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AUH412–NOTASDEAULA2018BeatrizMugayarKühl
RESTAURAÇÃOHOJE:PROJETOECRIATIVIDADE
Bibliografiadeapoio:CARBONARA,Giovanni.AvvicinamentoalRestauro.Napoli,Liguori,1997,pp.5-45.CHOAY,Françoise.AAlegoriadoPatrimônio.SãoPaulo,UNESP.2001,pp.11-29;239-258.JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth,
1999,pp.295-318.KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização.
Problemasteóricosderestauro.Cotia,Ateliê/FAPESP,2009,pp.59-100.______. História e Ética na Conservação e na Restauração de Monumentos Históricos,
RevistaCPC,2005,v.1.,n.1.(www.usp/cpc/v1)______.Desconstruindoospreconceitoscontraarestauração,RevistaRestauro,2016,v.1,
n.1(http://web.revistarestauro.com.br/)ISSN2527-1814______. Paul Philippot, o restauro arquitetônico no Brasil e o tempo. Conversaciones,
México DF, vol. 1, n. 1, pp. 53-64. 2015http://conservacion.inah.gob.mx/publicaciones/?s=Conversaciones
Bibliografiacomplementar:BRANDI,Cesare.TeoriadaRestauração.SãoPaulo,Ateliê,2004.HEIDEGGER,Martin.Cheminsquinemènentnullepart.Paris,Gallimard,1986.SCARROCCHIA, Sandro (org.). Alois Riegl: Teoria e prassi della conservazione dei
monumenti.Bologna,AccademiaClementinadiBologna,1995SEVERINO,Emanuele.Tecnicaearchitettura.Milano,RaffaelloCortina,2003.PreservaçãocomoatodeculturaPreserva-seeRestaura-sehojeporrazões
• Culturais:pelosaspectosformais,documentais,simbólicosememoriais• Científicas: pelo fato de os bens culturais serem portadores de
conhecimento em vários campos do saber, abarcando tanto ashumanidadesquantoasciênciasexatasebiológicas
• Éticas:pornãoseterodireitodeapagarostraçosdegeraçõespassadase privar as gerações presentes e futuras da possibilidade deconhecimento e de suporte da memória de que esses bens sãoportadores
Observação:notasobreousodaspalavrasApalavrapreservação,noBrasil,assimcomonaFrança,possuiumsentidolatoepodeabarcarumagrandevariedadedeaçõescomoinventários,registros,leisdetombamento, educação patrimonial e intervenções nos bens para que sejamtransmitidos da melhor maneira possível ao futuro. As intervenções em siassumemdenominaçõesvariadas,podendo,comoexplicitadonaCartadeVenezado ICOMOS-UNESCO, ser caracterizada como manutenção, conservação e
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restauro, com graus crescentes de ingerência sobre o bem. Ou, por exemplo,seremsintetizadasnapalavrarestauro,comopropostoporCesareBrandi.Ousodessas palavras varia conforme o ambiente cultural. Na Inglaterra, a palavrarestorationpermanececomconotaçãoextremamentenegativapelarepercussãodo pensamento ruskiniano, utilizando-se conservation tanto para bens móveisquantoimóveis.JánosEstadosUnidos,apalavraconservationvolta-semaisparaos bens móveis, enquanto preservation é empregada preferencialmente parabensimóveis.Emambienteitaliano,usa-seconservazioneetutelaparaosentidolato,comalgumasnuanças,semelhanteaousobrasileirodapalavrapreservação.Conservazionetambéméassociadaaumaformadeatuação(distintarestauro).Processolongo:inicia-senoRenascimentoitaliano
• alterarelaçãodeumadadaculturacomseupassado• açõesdeixamdeserditadasapenasporquestõespráticas• passamaserditadasporrazõesculturais:
– decunhoestético– documental– memorialesimbólico
Restauração• amadurecimentoaolongodepelomenos5séculos• s.XV:indíciosdemudançadasrelaçõesdeumaculturacomseupróprio
passado• finaisdos.XVIII:consolida-secomoaçãocultural• s. XIX: experiências sistemáticas de intervenções práticas, formulações
teóricas e legislativas – sistematizar o conhecimento e estabelecercampodisciplinar(Viollet-le-Duc;Boito)
• s.XX:campodisciplinarautônomo–emespecialapartirdascolocaçõesde Alois Riegl (Ver, no que concerne às contribuições de Riegl para aconformaçãodeumcampodisciplinarautônomo,asanálisesdeautorescomo: Margaret Olin, Forms of respect: Alois Riegl’s concept ofattentiveness,TheartBulletin,1989,v.71,n.2,pp.285-299;WolfgangKemp,AloisRiegl,in:H.Dilly(org.).AltmeistermodernerKunstgeschichte,Berlim, 1990, pp. 37-60; e Jörg Oberhaidacher, Riegls Idee, WienerJahrbuch für Kunstgeschichte, 1985, v. 28, pp. 199-218. Ver ainda aformulaçãodeSandroScarrocchia(org.),AloisRiegl:Teoriaeprassidellaconservazione dei monumenti, Bologna, Accademia Clementina diBologna,1995,pp.29-35)
• possuiseusreferenciaisteóricos,métodoemateriaisArquiteto,hoje
• devemunir-sedeinstrumentalhistórico-crítico• paraenfrentarproblemasrelacionadosàpreservação
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• relevânciadopapeldamemóriaedahistória• quadroconceitualparaatuaçãoresponsável• Ênfasedocurso:razõespelasquaispreservamos• referênciasteóricasquedeveriamguiarasatuaçõespráticas
Restauro:Unidadeconceitualemetodológica
• existemprincípiosgerais(algodiversoderegrasfixas)comunsaocampo• variam:naaplicaçãodessesprincípios,osmeiospostosemprática• emfunçãodarealidadedecadaobraouconjuntodeobras• de sua constituição física, de sua configuração e inserção num dado
ambiente,deseuparticulartranscursoaolongodotempo.Pontoasertratado:
• técnicaemsuaessência• nãonosentidoredutordetecnicismo• comoevidenciadoporHeidegger(Holzwege,1949)• técnicacomoprincipalforçaformadoradacivilizaçãocontemporânea• comotransformaçãoautônomadaprática• preservaçãodebensculturaisestárelacionadaàtécnica• projeto como instrumento de prefiguração e controle dessas
transformaçõesEmanueleSeverino(TecnicaeArchitettura,Milão,Cortina,2003)
• técnicaessencialmentecomofazer,transformação• papelprimordialdapreservaçãodopassadonesseprocesso• pois:seumasociedadequiser“superar”opassado• énecessárioqueoconheçaprofundamente• paraisso,devetutelarseusvestígios,• nãorecaindona“ingenuidadedoabandonoquenãoconserva,ousejaa
ingenuidadedesuperaroqueexistesemmemória,nemnaingenuidadesimétricadeumaconservaçãoquenãoabandona”(p.109)
• não se pode retornar ao passado e é exatamente por isso que suamemóriaeosseusvestígiosdevemsersalvaguardados;
• precisamente porque relação com passado é mantida: consegueultrapassá-lo(Severinop.115)
Reflexãosobreatécnicaeopapeldatécnicanasociedadecontemporânea• epapeldapreservaçãonessecontexto:• preservaçãoénecessariamenteseletiva• preservaçãoéumatodopresente,voltadoparaofuturo
Restauração,comoentendidahoje:
• atocríticoecriativo• PhilippoteBrandi:“hipótesecrítica”
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• voltadaàtransmissãodobemparaaspróximasgerações• atohistórico-crítico=pertinênciarelativa• discutidaeenfrentadacomosinstrumentosdecadaépoca• necessidadedemétodoerigorparaseteracessoàobjetividade
Esclareceralgunsdosequívocosqueaindapermeiamavisãosobreorestauro• 1.restaurarnãoérefazerimitandoestilosdopassado
– visão oitocentista que infelizmente ainda marca a visão demuitosarquitetossobreoassunto
• 2.projetoecriatividadefazempartedorestauro• 3.restaurarnãoémeraoperaçãotécnica
Restauro:• problemametodológico,antesdesetornartécnico• cadarestauração:analisadademodosingular• emrazãodascaracterísticasparticularesdecadaobraedeseuindividual
transcorrernahistória• nãoobedeceracolocaçõesdogmáticas≠intervençãoarbitrária• ideia subjetiva deve se tornar acessível a juízo objetivo - através da
reflexãoteórica• porisso:unidadeconceitualemetodológica• mesmonadiversidadedosmeiosaseremempregadosnaprática
Princípiosessenciais(nãosãoregras,nãosãofórmulas)
- oferecemumdirecionamento- devemsertrabalhados,todos,concomitantementedemaneiracrítica(
enãoaplicarumdelesisoladamente)
• distinguibilidade:– restauraçãonãopropõetempocomoreversível– nãopodeinduziroobservadoraoengano– devedocumentarasiprópria
• “re-trabalhabilidade”:– restauraçãonãodeveimpedir,tem,antes,defacilitarqualquer
intervençãofutura(Brandi,2004:48);– portanto,nãopodealteraraobraemsuasubstância– deve-seinserircompropriedadeedemodorespeitoso
• mínimaintervenção– poisarestauraçãonãopodedesnaturarodocumentohistórico
nemaobracomoimagemfigurada• compatibilidadedetécnicasemateriais
– levaremcontaaconsistênciafísicadoobjeto– tratamentocomtécnicascompatíveis=nãonocivas– eficáciacomprovadaatravésdemuitosanos
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Projetoderestauração:• compreensãoaprofundadadaobraedoambienteconstruído• esforçosmultidisciplinares:
– pesquisahistórico-documental– iconográfica– bibliográfica– estudosantropológicos– sociológicos– deviabilidadeeconômica
• pormenorizadolevantamento– métrico-arquitetônico– fotográfico– multiespectrais–laser3d
• examedemateriaisetécnicasconstrutivas• estrutura• patologias• análisetipológicaeformal• entendimentodasfasesporquepassouaobra• desuaconfiguraçãoeproblemasatuais• respeitandoasváriasestratificações• instrumentosdereflexão:históriadaarteepelaestética• +várioscamposdisciplinarestrabalhandodeformaintegrada• parâmetrosparaaintervençãoeguiarasescolhasedecisõesprojetuais
Intervenção:tambémprojetoderestauração
• projetodearquitetura• relaçãoentreconservaçãoeinovação• liga-sedemodoindissolúvelaoprocessodeaquisiçãodedadoseanálise• maestrianoqueserefereàqualidadedoprojeto• objetivo: respeitar e valorizar a obra em seus aspectos formais,
documentaisemateriais• atodecultura• decisõesdeprojeto,inclusiveousoderecursoscriativos:subordinadosa
esseobjetivoCriatividade
• encaradapormuitoscomoopostaàrestauração• inversão de valores: criatividade como premissa e preservação como
ocasionalresultado• criatividadeéparteintrínseca• deve ser entendida dentro dos “condicionantes” específicos dos
monumentoshistóricos
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• Em qualquer projeto de criação do novo existem “condicionantes” departido
• sãofatoresquecondicionamoatocriador,masnãooanulam• criaçãodonovoeprojetoderestauração:• utilizaraslimitaçõescomoestímuloasoluçõescriativas.
Exemplosapresentados:Galerie David d’Angers (Angers, França). Projeto: Pierre Prunet, 1974-1984.(DETRY, Nicolas; PRUNET, Pierre.Architecture et restauration. Sens et évolutiond’unerecherche.Paris,LesÉditionsdelaPassion,2000,pp.167-175.)Pavilhão, Borgonha. Projeto: Dirk van Postel, 2002. (Architectural Review,Setembro2002)LadeiradaMisericórdia,Salvador.Projeto:LinaBoBardi,MarceloFerraz,MarceloSuzuki,1987(LinaBoBardi,SãoPaulo,InstitutoLinaBoePMBardi,1996,pp.292-299.AulaOttagona(TermasdeDicocleciano)Roma,GiovanniBulian.MuseudeArteColumba(Colônia,Alemanha).Projeto:PeterZumthor,1997-2007.(ArchitecturalRecord,janeirode2008;ArquitecturaViva,n.116,2007;BRENDLE,Betânia. Peter Zumthor... Sustentável leveza, sublime intervenção: Poética etectônica no Kolumba Museum. In: Atas eletrônicas II Enanparc, Natal, 2012,ArtigoST523–05Brendel.pdf).ExemplosdoPrêmioDomusdeRestauro:http://www.premiorestauro.it/it/home
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FRANÇAEINGLATERRANOSÉCULOXIX.ASIDEIASDEVIOLLET-LE-DUCEASUAREPERCUSSÃO.INGLATERRA.ASIDEIASDEJOHNRUSKIN.OMOVIMENTOANTI-RESTAURAÇÃO
Bibliografiadeapoio:CARBONARA,Giovanni.AvvicinamentoalRestauro.Napoli,Liguori,1997,pp.141-178.CHOAY,Françoise.AAlegoriadoPatrimônio.SãoPaulo,UNESP.2001,pp.84-163.______.IrapportifraRuskineViollet-le-Ducola lungavitadeipreconcetti. In:CHOAY,F.
PatrimonioeGlobalizzazione.Firenze,Alinea,2012,pp.47-68.D’AGOSTINOMárioHenriqueSimão;PINHEIRO,MariaLuciaBressan.AnoçãodePitoresco
em Arquitetura,Desígnio Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo, SãoPaulo,Annablume,2004,n.1,pp.119-128
JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth,1999,pp.69-186.
KÜHL, BeatrizM. A restauração demonumentos históricos na França após a RevoluçãoFrancesa e durante o século XIX: um período crucial para o amadurecimentoteórico,RevistaCPC,2006,v.1,n.3,pp.110-144(www.usp/cpc/v1)
PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. John Ruskin e as Sete Lâmpadas da Arquitetura. In:RUSKIN,John.ALâmpadadaMemória.Cotia,Ateliê,2008,pp.9-48.
______.William Morris e a SPAB, Rotunda, 2004, n. 3, pp. 22-35.(www.iar.unicamp.br/rotunda/rotunda03.pdf)
Conversaciones....conEugèneViollet-le-DucyProsperMérimée,2017,n.3.http://conservacion.inah.gob.mx/publicaciones/?p=2286BibliografiacomplementarLÉON,Paul.Lesmonumentshistoriques,conservation,restauration.Paris,Renouard,1917.______.Laviedesmonumentsfrançais.Paris,Picard,1951.QUATREMÈRE DE QUINCY. Verbetes: Restauração, Restaurar, Restituição, Ruína [In:QuatremèredeQuincy,Encyclopédieméthodique.Architecture,3vols.,Paris,Vve.Agasse,t. III, 1825, pp. 286-288; 312-314], Rotunda, 2003, n. 2, pp. 107-117.(www.iar.unicamp.br/rotunda/rotunda02.pdf)RUSKIN,John.ALâmpadadaMemória.Cotia,Ateliê,2008.VIOLLET-LE-DUC,EugèneEmmanuel.Restauração.SãoPaulo,Ateliê,2001.WITMAN, Richard. FélixDuban’sDidactic Restoration of the ChâteaudeBlois. Journal of
theSocietyofArchitecturalHistorians,1996,n.4,pp.412-434.SéculoXVIIInaEuropa
• vultosastransformações• alteraramrelaçãodeumadadaculturacomseupassado
Váriosfatores:• Iluminismo• profundas e aceleradasmudanças geradaspelaRevolução Industrial na
Grã-Bretanha• reaçõesàsdestruiçõesmaciçasposterioresàRevoluçãoFrancesa.
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RevoluçãoFrancesa:• devastaçõesesaques• intuito:destruirsímbolosdasantigasclassesdominantes• edifíciosmedievais:principaisvítimas
Reaçãoao“vandalismo”revolucionário:• incipientesprovidênciasdeumEstadodaeramodernaparaatutelade
monumentos• legislação
Relatóriossobrevandalismo:abadeHenriGrégoire(1750-1831)• 1793-1794:apresentadosaoComitêdeInstruçãoPúblicanaConvenção• denúnciadabarbáriecometidacontraosmonumentos
Convenção,1790a1795:• criaçãodaComissãodosMonumentos• ComissãoTemporáriadasArtes• inventariareconservarobras• apesardaslimitações,algunsresultadosconcretos
– salvaremergencialmenteváriasobras:depósitos– maisexpressivo:odirigidoporAlexandreLenoir
Outrafaceta:• pilhagemeatransferênciadeobrasdearteparaaFrança• AntoineChrysostome,QuatremèredeQuincy(1755-1849)• descontextualizaçãodeobrasdearte• 1796: Lettres àMiranda :”o espírito de conquista em uma república é
inteiramentesubvertedordoespíritodeliberdade.”IníciodoséculoXIX
• arquiteturaoficial-estéticaacadêmica• aumentava o interesse pela arquitetura medieval, desprezada durante
séculosMuseudeLenoir
• permitiu,durante20anos,quepúblicovissemaisde1000obrasdoss.XIII-XVI
• originalidade e coerência da linguagem: revelou ser autóctone e nãofrutodeinvasões
• ideiadeumaartenacional.ArcissedeCaumont
• Essaisurl’ArchitectureReligieuse,1824• Coursd’AntiquitésMonumentales,editadosapartirde1830.
1830:criadoocargodeInspetorGeraldosMonumentosHistóricos:LudovicVitet(1802-73)
• elaboraçãodoinventáriogeraldosmonumentos• centralizarepadronizarasintervenções
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Problemasdeváriasordens:• formaçãodeprofissionaisparaatuaremrestaurações• conhecimentossobrearquiteturamedievaleramrestritos• ausênciadeverdadeiraconceituaçãodoRestauro
Vitet:• julgavadesnecessáriascorreçõeseembelezamentos• “nãoinovação”comoprincípiofundamental• contrapunha-seaváriasintervençõesfeitasnoperíodo
1834:substituídoporProsperMérimée(1803-70).
