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Gramática
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Curso on-line PARA BEM ESCREVER NA LNGUA PORTUGUESA Prof. Carlos Nougu
2014 I Todos os direitos reservados.
1
TRIGSIMA AULA DO CURSO
PARA BEM ESCREVER NA LNGUA PORTUGUESA
C ONC OR DNC IA VERBAL (II)
10. SUJEITOS UNIDOS POR COM
Em verdade, trata-se de ncleos do mesmo sujeito composto unidos por
com com valor aditivo, como j vimos em alguma aula. Mas demos ainda a
palavra a Rocha Lima.
O mais frequente usar-se o verbo no plural, visto que ambos os sujeitos
[sic; ncleos do sujeito composto] aparecem em p de igualdade tal, que se
podem considerar como enlaados por e.1
Exemplos:
D. Maria da Glria firmou a doao, e a milanesa com seu filho partiram
para a Itlia. (CAMILO CASTELO BRANCO)
Eu com o abade entramos corajosamente num coelho guisado. (CAMILO
CASTELO BRANCO)
E atravessaram a serra,
o noivo com a noiva dele
cada qual no seu cavalo. (MRIO DE ANDRADE)
Emprega-se (mas raramente) o verbo no singular quando o segundo sujeito
posto em plano to inferior, que se degrada simples condio de um
complemento adverbial de companhia. Por este meio mais pertencente
linguagem afetiva d-se relevo especial ao primeiro sujeito, como fez Cames
no seguinte lano, referindo-se a Vnus:
Convoca as alvas filhas de Nereu,
Com toda a mais cerlea companhia:
Que, porque no salgado mar nasceu,
Das guas o poder lhe obedecia:
1 Mrio Barreto, Novssimos estudos da lngua portuguesa, op. cit., p. 93; e Novos estudos da
lngua portuguesa, op. cit., p. 201-4.
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E propondo-lhe a causa a que desceu
Com todas juntamente se partia,
Pera estorvar que a armada no chegasse
Aonde pera sempre se acabasse. (Os Lusadas, II, 19)
Ao pressentir a cilada traioeira que os mouros armavam gente portuguesa,
Vnus figura central de todo o trecho, e cujo auxlio faz Cames questo de
realar convoca as alvas filhas de Nereu para, juntamente com elas, impedir
o desastre iminente.
Pondo o verbo no singular, ao dizer que Vnus
Com todas juntamente se PARTIA,
consegue o poeta alcanar o efeito que buscava, isto , encarecer principalmente
a ao da formosa deusa, deixando na penumbra as que com ela se foram
tambm em auxlio aos bravos nautas do Gama. Do mesmo tipo esta
construo de Cyro dos Anjos:
A viva de Aguinaldo, com os dois filhos, est conseguindo arrombar a
caixa-forte (...)11.
No pode deixar de impressionar o desleixo terico de nossa tradio
gramatical. O que se deve dizer que, se o verbo vai para o plural, porque se
trata, como dito mais acima, de sujeito composto cujos ncleos se ligam pela
preposio com com valor aditivo. Se o verbo vai para o singular, porque o que
se inicia por com no parte do sujeito, mas adjunto adverbial de companhia
nada degradado.
Este adjunto vem o mais das vezes separado do sujeito por vrgula, como
no exemplo de Cyro dos Anjos. Mas pode vir meramente anteposto ao sujeito e
ao verbo, como no belo exemplo de Cames, ou posposto ao verbo e tampouco
separado dele por vrgula: Partia com todas.2
De notar, ainda, o erro de pontuao no exemplo de Mrio de Andrade:
no se separam por vrgula sujeito e verbo.
11. TANTO... COMO, ASSIM... COMO, NO S... MAS TAMBM, ETC.
2 O uso de partir como pronominal da linguagem renascentista; mas ainda pode encontrar-se
na literatura da fase atual de nossa lngua, e mais correntemente na lngua espanhola.
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Se o sujeito, prossegue Lima, construdo com a presena de uma
frmula correlativa, deve preferir-se o verbo no plural.
Assim Saul como Davi, debaixo do seu saial, eram homens de to grandes
espritos, como logo mostraram suas obras. (ANTNIO VIEIRA)
No s a nao, mas tambm o prncipe, estariam pobres. (ALEXANDRE
HERCULANO)
Tanto a mulata como a criana o observavam dissimuladas de longe sem se
aproximar. (CLARICE LISPECTOR)
raro aparecer o verbo no singular:
(...) tanto uma, como a outra, suplicava-lhe que esperasse at passar a
maior correnteza. (JOS DE ALENCAR)
Estas frmulas correlativas, faltou-lhe dizer a Rocha Lima, so de carter
ADITIVO, razo por que o verbo tem de vir, necessariamente, no PLURAL. Quanto
aos exemplos postos, devemos considerar:
que o de Vieira e o de Lispector tm sujeito composto e verbo corretamente
posto no plural:
Assim [= Tanto] SAUL como DAVI eram...;
Tanto A MULATA como A CRIANA o observavam...;
que o de Alencar tem sujeito simples e verbo corretamente posto no
singular, alm de uma orao elptica:
... tanto UMA lhe suplicava como A OUTRA [lhe suplicava]...;
e que o de Herculano est pura e simplesmente errado, porque no tem
que fazer a a vrgula, que mal lhe separa os nccleos do sujeito composto:
No s A NAO mas tambm O PRNCIPE estariam pobres... seria a
maneira correta, conquanto sempre se pudesse pr, ao modo de Vieira e de
Lispector:
No s A NAO, mas tambm o prncipe, estaria pobre...
Que Rocha Lima e tantos outros no o assinalem resulta do beletrismo (ou
seja, no sentido que damos a este termo, o considerar correta qualquer
construo pelo simples fato de ter sado da pena de algum literato), do
beletrismo que acomete nossa tradio gramatical. o que vimos dizendo desde
o princpio deste curso.
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12. SUJEITOS UNIDOS POR E
Quando concorrem vrios sujeitos [sic; ncleos de sujeito composto] de 3a
pessoa, coordenados assindeticamente ou unidos pela conjuno e, a regra
normal (j estudada) pr-se o verbo na 3a pessoa do plural se os sujeitos esto
antepostos.
