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3 é conhecido, mas em que as interacções entre as célu- las cooperam para fenómenos globais que não são ca- racterizáveis pelos mesmos parâmetros que os elementos individuais. A um sistema complexo apare- cem associados efeitos colectivos que são o resultado observável do comportamento global do sistema, quer seja um sistema biológico ou físico. Outro exemplo de sistema complexo com efeitos colectivos é um gás no interior de um recipiente. O estado macroscópico do gás é completamente especificado pela pressão, temperatura e densidade, e não depende das características internas dos seus átomos. A passa- gem da descrição microscópica, com um grande número de variá- veis, correspondentes às posicões e velocidades de todos os átomos do gás, à descrição macroscópica, em termos de pressão, temperatura e densidade, constitui o domínio da física designado por termodinâmi- ca. Fazendo a analogia entre os fe- nómenos colectivos de um gás e os fenómenos colectivos do cérebro, a descrição do comportamento co- lectivo dos neurónios corresponde a uma «termodinâmica do cérebro», possivelmente com um grande nú- mero de variáveis macroscópicas. Os dois sistemas que acabámos de descrever têm em comum o fac- to de ambos serem constituídos por muitas células ou átomos iguais, com leis de interacção bem conhe- cidas. No caso do gás as leis de in- teraccão são simples, no caso do cérebro as leis de interacção são mais complexas. Ambos os sistemas s organismos vivos são constituídos por milhões de células que em conjunto desempenham ta- refas de grande complexidade. Embora cada célula tenha uma estrutura interna que obedece às leis da física e da bioquímica, é a interacção entre células próximas que gera todos aqueles fenómenos que de- signamos genericamente por Vida. Tomando como exemplo o cérebro humano, este é constituído por pequenas células, os neurónios, li- gadas às células mais próximas atra- vés das sinapses. As sinapses podem conduzir uma corrente eléctrica de baixa intensidade, estimulando os neurónios a que estão ligadas. Ca- da neurónio tem uma estrutura in- terna constituída por um núcleo celular, membranas, etc., que, por sua vez, são constituídas por molé- culas e átomos. Todos os neurónios têm uma estrutura interna seme- lhante e reagem da mesma maneira a um estímulo exterior controlado. Porém, os detalhes químicos e físi- cos do funcionamento individual dos neurónios não chegam para ex- plicar as funções que o cérebro rea- liza globalmente. Existem outros mecanismos resultantes da acção colectiva dos neurónios e que se- guem leis de evolução diferentes das leis microscópicas, desempe- nhando funções bem determinadas como sejam o controlo de fluxo sanguíneo, a sensibilidade auditiva, etc. O cérebro é um exemplo de sis- tema complexo. É formado por um grande número de células ou unida- des individuais cujo funcionamento Os autómatos celulares são modelos matemáticos discretos, facilmente implementáveis em computador, e com aplicações na simulação em tempo real de sistemas físicos, biológicos e sociais, com um grande número de componentes em interacção. AUTÓMATOS CELULARES, MÁQUINAS DE TURING OU A NATUREZA COMO MÁQUINA DE CÁLCULO RUI DILÃO O Licenciado em Física pela Universidade de Lis- boa, Rui Dilâo é professor auxiliar no Institu- to Superior Técnico, onde obteve, em 1986, o grau de doutor em Física; após o doutoramen- to foi, durante dois anos, fellow do Centro Eu- ropeu de Pesquisas Nucleares (Genebra). Autor ou co-autor de númerosas publicações em re- vistas especializadas, bem como de algumas obras didácticas, a sua investigação tem incidi- do na Teoria dos Sistemas Dinâmicos, nos Au- tómatos Celulares e na Física dos Aceleradores de Partículas. Rui Dilâo é, desde 1984, colabo- rador da conceituada revista Mathematical Reviews.

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é conhecido, mas em que as interacções entre as célu-las cooperam para fenómenos globais que não são ca-racterizáveis pelos mesmos parâmetros que oselementos individuais. A um sistema complexo apare-cem associados efeitos colectivos que são o resultadoobservável do comportamento global do sistema, querseja um sistema biológico ou físico.

Outro exemplo de sistema complexo com efeitoscolectivos é um gás no interior de um recipiente.

O estado macroscópico do gás écompletamente especificado pelapressão, temperatura e densidade,e não depende das característicasinternas dos seus átomos. A passa-gem da descrição microscópica,com um grande número de variá-veis, correspondentes às posicões evelocidades de todos os átomos dogás, à descrição macroscópica, emtermos de pressão, temperatura edensidade, constitui o domínio dafísica designado por termodinâmi-ca. Fazendo a analogia entre os fe-nómenos colectivos de um gás e osfenómenos colectivos do cérebro,a descrição do comportamento co-lectivo dos neurónios correspondea uma «termodinâmica do cérebro»,possivelmente com um grande nú-mero de variáveis macroscópicas.

Os dois sistemas que acabámosde descrever têm em comum o fac-to de ambos serem constituídos pormuitas células ou átomos iguais,com leis de interacção bem conhe-cidas. No caso do gás as leis de in-teraccão são simples, no caso docérebro as leis de interacção sãomais complexas. Ambos os sistemas

s organismos vivos são constituídos por milhõesde células que em conjunto desempenham ta-refas de grande complexidade. Embora cada

célula tenha uma estrutura interna que obedece às leisda física e da bioquímica, é a interacção entre célulaspróximas que gera todos aqueles fenómenos que de-signamos genericamente por Vida.

Tomando como exemplo o cérebro humano, esteé constituído por pequenas células, os neurónios, li-gadas às células mais próximas atra-vés das sinapses. As sinapses podemconduzir uma corrente eléctrica debaixa intensidade, estimulando osneurónios a que estão ligadas. Ca-da neurónio tem uma estrutura in-terna constituída por um núcleocelular, membranas, etc., que, porsua vez, são constituídas por molé-culas e átomos. Todos os neuróniostêm uma estrutura interna seme-lhante e reagem da mesma maneiraa um estímulo exterior controlado.Porém, os detalhes químicos e físi-cos do funcionamento individualdos neurónios não chegam para ex-plicar as funções que o cérebro rea-liza globalmente. Existem outrosmecanismos resultantes da acçãocolectiva dos neurónios e que se-guem leis de evolução diferentesdas leis microscópicas, desempe-nhando funções bem determinadascomo sejam o controlo de fluxosanguíneo, a sensibilidade auditiva,etc.

O cérebro é um exemplo de sis-tema complexo. É formado por umgrande número de células ou unida-des individuais cujo funcionamento

Os autómatos celulares são modelos matemáticos discretos, facilmente implementáveisem computador, e com aplicações na simulação em tempo real de sistemas físicos,

biológicos e sociais, com um grande número de componentes em interacção.

AUTÓMATOS CELULARES,MÁQUINAS DE TURING OU A NATUREZA

COMO MÁQUINA DE CÁLCULO

RUI DILÃO

O

Licenciado em Física pela Universidade de Lis- boa, Rui Dilâo é professor auxiliar no Institu- to Superior Técnico, onde obteve, em 1986, o grau de doutor em Física; após o doutoramen- to foi, durante dois anos, fellow do Centro Eu- ropeu de Pesquisas Nucleares (Genebra). Autor ou co-autor de númerosas publicações em re- vistas especializadas, bem como de algumas obras didácticas, a sua investigação tem incidi- do na Teoria dos Sistemas Dinâmicos, nos Au- tómatos Celulares e na Física dos Aceleradores de Partículas. Rui Dilâo é, desde 1984, colabo- rador da conceituada revista Mathematical Reviews.

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Fig. 1 – Representação de um arranjo de neurónios do tecido cerebral, moléculas de um gás, átomos de um cristal e estrutura tridimensionalde caixas negras.

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têm um comportamento macroscópico colectivo quenão é caracterizado pelos mesmos parâmetros que oselementos individuais à escala microscópica. Claro estáque esta visão é reducionista no sentido em que se es-tá a isolar a natureza das interacções da dinâmica in-terna dos elementos constituintes dos sistemas.Contudo, tem sido esta a abordagem da ciência mo-derna quando os sistemas em questão manifestam com-portamentos que se realizam em diferentes escalas,neste caso, as escalas microscópica e macroscópica.