• julgavadesnecessárias correçõesepropunha-seamantermonumentosemsuaintegridade
• condenavatodasasformasdevandalismo• Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc (1814-79): conselheiro para obras de
restauração• 1837:criadaaComissãodosMonumentosHistóricos
Questõesessenciaispostasemevidência:
• Descontextualização• exigênciasdousoedalegislaçãoemoposiçãoàsdapreservação• existência de diferentes posturas: monumento como fato histórico e
comofatoestético• predominavam:completamentosebuscadeunidadeestilística•
AdolpheDidron (1839;1845):”Noque tangeaosmonumentosantigos,émelhorconsolidar do que reparar, reparar do que restaurar, restaurar do que refazer,refazer do que embelezar; em nenhum caso se deve acrescentar e, sobretudo,nadasuprimir”.1848:SegundaRepública
• reorganização da Direção dos Cultos e do Serviço dos EdifíciosDiocesanos.
• criadaComissãodasArteseEdifíciosReligiosos:participaçãodeMériméeeViollet
• 1849:instruçãotécnicapararestauraredifícios1853: criado o Comitê dos InspetoresGeraisda Comissão das Artes e EdifíciosReligiosos3 inspetores gerais: Léon Vaudoyer (1803-72), Léonce Reynaud (1803-80) eViollet-le-Duc
• Viollet-le-Duc:avaliaçãodosprojetosderestauraçãodetodasas igrejasfrancesas
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EscritosdeViollet-le-Duc• Entretienssurl’Architecture,publicadosem1863e1872• DictionnaireRaisonnédel’ArchitectureFrançaiseduXIeauXVIeSiècle• publicadoemdezvolumesentre1854e1868
Restauração:”Apalavraeoassuntosãomodernos.Restaurarumedifícionãoémantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo quepodenãoterexistidonuncaemumdadomomento.”Problemas
• faltaderespeitoaovalordocumental• formaveementeeinvasivadeatuar
Masalgunspreceitoscontinuamatuais:• importânciadautilizaçãoparaasobrevivênciadaobra• fundamentardecisões:basear-seemhipóteseséomaiorperigo• importânciadeseconheceraarquiteturadecadaépocaedecadaregião• respeitopelafunçãoportantedaestrutura
JohnRuskineWilliamMorris
• posiçãodiametralmenteopostaàdeViollet-le-Duc• expoentes de movimento que preconizava absoluto respeito pela
matériaoriginal• levando em consideração as transformações feitas em uma obra no
decorrerdotempo• preservandoaspectodevetustez• ação: trabalhos de manutenção, conservação, para evitar degradações
aceleradas• emcasosextremos,apuracontemplação.
JohnRuskin:• 1849TheSevenLampsofArchitecture• 1851-53TheStonesofVenice
WilliamMorris(1843-96)• 1877-fundouaSociedadeparaaproteçãodeEdifíciosAntigos(SPAB)• protestarcontrarestauraçõesdesnecessárias• patrimônio como: “qualquer coisa que pode ser considerada artística,
pitoresca,histórica,antiga,substancial:qualquerobra,resumindo,sobrea qual pessoas educadas ou artistas podem considerar válidas paradiscussão”.
• Extremismodaposição,derivadodoextremodasituação:• 1840 - 1873, 7144 igrejas restauradas na Inglaterra = ½ das igrejas
medievais no país (Tschudi-Madsen. Restoration and Anti-restoration.Oslo,Universitetsforlaget,1976,p.25)
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Ruskin:“ALâmpadadaMemória”:Tradução: Maria Lucia Bressan Pinheiro. In: RUSKIN, John. A Lâmpada daMemória.Cotia,Ateliê,2008.“II. É como a centralizadora e a protetora dessa influência sagrada, que aArquiteturadeveserconsideradapornóscomamaiorseriedade.Nóspodemosviversemela,evenerarsemela,masnãopodemosrememorarsemela.[...]Esede fato houver algumproveito emnosso conhecimentodopassado, ou algumaalegria na idéia de sermos lembrados no futuro, quepossa fortalecer o esforçopresente,oudaralentoàpresenteresignação,hádoisdeveresemrelaçãoànossaarquitetura nacional cuja importância é impossível superestimar: o primeiro,tornaraarquiteturaatual,histórica;eosegundo,preservar,comoamaispreciosadetodasasheranças,aqueladasépocaspassadas.”“XVIII.Nãofazpartedemeupresenteplanoentraremalongadasconsideraçõessobre a segunda categoria de deveres que mencionei anteriormente: apreservaçãodaarquiteturaquepossuímos;masalgumaspoucaspalavraspodemser desculpadas, por serem especialmente necessárias nos tempos modernos.Não pertence ameu presente plano considerar extensamente o segundo deverque mencionei acima; a preservação da arquitetura que possuímos: mas umaspoucas palavras podem ser perdoadas, como especialmente necessárias nostempos modernos. Nem pelo público, nem por aqueles encarregados dosmonumentos públicos, o verdadeiro significado da palavra restauração écompreendido.Ela significaamais totaldestruiçãoqueumedifíciopodesofrer:uma destruição da qual não se salva nenhum vestígio: uma destruiçãoacompanhadapelafalsadescriçãodacoisadestruída.Nãonosdeixemosenganarnessa importante questão; é impossível, tão impossível quanto ressuscitar osmortos, restaurar qualquer coisa que já tenha sido grandiosa ou bela emarquitetura.[...]”W.MORRIS.SociedadeparaaProteçãodeEdifíciosAntigos–Manifesto[1877][Tradução: Maria Lucia Bressan Pinheiro. In: PINHEIRO, Maria Lucia Bressan.
William Morris e a SPAB, Rotunda, 2004, n. 3, pp. 22-35.(www.iar.unicamp.br/rotunda/rotunda03.pdf)]
“Uma Sociedade que vem a público com um nome como aquele acima escritoprecisa necessariamente explicar como e por que ela se propõe a protegeraquelesedifícios antigosque,paraamaioriadaspessoas, semdúvida,parecempossuir tantos e tão excelentes protetores. Esta, então, é a explicação que nósoferecemos.Indubitavelmente, nos últimos cinquenta anos um novo interesse, quase comoumaoutraconsciência,manifestou-sequantoaosantigosmonumentosdearte;eeles tornaram-se o assunto de um dos mais interessantes estudos, e de umentusiasmo religioso, histórico, artístico, que constitui um dos indiscutíveis
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avanços de nosso tempo; entretanto, nós pensamos que, se o presentetratamento a eles dispensado continuar, nossos descendentes encontrá-los-ãoinúteis para estudo e desencorajadores para o entusiasmo. Nós pensamos queestesúltimoscinqüentaanosdeconhecimentoeatençãocontribuírammaisparaa sua destruição do que todos os séculos anteriores de revolução, violência edesrespeito.PoisaArquitetura,hámuitodecadente,desapareceu,aomenoscomoumaartepopular, assim que o conhecimento da arte medieval nasceu. De forma que omundo civilizado do século XIX não possui estilo próprio entre o seu amploconhecimentodosestilosdeoutrosséculos.Destacarênciaedesteganhosurgiunasmentes doshomens a estranha ideia daRestauraçãode edifícios antigos; eumaestranhaemuitíssimo fatal ideia, aqualpelo seupróprionome implicanapossibilidadederemoverdeumedifícioisto,aquilo,eaquelaoutrapartedasuahistória–istoé,desuavida–eentãosusteramãoemalgumpontoarbitrário,edeixá-loaindahistórico,vivo,eatémesmocomoelefoiumdia.Antigamente este tipo de falsificação era impossível, pois faltava conhecimentoaos construtores, ou talvez porque seu instinto os impedisse. Se reparos eramnecessários,seaambiçãoouapiedadeestimulavamamudança,talmudançaeranecessariamenteforjadaàinconfundívelmaneiradaépoca;umaigrejadoséculoXIpoderiaseraumentadaoualteradanosséculosXII,XIII,XIV,XV,XVI,oumesmoXVII e XVIII; mas cada mudança, qualquer que fosse a história que destruísse,deixavahistórianolugar,eestavavivacomoespíritodasobrasrealizadasparaasua conformação. O resultado de tudo isso pelo seu próprio contraste,interessantes e instrutivas e não poderiam jamais induzir ao erro.Mas aquelesque fazem as mudanças forjadas em nossos dias sob o nome de Restauração,enquantoafirmamtrazerumedifíciodevoltaàmelhorépocadesuahistória,sótem como guia seu próprio capricho individual para mostrar-lhes o que éadmiráveleoqueédesprezível;enquantoapróprianaturezadassuastarefasoscompele a destruir algo e a preencher a lacuna imaginandoo que os primeirosconstrutores deveriam ou poderiam ter feito. Ademais, durante este duploprocessodedestruiçãoeadição,todaasuperfíciedoedifícioénecessariamentealterada; de modo que a aparência de antigüidade é retirada daquelas partesvelhas da construção que permanecem, e não há caiação que acalme noespectador a suspeita daquilo que pode ter sido perdido; em resumo, umafalsificaçãodébilesemvidaéoresultadofinaldetodootrabalhodesperdiçado.É triste dizer que, dessamaneira, amaioria das grandes abadias, e um grandenúmero de edifícios mais humildes, tanto na Inglaterra como no Continente,foramobjetodaocupaçãode,muitosdeles,homensdetalentoemerecedoresdemelhoremprego,massurdosàssúplicasdapoesiaedahistórianosentidomaisalto destas palavras. Pelos remanescentes é que nós rogamos ante nossospróprios arquitetos, ante os guardiães oficiais de edifícios, e ante o público emgeral, e nós lhes suplicamos que se lembrem de quanto já se foi da religião,
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pensamento e costumes de tempos passados, que não serão jamais, por umconsenso quase universal, RESTAURADOS; e que considerem se seria possívelRESTAURARestesedifícios,cujoespíritovivo–nãoserádemaisrepetir–eraumaparte inseparáveldaquelareligiãoepensamentoedaquelescostumespassados.Denossaparte,nóslhesasseguramossemmedo,quedetodasasRESTAURAÇÕESjá realizadas, as piores significaram a retirada precipitada de algumas dasmaisinteressantes características materiais de um edifício; enquanto as melhoresencontram sua exata analogia na restauração de um quadro velho, no qual otrabalho parcialmente estragado de um antigo mestre artesão foi posto emordem e banalizado pela mão enganosa de algummercenário leviano e poucooriginaldehojeemdia.Se,paraorestante,nosforsolicitadoqueespecifiquemosque espécie de quantidade de arte, estilo, ou outro interesse torna umedifíciomerecedor de proteção, nós respondemos, qualquer coisa que possa sercontempladacomoartística,pitoresca,histórica,antiga,ousubstancial:qualquertrabalho, em resumo, que pessoas educadas e sensíveis considerem digno dediscussão.É por todos esses edifícios, portanto, de todos os tempos e estilos, que nósimploramos e exortamos aqueles a quem eles estão confiados que coloquem aPROTEÇÃO no lugar da RESTAURAÇÃO, que adiem a deterioração pelo cuidadodiário,queamparemumaparedeperigosaouconsertemumagoteirapormeiostão obviamente destinados a apoio ou cobertura, que não possam serconfundidos com qualquer outra arte, e que, sob outros aspectos, resistam aqualquer alteração tanto na estrutura quanto na ornamentação do edifício talcomoeleseencontra;seelesetornouinconvenienteparaseuusopresente,queerijam outro edifício em vez de mudar ou aumentar o antigo; em suma, quetratemnossosedifícios antigos comomonumentosdeumaartepassada, criadapor costumes passados, nos quais a arte moderna não pode interferir semdestruir.Assim,e somenteassim,nósescaparemosdadesgraçadequeanossaerudição se transforme numa armadilha para nós; assim, e somente assim, nóspoderemos proteger nossos edifícios antigos e transmiti-los instrutivos eveneráveisàquelesquevieremdepoisdenós.”Exemplosapresentadosderestauração:Vézelay;Notre-DamedeParis,Carcassonne.Arquiteto:Viollet-le-Duc.[LÉON, 1917; CARBONARA, 1997; Lenniaud, Jean-Michel, Viollet-le-Duc ou lesdéliresdusystème,Paris,Mengès,1994]CatedraldeAngoulême;IgrejadaSantaCruz,deBordeaux.Arquiteto:PaulAbadie[LÉON,1917]CastelodeBlois.ArquitetoFélixDuban[LÉON,1917;WITMAN,1996]
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AVIRADADOSÉCULOXIXEINÍCIODOSÉCULOXX.ORESTAUROARQUEOLÓGICO.ORESTAUROFILOLÓGICO.CAMILLOBOITOEGUSTAVO
GIOVANNONIBibliografiadeapoio:CABRAL, Renata Campello. A noção de “ambiente” em Gustavo Giovannoni e as leis detutela do patrimônio cultural na Itália. Tese de Doutorado. São Carlos, IAU, 213.Orientador:Prof.Dr.CarlosRobertoMonteirodeAndrade(IAU-USP)http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/102/102132/tde-25062014-093621/pt-br.phpCARBONARA,Giovanni.AvvicinamentoalRestauro.Napoli,Liguori,1997,pp.201-268.CHOAY,Françoise.AAlegoriadoPatrimônio.SãoPaulo,UNESP.2001,pp.11-29;163-203.DVOŘÁK,Max.CatecismodaPreservaçãodeMonumentos.Cotia,Ateliê,2008.JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth,
1999,pp.213-222.KÜHL, Beatriz Mugayar. “Os Restauradores e o Pensamento de Camillo Boito sobre aRestauração”. In:BOITO,Camillo.OsRestauradores.Cotia,AteliêEditorial,2002,pp.9-28.______.PreservaçãodoPatrimônioArquitetônicoda Industrialização. Problemas teóricos
derestauro.Cotia,Ateliê/FAPESP,2009,pp.59-65.ReferênciascomplementaresBOITO,Camillo.OsRestauradores.Cotia,Ateliê,2002.KÜHL,BeatrizMugayar(org.).GustavoGiovannoni.TextosEscolhidos.Cotia,Ateliê,2013.RIEGL,Alois.LeCultemodernedesmonuments.Sonessenceetsagenèse.Paris,Seuil,1984.RUFINONI,ManoelaRossinetti.PreservaçãoeRestauroUrbano.SãoPaulo,Unifesp-Edusp-
FAPESP,2013.SCARROCCHIA, Sandro (Org.). Alois Riegl: Teoria e prassi della conservazione dei
monumenti.Bologna,AccademiaClementinadiBologna,1995.Itália: desde Renascimento: várias experiências em relação a remanescentes deoutrasépocasNoções:amadureceramgradualmente;conjugadasnasteoriasderestauro:
• respeitopelamatériaoriginal• mínimaintervenção• ideiadereversibilidade• Winckelmann: estabelecimento de metodologia científica;
distinguibilidadedaação• Piranesi:aspectosconservativosedemínimaintervenção.
RepercussãonasreformulaçõesdefinaldoséculoXIXporCamilloBoitoCamilloBoito(Roma1836-Milão1914)
• ArquiteturanaAcademiadeBelasArtesdeVeneza(iniciaem1849)• adota ideias difundidas por Pietro Selvatico Estense (1803-80) : arte
medievaldaItáliacomoexpressãoautênticadeseupovo
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• 1860: assumepostodeprofessor de arquitetura naAcademiadeBelasArtesdeBrera
• buscaafastaraarquiteturadoempirismopara integrá-laà ciênciaeaopensamentocrítico
• propostasparaformaçãodoarquiteto:vincularensinoàsUniversidadesBoito
• 1ostrabalhosderestauroem1858;1861• contextoeuropeu:predominavanapráticabuscadeumestadocompleto
idealizado• difusãodosideaispropagadosporViollet-le-Duc• comunsoscompletamentosemestilo• Revisão de sua própria postura a partir dos anos 1880 – surgem seus
textossobrerestauro• repercussãodasideiasdeváriosintelectuais:Cattaneo,Mongeri,Fiorelli,
Paravicini• respeitopelaobraesuasestratificações• perigosdefalsificaçãogeradospelorestauro• retomaprincípiosdorestauroarqueológicodeiníciodoXIX:ArcodeTio;
Coliseu• releituraparaaplicaràarquiteturacomoumtodo• atuação primordial: Congresso dos Engenheiros e Arquitetos Italianos,
Roma,1883• critériosadotadospeloMinistériodaEducação
Princípiosfundamentais:
• respeitarasváriasfasesdomonumento• ênfasenovalordocumental• evitaracréscimoserenovações• senecessários,caráterdiversodooriginal,masnãodestoar• obrasdeconsolidação:limitar-seaoestritamentenecessário• registrarasobras
Boito.OsRestauradores,1884(Cotia,Ateliê,2002)
• “Parabem restaurar énecessário amar e entenderomonumento, sejaestátua,quadroouedifício”
Conclusõespararestauroarquitetônico:• “1o É necessário fazer o impossível, é necessário fazer milagres para
conservarnomonumentooseuvelhoaspectoartísticoepitoresco;• 2oÉnecessárioqueoscompletamentos,seindispensáveis,easadições,
se não podem ser evitadas, demonstrem não ser obras antigas, masobrasdehoje.”
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Boito.QuestioniPratichediBelleArti(Milão,Hoepli,1893)Classificaorestauroarquitetônicoem3tipos
• Arqueológico– monumentosdaantiguidade– trabalhosvoltadosparaaanastiloseeconsolidação;
• Pictórico– paraedifíciosmedievais– preservar aparência pinturesca - trabalhos de consolidação (e
nãoderenovação),conservandoaspectodevetustez;• Moderno
– edifíciosdoRenascimento– mais facilmente compreensíveis e até imitáveis pela arte
contemporânea: técnicas construtivas são em larga medidaaindaasmesmas
– fugirdecompletamentoseimitações.Princípiosgeraisvoltam-seaostrêstipos
• respeitar escrupulosamente todas as estratificações da obra e odocumentohistórico.