De fato, isto j se estudou. Note-se porm o acrscimo: vrios ncleos de
3a pessoa coordenados assindeticamente. D-se um par de exemplos:
CARMEM, MARTA, RODRIGO partiram cedo;
O LIVRO SOBRE AS ARTES, O OPSCULO SOBRE OS HBITOS constituem o melhor
de sua obra.
OBSERVAO. Note-se que o ltimo ncleo no se separa do verbo por
vrgula, tal como se se introduzisse por e:
CARMEM, MARTA E RODRIGO partiram cedo;
O LIVRO SOBRE AS ARTES E O OPSCULO SOBRE OS HBITOS constituem o
melhor de sua obra.
No entanto, continua Lima, quebra-se este princpio, ficando o verbo na
3a pessoa do singular, nos casos seguintes:
a) Quando os sujeitos [sic; ncleos de sujeito composto] se dispem numa
escala gradativa, de tal forma que a ateno do leitor se concentre no ltimo.
Exemplo:
Que alegria, pois, que gozo, que admirao ser a de um Bem-aventurado,
quando se vir semelhante a Deus...! (MANUEL BERNARDES)
J vimos isto de gradao, mas mostremos mais detidamente, agora, a
falcia que pode implicar. Com efeito, no se v gradao em alegria gozo
admirao. Por que admirao seria gradativamente superior a gozo o que
no se diz. Pois bem, provavelmente o que levou Bernardes a pr o verbo no
singular no foi nenhuma ideia de gradao, mas a de que os trs substantivos
(alegria, gozo, admirao) constituem neste contexto algo uno e, como
vimos, neste caso o verbo fica no singular.
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b) Quando os sujeitos esto de tal maneira unidos, que formam como um
todo indivisvel, expressando uma ideia nica.
Em tal sorriso o passado e o futuro estava impresso. (ALEXANDRE
HERCULANO)
Neste exemplo, o passado e o futuro so manifestaes de uma ideia nica:
o tempo distante.3
Perfeito. Agregue-se apenas que a escolha de pr o verbo no singular em
casos como estes ou se dar conscienciosa e escrupulosamente, ou constituir
puro erro.
So menos encontradios, diz ainda Lima, os exemplos nos quais o
segundo sujeito [sic; ncleo de sujeito composto] est precedido de artigo. Com
efeito, a funo do artigo definido a de particularizar o objeto; e, para que dois
ou mais elementos possam formar um todo, necessrio que no se acentuem
as particularidades que os distinguem.4
Exemplos, com o segundo sujeito [sic; ncleo de sujeito composto] sem
artigo:
A coragem e afoiteza com que eu lhe respondi perturbou-o de tal modo, que
no teve mais que dissesse. (CAMILO CASTELO BRANCO)
(...) e este cuidado e temor nos ajudar a obrar com exao e pontualidade.
(MANUEL BERNARDES)
Perfeito, em particular pela observao de Rodrigues Lapa (de quem, por
outro lado, discrepamos em muitos pontos). Agregue-se apenas que os
exemplos com o segundo ncleo antecedido de artigo tangenciam o erro.
13. SUJEITOS ORACIONAIS
Fica no singular, afirma Lima, o verbo que se refere a vrios sujeitos [sic;
ncleos de sujeito composto] expressos por oraes, quer iniciadas por
conectivo, quer reduzidas. Exemplos:
3 J. Matoso Cmara Jr., Elementos da lngua ptria, op. cit., p. 185, nota.
4 M. Rodrigues Lapa, Estilstica da lngua portuguesa, 6. ed., Rio de Janeiro: Acadmica,
1970, p. 171.
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[Que Scrates nada escreveu] e [que Plato exps as doutrinas de Scrates]
sabido. (JOO RIBEIRO)
[Humilhar a aristocracia,] [refrear o clero,] [cercear-lhe os privilgios e
imunidades] e [for-los a igualar-se com o povo]... equivalia a exalar a plebe.
(LATINO COELHO)
[E dizer] [e fazer] era um relmpago. (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)
No caso de os sujeitos exprimirem contraste de ideias, usa-se o plural:
[Usar de razo] e [amar] so duas coisas que no se ajuntam. (ANTNIO
VIEIRA)
Quanto se trata de ORAES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS SUBJETIVAS
DESENVOLVIDAS (porque disto que se trata) LIGADAS POR CONECTIVO, nada que
acrescentar: pura e simplesmente o verbo fica no SINGULAR, como se v pelo
exemplo.
Quando porm se trata de ORAES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS
SUBJETIVAS REDUZIDAS DE INFINITIVO (porque disto que se trata) LIGADAS POR
CONECTIVO, ento h que explic-lo.
. Vai o verbo para o singular quando as duas oraes constituem, na
inteno do escritor, algo uno.
. Vai o verbo para o plural quando as duas oraes no constituem, na
inteno do escritor, algo uno. Neste caso, lcito e elegante anteceder de
artigo cada uma das oraes reduzidas:
E o DIZER e o FAZER eram um relmpago.
. No exemplo de Antnio Vieira (USAR DE RAZO e AMAR so duas coisas
que no se ajuntam), seu autor no escolheu pr o verbo no plural, seno que
foi obrigado a tal pelo prprio predicativo (duas coisas...). E isto decorre da
regra especial da concordncia do verbo ser enquanto verbo de cpula, regra
que trataremos mais adiante. Mas Antnio Viera poderia haver elegido, isto
sim, fazer os dois ncleos oracionais anteceder-se de artigo:
O USAR DE RAZO e o AMAR so duas coisas que no se ajuntam.5
5 Em espanhol, possvel fazer anteceder-se de artigo as mesmas oraes desenvolvidas
subjetivas: El que Scrates no haya escrito nada...
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14. SUJEITOS UNIDOS POR NEM
a) caso difcil de disciplinar, comea Lima; mas pode-se ter por norma
empregar o verbo no plural quando os sujeitos so da 3a pessoa. Exemplos:
Nem a natureza, nem o demnio deixaram a sua antiga posse. (MANUEL
BERNARDES)
Nem a resignao, nem o consolo so possveis para ti neste momento.
(ALEXANDRE HERCULANO)
Em todo caso, nem o coadjutor nem o sacristo lhe perguntaram nada.
