar, nos termos da redação atualizada do art. 176, § 1º da Lei n. 6.404/76, para conhecimento de toda a sociedade – e não apenas da Administração Tributária – inúmeras demonstrações financeiras que “deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as mutações ocorridas no exercício”, como o balanço patrimonial, demonstração dos

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lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício e demonstração dos fluxos de caixa.

6. A própria Lei Complementar n. 105/2001, em seu art. 1º, § 3º, I e II, apresenta um convincente exemplo, bem detectado pela doutrina, de que o verdadeiro interesse subjacente à tese da inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001, ora rejeitada, não é o de manter sob segredo absoluto a vida econômica do contribuinte por questão de preservação da sua intimidade, mas, sim, o de impedir a cobrança de tributos com base nessas informações. Explica-se: tais dispositivos dispõem que não constituem violação do dever de sigilo “a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil” e “o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil”. Ora, esse compartilhamento de dados financeiros do contribuinte entre as instituições financeiras e as centrais de risco e entidades de proteção ao crédito apresenta extrema potencialidade lesiva para a intimidade do particular, dada a probabilidade de, em razão disso, ele enfrentar sérios constrangimentos morais como, por exemplo, ver o seu crédito negado, publicamente, em uma loja em que tente adquirir algum produto. A despeito disso, não se identificam contra a constitucionalidade do art. 1º, § 3º, I e II, da LC n. 105 as acaloradas iniciativas existentes no sentido da declaração da suposta inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da mesma Lei, o que denota que a preservação da intimidade não é a real motivação desse movimento.

7. O que se protege no art. 5º, XII é o sigilo das diversas formas de comunicações ali tratadas – dentre elas, a comunicação de dados – contra uma eventual interceptação, em tempo real, dessa interlocução subjetiva por terceiros, e não, propriamente, os vestígios, o registro material que remanesce dessa conversação travada, por exemplo, por meio da correspondência, do telégrafo, de equipamentos informáticos e telemáticos, e do telefone. Assim, não encontra guarida no art. 5º, XII, da Constituição a oposição do sigilo bancário à Administração Tributária, que não pretende interceptar em tempo real a comunicação de dados entre o contribuinte e as instituições financeiras, mas, apenas, ter acesso, por razões de intenso interesse público, aos vestígios materiais

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dela remanescentes, armazenados pelos bancos e estabelecimentos semelhantes.

8. Mesmo que se entendesse que o art. 5º, XII, da Constituição tem por objeto o sigilo de dados, e não o sigilo da comunicação de dados, a sua interpretação teleológica evidencia que tal norma só faria sentido como forma de proteger, de maneira específica, o direito à intimidade, genericamente previsto no art. 5º, X. Entretanto, como já foi demonstrado, o acesso direto da Administração Tributária a certas informações financeiras do contribuinte em posse dos bancos e instituições similares – as quais o particular já tem a obrigação de declarar corretamente ao Estado, e, em se tratando de determinadas formas de pessoas jurídicas, a toda a sociedade, por meio de demonstrações financeiras –, nas taxativas hipóteses e sob as rígidas garantias, inclusive de manutenção do sigilo, arroladas na LC n. 105/01, não oferece risco ao direito constitucional à intimidade.

9. Para a doutrina amplamente majoritária, somente há reserva jurisdicional quando a Constituição é explícita nesse sentido. A Constituição, todavia, não estabeleceu expressamente qualquer reserva jurisdicional para o sigilo de dados, seja no inciso X, seja no inciso XII do seu art. 5º. Por isso é que ecoa na doutrina a posição de que macularia o princípio da separação dos poderes reconhecer-se, no caso do acesso da Administração Tributária às informações econômicas do contribuinte em posse das instituições financeiras, uma reserva de jurisdição que não foi explicitamente prevista pelo poder constituinte originário.