• 1.Diferençadeestiloentreonovoeoantigo• 2.Diferençademateriais• 3.Supressãodemolduraseornamentos• 4.Exibiçãodepartesremovidasemlocalpróximo• 5.Marcaremcadaumdaspeçasrenovadasadatadorestauro• 6.Epígrafedescritivaincisanomonumento• 7.Descriçãoefotografiasdasváriasfasesdaobraepublicação• 8.Notoriedade
“Restaurofilológico”ou“Científico”:• escrúpuloemrelaçãodocumentoshistóricos• métodos similares aos da filologia: preservar intacto o texto como
chegouatéhoje• inserirnovoselementosatravésdadistinguibilidade.
Boito. Questões...: “O trabalho entorno de um monumento é umatentação contínua: sabe-se onde principia, mas não se sabe onde vaiterminar. ... força [...] que impele a fazer demais ... além ... danecessidade estética e histórica. Nas restaurações o problema consisteno encontrar ... o limite mínimo dos trabalhos indispensáveis paraconservar o antigo, a descobri-lo sem destruir nada que interesse àarqueologiaeàarte,tampouconaquiloquefoiacrescidoaomonumentopelosséculosmaispróximosanós.[...]Nadúvida,osábioseabstém.”
GustavoGiovannoni(1873-1947)
• reelaborouteoriadeBoito
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• importânciaaosvaloreshistóricosedocumentais• posturacomressonânciasnaCartadelRestauroItaliana,de1931• e na Carta de Restauro de Atenas, de 1931 [La Conservation de
Monuments d’Art et d’Histoire, Paris, Office International des Musées,1933]
Repercussõesdopositivismo,comtendênciaa• consideraraobraapenasatravésdesuesaspectosdocumentais• classificarsistematicamenteoscasosderestauro• voltado também para análise direta da obra, do organismo, aspectos
técnico-construtivosVerbeteRestaurodaEnciclopédiaItaliana,Treccani,1936
• restauraçãodemonumentoséconceitomoderno• atéséculoXIX:comumcontinuaçãodoprojetonoestiloprimitivo• 1asrestauraçõesdignasdonome:asarqueológicas-ArcodeTito• tendênciaatual:excluiqualqueracréscimoouqualquersupressão• crianoçãodateoriaintermediáriaentreViollet-le-DuceRuskin
Diferencia:monumentosvivosdemonumentosmortosClassificaçãosistemáticadoscasosderestauro:
• consolidação:meiosmodernosparadarsolidez• recomposição:anastilose–elementosretornamàsposiçõesiniciais• liberação:retiradademassasamorfas• completamentoourenovação:acréscimosmodernos,neutros
Giovannoni:RestauronaescalaurbanaVecchiecittàededilizianuova,Torino,Utet,1931
• formas de trabalho para possibilitar relação harmoniosa, em cidadeshistoricizadas,debairrosnovoseantigos
• integrá-losnumsistemaunitário• numorganismomaiscomplexo• sériedemedidas:substituirempirismopeloestudometódico• visãoarticuladadasações
PosturasdoRestauroFilológico
• enunciaçãodeabsolutorigor• coerênciadeprincípios• mostramlimitescom2aGuerraMundial• comoenfrentarosrestaurosdemassa?• visãoligadaaummododeconceberaartepositivistaeclassificatório• reduzidacompreensãodarealidadefigurativadomonumento• princípios:incapazesdeiralémdarealidadedocumental
Mas:RestauroFilológico• formulaçõestiverampapelfundamental• respeitohistóricopelomonumento
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• defesadesuacomplexaintegridade• princípioscientíficoscontinuamválidos• visõesprospectivasdeGiovannonipararestauronaescalaurbana
Exemplosderestauroapresentados:ArcodeTito,Roma;Coliseu,Roma.[KÜHL,2009,pp.156]OsexemplosdasrestauraçõesdoArcodeTito(1817-1824)edoColiseu(1806-1825)tornaram-secanônicosesãoreiteradamentecitadosnostextossobrerestauração,desdearealizaçãodasobras.Umdosprimeirosafazeruma apreciação das intervenções e divulgá-las numa escala mais ampla foiQuatremère de Quincy no terceiro tomo de sua enciclopédia, de 1825(Quatremère de Quincy, 2003). A restauração do Arco de Tito, em Roma, foiexecutada por Raffaele Stern e Giuseppe Valadier. Sobreviviam elementosoriginais apenas na parte central do arco, que esteve, durante certo tempoadossado a muros. Foram realizadas escavações que permitiram encontrar afundação original, possibilitando a reconstituição das proporções primitivas. Oarco teve suas partes desmontadas e depois remontadas cuidadosamente numnovo arcabouço de tijolos. Nos elementos reconstituídos (colunas, capitéis,entablamentos etc.) foi empregado o travertino em lugar domármore grego eforam usadas formas simplificadas, permitindo a sua diferenciação das partesoriginais. Outro exemplo é dado pelo Coliseu, que se encontrava em estadoprecário no início do século XIX, depois de séculos de variada sorte e de servircomo fontedemateriais de construção.Duranteo papadodePioVII (1800-23)resolveu-seconsolidá-lo;ostrabalhosforamconfiadosaStern,comacolaboraçãodeG.CamporesieG.Palazzi,sendoasobrasiniciadasem1806.Optou-se,numadas extremidades do anel externo, pela construção de um esporão oblíquo detijolos, preservando o quanto possível e consolidando os elementos como seencontravam.Teatro de Marcelo, Roma. Arquiteto: A. Calza Bini, 1926-1932 [CARBONARA,1997]BairrodoRenascimento,Roma.GustavoGiovannoni[GIOVANNONI,1913,1931]Texto de apoio: KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico daIndustrialização.Problemasteóricosderestauro.Cotia,Ateliê/FAPESP,2009,pp.59-65:“As formas de intervir em bens legados por outras épocas atravessarammudançasgraduaisnodecorrerdosséculosatésechegaràsatuaisnoçõesligadasà preservação, entendida como ação cultural. A palavra preservação no Brasilpossuiumsentidolatoqueabarcavariadostiposdeações,taiscomoinventários,registros, providências legais para a tutela, educação patrimonial e políticaspúblicas.Abrangetambémasintervençõesnosbens,paraquesejamtransmitidosda melhor maneira possível ao futuro, que podem assumir a forma demanutenção, conservação, restauração (as implicações dessas palavras serão
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expostasmaisadiante),devendoorestauroserentendido,antesdetudo,comoatodecultura,algoevidenciadoporRenatoBonelli1hámeioséculo.Esseprocessoestárelacionadointimamentecommudançasdarelaçãoentreumadadaculturaeseupassado.Ummomentocrítico,apontadoporvariadosautores,quedáasbasesdapreservaçãohoje,ocorreunasegundametadedoséculoXVIII2.Atéentão,asatuaçõesemobraspreexistenteseramvoltadas,demaneirageral,para sua adaptação àsnecessidadesda épocaeditadaspor exigências práticas,emespecialasdeuso3.Noentanto,houveumprocessogradualdealteraçãodomodo de lidar com bens legados por outros períodos, que tem suas raízes noRenascimento italiano e se acentua em finais do século XVIII devido a váriosfatores, entre os quais o Iluminismo, as profundas e aceleradas alteraçõesocasionadas pela chamada Revolução Industrial e as reações às destruiçõesmaciçasposterioresàRevoluçãoFrancesa.Acentuou-sepaulatinamenteanoçãode ruptura entre passadoe presente, fazendo comque a formade lidar comolegadodeoutrasgerações– reconhecidocomode interesseparaa cultura– seafastasse, cada vezmais, das ações ditadas por razões pragmáticas, assumindoconotaçãofundamentalmentecultural,voltadaaosaspectosestéticos,históricos,memoriaisesimbólicosdosbens,tambémcomfinseducativos.A preservação passaria, desde então, a ser motivada por questões de cunhocultural, científico – pelo conhecimento que as obras transmitem em várioscamposdosaber,tantoparaashumanidadesquantoparaasciênciasnaturais–,eético–pornãoseterodireitodeapagarostraçosdegeraçõespassadaseprivaras gerações futuras da possibilidade de conhecimento de que os bens sãoportadores.Dessemodo,asquestõesdeordempráticadeixamdeserasúnicaseprevalentes, apesar de dever estar sempre presentes, e passam a serconcomitantes,a tercaráter indicativo,masnãodeterminante.Sãoempregadascomomeiosdepreservar,masnãocomoafinalidade,emsi,daação.O século XIX assume papel proeminente nesse processo. Ao longo de todo operíodo foram constantes as tentativas de inventários sistemático, as 1VeremespecialascolocaçõesdeRenatoBonelli,nocapítulointrodutório“Ilrestaurocomeformadicultura”,dolivro,delepróprio,Architetturaerestauro,Venezia,NeriPozzaEditore,1959,pp.13-29.2Paraanálisedastransformaçõesdanoçãoderestauroaolongodosséculos–easrazõesporquesederam essas mudanças – até os debates contemporâneos e para referências bibliográficascomplementares, ver: Giovanni Carbonara, Avvicinamento al restauro, Napoli, Liguori, 1997; JukkaJokilehto,Ahistoryofarchitecturalconservation,Oxford,ButterworthHeinemann,1999;MariaPieraSette,Ilrestauroinarchitettura.Quadrostorico,Torino,Utet,2001.Verainda,comespecialinteressenaquilo que se refere ao papel dosmonumentos na sociedade contemporânea, Françoise Choay,Aalegoriadopatrimônio,SãoPaulo,Unesp,2001.3Houvecasos,relatadosdesdeaAntigüidade,eemvariadasculturas,emqueprevaleceramrazõesdeoutranatureza,quenãoasdeuso,comoaimportânciahistóricaoucelebraçõesdecunhopolíticooumemorial. No entanto, esses casos de restauro (como ato pautado por razões culturais em sentidolato) eramexceções; nãohavia apreocupaçãode constituir umverdadeiro “projeto cultural”queaquestãoassumeem finaisdo séculoXVIII, emqueapreservaçãopassa a ser elementoportantedepolíticaspúblicasemmaiorescala.Paraessestemas,alémdabibliografiasupracitada,cf.tambémasobservações de Carlo Ceschi, Teoria e Storia del Restauro, Roma, Bulzoni, 1970 e deMichelangeloCagianodeAzevedo,Ilgustonelrestaurodelleopered’arteantiche,Roma,Olimpus,1948;veraindaB.M.Kühl,Astransformaçõesnamaneiradeseintervirnaarquiteturadopassadoentreosséculos15e18:operíododeformaçãodarestauração,Sinopses,2001,n.36,pp.24-36.
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experimentações práticas, as formulações teóricas, a elaboração de medidaslegais e o estabelecimento de órgãos de preservação. As experiências foramdíspares – e variadas correntes se manifestavam de forma concomitante nosdiversos ambientes culturais –, oscilando entre posturas antagônicas, desde asmais“conservativas”,comgrandeapreçopelosvaloresformaisdapátinaepelasmarcasdapassagemdotempo,atéasvoltadasacompletamentoserefazimentosem estilo4, cujos mais notórios representantes foram respectivamente JohnRuskineEugèneEmmanuelViollet-le-Duc.Na prática de intervenções acabou por sobressair ao longo daquele século, emváriospaíses,abuscadeumestadocompleto,porvezesfantasioso,deumbem–tendo por objetivo, em geral, mas não necessariamente, a unidade de estilo,havendoumavisão idealizadadaprópriahistóriadaarte–,não importando se,paratanto,fossemsacrificadasváriasfasesdapassagemdaobranodecorrerdotempo e feitas substituições e alterações maciças. Os edifícios não eramentendidos em sua individualidade (de composição e de seu percurso ao longodos séculos), mas como fazendo parte de um sistema idealizado ao qual sedeveriaremeter.Forammuitasascríticasemrelaçãoaessesprocedimentospelosdanos que causavam à obra como documento histórico e testemunho dotranscursodo tempoepelo fatodeascomunidadesnãomais se reconheceremnessas obras completamente transfiguradas e reinseridas demodo violento emseus ambientes. Mais para o final do século, multiplicaram-se as vozes quepreconizavam uma posição mais conservativa e historicamente fundamentada.Essas experiências díspares e, mesmo, antitéticas foram analisadas ereformuladas por Camillo Boito no final do século XIX, que retoma e sintetizaváriasproposiçõesqueamadureceramnodecorrerdoséculo.Propõeassimumavia“intermediária”paraarestauração,baseadaemsólidosprincípios,taiscomo:ênfase no valor documental das obras, que deveriam ser preferencialmenteconsolidadas a reparadas e reparadas a restauradas; evitar acréscimos erenovações,que,senecessários,deveriamtercaráterdiversodooriginal,masdemodo a não destoar do conjunto; completamentos de partes deterioradas oufaltantesdeveriam,mesmoseguindoaformaprimitiva,serdematerialdiversoouter incisa a data de sua restauração ou, ainda, no caso das restauraçõesarqueológicas, ter formas simplificadas;obrasde consolidaçãodeveriam limitar-seaoestritamentenecessário,evitando-seaperdadoselementoscaracterísticose pitorescos; respeitar as várias fases do monumento, sendo a remoção deelementos admitida apenas se tivessem qualidade artística manifestamenteinferior à do edifício; registrar as obras, documentando os trabalhos durante edepoisdaintervenção;colocarumalápidecominscriçõesparaapontaradataeasobrasderestaurorealizadas5.GustavoGiovannoniretomariaessascolocaçõesno
4SobreastransformaçõesaolongodoséculoXIXebibliografiacomplementarsobreotema,alémdasobrasdereferênciacitadasanteriormente,ver:MariaLuciaBressanPinheiro,WilliamMorriseaSPAB,Rotunda, 2004, n. 3, pp. 22-35; B. M. Kühl, Viollet-le-Duc e o verbete restauração, in: EugèneEmmanuelViollet-le-Duc,Restauração,SãoPaulo,Ateliê,2000,pp.9-25;B.M.Kühl,Arestauraçãodemonumentos históricos na França após a Revolução Francesa e durante o século XIX: um períodocrucialparaoamadurecimentoteórico,RevistaCPC,2006,v.1,n.3,pp.110-144.5 Camillo Boito, arquiteto, restaurador, historiador, ensaísta, poeta, foi autor muito prolífero. Teve
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início do século XX, reinterpretando-as também para a escala urbana. O autoracentua a construçãodeBoito, reiteradapor grandepartedahistoriografia dasteorias de restauração, de uma postura de restauro como um caminhointermediário – o chamado “restauro filológico” – entre os procedimentosantitéticosdeRuskineViollet-le-Duc.Contribuições de inestimável valor foram feitas por Alois Riegl, na virada doséculo XIX para o XX, oferecendomeios inovadores tanto para a teoria quantopara a prática da preservação dos monumentos históricos ao abarcar aspectosnormativos (no caso, na Áustria) e analisar de modo agudo o papel dosmonumentos históricos e suas formas de apreensão por uma dada sociedade6.Riegldeupassosfundamentaisparaconsolidaçãodocampo7,quepassaaassumircaracterísticas próprias, podendo, por sua vez, oferecer contribuições para ahistoriografia e para a criação artística contemporânea. Elaborou proposiçõesprospectivas,quepermanecemválidasequecontêmelementosquepodemsercontinuamenteexplorados.DerelevânciasãosuascolocaçõesnaobraOcultomodernodosmonumentos,de1903.EssetextodeRieglfazpartedeumprojetodeorganizaçãolegislativaparaapreservaçãonaÁustria,sendocompostodetrêspartes:aprimeira,justamenteOculto,queéumadiscussãoteóricaquefundamentaapropostadelei;asegundaéo projeto de lei para a tutela dosmonumentos; a parte final é composta pelasdisposições para aplicação da lei (cuja implementação seria concretizada maistarde,comoutraconformação)8.As propostas de Riegl tendiam a se distanciar da discussão sobremonumentoshistóricospautadaapenasemquestõeshistórico-artísticas,comoprevaleceraaté
papelrelevantenocampodarestauração,aexemplodesuaprimordialatuaçãoduranteoCongressodos Engenheiros e Arquitetos Italianos realizado em Roma em 1883, propondo os critérios acimaenunciadosdeintervençãoemmonumentoshistóricosquedepoisseriamadotadospeloMinistériodaEducação (cf.Atti del Quarto Congresso degli Ingegneri ed Architetti Italiani radunato in Roma nelgennaiodel 1883, Roma,Centernari, 1884).Algunsde seusescritos foramdedicados à restauração,tratando da análise das intervenções, ou da formulação de princípios gerais, a exemplo de Osrestauradores, uma conferência apresentada durante a exposição de Turimem1884 (publicada emportuguêspelaAteliê,Cotia,2002),ouQuestionipratichediBelleArti,Milano,Hoepli,1893,ouaindano artigo “I nostri vecchi monumenti, conservare o restaurare”, aparecido em La nuova antologia(1885, v. 81, pp. 640-662; v. 82, pp. 58-73; 1886, v. 87, pp. 480-506). Para uma análise do tema ereferências bibliográficas complementares, ver B. M. Kühl, Os restauradores e o pensamento deCamilloBoitosobrearestauração,in:C.Boito,Osrestauradores,op.cit.,2002,pp.9-28.6 Para uma análise pormenorizada do papel de Riegl para a tutela dos monumentos, em que sãotambém apresentadas e analisadas formulações de variados autores, cf. Sandro Scarrocchia (org.),Alois Riegl: Teoria e prassi della conservazione dei monumenti, Bologna, Accademia Clementina diBologna,1995.7 Ver, no que concerne às contribuições de Riegl para a conformação de um campo disciplinarautônomo, as análises de autores como: Margaret Olin, Forms of respect: Alois Riegl’s concept ofattentiveness,TheartBulletin,1989,v.71,n.2,pp.285-299;WolfgangKemp,AloisRiegl, in:H.Dilly(org.). Altmeister moderner Kunstgeschichte, Berlim, 1990, pp. 37-60; e Jörg Oberhaidacher, RieglsIdee,Wiener Jahrbuch für Kunstgeschichte, 1985, v. 28, pp. 199-218. Ver ainda a formulação de S.Scarrocchia,op.cit.,1995,pp.29-35.8VersobretudootextodeAloisRiegl,Progettodiun’organizzazionelegislativadellaconservazioneinAustria,in:S.Scarrocchia(org.),op.cit.,1995,pp.171-236.
