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Fundarpe, 2016 Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco 463 Aurora

Aurora 463

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Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. Ano I, número 1. (junho de 2016)

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Fundarpe, 2016

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco463

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GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO

Governador |Vice-Governador |

SECRETARIA DE CULTURA

Secretário de Cultura | Marcelino GranjaChefe de Gabinete | Socorro Lacerda

Secretária Executiva | Silvana MeirelesGerente Geral de Articulação Social | Severino PessoaGerente de Formação e Capacitação | Aurélio Molina

Gerente de Planejamento | Fernanda Lais MatosGerente de Administração e Finanças | Manoel Araújo

Gerente de Políticas Culturais | Teresa AmaralAssessores de Comunicação | Tiago Montenegro e Michelle de Assunção

FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO – FUNDARPE

Presidente | Márcia SoutoChefe de Gabinete | Marcela Torres

Vice-Presidente | Antonieta TrindadeSuperintendente de Planejamento e Gestão | Gustavo de Azeredo Machado

Gerente de Administração e Finanças | Sandra BrunoGerente de Produção | Diego Santos

Superintendente de Gestão do Funcultura | Gustavo DuarteGerente Geral de Preservação do Patrimônio Cultural | Márcia Chamixaes

Gerente de Preservação Cultural | Celia CamposGerente de Equipamentos Culturais | André Brasileiro

EQUIPE DA GERÊNCIA DE PRESERVAÇÃO CULTURAL

Amanda Paraíso, Augusto Paashaus Breno Borges, Celia Campos

Cristiane Feitosa, Daniella EspósitoEva Passavante, Flávio Barbosa, Gustavo Bandeira

Izabel Paashaus, Jeniffer Ferreira, Marcelo Renan, Márcia Chamixaes, Maria José Agra, Nazaré Reis,

Neide Fernandes, Nilson Cordeiro, Raphaela Rezende, Renata Echeverria, Roberto Carneiro, Rosa Bomfim

José Sabino, Tarcísio Paiva, Vera Lúcia Batista

Paulo Câmara Raul Henry

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

ORGANIZAÇÃORenata Echeverria

CONSELHO EDITORIALAmanda Carla Gomes ParaísoBreno Albuquerque Brandão BorgesCelia Maria Medicis Maranhão de Queiroz CamposDaniella Felipe EspósitoEva Fonsêca PassavanteFlávio Barbosa da Silva Jeniffer da Silva FerreiraNilson da Rocha CordeiroMarcelo Renan Oliveira de SouzaRenata Echeverria Martins

TEXTOSAmanda Carla Gomes ParaísoDaniella Felipe EspósitoLuiz Eduardo Pinheiro SarmentoEricka Maria de Melo Rocha Calábria Eva Fonsêca PassavanteJeniffer da Silva FerreiraMarcelo Renan Oliveira de SouzaNilson da Rocha CordeiroRenata Echeverria MartinsTerezinha de Jesus Pereira da Silva

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃOFlávio Barbosa da Silva

REVISÃOAmanda Carla Gomes Paraíso

REVISTA DA SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE PERNAMBUCO. Recife: FUNDARPE, v.1, n.1. 2016. 131p. Anual ISNN

1. PATRIMÔNIO CULTURAL. 2. VIII SEMANA DO PATRIMÔNIO CULTURAL.

CDD 363.69

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RecifeFundarpe2016

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco463

Aurora

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Detalhe da Oficina de Mamulengos com Tonho dos Pombos e Zé Lopes de Glória do Goitá.Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Resultado de uma Semana do Patrimônio exitosa em 2015, a Secretaria de

Cultura e a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, através da Gerência

Geral de Preservação do Patrimônio Cultural, tomou a importante decisão de lançar a

primeira edição da Revista Eletrônica Aurora 463. Uma publicação produzida de forma

coletiva, que tem a intenção de registrar as ações e as atividades promovidas durante o

evento, constituindo-se como um espaço de difusão das diversas formas de pensar,

interpretar, experimentar e brincar o patrimônio; e promovendo a extensão do

conhecimento sobre preservação patrimonial.

Nesta edição, o leitor contará com as sessões: Memória – reunião de

depoimentos dos ex-colaboradores da Fundarpe, que participaram da criação do

projeto da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco e que contribuíram de forma

significativa para a elaboração dos seus conteúdos. Apresentamos também uma linha

do tempo das edições de 2008 a 2015; na sessão Giro do Patrimônio – imagens e

pequenos textos fazem um registro das atividades realizadas no Recife e nos municípios

parceiros: Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e

Paudalho durante a oitava edição do evento em 2015. No último bloco, Artigos

Científicos – poderão ser conferidos os trabalhos de pesquisadores, mestres e doutores

convidados de diversas universidades e áreas de atuação, que participaram como

palestrantes durante a VIII Semana do Patrimônio. A publicação Aurora 463 propõe

ampliar ainda mais as discussões e reflexões iniciadas durante o evento.

Desde a primeira edição, a organização tem movido esforços para aproximar a

pauta de preservação patrimonial da população e dos fazedores de cultura; uma das

estratégias adotadas em 2012 foi a criação dos quatro eixos que conduzem todas as

atividades promovidas durante a programação. Convidamos todos a Brincar com o

Patrimônio participando de oficinas do nosso centenário frevo, a entrar numa roda de

capoeira ou até cantar numa serenata; Experimentar o Patrimônio visitando

exposições, assistindo apresentações dos nossos Patrimônios vivos e de grupos

escolares; Interpretar o Patrimônio através de uma exposição fotográfica ou participar

de uma roda de diálogo que busca entender o protagonismo feminino no Maracatu

Nação e Pensar o Patrimônio em palestras, debates e seminários.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

APRESENTAÇÃO

6Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 9: Aurora 463

Em 2015, uma série de conquistas significativas no debate sobre as práticas de

preservação do patrimônio cultural de nosso estado foram alcançadas. A fim de

fortalecer o sentimento de responsabilidade social, o governador Paulo Câmara

assinou, no dia 17 de agosto de 2015, o decreto que institui a criação do Prêmio Ayrton

de Almeida Carvalho. O objetivo do prêmio é reconhecer a atuação exemplar da

sociedade civil em ações de valorização, promoção e difusão dos bens culturais

pernambucanos, uma estratégia que transforma projetos m vetores que consolidam o

debate sobre a preservação patrimonial.

O entendimento das transformações tecnológicas e sociais que vivemos exige

dos gestores e guardiões maior atenção na forma de proteger e promover os nossos

equipamentos culturais. O desafio está em fazer com que a população reconheça no

patrimônio a sua própria história, o legado e a marca da passagem de seus

antepassados como uma herança. O adensamento nas cidades cercou as relações

sociais com muros altos transmitindo uma sensação de insegurança e medo. Promover

o encontro da população nos espaços públicos e equipamentos culturais torna-se uma

excelente forma de humanizar as urbes, rompendo assim o silêncio provocado pelo

distanciamento físico que deixaram não somente as ruas, mas as relações vazias. Ciente

dessa responsabilidade, a gestão tem grande interesse em promover políticas culturais

de pactuação com a população, daí a importância do prêmio.

Todas essas ações reforçam a construção de uma memória afetiva em torno dos

bens materiais e imateriais que nosso povo construiu ao longo de tantos anos. A partir

do momento que a população se sente parte e se identifica com essa história, torna-se

uma grande aliada na preservação e divulgação dela.

Esperamos, portanto, que essa publicação desperte no leitor as várias práticas

de educação patrimonial. Boa leitura!

Marcelino Granja de MenezesMárcia Maria da Fonte Souto

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Marcelino Granja de MenezesSecretário de Cultura do Estado

Márcia Maria da Fonte SoutoPresidente da Fundarpe

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 10: Aurora 463

Aurora 463,

Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Aurora 463

Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Aurora 463,

Semana do Patrimônio

Memória,

revista eletrônica dedicada às ações realizadas durante

a VIII , traz em seu

primeiro número depoimentos, registros visuais e artigos científicos sobre

a temática da preservação do patrimônio cultural do Estado, discutida e

debatida durante o evento em 2015. Nesta publicação, encontram-se,

portanto, diferentes visões sobre a preservação dos símbolos da cultura

pernambucana, cuja diversidade e capacidade de renovação e

ressignificação reafirmam-se cotidianamente em todo o Estado.

Aurora, que na mitologia romana representa a deusa do alvorecer,

renovava-se a cada amanhecer para percorrer os céus e anunciar a todos a

chegada do sol. Aurora, para os pernambucanos, empresta o nome à rua

que margeia o Rio Capibaribe, figurando entre as mais célebres músicas e

poesias, sendo também um dos cartões postais mais visitados e

fotografados no Recife. é ainda o endereço onde está instalada

a Fundarpe, desde 1994, onde emanam e convergem diariamente ideias

sobre a preservação dos patrimônios culturais do Estado e de onde se

originou a

O nome agora anuncia, com ares de renovação, o

surgimento da revista da , sintetizando as ações de

sua oitava edição no ano de 2015, configurando mais esse instrumento da

Secretaria de Cultura do Estado e da Fundação do Patrimônio Histórico e

Artístico de Pernambuco para se pensar e atuar na preservação cultural em

nosso Estado.

Dessa forma, na sessão o leitor poderá conferir

depoimentos de ex-colaboradores da Fundarpe, como os das arquitetas

Terezinha Silva e Ericka Rocha, protagonistas na criação do projeto da

Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, e do antropólogo Eduardo

EDITORIAL

8Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 11: Aurora 463

Sarmento, que também muito contribuiu para pensar os conteúdos

desenvolvidos em várias edições ao longo dos últimos anos. Também

neste bloco, apresentamos uma retrospectiva das edições de 2008 a

2015, com o intuito de nortear a trajetória de crescimento da Semana do

Patrimônio no decorrer do tempo.

No Giro do Patrimônio, propomos uma mirada na diversidade de

ações e temas abordados conforme quatro eixos norteadores – brincar,

experimentar, interpretar e pensar o patrimônio, visando ampliar o diálogo

entre os diversos grupos sociais do Estado, nos seus múltiplos territórios

percorridos, entre eles, os municípios de Brejo da Madre de Deus, Caruaru,

Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paudalho e Recife.

Em Artigos Científicos, selecionamos 10 textos dos conferencistas e

palestrantes das mais variadas instituições brasileiras que durante a

Semana do Patrimônio de 2015, abordaram o tema sugerido - Práticas

sustentáveis e territórios de sociabilidades. São eles: Prof.º Dr. Bruno

Padovano (USP); Prof. Drª. Márcia Sant'Anna (UFBA); Prof.º Dr. Rogério

Proença (UFS); Profª. Dr.ª Julieta Leite (UFPE); Prof.º Dr. Josemir Melo

(UEPB); Profº. Dr. Gilberto Cysneiros (UFRPE) ; Mestre Gisela Motenegro

(IPHAN); Mestre Maria Emília Freire (IPHAN); Eduardo Hahn,

(Superintendente do IPHAN/RS); Pesquisadores: Mariana Gueiros, Pedro

Silva e André Cardoso.

Ao lançar esta primeira edição, confirmamos o compromisso da

publicação Aurora 463 com o debate e a reflexão das questões urgentes

sobre a preservação cultural dos patrimônios materiais e imateriais de

nosso Estado.

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Comissão Editorial

Comissão Editorial

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 12: Aurora 463

GIRO NO PATRIMÔNIO

Brincar com o patrimônio

Experimentar o patrimônio

Interpretar o patrimônio

Pensar o patrimônio

APRESENTAÇÃO

EDITORIAL

MEMÓRIA

A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE ESPECIALIZAÇÃO

PROFISSIONAL

Terezinha Silva

SEMANA DO PATRIMÔNIO: UMA DEMANDA DA

SOCIEDADE

Ericka Rocha

PENSAR E AGIR COM O PATRIMÔNIO: MEMÓRIAS

DE UM PERCURSO, RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Eduardo Sarmento

SEMANAS DO PATRIMÔNIO: UMA RETROSPECTIVA

Renata Echeverria Martins

Márcia Souto

Comissão Editorial

SUMÁRIO

3

7

14

17

20

30

34

38

42

23

Page 13: Aurora 463

ARTIGOS

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO,

AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA ONG

AMIGOS DO TREM

André Luiz Rocha Cardoso

PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS

PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA

Bruno Roberto Padovano

PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES -

RIO GRANDE DO SUL

Eduardo Hahn

A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL

DOS GUARARAPES

Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO

FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO

Josemir Camilo de Melo

NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS:

O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE

Julieta Leite

A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO DA

POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL

Marcia Sant'Anna

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO COMPLEXO

DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM JABOATÃO DOS

GUARARAPES-PE

Maria Emília Lopes Freire

DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO

Pedro Henrique Barboza da Silva

Mariana Dantas Gueiros

Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

48

53

64

72

90

95

101

117

127

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Caretas de Triunfo.Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Page 16: Aurora 463

Em 2007, fui convidada para participar da equipe técnica da

Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco

– Fundarpe. Iniciava-se a gestão da presidência da Fundarpe

com a arquiteta Luciana Azevedo e da Diretoria de

Preservação Cultural – DPCult com a arquiteta Celia Campos. A

minha participação, como Coordenadora de Patrimônio

Histórico, foi através de uma cessão da Universidade Federal

de Pernambuco – UFPE ao Governo do Estado de

Pernambuco até 2010.

Enquanto Coordenadora de Patrimônio Histórico, tinha como

atribuições auxiliar a Diretoria de Preservação nas atividades

de: tombamento, divulgação dos patrimônios materiais e

imateriais, montagem de Plano de Preservação, fiscalização

dos bens tombados, coordenação dos levantamentos dos

bens para tombamento, coordenação do PEP - Programa de

Especialização em Patrimônio da Fundarpe, participação na

captação de recursos para atividades de Educação

Patrimonial, análise de projetos inscritos no Funcultura,

pesquisas, além de representação. Após conclusão das

atividades de coordenação, venho participando como

voluntária da Comissão de Patrimônio da antiga DPCult, após

eleição em reunião plenária da Semana do Patrimônio.

Em 2007, as ideias da Presidência e da Diretoria de

Preservação eram de dinamizar a Fundação através de política

de cultura no Estado, por meio do Plano de Gestão

A FUNDARPE COMO ESPAÇO DE ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL

1Terezinha de Jesus Pereira da Silva

1

Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco. Foi Coordenadora de Patrimônio Histórico da Fundarpe.

Terezinha de Jesus Pereira da Silva é professora do curso de Arquitetura e

MEMÓRIA

14Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 17: Aurora 463

Pernambuco Nação Cultural, que teve ações interiorizadas nas 12 Regiões de

Desenvolvimento – RDs. Durante tal período, deu-se destaque especial para a

estratégia montada visando superar as carências de formação, principalmente na

DPCult. Como compensação da falta de pessoal, foi pensado um sistema de estágio

profissional para recém formados, à semelhança do Programa de Especialização de

Patrimônio – PEP do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN. Foi

criado um edital, que teve uma boa procura, para profissionais das áreas de Arquitetura

e Urbanismo, Turismo, História, Jornalismo, Biblioteconomia, Design e Computação.

Cada profissional selecionado tinha um supervisor para acompanhamento das

atividades. Minha participação na coordenação geral da montagem desta equipe

multidisciplinar rendeu uma dinâmica na participação da política de cultura do Estado

por meio do Plano de Gestão Pernambuco Nação Cultural. As escutas realizadas pelo

Plano de Gestão, nas Regiões / municípios, envolviam todas as Diretorias da Fundarpe

contemplando os bens materiais e imateriais. Tais atividades permitiram aproximação

com o conhecimento das demandas de patrimônio, bem como direcionar as ações do

Plano de Gestão. Como frutos deste momento foram produzidos registros gráficos e

digitais sobre a listagem dos patrimônios materiais e imateriais do Estado, ações de

Educação Patrimonial, outras bibliografias sobre os patrimônios, bem como a

participação em congressos nacionais e internacionais.

A duração do estágio profissional do PEP - Fundarpe rendeu uma qualificação aos

participantes de modo que muitos conseguiram novas atividades profissionais em

função de tal atuação. Devido às interpretações de aspectos trabalhistas, a proposta do

PEP foi reformulada para outro tipo de vínculo, enquanto não se realiza concurso

público para a Fundação.

Outra atividade que tem sido muito enriquecedora como contato para redirecionar as

ações de preservação para o Estado, foi o estabelecimento em calendário da Semana

do Patrimônio. A participação de diversos segmentos da sociedade tem sido

crescente. Tais momentos vêm funcionando também como espaço para atividades

de Educação Patrimonial.

Em 2010, por motivos familiares, precisei interromper as minhas atividades na

Fundarpe. Como síntese de tal momento, posso afirmar que a Fundarpe representou

para mim um espaço de especialização profissional, além de ganhar muitos amigos.

Terezinha de Jesus Pereira da Silva

15Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Ano de 2007. Era um momento de grande

concentração de energia para a construção de uma política

pública de cultura arrojada e inovadora em Pernambuco. Na

capital e nos diversos municípios do interior do Estado, foram

realizadas escutas com o objetivo de trazer oficialmente à luz

as demandas e expectativas da sociedade, referentes às

prioridades de atuação governamentais em cada linguagem

cultural. Sendo uma ação de início de gestão, caracterizava-se,

de fato, como uma atividade de planejamento, que permitia

ouvir, sistematizar e viabilizar o desempenho do Estado a partir

de uma metodologia participativa.

Na área de Patrimônio Cultural, as demandas

espelhavam, de modo geral, uma visão um tanto pessimista e

queixosa, sobretudo quando se tratava do patrimônio

construído, tão ameaçado pela ausência de capital para sua

manutenção, quanto por quadros de pujança de

desenvolvimento. Os recursos empregados nas construções

que constituem a paisagem urbana de quase todas as cidades

do interior caminhavam, em sua maior parte, no sentido de

apagar os padrões construtivos relacionados a momentos

históricos pretéritos, carregados de simbolismos

provincianos, e aproximar-se dos signos de progresso que se

retratam nos edifícios hegemônicos nas cidades

contemporâneas brasileiras, sobretudo as mais ricas, tais como

vidros, cerâmicas, platibandas, verticalização, etc.

SEMANA DO PATRIMÔNIO: UMA DEMANDA DA SOCIEDADE

1 Ericka Maria de Melo Rocha Calábria

1

Professora do Curso de Gastronomia da UFRPE desde 2008, é arquiteta e urbanista pela FAU / UFRJ, mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE.

Foi Analista em Gestão de Patrimônio da Fundarpe;

MEMÓRIA

16Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 19: Aurora 463

O tom otimista surgia quando vinha à tona a abordagem da Educação

Patrimonial, enxergada como uma perspectiva politicamente exequível, duradora e

sistemática, que transformaria a visão da sociedade, como um todo, despertando a

consciência quanto aos valores associados ao patrimônio. Entretanto, a noção aguda da

superficialidade do conhecimento referente à história da cidade, das construções, da

paisagem junto com as práticas associadas, que lhe trazem significado, tornava urgente

a consolidação de momentos sistemáticos de reflexão e debate na esfera do patrimônio

que permitissem o reconhecimento e a difusão desses valores.

Aparecendo em praticamente todas as escutas realizadas: tanto nas regionais -

itinerantes, nas quais a participação de um público mais heterogêneo, que comparecia à

sala de debate de patrimônio, só era possível, muitas vezes porque a de música ou artes

plásticas estavam lotadas - quanto nas setoriais, cujo público era majoritariamente

constituído por pessoas envolvidas na gestão do patrimônio, estava, insistente, a

necessidade da realização de eventos que permitissem uma continuidade de discussão e

aprofundamento das questões afloradas. O tempo designado às escutas era

insuficiente e a pressão do tempo tornava-se uma angústia para os participantes que

relatavam o fato de terem ainda muito a falar.

Durante a posterior sistematização das demandas, apresentada nas reuniões

de planejamento, a necessidade de novos encontros, com maiores possibilidades

reflexivas, destacava-se com bastante nitidez, o que lhe propiciou o caráter de

prioridade. Além disso, é interessante observar que a demanda era também interna, e

que os membros mais antigos da equipe da Fundarpe desde muito enxergavam a

necessidade de realização de debates abertos à sociedade que orientassem e, ao mesmo

tempo, norteassem as ações de gestão.

Unanimemente foi estabelecida como prioritária a realização da I Semana do

Patrimônio, que foi realizada logo no ano seguinte, em agosto de 2008. A data, 17 de

agosto, foi selecionada estrategicamente para dar maior peso à divulgação do Dia

Nacional do Patrimônio Histórico, instituído nacionalmente desde 1998, no centenário

do nascimento de Rodrigo de Mello Franco de Andrade, jornalista e fundador do IPHAN.

Desde a primeira versão, a ideia do evento foi agregar diferentes áreas de

discussão e vivência, incluindo públicos diversificados, como gestores, estudantes,

pesquisadores, profissionais que atuam na área, entre outros. Isso se tornaria possível

por meio de uma atuação em três frentes: uma atividade de Educação Patrimonial

Ericka Maria de Melo Rocha Calábria

17Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 20: Aurora 463

voltada a crianças ou adolescentes, uma oficina voltada a questões práticas na atuação

dos gestores do patrimônio, envolvendo a discussão de legislações, práticas e rotinas,

etc. e um seminário com a apresentação de palestras e momentos de debate acerca da

temática do patrimônio cultural.

Com o passar dos anos, o evento foi se expandindo e se tornou possível ampliar

as frentes, que puderam se integrar com outras políticas, como por exemplo, o

Patrimônio Vivo e o Funcultura, o que foi lhe imprimindo, pouco a pouco, um caráter

plural e de maior complexidade. Além disso, espraiou-se por outros municípios, tais

como Gravatá, Bezerros, Olinda, Salgueiro, Escada, Belo Jardim, Brejo da Madre de

Deus, Igarassu e Jaboatão, entre outros, em alinhamento com a política de

descentralização das ações governamentais.

A Semana do Patrimônio de Pernambuco tornou-se um momento de obtenção

de informações importantes a respeito das políticas do patrimônio dos diversos

municípios do Estado, uma celebração dos valores do patrimônio e, sobretudo, um

momento anual de reflexão das problemáticas de cada momento. Sua oitava edição com a

duração de cinco dias, mobilizou 3.210 pessoas, envolvendo organização e participantes

em sete localidades. Que a Fundarpe tome fôlego para realizar muitas outras.

Ericka Maria de Melo Rocha Calábria

Abertura da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.Foto: Costa Neto / Fundarpe.

18Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 21: Aurora 463

Contar, descrever, relatar e argumentar, enquanto

sujeito-narrador, trajetórias, experiências e sentimentos, sob

qualquer circunstância, colocam-nos diante de significativos

desafios e limitações. Por outro lado, lançam-nos, igualmente,

no terreno fértil da busca, da rememoração, da criação, da

provocação. Uma busca de um em-se-fazendo no próprio

caminho da busca, um buscar infindável porque é sempre um

novo começo, um recomeço.

Sinto-me, aqui, estimulado a construir, desconstruir e

reconstruir os sentidos e os caminhos percorridos num

ambiente institucional delimitado, o da Diretoria de

Preservação Cultural - FUNDARPE, e, mais especificamente,

no contexto da organização da Semana do Patrimônio Cultural

de Pernambuco, ambos, por sinal, repletos de estímulos e

aprendizados.

Neles, o patrimônio cultural, elo principal, foi/é

colocado como desafio, mas, também, como um catalisador

de mudanças, ou seja, um campo repleto de valores e

recursos, ao mesmo tempo, de ambiguidades e contradições.

Com ele, diante de uma realidade multifacetada e complexa, e

PENSAR E AGIR COM O PATRIMÔNIO: MEMÓRIAS DE UM PERCURSO, RELATOS DE EXPERIÊNCIAS.

1Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento

1

Coordenador de Patrimônio Imaterial – DPPC/Fundarpe; Doutorando em Antropologia (PPGA/UFPE); Membro Pesquisador do Observatório de Museus e Patrimônio Cultural – OBSERVAMUS; Gerente Geral do Paço do Frevo.

Foi Analista em Preservação de Equipamentos Culturais e Patrimônio e

MEMÓRIA

19Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 22: Aurora 463

suas idiossincrasias, fomos/somos implicados no jogo da alteridade, no exercício de

práticas culturais instigantes que, definitivamente, exigem muito mais do que

sensibilidade e boas intenções, em que se mesclam o mercantil com o não mercantil,

o público com o privado, o industrial com o artesanal, o bem com o serviço, o tangível

com o intangível, etc.

Assim, propício ao pluralismo e ao intercâmbio, mas longe de revelar consenso

e homogeneidade, a Semana do Patrimônio, afetuosamente assim denominada,

inaugurou, num ambiente notadamente normativo e disciplinar, a possibilidade de

uma construção diversa, advinda, principalmente, da tensão crítica dos modelos

culturais e gerenciais.

Para além da perspectiva da proteção e preservação, encontramos uma

variedade de abordagens teóricas e metodológicas, formando um painel rico de

percepções, um mosaico dinâmico e plural de temas que compõem os estudos e

discussões sobre o fazer cultural, por sinal, normalmente, assimétrico e desigual.

Enfrentamos ou tentamos a apatia de uma agenda contemporânea que abordasse o

papel da cultura na formação política, educacional e social nos diversos territórios, por

consequência, as maneiras como se definem as formas de aprendizagem, circulação,

apropriação, distribuição, mercantilização de bens e processos culturais. Fenômeno

que envolve a gestão, a mediação, uso e apropriação da informação em distintos

ambientes, acadêmicos e/ou não. Assim, pouco a pouco, a imersão neste contexto foi

apontando para uma maior importância do campo de conhecimento denominado

políticas públicas, bem como das instituições, regras e modelos que regem sua decisão,

elaboração, implementação e avaliação.

Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento

20Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 23: Aurora 463

Assuntos, motivadores e desafiadores, como paisagens e cidades, educação e

cidadania, cultura e desenvolvimento, museus e patrimônio, memória e

territorialidade, diversidade cultural e proteção ambiental, megaeventos e impactos

culturais, entre tantos outros, foram invocados a compor uma trama, quase sempre

cheia de impasses, implicada na definição de uma política de preservação, conservação

e salvaguarda de bens culturais. Consequentemente, vários itinerários, óticas e

formulações foram postas em diálogo, sem abandonar, é claro, a dialética.

Emergiu-se, desse modo, um debate heterogêneo, colado, por outro lado, em

possibilidades de práticas transversais. Sem dúvida, um empreendimento que

favoreceu a troca de experiências entre diversos atores sociais, e, ainda, ao

mapeamento de ideias e atitudes sobre o patrimônio cultural. Uma iniciativa que, a meu

ver, aproximou a população do seu patrimônio, por meio de um processo de construção

de conhecimento, trazendo à tona uma perspectiva ontológica das políticas públicas, seus

desdobramentos, trajetórias e perspectivas.

Por fim, acredito que a Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco permitiu,

além de tudo até aqui relatado, conviver, sentir, refletir e aprender sobre a própria prática.

Um verdadeiro engenho laboral de construção de sentido de minha prática de gestor,

daquilo que sei daquilo que penso que sei; daquilo que faço daquilo que penso que faço.

Uma feliz oportunidade de perceber e apreender as identificações, a reciprocidade, o

contraditório, os discursos e os desejos dos “outros-eu”, gestores culturais. Suas

estratégias, posições e lutas que podem ser reconstruídas e tematizadas pela via dos

diversos fazeres e saberes. Uma descoberta do outro no si-mesmo, numa

possibilidade de navegabilidade, de posicionamento e de autolocalização.