(MACHADO DE ASSIS)
Perfeito quanto teoria, quanto qual o problema comea no que vem a
seguir. Mas no se pode deixar de assinalar o erro ainda de vrgula tanto no
exemplo de Bernardes como no de Herculano:6 expurge-se o indevido sinal de
pontuao, seguindo o exemplo de Machado de Assis.
b) Querendo-se, todavia, pr em relevo so palavras de Said Ali que
a mesma ao se repete para cada um dos sujeitos, sucessivamente ou em
pocas diferentes, d-se ao verbo a forma do singular, desde que no singular
tambm estejam os diversos sujeitos.7 Exemplos:
Nem a lisonja, nem a razo, nem o exemplo, nem a esperana bastava a lhe
moderar as nsias... (ANTNIO VIEIRA)
Nem a vista, nem o ouvido, nem o gosto pode discernir entre cor, som e
sabor. (MANUEL BERNARDES)
A explicao de Said Ali incompleta e algo confusa. Antes de tudo, h
que aplicar aqui o dito na aula passada com respeito a outra situao: a
concordncia faz-se no singular porque a sequncia iniciada, no exemplo de
Vieira, por nem a lisonja supe uma sequncia de elipses: Nem a lisonja
[bastava a lhe moderar as nsias], nem a razo [bastava a isso], nem o
6 Mas o de Bernardes provavelmente no constitui efetivo erro, e sim maneira de pontuar do
antigo padro culto a que o escritor pertencia. Sirva isto de ressalva para todos os casos
semelhantes que se mostrarem doravante.
7 Said Ali, Gramtica secundria da lngua portuguesa, op. cit., p. 153.
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exemplo [bastava a isso], nem a esperana bastava a isso.8 Diga-se o mesmo
do exemplo de Bernardes. isso, insista-se, o que parece justificar tal
concordncia. Se no se supusesse tal sequncia de elipses, a concordncia no
singular apareceria como puro e simples erro. Por isso que, no suposta tal
sequncia de elipses, a sequncia de ncleos introduzidos por nem assume
ntido carter aditivo, o que j sabemos faz o verbo ir para o plural. Mas aduz
Rocha Lima:
A verdade que h certo descritrio no uso do singular ou do plural. No
desejo de traarem regras, tm os gramticos fixado (como Alfredo Gomes, por
exemplo) que os sujeitos reunidos por nem querem o verbo no singular ou no
plural, segundo exprimem especialmente concomitncia ou alternativa.
Mas a exemplificao que aduzem no esclarece devidamente o assunto, por
se prestarem muitas frases a mais de uma interpretao. Posto que um tanto
sutil, parece-nos corresponder melhor realidade dos fatos a observao de
Said Ali, por ns esposada.
Insistimos, de nossa parte, em que ou se supe aquela sequncia de
elipses, ou o verbo haver de pr-se no plural necessariamente.
c) Se algum dos sujeitos pronome pessoal, a concordncia se faz de
acordo com os princpios da primazia, salvo se o verbo anteceder os sujeitos.
Exemplos:
Nem meu primo, nem eu frequentamos tal sociedade.
Nem ns, nem eles nos esqueceremos disso.
Nem vs, nem ele perdereis em tal negcio.
Com o sujeito depois do verbo:
No seriam eles, nem eu quem pusesse esse remate. (ALEXANDRE
HERCULANO)
8 Naturalmente, o rearranjo da frase, com a antecipao da orao final para o primeiro
membro, resultado da explicitao das mesmas oraes elpticas. Implcitas tais oraes, a
frase tem de arranjar-se como no exemplo de Vieira e no de Bernardes.
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Uma vez mais, impressiona o desleixo terico. Pusesse est no singular
porque tem por sujeito quem, ponto que j tratamos em alguma aula do curso.
Logo, meramente inexiste a ltima regra (Com o sujeito depois do verbo)
ditada por Lima e por multido de gramticos.
Em verdade, no h problema no exemplo de Herculano, se se supem as
devidas elipses: No seriam eles [quem pusesse esse remate], nem [seria] eu
quem o fizesse.
Quanto aos demais exemplos (Nem meu primo, nem eu frequentamos tal
sociedade, Nem ns, nem eles nos esqueceremos disso, Nem vs, nem ele
perdereis em tal negcio), tire-se-lhes a vrgula, que aparecero perfeitos; com
ela, porm, a dividir os ncleos do sujeito, temos puro e simples erro.9
d) Terminando a srie negativa por palavra ou expresso que resuma
alguns dos sujeitos anteriores ou todos eles, concorda o verbo com esta palavra
ou expresso.
Exemplos:
Nem eles, nem outrem h de possuir nada. (ANTNIO VIEIRA)
Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta histria poderia
responder mais. (MACHADO DE ASSIS)
Se fosse como diz Lima, ento no o seria seno porque a palavra (ou a
expresso) que resumisse os sujeitos anteriores teria carter de aposto
resumitivo.10
Mas tal no se v no exemplo de Machado, no qual qualquer (o melhor
seria nenhuma) outra pessoa no pode de modo algum resumir eu, tu, ela.
Tampouco se v carter algum de aposto resumitivo no exemplo de
Vieira: com efeito, outrem no pode resumir eles. Por isso a explicao deve
buscar-se em outra parte.
Assim, para nos atermos apenas ao exemplo de Vieira, pode supor-se nele
uma elipse: Nem eles [ho de possuir nada], nem outrem h de possuir nada.
9 Por outro lado, se se multiplicam os membros de construes como No fui eu nem [foi] ele
quem o fez, pode pospor-se-lhes [ou no pospor-se-lhes] vrgula, menos ao ltimo: No fui eu[,]
nem [foi] ele[,] nem [foi] ela quem o fez [ou o que o fez]).
10 Vejam-se, porm, as ressalvas a respeito do aposto feitas em aula de Sintaxe Geral.
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Por outro lado, porm, no vemos nada que possa impedir a concordncia
no plural (supressa, como devido, a vrgula): Nem eles nem outrem ho de
possuir nada.
O mesmo com respeito ao exemplo de Machado: Nem eu, nem tu, nem
ela, nem qualquer [melhor nenhuma] outra pessoa desta histria poderamos
responder mais embora, dada a distncia que medeia entre eu e o verbo,
talvez fosse prefervel dar outro torneio orao.
15. CERCA DE, PERTO DE, MAIS DE, MENOS DE, OBRA DE...
Postas antes de um nmero no plural, prossegue Lima, para indicar
quantidade aproximada, estas expresses requerem a concordncia no plural,
exceto com o verbo ser, em que h vacilao.