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então, passando a considerar também as formas de recepção e de fruição dosmonumentos, através dos “valores” por ele explicitados no Culto. De especialinteresse,pelarepercussãoqueteránassuasformulaçõesparaaleidetutelaéovalor de “antiguidade” (ou valor “de antigo”), que depende da preservaçãoescrupulosa das várias estratificações da obra e das marcas da passagem dotempo,apreciando-seinclusiveoefeitosubjetivoeafetivodasprópriasformasdedissolução domonumento, independentemente de sua destinação e significadoinicial.Procurou,dessemodo,embasaratuteladosmonumentosnorespeitopelo“valordeantigo”,nãomaistendocomoobjetivo,comopredominaraatéentãonapráxis austríaca, a unidade de estilo. Ou seja, a tutela não se volta para aretomada de “formas” antigas, nem desconsidera as várias fases dos edifícios;tem por objetivo respeitar escrupulosamente o bem e os próprios traços deancianidade9.Ocultodo“valordeantigo”era,segundooautor,degrandeatraçãoeénelequese fundamenta o projeto de lei, justamente por ser valor mais inclusivo, maisperene e que respeita integralmente as obras de toda e qualquer fase daprodução humana, as várias estratificações de uma mesma obra e as própriasmarcas da passagem do tempo. Neste ponto é importante esclarecer que aanálise apresentadaporRieglnoCulto servede substratoparaaelaboraçãodoprojeto de lei. Mas de modo algum, na atuação nos monumentos, Rieglconsideravaqueosoutros“valores”devessemseraplicados,demodoalternadoou indistinto, dependendo da situação. Sua proposta de lei é baseadaessencialmentenorespeitopelovalorde“antiguidade”:
“A futura tuteladosmonumentosdeve serbaseadano cultodovalordeantigo, que se manifesta com a existência dos traços de antiguidade. Amaior preocupação da futura tutela dos monumentos deve ser voltadaparaaconservaçãodesses traçose,por isso,devemcair inevitavelmenteospostuladosdaoriginalidadeedaunidadeestilística,ligadosaocultodovalor histórico e do valor de novidade, que objetivam, ambos, à suaeliminação[dostraçosdeantiguidade]”10.
9VerS.Scarrocchia(org.),op.cit.,1995,pp.91-110.SobrealgunsaspectosdopensamentorieglianoeapreservaçãonaÁustria,veraindadeB.M.Kühl:Históriaeéticanaconservaçãoenarestauraçãodemonumentoshistóricos,RevistaCPC,2005,v.1,n.1;ObservaçõessobreaspropostasdeAloisRiegleMaxDvořákparaapreservaçãodemonumentoshistóricos,in:MaxDvořák,Catecismodapreservaçãodemonumentos,Cotia,Ateliê,2008,pp.33-62).10VerasconsideraçõesdeRieglparaa leide tutela (in:S.Scarrocchia (org.),op.cit.,1995,pp.209-210),mostrandoocarátermaisinclusivodovalordeantigüidade,baseadona“solidariedadecomtodoomundo”.Verainda,deRiegl,asdisposiçõesparaaaplicaçãodalei(in:S.Scarrocchia(org.),op.cit.,1995,pp.222-236;cita-sedap.224).Rieglenfatizaqueemrelaçãoaosmonumentos,nãoapreciamossomente o valor histórico, pois, se assim o fosse, quantomais antigo,melhor seria; no entanto, àsvezes preferimos obras recentes às mais antigas. O autor afirma não fazer sentido separar emcategoriasdistintasomonumentohistóricodomonumentoartístico,poistodaobradearteéumfatohistórico e todo documento histórico – mesmo um pedaço de papel rasgado portando uma “notabreve e sem importância” – possui uma conformação. Também condena o fato de se basear umapolítica de tutela no valor artístico, que é avaliado pela medida em que satisfaz a “Kunstwollen”moderna [voliçãoda arte], algoquenãoé formuladodemaneira clara e jamais opoderia ser, poisvariadeindivíduoparaindivíduoedemomentoparamomento.Dessemodo,continuaoautor,senãoexisteumvalorartísticoeterno,massomenteumvalorrelativo,ovalorartísticodeummonumento
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Ademais,paraRiegl,monumentoshistóricoseramnãoapenasas“obrasdearte”,masqualquerobrahumanacomcertaantiguidade(paraele,qualquerobracommais de sessenta anos, que equivale ao distanciamento crítico de duasgerações)11, contrapondo-se assim às políticas de preservação que se voltavamapenasaosobjetosdeexcepcionalrelevânciahistóricaeartística.Napráticade intervenções,comomencionado, forabastantecomumnaEuropadoséculoXIXeiníciodoséculoXXabuscadeumestadosupostamentecompletoe original, resultando em críticas e ardorosos debates pelas perdas de diversasestratificações da obra, que deturpam o documento histórico, e pelo fato dereinserir,navidadascomunidades,demodoviolento,umarenovadaimagemdaobra,semprecedentesetotalmentediversadaquelaqueseconsolidaraaolongodo tempo. A ênfase no valor documental se firmaria nas discussões em âmbitointernacional somente no século XX, através das propostas de vários autores,destacando-se as idéias de Gustavo Giovannoni que teriam repercussão nareuniãode 1931doOffice International desMusées (da SociedadedasNações)realizada em Atenas, que resultou numa publicação, La conservation desmonuments d’art et d’histoire. Giovannoni participou ativamente na elaboraçãododocumentofinal,conhecidocomoCartadeRestaurodeAtenasde1931.Ou seja, restaurar não mais é voltar ao estado primitivo da obra, nem a umestágio anterior qualquer. Isso, em textos de caráter normativo, pelo menosdesde1883,aoserelembrardoambienteitalianoedasresoluçõesdoCongressodeEngenheiroseArquitetos,adotadaspeloMinistériodaEducaçãodopaís.Emâmbito austríaco, pelo menos desde as proposições de Riegl. No contextointernacional, desde a Carta de Restauração de Atenas. Restaurar é respeitarplenamente qualquer obra reconhecida como bem a tutelar, em suas váriasestratificaçõeseemseu transcursoao longodo tempo, independentedamaioroumenorapreciaçãopeloseuvalor“artístico”,algoreiteradonaCartadeVeneza,de1964.As transformaçõesqueocorreramnocamponão foramnemhomogêneas,nemlineares.Noentanto,ao longodessesváriosséculosdeexperimentações,houveum contínuo intercâmbio entre teoria e prática e alguns modos de operar,consideradosmais respeitosos e inclusivos, acabaram por ser reinterpretados eintegradosnasatuaistendênciasdarestauração.”
nãoéumvalorde rememoração,masumvalor atual, de contemporaneidade.A conservação,pois,deve levar isso em conta, por se tratar de valor flutuante e é também por isso que baseia suaspropostasno“valordeantigo”.11VerS.Scarrocchia(org.),op.cit.,1995,pp.91-110;55-73.
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RELEITURADATEORIADORESTAURONOSEGUNDOPÓS-GUERRAOPENSAMENTODECESAREBRANDI.ORESTAUROCRÍTICO
BibliografiadeapoioBASILE, Giuseppe. “A Atualidade da Teoria da Restauração de Cesare Brandi: Alguns
Exemplos”,Pós.RevistadoProgramadePós-GraduaçãoemArquiteturaeUrbanismodaFAUUSP,2004,n.16,pp.143-146.
______.BreveperfildeCesareBrandi,Desígnio,2006(2007),n.6,pp.49-56.______.“ARestauraçãosobaLuzdaTeoriadeCesareBrandi:OCasodasPinturasMurais
daBasílicadeSãoFrancisco,emAssis”,Pós.RevistadoProgramadePós-GraduaçãoemArquiteturaeUrbanismodaFAUUSP,2004,n.16,pp.134-142.
BRANDI,Cesare.TeoriadaRestauração.SãoPaulo,Ateliê,2004.CARBONARA,Giovanni.AvvicinamentoalRestauro.Napoli,Liguori,1997,pp.5-45.______.“BrandieaRestauraçãoArquitetônicaHoje”,Desígnio,2006(2007),n.6,pp.35-47.JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth,1999,pp.223-293.KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização.
Problemasteóricosderestauro.Cotia,Ateliê/FAPESP,2009,pp.65-80.______.Brandieateoriadarestauração,Pós.Revistadoprogramadepós-graduaçãoem
arquiteturaeurbanismodaFAUUSP,2007,n.21,pp.198-211.http://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/43516/47138
______. Paul Philippot, o restauro arquitetônico no Brasil e o tempo. Conversaciones,MéxicoDF,vol.1,n.1,pp.53-64.2015http://conservacion.inah.gob.mx/publicaciones/?s=ConversacionesVIVIO,Beatrice.Reconstruçãonopós-guerraereintegraçãoarquitetônica,Pós.Revistado
programadepós-graduaçãoemarquiteturaeurbanismodaFAUUSP, 2010,n.27,pp.217-230.
ParaorestaurocríticoeaCartadeVeneza,ver:KÜHL,BeatrizMugayar.NotassobreaCartadeVeneza.AnaisdoMuseuPaulista,Dez2010,vol.18,no.2,p.287-320.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142010000200008&lng=pt&nrm=isohttp://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/5539Buscadeunidadedemétodoedeprincípios
• filiarrestauroaopensamentocríticoeàsciências• contraposiçãoaoempirismo• consequência de séculos de experimentações práticas e formulações
teóricas• necessidadedométodoparaseteracessoàobjetividade• unidadedemetodologiaéviável:existemprincípiosgerais(algodiverso
deregrasfixas)comunsatodoocampo• oquevaria:meiospostosemprática
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• emfunçãodarealidadedaobraouconjuntodeobra• edeseuparticulartranscursoaolongodotempo.
PráxisnoséculoXIXeiníciodoXX• prevaleciabuscadeestadocompleto• visãoidealizadadaprópriahistóriadaarte• sacrifíciodeváriasfasesdapassagemdaobranodecorrerdotempo• substituiçõesealteraçõesmaciças
RestauroFilológico:BoitoeGiovannoni
• ExperiênciasdoXIX:reformuladasporBoitoereiteradasporGiovannoni• ênfasenovalordocumentaldasobras• evitaracréscimoserenovações• senecessários,caráterdiversodooriginal,masdemodoanãodestoar• completamentos: material diverso, ter incisa a data da restauração,
formassimplificadas• obrasdeconsolidação:limitar-seaoestritamentenecessário• respeitarasváriasfasesdomonumento• registrarasobras• enunciaçãodeabsolutorigor:coerênciadeprincípios• mascoma2aGuerraentraemcrise• nãotinhacomoenfrentarrestaurosdemassa• nãolevavaemcontanovas“aquisições”dopensamentosobreaarte• seusprincípios“científicos”nãoperderamavalidade• mas se mostraram incapazes de ir além da realidade documental do
edifício• reduzidacompreensãocríticadarealidadefigurativadomonumento
Anos1940:textosdegranderelevânciaquepermanecemcomaspectossempreatuais
• CesareBrandi,RobertoPane,RenatoBonelliePaulPhilippot• certaposiçãodeconsensointernacionalnaCartadeVeneza,de1964• buscasparalelasqueconvergiramemalgunstemas• meiosdeulteriorcríticaeaprofundamentorecíprocos• Pane,Bonelli:pensamentosobreartecomraízesemCroce• Brandi: formulações autônomas comvinculações à fenomenologia e ao
neokantismoPensamentoBrandianoeRestauroCrítico:
• nãosepodeentenderaobradeartedesvinculadadotempohistórico• nemodocumentohistóricocomoalgodestituídodeumaconformação• restauração:sairdoempirismoevincular-seàsciências
CesareBrandi(1906-1988)
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• graduadoemdireitoeletras• 1928-30:posiçãoderelevonacríticaenahistóriadaarteenaestética• obrassobreestética:
Carmineodellapittura(1962)Celsodellapoesia;Elianteodell’Architettura(1956)Leduevie(1966)Teoriageneraledellacritica(1975)
• 1939-1960: encarregado de fundar e dirigir o Istituto Centrale delRestauro
• passosfundamentais:articulaçãodas“instâncias”estéticaehistórica• conceitoderestauraçãocomoatividadefilológica:filologiaemato(1954)• voltadaarestituirotextosobreviventedaobradearte
Dessescritérios“descende”aorganizaçãodoICR:• “Aorganizaçãodo Instituto, sendobaseadanoconceitode restauração
como crítica filológica, segundo o qual se recomenda de restaurarinicialmenteaquiloquerestadeumaobradearte,adireçãodoInstitutofoi confiada não a um restaurador, mas a um historiador da arte,secundado por um comitê técnico, composto de arqueólogos, dehistoriadoresdaarteedecríticosdaarte.”
TextosFundamentaissobrerestauração:1963• TeoriadaRestauração• VerbeteRestauronaEnciclopédiaUniversaldaArte
TeoriadaRestauração(Cotia,Ateliê,2004)
• ObradeArte:“Revelar-se-á,então,depronto,queoprodutoespecialdaatividadehumanaaque sedáonomedeobradearte, assimoépelofato de um singular reconhecimento que vem à consciência:reconhecimento duplamente singular, seja pelo fato de dever serefetuado toda vez por um indivíduo singular, seja por não poder sermotivadodeoutraformaanãoserpeloreconhecimentoqueoindivíduosingularfazdele”.[p.27]
• Pontodepartida:fenomenologiadeHusserlCelsoodellapoesia:objetoartísticoéfrutodoseguinteprocesso
• apósneutralizaçãoexistencialdoobjetoreal• torna-sefenômeno=imagemfuncionalizadanaconsciência• faculdadepresentenoprocessocognitivodoartista• artista-selecionaaspectosópticosparaformaçãodaimagem• aninha-seprocessodeconstituiçãodoobjeto
Passosfundamentais
• 1º:constituiçãodoobjeto• artistaassumeaspectoda realidade (“objeto”), atribuindo-lhevalências
simbólicas
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• buscadeumaformaadequadaparatorná-losensível• 2º:formulaçãodaimagem• “objeto”érealizadoepassaafazerpartedavidadetodos• realidadediferentedaquelaexistencial• fruidor: percebe através da lógica profunda da obra, sua estrutura
ontológica• obranãosecompreende,massereconhece• modoparticular do existir daobra: “astanza”: ser nomundo, realidade
pura• consciênciadaquelequefrui:écapazdeperceberaestruturaontológica
daobra• paraBrandi,obranãosecompreende:reconhece-se• possibilidadecontínuadoreconhecimentonotempo
DefiniçãodeRestauro:[p.30]“o restauro constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra dearte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica,comvistasàsuatransmissãoaofuturo.”Consistênciafísicatemprioridade
• poiséolocaldamanifestaçãodaimagem• amatériaéomeio,enãootrâmite• 1oaxioma:“restaura-sesomenteamatériadaobradearte.”[p.31]• hoje: parece estranha a colocação, deu origem a várias interpretações
apressadas.• mas pensando-se no período em que Brandi formulava seus preceitos
teóricos, em que predominava empirismo, em que correções,intervençõesarbitráriasemodificaçõesdaimagemeramcomuns.
Carbonara:Questionidiprincipioedimetodo,p.16• intuiçãodoartistaquesetransformaemexpressãofísica• Croce: obra nasce na consciência do artista e depois é fixada em
determinadomaterial• obra:realidadepura,incorruptível• material:degrada-se• daídecorreo1oaxiomadeBrandi:restaura-sesóamatéria• matériaeimagemnãoestãoapenasladoaladomassãoaextensãouma
daoutra• matéria:desdobramentoentreestruturaeaspecto-distinçãosutil• intervenções devem ser imperceptíveis à distância,mas visíveis emum
examemaisatento-novamenteoexemplodoArcodeTito• restauraçãonãosedevedissimular,masseauto-documentar• preocupação da distinção entre original x autêntico: deve-se conservar
aquiloqueéautêntico,enãovoltaraooriginal
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Instânciaestéticadetémaprimazia
• masnãosedevemenosprezaroaspectohistórico• 2oaxioma [33]: “o restaurodeve visar ao restabelecimentodaunidade
potencialdaobradearte,desdeque issosejapossívelsemcometerumfalso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar qualquer traço dapassagemdaobradeartenotempo.”