10. Teme-se, além disso, que a exigência de uma decisão judicial para todo e qualquer caso de necessidade de acesso, pela Administração Tributária, a dados bancários de contribuinte, nos termos da LC n. 105, acarretará – ante o enorme volume de processos que ocupa o Judiciário, somado à existência de inúmeros recursos processuais – morosidade e ineficiência ao processo de fiscalização, além do gravíssimo risco de decadência, uma vez que, enquanto não concluído o processo judicial, estará f luindo o prazo decadencial para o lançamento do crédito tributário que se pretende apurar. No que concerne ao agravamento do já dramático problema do imenso volume de processos que sufoca o Judiciário, registra-se o dado de que, entre 2001 e meados de 2011, mais de 74.000 Requisições de Informações sobre Movimentação Financeira – RMF – foram expedidas. Como é intuitivo, num cenário

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hipotético de invalidade do art. 6º da LC n. 105/2001, e, destarte, de reserva jurisdicional, teriam sido gerados mais de 74.000 processos judiciais no período, estrangulando, ainda mais, a Justiça brasileira.

11. Não se pode deixar de realçar que pesquisa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – revelou que, dos então trinta países membros daquela organização – composta por desenvolvidas democracias como Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França Itália, Espanha, Canadá, Austrália, Suécia, Finlândia, Holanda, Noruega, Dinamarca e Bélgica –, apenas na Suíça, na Áustria e em Luxemburgo o acesso às informações bancárias não podia ser feito diretamente pela Administração Tributária, necessitando de autorização judicial. Observa-se que, mais recentemente, em 2010, o Fórum Global da Transparência publicou novo estudo, intitulado “Tax Co-operation 2010: Towards a Level Playing Field”, o qual revelou que setenta países, dentre aqueles que o integram, já permitiam o acesso a informações bancárias, sem autorização judicial, para fins de intercâmbio de informações, sendo que apenas dezoito membros ainda exigiam autorização judicial para que as suas autoridades fiscais obtivessem informações bancárias a serem intercambiadas com as Administrações Tributárias de outros países.

12. Tão poderoso é o movimento internacional no sentido do acesso direto das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes que, em meio aos setenta países que não possuem reserva jurisdicional para tais informações, estão tradicionais paraísos fiscais como Bahamas, Jersey e Ilhas Virgens Britânicas. Por outro lado, os dezoito países que ainda impõem – com grande pressão para que o deixem de fazer – a reserva jurisdicional para o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários dos contribuintes correspondem, predominantemente, a paraísos fiscais, e não a democracias avançadas e de destaque na economia internacional. Consciente dessas estatísticas, parece-nos bastante desafiadora a indagação sobre como justificar, com base em argumentos democráticos, a reserva jurisdicional correlata ao acesso da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes, se tal prática é combatida pela maioria das nações democráticas do mundo, sendo atualmente admitida por uma ínfima minoria de paraísos fiscais, e, ainda assim, de forma cada vez menor.

13. Sem a possibilidade de acesso da Administração Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, nos termos da LC n. 105/2001, em apenas quatro anos – 2006 a 2010 – noventa e oito bilhões de

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reais, aproximadamente, teriam sido impunemente sonegados por pessoas jurídicas e físicas. Essa sonegação fiscal bilionária somente foi descoberta e combatida em razão do poder-dever conferido à Receita Federal pelos arts. 5º e 6º da LC n. 105. Estima-se que tal montante seria ainda maior se não houvesse percepção do grande risco de punibilidade por parte dos infratores. Em outras palavras, declarada a inconstitucionalidade da LC n. 105/2001, no ponto concernente ao acesso direto da Administração Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, bilhões de reais em tributos serão sonegados anualmente deixando de ser destinados à sociedade na forma de políticas públicas de saúde, educação, infra-estrutura, meio-ambiente, dentre outras – isto é, de promoção da fruição dos mais diversos direitos fundamentais – para ficar no bolso dos sonegadores, sem que o Estado possua instrumento eficaz para impedir esse nefasto cenário.

14. O eventual reconhecimento judicial da possibilidade de oposição do sigilo bancário à Administração Tributária tende a conduzir o Brasil a um cenário em que um trabalhador assalariado, de já reduzida capacidade econômica, paga corretamente os seus tributos devidos, na medida em que sofre a retenção na fonte – não podendo opor o sigilo bancário – enquanto, à guisa de exemplo, uma grande empresa que movimenta capital financeiro internacional ou um grande especulador, confiando na possibilidade de oposição do sigilo bancário e na correlata ineficácia da fiscalização estatal, se evadem do pagamento dos tributos devidos. Com isso, a carga tributária brasileira acabaria sendo suportada justamente pelos mais pobres. Intuitivo que, nesse cenário, não estariam sendo respeitados os princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva, da solidariedade, do Estado Democrático de Direito e os objetivos fundamentais da República de construção de uma sociedade justa e solidária, de desenvolvimento nacional, de erradicação da pobreza e de promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação.