Luiz Eduardo Pinheiro Sarmento

21Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 24: Aurora 463

SEMANAS DO PATRIMÔNIO: UMA RETROSPECTIVA

A foi

realizada em 2008. A abertura da I Semana do Patrimônio foi

realizada no auditório do Museu do Estado de Pernambuco

(MEPE) e reuniu vários profissionais ligados à área de

preservação do patrimônio do Estado. Fizeram parte da

programação debates, apresentação de projetos do

Funcultura e Ações Educativas. Cerca de 200 adolescentes da

Rede Pública Estadual de Ensino participaram das atividades

de Educação Patrimonial, que aconteceram no Museu do

estado de Pernambuco – MEPE, Museu de Arte

Contemporânea - MAC e Museu Regional de Olinda – MUREO.

Participaram da Semana 350 pessoas.

I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

1Renata Echeverria Martins

1

Preservação Cultural da Fundarpe, Coord. da Semana do Patrimônio desde 2010, jornalista pela UNICAP, mestre em Comunicação e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGCOM da UFPE.

Renata Echeverria Martins é integrante da equipe da Gerência de

MEMÓRIA

Cartaz da I Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

22Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 25: Aurora 463

Em 2009, foi realizada a

também no auditório do Museu do Estado de Pernambuco. A palestra de abertura

abordou os desafios da preservação nos municípios e perspectivas diante do PAC das

Cidades Históricas – participaram representantes das prefeituras do Cabo de Santo

Agostinho, Caruaru, Goiana, Igarassu, Ipojuca, Olinda e da Administração de Fernando

de Noronha. A programação também foi composta por: seminário, apresentação de

projetos do Funcultura e capacitação para técnicos de 45 municípios de Pernambuco

das Regiões de Itaparica, São Francisco, Araripe, Sertão Central, Sertão do Pajeú, Sertão

do Moxotó, Agreste Meridional, Agreste Central, Mata Sul, Mata Norte e Região

Metropolitana. Aproximadamente 600 alunos das escolas estaduais das cidades de

Gravatá, Bezerros e Caruaru participaram da ação educativa. Eles visitaram o Museu do

Barro de Caruaru, o Centro de Artesanato em Bezerros e o Memorial de Gravatá, com a

presença dos Patrimônios Vivos do Estado de Pernambuco: Manoel Eudócio e J. Borges.

A Roda de Mestres contou com representantes das manifestações culturais do Afoxé;

do Caboclinho, do Maracatu de Baque Virado; Maracatu de Baque Solto e do Cavalo-

Marinho. O público participante foi estimado em 480 pessoas.

De 16 a 20 de agosto de 2010, aconteceu a

Políticas Públicas de Cultura e Políticas de Educação Patrimonial foram

temas debatidos na abertura do evento, na Casa do Patrimônio, do Iphan, no Recife.

II Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco,

III Semana do Patrimônio Cultural

de Pernambuco.

Renata Echeverria Martins

Cartazes da II e III Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

23Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 26: Aurora 463

Para discutir a atuação do Ministério Publico de Pernambuco na defesa do Patrimônio

Cultural foi convidado o Promotor de Justiça de Minas Gerais, Dr. Marcos Paulo de

Souza Miranda. O Seminário da II Semana congregou diversas temáticas discutidas em

mesas realizadas no Recife e nos municípios de Escada, Belo Jardim e Salgueiro. Os

Patrimônios Vivos de Pernambuco: Caboclinho Sete Flechas, Maracatu Leão Coroado e

Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia-Noite apresentaram-se ao final do

evento, no Museu do Estado. Cerca de 500 pessoas participaram do evento.

A IV Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco teve como tema:

“Patrimônio Cultural e Desenvolvimento Sustentável”. O seminário foi realizado no

Teatro Arraial, hoje Teatro Arraial Ariano Suassuna. Durante a abertura, no dia 15 de

agosto de 2011, foi realizada uma escuta setorial e eleita a Comissão Setorial de

Patrimônio. As Mesas Redondas foram compostas por profissionais de Pernambuco e

de outros Estados, como o Prof. Zeca Brandão – UFPE/ Sec. Planejamento de

Pernambuco; Prof. Dr. Rogério Proença de Souza Leite da Universidade Federal de

Sergipe - UFS; Dr.ª Rosana Eduardo Silva Leal - UFS; Sérgio Salazar Salvati - Biólogo e

Mestre em Turismo Sustentável – SENAC – São Paulo; Jurema de Souza Machado –

UNESCO; Prof. Drª Matilde Melo – PUC/São Paulo e Fábio Cavalcanti do Iphan, entre

outros. No Cinema São Luiz, foram exibidos os curtas-metragens “Ninhos Antigos” de

Osman Godoy e “Recife Frio” de Kleber Mendonça. Mais de 800 pessoas participaram

da Semana IV Semana do Patrimônio.

Em 2012, a V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi realizada em

Olinda, numa homenagem aos 30 anos da inscrição do Sítio Histórico de Olinda na lista

do Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e

a Cultura – UNESCO. A sede da prefeitura do município abrigou o seminário:

“Patrimônio e Cotidiano”. Na Casa do Patrimônio de Olinda, gestores, técnicos e

representantes de municípios pernambucanos que possuem bens tombados no Estado

Cartazes da IV e V Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Renata Echeverria Martins

24Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 27: Aurora 463

participaram de uma capacitação ministrada pelos técnicos da então Diretoria de

Preservação Cultural da Fundarpe. Cerca de 350 alunos da Rede Pública Municipal de

Olinda participaram das ações de Educação Patrimonial pelas ruas e ladeiras do sítio

histórico, numa atividade que contou com a parceria do Instituto Cooperação

Econômica Internacional - ICEI Brasil, que também ficou responsável pela Mostra de

Gastronomia Regional e oferta das comedorias populares de Olinda. Cerca de 740

pessoas participaram do evento.

Em 2013, com o tema: “Patrimônio cultural e políticas públicas:

(des) envolvimentos e desafios”, a VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

procurou discutir temáticas como: mobilidade, políticas públicas, novas urbes,

paisagem cultural, novas tecnologias e gestão patrimonial. Participaram das mesas

professores doutores e gestores públicos locais e de outros estados do país. A

programação da VI Semana também contou com o encontro “Patrimônios em diálogo

na academia”, realizado pelo Departamento de Pós-Graduação em Antropologia da

Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/PPGA. Entre os palestrantes convidados

participaram: o Prof. Dr. Alexandre Delijaicov - USP; o arquiteto Roberto Montezuma -

UFPE; o Sec. de Mobilidade da Prefeitura do Recife, João Braga; Fernando Cabral - Pres.

Do IEPHA/MG; o professor Carlos Fernando de Moura Delphin; o Prof. Dr. Rafael Winter

Ribeiro – UFRJ; a Profª. Drª. Ana Rita Sá Carneiro – UFPE e a economista Tânia Bacelar. A

ação educativa foi composta pelas atividades do “Jogo do Patrimônio”, “Navegando no

Patrimônio”, apresentação de teatro de bonecos e mestres bonequeiros de Igarassu e

visita técnica à obra de restauração do Palácio do Campo das Princesas, entre outras

atividades. Os Patrimônios Vivos Mestre Camarão, Mestre Arlindo dos Oito Baixos e

Mestre Galo Preto apresentaram-se no Teatro Arraial Ariano Suassuna, e logo após a

cerimônia de encerramento, todos foram convidados para a entrega do Inventário

Nacional de Referências Culturais - INRC dos Maracatus de Baque Solto e Virado,

Caboclinhos e Cavalo Marinho. No Centro de Convenções de Pernambuco - CECON, o

Imagem de divulgação da VI Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Renata Echeverria Martins

25Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 28: Aurora 463

então Governador Eduardo Campos entregou à Presidente do Iphan, Jurema Machado,

os inventários das manifestações culturais. Participaram da VI Semana

aproximadamente 600 pessoas.

“Patrimônio Cultural: limites, caminhos e inovações”, com esse tema foi

aberta a VII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco, realizada de 17 a 22 de

agosto de 2014. As parcerias ampliaram-se e a VII edição do evento aconteceu também

nos municípios de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Caruaru simultaneamente. Em

Olinda, gestores e técnicos organizaram um seminário para discutir a arte urbana e o

patrimônio. As Rodas de Diálogo exploraram as questões do patrimônio cultural e

gênero. Lula Vassoureiro, Patrimônio Vivo de Pernambuco, ministrou uma oficina de

máscaras para 40 alunos da Rede Pública Estadual. Vale destacar, dentro da

programação da VII Semana, as exposições: “Materiais Construtivos e Ferramentas

Tradicionais”, na sala de exposição do Centro de Artesanato de Pernambuco;

“Exposição Pernambuco Vivo” e “Acessibilidade e Educação Patrimonial nos

Patrimônios de Pernambuco”, na Torre Malakoff. Aproximadamente 1.670 pessoas

foram contabilizadas.

A VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco foi aberta no dia 17 de

agosto, no Teatro Santa Isabel, com solenidade presidida pelo Governador do Estado de

Pernambuco, Sr. Paulo Câmara. A plateia lotada foi saudada pelos Patrimônios Vivos e

Mestres do Frevo: Duda, Ademir e Nunes. Logo depois foi lançado o Prêmio Ayrton de

Cartazes da VII e VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco.

Renata Echeverria Martins

26Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 29: Aurora 463

Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco 2015 pelo

Governador do Estado. Também fizeram parte da programação de abertura as

palestras: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, proferida pela Profª.

Drª. em Arquitetura e Urbanismo, Márcia Sant' Anna – UFBA e “Projetos de qualificação

de espaços públicos: além da modernidade líquida”, pelo Prof. Dr. em Arquitetura e

Urbanismo Bruno Padovano – USP.

Com o tema: “Práticas sustentáveis e territórios de sociabilidades”, a VIII

Semana do Patrimônio contou com a participação de representantes dos municípios de

Brejo da Madre de Deus, Caruaru, Igarassu, Jaboatão dos Guararapes, Paudalho, Recife

e Olinda. Com base nos quatro eixos norteadores da Semana do Patrimônio Cultural de

Pernambuco – Brincar, Experimentar, Interpretar e Pensar – buscou-se contribuir para o

debate em torno da preservação do patrimônio cultural a partir das práticas

reconhecidas como sustentáveis desenvolvidas nos sete municípios envolvidos.

Em 2015, cerca de 3.200 pessoas participaram da VIII Semana do

Patrimônio Cultural de Pernambuco. A significativa ampliação das parcerias e

municípios envolvidos durante a oitava edição estimulou a criação de uma publicação

que reunisse todo o conteúdo fomentado. Assim, nasceu a Revista Eletrônica Aurora

463, que tem como título o endereço da sede da Fundarpe. A publicação foi elaborada

pelos técnicos da Gerência de Preservação Cultural, palestrantes convidados e antigos

colaboradores: fazedores de cultura que labutam na árdua tarefa de manter erguido o

patrimônio cultural de nosso Estado.

Renata Echeverria Martins

27Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 30: Aurora 463

Mamulengos.Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

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Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Page 32: Aurora 463

De forma bastante lúdica, alunos do município de Brejo da Madre de Deus puderam se apropriar de conceitos relativos ao patrimônio e sua preservação, por meio dos Diálogos Patrimoniais, e depois aprender brincando com o Jogo do Patrimônio 2.0 na exposição Patrimônios Vivos de Pernambuco. A atividade contou com a presença de malabarista de pernas de pau e suas pupilas, enriquecendo o diálogo com troca de experiências.

A exposição itinerante Pernambuco, Cultura, História e Mar – Galeria Móvel de Miguel Igreja trouxe um pouco mais de movimento ao espaço público da cidade de Brejo da Madre de Deus, sete bicicletas portando fotografias gigantes, numa espécie de galeria móvel, circularam pelas ruas mostrando um pouco dos patrimônios existentes em Pernambuco.

30

Diálogos Patrimoniais em Brejo da Madre de Deus.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Jogo do Patrimônio 2.0.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

BRINCARCOM O PATRIMÔNIO

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 33: Aurora 463

Além do Brejo da Madre de Deus, a Mostra Pernambuco, Cultura, História e Mar – Galeria Móvel Sustentável, do fotógrafo Miguel Igreja, também circulou pelas ruas dos municípios de Caruaru, Paudalho e Igarassu, divulgando o patrimônio cultural do Estado numa perspectiva visual inovadora e criativa.

31

Exposição Patrimônios Vivos de Pernambuco.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja

em Paudalho. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Galeria móvel sustentável do fotógrafo Miguel Igreja em

Brejo da Madre de Deus.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 34: Aurora 463

No 'Sobrado do Imperador', onde está instalada a Casa do Patrimônio do Iphan de Igarassu, foi realizada mais uma edição do projeto Sobrado dos Bonecos pelo Teatro Popular de Bonecos. A ação contou com a presença de mestres dos municípios de Carpina, Lagoa de Itaenga, Igarassu e Glória do Goitá, que participaram de Mesas-Redondas, Rodas de Conversa, exibições de vídeos, apresentação de Teatro de Bonecos e Oficinas de Mamulengos. Crianças, jovens e adultos vivenciaram o patrimônio de maneira lúdica e educativa.

32

Oficina de criação de bonecos em Igarassu.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

O mestre e sua criação na Casa do Patrimônio do Iphan em

Igarassu. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Mestre Antero Assis na Casa do Patrimônio do Iphan em Igarassu.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 35: Aurora 463

O Jogo do Patrimônio 2.0 também mobilizou estudantes no Memorial de Justiça de Pernambuco e no Educandário Magalhães Bastos no bairro da Várzea.

Em Paudalho, houve a ação Redescobrindo o Pastoril, formação cultural com alunos da Escola Municipal do Junco, na Zona Rural de Paudalho.

33

Redescobrindo o Pastoril. Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Jogo do Patrimônio 2.0 no Memorial de Justiça, no Recife.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 36: Aurora 463

Também fez parte da programação de atividades do Brejo da Madre de Deus o Cinema na Estrada que apresentou em praça pública o filme: A Compadecida, do mestre Ariano Suassuna, gravado na cidade há 60 anos. A intenção foi de que as pessoas vissem e se identificassem com as imagens gravadas há seis décadas e que alguns moradores da época pudessem se sentir parte desse patrimônio. Na plateia, um dos figurantes, que nunca havia assistido ao filme, mostrou-se emocionado e feliz pela oportunidade.

No município de Paudalho, foi possível experimentar o patrimônio através da ação Todo sentimento: uma viagem ao coração, que consistiu numa oficina de inclusão cultural para portadores de deficiência mental e autistas.

34

Cinema na Estrada em Brejo da Madre de Deus.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Todo sentimento: uma viagem ao coração, em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

EXPERIMENTARO PATRIMÔNIO

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 37: Aurora 463

Uma parceira entre a Fundarpe e a Prefeitura do Recife possibilitou a capacitação dos mediadores do Projeto Olha! Recife, que promove diversos roteiros culturais e históricos na cidade. Na Semana do Patrimônio, o público teve a oportunidade de conhecer os jardins históricos de Burle Marx, recentemente tombados pelo Iphan. A pé ou pedalando, também puderam percorrer o trajeto do Museu do Trem, no bairro de São José, até o Ginásio Pernambucano no Bairro de Santo Amaro.

A oficina de dança e percussão Maracatu no Solo Sagrado: patrimônio cultural de Pernambuco aconteceu na sede do Maracatu Raízes de Pai Adão no Recife.

35

Maracatu no Solo Sagrado.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Programação especial do projeto

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Olha! Recife.

Maracatu no Solo Sagrado.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 38: Aurora 463

36

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Page 39: Aurora 463

No mesmo eixo temático de experimentar o patrimônio, foi realizada a ação MBIRI-TYBA: A Celebração aos antepassados indígenas paudalhenses “Potiguaras e Tabajaras” em Chã do Conselho, Zona Rural de Paudalho, envolvendo centenas de estudantes do Colégio Municipal José Bonifácio, Escola Municipal do Junco, Escola Municipal Itaboraí, Escola Municipal São Bernardo, Colégio Municipal Maria de Fátima e Colégio Estadual José Antonio Fagundes.

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Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Ação MBIRI-TYBA em Paudalho.

Foto cedida pela Prefeitura de Paudalho.

Page 40: Aurora 463

Interpretar o patrimônioInterpretar o patrimônio

Na cidade do Recife, foram realizadas diversas Rodas de Diálogo com temáticas que contemplaram a diversidade de nossos bens imateriais - Patrimônio Cultural e Gênero: o protagonismo da mulher no Maracatu Nação; O Protagonismo da Mulher no Artesanato; Maracatu Nação & Patrimônio: territórios do invisível e espaços de sociabilidades e Desafios dos Museus na Contemporaneidade.

38

O protagonismo da mulher no Maracatu Nação.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

O protagonismo da mulher no Artesanato.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

INTERPRETARO PATRIMÔNIO

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Maracatus Nação & Patrimônio.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 41: Aurora 463

39

Os desafios dos museus na contemporaneidade.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Os desafios dos museus na contemporaneidade.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 42: Aurora 463

Na cidade de Brejo da Madre de Deus, alunos do Ensino Médio puderam conhecer sobre as Etapas do Restauro e Adequação da Casa de Câmara e Cadeia, hoje Centro Cultural do município e ver de perto os artefatos arqueológicos das escavações.

Em Paudalho, o encontro Café & Prosa reuniu mestres do cordel, da cantoria e da poesia: Beija Flor, Zaminho, Felipe Cornélio, Paulo Henrique e Lima no arquivo público municipal.

40

Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de

Brejo da Madre de Deus.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Etapas do restauro e adequação da Casa de Câmara e Cadeia de

Brejo da Madre de Deus.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Café & Prosa em Paudalho.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Café & Prosa em Paudalho.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 43: Aurora 463

Na Igreja de Santo Antônio de Igarassu, estudantes do Ensino Médio da Escola Estadual João Pessoa Guerra tiveram a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a edificação histórica de Igarassu através da palestra Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica do Convento Franciscano de Igarassu, proferida Roberto Carneiro, Técnico da Fundarpe, que trabalhou na obra de restauro do convento.

41Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Um olhar sobre o restauro e a arqueologia histórica de Igarassu.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 44: Aurora 463

Pensar o patrimônioPensar o patrimônio

A Cidade do Recife foi palco da abertura da VIII Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco. O Teatro de Santa Isabel recebeu autoridades, entre elas o Governador do Estado, Sr. Paulo Câmara. A plateia lotada assistiu a apresentação dos Mestres de Frevo Duda e Ademir, que renderam homenagens ao maestro Nunes. Na solenidade, foi lançado o Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco e proferidas palestras da Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA) e do Prof. Dr Bruno Padovano (USP). A Banda Sinfônica da Cidade do Recife encerrou a festa.

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PENSARO PATRIMÔNIO

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Lançamento do Prêmio Ayrton de Almeida Carvalho.

Foto: Costa Neto/SecultPE.

Maestros Ademir e Duda.

Foto: Costa Neto/SecultPE.

Page 45: Aurora 463

Com proposta de reconhecer, celebrar e difundir as culturas Afro-brasileiras e indígenas da comunidade de Paudalho, foi realizado o Inventário de Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-brasileiras do Município de Paudalho no arquivo público da cidade.

43Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Banda Sinfônica da Cidade do Recife.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Prof.ª Dr.ª Márcia Santana (UFBA), Renata Echeverria

e o Prof. Dr Bruno Padovano (USP).

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.Orquestra de Frevo do Maestro Nunes.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Inventário de Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-brasileiras

do Município de Paudalho. Foto: Pefeitura de Paudalho.

Page 46: Aurora 463

No Museu do Trem, no Recife, professores, arquitetos e funcionários da instituição reuniram-se para debater sobre o Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação.

Outras palestras e minicursos também foram ministrados, tais como – Desenvolvimento de TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de Pernambuco; Monumentos e Documentos: memórias para uma boa ancestralidade; Janelas do Tempo: possibilidades de interpretação do patrimônio cultural do Recife; A religiosidade como expressão do Patrimônio Cultural e Manifestações Culturais Afrobrasileiras: Patrimônio e (In) tolerâncias.

44Aurora 463

Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Patrimônio Ferroviário: seu legado, perspectivas e ações de preservação. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 47: Aurora 463

45Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Monumentos e Documentos: memórias para uma boa ancestralidade.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Janelas do Tempo, possibilidades de interpretação do patrimônio cultural do Recife. Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Desenvolvimento de TICS Aplicadas à Educação Patrimonial de Pernambuco.

Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 48: Aurora 463

Postais da memória.Foto: Acervo Fundarpe/SecultPE.

Page 49: Aurora 463

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Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Page 50: Aurora 463

48

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO DE PERNAMBUCO,

AÇÕES DE PRESERVAÇÃO E O TRABALHO DA

ONG AMIGOS DO TREM

André Luiz Rocha Cardoso

INTRODUÇÃO

Em 1854, o Brasil já tinha por inaugurada a sua primeira estrada de ferro, sendo

esta a Estrada de Ferro Petrópolis, conhecida por “Estrada de Ferro Mauá”, levando o

nome do Barão de Mauá, o Irineu Evangelista de Souza, o seu principal acionista. Quase

quatro anos depois, seria inaugurada a segunda ferrovia em solo brasileiro, sendo esta

em Pernambuco, a Recife and São Francisco Railway Company, tendo sua primeira

etapa, entre a Recife e a Villa do Cabo, inaugurada em 8 de fevereiro de 1858. Estava

dado o pontapé inicial para a implantação dos caminhos de ferro no estado.

A proposta da Recife ao São Francisco era justamente ligar a capital

pernambucana ao Rio São Francisco, na altura da Cachoeira de Paulo Afonso. O objetivo

não foi concretizado; novos interesses levaram seus trilhos até a cidade de Garanhuns,

como Estrada de Ferro Sul de Pernambuco. Uma ramificação foi então construída

proporcionando a ligação desta ferrovia com a Estrada de Ferro Central de Alagoas em

1894. Já em 1881, nova ferrovia era inaugurada em solo pernambucano, desta vez a

Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro, pela Great Western of Brazil Railway Company.

Em 1881, os trilhos já se encontravam na atual Carpina e em 1882 alcançavam

Limoeiro, com um ramal para Nazaré da Mata. Este ramal foi prolongado até alcançar

a Paraíba em 1900.

Também na década de 1880, mais precisamente em 1885, era inaugurado o

primeiro trecho da Estrada de Ferro Recife a Caruaru, que veio a se chamar Estrada de

Ferro Central de Pernambuco. Este primeiro trecho entre Recife e Jaboatão continuou

sendo prolongado por etapas, atingindo em 1895 Caruaru, em 1912 Arcoverde, em 1949

Afogados da Ingazeira, em 1957 Serra talhada e, no início dos anos 1960, Salgueiro.

A Estrada de Ferro Central de Pernambuco, a Estrada de Ferro do Recife ao São

Francisco (e a Estrada de Ferro Sul de Pernambuco, da mesma forma que seu

1

1

Museu do Trem e atualmente cursa a graduação em História pela Universidade Federal Rural de

Pernambuco. É membro da Direção Regional Pernambuco da ONG Movimento Nacional Amigos do Trem.

André Luiz Rocha Cardoso, recifense, é assistente de Coordenação do Acervo da Estação Central Capiba/

ARTIGO

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 51: Aurora 463

49

prolongamento até Alagoas) e a Estrada de Ferro do Recife ao Limoeiro (da mesma

forma como seu prolongamento até a Paraíba) constituíram respectivamente a Linha

Tronco Centro, Linha Tronco Sul e Linha Tronco Norte de Pernambuco, sendo as nossas

principais ferrovias, havendo ainda algumas ramificações. Convém destacar que além

dessas linhas principais, o estado dispunha de várias malhas ferroviárias particulares

que atendiam a indústrias, principalmente açucareiras, citando como exemplo a grande

malha ferroviária da Usina Catende e a da Usina Central Barreiros.

DESVALORIZAÇÃO DO TRANSPORTE SOBRE TRILHOS

O declínio do transporte ferroviário em Pernambuco pode ter seu início

sinalizado na década de 1930, a partir dos incentivos à construção de rodovias e à

indústria automobilística e da borracha. No entanto, essa situação de desvalorização

dos trilhos só viria a se agravar a partir da década de 1960, atingindo seu auge na década

de 1980, quando vários ramais e linhas tronco foram desativadas para o tráfego de

passageiros. Em Pernambuco, nessa década, deixaram de circular os trens de

passageiros interurbanos e interestaduais, como é o caso do trem Recife – Salgueiro e

Recife – Maceió. A década 1990 seria marcada pela supressão do transporte de cargas

em vários trechos e pela privatização da malha ferroviária, antes em poder da estatal

RFFSA, a Rede Ferroviária Federal S/A. A quase totalidade da malha nordestina,

incluindo Pernambuco, passava a ser gerida pela Companhia Ferroviária do Nordeste, a

CFN, para o transporte de cargas. Os trens de passageiros restantes, os de subúrbio,

ficaram sob a gestão da CBTU, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos, como já o eram

os trens urbanos desde 1984 quando fora criada esta companhia.

UM PATRIMÔNIO DE PESO QUE NECESSITA SER PRESERVADO

A partir deste breve resumo histórico, pode-se perceber um pouco da

grandiosidade e da importância do patrimônio ferroviário de Pernambuco. Ao longo

destes mais de 1100 km de trilhos, cortando inúmeras cidades, foram montadas

estações e armazéns para passageiros e cargas, oficinas para o material rodante, como

é o caso das oficinas de Jaboatão e de Edgard Werneck, esta no bairro de Areias no

Recife, que foram duas das mais importantes oficinas de material ferroviário do

Nordeste. Vilas ferroviárias, garagens, afora tantos outros aparatos técnicos que

tiveram sua execução necessária para permitir a passagem dos trens, a exemplo das

várias obras de arte representadas pelas centenas de pontes e pelos vários túneis

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abertos nas linhas Sul e Centro. Um patrimônio de destaque que figura no contexto

urbano e rural dos diversos municípios pernambucanos cortados pelos trilhos e que,

com sua implantação e com a sequente operação dos trens foi de extrema importância

na modificação e estabelecimento de novas relações econômicas e sociais, ou seja, a

ferrovia exerceu uma importante função social no cenário brasileiro.

A ONG AMIGOS DO TREM EM DEFESA DAS FERROVIAS

Tendo como cenário essa necessidade de se preservar o patrimônio público

ferroviário pela sua importância já ressaltada é que surge em 2001 oficialmente a OSCIP

ONG Movimento Nacional Amigos do Trem, uma entidade popular unida com o

objetivo de poder zelar pelas ferrovias brasileiras. Em 2013, a partir da adesão de novos

membros que já se moviam por essa causa em Pernambuco, a ONG se expande para

este estado. Em 2014, é então criada a Direção Regional Provisória da ONG Amigos do

Trem em Pernambuco.

INICIATIVAS EM PROL DA PRESERVAÇÃO

Várias ações vêm sendo desenvolvidas pela ONG Amigos do Trem no sentido de

preservar esse patrimônio e também na tentativa de poder conscientizar outras

parcelas da população sobre a importância de fazê-lo, mostrando que as linhas que

hoje estão ociosas já muito serviram, durante mais de cem anos, e ainda podem muito

servir, tanto para o transporte de cargas, quanto para o transporte de passageiros, onde

se enquadram os trens comerciais regulares e os trens turísticos-culturais. Estes

últimos já vêm mostrando em várias partes do Brasil que são uma boa alternativa para

proteger esse patrimônio e dar uma utilidade pública ao mesmo.