Nos seres vivos existe outra característica que temescapado a todas as tentativas de sistematização e im-plementação: é a capacidade destes se reproduzireme de evoluirem, eliminando defeitos e erros.

Este aspecto não levanta problemas de maior nossistemas inertes como os gases, pois é sempre possí-vel construir um sistema idêntico através de operaçõessimples. Por exemplo, introduzindo uma parede iso-lante no interior de um gás em equilíbrio, obtêm-sedois gases com as mesmas propriedades macroscópi-cas, ou seja, com a mesma pressão, temperatura e den-sidade. No entanto, num organismo, o processo dereprodução (ou duplicação) segue leis bem mais com-plicadas e actualmente apenas se conhecem alguns dosmecanismos de todo este processo. De facto, é muitodifícil de imaginar quais os procedimentos que se te-riam de implementar para construir uma máquina coma capacidade de se auto-reproduzir.

Um terceiro tipo de sistemas com características se-melhantes aos que temos vindo a falar é o da dinâmi-ca de uma multidão ou de uma assembleia. Neste caso,todos temos observado que o comportamento globalnão depende dos comportamentos individuais, massim das interacções que se geram. Se alguns movimen-tos se atenuam ao fim de algum tempo, outrospropagam-se e transformam-se no resultado observá-vel do comportamento colectivo.

Em todos estes sistemas existem variáveis que de-pendem de leis de interacção local, mas o comporta-mento global evolui para estados que não sãocaracterizados macroscopicamente por estas grande-zas. O estado macroscópico ou colectivo é caracteri-zado por outras variáveis, como a pressão ou atemperatura dos gases, e segue uma dinâmica própriaque em princípio será possível obter das leis micros-cópicas de interacção local.

No entanto, o problema não é assim tão simples e,na prática, conhecem-se muito poucos sistemas em queeste programa tenha sido realizado completamente.Por exemplo, a turbulência dos fluídos tem escapadocompletamente a todo o tipo de descrição em termosde variáveis colectivas, embora tenham trabalhado nes-te problema alguns grandes físicos deste século (Hei-senberg, Sommerfeld, Chandrasekhar e Born, entreoutros).

Perante esta situação, a abordagem mais simplespara estudar o aparecimento e a evolução de fenóme-

nos colectivos consiste em simplificar a estrutura dossistemas e construir uma linguagem adaptada à sua des-crição. É assim que vai aparecer o conceito de autó-mato celular. Nos parágrafos seguintes, veremos comoesta simplificação nos vai conduzir a modelos tão ge-rais que incluem a própria teoria da computação e dasmáquinas de cálculo.

Nos sistemas (físicos) que manifestam comporta-mentos caóticos, turbulentos e não-lineares, a nossacapacidade de cálculo e previsão é muito pequena, nãohavendo, no estado actual do conhecimento, outra al-ternativa senão a da simulação em laboratório. Ora is-to torna-se impraticável quando o sistema em questãoé, por exemplo, a atmosfera terrestre e queremos fa-zer previsões climáticas. A aplicabilidade dos mode-los de autómatos celulares à simulação destes sistemasaparece como uma alternativa e, devido à ligação di-recta entre os modelos de autómatos e a teoria da com-putação, a natureza aparece como uma gigantescamáquina de cálculo.

UM MODELO SIMPLESPARA OS FENÓMENOS COLECTIVOS

Na Figura 1 estão representadas: uma porção de te-cido do cérebro, as moléculas de um gás, um arranjocristalino e finalmente uma estrutura espacial consti-tuída por caixas negras ligadas entre si. Podemos en-tão imaginar que o modelo matemático mais simplespara estudar o desenvolvimento de fenómenos colec-tivos é considerar a estrutura espacial de caixas negrascomo representativas de um sistema formado por ele-mentos ou células idênticas, não interessando o queestá dentro das caixas ou qual a sua dinâmica interna.As caixas negras ou células comunicam entre si por in-termédio das ligações, através das quais se definem asleis de interacção. Um sistema com uma configuraçãoespacial deste tipo tem uma estrutura celular. Comocada célula tem uma estrutura interna que é indepen-dente do meio onde está inserida e reage sempre damesma maneira a estímulos idênticos, diz-se que as cé-lulas têm um comportamento automático. Tem-se en-tão uma estrutura celular de autómatos ou, como sedesigna vulgarmente, um autómato celular.

A estrutura celular de autómatos está contida noespaço ambiente tridimensional. Para simplificar ain-da mais este modelo, podemos passar para um siste-ma a uma dimensão, portanto uma linha de caixasequidistantes em que cada caixa vê apenas ou intera-ge directamente com os seus vizinhos mais próximos.Para concretizar, vamos então considerar um modelosimples unidimensional em que cada caixa pode estarnum certo estado: o estado vazio correspondente à coramarela, e os estados ocupados correspondentes às co-res vermelha, verde e azul, Figura 2 .

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Podemos agora identificar este sistema unidimen-sional com um gás cujos átomos se podem deslocar aolongo de uma linha recta. Quando uma caixa está noestado amarelo, nessa posição não existe nenhuma par-tícula. Se uma caixa está no estado vermelho ou verdeentão existe aí um átomo que se desloca, respectiva-mente, para a direita ou para a esquerda. O estado azulrepresenta a ocupação da célula por duas partículascom a mesma velocidade mas sentidos opostos. Estesistema vai evoluir no tempo de acordo com as leis doschoques de partículas e, em cada instante, a posiçãode uma partícula vai depender do seu estado de movi-mento e também do estado de movimento das partí-culas vizinhas. Vão existir no total 64 estados locaispossíveis. Na Figura 2 a) estão representados alguns dos64 estados locais possíveis das partículas, assim comoo resultado da sua evolução temporal. Na Figura 2 b)está representado o estado colectivo de um conjuntode partículas ao longo da linha.

Como o gás de partículas está contido num reci-piente, quando a partícula mais à esquerda atinge o li-mite do contentor, com uma velocidade dirigida nosentido direita-esquerda, a colisão muda o sentido davelocidade ficando a célula mais à esquerda no estadoazul, ou seja, ocupada por duas partículas, pois as par-tículas imediatamente a seguir deslocam-se apenas dadireita para a esquerda, Figura 2 c).

No instante zero, as partículas encontram-se numcerto estado caracterizado pela cor das caixas. Numinstante seguinte, digamos tempo um, todas as partí-culas se moveram com a mesma velocidade e interagi-ram com as partículas vizinhas. O estado do autómatono instante um é determinado pelas regras exemplifi-

cadas na figura 2 a), sendo todos os estados das caixasanalisados simultaneamente.

Podemos então, para testar a realidade deste mo-delo, fazer uma simulação numérica mostrando a evo-lução da rede unidimensional de partículas, obser-vando qual vai ser o comportamento do sistema ao fimde um tempo muito grande. A pergunta que se faz ago-ra é saber se o sistema evolui para um estado bemdeterminado e facilmente caracterizável macroscopi-camente. Na figura 2 d) está representada a evoluçãotemporal do autómato, para condições iniciais diferen-tes. Como se vê, o estado final depende das condiçõesiniciais escolhidas e não se obtêm as características deum gás em equilíbrio termodinâmico. De facto, nestesistema a evolução temporal vai ser fortemente depen-dente das condições iniciais, no sentido em que, aolongo do tempo, posições de moléculas localizadasmantêm-se localizadas e, posições iniciais aleatóriasmantêm-se com o mesmo tipo de complexidade. Umgás em equilíbrio termodinâmico tem configuraçõesespaciais aleatórias mesmo que as condições iniciaiscorrespondam a uma configuração inicial ordenada.Assim, para se obter um modelo de autómato celularcom as características de um gás é necessário analisarquais os mecanismos físicos responsáveis pelas inte-racções e implementá-los na lei de evolução.