Exemplos:
Saram praia obra de oito mil homens. (JOO DE BARROS)
Mais de sete sculos so passados depois que tu, Cristo, vieste visitar a
terra. (ALEXANDRE HERCULANO)
Eram perto de seis horas da tarde. (ALEXANDRE HERCULANO)
Era perto das cinco quando sa. (EA DE QUEIRS)
De fato aqui se requer concordncia no plural, mas no pela razo
apontada pelo nosso gramtico (e por multido de outros). O que requer o
plural , como quase sempre, o ncleo do sujeito:
Saram praia obra de OITO MIL HOMENS;
Mais de SETE SCULOS so passados depois que tu, Cristo, vieste visitar
a terra;
Eram perto de SEIS HORAS DA TARDE.
Se em a maioria dos homens (e em correlatos) o substantivo (a) maioria
que o ncleo do sujeito, em cerca de mil homens (e em correlatos) a locuo
cerca de no pode ser ncleo do sujeito, pela simples razo de que prepositiva
de fundo adverbial (= aproximadamente) e, como se sabe, no podem ser
ncleo de sujeito seno palavras substantivas.
No h, ademais, nenhuma razo por que se deva aceitar o exemplo de
Ea de Queiroz. Diga-se: Eram perto das cinco quando sa.
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16. DAR, BATER, SOAR (HORAS)
Em frases assim, estabelece Rocha Lima, estes verbos tm por sujeito o
nmero que indica as horas.
Exemplos:
Eram dadas cinco da tarde. (ALMEIDA GARRETT)
Deram dez horas. (EA DE QUEIRS)
Deram agora mesmo as trs da madrugada. (GUERRA JUNQUEIRO)
Deram trs horas da tarde. (ALUZIO AZEVEDO)
Iam dar seis horas. (MACHADO DE ASSIS)
Na igreja, ao lado, bateram devagar dez horas. (EA DE QUEIRS)
Cinco horas fanhosas soam no velho relgio do pensionato. (CYRO DOS
ANJOS)
Nada que retorquir ao estabelecido por Lima: assim em toda a linha do
padro culto atual. Mas devemos explic-lo.
Obviamente, a construo original O RELGIO deu ou bateu dez horas.
Mas esta orao ativa na figura e no sentido, e permite, pois, perfeita
converso, igualmente em figura e em sentido, voz passiva: DEZ HORAS foram
dadas ou batidas pelo relgio. Como si suceder, todavia, esta voz passiva
passou a usar-se sem seu agente (pelo relgio), como no exemplo de Almeida
Garret: Eram dadas cinco da tarde. Da a que casse ou o particpio (no caso,
dadas) uo verbo (ser), foi s um passo: ou Deram cinco da tarde ou Eram cinco
da tarde.
A partir da, menor ainda foi o passo para julgar que cinco da tarde fosse
o sujeito da orao, e que ou Deram ou Eram resultasse da normal
concordncia com um sujeito plural.
Chegou assim a cristalizar-se o estabelecido por Lima. Nada impede,
porm, a construo antiga:
O RELGIO deu dez horas ou
DEZ HORAS foram dadas pelo relgio.
[...] 18. SUJEITOS UNIDOS POR OU
1) Impe-se, diz ainda Lima, o emprego do verbo no singular em dois
casos:
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a) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a partcula
[sic] ou for alternativa, de tal forma que o verbo s se refira a um dos sujeitos,
com excluso dos demais.
Exemplos:
(...) crendo que Fainam ou alguma de suas irms era morta. (JOO DE
BARROS)
Ningum soube jamais se fora desgosto ou doidice que o levara quela
vida. (RACHEL DE QUEIROZ)
No poderamos diz-lo melhor (ressalvada a impropriedade de chamar
partcula conjuno ou).
b) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a partcula
[sic] ou exprimir equivalncia, de tal forma que o verbo se possa igualmente
referir a qualquer um desses sujeitos. Exemplos:
Um cardeal, ou um papa, enquanto homem, no mais do que uma
pessoa... (MANUEL BERNARDES)
O leitor ou espectador que acredita em histrias do Bicho-Tatu, murmura
interiormente: Castigo. (RICO VERSSIMO)
Aqui j no feliz o nosso gramtico. Explique-se por partes este ponto
rduo.
. No a conjuno ou o que solitariamente indica, no exemplo,
equivalncia: contribui para tal, principalmente, a expresso enquanto homem
seguida de por no mais do que uma pessoa.
. Mas no pode compreender-se que neste exemplo o verbo esteja no
singular seno porque outra vez se d elipse, que, se explicitada, fora ao
seguinte rearranjo: Um cardeal e diga-se o mesmo de um papa , enquanto
homem, no mais do que uma pessoa. E isso assim porque a conjuno ou
do exemplo tem antes carter aditivo, razo porque ou um papa significa
exatamente isto: e diga-se o mesmo de um papa. Por isso mesmo, alis, que as
vrgulas usadas por Bernardes esto muitssimo bem postas em torno de ou um
papa. Tirem-se tais vrgulas, e ou um papa tornar-se- ncleo de sujeito
composto, o que far que o verbo v, necessariamente, para o plural: UM
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CARDEAL OU UM PAPA, enquanto homens, no so mais que pessoas como
qualquer outra.
. Mais complexo o exemplo de Verssimo. Note-se-lhe, em primeiro lugar,
a ausncia de artigo antes de espectador. Ponha-se a o artigo, e o verbo ir
obrigatoriamente para o plural: O leitor ou O espectador que acreditam em
histrias do Bicho-Tatu... E note-se-lhe, em segundo lugar, a ausncia de
vrgulas que cingissem ou espectador. Pois bem, aqui que se pode falar, mais
propriamente ainda que s de certo modo, de equivalncia, que porm no
dada to somente por ou, mas pelo triplo recurso de conjuno ou + ausncia de
artigo + ausncia de vrgulas. Se, como visto, no podemos impugnar esta
construo, no devemos us-la, porm, seno com suficiente escrpulo e
cautela.
2) Vai, ao revs, o verbo para o plural:
a) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a partcula
[sic] ou for aditiva (= e), de tal forma que a noo indicada pelo verbo abranja,
ao mesmo tempo, todos os sujeitos. Exemplo:
O calor forte ou frio excessivo eram temperaturas igualmente nocivas ao
doente. (JLIO NOGUEIRA)
Perfeito, ressalvado isto de partcula, alm de que falta ao exemplo de
Jlio Nogueira o artigo o antes de frio excessivo.
b) Quando um dos sujeitos estiver no plural. Exemplo:
As penas que so Pedro ou seus sucessores fulminam contra os homens...