A proposta de implantação de trens turísticos está sendo no momento uma das

formas de ação da ONG Amigos do Trem. O primeiro destes a ser operado pela ONG está

em fase de execução e será no estado do Rio de Janeiro, região serrana deste estado,

fazendo um percurso numa região de belas paisagens, bastante explorada pelo turismo

e que possui uma antiga linha em desuso, a Linha auxiliar da Estrada de Ferro Central do

Brasil. O projeto que está sendo executado pela ONG e parcerias prevê a modificação da

bitola (distância entre os trilhos) desta linha, de 1,00 m para 1,60 m para permitir a

passagem da automotriz, um veículo ferroviário com capacidade para mais de 50

pessoas fabricado na década de 1950 e que estava desde a década de 1990 parado e

que foi cedido pelo DNIT e recuperado pelos voluntários da ONG. A previsão é que este

trem, o Trem da Serra Azul, seja inaugurado ainda em Outubro de 2015.

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Em Pernambuco as ações em prol de zelar por esse patrimônio já acontecem

desde 2013. As primeiras iniciativas, que ainda são realizadas, foram caminhadas pelos

trilhos denominadas “Nos Trilhos da História”. Essas ações visam aproximar a população

dos trilhos, ou seja, de trazer todos para conhecerem de perto esse patrimônio. As

caminhadas, geralmente realizadas num percurso médio de 10 km, de modo a mais

pessoas poderem participar, são geralmente realizadas entre uma e outra estação ou

outro ponto importante da ferrovia. A primeira caminhada, realizada em 20 de julho de

2013, foi um percurso de 4,5 km entre a Estação Ferroviária do Cabo de Santo Agostinho,

no Centro desta cidade (e que é a mais antiga estação ferroviária do Brasil ainda em

funcionamento, desde sua inauguração em 1858) até o Túnel do Pavão, localizado no

mesmo município, que foi aberto em 1858 pela Recife and São Francisco Railway (Estrada

de Ferro do Recife ao São Francisco), sendo este o primeiro túnel ferroviário já aberto no

Brasil. Outras caminhadas “Nos Trilhos da História” se sucederam. A segunda ocorreu

em 09 de novembro, também de 2013, no trecho entre a Estação Ferroviária de Carpina

e a de Paudalho, ambas na Mata Norte, Linha Norte de Pernambuco. A terceira,

também na Linha Norte, foi realizada entre as estações de Carpina e de Nazaré da Mata,

num percurso e 12 km pelos trilhos, no dia 19 de julho de 2014.

Atualmente, voluntários da ONG Amigos do Trem em Pernambuco estão

realizando o trabalho de fiscalização voluntária da Linha Norte de Pernambuco. Esta

Linha, que parte do Recife com direção ao estado da Paraíba, cruza a Zona da Mata

Norte do estado, cortando várias áreas de matas, canaviais, usinas e engenhos. A

escolha da Linha Norte para realizar de início este trabalho deveu-se ao fato de que a

mesma teve tráfego de cargas por parte da concessionária Ferrovia Transnordestina

Logística até por volta de 2011, logo a mesma ainda apresenta condições de tráfego,

embora que mínimas. Além disso, a linha corta uma zona de grandes atrativos turísticos

e pouco explorada, estando inserida no roteiro turístico estadual “Circuito dos

Engenhos”, fora a própria viabilidade que teria o trecho para a reativação dos trens

regulares de passageiros, pleito pelo qual alunos da Universidade de Pernambuco

(UPE) Campus Mata Norte já vem se mobilizando. O referido Campus, localizado na

cidade de Nazaré da Mata, uma das cidades cortadas pela via férrea possui milhares

de alunos e servidores que, com a reativação da Linha Norte para o transporte de

passageiros, contariam com um meio de transporte rápido, seguro e barato, além da

própria população das cidades cortadas pela via férrea que também ganharia

bastante com isto.

O trabalho de fiscalização voluntária realizado pela ONG Amigos do Trem

consiste na ação de limpeza parcial e circulação pelos diversos pontos desta via férrea

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de modo a poder garantir que a mesma não seja depredada, com isso garantindo a sua

existência para execução de projetos futuros, como o trem turístico defendido pela

entidade neste trecho. A ação, desenvolvida pela ONG em parceria com a Ferrovia

Transnordestina Logística, está em fase inicial. Foi cedido pela FTL à ONG um auto de

linha, veículo ferroviário com capacidade para até 9 pessoas, utilizado para inspeção e

manutenção da via férrea o qual, quando concluída sua reforma, será utilizado pela

entidade no trabalho de fiscalização voluntária, mediante todos os processos legais

necessários para a operação do mesmo.

Desse modo, finalizamos com a frase lema da ONG Amigos do Trem que expressa

bem o objetivo desta entidade na defesa do patrimônio público ferroviário brasileiro:

“Trens de passageiros, quem andou tem saudades, quem não andou tem vontade”.

REFERÊNCIAS

CÔRTES, Eduardo. . Editora Persona: Recife, 2003.

MELO, Josemir Camilo. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste (1850 – 1900). Editora da UFCG: Campina Grande, 2008. PINTO, Estêvão. História de Uma Estrada de Ferro do Nordeste. José Olympio: Rio de Janeiro, 1949.

CARSOSO, André. . Disponível em:<http://amigosdotrempernambuco.blogspot.com.br/2015/06/amigos-do-trem-na-linha-norte-de.html>. Acessado em 08/10/15.

________. Uma viagem de trem há 156 anos. Disponível em:<http://memoriaferroviariadepe.blogspot.com.br/2014/02/uma-viagem-de-trem-ha-156-anos.html>. Acessado em 09/10/15.

OSCIP Amigos do Trem. Instituição Oscip. Disponível em: <http://www.amigosdotrem.org/p/oscip.html>. Acessado em 09/10/15.

Da Great Western ao Metrô do Recife

Amigos do Trem na Linha Norte de Pernambuco: Entenda os projetos

André Luiz Rocha Cardoso

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PROJETOS DE QUALIFICAÇÃO DE ESPAÇOS

PÚBLICOS: ALÉM DA MODERNIDADE LÍQUIDA

Bruno Roberto Padovano

INTRODUÇÃO

Com sua historicamente comprovável carga física, o campo do Urbanismo tem

dirigido sua atenção aos processos de requalificação dos espaços públicos de nossas

cidades principalmente a partir de uma ótica construtiva, visando transformar tais

espaços mediante intervenções físico-espaciais capazes de lhes devolverem melhores

condições de uso para seus usuários, em função de demandas emergentes e de

necessidades de serem adequadas para abrigá-las. Para entendermos isto, é preciso

vermos, ao longo da história das cidades, como o espaço público foi determinado pelas

suas sociedades.

Antes da existência das primeiras cidades, nas sociedades tribais mesolíticas ou

neolíticas como a dos povos indígenas brasileiros, que viviam da caça e da pesca

principalmente (com alguma atividade agrícola rudimentar), espaços privativos e

públicos eram uma coisa só. Atividades como a música e a dança faziam parte do

universo mágico destas populações e todos os seus membros participavam delas.

1

Figura 1: Foto de Noel Villas Boas, Xingu, aldeia Yawalapiti, Kuarup, 2009.

1

Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (NUTAU/USP). E-mail: [email protected].

Bruno Roberto Padovano é Arquiteto e Urbanista, Músico e Compositor, Professor Titular da

ARTIGO

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Com a fixação de tribos no território e o começo da agricultura pré-industrial,

surgiram os primeiros núcleos urbanos, e com estes, uma divisão física entre espaços

públicos e privados, com as atividades coletivas, de caráter religioso e festivo,

ocorrendo principalmente nos primeiros. E um comércio de rua, muitas vezes

associado a alguma forma de espetáculo, como nesta imagem de um encantador de

serpentes, estrutura-se a partir desta divisão, tomando as feições de feiras ao ar livre.

Com o surgimento de impérios, essas primeiras comunidades urbanas foram

sendo subjugadas por cidades históricas imperiais como Ur na antiga Mesopotâmia e

Roma, na Itália, atingindo populações muito maiores e mostrando esta carga física de

caráter monumental, pela qual os eventos públicos eram hospedados em grandes

estruturas físicas, como o Coliseu ou o Circo Máximo, que podia hospedar até 200 mil

espectadores, o dobro do atual Maracanã.

Com a queda dos impérios, como o Romano, surgiu, no caso da Idade Média na

Europa, o surgimento das Cidades Estado, com a consolidação dos burgos medievais ou

da pequena cidade murada com sua trama medieval, dentro da qual muitas das

atividades coletivas e culturais das cidades imperiais eram reproduzidas,

especialmente nos ambientes públicos, gerenciados por governantes, fossem estes reis

ou lordes pertencentes a uma ordem feudal. As estruturas imperiais são abandonadas

e, em muitos casos, viram ruínas ou são reaproveitadas para hospedar habitações.

Com o advento da industrialização, os espaços públicos demasiadamente

limitados das cidades históricas e de seus núcleos originais, dimensionados para fluxos

de pedestres e, eventualmente, a passagem de uma carruagem ou de um ou outro

cavaleiro, não apresentavam condições de uso por fluxos daquele que veio se tornar o

grande agente transformador das cidades. Primeiro, surgiram as bicicletas, os bondes e

trens (precursores dos VLTs) e, em seguida, os automóveis e os ônibus urbanos, além da

circulação de outros veículos motorizados, como taxis, caminhões, vans, motocicletas,

e, mais recentemente, a própria bicicleta, que volta como protagonista da mobilidade

sustentável nos centros urbanos atuais, após grande popularização na China. As

grandes avenidas de Nova York ilustram o agigantamento da mobilidade motorizada na

metrópole industrial, com as calçadas acompanhando timidamente o grande fluxo de

veículos, de passagem.

A popularização globalizada de uso destas modalidades de transporte urbano

trouxe impactos enormes sobre as estruturas das cidades antigas, colocando seu

patrimônio histórico sobre a pressão de mobilidades urbanas sem precedentes e que

exigiram ampliações viárias de dimensões também inusitadas. Essa pressão resultou

em projetos urbanísticos que literalmente devastaram áreas inteiras de bairros com

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traçado medieval, como os famosos bulevares em Paris ou o

rodoviarismo de Robert Moses em Nova York no século XIX, levando arquitetos

modernistas como Le Corbusier a imaginarem a possibilidade de se realizar uma

“tábula rasa” sobre os bairros antigos para acomodar um novo urbanismo

funcionalista, ainda nos primórdios do século passado.

Novamente, diante desse agigantamento que lembra o das cidades imperiais,

as atividades festivas e culturais acabaram sendo dirigidas para espaços especializados,

como teatros, cinemas, centros culturais, estádios, etc., com pouca atividade deste tipo

nos demais espaços públicos, fora eventos e festividades pontuais, como o nosso

carnaval, que também vem deixando os espaços públicos tradicionais e sendo

hospedado em sambódromos, ou seja, fora de ruas, praças e largos, ainda usados em

cidades nordestinas, nas quais esta tradição é profundamente enraizada, como no

Recife e em Olinda.

Os espaços públicos das antigas cidades e cidadelas históricas foi assim

transformado por uma intensa ação de modernização das estruturas de mobilidade

urbana e, na medida em que as redes de cidades foi se estendendo territorialmente,

esta ação tornou-se regional, nacional e transnacional, com o surgimento de um

território globalizado, complexo e conector de espaços cada vez mais amplos da Terra.

Hoje, a mesma especialização ocorre em rede, com estádios localizados ao longo de

vias expressas, como o Allianz Arena, na Alemanha, cercados por estacionamentos e

acessada por via expressa.

Nesse processo, acompanhado pelo surgimento das redes proporcionadas pela

indústria da informática e das telecomunicações, a sociedade contemporânea vem se

afastando de seu tradicional convívio com as estruturas urbanas pré-industriais,

encontrando uma nova forma de viver a cidade que dispensa um contato mais físico e

interativo no plano interpessoal com a mesma: o processo de coccooning, com os

consumidores fechados em suas casas assistindo a shows à distância. O espaço público

tradicional se ressente desta falta de transeuntes e espectadores que os animavam no

passado, especialmente em horários não comerciais.

No novo território urbanizado que mescla cidade e campo, não parece mais

haver espaço para um convívio maior de pessoas nos espaços públicos tradicionais,

com o fortalecimento do espaço privativo sobre o anterior, no qual inclusive atividades

coletivas são praticadas de forma pontual e isolada de um convívio social mais aberto e

integrador. Nos circos, clubes esportivos, nos shopping centers, nos centros

especializados de toda ordem, em hotéis e pousadas distribuídas pelo território das

novas redes urbanas, os convívios se tornam cada vez mais virtuais e há, como

Haussmannianos

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encontramos nos textos de Zygmunt Bauman, um derretimento da ordem urbana

anterior e o desaparecimento das cidades como componentes referenciais de uma

sociedade urbanizada. Surge até uma expressão arquitetônica contemporânea, a da

modernidade líquida, como na arquitetura de Zaha Hadid.

Estaríamos assim passando de um estado sólido para o líquido, de uma

sociedade mecânica-física para uma digital-fluida. De uma sociedade industrial serial

para a das redes informacionais interativas, que exige uma nova espacialidade para

que a experiência coletiva, vital para a cidadania, possa ser reencontrada, como

nestes projetos experimentais de estudantes de graduação e pós-graduação do

Politécnico de Milão, que, diferentemente aos projetos de Zaha Hadid, incluem a

dimensão natural. Em tais ambientes fluidos, podemos até imaginar o surgimento de

uma nova cultura imaterial, já que o pedestre volta a ser o protagonista nos espaços

construídos.

Nas nossas grandes cidades contemporâneas, como São Paulo e Recife, os

espaços públicos das comunidades que ainda vivem nas partes mais adensadas das

cidades pré-existentes sofrem, assim, abandono e esvaziamento de suas funções

públicas e, após os horários comerciais, passam a apresentar um quadro deprimente e

degradante da condição urbana, tornando-se favoráveis às ações de criminosos que

não se veem observados e podem atuar de forma impune contra terceiros. A falta de

segurança passa a ser um efeito de causas profundas que fogem do controle do gestor

público tradicional e se tornam fator determinante de mais “fuga das cidades” para

ambientes totalmente privatizados e seguros, que são, porém, carentes dessa

interação urbana.

Nas periferias paulistanas da autoconstrução que incluem desde favelas em

áreas de risco a bairros irregulares, porém consolidados, há uma enorme carência de

espaços públicos condizentes com a necessidade de atividades de lazer ativo e passivo

da imensa população que ali reside, por meio do entretenimento realizado por agentes

voltados às artes performáticas (música, teatro, mímica, prestidigitação, marionetes,

circenses, etc.) por meio de instalações que lhes possam dar mínimas condições de

realização com participação popular.

Por outro lado, grandes ou mesmo megaeventos performáticos como o 'Rock in

Rio' e a 'Virada Cultural' em São Paulo não constituem formas de regeneração do

caráter coletivo dos espaços públicos, gerando mais especialização territorial e

inviabilizando uma cultura mais pública, na escala do transeunte, trazendo segurança

aos espaços públicos em boa parte abandonados e subutilizados.

Dentro deste contexto, entendemos que, se a tendência para uma

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fragmentação social e espacial cada vez maior seja possivelmente inevitável numa

sociedade da emergente e onipresente realidade virtual, existe ainda uma

possibilidade para que as partes consolidadas de nossas cidades ofereçam convívio

alternativo àquele proporcionado pela crescente indústria digital. Nesse cenário

alternativo, elas poderiam ainda ser salvas deste derretimento generalizado que

caracteriza o cenário global de nossas antigas cidades, em acelerado processo de

desaparecimento mediante seu abandono por populações de renda mais elevada e

parca atenção do setor público, por causa da necessidade de sua conservação, cujos

custos são elevados. Existe a necessidade de uma animação do espaço público com

atividades que possam favorecer o convívio de sua população, hoje acanhada por

causa do coccooning, por meio de atividades performáticas, hoje reduzidas a uma

sobrevivência precária dos artistas no meio social, numa associação da cultura com a

mendicância.

É objetivo desse texto enumerar algumas experiências que trazem para um

plano “gasoso” ou “etéreo” a qualificação dos espaços públicos em áreas urbanizadas

consolidadas, porém em processo de degradação, como o centro de São Paulo.

Entendemos este conjunto de posturas e de atividades regenerativas de uma

urbanidade mais cidadã como uma ação corretiva deste esvaziamento do espaço

público num país fortemente urbanizado como o Brasil e numa megacidade como São

Paulo e suas cidades conturbadas na consolidação de uma região metropolitana com

mais de 20 milhões de habitantes. Recuperar as atividades performáticas no que

sobrou dos espaços públicos passa a ser uma resistência cultural tão ou mais

importante do que o movimento “Occupy”, que vem ocorrendo com a crise do sistema

capitalista globalizado, que parece não ter solução, deixando milhões sem empregos e

incentivando as migrações intercontinentais entre países pobres e os ricos, como o que

pode ser acompanhado na Europa atualmente.

Nesse artigo, buscamos salientar a importância de um espaço público vivo e

amigável para o convívio mais amistoso na sociedade contemporânea, pelo qual o seu

estado de liquidificação, conforme arguido por Bauman, possa atingir um novo

patamar existencial, no qual o imaterial, o etéreo ou efêmero (aquilo que “dura” apenas

durante sua realização, mesmo que registrado por gravações em vídeo) passe a fazer

parte da riqueza da experiência humana no cotidiano da vida, humanizando assim os

espaços/palcos da própria vida, tornando-a rica e fértil novamente, no contexto de uma

sociedade que se desfaz do estado sólido original e se transforma em líquida, ou, no

caso, em etérea.

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1. A NATUREZA DO PROBLEMA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS

Nas últimas décadas, vem se observando, mundialmente, um número

crescente de desempregados urbanos que, somados aos tradicionalmente pobres nas

cidades e campos, vem preocupando as autoridades, incapazes de atender suas

demandas, e gerando um clima de insegurança nas cidades, com o crescimento da

violência urbana e o da alta do consumo de entorpecentes. Nos países mais pobres,

trata-se de um fenômeno inquietante: de um lado, o dos sem tetos e moradores de rua,

muitas vezes agredidos, quando não mortos por psicopatas covardes, e do outro o dos

drogados, que são vítimas de sua própria insegurança da qual tentam se refugiar por

meio de substâncias alucinógenas, como a heroína e o crack. Assim, podemos falar,

aqui entre os especialistas que se preocupam com a preservação do patrimônio

cultural, o colapso do patrimônio mais importante que podemos ter: o das vidas

humanas. Dois assuntos aparentemente distintos, na realidade tem uma origem

comum: o descaso como o passado e com o futuro, no presente. No abandono humano,

encontram-se ecos do mesmo abandono das estruturas físicas erguidas pelo poder

econômico de antigas elites que nos explicam porque chegamos, coletivamente, até

este ponto e vice-versa. Muitos bairros antigos, outrora a morada dos ricos, foram

convertidos em paisagens infernais de decadência humana, como a famigerada

Cracolândia em São Paulo, pelo descaso social com um enorme contingente de pessoas

que poderia exercer uma atividade produtiva e não o faz por falta de incentivo e de

apoio da sociedade como um todo, sendo assim marginalizadas pela sociedade

contemporânea.

Uma das respostas mais fáceis para a pergunta: “Como chegamos a este

ponto?”, é a pobreza da atividade artística como praticada por centenas ou mesmo

milhares de músicos que tocam, em condições de mendicância, nas ruas de São Paulo,

como de tantas outras cidades do mundo. Se a arte, especialmente a performática, é

tão pouco valorizada pela nossa sociedade, não surpreende por que o desemprego

chegou ao ponto em que está a países tradicionalmente ricos e cheios de

oportunidades, como os Estados Unidos.

A arte poderia, se praticada mais amplamente e oferecendo emprego fixo aos

seus praticantes, suprir não apenas empregos em grandes quantidades para uma

população urbana desempregada, mediante incentivos à cultura mais abrangente,

como reintegrar criminosos à sociedade, mediante um ganha-pão que possa atender

suas necessidades de vida, fazendo com que as prisões pudessem, por meio de aulas de

música, teatro, artes plásticas, etc., regenerar pessoas marginalizadas pela própria

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sociedade e punidas duas vezes por sua incapacidade de se inserir nela de forma

construtiva, após enveredarem pelo caminho do crime.

Algo que era impensável nas comunidades indígenas é, tristemente, ocorrência

mais do que comum na nossa sociedade tecnologicamente avançada, que tenta

esconder sua incapacidade de atender às necessidades de todos seus membros com

um número cada vez maior de prisioneiros, mantido em cárceres que são verdadeiros

incubadores de atividades criminosas organizadas.

O resultado ou desastre anunciado é o crescimento do crime e não sua

diminuição, pois uma sociedade repressiva nunca poderá resolver os conflitos por ela

mesma gerados. Uma sofisticada indústria de segurança eletrônica surge no lugar de

uma forma humana de tratarmos com doentes gerados por uma sociedade doente, ou

seja, libertando os pobres de sua exploração pelos mais ricos. O que só pode ocorrer se

os próprios “mais ricos” se tornem mais humanos, ajudando os demais e construindo,

juntos, uma nova sociedade. O que vemos, em lugar disto, é o Big Brother do “1984” de

George Orwell nos observando por meio de suas câmaras onipresentes, usadas pelo

poder público, inclusive, para viabilizar sua política de indústria de multas, uma forma

de sobretaxar a sociedade consumista e sedenta por maior mobilidade.

Neste território dominado pelos grandes edifícios corporativos, pelos shopping

centers e torres de residências unifamiliares repetitivos e intercambiáveis de tão

monótonos, divorciados de um convívio mais ameno com o entorno urbano, há raras

exceções como os bem-sucedidos (urbanisticamente falando) Conjunto Nacional e o

Brascan Center em São Paulo, que, porém, mantem sua baixa porosidade social em

função do desnível qualitativos dos edifícios ao redor da praça aberta com relação aos

do entorno. Ali, dificilmente os administradores iriam deixar alguém tocar sua flauta ou

guitarra elétrica em lugar tão controlado pela qualificada vizinhança, ao menos que

uma autorização prévia seja dada para isto, num uso de um espaço público que, porém,

sofre com uma fiscalização eletrônica sofisticada e proibição de usos incompatíveis com

os ali criados, num simulacro do espaço público tradicional.

Por outro lado, muitos edifícios erguidos pelas elites do passado, considerados

exemplos importantes da memória cultural, e assim preservados mediante restauro e

caprichada preservação, são ocupados por museus que atraem um número ínfimo de

visitantes, vivendo como popularmente se diz, “às moscas”, a maior parte do tempo.

Atividades mais envolventes como música e teatro ao vivo raramente ocorrem em seus

ambientes elitistas e de baixíssima frequência de público, dificultando sua manutenção

pela ausência de recursos oriundos de patrocinadores privados e as dificuldades de

caixa das diversas secretarias da cultura.

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Muitos conjuntos de interesse cultural conseguem se manter quando seus

gestores viabilizam seu uso comercial a partir de eventos sociais como festas e

casamentos ou uso por parte de empresas de grande porte, que os usam para eventos

de celebração delas mesmas ou de lançamento de novos produtos de suas linhas. O fato

de alguns destes eventos incluírem o trabalho de músicos contratados não muda, per

se, a natureza elitista destes eventos.

Nesse contexto geral, podemos detectar como uma das origens do problema, a

marginalização (inclusive por meio da sua elitização) da arte em geral, e especialmente

das artes performáticas, realizadas ao vivo, como elo perdido entre sociedades antigas

na qual o ritual comunitário fazia parte da vida de uma determinada etnia e as

contemporâneas, nas quais o mundo virtual se expande retirando vitalidade das

práticas comumente associadas ao convívio comunitário interativo e interpessoal, ao

menos que seja orientado para o consumo de massa, como no caso de megaeventos

esportivos, com a colocação de telões em praças públicas, como ocorreu inicialmente

na Alemanha, na Copa do Mundo de 2006 e no Brasil também.

Nada que seja virtual poderá, no entanto, substituir a emoção do evento ao

vivo, seja este um jogo de futebol ou uma dança do ventre, de uma mímica ou uma peça

teatral, realizada diante um público presente ao mesmo. Mesmo se em sua maioria

restrita a ambiente de acesso limitado, pela excepcionalidade do evento ou pela grande

demanda pelo espetáculo em cartaz, as atividades performáticas costumam ser

preferidas pela maioria das pessoas às mesmas atividades vivenciadas pela TV ou

Internet, uma vez que a mídia retira boa parte da emoção que ocorre no local da filmagem.

Quando então ocorrem espetáculos em espaços públicos de importância

histórica, como óperas em antigos anfiteatros, o público vivencia algo de mágico entre

passado e presente, uma verdadeira orgia dos sentidos, só possível nestes ambientes e

reproduzido de forma sempre limitante pela mídia eletroeletrônica, que não consegue,

mesmo com recursos cada vez mais tecnologicamente sofisticados, captar a magia do

momento vivenciado no local de sua realização.

Assim, podemos dizer que existe um enorme potencial para a arte performática

como indutora de um reequilíbrio entre espaços públicos e privados, devolvendo aos

primeiros uma primazia há muito tempo perdida para a omnipresente cultura das

comunicações avançadas (TV, Internet), em detrimento do convívio social e uma maior

harmonia entre todas as diversas camadas sociais em cidades mais inclusivas e

democráticas. Exemplos certamente não faltam, nem no plano internacional nem no

nacional, e nem mesmo no caso específico de São Paulo, objeto de uma nossa análise

na parte final desse artigo.

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2. QUANDO A ARTE VOLTA PARA A RUA

Com o crescimento do turismo internacional e nacional, ao longo das últimas

décadas, há casos frequentes da administração pública municipal promovendo ações

no sentido de (re)qualificar os espaços públicos de sua cidade para melhor receber os

visitantes, com projetos urbanísticos e paisagísticos que vêm devolvendo áreas inteiras,

especialmente nos centros históricos, para os pedestres desfrutarem condições mais

tradicionais de vida urbana, sem máquinas circulando que possam criar um ambiente

mais perigoso para eles. Em São Paulo, por exemplo, o antigo centro foi em parte

transformado pela EMURB por um amplo processo de “pedestrianização”, nos anos 70,

por causa da introdução da primeira linha do metrô e a dificuldade de convívio entre os

grandes fluxos de pedestres na área central e o trânsito. No entanto, tais espaços

perdem vitalidade após os horários comerciais, tornando-se desérticos.

Nestes processos, muita atenção tem sido dada aos aspectos físico-materiais da

qualificação urbana, com a troca de pisos, equipamentos urbanos e mobiliário, mas a

programação do espaço no sentido de hospedar e promover atividades de comércio de

rua e o trabalho de artistas performáticos tem sido pequena, como se tais atividades

fossem desqualificar os espaços públicos “nobres” da cidade. Vendedores ambulantes

têm sido tolerados, na melhor das hipóteses, e muitas vezes relocados para áreas onde

há pouco movimento pedestre de passagem.

Músicos e outros artistas de rua aparecem pouco em tais lugares, e não existem

infraestruturas especificas para eles nas áreas ditas “pedestrianizadas”, o que inibe sua

presença nos espaços públicos, um contrassenso, especialmente em países ricos deste

tipo de cultura, como o Brasil.