Este modelo de autómato celular para a simulaçãoda evolução temporal de um gás, exemplifica comoconstruir as regras de evolução temporal ou de inte-racção implementada na rede de autómatos. Poroutro lado, este tipo de modelos é muito útil para se-leccionar os mecanismos mínimos que originam umcerto fenómeno. De facto, foi a análise detalhada da

Fig. 2 – Modelo de autómato celular que simula a evolução de um gás unidimensional de partículas. A cor indica o estado das células. a) Regrade evolução local no tempo. A cor vermelha representa uma partícula que se desloca da esquerda para a direita. A cor verde indica uma desloca-ção no sentido direita-esquerda. A cor azul indica um estado ocupado por duas partículas com velocidades de sentidos opostos e a cor ama-rela uma célula desocupada. b) Estado colectivo da rede de partículas. c) Evolução com colisão com a fronteira. d) Evolução a partir de uma con-figuração inicial ordenada e de uma configuração desordenada.

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versão contínua deste modelo que levou Lee e Yanga formular a teoria das transições de fase de conden-sação (transições líquido-gás). Por exemplo, estes au-tores concluiram que para se obterem simulaçõesrealistas de um gás são importantes: a possibilidade deexistir um conjunto muito grande de velocidades di-ferentes, o facto de as interacções se realizarem a trêsdimensões e de as partículas serem consideradas co-mo pontuais. No exemplo que acabámos de apresen-tar, existe apenas uma velocidade possível para aspartículas, as interacções estão constrangidas a uma re-de unidimensional e as leis locais de interacção são ape-nas compatíveis com partículas de dimensões finitas.Mais à frente veremos que algumas modificações naconstrução do autómato celular nos vão conduzir a si-mulações mais realistas.

Para se efectuarem as simulações apresentadas naFigura 2 d) construiu-se um programa de computadorque tem a estrutura de um programa para uma máqui-na de Turing.

MÁQUINAS DE TURING

A observação de qualquer fenómeno e a sua repro-dutibilidade, isto é, a sua repetição mantendo aproxi-madamente as mesmas características físicas, biológicasou sociais, é um processo de cálculo. Em particular,uma experiência física, química ou biológica é um pro-cesso de cálculo como outro qualquer. Por outras pa-lavras, existe um procedimento bem determinado,

QUADRO I

Para melhor compreender a obra de Turing no domínio da lógica e da computação, transcrevemos um excerto da peça de Hugh Whitemore,Breaking the code (Amber Lane Press):

Turing: It’s about right and wrong. In general terms. It’s a technical p-p-paper in mathematical logic, but it’s also about the difficulty oftelling right from wrong. [briefpause]. People think – most people think – that in mathematics we always know what is rightand what is wrong. Not so. Not any more. It’s a problem that occupied mathematicians for forty or fifty years. How can you tellright from wrong? You know Bertrand Russel?

Knox: We’ve met.Turing: Well he’s written an immense book about it: Principia Mathematica. His idea was to break down all mathematical concepts and

arguments into little bits and then show that they could be derived from pure logic, but it didn’t quite work out that way. Aftermany years of intensive work, all he was able to do was to show that it’s terribly difficult to do anything of the kind. But it wasan important book. Important and influential. It influenced both David Hilbert and Kurt Gödel. [a brief digression] You could, Isuppose, make a comparison between these preoccupations and what physicists call «splitting the atom». As analysing the physicalatom has led to the discovery of a new kind of physics, so the attempt to analyse these mathematical atoms has led to a new kindof mathematics. [resuming the main thread of his explanation] Hilbert took the whole thing a stage further. I don’t suppose hisname means m-m-much to you – if anything – but there we are, that’s the way of the world; people never seem to hear of thereally great mathematicians. Hilbert looked at de problem from a completely different angle, and he said, if we are going to havefundamental system for mathematics – like the one Russel was trying to work out – it must satisfy three basic requirements: consis-tency, completeness and decidability. Consistency means that you won’t ever get a contradiction in your own system; in other words,you’ll never be able to f-f-follow the rules of your system and end up by showing that two and two make five. Completeness meansthat if any statement is true, there must be some way of proving it by using rules of your system. And decidability means, hu– decidability means that there must exist some method, some d-d-definite procedure or test, which can be applied to any givenassertion and which will decide whether or not that assertion is provable. Hilbert thought that this was a very reasonable set ofrequirements to impose; but within a few years Kurt Gödel showed that no system for mathematics could be both consistent andcomplete.He did this by constructing a mathematical assertion that said – in effect: «This assertion can not be proved». A classic paradox.«This assertion can not be proved». Well either it can be proved or it can’t. If it can be proved we have a contradiction, and thesystem is inconsistent. If it cannot be proved then the assertion is true – but it can’t be proved; which means that the system isincomplete. It’s a beautiful theorem, quite b-b-beautiful. Gödel theorem is the most beautiful thing I know. But the question of deci-dability was still unresolved. Hilbert had, as I said, thought there should be a single clearly defined method for deciding whetheror not mathematical assertions were provable. The decision problem he called it. «The Entscheidungsproblem». In my paper on com-puter numbers I showed that there can be no one method that will work for all questions. Solving mathematical problems requiresan infinite supply of new ideas. It was, of course, a monumental task to prove such a thing. One needed to examine the provabilityof all mathematical assertions past, present and future. How on earth could this be done? One word gave me the clue. People hadbeen talking about the possibility of a mechanical method, a method that could be applied mechanically to solving mathematicalproblems without requiring any human intervention or ingenuity. Machine! – that was the crucial word. I conceived the idea ofa machine, a Turing Machine, that would be able to scan mathematical symbols – to read them if you like – to read a mathematicalassertion and to arrive at the verdict as to whether or not that assertion is provable. With this concept I was able to prove thatHilbert was wrong. My idea worked.

Knox: You actually built this machine?Turing: No, of course not. It was a machine of the imagination, like one of Einstein’s thought experiments. Building it wasn’t important;

it’s a perfectly clear idea, after all.Knox: Yes, I see; I don’t, but I see something. I think. [He looks at Turing]. Forgive me for asking a crass and naive question – but what

is the point of devising a machine that cannot be built in order to prove that there are certain mathematical statements that cannotbe proved? Is there any practical value in all this?

Turing: The possibilities are boundless – this is only the beginning. In my paper I explain how a special kind of Turing machine – I callit the Universal Machine – could carry out any mental process whatsoever.

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normalmente designado por algoritmo, mais ou me-nos complexo, com suficiente robustez face a pertur-bações não controladas e que é possível repetir, dandoorigem aos mesmos resultados finais.

Por outro lado, um computador é uma máquina ca-paz de calcular todos os processos ou funções que se-jamos capazes de imaginar. Esta afirmação baseia-se naexistência de um modelo teórico para a computação,construido por A . Turing em 1936, Quadro I.

Turing construiu uma máquina abstracta– máquina de Turing – constituída por uma fita in-finita e uma cabeça móvel de leitura e de escrita. Nafita estão gravados caracteres, para simplificar, 0 e 1,e que correspondem à informação inicial, Figura 3.A cabeça móvel desloca-se para a direita ou para a es-querda, lendo os caracteres inscritos na fita ealterando-os conforme o estado da cabeça de leitura.

lização de uma célula da fita a máquina realiza três ti-pos de movimentos: desloca-se para trás uma posição,desloca-se para a frente duas posições e desloca-se pa-ra trás uma posição. Como resultado, actualiza a célu-la de onde partiu com uma regra dependente do estadoda cabeça móvel de leitura e escrita. Os estados da ca-beça de leitura-escrita ou programa correspondem às64 combinações possíveis de transições temporais daregra do autómato celular.

