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AULA Nº 2 – Morfologia e AULA Nº 2 – Morfologia e Estrutura das Células Estrutura das Células Bacterianas Bacterianas Técnica básica de observação de bactérias Os microorganismos vivos podem ser observados directamente com o microscópio óptico, sendo frequentemente corados e fixados para melhorar a visualização. A coloração pode ser simples (com um corante) ou diferencial. Figura 2.1 – Técnica básica de observação de bactérias Fixação Processo onde os microorganismos são mortos e presos firmemente á lamela e há inactivação das suas enzimas. Existem 2 tipos de fixação: - Fixação química: protege a estrutura e morfologia dos microorganismos mais delicados. Químicos reagem com os componentes celulares (proteínas e lípidos).

AULA 2 Sebenta de Bactereologia

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AULA Nº 2 – Morfologia e Estrutura dasAULA Nº 2 – Morfologia e Estrutura das Células BacterianasCélulas Bacterianas

Técnica básica de observação de bactérias

Os microorganismos vivos podem ser observados directamente com o microscópio

óptico, sendo frequentemente corados e fixados para melhorar a visualização. A

coloração pode ser simples (com um corante) ou diferencial.

Figura 2.1 – Técnica básica de observação de bactérias

Fixação

Processo onde os microorganismos são mortos e presos firmemente á lamela e há

inactivação das suas enzimas. Existem 2 tipos de fixação:

- Fixação química: protege a estrutura e morfologia dos microorganismos mais

delicados. Químicos reagem com os componentes celulares (proteínas e lípidos).

- Fixação ao calor: preserva a morfologia global mas não as estruturas no interior

das células.

Coloração

Os vários corantes têm 2 características em comum: tem grupos cromóforos e

podem ligar-se ás células por ligações iónicas, covalentes ou hidrofóbicas (ex.:

estruturas positivas ligam-se ás negativas).

Existem 2 classes de corantes iónicos, consoante a natureza do grupo com carga:

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- Corante básico (ex.: azul de metileno, cristal violeta): tem grupos carregados

positivamente. Ligam-se às moléculas com carga negativa como os ácidos nucleícos e

muitas proteínas.

- Corante ácido (ex.: eosina, fucsina ácida): tem grupos carregados negativamente.

O pH influência a coloração, uma vez que altera a natureza e carga das estruturas

celulares (ex. a coloração básica é mais efectiva a pH’s elevados).

► Tamanho, forma e arranjo

A maioria das

bactérias encontradas tem

1 de 2 formas:

- Cocos(esféricas)

Podem existir como

células individuais ou

associadas em arranjos

característicos

(ex.:Diplococcus,

tetrada…) quando ocorre

divisão celular num plano

ou mais, regular ou

irregularmente, e as

células permanecem

juntas.

- Bacilos (têm formas e tamanhos variados). Também podem aparecer isolados

ou em cadeias, ter formas espiraladas e encurvadas e aí são chamados espirilos

(estrutura rígida) ou espiroquetas (estrutura flexível).

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► Estrutura das células procariotas

As células procariotas são

delimitadas pela parede celular.

Interiormente a esta encontra-se o

espaço periplasmático e depois a membrana plasmática que pode ser invaginada para

formar no interior citoplasmático estruturas membranosas. Podem usar flagelos para

locomoção. O material genético encontra-se no nucleóide que não possui membrana.

Podem ser encontrados ribossomas e corpos de inclusão na matriz citoplasmática.

Algumas células são envoltas por uma cápsula ou membrana externa à parede celular.

Membrana plasmática

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Sistema altamente organizado, assimétrico, flexível e dinâmico que envolve o

citoplasma. Constituída por proteínas e lípidos. Os lípidos são anfipáticos, tendo uma

extremidade polar e outra apolar. A terminação polar interage com a água sendo por

isso hidrofílica, enquanto que a terminação

apolar, hidrofóbica, é insolúvel em água. Este

arranjo permite a formação de uma bicamada (2

folhetos) ficando a parte hidrofóbica no interior

da bicamada. Muitos destes lípidos são

fosfolípidos.

As membranas bacterianas diferem das

eucariotas por terem maior quantidade de

proteínas e por possuírem hopanóides

(sintetizados a partir dos mesmos percursores

que os esteróides) em vez de colesterol.