No entanto, percebe-se uma mudança paradigmática que ocorre,

principalmente, em cidades vocacionadas para o turismo, de forma oficial ou não,

como Nova Orleans nos EUA, onde cantores de rua como Grandpa Elliot e Oscar Castro

fazem sua festa musical, para o deleite dos turistas. O Grandpa vem tocando também

em vários lugares do mundo e hoje podemos dizer, Patrimônio da Humanidade. Ele e

seu “Playing for Change” (Tocando para a Mudança), aqui representado em dois shows

de rua em Nova Orleans e no Japão, e com músicos do mundo todo.

O Grandpa, com seus característicos óculos, fez um show em Porto Alegre,

provavelmente no âmbito do Fórum Social, a resposta da esquerda ao liberal Fórum de

Davos, promovido pelas nações ricas do planeta. É interessante pensar que nasceu nas

ruas da mais musical das cidades norte-americanas, onde o Jazz nasceu, a partir do

Dixieland, e, mais tarde, foi também a cidade de origem do Funk.

Bruno Roberto Padovano

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Na realidade, “Playing for Change” é um movimento de música dirigido para a

paz mundial, criado pelo produtor musical norte-americano Mark Johnson com seu

“Timeless Media Group” que nasceu em 2002 numa visão compartilhada com seu co-

fundador, Whitney Kroenke, que saíram pelas ruas das cidades americanas em busca

de inspiração e fundaram um movimento internacional, com a participação de

inúmeros músicos de diversos lugares do mundo, que resultou num documentário

premiado internacionalmente, “A Cinematic Discovery of Street Musicians.” (Uma

descoberta cinematográfica de músicos de rua).

Sempre no Brasil, outras ações de qualificação dos espaços públicos a partir de

um prisma cultural tem tido apoio oficial a partir de uma iniciativa particular, como o

Projeto Palco Aberto, em Alagoas. De 2006 em diante, este movimento, visando dar

visibilidade para a música produzida em Alagoas, com cinco meses de projeto inicial

vem se espalhando a partir de um show no Bar Engenho Jaraguá em Maceió e atingiu

uma imensa audiência naquele estado, com 42 municípios participando e 500

expressões culturais, inclusive shows em espaços públicos de cidades alagoanas.

Em São Paulo, a prefeitura da cidade na administração Kassab criou o projeto

“Pontos para Brincar”, um programa de animação dos espaços públicos administrado

pela ONG Governo Social voltada para a periferia da cidade, com a participação de

artistas performáticos e outros animadores do espaço público, com 130 pontos na

cidade, sempre aos domingos.

Na realidade, há inúmeros artistas que podem animar os espaços de uma

cidade: músicos; atores; prestidigitadores e ilusionistas; artistas de circo e acrobatas;

poetas; bailarinos; artistas de shows de marionetes, etc.

Foi a partir destes exemplos que resolvi, em julho deste ano (2015), lançar meu

disco “64!” em espaço público em São Paulo, ligado à Universidade da qual faço parte, o

MAC USP – Museu de Arte Contemporânea da USP, que tem sede ao lado do Parque

Ibirapuera sob o codinome artístico BRU (diminutivo de Bruno Roberto Padovano).

Esta experiência está registrada no vídeo clipe da música “Dancing Frenzy”,

realizada pelo Estúdio B, que faz parte do CD “64!” do artista BRU (Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=ptQqsF7FV_8).

Ainda, estudo, com parceiros, a possibilidade de serem criados Palcos Urbanos

em São Paulo, capazes de servirem de apoio fixo para atividades performáticas em

espaços públicos, animando áreas degradadas e mesmo subutilizadas, com shows

diários nos horários mais críticos da sociedade, como os de pico na mobilidade urbana

(rush hours), contendo pessoas mediante eventos que retardem o uso de automóveis

ou sobrecarreguem o transporte coletivo.

Bruno Roberto Padovano

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Isso faz parte de um projeto que vai além do artista BRU, e que tenha como

objetivo o enfrentamento de processos de degradação dos espaços públicos mediante

o movimento BRU – Brasil Regeneração Urbana, unindo ações materiais e imateriais

para que este objetivo seja alcançado.

3. CONCLUSÕES

O artigo apresenta algumas considerações gerais do pesquisador sobre

processos de degradação dos espaços públicos, discutidos por pesquisadores sobre a

questão urbana contemporânea como Cesare Blasi e Gabriella Padovano (2014), Jane

Jacobs (1960) e Zygmunt Bauman (1999), além do próprio autor (2012).

Apesar desses processos, aparentemente sem solução no âmbito de uma

sociedade líquida, o autor defende uma ação corretiva para reintroduzir, de forma mais

ampla possível, atividades culturais como aquelas típicas das artes performáticas, para

a regeneração urbana. Serviu, neste sentido, de base para uma palestra/show do

próprio autor na VIII Semana Cultural do Patrimônio de Pernambuco, ministrada no dia

17 de agosto de 2015 no Teatro Santa Isabel, no Recife.

Trata-se, portanto, de um passo a mais na consolidação de um processo mais

amplo de regeneração urbana nas cidades brasileiras, conforme exemplificado na

atuação duplamente representada pela sigla BRU, unindo ações materiais e materiais

de caráter profundamente cultural, ligando, no caso, urbanismo e música numa

simbiose que possa obter, com recursos limitados e eficiência maximizada, uma

transformação positiva do território urbanizado dentro de uma ótica sustentável

criativa.

REFERÊNCIAS

BLASI, Cesare e PADOVANO, Gabriella. Ipotesi di Progetto per una Società Liquida.

Novalogos, 2012.

BAUMAN, Zygmunt. Modernità liquida. Roma: Editori Laterza, 2002.

JACOBS, Jane. The death and life of great American cities. Nova York: Vintage Books, 1961.

PADOVANO, Bruno Roberto. Projetos Urbanos Sustentáveis. In PADOVANO, Bruno Roberto;

NAMUR, Marly; BERTACCHINI SALA, Patrícia. São Paulo: em busca da sustentabilidade. São

Paulo: EDUSP e PINI, pg. 260-275, 2012.

Roma:

Bruno Roberto Padovano

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1

Canoas/RS, 1998; Professor das disciplinas de História da Arquitetura, Patrimônio Cultural e Arquitetura

Brasileira e História da Arte no Brasil no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Luterana do

Brasil (ULBRA) de 2002 até 2008; Coordenador do Setor Técnico da Superintendência do IPHAN no Rio

Grande do Sul entre os anos de 2000 e 2008; Participou do curso técnico em Restauração Arquitetônica no

Centro Europeu de Restauro em Florença/Itália entre os anos de 2009 e 2011; Diretor do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul – IPHAE entre 2011 e 2013;

Superintendente do IPHAN no Rio Grande do Sul deste 2013 até a atualidade.

Eduardo Hahn é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA),

PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DAS MISSÕES -

RIO GRANDE DO SUL

Eduardo Hahn1

Figura 1:antiga redução - Foto: Aloisio Antes.

Cidade de São Miguel das Missões com a sobreposição da malha urbana da

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, foram fundados por indígenas e religiosos

da Companhia de Jesus, no sul da América do Sul, trinta aldeamentos num extenso

território que está hoje subdividido pelos Estados Nacionais do Paraguai, Argentina,

Uruguai e do Brasil. A criação dos aldeamentos, conhecidos como Reduções, foi a

principal estratégia empregada pelas autoridades coloniais do Reino de Espanha e pelos

jesuítas para a evangelização de povos nativos, com objetivo de viabilizar a ocupação e

controle dos territórios conquistados pela Coroa Espanhola, que se encontrava ameaçado

pelas rebeliões indígenas, por consequência da adoção da encomienda.

Experiências anteriores de criação de aldeamentos reducionais nas regiões do

Guairá, entre 1610 e 1628, do Itatim e do Tape, entre 1631 e 1633, haviam sido

frustradas pelos ataques promovidos por Bandeirantes associados à colonização

portuguesa, assim como por membros da população colonial interessados em

ARTIGO

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aprisionar os indígenas e utilizá-los como mão-de-obra. Somente após a formação de

milícias indígenas e a derrota dos Bandeirantes na batalha de Mbororé, em 1640,

tornou-se possível a expansão do sistema missioneiro, embora sua existência tenha

sido sempre permeada de tensões com a população local, com alguns grupos

indígenas, e com os portugueses.

Dos trinta aldeamentos fundados, também conhecidos como Reduções, no

território da Província Jesuítica do Paraguai, sete localizavam-se em território atualmente

brasileiro, especificamente no Estado do Rio Grande do Sul. Tais reduções eram:

1 - São Nicolau, fundada em 1626;

2 - São Miguel Arcanjo, fundada em 1632;

3 - São Francisco de Borja, fundada em 1682;

4 - São Luiz Gonzaga, fundada em 1687;

5 - São Lourenço Mártir, fundada em 1690;

6 - São João Batista, fundada em 1697;

7 - Santo Ângelo Custódio, fundada em 1706.

Durante o processo de construção dos referidos núcleos urbanos,

principalmente durante o período de apogeu econômico do sistema missioneiro, o

estilo Barroco europeu influenciou a arquitetura e o urbanismo, além das artes da

escultura, pintura, teatro e da música, tendo suas características básicas adaptadas

pelos indígenas, de acordo com a sua cultura.

Figura 2: Ruínas da Igreja de São Miguel Arcanjo. Foto: Eneida Serrano. Arquivo IPHAN-RS.

Todas as reduções foram concebidas a partir de um sistema urbano similar,

onde as estruturas arquitetônicas eram organizadas ao redor da Praça Maior. Em um

dos lados, foram construídas as estruturas para as funções religiosas ou de gestão,

como Igreja, Cotiguaçu (Casa das mulheres viúvas e meninas órfãs), Cemitério, Oficinas,

Claustro. Dos outros três lados, foram construídas as residências dos indígenas.

Eduardo Hahn

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O sistema missioneiro entraria em colapso quando as nações ibéricas

articularam o Tratado de Madri, em 1750, a fim de definir com precisão suas possessões

na América Meridional. Esse acordo estabelecia a troca da Colônia do Sacramento, que

era de domínio português, pelos territórios dos chamados Sete Povos das Missões,

localizados na margem esquerda do rio Uruguai, que eram de domínio espanhol. Os

habitantes dos aldeamentos, estimados em cerca de 30 mil indígenas, deveriam

entregar suas terras, lavouras, ervais, vacarias, estâncias, algodoais, templos e oficinas

aos portugueses, que haviam sido, por décadas, seus piores inimigos. Recusando-se a

aceitar tal determinação, os indígenas de seis dos Sete Povos, e alguns religiosos,

lutaram contra um exército formado por portugueses e espanhóis. Os confrontos que

integraram a Guerra Guaranítica (1753-1756), resultariam no massacre de grandes

contingentes indígenas e a efetivação da troca estipulada no tratado.

Em decorrência deste fato, que consequentemente direcionou para a expulsão

dos Jesuítas das colônias espanholas em 1759, iniciou-se um lento e gradual processo

de esvaziamento das reduções, principalmente do território incorporado por Portugal.

Apesar disso, mesmo em um número consideravelmente menor, a presença indígena

nos aldeamentos continuou constante.

De acordo com depoimentos de viajantes que passaram pela região das antigas

Missões ao longo do século XIX, a presença indígena “ao redor ou no interior das ruínas”

(BAPTISTA, 2009, p. 140) manteve-se, ainda que em pequena proporção: “Os índios

estão em toda parte. Nos arredores dos povoados, ao longo de todo o século XIX

cabanas esparsas são encontradas habitadas por eles. Também se nota sua recorrente

mobilidade, saindo de um lado para o outro a todo tempo”.

Diversas estratégias foram empregadas pelos indígenas para permanecerem

nos aldeamentos ou em seus arredores. No entanto, com o passar do tempo, os

conflitos com a administração portuguesa – motivados, sobretudo, pelo regime de

trabalho que os novos administradores tentaram impor, ignorando o sistema comunal

anterior – causaram o banimento das populações, acelerando seu retorno à vida nas

matas, o que, contudo, não foi garantia de segurança para elas. As levas de imigrantes

conduzidas para a região missioneira em meados do século XIX iriam disputar os

territórios com os indígenas, por meio de conflitos armados, que resultariam em

“verdadeiras chacinas” conduzidas por ambos os lados (BAPTISTA, 2009, p. 153).

Com a política nacional de ocupação de território por parte de imigrantes

oriundos da Europa Central, várias reduções passaram a ser reocupadas por famílias de

imigrantes alemães, italianos ou poloneses, que se utilizaram das estruturas

arquitetônicas missioneiras como fonte de material para as suas novas construções.

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A partir de 1922, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul inicia um trabalho

de reconhecimento do valor existente nas estruturas correspondentes ao antigo

Sistema Missioneiro através da declaração de São Miguel Arcanjo um 'lugar histórico',

além de realizar as primeiras obras de estabilização das ruínas, que se encontravam

sob risco de desabamento, através da Diretoria de Terras da Secretaria do Estado e

Obras Públicas.

As primeiras ações de conservação executadas pelo Governo do Estado foram

limpeza geral, escoramento das vergas das portas e arcos com trilho metálicos e

escoramento da torre, que ameaçava ruir.

O reconhecimento realizado pelo IPHAN viria em 1938, através do tombamento

das ruínas de São Miguel, basendo-se na atribuição de valor artístico aos

remanescentes daquele sítio, o que gerou a sua inscrição no Livro do Tombo das Belas

Artes. Conforme sugerido pelo arquiteto Lucio Costa, no relatório de vistoria que

elaborou após visita ao local, o bem foi inscrito da seguitne forma : “as ruínas dos

chamados Sete Povos da província jesuítica espanhola, que ficaram encravados do

lado de cá” (COSTA apud MEIRA: 2007:83). No mesmo relatório, recomendou

medidas de preservação, as quais se tornaram referência para a ação técnica do

IPHAN quanto às intervenções físicas no patrimônio arquitetônico (LYRA apud

MEIRA: 2007:83).

Figuras 3 a 10:reducional. Fotos: Inventário dos recursos arquitetônicos – URI/IPHAN.

Edificações construídas na região das missões pelos imigrantes europeus pós-período

Gradativamente essa situação direcionou para um desmonte gradual das estruturas

existentes, e a construção de novas cidades sobre algumas reduções, como foi o caso de

Santo Ângelo, São Borja, São Luiz Gonzaga e São Nicolau.

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Eduardo Hahn

Tais recomendações direcionaram para a estabilização da torre da igreja,

utilizando-se da técnica da Anastilose, assim como da construção de um pavilhão

expositivo, baseado na arquitetura das casas indígenas e no colégio de São Luiz

Gonzaga, até então ainda existente, para proteger uma coleção de esculturas de

madeira, recolhidas nas imediações. Também foi construído neste período uma casa

para a zeladoria. Estas estruturas deram origem ao atual Museu das Missões.

Entre a década de 1950 até a atualidade, os trabalhos de consolidação,

restauração e valorização não pararam por parte do IPHAN, através de sua

Superintendência Estadual, em Porto Alegre e de seu Escritório Técnico, instalado na

cidade de São Miguel das Missões, abrangendo inclusive outros três sítios

missioneiros através do tombamento, em 1970, das ruínas de São joão Batista, São

Lourenço Mártir e São Nicolau.

Figura 11:Fonte: Arquivo IPHAN.

Consolidação das estruturas de pedra das ruínas de São Lourenço Mártir.

Tais ações corresponderam desde o Capeamento das paredes de pedra até a

construção de reforços estruturais em concreto nas suas fundações, além da

instalação de sistemas de proteção contra descargas atmosféricas, construção de

coberturas de proteção das estruturas, além de todo o processo de documentação

das estruturas existentes.

Em 1978, o Sítio de São Miguel Arcanjo foi declarado patrimônio mundial pela

UNESCO, coroando todo o trabalho executado pela instituição de proteção ao

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Eduardo Hahn

patrimônio nacional desde o seu tombamento no ano de 1938. No mesmo período,

com o crescimento urbano das cidades brasileiras, incluindo a cidade de São Miguel das

Missões que nasceu ao redor das ruínas tombadas, fez-se necessário o

estabelecimento, por parte do IPHAN, de diretrizes de disciplinamento para as novas

cosntruções e intervenções urbanas. Tais diretrizes, com o passar dos anos, foram

incorporadas ao Plano Diretor da cidade, concluído recentemente.

Apesar do pouco contato existente entre os Guarani-Mbyá e a população local

durante esses anos, os mesmos estiveram sempre presentes na região. O trânsito das

comunidades indígenas persistiu discreto e quase despercebido.

Na década de 1990, os Guarani voltaram a formar uma aldeia em São Miguel

das Missões em uma área remanescente de mata, nas proximidades de uma Fonte

Missioneira, hoje ponto turístico do município. Tal fato gerou a fundação, no ano de

1996, da Reserva Indígena Inhacapetum, distante cerca de 27 km da cidade, onde se

encontra a aldeia Tekoa Koenju (Aldeia Alvorecer).

Em 2005, após intensa negociação com o IPHAN e prefeitura, foi construída

uma 'casa de passagem', localizada dentro do sítio tombado pelo IPHAN, após a antiga

quinta dos padres. A comunidade indígena, a partir de então e com a autorização do

IPHAN, passou a vender seu artesanato dentro dos limites do sítio histórico, como

forma de incremento econômico às familias da comunidade.

Foi nesse contexto que se iniciou a execução do Inventário Nacional de

Referências Culturais da Comunidade Mbyá-Guarani em São Miguel Arcanjo, realizada

por equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com

recursos e supervisão do IPHAN-RS. O Inventário possibilitou a identificação de práticas

e saberes considerados pelos Guarani como fundamentais para experenciarem seu

nhande rekó, o bom modo de viver, muitos dos quais não são vivenciados como

deveriam, em razão do acesso limitado às matas e à terra. Esse estudo permitiu

conhecer o valor simbólico atribuído ao bem cultural.

Para os Guarani-Mbyá, o valor das ruínas é vivenciado no presente e, ao mesmo

tempo, referenciado no tempo vivido pelos 'primeiros Mbyá'. Eles se referem a elas

como Tava (casa de pedra). A importância de uma Tava está no fato de conter as marcas

dos corpos de seus antepassados, os quais se transformaram em imortais, e, por isso,

ser o local ideal para se aprimorar a condição humana até ser possível a metamorfose

em imortal. Além disso, por meio da Tava, os Mbyá interpretam o evento histórico – o

advento das Missões Jesuíticas dos Guarani – o qual incorporaram a suas narrativas

cosmológicas. Tais sentidos dados à Tava permite acionar sentimentos de

pertencimento e identidade.

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Eduardo Hahn

No ano de 2013, inicia-se a execução das ações referentes ao Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) – Cidades Históricas, na cidade de São Miguel das

Missões. Os recursos gestionados pelo IPHAN foram utilizados para a construção do

novo pavilhão do Museu das Missões e complexo cultural da cidade, além de

melhoramentos na estrutura urbana e instalação de novo sistema de prevenção de

descargas atmosféricas nas ruínas da igreja de São Miguel Arcanjo. Tais ações

encontram-se, atualmente, em andamento.

No mesmo período, inicia-se um novo projeto, em parceria com a UNESCO, para

a elaboração de estudos para a ampliação da ação do IPHAN na região, no sentido de

reconhecer o patrimônio correspondente ao antigo sistema missioneiro ainda

existente, além das antigas reduções e levantar a diversidade patrimonial pós

reducional, através da criação de um parque histórico, conhecido como Parque

Histórico Nacional das Missões.

A construção do parque, atualmente em andamento, deverá se basear na

abordagem do território como Paisagem Cultural, buscando uma interação entre os

processos culturais e o meio ambiente. Ao mesmo tempo, busca-se, através desta

alternativa, uma perspectiva de tornar o patrimônio regional um ativo para apoiar o

desenvolvimento sócio - cultural e econômico da população local. Desta forma, espera-

se incrementar um trabalho realizado pelo IPHAN na região por mais de 70 anos.

Figuras 12 a 15: Recursos naturais e paisagísticos da região das missões. Fonte: Arquivo IPHAN-RS.

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Eduardo Hahn

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Jean. . Ed. IBRAM, 2009.

COSTA, Lúcio. 1937. Igreja de São Miguel (Ruínas) – São Miguel das Missões – RS. Ed. IPHAN.

Rio de Janeiro, 1999.

CURTIS, Júlio N.B. de. O espaço urbano e a arquitetura produzida pelos Sete Povos das Missões.

In Arquitetura no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, p 27-52, 1983.

CUSTÓDIO, Luíz Antônio Bolcato. A redução de São Miguel Arcanjo: Contribuição ao estudo da

tipologia urbana missioneira, 2002. 199p.

FURLONG, G. Misiones y sus pueblos de guaranies. Buenos Aires: Omprenta Balmes, 1962.

GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: Como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os

Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul. 3 ed. – Passo Fundo, RS: UPF Ed.,

2004. 623p.

KERN, Arno Alvarez. Missões. Uma Utopia Política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

LYRA, Cyro de Oliveira. Casa Vazia : Ruína Anunciada. A questão do uso na preservação dos

monumentos. Tese de Doutorado. UFRJ, 2007.

MAEDER, Enesto J.A. – GUTIÉRREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las missiones jesuíticas

de guaraníes. Argentina, Paraguay e Brasil – Altas territorial e urbano das missões jesuíticas

dos Guaranis. Argentina, Paraguay e Brasil. (Coord da ed. , Instituto Andaluz do Patrimônio

Histórico; colabora IPHAN). Sevilha: Consejeria de Cultura, 2009.

MEIRA, Ana Lúcia Goelzer. O Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio Grande do Sul no

Século XX. Atribuição de Valores e Critérios de Intervenção. Tese de Doutorado. UFRGS,

2007/2008.

Dossiê Missões

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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ARTIGO

A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL

DOS GUARARAPES

Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

INTRODUÇÃO

Situado no Município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do

Recife, no Estado de Pernambuco, o Parque Histórico Nacional dos Guararapes

compreende a área onde ocorreram, nos anos de 1648 e 1649, as batalhas que

resultaram na expulsão dos holandeses do território brasileiro pelas tropas luso-

brasileiras. A dimensão histórico-cultural motivou o tombamento federal da Igreja de

Nossa Senhora dos Prazeres, em 1938, e dos Montes Guararapes, em 1961; a

desapropriação da área, pela União, em 1965; e a instituição do Parque Histórico

Nacional dos Guararapes, em 1971, subordinado ao Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (Iphan). Os fatos históricos justificaram também o reconhecimento

da área, pelo Exército, como palco da primeira manifestação da nacionalidade brasileira

e da formação dessa instituição.

Muitos são os valores a serem preservados, protegidos e promovidos nesse

espaço público de propriedade nacional, detentor de importância histórico-cultural,

ambiental, paisagística, turística e urbanística: o sítio e a paisagem das históricas batalhas,

a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, os recursos naturais e o patrimônio arqueológico.

Ao longo do tempo, muitas têm sido as pressões sobre esses elementos,

decorrentes da ocupação irregular da área, que, nos dias atuais, ocupa dois terços do

território do parque histórico, contabilizando aproximadamente 7.500 edificações e

30.000 habitantes. Essaexpressiva ocupação coloca em oposição a obrigatoriedade

legal de preservação dos atributos do sítio histórico à necessidade de moradia da

população local, o que constitui uma questão social e um desafio relevantes à gestão do

território para as três esferas governamentais.

Tal condição configura o Parque Guararapes como um espaço com múltiplas

demandas, em que incidem políticas públicas diversas, voltadas para a preservação dos

1

1

Ambiental pela UPE; Mestre em Gestão Pública pela UFPE; Chefe do Escritório Técnico do Iphan no

Parque Histórico Nacional dos Guararapes.

Gisela Amado de Albuquerque Montenegro é Arquiteta e Urbanista; Especialista em Gestão

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

seus valores culturais e ambientais e de desenvolvimento urbano, bem como políticas

sociais destinadas à população local. Essas políticas mobilizam uma ampla gama de

atores, com funções diversas e interesses muitas vezes conflitantes.

Apesar do reconhecimento institucional dos valores culturais e ambientais e da

responsabilidade comum pela preservação da área, legalmente atribuída a instituições

públicas e privadas e à comunidade local, o Parque Guararapes não apresenta condições

satisfatórias de uso e segurança, e a ocupação irregular e desordenada vem reduzindo

aceleradamente a sua área livre, provocando degradação ambiental e urbanística.

Em que pesem as propostas e os acordos firmados pelo poder público e a

comunidade para a gestão compartilhada do Parque Guararapes, a falta de estrutura

física e o processo de ocupação a que está exposto esse espaço de reconhecido valor

cultural nacional apontam para a necessidade de análise e revisão da sua atual forma

de gestão.

Diante disso, este estudo está estruturado no sentido de compreender o

processo de gestão do espaço, à luz da política nacional de preservação do patrimônio

cultural e na perspectiva da gestão de sítios históricos urbanos.

A delimitação do tema justifica-se pela necessidade de o IPHAN definir o seu

papel na gestão do parque histórico e de identificar as atribuições e competências

legais das instituições nesse processo, com vista à atuação integrada e coordenada

desses atores.

Destarte, a pesquisa visa contribuir para a eficiência e a efetividade das políticas

públicas no Parque Guararapes e, nesse sentido, tem como objetivos específicos

analisar e caracterizar a gestão do espaço e propor medidas para a sua melhoria.

O recorte da pesquisa contemplado neste artigo compreende uma análise da

atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade na gestão do sítio

histórico, à luz das responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de

participação disponíveis.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A pesquisa tem o seu aporte teórico na literatura relativa a políticas e gestão do

patrimônio cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano.De acordo com Rua

(1998), a política constitui “[...] o meio mais eficaz para solução dos conflitos - de

opinião, interesses e valores - resultantes da diferenciação social que caracteriza as

sociedades contemporâneas”, sendo definida como “[...] o conjunto de procedimentos

formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução

pacífica dos conflitos quanto a bens públicos.” (RUA, 1998, p. 232).

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74

Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

A política pública, por sua vez, consiste em “[...] um sistema de decisões

públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a

manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social [...]”

(SARAVIA, 2006, p. 29).

Os conceitos de governabilidade e governança ocupam uma posição central na

literatura contemporânea sobre políticas públicas. De acordo com Matias-Pereira

(2012), a governabilidade diz respeito à capacidade política de governar e se refere às

condições de exercício do poder em um sistema político, quais sejam: a forma de

governo, as relações entre os poderes e os sistemas partidários. A governabilidade

consiste, portanto, na legitimidade do Estado e do seu governo em relação à sociedade.

A governança, por sua vez, corresponde à capacidade do governo de formular e

de implementar as suas políticas e de atingir as metas coletivas. Compreende “[...] o

conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e

plural da sociedade.” (MATIAS-PEREIRA, 2012, p. 77).

Do ponto de vista da gestão pública, a governança pode ser definida como “[...]

um regime de leis, regras, decisões judiciais e práticas administrativas que restringem,

prescrevem e implementam o exercício da autoridade pública em prol do interesse

público.” (LYNN et al. 2001 apud LYNN, 2010, p. 46).

A gestão pública consiste nos processos que visam à consecução de políticas

públicas, de forma direta ou indireta, por meio de entidades públicas ou privadas.

Conforme Araújo (2013), “Os resultados das políticas públicas dependem, em boa

medida, do modelo de gestão adotado e da forma como ele funciona.” (ARAÚJO,

2013, p. 9).

Na pauta atual da gestão pública, estão os conceitos de eficácia, eficiência e

efetividade. A eficácia consiste na capacidade de realizar objetivos, de alcançar as

metas definidas para uma ação; a eficiência corresponde à competência para produzir

resultados com um dispêndio mínimo de recursos e esforços e a efetividade, à

capacidade de promover os resultados pretendidos.