Voltando ainda ao exemplo da secção anterior, Fi-gura 2 d), percebe-se facilmente que a evolução tem-poral de um autómato gera um padrão que, nestecaso, é bastante dependente das condições iniciais.Analisando a evolução ao longo do tempo dos 00e 11 de uma máquina de Turing, von Neumann per-cebeu que alguns blocos de caracteres inscritos na fitada máquina de Turing tinham a capacidade de se re-produzir: ao fim de várias passagens da cabeça da má-quina, esses blocos de caracteres desapareciam parareaparecerem noutras posições da fita, depois de maisalgumas passagens da cabeça de leitura-escrita. No iní-cio dos anos 50 von Neumann construiu um modeloteoricamente capaz de reproduzir formas simples. Maistarde, nos anos 80, Wolfram e Conway introduziramuma linguagem simplificada para analisar a evoluçãodos autómatos celulares, levando à construção de ummodelo a duas dimensões de uma máquina de compu-tação universal. Esta abordagem constituíu, por outrolado, uma primeira tentativa de classificação de pa-drões universais (* *), nalguns casos muito semelhan-tes a padrões biológicos.

Antes de prosseguirmos, o leitor perguntar-se-á tal-vez, qual o objectivo de se obter todo este tipo de des-crição formal. Para além da resposta fundamental queconsiste na descoberta de padrões de comportamen-to universal em sistemas físicos e biológicos, existe ointeresse mais pragmático em construir máquinas decálculo, com grandes capacidades, cujo objectivo é si-mular eficientemente sistemas físicos e biológicos degrande complexidade.

AUTÓMATOS CELULARES SIMPLES

Um autómato celular é uma sequência de símbo-los, distribuídos sobre os nós de uma rede a uma, duasou mais dimensões, e que evoluem no tempo de acor-do com uma regra ou programa. Os nós da redecomportam-se como caixas pretas cujo estado pode as-sumir um valor simbólico, independentemente da di-nâmica interna das caixas. Por exemplo, podemosimaginar que o valor no nó de uma rede evolui ao lon-go do tempo para o valor obtido através da soma boo-leana dos valores nos nós vizinhos. (Soma booleana:0 +0 = 0,0 + 1 = 1,1 + 1 = 0).

(* *) Uma propriedade é universal para uma classe de objectosquando não depende das características individuais dos elementosda classe.

Fig. 3 – Uma Máquina de Turing é composta por uma fita infinitaonde estão gravados caracteres e por uma cabeça móvel de leiturae escrita. Um programa para uma máquina de Turing é uma lista deestados para a cabeça móvel. Os caracteres inscritos na fita são ascondições iniciais do programa. O resultado do programa é a se-quência de caracteres inscritos na fita quando a cabeça móvel pára.

O conjunto possível de estados que a cabeça mó-vel de leitura pode tomar representa o programa oualgoritmo; o conjunto inicial de 00 e 11 é o estadoinicial do programa; o estado final ou resultado do pro-grama é atingido quando a cabeça de leitura pára, fi-cando registado na fita o resultado do cálculo. Comuma máquina de Turing é possível construir uma má-quina de Turing universal (*) capaz de calcular todosos algoritmos jamais inventados. É a esta construçãoque se designa como um modelo teórico para a com-putação.

O modelo de autómato celular introduzido na sec-ção anterior, o autómato celular associado ao gás uni-dimensional, tem uma descrição facilmenteimplementável num programa para uma máquina deTuring. A rede unidimensional de moléculas do gáscorresponde à fita da máquina de Turing, em quecada posição ou célula contém um símbolo que no au-tómato é representado por uma cor. Para cada actua-

(*) Uma máquina de Turing universal é uma máquina de Turingcapaz de simular qualquer programa para uma máquina de Turing,parando se o programa contém um algoritmo decidível.

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Na Figura 4 estão representados dois autómatos ce-lulares em redes de dimensão 1 e 2. Na rede da esquer-da e no tempo zero, cada nó contém um número- uma unidade de informação ou símbolo - quepode evoluir ao longo do tempo. Na rede da direitacada nó contém um número calculado através dos va-lores nos nós vizinhos no tempo 0. A rede da direitaestá no tempo 1 quando todos os nós da rede estãoactualizados. De facto, quando a rede é infinita e

como o processo de actualização de cada nó é finito,a passagem do tempo zero ao tempo um demora umtempo infinito. No entanto, pode-se sempre pensar quea rede é finita mas arbitrariamente grande, de manei-ra que as fronteiras estão sempre longe da nossa ob-servação. Esta passagem, de uma rede finita para umarede infinita não altera o que queremos estudar, sim-plificando a descrição formal do problema. Por outrolado, o facto de se considerar que a actualização dasredes, do tempo zero para o tempo um, é feita numtempo finito, corresponde a um certo grau de simul-taneidade na actualização. Assim, pode-se imaginar queo processo de actualização é feito paralelamente emsubredes de dimensão também infinita. Nesta formu-lação, os autómatos celulares aparecem como mode-los de computação intrinsecamente paralelos.

Mas voltemos aos autómatos em redes unidimen-sionais. Podemos agora considerar todas as leis possí-veis de transição no tempo, em que o estado de cadacélula, num certo instante, depende apenas dos esta-dos das células vizinhas no instante anterior. Supon-do que cada nó ou célula só pode tomar os valores 0ou 1, existem precisamente 256 regras de autómatoscelulares. Para exemplificar como se representa a evo-lução temporal de um autómato celular, analisemos aregra da Figura 4. Neste caso, cada nó evolui no tem-po para o valor da soma booleana dos estados nos doisnós vizinhos. Na Figura 5 a) estão representados todos osestados possíveis que cada grupo de três células con-secutivas pode tomar. O autómato celular está assimcompletamente definido pelas suas leis locais de evo-lução. Na Figura 5 b) está representada a evolução des-te autómato partindo de uma condição inicial em quetodos os nós estão no estado 0 e apenas uma célulaestá no estado excitado 1. A Figura 5 c) representa aevolução a partir de um estado desordenado.Reconhece-se, na Figura 5 c), que o padrão inicial de-sordenado evolui no espaço-tempo com regularidadesbem marcadas devido às estruturas triangulares que de-saparecem e reaparecem noutras regiões, eventualmen-te com dimensões diferentes.

Este autómato celular simples evolui para estadoscom propriedades de semelhança, embora as condi-ções iniciais sejam aleatórias. Pode-se então pergun-tar se todos os autómatos celulares unidimensionaisapresentam esta propriedade de semelhança espacio--temporal e quais as diferentes tipologias de padrões.Quando se varia o número de estados possíveis de umarede, será que se mantêm o mesmo tipo de padrões?

A última pergunta tem uma resposta simples paraalgumas classes de autómatos celulares e pode ser tes-tada numa simulação numérica. Para uma regra do ti-po soma booleana em que os estados das células podemtomar quatro valores diferentes, obtêm-se os padrõesda Figura 6. Como se vê, existe uma sobreposição adi-tiva de padrões, não se gerando padrões mais comple-xos. Assim, de facto, todo o comportamento quequeremos descrever está contido nos modelos maissimples com células a dois estados.

Fig. 4 – Evolução de um autómato celular numa rede de dimensão1 e numa rede de dimensão 2 com simetria hexagonal. A regra deinteracção é a mesma para os dois autómatos: o estado de cada nóno tempo 1 só depende dos estados nos nós vizinhos no tempo 0.

Fig. 5 – Evolução de um autómato celular numa rede de dimen-são 1. a) Lei de transição temporal (soma booleana). b) Evoluçãoa partir do estado ..0001000.. .c) Evolução a partir de um estadoaleatório.

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Para responder à questão dos vários tipos de pa-drões possíveis para autómatos a dois estados, fizeram--se várias simulações em computador e conhecem-seapenas quatro classes de padrões (classes universais depadrões): padrões evanescentes, padrões periódicos,padrões quasi-periódicos e padrões complexos, Figu-ra 7. Contudo, a formulação analítica deste problematem escapado a todas as tentativas de sistematização,da mesma maneira que os padrões dos escoamentosturbulentos ou dos sistemas biológicos não têm aindauma explicação coerente.