Obradearte
• éuminteiro,mesmosefisicamenteavariada• nãoéumtotal(somatóriodaspartes)• deverácontinuarexistindopotencialmentecomoumtodo• reintegraçãodaimagem
Tempos:• 1.formulaçãodoartista• 2.intervaloentreofinaldoprocessocriativoeomomentoemquenossa
consciênciaatua• 3.açãodaconsciência:énesse3otempoquedeveserfeitaaintervenção• Restauronãodeveimpedir,devefacilitarintervençõesposteriores
AdiçõeseRefazimentos• adição:novotestemunhodofazerhumanoedotrânsitodaobradearte
notempo• preservaçãodasadições:atoregular;remoção,excepcional• pátina:testemunhodotempotranscorrido:devesermantida
p. 31: “Na verdade, apesar de o reconhecimento dar-se sempre na consciênciasingular, naquele mesmo momento pertence à consciência universal, e oindivíduo que frui daquela revelação imediata, impõe a si próprio o imperativocategóricocomooimperativomoral,daconservação.”Brandi–ênfase
• carátermultidisciplinar;jamaisindividualearbitráriodorestauro• filiarrestauroaopensamentocríticoeàsciências• contraposiçãoaoempirismopedestre• afastarpreservaçãodeatosarbitrários
Exemplo:Viterbo:CappelaMazzatostaemS.MariadellaVeritàBombardeamento:abrilde1944Iníciodostrabalhos:julhode1944[BRANDI, Cesare. In situ. La Tuscia 1946-1979: Restauri, interventi, ricordi. Viterbo, Sette
Città,1996.]• 20.000fragmentos:dasparedeseabóbadas:difícilseparação
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• plantadacapeladivididaemquadrados:recolhidosemcaixascomduplanumeração:àsvezes+de1caixaporquadrado,poissóumestratoporcaixa(número+letra)
• paradividireclassificar:maisde1ano• extenso uso da fotografia:mas os registros anteriores eram escassos /
necessárioajustesecorreçãoperspéctica• desenvolveu-se método de impressionar fotograficamente a tela
(preparada com caseato de cálcio) sobre a qual foram recompostos osfragmentos (que depois, devidamente consolidada e com o substratopreparado)foiaplicadanaparede
• problema maior: integração da imagem: aquele monte de fragmentosalgopiordoqueumcaleidoscópio
• lacunaseramdetalordemqueaimagemnãoserecompunha• necessárioreconstituircontinuidadeentrefragmentos,edeviarespeitar
oprincípioda restauraçãoque vetaqualquer acréscimo semelhanteaooriginal
• neutro ou meios-tons ou tom abaixo: alteram completamente oequilíbrio cromático / neutros: tendem a se comportar como figuras(Gestalt):obraemsifazpapeldefundo
• de perto se destacam dos fragmentos originais / mas de longe sedistinguem
• Brandidescreveinicialmenteprocessocomo“filamentos”(1945,duranteamostra)
• em texto de 1946: dá a denominação que assumiria “tratteggio” feitocomaquarela
• 1obancodeprovasda concepçãoedas técnicasmodernasde restaurodeobrasdearte
• concepção e técnicas radicalmente inovadoras e revolucionárias:premissascientíficas
Restauropreventivo
• tudoquepossaprevenirorestauro• tãoimportantequantoorestauroefetivo.• maséumerrocrerquesepossaimunizaraobraquantoàpassagemdo
tempo“[BRANDI, 2004, p. 100]: Por isso, definindo a restauração como o momentometodológico do reconhecimento da obra de arte como tal, a reconhecemosnaquelemomentodoprocessocríticoemque,tão-só,poderáfundamentarasualegitimidade;foradisso,qualquerintervençãosobreaobradearteéarbitráriaeinjustificável.Alémdomais, retiramosparasemprea restauraçãodoempirismo
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dos procedimentos e a integramos na história, como consciência crítica ecientíficadomomentoemqueaintervençãoderestauroseproduz.Mas, definindo a restauração nos princípios teóricos em vez de na práticaempírica,fazemosomesmoquenadefiniçãododireito,queprescindedasanção,dadoquealegitimidadedodireitodevefundamentaralegitimidadedasanção,e,vice-versa,nãosepodeisentarasançãodalegitimidadedeimpô-la;oqueseriaamaisevidentepetiçãodeprincípio.Comissonãodegradamosaprática,antes,elevamo-aaomesmoníveldateoria,dadoqueéclaroqueateorianãoteriasentidosenãodevesse,necessariamente,ser verificada na atuação, de modo que a execução dos atos consideradosindispensáveisquandodoexamepreliminaréimplícitanoreconhecimentodasuanecessidade.Por conseguinte, como a restauração não consiste apenas das intervençõespráticasoperadassobreaprópriamatériadaobradearte,dessemodonãoserátampouco limitada àquelas intervenções e, qualquer providência voltada aassegurarnofuturoaconservaçãodaobradeartecomoimagemecomomatéria,a que está vinculada a imagem, é igualmente uma providência que entra noconceito de restauração. Por isso é só a título prático que se distingue umarestauraçãopreventivadeumarestauraçãoefetivaexecutadasobreumapintura,porque tanto uma como outra valem pelo único e indivisível imperativo que aconsciênciaimpõeasinoatodoreconhecimentodaobradeartenasuadúplicepolaridadeestéticaehistóricaequelevaàsuasalvaguardacomoimagemecomomatéria.”[BRANDI,2004,p.94]”Aconteceque,searestauraçãoérestauraçãopelofatodereconstituirotextocríticodaobraenãopela intervençãopráticaemsieporsi,deveremos, nesse ponto, começar a considerar a restauração semelhante ànorma jurídica, cuja validade não pode depender da pena prevista, mas daatualizaçãodoquerercomquesedeterminacomoimperativodaconsciência.Ouseja,aoperaçãopráticaderestauroestará,emrelaçãoaorestauro,assimcomoapena em relação à norma, necessária para a eficiência, mas não indispensávelparaavalidadeuniversaldapróprianorma.Éporissoqueaprimeiraintervençãoquedeveremosconsiderarnãoseráaqueladireta sobre a própria matéria da obra, mas aquela voltada a assegurar ascondiçõesnecessáriasparaqueaespacialidadedaobranãosejaobstaculizadanoseuafirmar-sedentrodoespaçofísicodaexistência.”
• ànormacorrespondeuma“pena”,umamedidaconcreta;aumprincípio,correspondeumaconsequência
• assimcomoaoatocrítico,correspondeumaintervençãoprática• Vaiano: “realiza efetivamente o princípio abstrato e ontológico que
substancia a norma”. O autor continua: “Assim como a pena, a
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consequência jurídicadanorma,nãopodeexistiranão serno respeitoda própria norma, a intervenção prática em si, semo respeito de seuspressupostos teóricos, individuados e codificados por Brandi, resultariaumapuraatividade subjetiva,deixadaaocaprichomomentâneodeumrestauradorqualquerimprovisado.”
• Portanto,deve-serespeitarosprincípiosdarestauração,correspondenteànormajurídica–quegarante,apesardo“casoacaso”darestauração
• atravésdepráticadeontológica,aretidãodaatividadepráticaemsi• restauro concebido na sua natureza de ato crítico e não apenas de
atividadeprática, atividadecríticadepesquisa, reflexão, juízoeprojetoque depende da “norma” da unidade metodológica, para depois setransformarnumaatividadepráticadeexecução.
Restauro(nosentidobrandiano)
• motivadopeloreconhecimentoquesefazdaobracomodadocultural• atohistórico-crítico: serentendidocomoaanálisedaobra (baseadano
“reconhecimento” da teoria brandiana), de sua conformação, de seusaspectosmateriais,edesuatransformaçãoaolongodotempo
• através de método fundamentado nos instrumentos de reflexãooferecidospelafilosofiaehistoriografiadaarte,críticaeestética
• meiosmais refinados para analisar a relação entre valores históricos eformaisdaobra, ancoradosde fatonahistoriografia enaestética.Nãomais se recorre aos “bons olhos, bom critério, boa experiência, bombalanceamento e muito boa vontade de pesar tudo, também osescrúpulos,comânimodesprovidodepaixãoedesinteressado”deBoito,nemao“bomsensoesentidoestético”deLouisCloquet.
Mas o fato de cada restauração constituir um caso a ser analisado de modosingular
• emrazãodascaracterísticasparticularesdecadaobraedeseuindividualtranscorrernahistória
• enãoobedeceracolocaçõesdogmáticas• nãosignificaqueaintervençãosejaarbitrária• Como jánotaraFrodl,a teoria tendeaumageneralização,enquantoos
monumentossãosempre“indivíduos”.Porqueentãoumateoria?• questionamento que perpassa as formulações das ciências em geral, e
das ciências humanas em particular, e, nesse sentido, é prudenteretomar Heidegger, por exemplo, que evidencia o papel do rigor e dométodo para se ter acesso a uma objetividade,mesmo na intrínseca enecessárianão-exatidãodasciênciashumanas12.
12 V. em especial: Martin Heidegger, L’époque des “conceptions du monde”, in: Heidegger, M.,
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• teoria justamente por refletir sobre o método para se chegar aoconhecimento.
• dada a responsabilidade envolvida – social e perante a história e asciências,nopresenteenofuturo–énecessárioresolveroproblemademodoqueaideiasubjetivasetorneacessívelaumjuízomaisobjetivoecontrolável
• objetividadesópodeseralcançadaatravésdareflexãoteórica13.• porissoarestauraçãodeveseguirprincípiosgeraisatravésdemétodoe
conceitos consistentes (e não regras fixas), para as várias formas demanifestaçãocultural
• mesmonadiversidadedosmeiosaseremempregadosparaseenfrentarosproblemasparticularesdecadaobra
• atohistórico-críticoancoradonahistóriaenafilosofia.Porseratohistórico-críticodeumdadopresentehistórico
• a restauração possui pertinência relativa, em relação aos parâmetrosculturais (esócio-econômico-políticosetc.)decadaépocaetambémnoqueserefereàquelesdeépocasanterioreseposteriores
• nãoépossívelpreverquaisserãooscritériosempregadosnofuturoque,comtodacerteza,serãodiversosdosatuais
• repercute inclusive na tarefa basilar da preservação, o inventário, que,também ele, é resultante da visão de um dado presente histórico epossuipertinênciarelativa
• preservação de monumentos históricos deve, por isso, ser discutida eenfrentadacomosinstrumentosevinculadaàrealidadedecadaépoca
• o fato de, no futuro, as posturas serem diversas, não exime um dadogruposocialdaresponsabilidadepelapreservaçãodosbensculturais14
• edaescolhadosbensaserempreservados• evidenciaaindamaisanecessidadedeseagir,sempre,demodocríticoe
fundamentado em relação ao legado de outras épocas, cominstrumentosdehoje
A restauração deve ter em vista princípios fundamentais, pensados de formaconcomitanteenãoexcludente:
• Distinguibilidade: pois a restauração (que é vinculada às ciênciashistóricas) não propõe o tempo como reversível e não pode induzir o
Cheminsquinemènentnullepart,Paris,Gallimard,1986,pp.99-126;cf.emparticularpp.104-106.13WalterFrodl,Concetti,valoridimonumentoe il loro influssosul restauro, in:Scarrocchia,op.cit.,pp. 401-412.V. emespecial, pp. 401-402.O texto temsuaorigememconferênciasde FrodlparaaEscoladeEspecializaçãoemRestaurodaSapienza,emRoma,noanoletivode1962-63.14AsanálisesdeBrandinessesentidosãobastanteatuais.V.CesareBrandi,IlFondamentoTeoricodelRestauro,Bollettinodell’IstitutoCentraledelRestauro,1950,n.1,p.8.
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observador ao engano de confundir a intervenção ou eventuaisacréscimoscomoqueexistiaanteriormente,alémdedeverdocumentarasiprópria.
• Re-trabalhabilidade:poisarestauraçãonãodeveimpedir,tem,antes,defacilitarqualquer intervenção futura;portanto,nãopodealteraraobraem sua substância, devendo-se inserir com propriedade e de modorespeitosoemrelaçãoaopreexistente.
• Mínima intervenção: pois a restauração não pode desnaturar odocumentohistóriconemaobracomoimagemfigurada.
• +compatibilidadedosmateriaisRestauraçãofundamenta-se
• no respeito pela obra, pela sua materialidade, pelos seus aspectosdocumentais.
• navisãocontemporâneamaisalargadasobreotema:bensque,mesmonãosendo“obrasdearte”,comotempoadquiriramsignificadocultural
• e que possuem valor documental e uma configuração, uma imagemfigurada. Ou seja, as instâncias histórica e estética, que devem serconsideradasconcomitantemente.
• bensequiparadoscomobensculturais,comoevidenciaGiovanniUrbani,não por mero comodismo ou para fazer com que duas coisasindecomponíveisseagreguem.
• necessário ater-se ao método e reconhecer e valorizar o caráterdocumentalnasobrasdearte(restauro:nãosevolta“exclusivamente”aaspectosestéticos)
• mas, também, a configuraçãodos “demais” produtos (ou seja, não são“meros”documentoshistóricos)
• fazendocomqueoprocedimentocomoumtodosetorneumprocessodeaprofundamentocognitivo
• luzessobreváriosaspectosdosbc,comconsciênciaquetodasascoisasque se referem ao homem e à sua história podem ser consideradasobjetosdeanálisecientífica15.
Restauro
• fundamentadonaanálisedaobra• deseusaspectosfísicos• desuascaracterísticasformais• deseutranscorrernotempo
15GiovanniUrbani,Aspettiteoricidellavalutazioneeconomicadeidannidainquinamentoal patrimônio dei beni culturali, in: Giovanni Urbani, Intorno al Restauro, Milano, Skira,2000,p.23
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• para,atravésdeatocrítico,contemporizar,segundoBrandi• instâncias estéticas e históricas (que se relacionamentre si), e intervir,
respeitandoseuselementoscaracterizadores,como intuitodevalorizá-laetransmiti-laaofuturodamelhormaneirapossível.
• atocríticoque,alicerçadonoreconhecimentodaobradearteedeseutransformarnodecorrerdotempo,insere-senotempopresente
• jamaisdeveriasecolocaremqualquerumadas fasesporquepassouaobra(muitomenosnomomentodesuacriação)enuncadeveriaproporaimitação
• devesempreseraçãoareinterpretarnopresentequesecoloca,segundoPhilippoteBrandi,como“hipótesecrítica”–ouseja,nãoéumatese,quesequerdemonstraratodocustoàsexpensasdodocumentohistórico
• daí toda a prudência conservativa e os princípios da distinguibilidade,reversibilidadeemínimaintervenção–
• voltadaparaatransmissãodobemparaaspróximasgerações• éatoderespeitopelopassado,feitonopresente,quemantémsempreo
futuronohorizontedesuasreflexões.Preservaçãodaobraarquitetônicaemseuambiente
• inalienabilidadedomonumentocomoexterior:– ilegitimidade da decomposição e recomposição de um
monumentoemlugardiversodaqueleondefoirealizado;– alegitimidadedadecomposiçãoerecomposiçãoligadaapenasà
salvaguardadomonumento,quandonãoforpossívelassegurara sua salvação de outro modo, mas sempre e somente emrelaçãoaosítiohistóricoondefoirealizado.
Brandi,Teoria,apêndice3:InserçãodeElementosContemporâneos
• restabelecimentoda“unidadepotencial”daobradearte• procurar desenvolver sugestões contidas na própria obra ou em seus
fragmentos,• buscando unidade que “concerne ao inteiro, e não a unidade que se
alcançanototal”(total=somatóriodepartesisoladas)Elementosdesítioshistóricoscujadesapariçãodeturpouconfiguração:
• se elementos desaparecidos não eram obras de artes, reconstituiçãoadmissível
“falsos”maspornãoseremobrasdearte,nãodegradariamaqualidadeartísticadoambiente
• setivessemsidoverdadeirasobrasdearte:reconstituiçãoinadmissível ambiente:recompostoatravésdenovaobraquesebaseassenosdadosespaciaisdo monumentodesaparecido jamaisretomardadosformais
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AlgunsequívocosrecorrentessobreBrandiquedevemserrebatidos• a reintegração da imagem, desenvolvendo a unidade potencial, não
podeserconfundidacomintegraçõesaoidêntico:asreintegraçõessãosempre diferenciadas (sem cometer um falso artístico, nem um falsohistórico)
• pelo fato de Brandi afirmar que o processo do “reconhecimento” daobradearteé“reconhecimentoduplamentesingular,sejapelofatodedever ser efetuado toda vez por um indivíduo singular”, em razão dopróprio processo descrito anteriormente, alguns deduzem que aintervençãoderestauroseja,porisso,umatoindividual,emquecadaumfazoquequer.Pelocontrário,oesforçodoautorvolta-seaafastara restauração do empirismo e da arbitrariedade e a vinculá-la aométodoeaoprocessohistórico-críticodeformarigorosa.ProvadissoétambémaprópriaorganizaçãoqueBrandiimprimiuaoInstitutoCentralde Restauração – de cuja fundação participou, em Roma, em 1939,dirigindo-oporduasdécadas–,queenvolviaprofissionaisdevariadasformações, o que evidencia ainda mais o caráter multidisciplinar ejamaisindividualearbitráriodarestauração
• OutrafalsacrençaemrelaçãoaopensamentodeBrandiéquestionarseaTeoriaseriaaplicávelaobraspelasquaiselenãotinhamaiorapreço,como,porexemplo,aarquiteturadoséculoXIX.Essetipoderaciocíniose constitui num sofisma. Vincular o restauro ao processo histórico-crítico é afastá-lodoempirismoeda arbitrariedadepara ancorá-lo àsciências, impondo à ação do restaurador o respeito a uma sólidadeontologiaprofissional,baseadaemmétodocientífico, independentede sua “opinião” pessoal sobre uma dada obra. Se a obra foireconhecida comobemcultural (sendoounão tuteladapor lei), deveserrestauradacomtodoorigor
• A Teoria não é uma simples coletânea de textos que conformam ummanualpráticoderestauração.Trata-sedeumaconsistenteconcepçãoe formulação do restauro, que oferece umaunidade demétodo e deconceitosparaguiaraatividadepráticaderestauro.