Outras exigências integram o debate que emerge das demandas e do exercício

da cidadania, como a racionalidade na gestão dos recursos, a flexibilidade

organizacional, a responsabilidade social, a avaliação de resultados e a postura éticaA

legitimidade da cidadania tem origem em processos de discussão e se apoia nos

princípios da inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. A

res pública é assunto de todos, da sociedade na sua totalidade - Estado, capital e

sociedade civil. Essa esfera pública consiste no espaço deliberativo em que são

identificadas e propostas soluções para os problemas da coletividade, de modo que

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

elas sejam assumidas como políticas públicas e executadas pelo aparato administrativo

do governo (TENÓRIO, 2007).

As políticas públicas têm como função concretizar direitos sociais demandados

pela sociedade e previstos nas leis. É por meio delas que são formulados e

implementados os programas de distribuição de bens e serviços regulados e providos

pelo Estado, com a participação e o controle da sociedade (PEREIRA, 2011).

Quando implementada em diferentes esferas de governo, inclusive em caráter

concorrente, a política pública exige compatibilização e coerência entre as políticas

setoriais (PHILIPPI JÚNIOR, 2004). De acordo com Abers (2005), os processos

caracterizados por ausência de fronteiras distintas entre público e privado, entre

diferentes níveis de governança e entre diversas fontes de poder e autoridade são

propícios à governança compartilhada. Esse tipo de governança, em que ocorre uma

divisão compartilhada de responsabilidades entre as instituições, tende a envolver

transferências multidirecionais de poder, que reconfiguram atribuições,

responsabilidades e recursos. Essas transferências de poder compreendem os aspectos

multissetorial e multinível e geram múltiplos focos de resistência (ABERS, 2005).

As políticas públicas de preservação do patrimônio cultural têm como objetivo

garantir aos cidadãos o direito à cultura, entendida como os “[...] valores que indicam –

e em que se reconhece – a identidade da nação.” (FLORISSI, 2007, p. 39).

Para Fonseca (2005), “É o valor cultural atribuído ao bem que justifica o seu

reconhecimento como patrimônio e, consequentemente, sua tutela pelo Estado”

(FONSECA, 2005, p. 38).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a competência comum da União,

estados e municípios na preservação do patrimônio cultural, com a participação da

comunidade. A aplicação dos seus princípios promoveu a reformulação de práticas e

processos, dentre os quais, a inserção do patrimônio cultural na pauta das políticas

voltadas para o desenvolvimento socioeconômico, a construção de instrumentos de

ação conjunta e de gestão compartilhada entre as três esferas de governo e o

envolvimento da sociedade.

As políticas de preservação dos sítios históricos urbanos representam um

grande desafio para a gestão governamental, visto que demandam a articulação efetiva

com as demais políticas setoriais aplicadas à cidade, tais como as políticas de

desenvolvimento urbano, de preservação ambiental, políticas culturais, de educação,

de desenvolvimento socioeconômico, turismo, entre outras.

Atualmente, as políticas de preservação dos sítios históricos urbanos têm

como principais diretrizes a participação social, a reinserção dos bens protegidos na

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dinâmica social, a qualificação do ambiente em que estão inseridos esses bens e a

promoção do desenvolvimento local a partir das potencialidades do patrimônio

cultural (PORTA, 2012).

Os conceitos de desenvolvimento, de desenvolvimento sustentável e de

desenvolvimento local estão situados no centro da formulação das políticas públicas,

especialmente, das políticas de preservação do patrimônio cultural, meio ambiente,

desenvolvimento urbano e demais políticas sociais.

O desenvolvimento sustentável é conceituado como “aquele que satisfaz as

necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de

suprir suas necessidades.” (UNITED NATIONS, 1987). Nele são harmonizados os

objetivos do desenvolvimento econômico e da conservação ambiental.

Para Buarque (1999), o desenvolvimento sustentável consiste em um “[...]

processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade,

compatibilizando, no tempo e no espaço, o crescimento e a eficiência econômicos, a

conservação ambiental, a qualidade de vida e a eqüidade social.” (BUARQUE, 1999, p.

31-32).

O desenvolvimento local, por sua vez, é entendido como “[...] um processo

endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos

capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da

população [...]” (BUARQUE, 1999, p.9).

O conceito de desenvolvimento local sustentável propõe a revisão do modelo

economicista e fundamenta-se na descentralização das decisões e no estímulo à

participação dos atores sociais na definição dos rumos econômico e social do território

ao qual pertencem. (INSTITUTO PÓLIS, 2012).

A Declaração de Amsterdã (IPHAN, 2000), carta patrimonial produzida no

Congresso sobre o Patrimônio Arquitetônico Europeu, em 1975, enfatizou, dentre

outros aspectos, a responsabilidade conjunta de todos na proteção do patrimônio

cultural, a importância do apoio mútuo e do fortalecimento das medidas legislativas e

administrativas, a integração da conservação do patrimônio cultural com o

planejamento urbano e regional, a descentralização das políticas e a participação da

população. Essa abordagem abrangente, integrada e participativa é condição

fundamental à gestão dos sítios históricos urbanos de realidades multifacetadas e

complexas, como é o caso do Parque Guararapes.

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2. A GESTÃO DO PARQUE HISTÓRICO NACIONAL DOS GUARARAPES

A análise da gestão do Parque Guararapes buscou abordar, de forma integrada,

as suas diversas dimensões e o contexto em que se situa esse objeto de estudo. Nesse

sentido, foram analisados os seguintes aspectos da gestão: estrutura (arcabouço

normativo, matriz institucional, instrumentos de gestão, apoios e suportes), processo

(planos elaborados e ações executadas, entraves e elementos favoráveis) e arena política

(atuação, objetivos, instrumentos de ação, estratégias políticas e visão dos atores).

A partir do levantamento das ações realizadas para a preservação e a guarda

dos atributos do parque histórico, foram identificados o marco regulatório, a matriz

institucional, o mapa de gestão, a esfera participativa e os condicionantes atuais da

gestão. Com base nas responsabilidades legalmente atribuídas e dos canais de

participação disponíveis, foi realizada a análise da atuação das instituições e da

comunidade local na gestão do sítio histórico, contemplada neste artigo.

2.1 As ações de preservação e gestão

Desde os primórdios da preservação do patrimônio cultural no Brasil, diversas

ações, de caráter regulatório, programático e operacional, foram realizadas com vista à

preservação e à gestão do Parque Guararapes. Dentre essas iniciativas, foram

identificadas, como de maior relevância para a gestão do espaço, as ações relacionadas

no quadro a seguir.

Quadro 1 - Principais ações de preservação e gestão do Parque Guararapes

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(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte: Gisela Montenegro (2014).

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2.2 O marco regulatório

O desenvolvimento e a implementação das políticas públicas incidentes no

Parque Guararapes produziram diversos instrumentos legais e operacionais, muitos

dos quais com aplicação direta no seu território. Essas políticas estabeleceram normas

regulatórias gerais e específicas e atribuíram responsabilidades a instituições

diversas. O quadro a seguir relaciona as principais normas com incidência na gestão

do Parque Guararapes.

Quadro 2 – Síntese do marco regulatório do Parque Guararapes

(*) Natureza da Ação: 1-Regulação; 2-Planejamento; 3-Estruturação Física; 4-Gestão; 5-Pesquisa Fonte: Gisela Montenegro (2014).

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2.3 A matriz institucional

A matriz institucional do Parque Guararapes foi construída a partir do seu

marco regulatório, com o objetivo de identificar as responsabilidades e as funções de

cada um dos atores envolvidos na gestão do espaço. Esse tipo de matriz permite que os

gestores visualizem as organizações que, de forma integrada, devem desempenhar

determinadas atividades, constituindo-se um instrumento facilitador dos processos de

acompanhamento, tomada de decisão e coordenação das ações (TENÓRIO, 2005, p. 83).

Quadro 2 – Matriz institucional da gestão do Parque Guararapes

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Fonte: Gisela Montenegro (2014)

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2.4 O Mapa de gestão

A partir da combinação dos três fatores caracterizadores dos espaços do Parque

– legislação incidente, atos administrativos e ocupação urbana - as áreas de interesse

de preservação do Parque podem ser caracterizadas em sete tipos de área para efeito

de preservação e gestão, sendo seis deles de preservação rigorosa e um de entorno.

Esse último tipo está subdividido em quatro áreas, tendo uma delas uma pequena parte

do seu território situada na cidade do Recife. Em decorrência das suas características,

essas áreas demandam diferentes ações e diversos graus de envolvimento e de atuação

de instituições públicas e da sociedade.

Figura 1 – Mapa das Áreas de Interesse de Preservação do Parque GuararapesFonte: IPHAN (2005) adaptado por Gisela Montenegro (2014)

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2.5 A esfera participativa

Dentre os instrumentos de planejamento e gestão participativos para a

operacionalização das políticas cultural, ambiental e de desenvolvimento urbano

desenvolvidos a partir da Constituição Federal de 1998, foram elaborados, para o

Parque Guararapes o Plano Diretor (IPHAN, 2002), o Plano de Preservação de Sítio

Histórico Urbano (IPHAN, 2005) e o Plano de Ação do Programa de Aceleração do

Crescimento das Cidades Históricas – PACH (IPHAN, 2009). Atualmente, estão sendo

desenvolvidos o Plano de Regularização Fundiária e o Plano Urbanístico correspondente.

A construção desses instrumentos contou com a participação das entidades

públicas e privadas que atuam e têm interesse na área do Parque e da população local.

Esses planos resultaram no estabelecimento de diretrizes de ação, formulação de

alternativas incrementais, constituição de comissões gestoras, formalização de

acordos para a gestão compartilhada do sítio histórico e construção de um rico acervo

de propostas para o Parque Guararapes, que abarcam os múltiplos aspectos

relacionados com a gestão da área.

A análise desses planos e das ações desenvolvidas possibilitou a identificação

da esfera participativa do Parque Guararapes. Essa esfera pública compreende os

atores integrantes da matriz institucional da gestão do sítio histórico, detentores de

responsabilidades legalmente atribuídas, bem como de outros agentes que atuam no

território e que exercem influência na sua preservação e gestão, seja de forma direta ou

indireta, positiva ou negativa.

Figura 2 – Esfera Participativa do Parque GuararapesFonte: Gisela Montenegro (2014)

Câmara Municipal

CONDEPEFIDEM

FUNDARPE

CPRH

MinistérioPúblico PE

AssembléiaLegislativa

Governo de Pernambuco

Governo Estadual

Presidência da República

MinistérioEducação

CongressoNacional

JustiçaFederal

MinistérioPúblicoFederal

UFPE UFRPE

Ministérioda Defesa

Ministérioda Cultura

MPOGMinistério do

Meio Ambiente

IPHAN SPU IBAMAExército

Governo Federal

Secretaria dePlanejamento

Prefeitura de Jaboatão dosGuararapes

Governo Municipal

Secretaria deDesenv. Urbano

Secretaria deInfraestrutura

Sec. Políticas Sociais

Associações eConselhos

SantuárioNossa Sra.

dos PrazeresDIRCONl

ComunidadeLocal

Ordem Beneditina

Mercado Imobiliário

Prefeiturado Recife

Parque HistóricoNacional dos Guararapes

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

2.6 A atuação das instituições públicas e privadas e da comunidade

No Quadro 3, é apresentada uma síntese da análise da atuação das instituições

na gestão do Parque Guararapes. Integram a análise as instituições com

responsabilidade legal diretamente relacionada com a preservação e a gestão do

Parque Guararapes (que compõem a matriz institucional) e as demais instituições que

atuam no território e exercem influência na sua preservação e gestão (que compõem a

esfera participativa).

Quadro 3 – Atuação das instituições na gestão do Parque Guararapes

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Fonte: Gisela Montenegro (2014)

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

A análise da atuação das instituições no Parque Guararapes revela que, apesar

dos esforços empreendidos visando a gestão compartilhada do espaço, as instituições

têm atuado aquém das suas responsabilidades legais e muitas vezes em desacordo com

as diretrizes estabelecidas no planejamento conjunto e com os acordos de preservação

firmados. Essa situação gera conflitos e sobreposições de ações, que provocam

desperdício de esforços e de recursos. Há também importantes lacunas de atuação, das

quais derivam muitos dos problemas apresentados pelo sítio histórico.

Apesar da diversidade e do grande número de ações realizadas, após mais de 40

anos da criação do Parque Guararapes, não foram implantadas as edificações e os

equipamentos previstos para o adequado atendimento da sua função de parque

público. A falta de decisão política sobre a permanência ou a relocação da população

dos assentamentos impossibilitou, até o ano de 2013, a definição quanto ao parque

público a ser implantado e aos limites da área a ser requalificada.

O controle urbano e ambiental tem-se mostrado insuficiente desde os

primórdios da proteção oficial da área, o que propiciou a ocupação e o uso irregulares e

inadequados do território, contribuindo para a destruição dos seus recursos naturais.

A conservação e a manutenção das áreas livres têm-se mostrado insuficientes,

como pode ser verificado no estado em que se encontram as vias, edificações e

equipamentos, bem como no lixo presente em diversos pontos do parque.

A não inserção no tecido urbano do município tem situado o Parque Guararapes

em condição de isolamento físico e à margem das políticas municipais de

desenvolvimento urbano e socioeconômico, mantendo os assentamentos em

condições subnormais de habitabilidade.

A falta de ações para a integração do território do Parque Guararapes à Região

Metropolitana do Recife contribui significativamente para o seu esquecimento

enquanto importante espaço de lazer cultural, a despeito da sua relevância cultural e

paisagística e da localização privilegiada. Nesse aspecto, destaca-se a ausência de ações

governamentais voltadas para a divulgação e o aproveitamento turístico da área.

Não há ações de educação ambiental e patrimonial e de promoção do

patrimônio cultural. Tais ausências contribuem para a falta de reconhecimento,

valorização e apropriação do sítio histórico pela sociedade.

Os recursos aplicados na área não são suficientes à instituição, preservação,

manutenção e promoção do parque.Evidencia-se a falta de instrumentos fundamentais

de gestão pública, voltados para a integração, comunicação, coordenação, avaliação de

resultados, prestação de contas e responsabilização.

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Gisela Amado de Albuquerque Montenegro

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise realizada, em triangulação com a visão dos atores obtida na

pesquisa de campo, foram identificados como principais entraves à eficiência da gestão

do Parque Guararapes a dimensão e a complexidade das questões, a falta de decisão

política, o grande número de instituições com responsabilidade de atuação na área, a

falta de clareza sobre as responsabilidades das instituições, a divergência de interesses

entre os atores e a falta de instrumentos para a gestão compartilhada.

Essa mesma investigação identificou como principais elementos favoráveis à

gestão eficiente do Parque Guararapes a importância do patrimônio histórico-cultural,

ambiental e paisagístico local, a titularidade da União Federal, a responsabilidade legal

pela preservação da área pelas três esferas governamentais, a experiência acumulada

nos planos e ações em parceria entre o poder público e a comunidade, os planos

elaborados e os acordos de preservação firmados e a convergência de esforços das

instituições nas ações em execução.

O estudo apontou para a necessidade de reestruturação da forma de gestão do

Parque Guararapes, com a finalidade de promover os ajustes necessários à

transposição das fronteiras do planejamento e da assinatura de acordos para a

viabilização da gestão integrada e compartilhada pelas instituições responsáveis por

esse espaço de reconhecido valor cultural nacional.

A relevância dos atributos do Parque Guararapes e a pressão exercida sobre eles

exigem, para a sua conservação e preservação, uma abordagem integrada e

interdisciplinar dos seus múltiplos aspectos - culturais, ambientais, urbanísticos,

econômicos, sociais e políticos. A atuação compartilhada dos atores públicos e privados

e da sociedade, especialmente da comunidade local, constitui, igualmente, condição

fundamental à requalificação, preservação e desenvolvimento local do Parque.

As duas importantes ações em execução no local configuram-se novos

condicionantes da gestão, apontando para um avanço no sentido da melhoria das

condições de uso e de gestão do espaço. A regularização fundiária e a requalificação

urbanística dos assentamentos virão inserir esses espaços na dinâmica urbana do

município de Jaboatão dos Guararapes, o que contribuirá para o seu desenvolvimento

local. Por sua vez, a requalificação do Parque criará condições para a sua inserção no

circuito de lazer recreativo e turístico da RMR.

Verifica-se que o espaço do Parque, além da qualificação como parque público,

necessita ser inserido no contexto urbano da Região Metropolita do Recife, a fim de que

se torne sustentável. Para tanto, é necessária a implementação de um modelo de

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preservação do patrimônio cultural e ambiental integrado às políticas de

desenvolvimento urbano das três esferas governamentais, associado ao

estabelecimento de mecanismos de gestão compartilhada e de instrumentos

operacionais com essa finalidade.

Por sua complexidade, a gestão do Parque Histórico Nacional dos Guararapes

requer uma estrutura de governança capaz de articular as diversas políticas públicas,

compatibilizar os diversos interesses, legitimar as decisões, proporcionar eficácia às

ações realizadas, bem como de sustar o processo de ocupação da área e instituir as

condições necessárias ao cumprimento da sua função precípua de parque histórico

nacional.

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Page 92: Aurora 463

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ARTIGO

NOTAS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO

FERROVIÁRIO PERNAMBUCANO

Josemir Camilo de Melo

INTRODUÇÃO

A história das ferrovias em Pernambuco tem quatro momentos. O primeiro é o

imperial, subdivido em dois estágios: o da pioneira RSF (1858-1901), com seus 125 km,

incluindo a experiência de duas linhas de trens suburbanos; e o outro é o da década de

1880 ao começo da República, com a Great Western of Brazil Railway (GWBR) (141 km).

O segundo momento que se dá na República é o da constituição de uma rede, a rede

GWBR ('gretueste'); o terceiro será o da RFFSA; um quarto, vive-se, no momento, ou

morre-se, no momento.

Na década de 1870, o Governo Central retornou à política de financiamento de

ferrovias. Para evitar os erros cometidos quando da concessão da RSF (que se tornara

dependente do aparelho estatal, quanto à garantia de juros de 7%, pagos, em Londres,

no valor do ouro e outras isenções), mudou a lei ferroviária de 1852, com o

Regulamento de 1874. No entanto, a construção dessas estradas se dará no fim da

década, sendo inauguradas, todas na década de 1880. Por causa da guerra, começara a

construir ferrovias de fronteiras e, diante de crises socioeconômicas como a grande

seca de 1877/9, na região Nordeste, assumiu a construção de uma ferrovia em Alagoas,

a EF Paulo Afonso; em Pernambuco, construiu duas estradas de ferro, a EF Sul de

Pernambuco (prolongamento da RSF em direção ao rio São Francisco, mas que não

passou de Garanhuns) e EF Caruaru (a Central), e encampou a EF Baturité e a EF Sobral,

no Ceará, que formaria, na República, a Rede de Viação Cearense.

Como se denota, era a febre da modernização, através dos trilhos e das

locomotivas movidas a carvão de pedra. Portanto, não se trata de determinação

pernambucana ou espírito empreendedor nativo, mas, e bastante, do interesse da

Inglaterra em expandir seu mercado consumidor de bens manufaturados em ferro e aço,

1

1

(UNICAP), Mestre e PhD em História pela UFPE. Pesquisou ferrovias na Inglaterra. Ex-professor da

UNICAP, professor aposentado pela Universidade Federal de Campina Grande; ex-professor visitante

da Universidade Estadual da Paraíba. É autor de "Uma família de engenheiros ingleses no Brasil: de

Mornay Brothers" e “Ferrovias e Mobilidade Social no Nordeste (1850-1900)”, tendo, atualmente, no

prelo pela Editora da UEPB, A Primeira Ferrovia Inglesa no Brasil: The Recife-São Francisco Railway.

Josemir Camilo de Melo é recifense, graduado em História pela Universidade Católica de Pernambuco

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91

Josemir Camilo de Melo

além da exportação de carvão de pedra. Basta ver que as demais províncias canavieiras

do Nordeste aderiram ou foram cooptadas pelo capitalismo, ligando as áreas de algodão

e cana de açúcar aos portos regionais: a Alagoas Railway, a Conde D'Eu, na Paraíba e a

Natal-Nova Cruz, no Rio Grande do Norte.

Outra grande contribuição das ferrovias, no período escravagista-imperial é

que criou o mercado do trabalho assalariado, a figura do operário. A RSF teria usado

cerca de 2 mil trabalhadores, enquanto que a GWBR, por volta de 1880, empregou

1.300 trabalhadores. É possível que, aproximadamente, 2.000 trabalhadores livres

tenham arranjado emprego nas linhas de trilhos, alternadamente, ao longo de 1870 e

1880, em Pernambuco.

A FORMAÇÃO DA REDE GWBR

Sob a nova política republicana, o governo tratou de comprar a RSF e as demais

ferrovias inglesas do Nordeste, entre Alagoas e Rio Grande do Norte (com exceção da

Great Western), mesmo tendo prejuízo, porque não descontara a garantia paga. Assim,

a RSF, por exemplo, que tinha um capital de £ 1.685.700, custou £ 800.800, teve a

garantia do governo em torno de £ 3.768.500, mas foi adquirida pelo preço de £

1.500.000 (MELO, 2007).

A GWBR, construída sob a nova política ferroviária de 1873, com bitola estreita,

fortaleceu-se devido ao tipo de investimento em sua construção, e se capitalizou

potencialmente. Desde o fim do Império, conseguiu os direitos para se expandir para

a Paraíba, via ramal de Nazaré da Mata/Timbaúba, chegando até Itabaiana e Pilar. Foi

a mais lucrativa das inglesas, porque quase a metade da linha da tinha sido

construída sem a garantia de juros e, em caso de compra, o Estado pagaria o mesmo

pela linha toda.

A economia do Governo, no arrendamento, viria das taxas de juros e

amortização de bônus. O contrato ainda estabelecia que o arrendatário seria obrigado a

construir extensões de linhas, reduzir a bitola da RSF e adquirir a pequena EF Ribeirão-

Bonito. Qualquer extensão ou ramal deveria retornar ao Estado, por volta de 1960, sem

indenização, enquanto a principal linha da GWBR e ramal seriam comprados pelo valor

do custo original. Em agosto de 1901, a RSF, de pioneira, tornou-se um ramal. Com a

rede, viriam os protestos na linha. As greves, na capital, expandiam-se para o interior,

regionalizavam-se. Nesse momento, os trens podiam carregar mensagens sobre as

greves para os quatro Estados açucareiros, como aconteceria em 1909, quando toda a

rede GWBR permaneceu completamente imobilizada por um mês (MELO, 1994).

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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92

Josemir Camilo de Melo

A rede tornou-se uma malha de 1.617 km, unindo a zona

canavieira do sul de Natal à cidade de Palmeira dos Índios em Alagoas; bem como unia o

litoral ao sertão algodoeiro. Do Recife rumava ao noroeste, a Limoeiro/Timbaúba, e ao

sul, para Garanhuns, via Palmares. Enquanto isto, de cada uma das outras três capitais,

partia um trem do porto ao campo algodoeiro: da capital da Paraíba a Campina Grande

e desta também ao porto do Recife, via Itabaiana. De Maceió ao seu interior e de Natal

ao seu interior com a EF Central do Rio Grande do Norte. Antes de completar uma

década de arrendamento, a GWBR já contava crescimento nas rendas na maioria das

linhas (antes independentes) que iam de 20 a 145% (MELO, 2007).

A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA (RFFSA) E A REDE

FERROVIÁRIA DO NORDESTE (RFN)

A rede GWBR e mais duas pequenas linhas, uma estadual e outra particular,

foram encampadas pelo governo Juscelino Kubistchek, em 1957, três anos antes de

vencer o contrato, que havia sido renovado, com a GWBR, em 1920. A RFFSA viria a

administrar 18 ferrovias regionais, operando uma malha que, em 1996, compreendia

cerca de 22 mil quilômetros de linhas (73% do total nacional). Contraditoriamente, se

firmava no país, alavancada pelo governo JK, a indústria automotiva. A cobertura

parcial da região Nordeste coube à divisão RFN - Rede Ferroviária do Nordeste.

Em 1958, os Correios lançaram um selo representando a ligação Patos, estação

terminal da Rede Viação Cearense (RVC) com Campina Grande (GWBR), em alusão ao

centenário da ferrovia na região (1858-1958) (MELO, 2012). A GWBR tinha parado seus

trilhos na cidade de Campina Grande, como cidade ponta de trilho (a railway head,

como chamavam os ingleses) (1907-1957). Por outro lado, a Rede Viação Cearense

havia descido todo o Estado e penetrara na Paraíba, fazendo seu terminal na cidade de

Souza e, na década de 1920, chegara a Patos. Portanto, a ligação de Campina Grande e

Patos significava também a ligação de duas divisões da rede federal.

No entanto, menos de uma década depois, sob o regime militar, o governo

extinguiu os ramais tidos como deficitários, entre eles, estava o de Cajazeiras. Na

década de 1970, o transporte ferroviário tornara-se obsoleto na concorrência com o

rodoviário. O governo militar iniciou a desativação de trens de passageiros, como

ocorreu com a linha de Campina Grande e, posteriormente, numa tentativa de

recuperar o setor de passageiros criou a linha Recife-Fortaleza, o expresso Asa

Branca, passando por Campina Grande. Este expresso deu seu último apito no final

daquela década.

Great Western

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

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93

Josemir Camilo de Melo

A PRIVATIZAÇÃO A TODO VAPOR

Durante o governo neoliberal de Collor de Mello, em 1992, começou o

processo de privatização da RFFSA, que se deu entre 1996/1998, continuando no

governo Fernando Henrique Cardoso, quando se deu a liquidação em 1999, passando

às mãos da Companhia Ferroviária do Nordeste – CFN. Até mesmo o governo do

'esquerdista' Luís Inácio Lula da Silva deu continuidade à sua privatização, sendo

então extinta em 2007. Dissolvida de acordo com o estabelecido no Decreto nº

3.277, de 7 de dezembro de 1999, seus ativos operacionais (infraestrutura,

locomotivas, vagões e outros bens vinculados à operação ferroviária) foram

arrendados às concessionárias operadoras das ferrovias, entre elas a Companhia

Ferroviária do Nordeste (CFN).

O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO

O patrimônio que se constituiu durante a operação das ferrovias vai da

produção direta (os próprios bens móveis e imóveis) à indireta, os outputs (ou seja, as

consequências econômicas, sociais, ecológicas e políticas). Inclui, social e

economicamente falando, o patrimônio invisível: a formação de riquezas familiares

(não só o capital em si, mas o capital cultural, além de habitus) e classes sociais, como

atesta o decreto que transfere ao Iphan, a proteção (Decreto no. 6.018, de 22 de

janeiro de 2007). No geral, foram transferidos ao Iphan, para avaliação, 2 milhões de

bens móveis, além de um incalculável acervo documental. Agrega-se a estes bens o

patrimônio imaterial representado pelos costumes, tradições e outras influências

trazidas pela ferrovia e que estão incorporadas no cotidiano de grande parte da

população que, direta ou indiretamente, conviveu com a presença da ferrovia.

Com a desativação e extinção da RFFSA, coube ao IPHAN, que, em 2010, criou a

Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário (incluindo do ferro, em sim, até as

manifestações culturais) a proteção desse patrimônio, avaliado num total de 52 mil

imóveis, 15 mil bens históricos, 31.400 m lineares de acervo documental, 118 mil

desenhos técnicos, 74 mil itens bibliográficos e um universo incalculável de bens

móveis (Iphan, 2009, apud COSTA LINS, 2012, p. 23).