Referimos anteriormente que as estruturas triangu-lares do autómato celular da Figura 5 correspondema uma tipologia de padrões no espaço-tempo. No en-tanto não apresentámos evidência simples deste tipode comportamento. Considerando um autómato a duasdimensões, numa rede de simetria quadrada, em quea regra de interacção entre vizinhos é a soma boolea-na dos estados dos vizinhos mais próximos, podemosseguir ao longo do tempo a evolução de um padrão.Para surpresa nossa, esse padrão é destruído, voltan-do a reaparecer noutras posições da rede em duplica-do, quadruplicado, etc.. Na Figura 8 apresenta-se aevolução deste autómato em que se escolheu comocondição inicial o contorno da cabeça de um gato. Es-te autómato celular é de facto o modelo mais simplesde um sistema com a capacidade de se reproduzir. Es-pantosamente, este autómato celular está associado aoproblema matemático da multiplicação de polinómioscom coeficientes inteiros.

Fig. 6 – Evolução de um autómato celular numa rede de dimensão1. Cada célula pode tomar os valores 0 (branco), 1 (vermelho), 2(verde) e 3 (azul).O estado de cada célula, no tempo 1 , depende apenas dos estadosnas células vizinhas no tempo 0 (soma do tipo booleana1 + 3 = 2 + 2 = 0, 3 + 2 = 1, 3 + 3 = 2). a) Evolução a partir do estado..0001000.. . b) Evolução a partir de um estado desordenado.

Fig. 7 – Classes de padrões espacio-temporais de autómatos celu-lares em redes de dimensão 1.

Fig. 8 – Autómato celular numa rede de dimensão 2 com simetriaquadrada. O estado de um nó da rede no tempo 1 é obtido atravésda soma booleana dos estados dos nós vizinhos no tempo 0. Esteautómato exemplifica um tipo de lei com a possibilidade de repro-duzir padrões.

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Escoamento de fluidos

Mas os modelos de autómatos celulares podem tam-bém servir para a simulação em tempo real de siste-mas físicos. Vamos ver um modelo para a simulaçãodo escoamento bidimensional de um fluido num reci-piente de forma arbitrária, que pode ser um conten-tor, um rio ou um estuário.

Podemos considerar uma rede bidimensional de si-metria triangular em que em cada ponto da rede po-dem estar até 6 partículas de massas iguais e comvelocidades apontadas nas direcções definidas pelas li-gações com os nós vizinhos, Figura 9 a). As partículasdeslocam-se ao longo das ligações durante um tempoconstante e podem colidir com outras partículas quechegam aos nós. Por exemplo, quando se têm uma co-lisão frontal de duas partículas, o resultado final da in-teracção é compatível com duas direcções possíveis desaída, Figura 9 b). Neste caso podemos escolher alea-toriamente o resultado da colisão.

Implementando esta regra de autómato celular narede bidimensional e impondo condições fronteira(choque com paredes) de inversão do sentido da velo-cidade, está-se a simular o escoamento de um fluidoou de um gás a duas dimensões. Como neste caso osobserváveis macroscópicos são a velocidade e a den-sidade local de partículas, podem-se calcular os valo-res médios do número de partículas e das velocidadesem subredes de dimensões mais pequenas.

Na Figura 10 estão representados os valores médiosdas velocidades no escoamento de um fluido contrauma barreira, calculado com este modelo de autóma-to celular. Na Figura 10 b) apresenta-se uma imagemobtida experimentalmente de um fluxo contra um obs-táculo. Como se vê, o fluxo calculado pelo autómatocelular apresenta as mesmas características que o sis-tema real. É precisamente devido a este tipo de seme-lhança que se pensa que os autómatos celularespoderão ajudar a explicar os mecanismos físicos queoriginam a turbulência. Neste caso simples, é possívelconstruir computadores especialmente dedicadospara o cálculo rápido do autómato celular, tendo-seportanto uma poderosa ferramenta para a simulaçãoem tempo real do escoamento de fluidos em regiõesde forma arbitrária.

Construiu-se um programa especialmente dedica-do para a simulação deste autómato celular em que sepode simular, por exemplo, o escoamento de um flui-do num estuário. Na Figura 11 apresenta-se o resulta-do de uma simulação para o estuário do Tejo, em quese introduziu como dado a imagem do estuário vistapor um satélite. Com esta técnica de autómatos celu-lares pode-se ainda seguir a dispersão de uma manchade poluente através da marcação de algumas partícu-las, Figura 12.

Comparando esta regra de autómato celular coma introduzida anteriormente para a simulação de umgás unidimensional conclui-se que as simulações de es-

coamentos de fluidos assim obtidas são mais realistas.Isto foi conseguido à custa do aumento da dimensãoda rede celular e da introdução de regras de colisãocompatíveis com o facto das partículas terem dimen-sões pontuais.

Fig. 9 – a) Rede bidimensional com simetria triangular. Cada setaindica o sentido do movimento de uma partícula de velocidade cons-tante. Cada nó pode estar ocupado, no máximo, por 6 partículas,existindo 26=64 estados possíveis por nó. b) Numa situação dechoque escolhe-se aleatoriamente uma das duas transições possíveis.

Fig. 10 – a) Escoamento de um fluido contra uma barreira, calcu-lado com um autómato celular numa rede de simetria triangular.b) Fotografia experimental de um escoamento real.

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Fig. 11 – Simulador de escoamento de fluidos em regiões de forma arbitrária. Na Figura apresenta-se o resultado de uma simulação para oestuário do Tejo.

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Fig. 12 - Simulador de escoamento de fluidos em regiões de forma arbitrária. Na figura a) apresenta-se o resultado de uma simulação parao estuário do Tejo em que se marcaram a vermelho duas manchas de poluente. Na figura b) está representada a evolução, ao fim de algumtempo, das manchas de poluente. A intensidade da cor é proporcional à concentração de poluente.

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Fogos

Vamos agora construir um autómato celular sim-ples para simular a propagação de um fogo numafloresta.

A propagação de um fogo numa floresta dependede vários factores: da proximidade das árvores, do ti-po de árvores e do seu comportamento na combustão,ou seja, da quantidade de calor libertado, das condi-ções climáticas durante o fogo e dos efeitos turbulen-tos gerados pela convecção de ar quente e frio. Doponto de vista estritamente analítico é muito dificil des-crever todos estes efeitos num sistema de equações.No entanto, é fácil construir um modelo de autómatocelular para termos uma ideia de como se processa apropagação e evolução de um fogo numa floresta.

Vamos então considerar uma rede bidimensionalcom simetria quadrada e em cada nó da rede repre-sentamos o estado de uma árvore. Assim, podemos as-sumir que o estado associado à cor verde representauma árvore sã, à cor vermelha uma árvore a arder eà cor preta uma árvore queimada. As árvores a arder– estado vermelho – mantêm-se nesse estado duranteum tempo finito. A regra de evolução do autómato ce-lular é determinada de acordo com as seguintes leis deinteracção: se num certo instante uma célula está noestado verde (árvore sã) e uma das células vizinhas es-tá no estado vermelho (árvore a arder), existe uma pro-babilidade não nula de no instante seguinte a célulamudar para o estado vermelho. Se existir vento numa

certa direcção a probabilidade de transição ver-de → vermelho é maior nessa direcção. Quando umacélula está no estado vermelho, ela vai manter-se nes-te estado durante um tempo finito. Se um nó da redeestá no estado preto (árvore queimada), então manter--se-á nesse estado indefinidamente.Na Figura 13 está representada a evolução de umfogo numa região com 40 000 árvores, em que, inicial-mente (tempo 0), estavam três árvores a arder. Desig-nando por ta o tempo que cada árvore demora aarder e por tu o tempo de evolução do autómato ce-lular, o tempo de evolução do sistema é t = tu/ta. NaFigura 13, foram calculadas as evoluções deste siste-ma para os tempos t = 1,3 e t = 10. Fizeram-se duas si-mulações correspondentes a uma situação sem vento(Figura 13 a) e com vento na direcção oeste-este (Fi-gura 13 b).