15. Da adequada fiscalização do correto cumprimento das obrigações tributárias por todos os contribuintes – e não apenas por alguns – depende também a concorrência leal e o financiamento das políticas públicas em benefício da comunidade social. Logo, o eventual reconhecimento, a pretexto de uma suposta proteção à intimidade do contribuinte – que não resta efetivamente ameaçada – da possibilidade, mesmo diante do preenchimento dos específicos e razoáveis requisitos impostos pela LC n. 105, de oposição do sigilo

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bancário à Administração Tributária violentaria a Constituição da República de inúmeras formas.

16. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal pela Constituição importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. Em outras palavras: quando a Constituição atribui expressamente um dever, uma missão, uma finalidade a um ente público, também lhe dá os meios necessários e suficientes para que o cumpra. Trata-se da chamada teoria dos poderes implícitos. O parágrafo primeiro do art. 145 da Constituição da República atribui expressamente à Administração Tributária o relevante dever de, com a finalidade precípua de conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva, identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Válido enfatizar que a Constituição, nesse ponto, não confere faculdade, mas, em realidade, impõe uma rigorosa obrigação a ser perseguida pelo Estado até as últimas consequências. Considerando que, sem acesso aos dados bancários dos contribuintes, a fiscalização tributária seria, em inúmeros casos, impotente para identificar, de forma eficaz, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do sujeito passivo, constata-se que a tese da oponibilidade do sigilo bancário à Administração Tributária colide, abruptamente, com a Constituição da República em razão da sua total incompatibilidade com a teoria constitucional dos poderes implícitos, abraçada vigorosamente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

17. Por isso mesmo é que se reputa merecer uma nova ref lexão o fundamento utilizado pelo Ministro Marco Aurélio, no voto proferido no RE 389.808, segundo o qual o acesso, nos termos da LC n. 105, da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes consistiria em “verdadeira coação política na cobrança de tributos, a contrariar a jurisprudência sedimentada – Verbetes n. 70, n. 323 e n. 547 da Súmula do Supremo”. Consoante demonstrado, tal acesso consubstancia mero instrumento de fiscalização de que dispõe o Estado para cumprir a missão constitucional de cobrar os tributos devidos conforme a capacidade contributiva de cada um, tal qual determinado pelo art. 145, § 1º. O perigo da posição de se visualizar, aí, coação política vedada pela Constituição parece ser o de abrir margem para a interpretação de que estaria havendo coação política

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na cobrança de tributos sempre que nos deparássemos com alguma forma eficiente de fiscalização do contribuinte, que, justamente por sua eficácia, o estimulasse a pagar os tributos – receitas da sociedade, de interesse público – em vez de optar pela sonegação.

18. Do estudo atento do tema no Direito Comparado, conclui-se que: a) a amplíssima maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento do planeta admitem que o sigilo bancário deve – resguardada, dentre outras, a garantia da sua não-divulgação a terceiros – ceder diante de elevados interesses públicos, como os relacionados à efetividade dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, bem como do financiamento das políticas públicas que beneficiam a sociedade, dependente da arrecadação tributária; b) são contáveis nos dedos de uma mão os países com democracias com certo respeito que obstaculizam o acesso da Administração Tributária aos dados financeiros dos contribuintes, como Suíça, Luxemburgo, Áustria e Uruguai; sendo que mesmo esses têm sofrido, cada vez mais, pressão internacional para o enfraquecimento do seu sigilo bancário, com o escopo de que os interesses legítimos de todos os cidadãos, coletivamente concebidos – em escala internacional –, possam se sobrepor ao interesse do indivíduo, que se converte em egoisticamente patrimonial, de evasão tributária, quando garantido o respeito da sua intimidade por meio de rígidos deveres no sentido da não divulgação a terceiros das informações obtidas pelo ente público; c) a glorificação do sigilo bancário é típica de países conhecidos como “paraísos fiscais”, duramente criticados pela consistente maioria dos países democráticos, os quais os acusam de acobertarem práticas de evasão fiscal e de lavagem de dinheiro, com o fomento, por essa via e em escala mundial, da corrupção política, do tráfico de drogas e de armas, e do terrorismo, como Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Líbano, Liechtenstein, Nauru e Mônaco. Todavia, até mesmo os paraísos fiscais têm se alinhado, gradativamente, ao posicionamento internacional prevalente e passado a permitir o acesso das autoridades tributárias aos dados bancários dos contribuintes, independentemente de prévia autorização judicial; é o caso, por exemplo, de Jersey, Bahamas, e Ilhas Virgens Britânicas.