(ANTNIO VIEIRA)
Repetindo-se depois de ou a palavra precedente, porm na forma do
plural, para denotar que se admite retificao de nmero, o verbo concordar
com o termo mais prximo, isto , ficar no singular, se vier antes dos dous
sujeitos, e no plural se vier depois:
O poder ou poderes do homem eram sobre todos os peixes. (ANTNIO
VIEIRA)
A parte ou partes contrrias viro presena do juiz.
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14
Nenhum vestgio de sua presena deixou o autor ou autores do crime.11
Perfeito, especialmente pelas palavras de Said Ali.
OBSERVAO. Surpreende, porm, que Lima no haja tratado a variao de
concordncia verbal que envolve o uso mais prprio de ou: quando este
perfeitamente DISJUNTIVO, ou seja, perfeitamente EXCLUDENTE:
Faltava pouco para que ele OU o rival vencesse a disputa, ou seja:
Faltava pouco para que UM OU OUTRO vencesse a disputa.
Note-se que, se s um poderia vencer a disputa, ento obviamente o verbo
no pode vir seno no singular.
E note-se por fim que, se sem a conjuno ou no se poderia dar orao
sentido disjuntivo ou excludente, tampouco capaz de dar-lho por si a mesma
conjuno: necessita-se para tal de que o mesmo sentido de vencer a disputa
seja disjuntivo ou excludente. Tal concorrncia de fatores para determinado fim
lingustico ainda est a exigir o devido estudo. Na Suma, no fazemos mais que
preparar o caminho para tal.
Quase todas as demais variaes da regra de concordncia verbal j as
expusemos ao longo do curso. Resta-nos estudar, no entanto, uma variao e
uma exceo, antes de passarmos regra especial de concordncia do verbo
ser:12 a VARIAO concernente aos NOMES PRPRIOS PLURAIs e a EXCEO
constituda pela expresso HAJA VISTA.
CONCORDNCIA COM OS NOMES PRPRIOS PLURAIS.
. Se o nome prprio plural (excetuados os ttulos de obras) estiver
precedido de artigo, levar o verbo ao PLURAL:
OS ANDES tm neves perptuas;
OS ESTADOS UNIDOS pertencem ao mundo anglo-saxo.
. Se no estiver antecedido de artigo, o verbo ficar no SINGULAR:
MINAS GERAIS deu-nos grandes compositores;
ALAGOAS tem belas praias.
. Quando o artigo integra o ttulo de uma obra (ou seja, quando no pode
ser-lhe retirado), em princpio a concordncia se faz no PLURAL:
11 Said Ali, Gramtica secundria da lngua portuguesa, op. cit., p. 153.
12 A partir daqui, j no nos confrontaremos com nenhum outro gramtico, e tudo quanto se ler
ter sado de nossa pena.
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15
OS SERTES so de leitura obrigatria;
AS QUATRO ESTAES foram compostas por Vivaldi.
Mas pode usar-se o singular, se se quer assinalar a unidade da obra:
OS LUSADAS o canto de um povo.
HAJA VISTA.
. Antes de tudo: a palavra vista aqui indubitavelmente substantivo, do
mesmo campo semntico que viso ou olho e por vezes comutvel por estes.
. Haja vista no o mesmo que haja visto (= tenha visto), primeira e
terceira pessoa do singular do pretrito perfeito do subjuntivo do verbo ver.
. A expresso haja vista (em, por exemplo, Haja vista estes problemas)
pode haver resultado do antigo emprego do verbo haver com o sentido de ter ou
possuir, ao qual j nos referimos em alguma aula. Se assim , dir-se-ia ento
Hajam VISTA a estes problemas com o sentido de Tenham eles VISTA (= ateno,
olho) a estes problemas.
. Mas pode ser outra sua origem: ao dizer-se Hajam VISTA estes problemas,
o verbo haver teria o sentido de merecer, razo por que a orao equivaleria a
Merecem VISTA (= ateno) estes problemas, em que estes problemas o sujeito
de merecem, e vista seu objeto direto.
. E h ainda outra possibilidade, em que o verbo de Haver VISTA (=
ateno) a estes problemas se usaria como hoje o usamos em, por exemplo,
Haja ( exista) pacincia!.
. Qualquer que seja sua origem, porm, o fato que, tal como se usa hoje, a
expresso altamente irregular: resultante de alguma grave corruptela, tornou-
se praticamente irredutvel a algo coerente. Mas constitui exceo consagrada,
razo por que no h nada que impugnar a oraes como Haja vista estes
problemas.
. No obstante, alguns escritores, como alguns gramticos, tentam fazer
voltar a expresso a uma de suas possveis origens, e escrevem ou Hajam (=
Merecem) vista estes problemas ou Haja vista (ateno) a estes problemas.
Inclumo-nos entre estes gramticos, e preferimos especialmente a ltima
forma.
8. A REGRA ESPECIAL: A CONCORDNCIA DO VERBO SER ENQUANTO VERBO
DE CPULA.
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a. Ei-la: O VERBO SER ENQUANTO DE CPULA CONCORDA J COM O SUJEITO J
COM O PREDICATIVO. As causas de to radical infrao regra geral da
concordncia verbal requerem muitas pginas de estudo e explanao, e damos-
lhas na Suma Gramatical. Aqui, portanto, limitar-nos-emos ao normativo, ou
seja, a em que situaes o verbo ser concorda com o sujeito e em que situaes o
faz com o predicativo.
NOTA PRVIA. Em se tratando do verbo ser enquanto de cpula,
normalmente o substantivo (ou correlato) que lhe vem anteposto seu sujeito, e
o substantivo (ou correlato) que lhe vem posposto o predicativo:
Sua obra [sujeito] so dois livros [predicativo];
Maria [sujeito] minhas preocupaes [predicativo];
Meu filho [sujeito] sou eu quando pequeno [predicativo];
etc.
Sucede, todavia, que ambos os termos podem vir pospostos ao verbo, e
ento prevalece o SENTIDO e no a ordem:
Eram homens [predicativo] os dois [sujeito].
Mas note-se que aqui homens no se antecede de artigo, o que lhe d certo
carter de adjetivo.