Este modelo, muito simplificado, mostra claramen-te as possibilidades de aplicações de modelos de autó-matos celulares para a previsão da evolução temporalde sistemas em tempo real. Podem-se construir máqui-nas de computação para o cálculo rápido da evoluçãodestes sistemas e portanto definir estratégias de com-bate a incêndios reais. Um modelo um pouco mais so-fisticado poderia incluir, por exemplo, a nãohomogeneidade de espécies vegetais e da sua distri-buição.

Máquinas de computaqão universal e jogo da vida

Viu-se, anteriormente, a semelhança entre um pro-grama para uma máquina de Turing – máquina decomputação universal – e o programa para o cálculoda evolução do autómato celular associado ao gás uni-dimensional. Contudo, todos os autómatos que temosvindo a construir, com propriedades interessantes doponto de vista das aplicações a sistemas reais, foramconstruídos em redes celulares de dimensão 2 e pou-co adaptados a uma programação sequencial como éo caso da máquina de Turing. Por outro lado, a regraque define a evolução de um autómato celular é esta-belecida localmente e é uniforme, isto é, é a mesmapara todos os pontos da rede. Como se viu, o estadoda cabeça móvel de leitura-escrita da máquina de Tu-ring pode variar, quando esta se desloca para outrasposições da fita. Pode-se perguntar agora qual a possi-bilidade de construir um modelo de computação uni-versal com o mesmo tipo de estrutura que umautómato celular. Por outras palavras, existirá uma re-gra local de autómato celular, bem determinada, e quese comporte como uma máquina de computação uni-versal? A resposta a esta pergunta é afirmativa e o au-tómato celular com esta propriedade, descoberto porJ. Conway, é designado por jogo da vida. Vejamos entãoem que consiste o jogo da vida.

Considera-se uma rede bidimensional infinita comsimetria quadrada e cada nó da rede pode tomar ape-

Fig. 13 – Evolução de um autómato celular que simula a propaga-ção de um fogo numa floresta. A frente do fogo está representadaa vermelho e as árvores queimadas estão representadas a negro. Afigura a) foi calculada para uma situação sem vento e a figura b) parauma situação com vento no sentido oeste-este.

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nas os valores 0 – células mortas – ou 1 – célulasvivas. Assume-se ainda que cada nó tem oito vizinhos,os quatro mais próximos e os quatro nas diagonais, Fi-gura 14.

Vejamos agora quais as características do jogo davida que nos permitem afirmar que este autómato ce-lular tem a capacidade de computação universal. Exis-tem duas configurações iniciais localizadas que vamosdesignar por marcador e relógio (Figura 16) e quetêm as seguintes propriedades:

Propriedades do marcador:

1. Por cada quatro iterações da regra do jogo davida, um marcador desloca-se uma posição nadiagonal da rede.

Fig. 14 - Relação de vizinhança para o autómato Jogo da Vida. Ca-da célula tem oito vizinhos, como se indica na figura.

Vamos agora definir a regra de evolução do jogoda vida:

1. Se no instante t = 0 uma célula está morta (esta-do 0) e se existem exactamente três células vi-zinhas vivas (estado 1) então, no instante t = 1,a célula central fica no estado 1 (nascimento).

2. Se no instante t = 0 uma célula está viva (estado1) e se existem quatro ou mais células vizinhasvivas (estado 1) então, no instante t = 1, a célu-la fica no estado 0 (morte por excesso de po-pulação).

3. Se no instante t = 0 uma célula está viva (estado1) e se existe apenas uma célula vizinha viva ounenhuma (estado 1) então, no instante t = 1, acélula central fica no estado 0 (morte por iso-lamento).

4. Se no instante t = 0 uma célula está viva (estado1) e se existem apenas duas ou três células vizi-nhas vivas (estado 1) então, no instante t = 1, acélula central mantém-se no estado 1 (sobrevi-vência).

Com este autómato celular pode-se calcular a evo-lução de uma configuração inicial aleatória. Na Figura15 a) está representada uma configuração inicial alea-tória (instante t = 0) de elementos vivos – estado 1.Nas Figuras 15 b) - 15 d) estão representadas as confi-gurações a que se chega em tempos posteriores.Como se vê, depois de algumas iterações, formam-seestruturas localizadas, que nalguns casos oscilam pe-riodicamente. O resultado final da evolução do jogoda vida é quase sempre constituído por estruturas lo-calizadas que, nalguns casos, oscilam periodicamenteao longo do tempo – talvez por este motivo, J. Con-way designou este autómato por jogo da vida.

Fig. 15 – Evolução do autómato Jogo da Vida a partir de uma con-figuração inicial aleatória (tempo = 0). Ao fim de algumas iteraçõesdo autómato obtêm-se configurações locais estáveis ou oscilantes.

Fig. 16 – Configurações do tipo Relógio e Marcador para o autó-mato Jogo da Vida. Os quadrados a negro indicam que o estado nessenó da rede toma o valor 1. Construindo configurações iniciais a partirdas duas estruturas locais indicadas, é possível construir uma má-quina de computação universal.

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2. Quando dois marcadores chocam, ao fim dequatro iterações da regra do jogo da vida, osmarcadores desaparecem.

Propriedades do relógio:

1. Por cada trinta iterações da regra do jogo davida, um relógio produz um marcador.

Devido a estas propriedades, é possível construirum computador, isto é, é possível escolher posiçõesde relógios e marcadores na rede celular que corres-pondem a qualquer cálculo que queiramos efectuar.Isto é possível porque se pode construir configuraçõesde relógios e marcadores que calculam todas as ope-rações lógicas fundamentais (não, e e ou). Na Fi-gura 17, apresentamos o exemplo do cálculo da nega-ção de um número. Neste caso, introduzimos como da-do inicial o número (escrito em notação binária)

10100 ...

e o resultado da negação é

não (10100...) = 01011...

Com um dispositivo adequado para introdução deconfigurações na rede do autómato e um dispositivopara leitura de dados, é possível construir um compu-tador com uma arquitectura de autómato celular. Cla-ro está que os problemas, tanto técnicos comoteóricos, para a construção de um computador destetipo são grandes (*). No entanto, a possibilidade con-ceptual está demonstrada.

Comparando esta construção de um modelo decomputação com a máquina de Turing, encontramos umadiferença essencial: na máquina de Turing um pro-grama está localizado na descrição dos estados dacabeça móvel de leitura-escrita e os dados são intro-duzidos na fita ou rede celular. No jogo da vida, aregra de evolução é sempre a mesma e uniforme emtodos os pontos da rede e os dados correspondem aconfigurações espaciais distribuídas sobre a rede.Assim, dar um algoritmo de cálculo é equivalente à es-colha de posições de relógios e marcadores sobrea rede celular infinita, ou seja, à própria marcação decondições iniciais adequadas.

Talvez o leitor entenda agora quais as razões por-que se suspeita, como foi dito na introdução, que a na-tureza aparece como uma máquina de cálculo gigante,e que, provavelmente, muitos sistemas físicos e bioló-gicos têm a propriedade de computação universal.

(*) De facto, no estado actual da tecnologia, os problemas de hard-ware são facilmente ultrapassados. O grande problema reside na cons-trução de uma linguagem eficiente, do ponto de vista do utilizador,para a comunicação com um sistema deste tipo.

Um modelo de computação universal baseadonuma estrutura de autómatos está mais próximo da ar-quitectura cerebral dos seres vivos, pois o suporte dainformação são os neurónios e as leis de interacção sãolocais e mediadas pelas conexões entre células vizinhas.As capacidades de computação (universal) dos seres vi-vos estariam então associadas à estrutura, extensão equantidade das ligações.

Pensa-se que esta conjectura é verdadeira para sis-temas físicos e biológicos com comportamento turbu-lento, isto é, sistemas cujas propriedades observáveissão influenciadas por dinâmicas a todas as escalas (es-cala microscópica, escalas intermédias e escala macros-cópica). Por outro lado, e voltando aos comentáriosiniciais deste artigo sobre o cérebro, a possibilidade dese poder construir um computador sobre uma estru-tura celular abre perspectivas imensas sobre as possi-bilidades computacionais dos seres biológicos. E istoé fascinante.