19. Essa observação provoca, a um só tempo, uma certeza e uma pergunta. A certeza de que a prática antidemocrática, como se verif ica no pensamento dominante no Direito Internacional e no Direito Comparado, é aquela de, sob a justif icativa de um rígido sigilo bancário, impedir a realização de elevados interesses públicos, como o financiamento tributário das políticas públicas

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e a concretização dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, e não o acesso direto da Administração Tributária às informações f inanceiras do contribuinte. E a pergunta: qual o país que o Brasil quer ser, aquele em que – a exemplo de Estados Unidos, Alemanha, França e de quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos econômicos e democráticos – o sigilo bancário cede a relevantes interesses públicos, como os promovidos pela Administração Tributária, garantindo-se a intimidade do indivíduo por meio da não divulgação das informações obtidas a terceiros ou aquele em que – a exemplo de Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Líbano, Liechtenstein, Nauru e Mônaco – o interesse público sucumbe perante um deificado sigilo bancário, que acoberta evasão fiscal, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e de armas, e terrorismo? Tendo como bússola os já comentados objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consagrados na Constituição, a resposta parece evidente.

20. Declarar a inconstitucionalidade do acesso direto da Administração Tributária, nos termos da LC n. 105, aos dados bancários dos contribuintes é caminhar na contramão da evolução da ordem internacional, o que, sem dúvida, acarretaria ao Brasil perniciosas consequências políticas no contexto internacional, notadamente no âmbito do Fórum Global da Transparência, o qual integra.

21. Inexiste, ainda, qualquer violação ao devido processo legal, uma vez que a realização de um rigoroso procedimento disciplinado em lei, que oferece inúmeras garantias aos particulares, é condição sine qua non do acesso da autoridade tributária às informações bancárias dos particulares. Em outras palavras, a Lei Complementar n. 105 não faz, de maneira alguma, concessões a práticas arbitrárias no que diz respeito ao conhecimento dos dados financeiros dos contribuintes pelo Estado. Muito pelo contrário: impõe o preenchimento de requisitos que afastam a possibilidade de abuso e prevê punições, inclusive na esfera penal, àqueles que violem o caráter sigiloso das informações obtidas.

22. Também é frágil, não merecendo prosperar, o argumento no sentido da ofensa ao contraditório e à ampla defesa. Primeiramente, porque os contribuintes são, nos termos da legislação tributária, intimados a apresentar espontaneamente as suas informações bancárias, anteriormente à expedição da requisição às instituições

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financeiras. Assim, em entendendo que não se encontram preenchidos, no caso, os requisitos legais para a requisição, pode o sujeito passivo a ela se antecipar, ajuizando ação judicial que a impeça. Ademais, porque a requisição de informações sobre movimentação financeira é mecanismo de fiscalização, e, portanto, de produção de prova, ainda não havendo lançamento tributário; realizado este, após devidamente notificado ao particular interessado, há amplo contraditório na esfera administrativa.