• No polo oposto, muitos consideram as formulações de Brandiexcessivamente teóricas, e que o livro foi concebido como textofilosófico, desvinculado da prática. Esse é um grave engano, pois aTeoria é a consubstanciação de décadas de formulações teóricas doautor associadas à sua experiência (prática) à frente do Instituto comrepercussões na práxis. A Teoria é articulada com os seus escritosanteriores e com a sua experiência didática no ICR, com aulasdestinadas à formação de corpo profissional capacitado do ponto devista teórico-crítico e operacional. Suas formulações teóricas nãoestavamdesvinculadasdapráticadoInstituto;antes,regiam-naeeram,
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por isso,continuamenteverificadaseconfrontadas.Econtinuamasê-lo, uma vez que as proposições de Brandi seguem como referênciasincontornáveis na formação dos alunos do ICR e nas restaurações alifeitas
• Há ainda o equívoco recorrente de decretar superado e inaplicável,para a arquitetura, o pensamento de Brandi. Se estivesse superado,significariaqueosconceitospresentesnas formulaçõesdeBrandinãomaispodemserrepensadosparaascircunstânciasatuais,tornando-seinoperantes – algo que a reflexão teórica e a atuação prática, hoje,negam.Sãoexemplos,entreoutros,as formulaçõesdeHeinzAlthöferpara as obras de arte moderna e contemporânea, baseadas na suaexperiência à frente do Restaurierungszentrum de Düsseldorf, assimcomoasdeMicheleCordaro,quetrabalhatambémcomtemasdeartemodernaecontemporânea,incluindo-seocinema,emsuaatuaçãonoICR. Uma coisa diversa é afirmar que existem diferentes posturas naatualidade;issoéalgoquesempreocorreuequecontinuaaacontecerno campo da restauração; existem correntes não-brandianas (e atémesmo antibrandianas), mas isso não significa superação dopensamento brandiano; no máximo, discordância e pluralidade.Ademais,paraaquelesquenãocrêemnapossibilidadedeaplicaçãodospreceitos brandianos à arquitetura, convém examinar a recentecontribuição de Carbonara (2006), que tem por tema Brandi e arestauração arquitetônica hoje, evidenciando, tanto através deinstrumentos conceituais, quanto a partir da análise de exemplos deobras restauradas de fato, que a teoria brandiana continua a seraplicada na prática, inclusive para a arquitetura moderna – temasdestacados também por Claudio Varagnoli e por Simona Salvo – emespecial no que concerne ao restauro do arranha-céu da Pirelli emMilão, em 2003-2004, conduzido segundo sólidas premissas teórico-metodológicas(ecomexcepcionaladequaçãooperacional),comraízesnopensamentodeBrandiedorestaurocrítico.
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PESQUISA,INVENTÁRIO,LEVANTAMENTOMÉTRICO-ARQUITETÔNICO:INSTRUMENTOSPARAAPROFUNDAMENTOCOGNITIVO
Algumasreferências:CARBONARA,Giovanni(Org.).Trattatodirestauroarchitettonico.SecondoAggiornamento.Torino,Utet,2008,pp.1-191.
1. GiorgioTorraca.Scienza,tecnologiaerestauro2. MicheleCuruni.Sviluppidelrilevamentoarchitettonico3. AntonellaNegri.TecnologieinformaticheperLaconservazione4. CarlaBartolomucci.NuovimetodiperLadocumentazione5. NicolaSantopuoli, LeonardoSeccia. Il rilievodel colorenel campodeibeni
culturali.6. Nicola Santopuoli, Leonardo Seccia. Sviluppi delle tecniche analitiche e
disgnostiche7. CHIAVONI,Emanuela.Ildisegnodioratoriromani,Roma,Gangemi,2008
DOCCI, Mario; MAESTRI, Diego. Manuale di rilevamento architettonico e urbano. Bari,Laterza,1994DOCCI,Mario;Chiavoni,Emanuela.Saperleggerel’architettura,Roma,Laterza,2017MARINO,Luigi.Ilrilievoperilrestauro.Milano,Hoepli,1994.STROLLO,Rodolfo(Org.).Disegnoerestauro.Roma,Aracne,2010.Revista:Drawing /Disegnare. BiannualMagazine of theDepartment ofHistory,DrawingandRestorationofArchitecture–SapienzaRomeUniversityIdentificação dos bens considerados de interesse cultural: processonecessariamentemultidisciplinar.
• mesmo as análises voltadas especificamente às manifestaçõesarquitetônicas
• construções são extremamente variadas: exemplo: edifícios resultantesdoprocessodeindustrialização
Bensculturaisrelacionadosaoprocessodeindustrialização:• relevantesnacomposiçãodasmaisvariadaspaisagens,urbanasounão• caracterizandoterritórioemqueestãoinseridos• associados a ciclos econômicos de importância, que tiveram, ou ainda
têm, papel essencial na vida de comunidades, pontuandotransformaçõesporquepassaram
• relacionados,muitasvezes,amovimentossociais–comoreivindicaçõespor melhores salários e condições de trabalho – palco de formas desociabilidadeasmaisvariadas
• vinculados também a questões memoriais e simbólicas da mais altarelevância.
• também associados saberes associados à produção, às formas detrabalho e, ainda, os instrumentos, desde as ferramentasmais básicasatéomaquináriomaiscomplexo.
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• por fim, compreendem os mais variados tipos de edificações – nãoapenas as unidades voltadas diretamente à produção, mas toda umasériedeoutrasconstruçõesaelasvinculadas,aexemplodehabitações,edifíciosparaeducaçãoesaúde,igrejas,e,ainda,asquedizemrespeitotambémàproduçãodeenergiaeaosmeiosdetransporte
Interesseporessetipodepatrimônioeastentativasdepreservá-lo:• aparecemdemaneiraincipienteaindanoséculoXIX• maissistemáticosapartirdemeadosnoséculoXX• destruiçãodealgunsedifíciossignificativos,emespecialna Inglaterra–
comasdemoliçõesdaEstaçãoferroviáriaEustonedaBolsadeCarvão,emLondres,ambasem1962+MercadoCentraldeParis,iníciodosanos1970–
• acentuou o debate e a atenção popular, respaldados por crescenteinteresse acadêmico associado a variadas correntes historiográficas,desdedécadaanterior.
• esforços voltados à definição de “arqueologia industrial”, que recebeudeKenethHudson,em1963,umacaracterizaçãobastantealargada:“adescoberta,registroeestudodosresíduosfísicosdeindústriasemeiosdecomunicaçãodopassado”
• Desde 1as definições: inclusão dos meios de transporte, por seremconsiderados parte essencial do processo de industrialização. Outradefinição abrangente é a de Angus Buchanan (1972, p. 20-21): ênfasetambémnosprodutos:“[...] arqueologia industrial é um campo de estudo relacionado com apesquisa,levantamento,registroe,emalgunscasos,comapreservaçãode monumentos industriais. Almeja, além do mais, alcançar asignificância desses monumentos no contexto da história social e datécnica.Paraosfinsdessadefinição,‘monumentoindustrial’équalquerrelíquiadeumafaseobsoletadeumaindústriaousistemadetransporte,abarcando desde uma pedreira de sílex neolítica até uma aeronave oucomputadorquese tornaramobsoletoshápouco.Naprática,porém,éútil restringir a atenção a monumentos dos últimos duzentos anos,aproximadamente[...].”• interesse da arqueologia industrial volta-se para processo de
industrialização como um todo, incluindo produtos; preservação,dirige-seaalgunsexemplares
• pressupõequehajareconhecimentodedeterminadosbenscomodeinteresse para a preservação, processo que, pela definição deBuchanan, e por várias outras que se seguiram, deve ser,necessariamente,multidisciplinar.
Recortecronológico• nas 1as definições: ênfase na chamada “Revolução Industrial” na Grã-
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Bretanha, algo revisto, pois fases de industrialização entre os váriospaíses variavam, alémde se ter consciência de que existiamatividadesindustriaisanterioresaoséculoXVIII
• dificuldadeemestabelecerlimitesprecisosentreatividadesartesanaiseindustriais.
CartadeNizhnyTagil,de2003,doTICCIH–criadoem1978,–
• períododeestudosévasto,apesardecontinuarmanifestaaênfasenosúltimosdois séculos emeio: “Operíodohistóricodemaior relevoparaesteestudoestende-sedesdeosiníciosdaRevoluçãoIndustrial,apartirda2ª½doXVIIIatéaosnossosdias,semnegligenciarassuasraízespréeproto-industriais”
• arqueologia industrial passa a ser entendida como um vasto campotemático (e não mais como disciplina, como proposto em algumasdiscussõesdasdécadasde1970e1980),quedeveserfundamentadoemreferenciais teórico-metodológicos de diversas disciplinas: “Aarqueologiaindustrialéummétodointerdisciplinarqueestudatodososvestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, aestratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagensnaturais e urbanas, criadas para ou pelos processos industriais. Aarqueologiaindustrialutilizaosmétodosdeinvestigaçãomaisadequadosparaaumentaracompreensãodopassadoedopresenteindustrial.”
• abarca,inclusive,opatrimônioimaterialeosprodutos• quando se fala de patrimônio industrial: pressupõe-se que estudos
multidisciplinaresdearqueologiaindustrialtenhamsidofeitos,tornandopossível a identificação dos bens de interesse para a preservação. Nadefiniçãodacarta:
“Opatrimônioindustrialcompreendeosvestígiosdaculturaindustrialquepossuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico.Estesvestígiosenglobamedifíciosemaquinaria,oficinas,fábricas,minaselocais de tratamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros deprodução,transmissãoeutilizaçãodeenergia,meiosdetransporteetodasas suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde sedesenvolveramatividades sociais relacionadas coma indústria, tais comohabitações,locaisdecultooudeeducação.”
Definiçõespontuamváriosaspectosrelevantes.• circunscrição do campo de ação e dos objetos de interesse,
evidenciando-sequeadefiniçãosevoltaaoprocessodeindustrializaçãoemsuainteireza
• nãoapenasunidadesdeprodução,mas tambémunidadesdeproduçãodeenergiaeosmeiosetransporte,necessáriosparacompreensãoampladaindustrialização.
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• definição de arqueologia industrial estava explicitado o interesse pelosprodutos,quenãoaparecemnadefiniçãodepatrimônioindustrial
• produtos, que podem compreender edifícios pré-fabricados, total ouparcialmente,devemtambémserconsideradospatrimôniodoprocessodeindustrialização
• menciona o complexo de atividades que dá suporte às indústrias,incluindolocaisondesedáasociabilidade,masasatividadessociaisnãosãopatrimônio(imaterial).
Estudosrealizadossobreessatemáticanasúltimasduasdécadas:• voltados,principalmente,paraadescriçãodeumsem-númerodecasos
deestudos–atravésdepesquisashistóricasouexemplosdeintervenção–muitasvezessemanálisescríticasesemampliaçãodiscussões
• apesar do aumento do número de estudos, publicações, encontroscientíficos,damultiplicaçãodeanálisesmonográficassobre indústriaseexperiências de intervenções nesses bens, não temhavido, emmedidaequivalente, reflexão aprofundada sobre conceitos, metodologia,princípios de preservação e, tampouco, esforços interdisciplinares desínteseque levemaumconhecimentomaisamplodopróprioprocessodeindustrialização
• acúmulo quantitativo de experiências, sem haver proporcional saltoqualitativo no debate e na compreensão do tema, sendo raríssimos osestudosmultidisciplinaresparaaidentificaçãodosbensdeinteresseparaa preservação, para a compreensão do processo de industrialização eparafundamentarprojetosdeintervenção
• retomar questões de método para favorecer articulação disciplinar epara estabelecer linhas temáticas que permitam indagações queaprofundem tanto aspectos específicos da questão (arquiteturaferroviária,porexemplo),quantoanálisesmaisabrangentesdoprocessodeindustrialização
• perscrutarainserçãodosbensnoespaçoeaolongodotempo,tambémem suas relações com a estruturação da cidade ou do território,articulação com aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos,envolvendo campos história (econômica, social, da técnica, daengenharia,daarquiteturaetc.),sociologia,antropologia
• infelizmente, a tão decantada interdisciplinaridade não aparece comfrequência na produção científica e o que se vê é uma “mono-disciplinaridade”noplural.
• complexos produtivos, que são em grande parte caracterizados pela
buscadaracionalizaçãodaprodução,possuemgrausmuitosdistintosdeelaboraçãoarquitetônica,comresultadosmaisoumenosbem-sucedidosnoquedizrespeitoàconformação
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• complexos:edifício,ouumconjuntodeedifíciosdebase;maioriasofreuacréscimos com o decorrer do tempo - aumento de produção, daalteração das necessidades, da incorporação do fabrico de outrosprodutos,comoapoio,ounão,aoprodutoprincipal
• ampliações podem ter sido previstas no projeto inicial; ou fruto deadaptações às contingências, com resultados díspares, mas queconformamasuasituaçãoatual
• nempor issoedifíciosmenosexitosos,oucomplexosmenoscoerentes,noqueconcerneàqualidadeformal,sãodesprovidosdeinteresse
• até mesmo edifícios modestos (ou conjuntos desiguais), podem sertestemunhos de experimentações técnicas e formais, ainda que mal-sucedidas, que estruturem um percurso importante de tentativas, queinteressamàhistóriadatécnica,econômicaetambémdaarquitetura,edevem,porisso,serpreservados.
• edifíciosaparentemente“insignificantes”dopontodevistadaqualidadeestéticaedassoluçõestécnicas,podemtergrandeinteresseportersidopalcodemanifestaçõesimportantesligadasaomovimentooperário,porexemplo,ouformasdesociabilidade(festas,teatroamadoretc.)quelhesconferemgrandeimportância.
• Mesmooscomplexos“menores”(porseremdedimensõescontidas,ounão se configurarem como grandes eminências da arquitetura daindustrialização) podem ser marcos de relevo na composição dapaisagemeimportanteselementosidentitários
• algunsdelespodemtertidopropostadetratamentopaisagísticodesuasáreaslivres,algoraroe,porisso,independentementedosêxitos,devemserpreservados.
• outro tema pouco estudado, que mostra que o interesse pode vir decamposdosaberosmaisvariados,étrabalhadoporJohnBox(1999),aoanalisar sítios industriais abandonados, fora de zonas urbanas, emespecial siderúrgicas e pedreiras. O autor mostra que as condiçõesambientais muito peculiares desses sítios podem levar aoestabelecimento de um ecossistema todo particular, com comunidadesbiológicas incomuns;essasáreasdevemserconservadas,pois,comodeinteresseambiental, independentementedetersuarelevânciahistóricareconhecida.
Dessemodo,paraidentificarosbensdeinteresseparaapreservação
• imperativaabordagemmultidisciplinar,pautadapelorigormetodológicodos vários campos do saber envolvidos; com os instrumentos domomentoemqueéfeitooprocessodeidentificação,quereconheçaasespecificidadesdessesbens
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• interesse pode advir dasmais variadas razões; por isso é indesejável eatémesmo,perigoso,queoreconhecimentovenha,exclusivamente,deum único campo, pois acarreta em risco de perda de testemunhosimportantes.
• cuidadosos estudos - identificação conscienciosa são necessários nãoapenasparainventário,quepoderesultarnoreconhecimentooficialpormeiodotombamento,porexemplo,mastambémparapolíticaspúblicasdepreservaçãomaisalicerçadaseconseqüentese,ainda,paraservirdebalizaparaosprojetosdeintervenção.
Projetosdeintervençãonumaobra(ouconjuntodeobras)têmdelevaremcontaessasanálises
• queservirãocomocondicionantesparaopartidoaseradotado• multidisciplinaridadeéaindaessencialparaentenderosobjetos
o compreensãoaprofundadadaobraedoambienteemqueestáinserida
o suamaterialidade (materiais, estrutura, técnicas construtivas –utilizando métodos não-destrutivos de levantamento ou,inclusive,destrutivos,senecessário)
o suas várias fases, até chegar à configuração atual (tipológica eformal,inserçãonapaisagem)
o elementoscaracterizadoreso problemasepatologias,eostratamentospossíveis(fazendouso
dos conhecimentos das áreas de química, física, engenharia,biologiaetc.).
o multidisciplinaridadeérelevantenafasedeanamnesequelevadiagnóstico correto para tratamento adequado e parâmetrosparaasdecisõesprojetuais;
• procedimentoessequeenvolvepesquisas
o histórico-documentais§ busca de documentos que se refiram ao edifício:
desenhos do projeto original, memoriais,levantamentos feitos após a construção, projetos deeventuais alterações, adições, etc. – determinar sepossível: proprietário, autor do projeto arquitetônico,autordoprojetoestrutural,nemsemprefeitosporummesmo profissional, o responsável pela escolha dosmateriais, seu fabricante, o diretor do canteiro deobras, fatos relevantes para a qualidade final daconstrução;verificar,também,seaobrafoiexecutadadeacordocomoprojetooriginalounão
§ NaCidadedeSãoPaulo:principaisacervos:
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§ Paraprojetosaté c. 1921.ArquivoHistóricoMunicipalWashington Luis. Parte do acervo está disponível narede: (Sistema de Registro, Controle e Acesso aoAcervo-http://www.sirca.com.br/site/
§ Para projetos posteriores a c. 1922: Arquivo deProcessos da Prefeitura (Secretaria Municipal deGestão Pública – DAF –3– DepartamentoAdministrativo Financeiro, o Arquivo Geral deProcessosdaPrefeituradeSãoPaulo)
§ AcervodeProjetosdaFAUUSP§ Paralelamente:análisesistemáticademapasreferentes
à cidade. No caso de São Paulo, plantas da cidadepodem ser obtidas em formato digital no sítio daSecretaria de Estado de Economia e Planejamento,Instituto Geográfico e Cartográfico, no endereço:http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas. consultar os mapas dos anos de 1881;1895; 1905;1913;1916;1924;1943;1951;1952
§ OMapaTopográficodoMunicípiodeSãoPaulo,Sara-Brasil, de 1930, o GEGRAN de 1974 (Sistemacartográfico metropolitano da Grande São Paulo –1/10000)eolevantamentoaerofotogramétricode1981daEmplasa,pesquisarnaFAUUSP.