REDES DE FUNÇÕES ACOPLADAS

O passo seguinte na generalização do conceito deautómato celular consiste em considerar que as caixasnegras da rede celular podem assumir um grande nú-mero de estados, de maneira a podermos descrever osseus valores por números reais. Como a rede celular

Fig. 17 – Configuração para o cálculo da operação lógica não, atra-vés do autómato celular jogo da vida. Estão representadas na figuraa configuração inicial, duas configurações intermédias e a configu-ração final. Para simplificar a leitura das figuras, sobreposeram-seã rede celular os valores das configurações inicial, intermédia e final.

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é formada por células idênticas, podemos assumir queo estado de cada célula varia ao longo do tempo atra-vés de uma lei definida por uma função local, em ge-ral não-linear. Se representarmos por x o estado deuma célula num instante t, no instante seguinte t + 1,o estado da célula vai tomar o valor f(x) e, no instantet + 2, o estado da célula vai ser f(f(x)), etc. (*). Tem-seentão uma rede de funções acopladas.

Restringindo a nossa análise a redes celulares uni-dimensionais e representando o estado da caixa negraou célula número i, no instante t, por xt

i, no instante se-guinte, t + 1, o estado da célula i vai depender, porum lado, do seu comportamento dinâmico definidopor uma função local f, por outro, das interacções comas células vizinhas. Assim, considerando que o estadode cada célula, do instante t para t + 1, se altera de acor-do com a lei determinista descrita pela função f e quea interacção com os vizinhos mais próximos é propor-cional ao valor médio dos estados vizinhos, podemosescrever

Fig. 18 – Funções de teste para o cálculo de um autómato celularnuma rede de funções acopladas. Para melhor leitura das coorde-nadas, marcaram-se nos gráficos as linhas f(x) = x e, na figura b), oponto x = 1,5 caracteriza os estados estacionários das células de umarede de funções acopladas.

em que µ é um parâmetro que mede a intensidade dainteracção com vizinhos mais próximos. Se µ = 0, aevolução de cada célula é independente. Se µ = 0,5, aevolução de uma célula é igual ao valor médio do seuestado com os estados das células vizinhas e se µ = 1o seu estado só depende dos valores nas células vi-zinhas.

Para calcular a evolução de uma rede de funçõesacopladas deste tipo, é importante fazer uma escolhaadequada da função f. A função não-linear mais sim-ples tem um comportamento linear para pequenosvalores dos estados das células, favorecendo o cresci-mento dos valores nas células em instantes consecuti-vos. Para valores grandes dos estados das célulasatinge-se um estado de saturação a partir do qual osvalores numéricos dos estados são forçados a decres-cer linearmente – funções competitivas. Na Figura 18estão representadas duas funções com esse tipo de com-portamento. Na Figura 18 b) representa-se umafunção com comportamento competitivo na regiãox ≤ 1 enquanto que, para valores dos estados x > 1,a função é linear favorecendo um estado bem deter-minado em x = 1,5. Neste caso, se x t

i > 1, em instan-tes posteriores t ' > t o valor de x t

i aproxima-serapidamente de 1,5 (* *).

Podemos agora analisar, em função do parâmetrode interacção µ, a evolução temporal da estrutura ce-lular para a função da Figura 18 a). Na Figura 19 estárepresentada a evolução temporal da rede de funçõesacopladas numa rede de 200 células com condiçõesfronteira periódicas, partindo de configurações iniciais

Fig. 19 – Evolução temporal de uma rede de funções acopladas,para a função da figura 18 a). O parâmetro µ mede a intensidadedo acoplamento entre células vizinhas. A cor verde corresponde aoregime turbulento x < 1 e a cor vermelha ao regime turbulento x > 1.

(*) Este processo dinâmico de, a partir de um número x, calcular osvalores f (x), f (f (x)), f (f (f (x))) ..., designa-se por iteração.

(* *) O ponto x = 1,5 é um ponto fixo estável da função f.

xti+1 = (1-µ) f (xt

i) + µ ( f (xt

i-1) + f (xti+1))2

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aleatórias e periódicas. Vejamos então como interpre-tar estas figuras.

A função da Figura 18 a) tem um comportamentonão-linear para as iterações pois, iterando um pontogenérico do intervalo da definição da função, esse pon-to não converge para nenhum valor, passeando-se alea-toriamente por todos os valores possíveis que o estadode uma célula pode tomar. Diz-se então que a funçãof é caótica e que o intervalo onde está definida a fun-ção f corresponde a um regime turbulento. Assim, seo parâmetro de interacção da rede de funções acopla-das é nulo, é de esperar que os estados da rede osci-lem aleatoriamente com valores compreendidos entre0 e 2. Na Figura 19, para representar este comporta-mento, a cor verde refere-se a estados turbulentos comvalores x < 1 e, a cor vermelha, a estados turbulentoscom x > 1. De facto, para µ = 0, a sequência dos valo-res das células é completamente desordenada, comoo previsto pela propriedade de caoticidade da funçãof. No entanto, quando o parâmetro µ é maior que ze-ro, o estado inicial aleatório da rede começa aorganizar-se atingindo-se um estado quasi-periódico se-melhante ao padrão do autómato celular da Figura 5e aos padrões quasi-periódicos da Figura 7. Nesteexemplo, as interacções entre elementos individuaiscooperam para formar um padrão mais organizado,embora a dinâmica individual das células, descrita pe-la função competitiva f (x), seja aleatória.

Este exemplo, mostra bem a importância das inte-racções no estabelecimento das propriedades colecti-vas de sistemas com um grande número decomponentes.

Outro exemplo de rede de funções acopladas po-de ser obtido através da função representada na Figu-ra 18 b). Neste caso, juntou-se aos estados turbulentosda função f,x < 1, um regime estacionário ou laminar(x > 1). Na Figura 20 apresenta-se a evolução da redede funções acopladas com competição entre o regimeturbulento e o regime laminar. Para pequenos valoresdo parâmetro de interacção, uma condição inicial alea-tória ou periódica converge ao longo do tempo parao valor do estado estacionário ou laminar a que cor-responde o valor x = 1,5, representado a branco nasfiguras. Ao regime turbulento associámos as cores ver-de e vermelha: verde = { valores nas células menoresque 0,5 } e vermelho = { valores nas células maiores que0,5 e menores que 1,0 }.

Quando o valor do parâmetro se aproxima deµ = 0,4 os processos transientes tornam-se cada vezmais longos, atingindo-se sempre o regime laminar.Para µ = 0,402 dá-se uma transição de fase, passandoa existir um regime «transiente infinito», isto é, se nosfixamos num ponto da rede, essa célula mantém-se numestado laminar durante um tempo finito, depoismuda subitamente para um regime turbulento duran-te um intervalo de tempo pequeno, voltando ao esta-do laminar por um período de tempo grande, nãoexistindo regularidade aparente nos períodos de tran-

sição laminar → turbulento. Este tipo de comportamen-to designa-se por intermitência espacio-temporal.

Para valores do parâmetro µ > 0,402, surge entãoum regime turbulento em que as durações das fases la-minares e turbulentas em cada célula se mantêm limi-tadas e da mesma ordem de grandeza. No caso em queµ > 0,402, os padrões da rede celular são quasi--periódicos, enquanto que, no regime intermitente,µ = 0,402, o padrão da rede celular é complexo (Fi-gura 7 ).

Quando as configurações iniciais são periódicas,chega-se exactamente às mesmas conclusões. Assim,neste exemplo, obtém-se uma transição de um regimelaminar para um regime turbulento através de inter-mitência.

Em conclusão, estes modelos de redes de autóma-tos celulares contêm os processos qualitativos que ori-ginam o fenómeno da turbulência. No entanto, nãoexiste ainda uma teoria consistente e facilmente cali-brável com os sistemas reais. Recentementedescobriram-se redes de funções acopladas para simu-lar o processo de formação de bolhas no interior defluidos em regiões de transições de fase de condensa-ção e para simular a convecção turbulenta por gradien-te de temperatura.