Como dizem os poetas: “Café-com-pão! Café-com-pão! Café-com-pão! O que

foi isto maquinista”: “Vou Danado Pra Catende/ Vou Danado Pra Catende”, digo eu:

Vou Danado Pra Campina!

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94

Josemir Camilo de Melo

REFERÊNCIAS

COSTA LINS, Ana Paula Mota de Bitencourt da.

instrumentos voltados para a sua salvaguarda. Architecton – Revista de Arquitetura e

Urbanismo, Vol. 02, Nº 02, 2012.

MELO, Josemir Camilo de. Selando o desenvolvimento sobre trilhos: a construção de uma rede

ferroviária no nordeste brasileiro (1858-1958). In: Isabel Maria Freitas Valente e João Rui Pita.

(Org.). História e Filatelia IV. O Brasil nos selos portugueses e brasileiros, Coimbra: CEIS20,

2012, v. Nº 4, p. 43-58. (e-book).

_________. Ferrovias Inglesas e Mobilidade Social no Nordeste. Campina Grande-PB:

EDUFCG, 2007.

_________. As Primeiras Greves Ferroviárias no Nordeste. Cadernos Nordeste em Debate, N°

II, UFPB, Campina Grande, 1994.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Patrimônio Ferroviário.

Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127>. Acessado em: 02/10/15.

REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA. Histórico. Disponível em:

<http://www.rffsa.gov.br/principal/historico.htm>. Acessado em: 02/10/15.

CENTRO-OESTE BRASIL. Mapas Ferroviários. Disponível em: <http://vfco.brazilia.

jor.br/ferrovias/Transnordestina/1924redeViacaoCearense.shtml>. Acessado em: 05/10/15.

O patrimônio industrial ferroviário e os

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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ARTIGO

NOVAS TECNOLOGIAS E BENS PATRIMONIAIS:

O APLICATIVO PATRIMÔNIO PE MOBILE

Julieta Leite

NOVAS TECNOLOGIAS E OS BENS PATRIMONIAIS

As tecnologias de informação e comunicação (TIC) estão hoje diluídas nos mais

variados objetos e superfícies do cotidiano, como televisores, computadores, tablets,

smartphones, relógios. Observados no contexto urbano, esses dispositivos

tecnológicos de informação, comunicação e geolocalização têm sido utilizados em

atividades que vão além da representação de informações sobre determinados lugares

ou edificações. Na demanda cotidiana do uso das TIC, uma parte considerável reporta a

conteúdos transmitidos e processados acerca da localidade física, como endereço ou

coordenadas geográficas; mas interessa igualmente o conjunto de informações

produzido por outros usuários como imagens, relatos e sua localização. Daí o sucesso

de aplicativos de check-in como o foursquare ou Swarm, que permitem saber, por

exemplo, em que bares ou restaurante estão as pessoas de sua lista de contatos. Esses

dispositivos são capazes de receber, captar, processar, exibir e registrar informações em

tempo real, tomando como referência dados do contexto local em que se encontram

seus usuários.

As TIC participam da experiência urbana contemporânea e orientam as mais

diversas ações, como por exemplo: a decisão dos trajetos a percorrer e dos lugares a

visitar; a organização de encontros, eventos e manifestações públicas. Os dispositivos

de comunicação e informação digitais repercutem assim no comportamento e

desenvolvimento de atividades sociais e coletivas, bem como na construção e partilha

de valores e significados construídos em torno de ruas, monumentos e tantos outros

lugares da cidade. Trata-se, portanto, de um contexto que, para ser entendido, deve

associar a experiência da materialidade dos espaços urbanos aos conteúdos

informacionais das redes de dispositivos tecnológicos, como também às formas de

1

1

Descartes/ Sorbonne (2010). Atualmente é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Laboratório da Paisagem da UFPE e

pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Subjetividade em Arquitetura (NusArq). Atua principalmente

nos seguintes temas: Paisagem, Imaginário e Usos sociais das Tecnologias da informação e da

comunicação no espaço urbano.

Julieta Leite é arquiteta e urbanista e doutora em Sociologia da Cultura pela Université René

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Julieta Leite

relações sociais e representações coletivas que neles se estabelecem. De que

territórios falamos então? Como compreendê-los? Como se dá a divulgação e

apropriação dos bens patrimoniais desses territórios?

A visão baseada na dicotomia “ciberespaço versus espaço real”, colocada em

alguns dos primeiros estudos sobre as tecnologias digitais e o espaço urbano, não se

aplica mais. Embora intimamente associado às dinâmicas urbanas, esse panorama

tecnológico tem se mostrado um terreno de difícil apreensão, mas também um campo

igualmente fértil para a criação e a inovação. Trata-se de um processo em constante

reformulação e que, embora amplamente reproduzido, é moldado de acordo com os

contextos locais e com os aspectos econômicos e sociais. Escolhemos por pensar esses

territórios enquanto fenômenos culturais, da cultura digital, em que os territórios são

compreendidos como manifestação da vitalidade social contemporânea.

Numa leitura destes territórios, tomamos emprestada a ideia de André Corboz

(2001), historiador da arquitetura e do urbanismo, que usa a metáfora do território

como palimpsesto. O autor sugere uma compreensão do território urbano como fruto

da superposição de escritas, ou de registros ao longo do tempo. Hoje podemos dizer

que a informação e comunicação digitais constituem a mais recente camada das

nossas cidades. Ela constitui uma nova infraestrutura urbana. Se nos reportarmos

aos conteúdos informacionais que ela carrega, mesmo que de maneira invisível, ela

está associada ao fluxo de bens materiais e imateriais, às subjetividades e às formas

de representação coletiva. Nessa camada, os dados sobre o patrimônio cultural

servem de interface entre a materialidade dos territórios e sua dimensão simbólica e

informativa.

Dentro de uma leitura social do espaço, e bem antes do desenvolvimento das

tecnologias de informação e comunicação tal qual conhecemos hoje, Chombart de

Lauwe, em seus estudos sobre as formas materiais de uma sociedade, suas

representações e suas aspirações, reconheceu haver um espaço além daquele

determinado pelas condições materiais e tecnológicas, que é o das representações

coletivas ou “espaço social”. A partir desse conceito do espaço social, o autor coloca em

evidência “a ideia que fazem de si próprios os grupos e as pessoas que nele se

desenvolvem” (CHOMBART DE LAUWE, 1965, p.28, livre tradução). Ele reforça assim

uma leitura dos espaços urbanos como um território que é, ao mesmo tempo, lugar de

trocas e relações sociais, mas também um espaço cultural e simbólico.

Exatos cinquenta anos após a publicação dos “Ensaios de sociologia” de

Chombart de Lauwe, podemos acrescer que as tecnologias digitais e conteúdos que

elas carregam influenciam no comportamento, no gestual, e instauram novos modos

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Julieta Leite

de vida em torno de espaços comunicantes e simbólicos, associados às formas de

pensar, interagir, construir e habitar. Se por um lado os objetos tecnológicos participam

de nossas ações cotidianas, enquanto utensílios constantemente presentes no nosso

dia-a-dia, eles afetam igualmente os modos de ver, ouvir, tocar, falar, deambular e

registar a presença sobre o território. É possível identificar aqui um caráter colaborativo

e interativo no uso das mídias digitais na construção de um substrato comum de

imagens e significados que se encontram no coração do processo de produção e

representação do espaço.

Nesse sentido, podemos falar de um “espaço das ideias”, como coloca Edgar

Morin (1991), um espaço constituído de elementos imaginários e simbólicos, tais quais,

a memória, ritos e emoções, assim como outros que subentendem as formas de

interação e de laços sociais. Se por um lado esse tipo a construção desse espaço social

ou espaço das ideias tem suas fundações na estrutura social, a partilha desses

elementos é mais forte quando ligada ao espaço, que serve de ancoragem no interior de

um grupo. Trata-se de uma dimensão da territorialidade humana que reporta a

conteúdos da comunicação, ou da 'comunhão' no mundo vivido; eles estruturam o

universo consensual das representações necessárias à coesão dos membros de um

grupo social. Se nos reportamos aos bens patrimoniais, estes servem de ancoragem de

determinadas práticas, símbolos e valores em uma realidade física, lugar, ou região,

mas também constitui 'liga social' nessa camada imaterial de informações e

comunicações sobre o espaço urbano na medida em que reporta a uma dimensão

coletiva (memórias, costumes, ritos, linguagem).

Se recuperamos o sentido da palavra “patrimônio”, do latin patrimonium, ela

significa bem hereditário que passa dos pais e das mães aos seus filhos. Choay e Merlin

(1988) ressaltam que o termo tem sido empregado para designar a totalidade de bens

herdados do passado (desde o mais antigo ao mais próximo), tanto de ordem cultural

(como quadros e livros à paisagem criada pelo homem) como de ordem natural. Uma

vez adjetivado de cultural, esse patrimônio remete ao aspecto coletivo. Assim, o

patrimônio cultural se manifesta segundo a ideia que viemos de apresentar como

“representação coletiva”, “consciência coletiva”.

PATRIMÔNIO PE MOBILE

Traçando um rápido panorama sobre as recentes plataformas tecnológicas

digitais de informação e divulgação dos bens patrimoniais territoriais, observamos

soluções que vão desde a construção de banco de dados virtuais mapeados, até

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Julieta Leite

aplicativos para dispositivos móveis e interativos voltados para exibição, registro e

partilha de informações contextualizadas. Toma-se como exemplo, os projetos do 2“Acervo de Rio de Conta” e do “Inventário Armando Holanda” . Essas propostas

normalmente reúnem objetivos que vão desde a educação patrimonial, a

conscientização ou partilha dos valores patrimoniais, à promoção do turismo ou

elaboração de um instrumento de gestão e monitoramento do estado de conservação

do patrimônio.

Atualmente observa-se uma maior exploração das plataformas colaborativas -

que permitem o acréscimo de conteúdos por parte dos usuários - e dos jogos

educativos sobre o patrimônio histórico, por permitirem a construção do

conhecimento dentro de uma experiência lúdica. Nesses casos, os usuários sentem-se

participando da experiência de visitação, conhecimento, fruição, construção e partilha

das memórias e vivências do patrimônio. São exemplos o projeto E-Lens, realizado pelo

MIT em 2005 para a cidade de Manresa, na Espanha, e o Locast, para Veneza (2009);

esses projetos permitem ao usuário acessar informações digitalizadas sobre o bem 3

patrimonial e seu entorno como também enviar mensagens e comentários .

Dentro desse panorama de experiências e possibilidades foi elabora a proposta 4do “Patrimônio PE Mobile” , um aplicativo gratuito para smartphones e tablets com o

conteúdo voltado para divulgação, educação e informação sobre o patrimônio cultural

pernambucano. Os dados do aplicativo concentraram-se em torno de doze bens do

patrimônio arquitetônico, sendo seis localizados na cidade de Recife e seis em Olinda.

As informações são apresentadas de forma dinâmica, por meio de textos e áudios em

quatro idiomas - português, inglês, francês e espanhol - fotos e localização via GPS

(ver figuras 1 a 4).

2

desenvolvido pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA) desde 2004, e está disponível em <http://www.acervoriodecontas.ufba.br>. O “Projeto Cultural Inventário do Arquiteto Armando de Holanda” foi realizado pelo Laboratório da Imagem de Arquitetura e Urbanismo (LIAU) e do LIBER, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com apoio da FUNDAJ e Funcultura (2013) e está disponível em <http://www.armandoholanda.com>. 3 Ver <http://mobile.mit.edu/en/elens> e http://locast.mit.edu>.4 Aplicativo disponível para as plataformas Android e iOS. Para baixar, procurar por “Patrimônio PE”.

O projeto “Acervo Rio de Contas: documentação arquitetônica do Sítio Histórico” vem sendo

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Julieta Leite

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O patrimônio é um objeto de um investimento no momento presente, não é

apenas para se lembrar e consagrar o passado. É também um mecanismo de

identidade regional, por isso preservar não significa necessariamente restaurar ou

recuperar, mas, sobretudo, restituir e se re-apropriar. Por isso, o olhar sobre o

patrimônio cultural tem também um sentido coletivo – resgata imagens de uma vida

social, sua cultura e seus costumes.

Figura 1 – Cartaz de divulgação do aplicativo Patrimônio PE MobileFonte: Agência Caju

Figuras 2 a 4 – Aparência e layout das informações do aplicativo Patrimônio PE Mobile. Fonte: Agência Caju

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Julieta Leite

No momento em que as TIC auxiliam as ações de divulgação e interação junto

aos bens patrimoniais, têm-se permitido a construção de um repositório novo e

dinâmico de informações em que são reunidos imagens e dados do passado num

presente vivo, contribuindo na orientação de um olhar para o futuro. Mais do que isso,

os conteúdos passam a estar integrados de uma forma até então nunca experimentada,

sem a rigidez das fronteiras espaciais e temporais. Ampliam-se os modos de percepção

estética e apreensão afetiva do patrimônio cultural; por consequência, os valores

patrimoniais são reconhecidos e partilhados mais amplamente.

Como considerações finais, ressaltamos o papel que o patrimônio cultural

ocupa na contemporaneidade como um valor, mas, igualmente, como um recurso; um

vetor de conexão territorial e social, substrato do imaginário coletivo, objeto em torno

do qual podem se estruturar os agrupamentos humanos. Por isso, é importante se

pensar e explorar as maneiras pelas quais se estrutura a difusão e conservação do

patrimônio cultural por meio das TIC considerando os aspectos subjetivos,

relacionados aos territórios e às paisagens, seus símbolos, significados, marcas visíveis

e ocultas. É igualmente importante compreender como os indivíduos e grupos se

apropriam, interagem, representam e simbolizam em torno dos bens patrimoniais. Em

vista dessas e outras questões, podemos questionar e propor as formas como os agentes e

interesses (individuais, institucionais ou sociais) são combinados em diferentes campos

políticos e arranjos territoriais que concernem nossos bens culturais.

REFERÊNCIAS

CORBOZ, André. . Paris: Les éditions de

l'imprimeur, 2001.

CHOAY, Françoise & MERLIN, Pierre. Dictionnaire de l'urbanisme et de l'aménagement. Paris:

PUF, 1988.

CHOMBART DE LAUWE, Paul-Henri. Paris. Essais de sociologie 1952-1964. Paris: Editions

Ouvrières, 1965.

MORIN, Edgar. La Méthode. Tome 4 - Les idées. Leur habitat, leur vie, leurs mœurs. Paris :

Seuil, 1991.

Le territoire comme palimpseste et autres essais

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ARTIGO

A NOÇÃO DE SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO

DA POLÍTICA DE SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO

CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL

Marcia Sant'Anna

A política brasileira de salvaguarda do patrimônio cultural imaterial completa 2

15 anos e já se tornou uma referência nacional e, principalmente, internacional . Na

celebração desta efeméride, é importante reconhecer não somente o papel que as

experiências desenvolvidas entre os anos 1930 e 1980 tiveram na sua formulação, mas

retomar as ideias que presidiram a concepção de seus objetivos e princípios

orientadores, bem como de seus principais instrumentos. Sem dúvida, é também

fundamental revisitar a noção de sustentabilidade desse patrimônio que foi construída

no período em causa, uma vez que a promoção da continuidade dos bens culturais

imateriais sempre foi julgada uma meta essencial. Como assegurá-la? Que requisitos

um processo de salvaguarda deve preencher para que possa ser considerado social e

ambientalmente sustentável? Neste texto, tentar-se-á não apenas responder a essas

questões, mas problematiza-las à luz das principais abordagens da salvaguarda

desenvolvidas no Brasil a partir dos anos 2000.

OBJETIVOS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES

Tornar a preservação do patrimônio cultural mais democrática e aberta à

sociedade, abarcando bens culturais ainda “não-consagrados” como patrimônio

(FONSECA, 1997), mas representativos da diversidade cultural existente no Brasil, foi,

desde o início, um dos principais objetivos da política de salvaguarda do patrimônio

1

1

Federal da Bahia. Coordenou, entre 1998 e 2000, o Grupo de Trabalho do Patrimônio Imaterial,

constituído pelo Ministério da Cultura, e, entre 2004 e 2011, foi Diretora do Departamento do

Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Atualmente, é

professora adjunta da Faculdade de Arquitetura da UFBA e vice-coordenadora do Programa de Pós-

Graduação em Arquitetura e Urbanismo desta universidade.

2 Especialistas como Maria Cecília Londres Fonseca e Antônio Augusto Arantes participaram ativamente

da formulação do texto da Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial

(2003). Além disso, o Brasil foi peça fundamental para a criação e funcionamento do Centro Regional para

a Salvaguarda do Patrimônio Cultural da América Latina (CRESPIAL) e, através do Iphan, presta assessoria

neste campo a países da região e a países africanos de língua portuguesa.

Marcia Sant'Anna é arquiteta, mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade

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Marcia Sant'Anna

cultural imaterial implementada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional (Iphan), juntamente com a já mencionada meta de promover sua

continuidade de modo sustentado. Romper com a noção de que o patrimônio cultural

é algo que não faz parte do cotidiano dos grupos sociais e ampliar o acesso aos

benefícios culturais, sociais e econômicos gerados pela sua preservação foram

também objetivos fundadores.

Esses objetivos, entretanto, somente poderiam ser atingidos de modo

consistente e significativo, se alguns princípios de atuação fossem seguidos e, de fato,

presidissem a atuação governamental, o que foi, nos últimos 15 anos, tenazmente

perseguido pelo Iphan. O mais importante deles, em consonância com o artigo 216 da

Constituição Federal, estabelece que o reconhecimento e a preservação do patrimônio

cultural diz respeito, fundamentalmente, à sociedade, e que cabe ao poder público

atuar, principalmente, como parceiro e apoiador desses processos. Em outras palavras,

este princípio afirma que o patrimônio cultural é uma construção social que diz respeito

a todos e não apenas aos especialistas que, tradicionalmente, foram mobilizados pelo

Estado para estabelecer os seus contornos. Com isso, a participação ativa dos

indivíduos e grupos sociais que produzem, mantêm e transmitem os saberes, ofícios,

celebrações, formas de expressão e lugares que constituem suas referências culturais é

definida como condição necessária da implementação da salvaguarda.

A dimensão do patrimônio definida, contemporaneamente, como “imaterial”

diz respeito a bens culturais que constituem, na realidade, processos dinâmicos de

produção cultural e que não podem, simplesmente, ser impedidos de seguir o seu

curso, o que implica aceitar e acompanhar suas transformações, recriações e

adaptações e, ainda, a possibilidade do seu desaparecimento, uma vez perdido o seu

sentido social, memorial, cultural e/ou econômico que os mantêm vigentes. Assim,

outro princípio fundamental da política de salvaguarda desenvolvida no Brasil é afirmar

que não cabe manter esses bens culturais “vivos” artificialmente, e essas considerações

levaram ao entendimento de que a produção de conhecimento e a documentação

constituem, em si mesmas, ações fundamentais de salvaguarda, já que a memória

desses bens culturais deve ficar preservada e acessível a quem quiser conhecê-los no

futuro. Um desdobramento deste princípio, e que se tornou uma das ações

fundamentais da política de salvaguarda, foi a criação, manutenção e divulgação pelo

Iphan de uma base de dados para armazenamento e difusão das informações sobre os 3bens culturais imateriais reconhecidos como patrimônio cultural do Brasil .

3 Ver o Banco de Dados dos Bens Registrados (BCR) em

<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/228>, acessado em 13/10/2015.

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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103

Marcia Sant'Anna

A participação social em todas as etapas do processo de salvaguarda não

passaria de um discurso ou de um desejo, se a socialização e o compartilhamento de

métodos e de instrumentos de identificação, reconhecimento e gestão não se

tornasse uma diretriz fundamental da política de salvaguarda. Na realidade, essa

socialização é uma das formas de se contribuir para que os grupos sociais ganhem

autonomia e, portanto, independência da atuação direta do poder público nos

processos de preservação. Investir nessa autonomia permite ao Estado, no médio e

longo prazo, ampliar e estender seu apoio a um número maior de bens e grupos

sociais.

O princípio da construção de autonomia, por seu turno, impulsionou outro

destinado à constante avaliação, adaptação e aperfeiçoamento dos instrumentos da

política de salvaguarda às demandas e dinâmicas dos grupos sociais, tendo em conta,

inclusive, as dificuldades colocadas pela própria burocracia do Estado.

Os chamados bens culturais imateriais são indissociáveis dos contextos sociais,

culturais, territoriais e, mais genericamente, ambientais em que são criados, recriados

e transmitidos. Dificuldades postas por qualquer elemento, aspecto ou fator interno

ou externo a esses contextos pode afetá-los positiva ou negativamente. Assim, a

articulação de políticas públicas relacionadas ao desenvolvimento social e

econômico, ao meio ambiente, à educação, à saúde, à assistência social e à cultura,

dentre outras, é fundamental não somente para o controle de possíveis impactos

negativos, mas para promover a transmissão e continuidade desses bens de modo

sustentável.

De fato, o patrimônio imaterial se expressa por meios de objetos, gestos,

habilidades e eventos que se realizam no tempo e no espaço. Portanto, contém uma

dimensão material – constituída por corpos, matérias primas, construtos e elementos

da natureza – sem a qual não existe, e que necessita ser também considerada e cuidada,

o que pode estar fora do alcance das políticas culturais. Uma política de salvaguarda

deste patrimônio não pode, assim, descuidar de uma visão integrada e global das

dimensões material e imaterial do patrimônio cultural.

Nos últimos 15 anos, embora essencial, o princípio da necessária articulação de

políticas públicas foi implementado com muita dificuldade. A descoordenação, a

superposição de ações e a dificuldade de diálogo entre áreas de governo permanecem

sendo um entrave para a realização de ações consistentes de salvaguarda do

patrimônio cultural e uma realidade constante no Brasil.

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Marcia Sant'Anna

INSTRUMENTOS FUNDADORES

O Registro de bens culturais de natureza imaterial, criado pelo Decreto

Presidencial n° 3.551, de 4 de agosto de 2000, consolidou-se como um dos principais

instrumentos de ancoragem legal da salvaguarda desta dimensão do patrimônio.

Concebido como uma norma que confere ao bem cultural um status equivalente ao do

bem tombado, devido a não ter sido estabelecido por uma lei ordinária, o Registro foi

considerado frágil do ponto de vista jurídico e incapaz de gerar efeitos protetivos e

garantidores da salvaguarda e dos direitos culturais relacionados a esses bens. Em

suma, foi visto como um instrumento legal de segunda classe, o que alimentou algumas

manifestações iniciais de rejeição por parte de movimentos sociais comprometidos

com a preservação do patrimônio cultural de grupos sociais minoritários. Ao longo de

sua aplicação, contudo, o Registro foi vencendo boa parte dessas objeções e

resistências, tendo se tornado um instrumento demandado por coletividades e grupos

sociais interessados na salvaguarda de suas referências culturais. Além disso, prática da

salvaguarda gerou efeitos positivos, adequados e de amplo alcance para a continuidade

de bens registrados, para defendê-los de ameaças externas e para garantir o exercício

de direitos culturais vinculados a esses bens. Advoga-se, atualmente, que o Registro é

um instrumento constitucional que garante direitos culturais, e que sua força

normativa deriva do fato de que regulamenta o exercício de direitos que são

considerados fundamentais pela Carta Magna, o que lhe confere, portanto, a

possibilidade de aplicação direta e imediata (bem como a geração de efeitos protetivos)

mesmo advindo de uma norma infra legal (QUEIROZ, 2014).

O Registro reconhece o caráter dinâmico e processual dos bens culturais

imateriais ao admitir as transformações que ocorrem ao longo do tempo, ao instituir, no

máximo a cada dez anos, a revisão do Registro e a revalidação do título de Patrimônio

Cultural do Brasil ao qual fazem jus os bens registrados. Em caso de desaparecimento

do bem, este fato deve ser anotado no livro de Registro no qual o bem foi inscrito,

mantendo-se esse registro e a documentação correspondente como referência cultural 4

do seu tempo de vigência . O Decreto n° 3.551/2000 estabelece também a

obrigatoriedade do caráter coletivo do pedido de Registro, como uma das formas de

garantir a participação da base social que dá sustentação ao bem cultural. Os efeitos

explicitados são o compromisso do Estado em valorizar, documentar, produzir

conhecimento e apoiar a continuidade do bem cultural registrado por meio do

4 Artigo 7°, parágrafo único do Decreto presidencial n° 3.551/2000.

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Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), também criado pelo mesmo 5decreto presidencial . Esse apoio à continuidade, colocado assim de forma bastante

aberta, é também o que permite ao Estado agir contra qualquer ação interna ou externa

ao contexto de produção e reprodução do bem cultural que ameace ou comprometa

sua continuidade. Como mostra Queiroz (2014), diversas situações ocorridas nos

processos de salvaguarda de bens registrados como a Arte Kusiwa, dos indígenas

Wajãpi do Amapá; como os Ofícios das Paneleiras de Goiabeiras do Espírito Santo e das

Baianas de Acarajé, e como a Cachoeira de Iauaretê, lugar sagrado para os povos

Tariano e Tukano do Amazonas, atestam que o Registro produziu efeitos protetivos e de

defesa de direitos associados a esses bens. Em suma, em sua aplicação prática, o

Registrou tem provado não deixar nada a dever ao tombamento como instrumento de

proteção. O Registro institui, ainda, um processo participativo de reconhecimento 6

patrimonial (ou de patrimonialização) possuindo também um caráter plástico, no

sentido da possibilidade de acolhimento e de resposta às dinâmicas, muito distintas e

diversas, de salvaguarda que são colocadas pelos bens culturais imateriais.

O outro instrumento fundador da política de salvaguarda implementada pelo

governo federal é o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), que, como o

Registro, possui também um caráter participativo e plástico. A metodologia do INRC

tem seus fundamentos na etnografia e na própria história da ação e do pensamento

brasileiro a respeito da preservação dos bens culturais hoje denominados “imateriais”,

ou seja, nas propostas de Mário de Andrade (ANDRADE, 1981); nas experiências do

Centro Nacional de Referências Culturais e da antiga Fundação Nacional Pró-Memória

(MAGALHÃES, 1997; FONSECA, 1997); assim como na atuação dos chamados

folcloristas entre os anos 1940 e 1960 (CAVALCANTI, 1992 e 2001). Nessas experiências,

o foco sempre esteve no significado e sentido das expressões culturais no contexto dos

seus territórios, produtores, atores e público.

O INRC corresponde também à concretização prática da ideia de inventariar

referências culturais, ou seja, os “diversos domínios da vida social (festas, saberes,

modos de fazer, lugares e formas de expressão) aos quais são atribuídos sentidos e

valores de importância diferenciada e que, por isso, constituem marcos de identidade e

5

mais das seguintes linhas de atuação: a) pesquisa, documentação e informação; b) sustentabilidade de

bens culturais imateriais; c) promoção do patrimônio cultural imaterial; d) capacitação de agentes e

atores para a salvaguarda.

6 Nenhum processo de Registro pode ser iniciado sem a anuência prévia e informada dos grupos sociais

produtores e detentores do bem cultural, conforme determina a Resolução n° 001, de 3 de agosto de 2006.