O modelo aceite para explicar a estruturas das membranas é o modelo do

mosaico fluido e este distingue 2 tipos de proteínas de membrana:

- Proteínas periféricas: fracamente ligadas á membrana e podem ser facilmente

removidas. São solúveis em solução aquosa e constituem 20-30% do total de proteínas

da membrana.

- Proteínas integrais: (70-80% das proteínas de membrana) Não são facilmente

removidas da membrana e são insolúveis em solução aquosa. São anfipáticas e as suas

regiões hidrofóbicas encontram-se ligadas ao interior da membrana lipidica, enquanto as

porções hidrofílicas se projectam a superfície. Podem difundir-se lateralmente no

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folheto da membrana para novas localizações, mas não podem fazer movimento de flip-

flop ou rotação. Frequentemente tem carbohidratos ligados com importantes funções.

Funções da membrana plasmática:

- Retém citoplasma, particularmente nas células sem parede celular, separando-o

do meio exterior;

- Barreira de permeabilidade selectiva (permite passagem de iões e moléculas

particulares, tanto para dentro como para fora da célula e previne o movimento de

outras);

- Ajuda no transporte de moléculas que não conseguem atravessar a membrana;

- Tem sistemas de transporte para obter nutrientes, excretar resíduos e para

secreção de proteínas;

- É a localização de uma variedade de

processos metabólicos como a respiração

(célula não tem mitocôndrias), fotossíntese,

síntese de lípidos, polímeros parietais e

constituintes da parede celular;

- Barreira osmótica;

- Protecção do meio interno celular,

mantendo-o constante face ás alterações

externas;

- Contém receptores de moléculas que

ajudam a detectar e a responder a químicos,

etc…;

- É essencial á sobrevivência dos

microorganismos.

No citoplasma celular podem ser

encontrados mesossomas (invaginações da

membrana plasmática) que podem estar implicados na formação da parede celular ou na

replicação e segregação dos cromossomas na divisão celular.

Espaço periplasmático

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Situa-se entre a membrana plasmática e a membrana externa ou parede celular

(no caso das bactérias Gram+) e esta cheio de periplasma. É constituído nas bactérias

Gram– por proteínas que participam na aquisição de nutrientes (ex. enzimas

hidrolíticas), proteínas de ligação envolvidas no transporte de materiais para dentro da

célula, enzimas envolvidas na síntese de peptidoglicano e na modificação de compostos

tóxicos que podem lesar a célula. Nas bactérias Gram+ o espaço periplasmático tem

exoenzimas (secretadas pelas bactérias).

Parede celular procariota

É uma das partes mais importantes da célula procariota, pois é uma barreira

rígida, externa á membrana plasmática que dá lhe forma e protecção contra a lise

osmótica. Pode proteger a célula de substâncias tóxicas e é o local de acção de vários

antibióticos. A parede celular de certos agentes patogénicos tem componentes que

contribuem para a sua patogenicidade. No caso dos micoplasmas a parede celular é

inexistente.

Depois de se ter desenvolvido a coloração de Gram tornou-se evidente a divisão

das bactérias em 2 grandes grupos, que devido á sua estrutura característica respondem

de maneira diferente á coloração de Gram:

- Gram +: roxas, camada homogénea de 20-80 nm de peptidoglicano ou

mureína. Parede mais forte e resistente que as Gram -.

- Gram -:rosa ou vermelhas, mais complexa, 2-7nm de peptidoglicano e 7-8nm

de uma membrana externa.

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Estrutura do peptidoglicano:

O peptidoglicano ou mureína é um enorme polímero composto por varias

subunidades. Contém 2 açúcares: NAM (ácido N-acetil murâmico) e NAG (N-acetil

glucosamina) que em alternância são o suporte do polímero e estão ligados por ligações

β1-4glicosídicas, vários aminoácidos, 3 dos quais D-ácido glutâmico, D-alanina e ácido

meso diaminopimélico.

A presença de D-aminoácidos protege o ataque de várias peptidases, tornando a

bactéria mais resistente para sobreviver em

ambientes hostis (aminoácidos da série L

são mais facilmente degradados).

O NAM possui uma cadeia de 4

aminoácidos D e L alternados ligada á

extremidade do grupo carboxilo.