E, com efeito, quando um dos termos for de carter adjetivo, exercer
sempre a funo de predicativo, independentemente da ordem da orao:
Eram dois [predicativo] os homens [sujeito].
E casos h de perfeita indiscernibilidade. Recorde-se que estamos em
terreno muito resvaladio, justamente porque terreno de grande infrao
regra geral.
b. Pois bem, atenda-se s seguintes variaes da regra da concordncia de
ser enquanto verbo de cpula.
SE AMBOS OS TERMOS SO SUBSTANTIVOS.
O NOME PRPRIO predomina sobre o nome comum. Exemplos:
Maria minhas preocupaes, em que o verbo concorda com o sujeito
Maria (nome prprio) e no com o predicativo minhas preocupaes (nome
comum);
Minhas preocupaes Maria, em que o verbo concorda com o
predicativo Maria (nome prprio) e no com o sujeito minhas preocupaes
(nome comum).
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O NOME CONCRETO predomina sobre o abstrato. Exemplos:
Sua paixo eram as sinfonias, em que o verbo concorda com o predicativo
sinfonias (nome concreto) e no com o sujeito Sua paixo (nome abstrato);
As sinfonias eram sua paixo, em que o verbo concorda com o sujeito
sinfonias (nome concreto) e no com o predicativo Sua paixo (nome abstrato).
OBSERVAO. Naturalmente, se se do, um como sujeito e outro como
predicativo, dois nomes prprios ou dois nomes comuns, ou dois nomes
concretos ou dois nomes abstratos, prevalecer o PLURAL sobre o singular.
O PRONOME PESSOAL RETO predomina sobre qualquer outra palavra de
cunho substantivo:
O professor sou EU;
Sou EU o professor;
O professor sers TU;
Sers TU o professor;
ELE suas mesmas descobertas;
Suas mesmas descobertas ELE;
O professor ramos NS;
ramos NS o professor;
Sereis VS o professor;
O professor sereis VS;
ELES so sua mesma descoberta;
Sua mesma descoberta so ELES.
O PRONOME RETO DE PRIMEIRA PESSOA predomina sobre o de segunda, e o DE
PRIMEIRA e o DE SEGUNDA sobre o de terceira, independentemente de seu
nmero (singular ou plural); mas o PLURAL DE TERCEIRA PESSOA predomina sobre
o singular tambm de terceira pessoa:
EU sou tu amanh;
Tu sou EU amanh;
EU sou vs amanh;
Vs sou EU amanh;
EU sou ele/ela amanh;
Ele/Ela sou EU amanh;
EU sou eles/elas amanh;
TU s ele/ela amanh;
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Ele/Ela s TU amanh;
TU s eles/elas amanh;
Eles/Elas s TU amanh;
ELES/ELAS (= estes/estas) so ele/ela (= aquele/aquela) amanh;
Ele/ela (= este/esta) so ELES/ELAS (= aqueles/aquelas) amanh.13
Predomina o PREDICATIVO quando a funo de sujeito exercida por um dos
pronomes tudo, isto, isso, aquilo:14
Nem TUDO so flores;
ISTO/ISSO/AQUILO so bravatas.
OBSERVAO. Quanto a estas variaes da regra da concordncia do verbo
ser enquanto de cpula, encontram-se aqui e ali escritores que as ferem. No se
trata propriamente de erro, mas antes de impropriedade a no ser que se trate
de recurso literrio-potico, e ento nem de impropriedade se tratar.
Quanto porm a duas variaes da regra a relativa CONCORDNCIA COM
ORAO SUBJETIVA PRECEDIDA DE ORAO ADJETIVA COM VERBO NO PLURAL e a
relativa CONCORDNCIA QUANDO O PREDICATIVO EXERCIDO POR CERTA CLASSE DE
ADVRBIOS , feri-las constitui erro absoluto.
CONCORDNCIA COM ORAO SUBJETIVA PRECEDIDA DE ORAO ADJETIVA COM
VERBO NO PLURAL.
. Tomem-se de incio estes dois exemplos, cada um dos quais com duas
oraes:
Compramos os livros [orao subordinante] que so necessrios [orao
adjetiva];
Encontramos os documentos [orao subordinante] que so importantes
[orao adjetiva].
Como se v, o verbo das oraes adjetivas est no plural porque se refere,
respectivamente, a livros e a documentos. Seu sujeito o relativo que, que
re(a)presenta aqueles substantivos plurais.
. Tomem-se agora outros dois exemplos, mas com trs oraes cada um:
Compramos os livros [orao subordinante] que necessrio [orao
adjetiva] ler [orao substantiva subjetiva (reduzida de infinitivo)];
13 Quanto concordncia do verbo ser, voc e vocs tm prioridade sobre ele/ela e eles/elas.
14 Nesta construo, tudo, isto, isso, aquilo constituem com respeito a pronomes uma espcie
mista de aposto: individualizador-distributivo. Estudamo-lo na Suma.
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Encontramos os documentos [orao subordinante] que importante
[orao adjetiva] levar ao consulado [orao substantiva subjetiva (reduzida de
infinitivo)].
. Se se fizer ao verbo ser presente nos dois ltimos exemplos a pergunta de
identificar o sujeito (e que j vimos em aula de Sintaxe Geral):
Que necessrio?,
Que importante,
encontrar-se-o as seguintes respostas:
Ler (os livros),
Levar (os documentos [ao consulado]).
. Se assim , o pronome relativo j no sujeito do segundo verbo (), mas
OBJETO DIRETO DO TERCEIRO VERBO (ler, levar), razo por que seriam
absolutamente incorretas construes como Compramos os livros que so
importantes ler e Encontramos os documentos que so importantes levar ao
consulado.
CONCORDNCIA QUANDO O PREDICATIVO EXERCIDO POR ADVRBIO.
. Quando o predicativo exercido por CERTA CLASSE DE ADVRBIOS (de
quantidade ou de intensidade), o verbo ser permanece no singular. como se
concordasse com o advrbio. Exemplos:
Trs quilos POUCO;
Dois mil reais MUITO;
Vinte metros era DEMAIS.
. Tal construo se justifica, pois, de certo modo, pelo fato de o predicativo
ser exercido por advrbio e ptrea: aqui, o verbo ser no pode concordar
com o sujeito. Sucede porm que tal construo acabou por estender-se a
outras, similares, em que o predicativo exercido por adjetivo:
Dois mil reais seria TIMO;
Vinte metros INDISPENSVEL.