23. Não há que se falar, igualmente, em violação ao princípio da irretroatividade. A própria literalidade do art. 150, III, ‘a’, deixa claro que o que é vedado é a aplicação da lei que houver instituído ou aumentado tributo aos fatos anteriores à sua vigência. Busca-se garantir que o contribuinte não seja surpreendido com a cobrança de tributos em razão de fatos que, quando ocorridos, não geravam, conforme a legislação tributária da época, qualquer obrigação tributária ou a geravam em montante inferior ao da nova lei. A Lei n. 10.174/2001, ao alterar o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311/96, e a LC n. 105/01 não criaram ou majoraram qualquer tributo. Tais leis não alteraram o aspecto material ou mesmo o aspecto quantitativo de nenhum tributo, mas, tão somente, concederam à Administração Tributária meios mais eficientes de fiscalizar o correto pagamento dos tributos, que já eram devidos em decorrência de outras leis., Estas, sim, vigentes à época dos fatos geradores. Não veiculam normas materiais, mas, normas procedimentais, que ensejam uma fiscalização mais eficaz e, como resultado, o cumprimento de obrigações tributárias já existentes com base na legislação da época da ocorrência do fato gerador. É justamente por esse motivo que o art. 144, § 1º, do Código Tributário Nacional estabelece que se aplique ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, tenha instituído processos de fiscalização ou ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas.

24. No caso, sendo o ato jurídico em questão a fiscalização tributária – e não a cobrança de tributo –, o momento em que aquela – e não o fato gerador – ocorre deve ser, de acordo com o princípio tempus regit actum, o definidor do regime aplicável ao procedimento fiscalizatório. Por conseguinte, devendo a Administração Tributária fiscalizar a ocorrência de fatos geradores enquanto não consumada a decadência – podendo, inclusive, nos termos do art. 149 do CTN, revisar de

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ofício lançamento já efetivado –, não há qualquer direito adquirido do contribuinte contra a criação e a utilização de meios mais eficientes de fiscalização para a investigação de fatos geradores já ocorridos, mas ainda não atingidos pela decadência. Entender-se que há direito adquirido contra a aplicação da LC n. 105 e da Lei n. 10.174 como reguladoras da fiscalização tributária de fatos geradores ocorridos anteriormente à sua vigência equivaleria a afirmar que há direito adquirido do contribuinte à ineficiência da fiscalização, e, portanto, direito adquirido a uma sonegação tributária com alta probabilidade de impunidade.

25. Não se consegue, outrossim, visualizar qualquer ato jurídico perfeito a impedir a aplicação da LC n.105 e da Lei n. 10.174 para a fiscalização de fatos geradores ocorridos anteriormente à sua vigência. Ou já ocorreu o cumprimento da obrigação tributária exatamente como determinava a legislação reguladora da regra-matriz de incidência tributária vigente à época do fato gerador, e, aí, há ato jurídico perfeito, ou não houve o adequado pagamento do tributo como determinado pela legislação aplicável, e, aí, não há ato jurídico perfeito, mas, ato jurídico incompatível com a lei. Assim, se de fato houver um ato jurídico perfeito – no caso, o pagamento do tributo tal qual determinado pela legislação vigente à época do fato gerador – nenhuma consequência trará uma fiscalização eficiente, já que a obrigação tributária teria sido cumprida de acordo com o ordenamento jurídico. Se, por outro lado, não houve o integral pagamento do tributo devido, é impossível falar-se em ato jurídico perfeito, revelando-se importantíssima a eficiência da fiscalização justamente para que a legislação tributária seja efetivamente respeitada, e, somente então, se possa falar em ato jurídico perfeito. Seja como for, é discussão que se trava em concreto, e não em abstrato.

26. Por fim, somente em casos concretos bastante específicos poder-se-ia falar em formação de uma coisa julgada que impeça que certo fato gerador, relativo a um determinado contribuinte, seja objeto de um procedimento de fiscalização tributária. Por isso, não se mostra razoável o argumento de que o instituto da coisa julgada, abstratamente considerado, leve à inconstitucionalidade da aplicação da LC n. 105 e da Lei n. 10.174 na fiscalização de fatos geradores anteriores à sua vigência.

Publicações Eletrônicas da Escola da AGU194

27. Essas as razões da plena constitucionalidade do acesso direto da Administração Tributária aos dados bancários dos contribuintes nos precisos termos dos arts. 5º e 6º da LC n. 105/2001 e do seu Decreto Regulamentador. Muito além disso: esses os fundamentos que revelam que a inoponibilidade do sigilo bancário às autoridades tributárias configura uma exigência republicana, de caráter solidário, admitida e reinvidicada pelas mais avançadas civilizações do mundo.

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