As subunidades do peptidoglicano

são ligadas por ligações entre o grupo

carboxilo terminal da D-alanina e o grupo

amina do ácido diaminopimélico, ou por

uma ponte peptídica.

O arranjo final resulta numa rede

enorme de peptidoglicano que dá rigidez e

protege a célula das variações da pressão osmótica, bem como é responsável pela sua

morfologia, em conjunto com proteínas do

citosqueleto bacteriano↓.

☺ Parede celular das bactérias

Gram+

Composta maioritariamente por

peptidoglicano que contém pontes

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peptídicas, tem também ácido teicóico ligado ao peptidoglicano ou aos lípidos da

membrana. No último caso são chamados ácidos lipoteicóicos. O ácido teicóico é

carregado negativamente e contribui para a carga negativa da parede celular

Gram+.Tem como funções ajudar na adesão das bactérias a tecidos e células e não se

encontra presente na parede celular das bactérias Gram-.

☺ Parede celular das bactérias Gram-

Fina camada de peptidoglicano e exteriormente possui membrana externa. Estas

estruturas estão ligadas pelas lipoproteínas

de Braun e parecem estar em contacto

directo através dos sítios de adesão, por onde

substâncias se podem mover.

A membrana externa é constituída

por lipopolissacáridos, moléculas que

contêm tanto lípidos como carbohidratos e

consistem em 3 partes:

- Lipido A, que contém 2 açucares

derivados da glucosamina, cada um com 3

ácidos gordos e fosfato ou pirofosfato

ligado. Está colocado na membrana externa

(equivalente ao fosfolípido de uma

membrana) e a restante parte da molécula do

lipopolissacárido projecta-se á superfície. É

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por vezes tóxico, fazendo com que o lipopolissacárido possa agir como endotoxina e

causar alguns sintomas que surgem em infecções com bactérias Gram- (febre,

inflamação, choque séptico).

- Core polissacarídeo (cadeia de açucares) que é ligado ao lípido A.

- Antigénio O, cadeia polissacarídea com vários açucares peculiares e que varia

em composição entre as espécies bacterianas.

Importância dos lipopolissacarídeos:

- O core polissacarídeo por conter açucares carregados e fosfatos, contribui para

a carga negativa na superfície bacteriana;

- Ajuda a estabilizar a membrana externa.

Funções da membrana externa:

- Barreira protectora;

- Previne ou atrasa a entrada de sais biliares, antibióticos e outras substâncias

tóxicas que possam matar ou lesar a bactéria;

- Devido á presença de porinas (proteínas que juntas formam um canal) permite

a passagem de pequenas moléculas hidrofílicas como a glucose e outros

monossacáridos;

- Previne a perda de constituintes como as enzimas periplasmáticas;

- Tem sistemas de transporte específicos para moléculas grandes como a

vitamina B12;

- Não deixa passar compostos hidrofóbicos porque a membrana externa é polar.

A parede celular e a protecção osmótica

A parede celular protege a célula contra a pressão osmótica, pois o meio

intracelular é mais concentrado em solutos que o meio extracelular (habitats

microbianos são hipotónicos).

Durante a osmose a água move-se nas membranas permeáveis de soluções

diluídas (↑[H2O]) para soluções concentradas (↓[H2O]), sendo que a água normalmente

entra na célula bacteriana. Se a célula não tiver parede celular a membrana plasmática

não resiste a certas pressões e a célula irá inchar, acabando por rebentar – lise. Quando

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temos ambientes hipertónicos (↑[solutos]), a água sai da célula, levando-a a encolher –

plasmólise.

A importância da parede celular na protecção contra a lise osmótica é

demonstrada pelo tratamento com

lisozima ou penicilina. A lisozima

(enzima de defesa contra o

crescimento bacteriano) ataca o

peptidoglicano hidrolisando as

ligações β1-4 glicosídica entre o NAM

e NAG, afrouxando o saco rígido da

parede celular.

A penicilina inibe a síntese de peptidoglicano. Se as bactérias forem incubadas

com penicilina num meio com solução isotónica as bactérias Gram+ são convertidas em

protoplastos que crescem normalmente mas sem parede celular. As células Gram- retêm

a membrana externa depois do tratamento com penicilina e são chamadas esferoplastos.