O PNPI é implementado por meio de editais públicos para o fomento de projetos inseridos em uma ou

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memória para determinado grupo social” (MANUAL DE APLICAÇÃO, 2000). A noção de

referência cultural implica incluir no processo de identificação e salvaguarda os sujeitos

que interpretam e atribuem distintos valores ao seu patrimônio. Assim, na aplicação do

INRC não são os técnicos e especialistas em patrimônio, mas os indivíduos e grupos

sociais que indicam o que será identificado e inventariado. Assim, este inventário

institui também um processo participativo de identificação do patrimônio em todas as

suas etapas (levantamento preliminar, identificação e documentação). Além de prover

um diagnóstico bastante acurado da situação em que se encontram os bens

identificados, o INRC produz uma documentação (fotográfica, gráfica, audiovisual e/ou

sonora) adequada à natureza do bem, e uma agenda (ou pauta) compartilhada de

preservação que envolve instituições locais e grupos sociais envolvidos. O diagnóstico

emerge da produção de conhecimento que é realizada sobre as condições sociais,

materiais e ambientais em que se dá a produção, a reprodução e a circulação das

referências culturais inventariadas, com vistas ao seu reconhecimento enquanto

patrimônios e também à elaboração de planos de ação voltados para corrigir e

contornar os problemas que afetam seu fortalecimento e continuidade.

Assim, não é exagerado afirmar que o INRC é o fundamento do processo de

salvaguarda. Embora sua utilização não seja obrigatória nos processos administrativos

de Registro, a maioria dos atuais 32 bens registrados é consequência de sua aplicação. A

não obrigatoriedade de utilização do INRC nesses processos, contudo, decorre do

reconhecimento de que existem instituições e mesmo pessoas que detêm

conhecimento aprofundado sobre vários bens culturais e que este conhecimento pode

e deve ser aproveitado. Essa diretriz foi o que permitiu que todo o processo de Registro

da pintura corporal e da arte gráfica Wajãpi (a Arte Kusiwa) fosse realizado pela própria

Comunidade Wajãpi e pelo seu Conselho das Aldeias (APINA), com o apoio da

antropóloga Dominique Galois (ARTE KUSIWA, 2008). O INRC é uma metodologia

“plástica” de inventário, na medida em que busca se adaptar aos contextos e às

condições de sua aplicação. Com isso, se adequa a inventários de caráter mais 7abrangente que investigam tais referências culturais presentes em um dado território ,

mas também àqueles em torno de um tema articulado à produção cultural, como, por

exemplo, a produção de utensílios em barro e de farinha, ou, ainda, as expressões do

samba de coco no Nordeste.

7

do lugar, do bairro e da localidade, a estados, regiões e conjuntos de regiões não necessariamente

contínuos.

O INRC contempla a possibilidade de se identificar territórios em escalas muito distintas que vão do sítio,

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Em 15 anos de existência, o INRC foi utilizado em aproximadamente uma

centena de inventários, realizados em todas as regiões do país. O Iphan cede

gratuitamente esta metodologia a qualquer instituição ou grupo social que a solicite,

desde que o projeto seja aprovado, atenda aos princípios da política de salvaguarda e os

resultados sejam compartilhados com a instituição. Alguns pesquisadores, contudo,

têm definido o Registro e o INRC como meios para a “certificação de culturas” (SIMÃO,

2005), o que, certamente, decorre de um desconhecimento dos princípios que

fundamentaram sua formulação, de uma compreensão equivocada dos seus objetivos

e, possivelmente, da dificuldade de entender que a constituição social de patrimônios é

sempre, e inevitavelmente, um campo de disputas, e são essas disputas que

possibilitam a democratização do campo da preservação e o reconhecimento e a

salvaguarda de bens culturais que, sem elas, estariam ainda na obscuridade.

A participação do Brasil no programa “Proclamação das Obras Primas do

Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”, da Unesco, impulsionou a criação de um

outro instrumento que ficou conhecido como “Plano de Salvaguarda”. Embora, como

visto, o Decreto n° 3.551/2000 tenha estabelecido o compromisso de apoio do Estado à

continuidade do bem cultural, a obrigação de formular um plano de ação para orientar

a salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi e do Samba de Roda do Recôncavo, candidatos ao

título de Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade, conferido pelo citado

programa, orientou a formulação deste instrumento. Além disso, as experiências de

apoio, fomento e promoção de comunidades artesanais, realizadas pelo Centro

Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), foram também importantes

referências nessa construção.

O objetivo do Plano de Salvaguarda é promover a continuidade e a

sustentabilidade dos bens culturais registrados. Para tanto, conforme a situação de

cada bem, uma ou mais das seguintes linhas de atuação podem organizá-los: (1) apoio

às condições de transmissão, produção e reprodução; (2) ações de valorização,

promoção e difusão; (3) ações de defesa de direitos associados ao bem cultural; e (4)

ações de acompanhamento, pesquisa e documentação. A partir do Registro, em

tempos que variam segundo a dinâmica e o nível de organização dos detentores do bem

cultural, tem início o processo de formulação e implementação do plano. Fazem parte

desta construção coletiva, o grupo social detentor comprometido com a salvaguarda do

bem, representantes do poder público e parceiros da sociedade, reunidos num Comitê

Gestor do Plano de Salvaguarda.

O Plano de Salvaguarda, cuja implementação pode ocorrer no curto, médio e

longo prazo, caracteriza-se também por uma grande plasticidade, pois não há um

modelo prévio e suas linhas da atuação e demais elementos são adaptados às

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condições dadas e às demandas do grupo detentor, podendo mesmo tomar a forma de

um conjunto de ações, sem necessariamente uma forma de plano. O instrumento

tornou-se, entretanto, a principal ferramenta de acompanhamento dos processos de

salvaguarda, bem como peça fundamental para orientar a reavaliação do Registro que

deve ocorrer a cada 10 anos, conforme determinado pelo Decreto n° 3.551/2000.

Mas a descrição dos planos e ações de salvaguarda não fica completa sem

menção ao sistema de monitoramento e avaliação da salvaguarda dos bens registrados

que foi elaborado pelo Iphan. Seus antecedentes podem ser localizados no Seminário

de Avaliação do Projeto Celebrações e Saberes da Cultura Popular, desenvolvido pelo

Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, e nos I e II Encontros de Avaliação

Participativa, promovidos pelo Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan em

2008 e 2011. Desenvolvido a partir de 2010, o sistema já foi aplicado a 22 processos de

salvaguarda de bens registrados, suscitando reflexões e apresentando resultados

importantes. Dentre estes, a noção de que a existência de outros canais de participação

na execução das ações de salvaguarda, para além, ou no lugar, de um Comitê Gestor; as

interlocuções mantidas com o poder público; a realização de avaliações participativas

periódicas; a gestão direta e satisfatória de recursos públicos e a mobilização de

parcerias, dentre outras iniciativas, são indicadores importantes para a avaliação do

processo de salvaguarda. Em suma, no sistema de avaliação, o próprio plano de

salvaguarda foi definido como um processo que, conforme o caso, pode adotar

distintos ritmos e configurações.

Os 22 planos e conjuntos de ações de salvaguarda avaliados por meio deste

sistema montado pelo Iphan permitiram identificar as fases do processo de salvaguarda

– implementação, consolidação e estabilização – e classificar, de acordo com elas, os

processos examinados. Permitiram ainda estabelecer os critérios ou requisitos que

devem ser preenchidos para uma avaliação positiva do andamento desses processos de

salvaguarda, tais como: a) o nível de mobilização social para a salvaguarda; b) o nível de

interlocução com o Estado; c) a implantação de Centro de Referência do bem cultural

registrado; d) uma rede de parcerias consolidada; e) o crescimento da autonomia dos

grupos detentores/produtores na viabilização das condições de produção e

reprodução do bem registrado; e, por fim, f) o nível de autonomia desses grupos na

gestão do processo de salvaguarda. À luz desses critérios, foram considerados

“estabilizados”, ou seja, como tendo atingido um bom nível de garantia de continuidade

sustentada do bem cultural, os processos de salvaguarda da Arte Kusiwa Wajãpi, do

Samba de Roda do Recôncavo e das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Em situação

próxima deste nível de estabilização, estaria também a salvaguarda do Ofício das

Baianas de Acarajé.

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A avaliação dos processos de salvaguarda mostra o acerto do texto do Decreto

n° 3.551/2000 ao estabelecer o prazo de, pelo menos, 10 anos para a reavaliação do

Registro do bem cultural. De fato, todos os processos considerados estabilizados

precisaram desse prazo para atingir esse patamar. O exame também mostrou que a

sustentabilidade da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial é decorrência da

firmeza, constância e qualidade do apoio fornecido pelo Estado ao processo, mas,

principalmente, da qualidade e intensidade da mobilização e da participação da base

social comprometida; por fim, do crescimento da autonomia da base social na gestão

desse processo.

AS DISTINTAS ABORDAGENS DA SALVAGUARDA NO BRASIL

Como já apontado, a política de salvaguarda que vem sendo implementada

pelo governo federal fundamenta-se na tradição e na trajetória do pensamento e das

ações implementadas, a partir dos anos 1930, para reconhecimento e apoio às

expressões da cultura que hoje são denominadas patrimônio cultural imaterial. O

principal traço dessa abordagem é focalizar essas expressões como fatos sociais totais

(ZANOLLI, COSTILLA & ESTRUCH, 2010, p. 30), o que implica considerar tanto na sua

constituição como patrimônios, quanto na abordagem da sua salvaguarda os diferentes

aspectos de uma realidade social. Em outras palavras, abordar a expressão ou prática

cultural tendo em conta os aspectos históricos, econômicos, ambientais que presidem

sua produção e reprodução, ou a atravessam, no seu território de ocorrência, bem

como os grupos sociais produtores, detentores e/ou praticantes, as condições de sua

circulação e difusão, o seu público consumidor ou quem dela usufrui. Naturalmente, os

processos de transmissão desses bens culturais às novas gerações estão contidos nessa

abordagem, mas jamais dissociados de todos esses aspectos.

Essa maneira de abordar os processos de patrimonialização e salvaguarda dos

chamados bens culturais imateriais, entretanto, não é a única no Brasil. Por vezes em

articulação e, na maioria das vezes, em contradição ou conflito com a adotada pelo

governo federal, outra abordagem também vem sendo desenvolvida no Brasil, desde

2002, tendo como inspiração o Programa Tesouros Humanos Vivos da Unesco. Esse

programa, lançado mundialmente nos anos 1990, tem origem no sistema de

salvaguarda desenvolvimento em países orientais, a partir da experiência do Japão que

teve início com a promulgação da chamada Lei da Cultura (Bunka Cho), em 1950. Esse

sistema concentra-se no fortalecimento do processo de transmissão do bem cultural, a

partir da concessão a mestres e, eventualmente, a grupos que detêm conhecimentos e

habilidades que permitem a reprodução de certos bens culturais, o título de “Tesouros

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Humanos Vivos”. O sistema implica a concessão pelo Estado de ajuda financeira a esses

mestres e grupos, em troca do compromisso de transmissão de seus saberes a

aprendizes selecionados.8

Sete estados brasileiros optaram por elaborar e promulgar leis baseadas

nessa abordagem oriental, conjugadas ou não a leis que instituem o Registro de bens

culturais imateriais nos moldes do Decreto n° 3.551/2000. Pesquisas realizadas a 9partir de 2006 (CASTRO & FONSECA, 2008) e outras mais recentes mostram que

dentre os estados que possuem leis de reconhecimento de mestres e grupos como

“patrimônio vivo”, apenas em quatro essas leis estão sendo de algum modo

aplicadas. Nos três restantes, não há qualquer aplicação. As ações desses programas

têm mantido um perfil marcadamente assistencialista e os mestres laureados – mesmo

quando em condições adequadas de idade e saúde - não têm sido envolvidos em

programas educacionais ou de transmissão de seus conhecimento e habilidades. Além

disso, as seleções de mestres e grupos são feitas a partir da apresentação de

candidaturas em resposta a editais, sem, portanto, a participação das bases sociais

ligadas à produção e reprodução dos bens culturais que os candidatos dominam. Em

suma, a condição de “mestre” é autodeclarada e não uma consequência do

reconhecimento social ou de pares.

Os resultados em termos da promoção da continuidade social e

economicamente sustentada das expressões dominadas por esses “patrimônios vivos”

não podem ser considerados animadores. Os impactos na ampliação da transmissão de

bens culturais às novas gerações são baixos, assim como na sua reprodução, pois,

eventualmente, a ajuda governamental tem propiciado uma diminuição ou até

abandono do ofício ou da prática da expressão cultural por parte do mestre laureado.

Por fim, este sistema de salvaguarda tem encontrado dificuldades para sua própria

reprodução, devido a restrições orçamentárias que impedem que novos editais de

seleção sejam lançados e fazem com que candidatos esperem a morte de mestres já

laureados para que sejam abertas novas “vagas”. Que horizonte de sustentabilidade

esse sistema coloca então para a salvaguarda do patrimônio cultural imaterial?

No sistema de salvaguarda implementado pelo governo federal, no que diz

respeito ao fortalecimento dos processos de transmissão, optou-se, decididamente,

por outra via. A identificação de mestres que detêm conhecimentos e/ou habilidades

8

9 Projeto de pesquisa coordenado pela antropóloga Letícia Vianna, em andamento no Instituto

Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior/CNPq/UnB.

Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco e Santa Catarina.

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especiais, bem como daqueles que são responsáveis por sua transmissão e pela

formação de pessoas, dá-se no âmbito da etapa de inventário ou produção de

conhecimento sobre os bens culturais e seus praticantes. Essa identificação é feita a

partir de informações já disponíveis, mas, principalmente, por meio da indicação

desses praticantes. Identificados, assim, por seus pares e pela base social vinculada

ao bem, os mestres são incluídos no processo de salvaguarda, especificamente, nas

ações de transmissão que são previstas no conjunto de ações de apoio à

continuidade do bem cultural. Com isso, não há a patrimonialização de mestres e sim

a integração desses detentores especiais de saberes e habilidades a um processo

mais amplo de salvaguarda que envolve também a melhoria das demais condições

materiais, ambientais e sociais que sustentam a vigência e continuidade de

referências culturais.

UM EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE: O PLANO DE SALVAGUARDA DO SAMBA DE 10

RODA DA BAHIA

Depois da Arte Kusiwa Wajãpi, o Samba de Roda foi o segundo bem a incluir no

seu processo de Registro recomendações detalhadas para a formulação e

implementação de um Plano de Salvaguarda. No início desse processo – que já visava o

envio da candidatura deste bem cultural ao Programa “Obras Primas do Patrimônio

Oral e Imaterial da Humanidade” – a pesquisa realizada para a identificação de grupos

de samba no Recôncavo baiano mostrou uma situação de grande isolamento e de falta

de intercâmbio entre esses grupos, bem como apurou muitas queixas contra a falta de

apoio governamental e contra pesquisadores que colhiam imagens, músicas e

informações e não devolviam nada para as pessoas e grupos que as forneceram. Além

disso, foram verificadas também situações dramáticas de risco de desaparecimento de

saberes e habilidades ligados, principalmente, a aspectos musicais e instrumentais do

samba de roda. Dentre estas, o desaparecimento do saber-fazer que possibilitava a

confecção artesanal da “viola machete” – instrumento tradicional do “samba chula” da

região de Santo Amaro –, em decorrência da morte do último luthier que fabricava o

instrumento, o qual não havia deixado sucessores.

Na época dessa pesquisa, em 2004, restavam apenas três violas machete em

todo o Recôncavo (sendo duas quebradas) e apenas um músico capaz de tocar o

instrumento com perfeição e reproduzir um repertório significativo – o mestre Zé de

10

2006). As informações deste item constam do dossiê de Registro publicado pelo IPHAN (SAMBA DE RODA,

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Lelinha. Vários indivíduos e grupos demonstraram grande preocupação com esta

situação e solicitaram a inclusão de ações para reversão deste quadro num futuro plano

de salvaguarda. Outra preocupação recorrente era a falta de um espaço, institucional e

físico, que congregasse os vários grupos de samba da região: uma espécie de “Casa do

Samba' onde todos pudessem se reunir, trocar experiências e informações, ensinar

músicas e danças aos mais jovens, dentre outras atividades.

O Samba de Roda foi registrado e em 2005 foram iniciadas as reuniões, com a

participação do Iphan, dos grupos envolvidos no Registro e de pesquisadores

interessados em colaborar com a salvaguarda deste bem cultural, para a discussão das

ações emergenciais, de curto, médio e longo prazo que deveriam constar do Plano de

Salvaguarda. Um dos primeiros resultados – e essa ação se revelou da maior

importância para a sustentabilidade desse processo de salvaguarda – foi a criação, no

mesmo ano, da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia

(ASSEBA). Inicialmente congregando os cerca de 20 grupos que participaram do

inventário e do Registro do Samba de Roda, atualmente, a ASSEBA conta com

aproximadamente 120 grupos filiados, tendo se tornado uma referência de

organização pela sua alta capacidade de captação e gestão de recursos, de

formulação e implementação de projetos e de formação de uma rede de grupos 11conectados e atuantes no processo de salvaguarda. A criação dessa associação

permitiu não somente a desejada congregação e intercâmbio entre grupos, mas sua

organização para uma gestão crescentemente autônoma da salvaguarda do samba

de roda. Em suma, permitiu a coesão e a ampliação da base social comprometida

com este processo.

Dentre as principais conquistas dos sambadores e sambadeiras, além da

ASSEBA, cabe contabilizar: a implantação, funcionamento e gestão do Centro de

Referência “Casa do Samba de Santo Amaro”; a reversão do risco de desaparecimento

do saber-fazer e do saber-tocar viola machete, com a formação de novos luthiers e

tocadores a partir da realização de oficinas com o mestre Zé de Lelinha e da 12documentação do seu repertório ; a ampliação dos canais de transmissão dos

conhecimentos e habilidades ligadas ao samba de roda, mediante a realização oficinas

regularmente ministradas por mestres sambadores e sambadeiras na casa de Santo

Amaro e na rede de 14 Casas do Samba que foi implantada em 14 municípios da região,

a partir de 2011; a implantação e funcionamento de 11 grupos mirins de samba de roda;

11 http://www.asseba.com.br

12 O mestre Zé de Lelinha faleceu em seguida a essas providências.

Ver mais informações no site: < >.

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e, por fim, o notável avanço que se pode registrar nas ações voltadas para a arrecadação

de fundos para a manutenção das estruturas que apoiam o processo de salvaguarda por

meio de apresentações de grupos, venda dos CDs gravados no estúdio da Casa de

Santo Amaro, dentre outras ações.

O processo de salvaguarda do Samba de Roda não seria tão bem sucedido se

não contasse com a mobilização e com a dedicação dos indivíduos e grupos que o

praticam. Pode ser citado como uma referência não somente para outros processos

dessa natureza, mas fornece também um rico material para a reflexão sobre os

caminhos que devem ser trilhados na salvaguarda do patrimônio cultural de um

modo geral. Na dimensão material ou imaterial desse patrimônio, a existência de

uma base social comprometida é de fato essencial para a salvaguarda, o que coloca,

certamente e definitivamente, em questão as iniciativas de preservação de bens

culturais que não contam com isso.

DESAFIOS ATUAIS PARA A SUSTENTABILIDADE DOS PROCESSOS DE SALVAGUARDA

Os processos de salvaguarda de bens culturais imateriais avançaram muito nos

últimos 15 anos, no Brasil, mas são ainda questionados e desafiados por iniciativas

inteiramente contrárias aos princípios adotados na política desenvolvida pelo governo

federal. Dentre estas, as mais danosas e comprometedoras são as leis, normalmente de

iniciativa de parlamentares municipais, estaduais ou federais, que, sem qualquer

processo de produção de conhecimento ou de formação de vínculo com a base social

produtora e detentora, estabelecem, em um ou dois artigos, que bens culturais e

aspectos da vida social são “patrimônio imaterial”. Fazem parte deste rol, as leis que

declararam a Torcida do Flamengo, o “chiado” do carioca e a Caminhada com Maria, de

Fortaleza, patrimônios culturais. Essas leis, pela ligeireza com que são propostas e

aprovadas, pela total ausência de efeitos de salvaguarda, não somente difundem uma

concepção equivocada de patrimônio cultural imaterial, como sinalizam para a

sociedade que esse tipo de salvaguarda não deve ser levada a sério.

O problema que as citadas leis colocam não está, obviamente, ligado à falta de

pertinência cultural dos bens que declararam patrimônio, mas, fundamentalmente, à

ausência de uma demanda social de salvaguarda claramente posta e, portanto, de

sujeitos e grupos comprometidos com ela. São iniciativas que cortam, de modo

inadequado e equivocado, um caminho que, para ser consistente, é necessariamente

longo e que deve ser percorrido de modo cuidadoso. Ademais, ignoram que, no que

toca ao patrimônio imaterial, não importa, ou nada conta, a opinião que sujeitos

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externos possam ter sobre sua importância, mas sim a de seus detentores. São eles, em

suma, que têm a possibilidade de apontar o que deve ser salvaguardado dentre os

múltiplos aspectos de um bem cultural, pois deles depende, em última análise, a

própria existência desse bem e a possibilidade de que seja salvaguardado. As propostas

de reconhecimento de bens como patrimônio pela via do poder legislativo têm sido

danosas porque desviam a atenção dos princípios de participação social e de

compromisso com fortalecimento das condições de continuidade do bem cultural que

devem ser observados, e jogam na vala comum da irresponsabilidade política

iniciativas que, se conduzidas de outra forma, poderiam ser socialmente e

culturalmente muito significativas.

De um lado, as iniciativas parlamentares de patrimonialização de certos bens

culturais apontam para uma ampliação positiva da participação do poder público na

política de salvaguarda e também para o seu sucesso. De outro, incentivam na

sociedade o desenvolvimento de uma compreensão equivocada do que é patrimônio

cultural imaterial e do que deve ser a sua salvaguarda. Assim, um dos maiores desafios

contemporâneos neste campo é tornar o poder legislativo uma instância parceira, no

sentido do encaminhamento ao executivo das demandas sociais de salvaguarda que

lhes são apresentadas por setores da sociedade. O próprio Decreto n° 3.551/2000

reconhece este papel de mediação, ao estabelecer que o poder legislativo é parte

legitima para solicitar a instauração de processos de Registro. É também importante

que as instituições de preservação desenvolvam formas de lidar de modo mais eficaz

com as pressões políticas sobre o Registro de bens culturais imateriais e sejam capazes

de acolher as demandas apresentadas pelo legislativo. Além disso, a de avançar e

ampliar a divulgação dos princípios que devem orientar a salvaguarda.

Outros desafios importantes para a sustentabilidade dos processos de

salvaguarda são a articulação das leis de reconhecimento de mestres como

“patrimônio vivo” aos processos de salvaguarda mais amplos das expressões culturais

que dominam, assim como a ampliação da inclusão de detentores e produtores de bens

culturais na sua identificação. A importância da ação do Estado deve ser reconhecida,

mas, como já apontado, a continuidade de bens culturais imateriais depende,

fundamentalmente, de atores sociais que queiram atuar segundo determinados

códigos, e de determinadas condições materiais e ambientais que possibilitem a

reprodução do bem cultural. Daí a necessidade de apoiar o fortalecimento e a melhoria

dessas condições e não somente dos aspectos ligados à transmissão de saberes.

A articulação de políticas públicas que têm interface com melhoria das

condições sociais, materiais e ambientais que possibilitam a continuidade de bens

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culturais é, certamente, um outro grande desafio a enfrentar, diante da falta de tradição

administrativa no Brasil neste sentido. Não menos importante é avançar no controle

dos impactos da implementação da política de salvaguarda nos próprios bens culturais

que são seu objeto, assim como no controle dos impactos de políticas de

desenvolvimento do turismo e de implantação de grandes empreendimentos que

desestruturam contextos culturais e seus territórios.

Ao se olhar então para os últimos 15 anos, é forçoso reconhecer a consistência

da política de salvaguarda que foi formulada e implementada no Brasil. Mas é

importante também reconhecer que há ainda muitos desafios a enfrentar e um longo

caminho a percorrer para que ela se torne cada vez mais consolidada e,

principalmente, realizada em bases de excelência e de sustentabilidade ambiental,

econômica e social.

REFERÊNCIAS

CASTRO, Maria Laura Viveiros de & FONSECA, Maria Cecília Londres.

Brasil. Brasília: UNESCO: Educarte, 2008.

CAVALCANTI, Maria Laura. “Os Estudos de Folclore no Brasil”. In: Seminário Folclore e Cultura

Popular: As Várias Faces de um Debate. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Folclore,

Coordenadoria de Estudos e Pesquisas, 1992, p. 101-102.

CRESPIAL. Patrimonio cultural inmaterial – fiestas. Cusco: Centro Regional para la Salvaguardia

del Patrimônio Cultural Inmaterial de América Latina, 2010, p. 11-40.

_________. “Cultura e Saber do Povo: uma perspectiva antropológica”. In: Revista Tempo

Brasileiro, out-dez. nº 147 Rio de Janeiro, 2001, p. 69-78.

FONSECA, Maria Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de

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corporal e arte gráfica wajãpi. Brasília, DF: Iphan, 2008, 2ª ed.

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MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? - A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova

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Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Marcia Sant'Anna

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de Janeiro, 2014.

SIMÃO, Luciene. “Certificando Culturas: inventário e Registro do patrimônio imaterial”. In:

MNEME Revista de Humanidades. v. 7. n. 18, out./nov, 2005. p. 9-29.

ZANOLLI, Carlos; COSTILLA, Julia; EESTRUCH, Dolores. “Cofrades, esclavos y devotos: la

peregrinación al Santuario de la Virgen de Copacabana de Punta Coral”. Jujuy, Argentina. In: 16.

O Registro de bens culturais imateriais como instrumento

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

Page 119: Aurora 463

117

ARTIGO

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO: O CASO DO

COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS, EM

JABOATÃO DOS GUARARAPES-PE

INTRODUÇÃO

Os discursos relacionados com a sustentabilidade vêm se dando a partir de

diversas perspectivas de abordagem. No que se refere especificamente à dimensão do

urbano, as principais inquietações dizem respeito tanto às condições como à qualidade

da duração das cidades, considerando tudo que pode inviabilizar a duração da cidade

desejável, como: a poluição, a violência e a congestão urbana (ACSELRAD, 2009).

A noção de sustentabilidade, ainda supostamente imprecisa, vem ocupando

espaço nos debates relacionados ao desenvolvimento desde a Conferência das Nações

Unidas sobre o Meio Ambiente (Unced), em 1992. Alguns veem na sustentabilidade

uma maneira em superar a desanimadora crise urbana demandada pela forma

desmedida e obsoleta de ocupação do espaço geográfico, principalmente, nas grandes

aglomerações urbanas.

A sustentabilidade urbana apresenta-se a partir das práticas espaciais

associadas aos desejos sociais de mudanças concretas na forma de apropriação e

gestão da cidade material, ou seja, na apropriação dos seus estoques, seus ativos e nos

fluxos necessários para caracterizar as cidades desejáveis.

Para se afirmar que uma prática social é sustentável seria preciso, antes de tudo,

“(...) recorrer a uma comparação de atributos entre dois momentos situados no tempo:

entre passado e presente, entre presente e futuro” (ACSELRAD, 2009, p. 45)”. Isto por

que, por um lado, é a partir da comparação entre o passado e o presente, e, olhando

para o modelo atual de desenvolvimento, que se expressa o indesejável; por outro lado,

é na comparação entre o presente e o futuro que se consegue projetar e expressar a

qualidade futura postulada como desejável.