Fig. 20 – Evolução temporal de uma rede de funções acopladas,para a função da figura 18 b). O parâmetro µ mede a intensidadedo acoplamento entre células vizinhas. A cor branca correspondeao regime laminar. As cores vermelha e verde correspondem aos re-gimes turbulentos. Para o parâmetro de acoplamento µ = 0,402 existeuma transição do regime laminar para o regime turbulento por in-termitência espacio-temporal.

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REDES DE NEURÓNIOS

Em tudo o que foi feito até aqui partiu-se do prin-cípio que as redes celulares de autómatos eram cons-tituídas por um grande número de células e que o nossointeresse residia apenas no estudo de fenómenos coo-perativos em larga escala. Podemos agora passar ao li-mite de redes com poucas células e com interacçõesmais complexas. São as redes de neurónios.

Um neurónio recebe os seus estímulos através dasdendrites e comunica com as células vizinhas atravésdas sinapses, ligadas pelo axónio à região do núcleocelular, Figura 21 a). O modelo eléctrico mais simplespara simular um neurónio é uma unidade ou caixa pre-ta com n entradas e uma saída. Se este sistema recebeimpulsos de intensidades x1, x2, ..., xn, e se, a cadaunidade de entrada está associado um pesow1, w2, ..., wn, tal que Σwi = 1, o neurónio tem a res-posta à saída

CONCLUSÕES

Os aspectos da física moderna apresentados aquiestão no início. Está-se a fazer perguntas relacionadascom comportamentos globais de sistemas com efeitoscuja descrição em termos de comportamentos indivi-duais falha.

Nos exemplos que analisámos ao longo deste arti-go apareceram alguns conceitos aparentemente nãocorrelacionados. São eles: padrões espaciais e espacio--temporais, turbulência e caos, sistemas discretos, má-quinas de computação universal, fenómenos colectivose transições de fase. As ligações entre eles são aindamuito ténues, embora as parecenças formais sejam mui-to grandes. Provavelmente, se se mostrar que existemsistemas físicos com a capacidade de computação uni-versal a nossa única possibilidade de fazer previsõessobre eles é observá-los. A experimentação apareceráassim como mais uma ferramenta de cálculo!

em que θ define o limiar de actividade do neurónio,Figura 21b). Uma estrutura deste tipo designa-se porneurónio de McCulloch-Pitts. Claro está que existemoutras variantes para modelos de neurónio em que, porexemplo, a resposta é uma função contínua das en-tradas.

Uma rede de neurónios é um conjunto de neuró-nios de McCulloch-Pitts, todos ligados entre si, comvárias entradas, várias saídas e várias unidades inter-médias ou unidades escondidas. Quando, numa redede neurónios, se deixam variar os pesos wi ao longodo tempo através de um mecanismo de retroacção tem--se um perceptrão de Rosenblatt. Os perceptrões per-mitem construir circuitos eléctricos para aprendizagemde padrões pois é possível, em alguns casos, construirestratégias adaptáveis de reconhecimento (por exem-plo, o teorema da convergência dos perceptrões). Noentanto, esta aproximação, que se tem mostrado efi-ciente para resolver alguns problemas de engenharia,tem recebido críticas da parte de alguns biofísicos poisos estados de equilíbrio das redes de neurónios cor-respondem a mínimos locais de uma mesma funçãoenergia e, nos sistemas biológicos, a selecção naturalimplica uma escolha entre comportamentos estrutu-rais diversos, mais parecida com as transições de fase.

Por exemplo, os autómatos celulares unidimensio-nais da Figura 5 e da Figura 20 podem ser interpreta-dos como uma rede bidimensional infinita deneurónios em que cada neurónio tem três saídas, Fi-gura 21 c). Neste caso, como foi mostrado na secçãoprecedente, é possível obter sistemas neuronais comtransições de fase, portanto mais próximos dos meca-nismos de selecção biológica.

y = {0 se Σwi xi < θ1 se Σwi xi ≥ θ

Fig. 21 - a) Desenho esquemático de um neurónio. b) Neuróniode McCulloch-Pitts. c) Rede espacio-temporal de autómatos celu-lares como uma rede bidimensional de neurónios com três entra-das e três saídas.

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A realização deste trabalho só foi possível devido ao apoio con-cedido pelo Ministério da Defesa Nacional, ao abrigo do Programa

AGRADECIMENTOS

MATER. Quero ainda agradecer ao Vítor Santos que criou o dese-nho da Figura 1 .

A noção de autómato celular foi extensamente discutida por vonNeumann no artigo The general and logical theory of automata.The World of Mathematics, vol. IV, Tempus Books, Washington,1955 e 1988, e apareceu sistematizada no livro de E. F. Codd, Cel-lular automata, Academic Press, New York, 1968.

A máquina de Turing foi inventada simultaneamente por A. Tu-ring e E. Post, A. M. Turing, On computable numbers with an ap-plication to the Entscheidungsproblem , Proceedings LondonMathematical Society vol. 2 (1937) págs. 230-265; E. L. Post, Fini-te combinatory processes - formulation I, J . Symbolic Logic,vol. 1 (1936) PágS. 103-105.

A sistematização dos modelos matemáticos de autómatos celu-lares e as suas aplicações a sistemas físicos foi publicada pela pri-meira vez por S. Wolfram, Statistical Mechanics of CellularAutomata , Reviews of Modern Physics, vol. 55 (1983) págs.601-644. As propriedades de semelhança nos autómatos celularesforam descobertas por von Neumann e S. Wolfram. Existe já nestemomento uma vasta bibliografia de artigos científicos, livros e ac-tas de congressos.

As propriedades de computação universal do jogo da vida fo-ram descobertas por Conway e apareceram publicadas no livro deE. R. Berlekamp, J. H. Conway e R. K. Guy, Winning Ways for YourMathematical Plays, Vol. II, Academic Press, New York, 1982.

O modelo para o escoamento de fluidos deve-se a Frisch, Hass-lacher e Pomeau, Lattice-gas automata for the Navier-Stokes equa-tion, Physical Review Letters, vol. 56 (1988) págs. 1505-1508.

SUGESTÕES DE LEITURA

Existe algum trabalho sobre a classificação de padrões comple-xos em autómatos celulares. Por exemplo: R. Cordovil, R. Dilão eA. Noronha da Costa, Periodic orbits for additive cellular auto-mata, Discrete and Computational Geometry, vol. 1 (1986) págs.277-288; R. Dilão, Periodic points and entropies for cellular au-tomata, Complex Systems, vol. 3 (1990) págs. 117-128.

O programa para o cálculo do escoamento de fluidos no inte-rior de regiões de forma arbitrária está a ser desenvolvido no De-partamento de Física do Instituto Superior Técnico e colaboraramaté este momento, R. Dilão, A. Noronha da Costa, T. Rêgo, A. Ricada Silva e os alunos P. Dimas e J. Ferreira.

O conceito de rede de funções acopladas foi introduzido porK. Kaneko, Collapse of tori and genesis of chaos in dissipativesystems, World Scientific, Singapore, 1986. As transições de fase deregimes laminares para turbulentos através de intermitência foramencontradas por H. Chaté e P. Manneville, Transition to turbulen-ce via spatiotemporal intermittency: modelling and critical pro-perties, in, New Trends in Nonlinear Dynamics and Pattern-FormingPhenomena, P. Collet e P. Huerre, ed., Plenum, New York, 1988.

Para uma introdução às redes de neurónios veja-se o livro deM. A. Arbib, Brains, Machines, and Mathematics, segunda edição,Springer-Verlag, New York, 1987, e o artigo de J. J. Hopfield, Neu-rons with graded response have collective computational proper-ties like those of two-state neurons, Proceedings of The NaturalAcademy of Sciences USA, vol. 81 (1984) págs. 3088-3092. Uma dascríticas mais severas ao conceito de rede neuronal como explica-ção do funcionamento do cérebro biológico foi publicada por F.Crick na revista Nature, vol 337 (1989) págs. 129-132, The recentexcitement about neural networks.