§ ComplementarcomousoderegistrosatuaisoferecidospeloGooglemapseGoogleearth.
o Iconográficas: pertencentes a arquivos públicos (ex: Casa daImagem,DepartamentodoPatrimônioHistórico/ SecretariadeCultura/PrefeituradeSãoPaulo)eprivados
o Bibliográficas§ livrosdehistóriadaarquiteturaedacidadedoperíodo
daconstrução§ monografiassobreaobraousobreoautor§ tratadosdetécnicasconstrutivasemateriais,etc.§ → estabelecer comparações com outros edifícios
similares do mesmo período, sua relação com ostratados de construção e com a literatura técnica daépoca:evidenciarsemelhançaseparticularidades
§ ÍndicedeArquiteturaBrasileira(BibliotecadaFAU)§ Principais bibliotecas (para o caso de São Paulo):
FAUUSP;BibliotecacentraldaEscolaPolitécnicadaUSP(tratados de construção, técnicas construtivas) e a daEngenharia Civil; FFLCH-USP; biblioteca Mário de
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Andrade,doCONDEPHHATedoDPH.o registrofotográficoo estudos vinculadosàshumanidades;de viabilidadeeconômica,
urbanísticoso arqueológicosetambémanálisesquímicas,biológicasetc.o pormenorizado levantamento métrico-arquitetônico, com
instrumentostradicionais§ tomando as medidas totais e as diagonais para
determinara formadosambientes (trilateração),maisasparciaisparaadimensãoeposiçãodeaberturasetc.
§ pelométodo da poligonal clássica, fechada ou aberta(comusodeteodolitosetc.)
o + métodos e instrumentos digitais, se necessário: GPS, totalstation, GIS (Geographical Information System), HDS (HighDefinitionSystems)etc.
o Ex:multiespectrais+escâneresàlaser3d§ aescolhadosmétodosdelevantamentodeveserfeita
emfunçãodascaracterísticasdoedifícioedaprecisãoe dos dados necessários para o desenvolvimento doprojeto
§ isso vai repercutir na escolha dos instrumentos demedida capazes de fornecer a informação necessária(medidas de linhas, de ângulos, de alinhamentos,perpendicularidade,luz,caloretc.);
§ + escolha dos instrumentos de restituição, por meiodos quais se controlam e elaboram as informaçõesobtidas(tratamentodosmaisvariadosdados)
§ + elaboração gráfica do levantamento, na qual sãosintetizadososdadosobtidos e analisados (quenãoéum instrumento neutro: pela elaboração gráficaevidenciam-se e podem ser tornados mais claros, ounão,dadosimportantesparaoprojeto)
§ →olevantamentotemdeserprojetadoemfunçãodascaracterísticas do objeto e dos dados que devem serevidenciados
Processoresultaem:
• examedemateriaisetécnicasconstrutivas• estrutura• patologias• análisetipológicaeformal
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• entendimentodasfasesporquepassouaobra• desuaconfiguraçãoeproblemasatuais• respeitandoasváriasestratificações• instrumentosdereflexão:históriadaarteepelaestética• +várioscamposdisciplinarestrabalhandodeformaintegrada• parâmetros para a intervenção, para definir métodos de tratamento,
guiarasescolhasedecisõesprojetuaisIntervenção:tambémprojetoderestauração
• projetodearquitetura• relaçãoentreconservaçãoeinovação• liga-sedemodoindissolúvelaoprocessodeaquisiçãodedadoseanálise• maestrianoqueserefereàqualidadedoprojeto• objetivo: respeitar e valorizar a obra em seus aspectos formais,
documentaisemateriais• atodecultura• decisõesdeprojeto,inclusiveousoderecursoscriativos:subordinadosa
esseobjetivoExemplosdelevantamento
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VERTENTESCONTEMPORÂNEASDARESTAURAÇÃOBibliografiadeapoio:CARBONARA,Giovanni.AvvicinamentoalRestauro.Napoli,Liguori,1997,pp.393-439.______.Architetturad’oggierestauro.Unconfrontoantico-nuovo.Torino,Utet,2011.CHOAY,Françoise.AAlegoriadoPatrimônio.SãoPaulo,UNESP.2001,pp.205-237.JOKILEHTO, Jukka Ilmari. A History of Architectural Conservation. Oxford, Butterworth,
1999,pp.295-318.KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização.
Problemasteóricosderestauro.Cotia,Ateliê/FAPESP,2009,pp.81-100.PERGOLI CAMPANELLI, Alessandro. O restauro do complexo monumental do Templo-
CatedraldePozzuoli,Pós,2008,n.23,pp.187-193.______.RestauroContemporâneo:Algumasabordagens,RevistaCPC, 2008,n. 7,pp.20-
42.VIVIO, Beatrice. O novo no antigo hoje: modalidades de abordagem da intervenção na
preexistência arquitetônica, Pós. Revista do programa de pós-graduação emarquiteturaeurbanismodaFAUUSP,2010,n.27,pp.231-246
BibliografiacomplementarBELLINI,Amedeo.Tecnichedellaconservazione.Milano,FrancoAngeli,2003.DEZZIBARDESCHI,Marco.Restauro:Duepuntiedacapo.Milano,FrancoAngeli,2004.MARAMOTTIPOLITI,AnnaLucia.Lamateriadelrestauro.Milano,FrancoAngeli,1993.______. Passato, memoria, futuro. La conservazione dell’architettura. Milano, Guerini,1996.MARCONI,Paolo.Materiaesignificato.Roma,Laterza,1999.MIARELLI MARIANI, Gaetano. “I restauri di Pierre Prunet: un pretesto per parlare diarchitettura”,Palladio,2000,n.27,pp.65-92.TORSELLO, B. Paolo (Org.). Che cos’è il restauro. Nove studiosi a confronto. Venezia,
Marsilio,2005.Veraindaexemplosdo: International ‘DomusRestorationanPreservation’Prize:
http://www.premiorestauro.it/home-enRestauração:experiênciasdesdefinalXVIII
• 2séculosdeaçõessistemáticaseexperiênciaslegislativas• 1séculocomocampodisciplinarautônomo–multidisciplinar• métodosemateriaispróprios• basesdateoriamodernadapreservação• desdeanos60:ampliaçãodoqueéconsideradopatrimôniohistórico• nãomais“grandesobrasdearte”• todostestemunhosdaoperosidadehumanaqueadquiriramsignificação
culturalRestauração:Princípiosessenciais(nãosãoregras,nãosãofórmulas)
- oferecemumdirecionamento
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- devemsertrabalhados,todos,concomitantementedemaneiracrítica(enãoaplicarumdelesisoladamente)
• Distinguibilidade• Re-trabalhabilidade• Mínimaintervenção• +técnicascompatíveis
Existemtambémfinalidadescomunsàsrestaurações,
• Carta de Veneza: a restauração fundamenta-se no respeito pela obratendoporobjetivo“conservarerevelarosvaloresestéticosehistóricosdo monumento e fundamenta-se no respeito pelo material original epelosdocumentosautênticos”
• Carta ItalianadeRestaurode1972“amanteremeficiência,afacilitaraleituraeatransmitirintegralmenteaofuturo”osbensculturais.
• 2ºaxiomadarestauraçãoformuladoporBrandi(2004,p.33)tratadessaquestão: “a restauração deve visar ao restabelecimento da unidadepotencialdaobradearte,desdeque issosejapossívelsemcometerumfalso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum traço dapassagemdaobradeartenotempo”.
• através do restabelecimento da “unidade potencial” da obra de arte a
reintegraçãodesuaimagem–podendo-sefazeruso(masnãodevendo,forçosamente,vaiseropróprioestadodaobraassociadoaoatocríticoadeterminar)derecursostaiscomoremoçãodeadiçõesereintegraçãodelacunas–
• para que sua “artisticidade” possa continuar a semanifestar, sem queisso signifique, remoções e alterações aleatórias, completamentos aoidênticoe,muitomenos,unidadedeestilo
• para se alcançar a unidade potencial, deve-se procurar desenvolver assugestõescontidasnaprópriaobraouemseusfragmentos
• buscandoaunidadeque,deacordocomBrandi,“concerneao inteiro,enãoaunidadequesealcançanototal”(totalentendidocomosomatóriodepartesisoladas)
• Carbonara: para não incorrer em imitações, analisar a estrutura formalda obra, e não retomá-la literalmente - instrumentos e linguagempessoais e contemporâneos baseados na “forma formante” e não naimitaçãoda“formaformada”16.
16 Para discussão mais aprofundada e referências bibliográficas complementares sobre o tema, v.Carbonara, Avvicinamento, op. cit., em especial, pp. 414-415, retomando proposições de LuigiPareyson;DePareysonv.,p.ex.,Estetica.Teoriadellaformatività,Milano,Bompiani,2002.
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Ampliaçãodoqueéconsideradobemcultural=crisemetodológicanosprocessosdeintervenção
• “restauro crítico” e com os preceitos da Carta de Veneza se haviaconseguido,aomenosnateoria,certoequilíbrioeconsensonaformadeatuaçãoemrelaçãoaosbensculturais:períododeconvergência
Caminhosparaseatingirosobjetivosdapreservaçãonãosãounívocos• verificam-se variadas tendências – divergência maior em relação aos
anos 1960,mas proximidade é grande (e incomparavelmentemaior doquenoséculoXIX)
• masmuito daquilo que se faz emmonumentos históricos (na verdadecontra),hojeemdia,nãolevaemconsideraçãoosobjetivosdocampoe,naprática,acaba-sepordesrespeitaraquiloquesequerpreservar.
• tendênciasatuais:possuemdefatocaráterculturaleprocuramseguirosobjetivos da preservação, são fundamentadas em pelo menos doisséculosacumuladosdeexperiênciasedereflexõessobreotema.
• Itália: reflexão teóricae suaaplicaçãonaprática sãomais solidáriasdoqueemmuitosoutrosambientesculturais,algunsautoresdetectam,naatualidade,trêsvertentesprincipais.
Vertente de restauro que Carbonara denomina e interpreta como “crítico-conservativaecriativa”eMiarelliMarianichamade“posiçãocentral”:
• àqualsãovinculadosambososautores• alicerçadanateoriabrandiana• enareleituradeaspectosdochamadorestaurocrítico• restauraçãoassumeposiçãoconservativa,deformaprudente• quenãosignificacongelamento• enãoprescinde,propõe,quandonecessário,ousoderecursoscriativos
(utilizados,porém,comrespeitopelaobraenãoemdetrimentodela)• para tratar várias questões que podem estar, e em geral estão,
envolvidasnarestauração,taiscomoremoçãodeadiçõesereintegraçãodelacunas
• posturafundamentadanojuízohistórico-crítico,• naanálisedarelaçãodialéticaentreas instânciasestéticaehistóricade
cadaobra,casoacaso• exclui,naprática,interpretaçãomecânicaderelaçãocausa-efeito.• grande atenção aos valores documentais e formais da obra como
imagemfigurada• ampliaçãodaquiloquesepassouaconsiderarcomobemcultural:existe
grande número de obras que possuem valor prevalentementedocumental, a ser respeitado escrupulosamente, daí “vertente crítico-conservativa”
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• aproxima-se em certos aspectos da “conservação integral”, mas semesquecer que toda e qualquer obra possui uma conformação, umaimagemfigurada
• quedevesercontemporizadacomseusaspectoshistórico-documentais.Outravertenteéachamada“puraconservação”ou“conservaçãointegral”
• privilegiaainstânciahistórica• encaracomoopostase inconciliáveis,emseuâmago,a restauraçãoea
conservação• retomandoumadiscussãoquetemraízesnoséculoXIXeperpassapelas
formulaçõesdeDidron,Ruskin,Morris,BoitoeRiegl• contribuições de grande interesse oferecidas por autores vinculados a
essalinha,aexemplodosescritosdeBellini,Dezzi-Bardeschi,Maramottie,ainda,deB.PaoloTorsello
• importantes elementos para reflexão sobre realidade mais variada eabrangente.
Nessavertente,comoanalisadaporCarbonaraeMiarelliMariani• não se trabalha contemporaneamente como relação dialética das
instâncias estética e histórica, que em certos casos, através do juízohistóricocrítico(juízodevalor)
• poderia resultar na prevalência da instância estética, com ações taiscomo a remoção de adições ou tratamento de lacunas com vistas àreintegraçãodaimagem
• açõesqueacorrentedaconservaçãointegralrepudia• enfatizar:naconservaçãointegralamanutençãoéessencial,assimcomo
é primordial eliminar as causas de degradação e remover patologias esujeiras.
• conservaçãonãoémeroapêndicedorestauro,nemgraudeintervenção,comoexposto,porexemplo,naCartadeVeneza
• não existe distinção entre instâncias h e estética, que são fato único eincindível
• conformação decorre também da passagem do objeto pelo tempo e ainstânciahistóricadeveserrespeitadademodoabsoluto
• matériapreservadatalqualchegouaosdiasdehoje• retomam-se proposições de Riegl: não fazer sentido separar em
categoriasdistintasomonumentohistóricodomonumentoartístico,poistodaobradearteéfatohistóricoetododocumentohistórico–mesmoum pedaço de papel rasgado portando uma nota breve e semimportância–possuiconformação
Maramotti:Comalternadasvicissitudes,asteoriasderestauração,desdequando[essecampo]seconstituicomopráxisautônomaemrelaçãoàarquiteturaeàs
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artesfigurativas,oscilamentreduasfinalidades:adesalvaraobradearteou a de salvar o monumento histórico. Entre as duas instâncias seevidenciouumaespéciedeincompatibilidade.Orestaurador,comassuasconvicções, deveria optar entre uma e outra. Esse aspecto se tornafundamental na cultura do restaurador a tal ponto que as ‘cartas derestauro’assinalamasduasdiversastendências.NaItália,adeterminarosdois campos estão o Positivismo e a estética crociana. O primeiro é ofundamentodorestaurofilológicoedocientífico,asegundafundamentaorestaurocrítico.Entreosdoispólos cria-seumaáreaque faz seusalgunsaspectos de ambas as correntes, indiferentemente, e deixa comosubalternos outros, até fazer com que as diferenças desapareçam e atomar a decisão nomomento da escolha operacional. Essa é a teoria do‘casoacaso’.O problema não é aquele de escolher entre as três posições, é, aocontrário, remover a convicção de que a instância estética e a históricaperseguem fins contrastantes. O problema é, na verdade, vinculado àestética e à lógica, por um lado, e, por outro, de filosofia da história. Aantinomia entre arte e história (à qual se faz referência nas cartas derestauro,nostextosteóricosderestauraçãoenalegislação)épressuposta.Trata-sededesmantelaressepreconceitoqueconsideraaartepossíveldeser abstraída do tempo histórico e o documento privado de valoresestéticos17.
• restaurocrítico:instânciasestéticaehistóricasãoanalisadasinteragindo
através de dialética, mas não possuem autonomia absoluta, não sãodestacáveis, são faces de ummesmo bemmultifacetado, são aspectoscoexistenteseparitários.
• conservaçãointegralparte,comoexplicitaCarbonara• de correntes historiográficas que questionam a existência de
testemunhosrelevantes,eoutrosnemtanto,paraahistória• para responderdemodoafirmativo,deveria serpossível conhecimento
total,algoqueareflexãohistóricanega• enfatizando que juízos historiográficos são sempre relativos e
conhecimentodopassadoélimitado• juízohistórico-crítico“infalível”nãoexiste,sendoinvençãopositivistado
XIX
17AnnaLuciaMaramottiPoliti.Passato,Memoria,Futuro.Laconservazionedell’architettura.Milano,Guerini,1996,p.25.
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• portanto, não se deveria julgar, somente compreender, devendo-seprivilegiara instânciahistórica,ou seja,preservarodocumentoemsuaintegridade
• vertente crítico-conservativa: juízo histórico-crítico baseado na históriada arte e na estética, justamente para que seja juízo, e não opinião enemaçãoarbitrária
• com plena consciência de que é ato do presente – e, portanto, não éatemporalmenteválido–epossuipertinênciarelativa
• conservação integral: reconhecer que as várias estratificações da obra,
que devem ser rigorosamente respeitadas, possam apresentardescontinuidades, admitindo-se configuração final com conflitos e,mesmo,contradições
• projeto: não faz parte do processo de conservação, separação domomento da conservação, que busca perpetuar integralmente seusaspectosmateriais,daqueleda inovação,quesesegueàconservaçãoeseassemelhaaoprojetodo“novo”
• diferedacorrentecrítico-conservativaquetrabalhademodoarticuladocomomomentoconservativoeodeinovação
• criação,naconservaçãointegral:adiçãoàobra,excluindo,assimcomonavertente crítico-conservativa, qualquer possibilidade de imitação oumimetismo,conferindograndeespaçoparaaliberdadeexpressiva.
• depois de assegurada a conservação, permanência e respeito aodocumentohistóricoemtodasassuasfases,açãodepois:fasedistintaerecai de fato e direito no campo do projeto arquitetônico de modosemelhanteaoprojetodonovo
Bellini assim se manifesta sobre o assunto: “[...] e se separa radicalmente o‘projeto’sobreoexistente,de conservação, e sobre o novo, totalmenteautônomo,quetemumlimitefísicocomoobjetivodenãoser destrutivo,em senso lato, e [possui] uma própria liberdade expressiva que poderá semanifestartantona contraposição dialética como no acordo, excluídasemprequalquerfalsificaçãoestilística.Oespaço aberto à criatividade e àliberdadeexpressivaéimenso.”18
• Apesardesecomportarcomoprojetodonovo,cabelembraraspalavrasde Marco Dezzi Bardeschi a esse respeito: “um projeto do novocompatível mas não mimético, isto é respeitoso, dialeticamenteconscientee,aomesmotempo,declaradamentelegíveleautônomo”19.