1Maria Emília Lopes Freire

1

(UFPE), Mestre em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Especialista em gestão do patrimônio pela PUC-

Rio. Servidora da Rede Ferroviária Federal S.A. e cedida ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional. Desenvolve projetos e pesquisa no campo da preservação do patrimônio cultural, como:

Inventários de Conhecimento; Declaração de Significância Cultural; Projetos e obras de restauração e

revitalização do patrimônio cultural; e ações de educação patrimonial.

Maria Emília Lopes Freire, arquiteta e urbanista graduada pela Universidade Federal de Pernambuco

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de PernambucoFundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Maria Emília Lopes Freire

Por sua vez, no que tange às práticas sustentáveis urbanas, pode-se dizer que

são aquelas que procuram identificar as inflexões que os atores sociais desejam e

apontam, para a construção do espaço das cidades, sempre buscando contribuir para

uma melhor “qualidade de vida” dos diversos grupos sociais da cidade. Neste sentido,

está se falando da materialidade da cidade enquanto espaço urbano vinculado à

complexidade da trama social, dos artefatos que simbolizam sua identidade e lhes

conferem valor a partir da atribuição pela sociedade; está se falando, ainda, do

patrimônio cultural como um recurso ao desenvolvimento e sustentabilidade das

cidades, como afirma Acselrad (2009), citando Emelionoff (1995):

Uma noção de sustentabilidade associada à categoria patrimônio

refere-se não só à materialidade das cidades, mas a seu caráter e

suas identidades, a valores e heranças construídos ao longo do

tempo. A perspectiva de fazer durar a existência simbólica de sítios

construídos ou sítios naturais “significados”, eventualmente

“naturalizados”, pode inscrever-se tanto em estratégias de

fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes a

suas cidades, como de promoção de uma imagem que marque a

cidade por seu patrimônio biofísico, estético ou cultural, em sentido

amplo, de modo a atrair capitais na competição global.

(EMELIONOFF, 1995, p.46-7 apud ACSELRAD, 2009, p.60).

Neste mesmo sentindo, simultaneamente, está se compreendendo o

patrimônio cultural em seu sentido social, perspectiva esta que contribui para

promover a qualidade de vida presente e futura da sociedade, onde se almeja a

equidade, o direito à memória e o direito à cidade.

Diante das perspectivas teóricas já anunciadas, adentra-se no objeto dessa

reflexão - como a noção de sustentabilidade, associada às práticas de preservação do

patrimônio ferroviário, pode influenciar o processo de reapropriação desse

patrimônio pelos grupos sociais e contribuir para sua reinserção nas dinâmicas

urbanas da cidade.

A princípio, a noção de preservação já leva ao entendimento de que se procura,

nesta prática, a sustentabilidade do bem. No entanto, na cidade contemporânea, o que

se assiste é uma prática de preservação de bens isolados - edifícios ou conjuntos - e

fragmentados dos lugares das cidades nos quais se inserem e estabelecem inter-

relações sócio-espaciais.

Compreendendo esta lacuna nas práticas preservacionistas, neste caso,

relacionadas ao patrimônio ferroviário, esta reflexão parte do pressuposto de que

reaproximar a noção de sustentabilidade às práticas de preservação do patrimônio

Aurora 463Revista da Semana do Patrimônio Cultural de Pernambuco

Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Maria Emília Lopes Freire

ferroviário apresenta-se como uma das maneiras de resgatar a consciência de que essa

herança ferroviária, hoje desmantelada, e vista como um entrave para a modernização

das cidades, pode se harmonizar às necessidades da sociedade, como estratégia para

promover uma melhor qualidade de vida dos diversos grupos sociais e promover sua

sustentabilidade enquanto patrimônio cultural.

Tal oportunidade, além de estimular o respeito à identidade dos grupos sociais,

vem também beneficiar a reinserção dos sítios ferroviários nas dinâmicas urbanas das

cidades, promovendo sua sustentabilidade patrimonial. Para aprofundar a questão,

esta reflexão centra-se, como estudo de caso, no projeto de restauração e revitalização

do complexo das oficinas ferroviárias de recuperação e manutenção de carros de

passageiros e vagões, situado no município de Jaboatão dos Guararapes - PE.

Pretende-se trazer, para uma reflexão, as diretrizes conceituais de

intervenção formuladas para esse projeto, apresentando, ainda, alguns resultados

dessa prática.

PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO | O CASO

DO COMPLEXO DAS OFICINAS FERROVIÁRIAS LOCALIZADAS EM JABOATÃO DOS

GUARARAPES-PE

As ferrovias, sinal de modernidade e progresso, representavam

desenvolvimento e crescimento nas perspectivas econômica, social, cultural,

tecnológica, científica, etc.

No entanto, hoje, o estado de desmantelamento em que se encontram

inúmeras estruturas ferroviárias no Brasil, ora abandonadas pelas empresas, em

virtude do encerramento ou transferências de suas atividades, ora pelo descaso para

com o patrimônio constituinte do processo de industrialização, constitui-se um

problema de salvaguarda e, também, um problema urbanístico à espera de solução.

Esta realidade pode ser percebida no caso do complexo das oficinas ferroviárias

de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado à Praça

Dantas Barreto no município de Jaboatão dos Guararapes-PE (Fig. 1).

Este complexo faz parte da primitiva Estrada de Ferro Central de Pernambuco

(1885), construída pela Great Western of Brazil Railway Company Limited para

transportar os principais produtos da região, como açúcar e algodão. Atualmente,

denominada Linha Tronco Centro (LTC), oriunda da extinta Rede Ferroviária Federal

S.A., pertence à União, em decorrência da Lei nº. 11.483/2007. Insere-se no conjunto

mais amplo de equipamentos ferroviários como estação, centro de formação

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Maria Emília Lopes Freire

Esse complexo ferroviário é constituído por oficinas de fundição e de mecânica,

serrarias, caldeiras, almoxarifados, seção de pintura, etc. e ocupa uma área de,

aproximadamente, 42.000 mil metros quadrados, para onde, nos períodos áureos,

“convergia a maior parte dos serviços feitos no Barbalho, no Arraial, em Palmares e em

Cabedelo” (PINTO, 1948, p. 143), (Fig. 2). Por suas dimensões espaciais e complexidade

de serviços prestados desde o início do século XX, tem-se a noção do quanto esse

equipamento ferroviário influenciou na dinâmica urbana da cidade de Jaboatão dos

Guararapes e na vida da sua população.

Até meados de 2010, o complexo das oficinas encontrava-se abandonado e em

processo de degradação, quando foi cedido ao Serviço Nacional de Aprendizagem

Industrial – SENAI para a implantação de uma escola técnica.

Figura 1: Planta de localização do complexo das oficinas ferroviárias em

Jaboatão dos Guararapes-PE.

Fonte: Elaborado pela autora sobre imagem do Google Earth (2015).

profissional, vila ferroviária, Casa dos Ingleses, escolas, etc., e foi construído com o

objetivo de integrar os principais centros populosos e produtivos, desde a capital

Recife até a região Agreste, tendo como marco inicial a Estação Central do Recife

(1885), se estendendo por 594.600km até a estação final, Salgueiro (1962), em

município homônimo.

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Maria Emília Lopes Freire

O complexo teve seu valor cultural reconhecido pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fundamentado na Lei 11.483/2007, como

representativo da memória ferroviária brasileira, sendo inscrito na Lista do Patrimônio

Cultural Ferroviário, em 19.12.2012, em atendimento à Portaria do IPHAN nº 410/2010.

Compreende-se neste artigo o termo memória ferroviário como:

(...) todos os suportes e fontes de informações sobre o contexto

ferroviário brasileiro, sobretudo os de ordem documental-

bibliográfica, iconográfica, histórica (incluindo fontes de história

oral e ruínas de testemunhos), arquitetônico-urbanística (tanto no

plano interno a cada complexo ferroviário – organização espacial –

quanto em relação à implantação na paisagem da cidade) e

sociológica (relações de produção, de trabalho, de vizinhança –

micro e macrossocial – de parentesco) (IPHAN, 2010a, p. 56).

Após seu reconhecimento como bem cultural, inicia-se, entre os técnicos do

IPHAN-PE e do SENAI-PE, um processo de construção de um Plano de Intervenção, para

formular diretrizes conceituais de elaboração do projeto de restauração e revitalização

para o complexo das oficinas ferroviárias, que teve como princípio a noção de

Figura 2: Imagem do complexo das oficinas ferroviárias e da primitiva estação de passageiros e

armazéns. Os dois últimos demolidos quando da implantação do Metrô de superfície do Recife, 1980.

Fonte: Raimundo de Oliveira. Sem data.

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Maria Emília Lopes Freire

sustentabilidade. Nesta construção teórica, foram adotados os conceitos e

procedimentos contidos nas Cartas Patrimoniais, como a Carta de Veneza (1964) e, em

especial, a Carta de Nizhnz Tagil (TICCIH, 2003) , por ser este o documento doutrinário

específico para o patrimônio industrial, e, consideradas as inflexões que os atores

sociais - em especial os ferroviários e moradores - desejavam e apontavam como

permanências simbólicas para a compreensão e interpretação daquele sítio enquanto

lugar de memória , como faz lembrar Carsalade (2001, s/p): “A sustentabilidade cultural

se dá através da preservação de valores e mensagens os quais conferem sentido e

identidade a determinado grupo cultural e étnico”.

2

3

Sabia-se que o desafio imposto era compatibilizar essas premissas com a

necessidade em se implantar novos usos, respeitando os equipamentos e as estruturas

físicas pré-existentes e portadoras de valores de memória e de uso, no intuito de

contribuir para a reapropriação daquele equipamento ferroviário pela comunidade e,

consequentemente, promover a sua reinserção nas dinâmicas urbanas da cidade.

Tratava-se de um projeto de ressignificação do espaço por meio de implantação de

novos usos, visando sua sustentabilidade patrimonial.

Para tanto, o Plano de Intervenção apropriou-se do procedimento

metodológico da história oral, aplicada a alguns ferroviários e moradores da

circunvizinhança, bem como da pesquisa histórica e iconográfica do lugar. Neste

sentido, em 2010, foi realizada uma vistoria conjunta ao local, com a participação de

técnicos do IPHAN-PE, técnicos do SENAI-PE e alguns moradores e ferroviários, com o

intuito em entender, a partir da história oral, as inflexões destes atores sociais no que

tange a memória do lugar. Naquela ocasião, observou-se que, apesar do precário

estado de conservação em que se encontravam as edificações, equipamentos e

ferramentas, como pode ser constatado nas figuras abaixo (Fig.3, Fig.4, Fig. 5 e Fig.6),

ainda era possível identificar, na configuração espacial do complexo das oficinas, alguns

elementos e estruturas físicas importantes para a compreensão da sua complexidade

funcional e estrutural. Percebeu-se, ainda, que apesar do estado precário da

qualidade do espaço urbano do entorno das oficinas, diante da mobilidade urbana e

da qualidade da ocupação dos espaços públicos, ainda era possível compreender a

inserção do complexo ferroviário na morfologia urbana da cidade. Estas condições

enunciadas permitiriam a restauração e revitalização do complexo e sua reinserção

na dinâmica urbana.

2

3 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do

Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo,

1981.

Consulta à Carta realizada no site do TICCIH (www.ticcih.org), acessado pela última vez em 07.06. 2015.

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Maria Emília Lopes Freire

A pesquisa oral revelou, por meio da identificação de fluxos, elementos,

estruturas e suas relações, a complexidade funcional e estrutural do conjunto das

oficinas. Esses artefatos foram considerados representativos da memória ferroviária

por simbolizar a identidade do lugar e por lhe conferir valor. Portanto, deveriam ter sua

permanência assegurada no projeto de intervenção. Foi possível, ainda, resgatar as

funções de cada equipamento, ferramentas e mobiliários existentes, bem como, os

fluxos funcionais capazes de articular as unidades operacionais que constituem o

complexo ferroviário.

Figura 3:

Estado de conservação do complexo das oficinas.

Fonte: Emília Lopes, 2010.

Figura 4:

Estruturas da caixa d'água metálica e da linha

férrea. Fonte: Emília Lopes, 2010.

Figura 5:

Oficina de reparo e manutenção de vagões e

carros. Diques e ponte rolante.

Fonte: Emília Lopes, 2010.

Figura 6: Seção de fundição das oficinas. Fornalha.

Fonte: Emília Lopes, 2010.

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Maria Emília Lopes Freire

De posse desses dados, partiu-se para a compatibilização com os novos usos -

Escola Técnica do SENAI - que levaram a reinserção das oficinas na dinâmica urbana da

cidade de Jaboatão dos Guararapes.

Destacam-se dois pontos como resultados da prática de preservação, no caso

do complexo das oficinas ferroviárias em Jaboatão. O primeiro refere-se ao resgate, por

meio da história oral, dos fluxos externos e internos de serviços antes existentes no

antigo complexo das oficinas (Fig.7 e Fig. 8).

Figura 7:

Identificação dos fluxos de serviços do antigo

complexo ferroviário.

Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo

SENAI Foto: Emília Lopes, 2014.

Figura 8: Reutilização dos antigos fluxos de serviços do complexo ferroviário em vermelho Fonte: Emília Lopes, 2015.

A partir desse resgate, o projeto propôs que esse percurso fosse reapropriado

enquanto elemento de memória, para compor um circuito museológico da memória

ferroviária do lugar, articulando os equipamentos e mobiliários apontados pelos grupos

sociais como representativos dessa memória. Os traçados dos primitivos fluxos de

serviços das oficinas foram também reutilizados no projeto de mobilidade da Escola

Técnica do SENAI, ora para pedestres, ora como ciclovia, esta também utilizada nas

atividades físicas da comunidade.

O segundo ponto que se destaca como resultado do Plano de Intervenção é

quanto à importância em se preservar a configuração espacial das antigas oficinas

ferroviárias enquanto lugares de memória. O projeto apresentava de início uma

proposta de construção de salas de aula em alvenaria de tijolo, o que desconsiderava os

aspectos construtivos das antigas oficinas e que levaria a uma desfiguração da sua

configuração espacial. O Plano adotou como diretriz conceitual a utilização de

contêiner como sala de aula, por entender que seu formado e seu material se

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Maria Emília Lopes Freire

assemelhariam às dimensões de um vagão ou locomotiva, ou seja, se preservaria a

leitura da configuração espacial das antigas oficinas ferroviárias enquanto lugares de

manutenção e reparo de locomotivas, carros e vagões, como pode ser observado nas

figuras abaixo (Fig.9 e Fig.10). Tal diretriz prezava ainda pelo princípio da reversibilidade,

o que no futuro poderia causar um dano ao bem protegido em âmbito federal.

Figura 9:

Preservação da configuração espacial das antigas

oficinas ferroviárias.

Fonte: Projeto arquitetônico elaborado pelo

SENAI. Foto, Emília Lopes, 2014.

Figura 10: Alunos da escola técnica do SENAI em atividades. Reapropriação do lugar. Fonte: Emília Lopes, 2015.

Observa-se que esta prática de preservação utilizou-se da configuração espacial

e das características morfológicas remanescentes para minimizar os custos e maximizar

a eficiência do projeto, ao mesmo tempo em que promove a salvaguardar dos atributos

valorativos do bem, como bem recomenda Cordeiro (2011):

Adaptar e continuar a utilizar edifícios industriais preserva a

fisionomia e as características urbanísticas de uma determinada

zona citadina, ao mesmo tempo em que evita gastos desnecessários

com demolição e posterior construção, contribuindo também para o

desenvolvimento econômico sustentado. (CORDEIRO, 2011, p. 157).

Neste sentido, a noção de sustentabilidade permeou toda a concepção do

projeto de restauração e revitalização, possibilitando que grupos sociais se

apropriassem daquele lugar de memória, ressignificando-o enquanto bem cultural,

conservando para as gerações presentes e futuras a compreensão e interpretação da

funcionalidade daquelas estruturas espaciais, equipamentos e fluxos vinculados à

morfologia urbana da cidade.

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Maria Emília Lopes Freire

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta prática de preservação do complexo ferroviário das oficinas

de recuperação e manutenção de carros de passageiros e vagões, situado no município

de Jaboatão dos Guararapes - PE, referendada nos desejos e identidades dos grupos

sociais e no uso prático, já tornado realidade, como escola técnica, fortaleceu o

sentimento de pertencimento desses grupos que hoje se apropriaram dos seus

espaços. Por isto, esta prática pode ser entendida como uma prática sustentável de

preservação.

Por sua vez, estas práticas de preservação cultural sustentáveis podem ser

entendidas como um dos caminhos para promover a permanência dos atributos

valorativos dos bens culturais, materializados nas estruturas espaciais reconhecidas

como identitárias dos grupos sociais. A reutilização desses bens culturais promove o

seu ressignificado, e, consequentemente, sua reintrodução no cotidiano urbano das

cidades, o que reforça a possibilidade de que seus atributos valorativos possam chegar

às gerações presentes e futuras de maneira sustentável.

Conclui-se que a preservação sustentável de patrimônio ferroviário deve ser

vista como fomento ao desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida

da população, ainda mais, no momento em que a sociedade enfrenta uma

desanimadora crise urbana demandada pela forma desmedida e obsoleta de ocupação

do espaço geográfico, principalmente, nas grandes aglomerações urbanas.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. - 2. Ed -

Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.256p.

CASARLADE, Flávio Lemos. Patrimônio histórico: Sustentabilidade e sustentação

Vitruvius. 200. 1013.10. ano 02, jun. 2001. Disponível em <http://www.vitruvius.com.br

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CORDEIRO, José Manuel Lopes. Desindustrialização e salvaguarda do patrimônio industrial:

problema ou oportunidade? Oculum Ensaios [online] 2011. Disponível em:

<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=351732215011> ISSN 1519-7727>. Acessado em 10 /

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PINTO, ESTEVÃO. História de uma Estrada de Ferro do Nordeste. Rio de Janeiro, José Olympio

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A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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ARTIGO

DESENVOLVIMENTO DE TICS APLICADAS À

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL DE PERNAMBUCO

Pedro Henrique Barboza da Silva2Mariana Dantas Gueiros

3Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

INTRODUÇÃO

Com o advento da Web 2.0, as novas TICs vêm transformando as formas de

ensino-aprendizagem, encorajando mais autonomia, auto-direção e ativa participação

dos estudantes. Aprendizado eletrônico (E-learning) é o termo usado para conectar

aprendizado com tecnologia. A internet desde a sua criação nos anos 90 tem

desempenhado um papel fundamental como ferramenta de ensino. A internet sofreu

uma grande transformação. No início, seu conteúdo era estático e seu papel foi a

criação de um banco de artefatos digitais disponíveis para o público, tais como: livros,

artigos e vídeos, além de servir como meio de comunicação entre alunos e professores.

Com o passar do tempo, a Internet foi evoluindo e se tornando mais interativa e

dinâmica. Novas ferramentas foram criadas permitindo que os estudantes

participassem mais ativamente no processo de construção do conhecimento. Por

exemplo, hoje em dia, estudantes podem escrever um artigo de forma colaborativa no

Google Docs ou criar e modificar um artigo do Wikipedia. Esta evolução da Internet,

através da participação ativa dos usuários por meio de produção de conhecimento, é o

que caracteriza a Web 2.0, particularmente valiosa no contexto educacional.

Mais recentemente, o termo aprendizagem móvel (mobile learning ou m-

learning) popularizou-se para definir o aprendizado que acontece através do uso de

aplicativos de dispositivos móveis. A grande popularidade de smartphones, tablets e

1

1

atualmente está cursando o Mestrado em Informática Aplicada.

2 Mariana Gueiros é graduada em Geografia (UPE), Empreendedora e Escritora. Idealizadora e Diretora Geral do Projeto Maravilhas de Pernambuco, idealizadora do Blog Pernambuco em Ação e autora do guia de destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco.

3 Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho é graduado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (1998), mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (2001) e PhD em Computer Science pela City University London (2011). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Pedro Silva é licenciado em Computação pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde

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Pedro Henrique Barboza da Silva; Mariana Dantas Gueiros e Gilberto Amado de Azevedo Cysneiros Filho

outros dispositivos móveis e o aumento de aplicações sofisticadas para esses

dispositivos têm possibilitado que educadores criem formas inovadoras de ensino.

Outra área fundamental para este projeto é a da realidade aumentada, que de forma

simplificada significa o uso de tecnologias interativas imersivas e pervasivas, com o

objetivo de tornar a experiência do usuário com as tecnologias digitais mais próximas e

integradas ao mundo físico. Vários lugares históricos e turísticos no mundo têm usado

tecnologias para melhorar a experiência dos seus visitantes. Exemplos de tais

aplicações são: o “Trails to Freedom” em Boston e o London Official City Guide App.

CENTRO HISTÓRICO DE OLINDA

O centro histórico de Olinda é uma região recheada de histórias, tradição e foi

palco de eventos fundamentais para o entendimento do que levou Pernambuco e o

Brasil se tornarem o que são hoje. O local foi declarado como Monumento Nacional e

Patrimônio Mundial pela UNESCO, dada sua importância histórica e riqueza cultural. O

objetivo principal desse projeto é produzir jogos educativos e aplicativos relacionados

ao Centro Histórico de Olinda como forma de atender a demanda social de divulgação

e valorização deste patrimônio histórico.

Os objetos específicos do projeto são:

- Pesquisar, avaliar e experimentar o uso de novas TICs para dar suporte às atividades

educativas de ensino da História, tendo como estudo de caso o Centro Histórico da

cidade de Olinda;

- Capacitar os atores envolvidos no projeto no uso de novas tecnologias de informação

e comunicação, voltadas a uma proposta educacional, em particular os estudantes

extensionistas;

- Enriquecer o processo de ensino-aprendizagem nas escolas envolvidas, ao agregar o

uso de tecnologias às atividades de ensino de forma natural e integrada;

- Promover e melhorar o conhecimento do público sobre a história local, em particular

do centro histórico de Olinda;

- Estimular e fortalecer o desenvolvimento das atividades de pesquisa, ensino e

extensão do Departamento de Estatística e Informática e a sua integração com ações

desenvolvidas pelos departamentos de Educação e História.

Este projeto busca estabelecer uma relação entre ensino, pesquisa e extensão.

Dentro da proposta de extensão de atuar na sociedade, em particular no sítio histórico

de Olinda, com ações educativas que ajudem a divulgar e despertar o interesse pela

história local, há aspectos de pesquisa e ensino relacionados ao projeto.

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Figura 1 : Tela Inicial do aplicativo. Figura 2 : Quiz.

Figura 3: Pontos Turísticos. Figura 4: Mapa da Cidade.

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MARAVILHAS DE PERNAMBUCO

O Projeto Maravilhas de Pernambuco consiste em um empreendimento

voltado para a difusão e a valorização social, cultural e ambiental do Estado de

Pernambuco. A iniciativa surgiu no dia 23 de julho de 2014, com a publicação do guia de

destinos turísticos 101 Maravilhas de Pernambuco, pois o Estado de Pernambuco não

tinha até então um guia impresso de destinos turísticos que abrangesse suas

mesorregiões. Essa publicação veio preencher essa lacuna. No guia, há 101 destinos

culturais e naturais, ele já foi comercializado em todo Brasil, e, além disso, sendo

aclamado por muitas pessoas e instituições. Além do guia, o projeto atua com a

divulgação dos atrativos de Pernambuco através das redes sociais, aplicativos

móveis, palestras e participação em programas de rádio e TV. A FanPage já conta com

quase 5.000 seguidores. Já foram ministradas palestras em dezenas de escolas e

outras instituições, onde sempre há a motivação do público em conhecer, valorizar as

belezas do Estado e também sonharem grande e agirem para a realização de seus

sonhos. Em 2014, foi executado o 1º Natal solidário, onde houve a mobilização de

muitas pessoas e foram feitas doações de centenas de presentes para a população

carente do interior pernambucano. Em um ano de projeto, já foram impactadas

milhares de pessoas.

APLICATIVO

O aplicativo Maravilhas de Pernambuco foi inspirado no livro: 101 Maravilhas

de Pernambuco, da autora Mariana Gueiros, o livro relata os recursos naturais,

paisagens, religiosidade, história, cultura, eventos, diversão e costumes do povo

pernambucano. Esse aplicativo tem como objetivo aumentar o alcance do trabalho

realizado por Mariana Gueiros, disponibilizá-lo aos que não tiveram acesso ao livro

impresso e trazer um pouco das informações turísticas dos melhores lugares para se

visitar no Estado de Pernambuco.

O aplicativo está estruturado assim:

- Dividido em quatro categorias seguindo o roteiro do livro, são elas: Natureza,

Religiosidade, Eventos & Diversão e História & Cultura

- Localização dos pontos turísticos exibidos no mapa

- Quiz com pontuação sobre os pontos turísticos abordados no aplicativo

- Informação sobre a autora e o projeto Maravilhas de Pernambuco

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Figura 6 : Tela de Categorias. Figura 7 : Quiz.

Figura 8: Ponto Turístico. Figura 9: Mapa.

Figura 5 : Tela Inicial do aplicativo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o surgimento da internet e mais recentemente dos smartphones e tablets,

novas ferramentas e procedimentos de ensino-aprendizagem foram criados. As novas

Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) permitem que o processo de

aprendizado seja mais interativo e colaborativo. Aliado a isso, um fenômeno que vem

ocorrendo nos últimos anos é a mudança de comportamento das crianças e jovens que

passaram a substituir atividades ao ar livre, como jogar futebol e andar de bicicleta por

outras atividades executadas no computador, smartphones e tablets (como uso de

jogos eletrônicos e mídias eletrônicas). Portanto, não podemos ignorar o potencial

dessas novas tecnologias e nem esse fenômeno social.

A Internet evoluiu nos últimos anos para se tornar uma ferramenta mais

interativa possibilitando o uso de novas maneiras de se aprender e ensinar. No início, a

Internet era usada principalmente como uma ferramenta para pesquisa de artigos e

outros materiais, mas havia pouca interação e poucas oportunidades para usá-la como

uma ferramenta de ensino. Atualmente, com o novo paradigma da Web 2.0, em que o

usuário torna-se um produtor de conteúdo e não apenas um receptor passivo de

informações, a Internet pode ser usada para criar um ambiente de aprendizado rico e

colaborativo através do uso de várias ferramentas, tais como sites, blogs, mapas

interativos, wikis, fóruns, redes sociais, jogos educacionais, etc.

REFERÊNCIAS

Barbosa, S. D. J.; Silva, B. S. da. . Rio de Janeiro: Elsevier

Editora Ltda.

Cavalcanti, Carlos Bezerra. Olinda - Um Presente do Passado. Editora Carlos Cavalcanti, 2011.

Gusmão Filho, J. de Azevedo. Cidade Histórica de Olinda. Editora UFPE, 2001.

Waters, J. QR Codes For Dummies. For Dummies, 2012.

Phillips, B. e Hardy, B. Android Programming: The Big Nerd Ranch Guide. Big Nerd Ranch

Guides, 2013.

Meier, R. Professional Android 4 Application Development. Wrox, 2012.

Perdue, B.;Stoinski, T. e Maple, T. Using Technology to Educate Zoo Visitors About

Conservation. Visitor Studies. Vol. 15, Iss.1, 2012.

Interação Humano-Computador

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Fundarpe, Recife, v.1, n.1, 2016

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Nesta revista foram utilizadas as fontes da

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Imagem de fundo: Rua da Aurora, com destaque na capa para a casa nº 463, Sede da Fundarpe.Foto: Hugo Acioly / TurismoPE.