. Mas a concordncia com o predicativo exercido por adjetivo singular no
obrigatria: o verbo pode concordar com o sujeito:
DOIS MIL REAIS seriam timos;
VINTE METROS so indispensveis.
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OBSERVAO. Quando se diz Vinte metros indispensvel, como se se
destacasse a ideia mesma de preo ou a de medida, sem importar sua
quantificao ou singularizao numrica:
ESTA QUANTIDADE indispensvel.
Quando porm se diz Vinte metros so indispensveis, como se se
destacasse justamente a quantificao ou singularizao numrica:
ESTES TANTOS METROS so indispensveis.
1. Como dito em alguma aula do curso, por vezes o verbo ser se usa
unipessoalmente, ainda que no uninumericamente: concorda na TERCEIRA
PESSOA DO SINGULAR OU DO PLURAL segundo seja singular ou plural o
predicativo. construo singularssima, sem sujeito figurativo (mas com
predicativo), e que se emprega para indicar data, tempo ou distncia:
Hoje [dia] 10 de outubro;15
Hoje so 10 de outubro;16
Hoje dia 10 de outubro;
J hora de irmos;
J so duas horas;
Daqui l so doze quilmetros;
etc.
OBSERVAO. Para a reduo desta construo a construo com sujeito,
vide nossa Suma Gramatical.
2. Na oralidade, no raro usamos o verbo ser para efeito de realce.
Exemplos:
a. Esta criana quer dormir;
b. Visitei a Europa foi durante o vero.
Em construes como estas, como diz Rocha Lima, o termo intensificado
o que est direita do verbo ser; e provavelmente tero elas resultado da elipse
de elementos requeridos pela estruturao gramatical plena das frases-fontes
respectivas. No exemplo a), essa frase-fonte teria sido a seguinte:
O que esta criana quer dormir.
15 Hoje no sujeito da orao, mas ADJUNTO ADVERBIAL do verbo ser apesar da possvel
aparncia em contrrio. Esta mesma aparncia, porm, pode contribuir para que o verbo fique
no singular. Por aprofundar.
16 Como se disse em alguma de nossas aulas, preferimos a primeira construo.
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No caso b), h para notar que, se o verbo ser vier ANTES do verbo principal,
aparecer, em correlao obrigatria com ele, uma partcula [sic] que,
igualmente parasitria [sic]:
Foi durante o vero que visitei a Europa.
Desta ltima forma que decorre nossa como locuo QUE, de fato muito
expressiva, e de emprego geral quer na fala quer na escrita.17
Por sua mesma natureza, nela o verbo ser sempre invarivel; e, onde ela
se use, no deixa de ser regular a concordncia do efetivo verbo da orao com
seu sujeito:
EU que o farei;
TU que o fars;
ELE que o far;
NS que o faremos;
VS que o fareis;
ELES que o faro.
3. Em nossa tradio gramatical, muito se fala, justificando-a, de
concordncia ideolgica ou silepse. O mais das vezes, porm, tal no passa de
capa para ocultar o beletrismo, ou seja, o aceitar tudo quanto saia da pena dos
literatos, ainda que no passe de puro erro ou, ainda, de regra vlida apenas
para padres cultos anteriores ao atual.
. Sem dvida, desde a mesma gramtica greco-latina sempre se falou em
snese18 ou constructio ad sensum (construo pelo sentido, no pela figura). J
vimos alguns casos em que isto se d, efetivamente, em nosso padro culto atual
(Quanto a isto, no me importa A SOCIEDADE E SEUS CDIGOS, por exemplo). H
porm que fazer as seguintes observaes:
Desde h cerca de dois milnios e meio, a Gramtica, com raras excees,
vem pecando por beletrismo.
Uma coisa reconhecer que figurativamente pode dar-se silepse ou
constructio ad sensum, e outra, muito distinta, deixar de explic-la,
reduzindo-a a seu fundo: por exemplo, Quanto a isto, no me importa a
17 Diz Rocha Lima que que idiotismo da lngua portuguesa. No o : compartilham-na o
galego e o espanhol. Melhor se diria, portanto, idiotismo ibrico.
18 Do gr. snesis ou ksnesis, e s (encontro [de dois riachos], donde reunio (de duas coisas
em uma), e da compreenso, inteligncia), do v. sun mi (enviar ou lanar junto, e da
aproximar pelo pensamento), pelo lat. syn sis, is [inteligncia].
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sociedade e seus cdigos reduz-se a Quanto a isto, no me importa A SOCIEDADE
COM SEUS CDIGOS.
E outra coisa, por fim, aceitar no atual padro culto silepses aceitas por
padres cultos passados mas j desusadas. Por exemplo: pela tese geral da
tradio gramatical, ficamos sem saber se podemos hoje escrever ou no
oraes como O POVO partiram, to usada em outras fases da lngua.
. Diz Rocha Lima: tais irregularidades includas sob o nome de silepse so
desvios, quase sempre inconscientes, que correspondem a matizes do
sentimento e da ideia. Mas, como vimos repetindo desde o incio de nosso
curso, a escrita no (quase) automtica como a fala, razo por que no pode
padecer seno minimamente desvios inconscientes. Mas grande parte dos
exemplos de silepse dados pela tradio como justificveis, todos sempre sados
da pena de literatos no raro pertencentes a outra fase da lngua, no pode
aceitar-se hoje de modo algum. Vejam-se alguns deles (de concordncia verbal
ou de concordncia nominal), pescados aqui e ali, sobretudo de Mrio Barreto,
de Carlos Gis e de Rocha Lima:
O POVO lhe pediram que se chamasse Regedor [em vez de O POVO lhe
pediu que se chamasse Regedor] (FERNO LOPES, sculo XIV-XV).19
A FORMOSURA DE PARIS E HELENA foram causa da destruio de Troia
[em vez de A FORMOSURA DE PARIS E DE HELENA foi causa da destruio de
Troia] (FREI HEITOR PINTO, sculo XVI).
OS POVOS DESTAS ILHAS de cor baa e cabelo corredio [em vez de OS
POVOS DESTAS ILHAS so de cor baa e de cabelo corredio] (JOO DE BARROS,
sculo XVI).