Polooposto:“manutenção-repristinação”ou“hipermanutenção” 18 Amedeo Bellini, Teorie del Restauro e Conservazione Architettonica, in: Amedeo Bellini (org.),Tecnichedellaconservazione.Milano,FrancoAngeli,2003,p.53.19MarcoDezziBardeschi,Restauro,op.cit.,p.487.
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• tratamento através de manutenções ou integrações, ordinárias eextraordinárias
• retomam-seformasetécnicasdopassado,semmostrarquesetratadeintervenção recente, sendo um modo de se colocar contra o estadofragmentáriodobem
• mantendosuaconfiguraçãoeseusignificadolinguístico• Torsello: partedeumpragmatismodebase, provémdaprópriaobrae
baseia-senuma lógica indutiva,enquantoa teoriabrandiana,origina-senumalógicadedutivafundamentadaemaxiomaséticosecientíficos20,edepoissevoltaparaaanálisepormenorizadadaobraemseusaspectosmateriais,formaisehistóricos.
• “posição central” quanto a “conservação integral” preconizam adiversidade,
• “manutenção-repristinação”: pragmatismo de base, com tendência atrabalharporanalogia
• propensãoa trataro restauroarquitetônicocomocategoriaàparteemrelação à restauração de outros tipos de manifestação artística (emespecialorestauroescultóricoepictórico)
• por envolver trabalhos que se enquadram como manutenção -substituição de partes danificadas através de repristinações – masapenaseunicamentequandonecessário
• nãosedevepensar,porém,queessavertentelegitimariaasubstituiçãodeuma inteiracoberturaporquealgumas telhasestãodanificadaseháinfiltração!
• consolidaretrataroexistenteesubstituirapenasondesejaimperativo• o mais conhecido dos defensores dessa vertente no Brasil é Paolo
Marconi.Marconi
• defensordoempregodetécnicastradicionaisnarestauração• Marconi defende emprego de técnicas tradicionais para refazer
superfícies, afirmando que há duas opções possíveis: acatar a CartaItalianadeRestauraçãode1972edeixarosmonumentosàsuaprópriasorte; levar em conta os resultados dos estudos científicos feitos eestimular, ou pelo menos não condenar, as práticas de limpeza eproteçãodas superfíciesdepedrae tijolos - comoúnicaopçãoapodersalvaguardar,efetivamente,opatrimônioarquitetônico.
• dosdebatesquesedesenrolavam(esedesenrolam)resultouumanovacarta, a Carta 1987 della Conservazione e del Restauro - coordenadorPaolo Marconi – pretensão de substituir a Carta de 1972, integrando
20Torsello,Lamateriadelrestauro,Venezia,Marsilio,1988,p.24.
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algunsdeseusconceitoserenovandooutros,procurandotorná-lamaisflexíveleadaptadaaconhecimentosdeentão
• engano corrente no Brasil: carta de 87 jamais foi adotada oficialmentepelo Ministério dos Bens Culturais da Itália21. Permanece comoreferencial para a discussão, sendo conhecida como Carta do CNR deRestauração
• dopontodevistanormativopermaneceuepermanececomoletramorta• para o Ministério dos Bens Culturais, valem os princípios da Carta de
1972,comalgunstextoscomplementareseintegrativos,poisdocumentoincluía,alémdepreceitosteóricos,procedimentostécnicosconsideradosultrapassadosnaatualidade
• alguns autores, tais como Cordaro, Carbonara e Basile: cuidadosareleitura crítica da carta recomendam, é que se deva ater a seu cerneteórico e remeter a capítulos técnicos que tratem questões técnicas eoperacionais,aserrevistoseatualizados
Nosúltimosanos
• retomadadediálogoentreasváriastendências• mantendo-se,porém,osrespectivospontosdevistaseasdiversidades• não se busca um impossível novo caminho único que concilie posições
distintas,• masevidenciam-sepontosdeaproximação,algodistintodeacentuaras
diferenças.Desde o momento em que as teorias de Brandi e do restauro crítico foramformuladas, campo do restauro e da conservação alargou-se: repercussão decorrentes historiográficas, da antropologia e da sociologia - maior atenção aováriosaspectosedocumentosquesuportamaculturamaterial.
• definiçãodeBrandidemonumentos22:restauroeaconservaçãohojesevoltamnãomais apenasparaaquiloqueeraentendido como“obradearte”,masdirigemsuasatençõestambémàsobrasmodestasquecomotempoassumiramconotaçãocultural
• mesmo não sendo “obras de arte”, objetos possuem sempre umaconfiguração,quedeveseranalisadaerespeitada
• por isso a atenção da Carta de Veneza (e de Roberto Pane) com aconservação e também um aproximar, em certos aspectos, entrecorrente crítica e a conservação integral, tornando-se cada vez maisposturacrítico-conservativa
21 Foi o Ministério dos Bens Culturais que deu apoio à redação da Carta, mas não a adotouoficialmente,criandoumasituaçãobastanteincômoda.DezziBardeschirefere-seaodocumentocomo“oembaraçosoesqueletonoarmário”doMinistério.DezziBardeschi,Restauro,op.cit.,pp.445-446.22V.Brandi,StrutturaeArchitettura,Torino,Einaudi,1975,p.308
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• dessa concepção alargadadebens culturais deriva ênfase crescentedacrítico-conservativa aos aspectos documentais, sem renunciar à“reintegraçãodaimagem”(atravésdaremoçãodeadição,tratamentodelacunas etc.), ou seja trabalhar para “facilitar a leitura”, imagemnão énecessariamente limpa fácil e completa, admitindo-se, por respeitar odocumento histórico, conformação múltipla e, mesmo, fragmentada(semfetiche,porém,pelofragmento)
• aproximaçõescoma“conservaçãointegral”,semcontudoseassimilaraela, pois a reintegração da imagem continua a ser tema em discussão,apesardearemoçãodeadiçõeseotratamentodelacunasseremaçõescadavezmaisrestritas,tendendo-seaamplaconservaçãododocumentotalcomoseencontra,respeitandosuasváriasfases.
Porseratohistórico-críticovinculadoàhistóriaedeumdadopresentehistórico
• a restauração possui pertinência relativa, em relação aos parâmetrosculturais (esócio-econômico-políticosetc.)decadaépocaetambémnoqueserefereàquelesdeépocasanterioreseposteriores
• nãoépossívelpreverquaisserãooscritériosempregadosnofuturoque,comtodacerteza,serãodiversosdosatuais
• preservação de monumentos históricos deve, por isso, ser discutida eenfrentadacomosinstrumentosevinculadaàrealidadedecadaépoca
• o fato de, no futuro, as posturas serem diversas, não exime um dadogruposocialdaresponsabilidadepelapreservaçãodosbensculturais23
• edaescolhadosbensaserempreservados• evidenciaaindamaisanecessidadedeseagir,sempre,demodocríticoe
fundamentado em relação ao legado de outras épocas, com osinstrumentosdequedispomoshoje
• nocampo,essencialmenteaquelesvinculadosàhistóriaefilosofia
Daquiloquefoiexpostoanteriormente:• ao longo dos séculos, restauração vinculada a variadas correntes
historiográficas, ao pensamento sobre a estética e às ideologias deinterpretação
• econtinuadessemodoatéosdiasdehoje• retomam-secolocaçõesfeitasemespecialporautoresitalianos,pelofato
deseresseopaísquemaistêmproduzidoreflexõesnoqueserefereaospreceitosteóricosquedeveriamguiarasintervençõespráticas
23AsanálisesdeBrandinessesentidosãobastanteatuais.V.CesareBrandi,IlFondamentoTeoricodelRestauro,Bollettinodell’IstitutoCentraledelRestauro,1950,n.1,p.8.
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• raízes dessas formulações no país e seus desdobramentos, tambématravésdaoposiçãoentrepositivismoeestéticas idealistas, comopodeserverificadonopensamentodeBrandi,BonelliouUrbani,porexemplo.
• Torsello: reflexão sobre restauro hoje permanece praticamentecircunscritaàItália;
• outros países, discussão mais voltada para aspectos técnicos eoperacionais, procurando-se responder ao como se restaura, muitasvezestranscurandoasrazõesporqueserestaura
• resultandoemaçõestécnicasdesconexasdesuafinalidaderesponderaobjetivoscientíficos,éticoseculturais
• alguns ambientes: cisão. França: reflexões profundas – contribuiçõesentre as mais consistentes que se possa encontrar – sobre história,historiografia e memória (e esquecimento), desenvolvidas no meioacadêmico, mas não encontram repercussão nas ações de restaurocoordenadas pelos “ACMH “, cujas intervenções são guiadas,primordialmente,porquestõestécnicaseoperacionais
• nãoexisteaarticulaçãoentreo“porquê”eo“como”• na Itália, a tradição de reflexão teórica sobre princípios de restauração
que guiam as ações práticas (e as técnicas de intervenção) demodo arespeitar a história e amemória, apesar de todos os pesares, continuamuitoviva.
Torselloexpõe,porém,todaadificuldadedocampo
• apesar das inúmeras contribuições na área, as únicas definiçõesassertivas sobre restauração são as de Viollet-le-Duc e de Brandi,lembrando-seaindaadefiniçãocríticadeRuskin
• dessa lacuna e dos evidentes problemas do campo, surgiu ideia decolocar 9 estudiosos em confronto: cada um deles deveria oferecerdefiniçãoderestauro.
• escolheu-se o termo “restauro”, pois, apesar das diversidades e demuitosautorescontraporemaconservaçãoàrestauração,estaúltimaéreconhecidacomocampodisciplinar,enquantoaconservaçãonãooé
Importantesalientar,malgradotodaacomplexidade
• queasváriasvertentes,quetêmrepresentantesnosváriospaíses• apesardeporvezesoperaremdemaneiradistinta• preconizamrespeitoabsolutopelovalordocumentaldaobra• mesmonapluralidadedasformulaçõesedosdiversosmodosdecolocá-
lasemprática• preceitosteóricoseformasdeatuarpermitemcircunscrever,demaneira
pertinente,• campodorestaurocomoessencialmentecultural
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• formulações teóricas permitem que pelo menos se circunscreva e sedefinaocampodeaçãodemaneiraadequadaefundamentada
• separando-o daquilo que exorbita dos objetivos da preservação; poisuma coisa é possuir pertinência relativa; outra, é ser de todoimpertinenteaocampo.
• na prática: numerosas ações não respeitam o documento histórico,configuração,aspectosmemoriaiseespecificidadesecaracterísticasdosmateriaisdequesãocompostos
• ocorrem,masnãopoderiamserclassificadascomoaçõesdepreservação(apesar de se autodenominarem como tal), pois são ditadasessencialmente por razões de uso, de especulação econômica (paraobter maiores lucros), vinculadas a certas práticas políticas, inspiradasporvaidadeseignorâncias,pessoaisecoletivas
• ações de cunho pragmático, e não cultural – como se firmou econsolidouapreservaçãoaolongodeváriosséculos(doisoucinco,aoseconsiderar suas raízes no Renascimento) e, pelo menos desde Riegl,comocampodisciplinarcomadevidaautonomia,comseusreferenciaisteóricosemétodospróprios
• são ações ditadas por interesses imediatistas e de setores restritos dasociedadeenãoverdadeiramentevoltadasàcoletividadecomoumtodoconsiderandootempona“longaduração”
• conduzindo a resultados que vão contra os próprios objetivos dapreservação, a saber, tutelar e transmitir para o futuro, da melhormaneirapossívelosbensculturais,respeitandoseusaspectosmateriais,históricos,formais,memoriaisesimbólicos.
DiversidadeDistintasformasdeperceberosmonumentoshistóricosdevemcoexistir
• énecessário teremmentequeomovente,aquilo .de iníciomotivouapreservaçãonão foi seu valormonetário, nempossível aproveitamentoparaumusoqualquer
• preservação foi motivada pelo fato de se reconhecer um significadocultural–seuvalorestético(ou,mesmonãosendo“obrasdearte”,sãoobras que possuem imagem figurada) e histórico, e ainda os valoressimbólicos,emocionais,afetivos
• tornando-os dignos de medidas para ser tutelados para as próximasgerações.Portanto,deveriamseressasasrazõesprevalentesparaguiarasdecisões
• aparecerão conflitos: não significa que uma solução pertinente sejaimpossível.
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Nãosetratadeconservartudo,nemdedemoliroutransformar indistintamentetudo
• denotaria negligência, deixando-se assumir responsabilidade por açõesfundamentadas
• deve-sereconhecerquetodasasépocas,queasváriasfasesdaproduçãohumana,possueminteresseesãomerecedorasdeestudoetutela
• isso não se traduz em preservar qualquer testemunho legado pelopassado
• resultaemcertasescolhas,voluntáriasouinvoluntárias• ação propositiva de escolha, cabe uma ressalva damaior importância:
nãosetratadeopiniãopessoal,degostooucapricho;deve-setratardejuízo crítico consciencioso, formulado por equipes multidisciplinares ejamaisdeatoarbitrário.
É fato incontestável, em se tratando de intervenções em bens culturais quequalqueração
• pormaisrestritaqueseja,atémesmoobrasdemanutenção• ouumasimpleslimpeza,controladaelimitada,geramudançasnaleitura
daobra• implicamodificações• qualquerintervençãonumaobrasempreimplicamudanças• La Regina, as mudanças, em especial no que se refere à arquitetura,
resultamemdestruição(quedevesermínima)que,contudo,nãopodem“alterarilicitamente”aconsistênciafísicaeformaldosbense,portanto,devemserdecorrentesdejudiciosoprocessohistórico-crítico
• deve ser a restauração a condicionar as eventuais ações “não-conservativas”enãoocontrário
Apesardequalquerintervençãoimplicarmudanças• issonãodevesignificarcancelarfatoshistóricoseestéticosdeinteresse
para,naqueleespaço,sobrescreverumanovahistória• pormelhorquesejaessa“novahistória”• ação contemporânea deve se colocar como novo estrato, aposição,
justaposição, integração e jamais como eliminação ou substituição dedocumentoshistóricos
• paraforçarumanovarealidadetotalmentediversadaquiloqueláexiste.O fato é que os instrumentos oferecidos para a preservação, através das suasvertentesteóricas,sãoadequadosparaatuaremmonumentoshistóricos
• semdeformaredeturparodocumento,amemória,osbenslegadospelopassado,quefazemparteintegrantedenossopresente
• nãosetratadeimobilismo,congelamento,muitomenosdenecrolatria• preservaçãoélegítimoatoderespeitopelopassado
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• que,alicerçadonoreconhecimentodaobradearteedeseutransformarnodecorrerdotempo,insere-senotempopresente
• jamaisdeveriacolocar-seemqualquerumadas fasesporquepassouaobra
• devesempreseratodereinterpretaçãodopresente• emquesepropõe,demaneirasocialmenteeculturalmenteresponsável,
umarenovadaformadeserelacionarcomummonumentohistórico• voltadaparaatransmissãodobemparaaspróximasgerações• e, portanto, uma ação que mantém sempre o futuro no horizonte de
suasreflexões.Monumentossãoúnicosenãoreproduzíveis
• edevemportarconsigoparaofuturoseuselementoscaracterizadoreseasmarcasdesuatranslaçãonotempo
• todo cuidado é pouco, pois esses monumentos-documentos,instrumentosesuportesmateriaisdamemória,individualecoletiva
• permiteminfinitaspossibilidadesdeatualizaçãoeinterpretaçãoaolongodotempo,porumgruposocialouporumaconsciênciaindividual
• oferecendo,sempre,renovadasleituras,queserãocadavezpercebidaseapreendidasdemododiverso
• e podem, continuamente, de diferentes modos, por esta e pelasgeraçõesdoporvir,oferecerinstrumentosimportantesdereflexão
• paraumaadaptaçãoharmoniosaàrealidadeExemplosapresentados:Pozzuoli–ConcursoparaaCatedral(2005)Ver: Pergoli Campanelli, Alessandro.O restaurodo templo-catedral de Pozzuoli,RevistaPós,2008,n.23,pp.187-193.______.ArestauraçãodoTemplo-CatedraldePozzuoli,RevistaPós,n.30,2011.http://www.revistas.usp.br/posfau
• Origens:TemploromanodaeradeAugusto• Sucessivasestratificações:temploadaptadoemigreja-visívelaté1632• Catedralbarroca:englobouantigaestrutura• 1964:violentoincêndio:
-templotorna-sevisível-desabamentodeparedes-destruiçãoderevestimentosbarrocos
• Restauro:arqueológico-destróitrechosbarrocos-consolidaçãocomelementosdeferro-reintegraçãocomconcretodetrechosdascolunas-coberturametálicaprovisóriaparaproteção
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• 1972:trabalhossuspensos• abandonodotemplo• Sucessivasescavações:revelaramfragmentosdotemploromano• Concurso:2004:pôrfimaoestadodeabandono;valorizaredifícios
RestauraçãodoArranha-céudaPirelliemMilão,GiòPontiVer:SALVO,Simona.Restauroe‘restauros’dasobrasarquitetônicasdoséculo20.Intervençõesemarranha-céusemconfronto,RevistaCPC,2007,n.4,pp.139-157;http://www.revistas.usp.br/cpc/index______.Arranha-céuPirelli:crônicadeumarestauração,Desígnio,2006(2007),n.6,pp.69-86.Construção:1956-1960Acidenteaéreo18.04.2002Projeto12.2002Canteiro:03.2003–04.2004Coordenadores:M.AntoniettaCrippa;PietroPetraroia;GiovanniCarbonaraResultadosdoPrêmioDomusdeRestauro:http://www.premowtiorestauro.it