Protoplastos e esferoplastos são osmoticamente sensíveis e se forem transferidos para

uma solução diluída, sofrem lise devido ao influxo incontrolável de água.

Mecanismo da coloração de Gram

A coloração de Gram divide a bactéria em duas classes: Gram+ e Gram-, devido

ás diferenças nas paredes celulares (se a parede celular das bactérias Gram+ for

removida, elas passam a Gram-).

1- Usa primeiro um corante básico (Cristal violeta) e as bactérias ficam

arroxeadas.

2- Tratamento com solução de iodo (mordente), que aumenta a interacção entre

células e o corante, fazendo com que a célula core fortemente.

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3- Descoloração usando etanol ou acetona

(Diferenciação). Aqui as Gram+ retêm cristal violeta,

pois pensa-se que o álcool encolhe os poros do

peptidoglicano (espessa camada), fazendo com que

estas retenham a coloração, mantendo-se arroxeadas;

enquanto que as Gram- perdem-no e ficam incolores

porque tem peptidoglicano muito fino e poros mais

largos, sendo o cristal violeta removido.

4- Coloração com outro corante para corar as

Gram- (ficam vermelhas).

O peptidoglicano não é corado. Forma como

que uma barrira permeável que previne a perda do

cristal violeta.

Algumas espécies como as

mycobacterium spp. Não coram com

coloração de Gram, pois tem parede

celular diferente (altamente rica em

lípidos, com uma zona hidrofóbica

enorme, não permitindo facilmente a

entrada de nutrientes), têm por isso de

ser coradas com tratamento forte pela

Coloração de Ziehl-Neelsen. Esta usa

corante bastante concentrado de

fucsina que entra na parede celular

com ajuda do calor. Depois é feita

lavagem e diferenciação com ácido

clorídrico (forte devido á elevada

concentração lipídica da parede). Aqui algumas permanecem vermelhas e as que são

1 Parede celular do mycobacterium spp.

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descoradas sofrem depois coloração de contraste com o azul de metileno, ficando azuis.

Este método é usado para identificar

bactérias da tuberculose e da lepra.

Existem também os micoplasmas

que não têm parede celular (como tal, os

antibióticos que actuam na parede ficam

sem efeito), sendo por isso polimórficos.

Estes têm esfenóis na membrana

citoplasmática que protegem a célula das

diferenças osmóticas do exterior, repelindo

a água (tem membranas plasmáticas mais

fortes e resistentes).

Componentes externos à parede celular

Há uma variedade de estruturas cuja função é a protecção, ligação aos objectos

e movimento celular.

Cápsula, slime layers e S-layers

Algumas bactérias têm uma camada de material por for a da parede celular.

Quando a camada é bem organizada e não facilmente removida é chamada cápsula.

Slime layer é uma zona difusa e desorganizada de material que é facilmente removido.

Glicocalixe é uma rede de polissacáridos que

se estende da superfície das bactérias e outras

células e é produzido por elas, podendo ter

vários tipos de bactérias lá dentro.

Cápsulas e slime layers são

compostos por polissacarídeos e polipéptidos.

As cápsulas são claramente visíveis ao

microscópio óptico quando são empregues colorações negativas (com nigrosina).

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Funções da cápsula:

- Não é necessária ao crescimento bacteriano;

- Protege contra a fagocitose;

- Contém uma boa quantidade de água,

protegendo a bactéria contra a desidratação (efeitos de

dissecação);

- Aderência a superfícies;

- Protecção de ataque de agentes antimicrobianos, sendo mais difícil entrar

antibióticos;

- Pode ser factor de virulência.

Muitas bactérias Gram+ e Gram- tem camadas regulares e estruturadas

chamadas S-layer (modelo de azulejo, composto por proteínas ou glicoproteínas) na sua

superfície. Nas Gram- a S-layer adere directamente á membrana externa enquanto que

nas Gram+ está associada ao peptidoglicano.

Funções da S-layer:

- Protege a célula contra alterações iónicas e de pH, stress osmótico e enzimas;

- Ajuda a manter a forma e rigidez do envelope (a designação de envelope

engloba a membrana plasmática + parede celular e cápsula quando presente);

- Pode promover a adesão a superfícies;

- Parece proteger os patogenes contra o ataque do complemento e fagocitose,

contribuindo para a sua virulência.