ALGUM andava ento bem saudosa [em vez de ALGUM andava ento
bem saudoso] (JOO DE BARROS).20
19 Curiosa a explicao de Rodrigues Lapa para este passo: (...) o grande escritor que era
Ferno Lopes no via no povo uma entidade abstrata, antes qualquer coisa de muito concreto e
de muito vivo, que fervilhava pelas ruas e praas de Lisboa, na nsia de escolher um rei. Ou
seja, aqui j no se trata de beletrismo, mas do mais puro psicologismo distncia e distncia
temporal considervel.
20 Este exemplo pode resultar, ainda hoje, de infrao consciente, em ordem ao potico ou
literrio. Mas disto, uma vez mais, no deve ocupar-se o gramtico.
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Foi DOM DUARDOS E FLRIDA aposentados no aposento que tinha o seu
nome [em vez de Foram DOM DUARDOS E FLRIDA aposentados no aposento
que tinha o seu nome] (FRANCISCO DE MORAES, sculo XVI).
Pouco importa que tenha a casa cheia de PROLAS E DIAMANTES, se se no
aproveita delas [em vez de Pouco importa que tenha a casa cheia de PROLAS E
DIAMANTES, se se no aproveita deles] (FREI ANTNIO DAS CHAGAS, sculo XVII).
Est UMA PESSOA ouvindo missa, meia hora o cansa [em vez de Est
UMA PESSOA ouvindo missa, meia hora a cansa, ou Est UM HOMEM ouvindo
missa, meia hora o cansa] (MANUEL BERNARDES, sculo XVII-XVIII).
(Enquanto os exemplos acima podem atribuir-se a padro culto passado, os
que se pem a seguir no podem resultar seno de puro DESLIZE, o que pode
acontecer a todo e qualquer escritor.)
Conheci UMA CRIANA... mimos e castigos pouco podiam com ele [em
vez do correto Conheci UMA CRIANA... mimos e castigos pouco podiam com
ela, ou Conheci UM MENINO... mimos e castigos pouco podiam com ele]
(ALMEIDA GARRET).
O RESTO DO EXRCITO REALISTA evacua neste momento Santarm; vo em
fuga para o Alentejo [em vez do correto O RESTO DO EXRCITO REALISTA evacua
neste momento Santarm; vai em fuga para o Alentejo] (ALMEIDA GARRET).21
O CASAL no tivera filhos; mas criaram dois ou trs meninos [em vez
do correto O CASAL no tivera filhos; mas criou dois ou trs meninos]
(AUGUSTO F. SCHMIDT).
. Diz ainda Rocha Lima: Cumpre notar que a concordncia portuguesa
tem caminhado no sentido de restringir cada vez mais os fenmenos ideolgicos
e afetivos [ou seja, as silepses] em seu sistema, por fora da autocrtica
coercitiva que a gramtica impe aos que escrevem. Isso importa, por sem
dvida, maior ordem e nitidez de expresso, mas atesta, de outro lado, a
escassez de grandes e audaciosos artistas, que no se arreceiam de transcender
21 Quando se trata de irregularidade, digamos, distante, como o caso deste exemplo,
costumam os gramticos justific-la por isto mesmo: a distncia. Diga-se porm uma vez mais: a
escrita analtica, e permite a reflexo que a fala no permite. Por isso, se, ainda assim, na
escrita nos escapa alguma irregularidade pela distncia, ento que se considere como o que :
deslize, e no a queiramos introduzir, por berliques e berloques, no quadro gramatical da norma
culta.
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limites e esquemas em seus formosos momentos de entusiasmo e de luz.
Respondamos-lhe.
Perfeita sua observao com respeito fora autocrtica coercitiva que a
gramtica impe aos que escrevem. Isso importa, por sem dvida, maior ordem
e nitidez de expresso. Mas no outra coisa o de que necessita a escrita no
literria: ordem e nitidez de expresso. E no deveria ser outra coisa o que
importasse ao gramtico.
Quanto a transcender limites e esquemas em seus formosos momentos de
entusiasmo e de luz, o mesmo modo como o diz Lima j indica de que se trata:
assunto do mbito da Potica, do literrio. No deveria ocupar-se disto o
gramtico, mas o poeta, o literato, ou o filsofo da arte.
E, no entanto, no se v de onde se tira a assero de que o literato que no
transcende tais limites necessariamente menor e arreceoso ou falto de
ousadia. Abundam exemplos de grandes literatos que transcendem tais limites e
de outros que no os transcendem. Assunto, uma vez mais, para a Potica.
. Brande porm a tradio gramatical outros exemplos de silepse. Vejamo-
los.
(...) e possa aquele curto interesse fazer maiores e menores homens
aqueles que Deus e a Natureza fez iguais (DOM FRANCISCO MANUEL DE MELO).
J vimos este caso: na inteno do escritor, Deus e Natureza constituem
algo uno, razo por que o verbo fica no SINGULAR.
Os portugueses sois assim feitos (S DE MIRANDA);
No nego que os Catlicos vos salvais na Igreja romana (PE. ANTNIO
VIEIRA).
Dizem que os cariocas somos pouco dados aos jardins pblicos
(MACHADO DE ASSIS).
Os abaixo assinados requeremos a V. Ex.a...
De fato esta silepse tambm parte do padro culto atual, ainda que, ao
contrrio do que se d em espanhol, a usemos pouco. Nada h portanto que
obstar a ela. Mas podemos e devemos reduzi-la:
Vs, os portugueses, sois assim feitos.
No nego que vs, os Catlicos, vos salvais na Igreja romana.
Dizem que ns, os cariocas, somos pouco dados aos jardins pblicos.
Ns, os abaixo assinados, requeremos a V. Ex.a...
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Ou seja, trata-se de ELIPSE em que O APOSTO ASSUME O LUGAR DAQUILO DE QUE
APOSTO.
Todos geralmente o adoramos, porque todos nos queremos adorados (PE.
ANTNIO VIEIRA).
Esta, de todas a mais usada na fala e na escrita, de resoluo ou reduo
simples: trata-se to somente de ELIPSE DO PRONOME SUBSTANTIVO DE QUE O
PRONOME ADJETIVO ADJUNTO ADNOMINAL:
Todos NS geralmente o adoramos, porque todos NS nos queremos
adorados.
CONCLUSO. Estas trs classes de silepse, conquanto o sejam, no deixam
porm de constituir meras variaes da regra geral da corcordncia.