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Universidade Anhembi Morumbi Pós-Graduação Latu Sensu Design de Hipermídia Auto da Compadecida em Hipermídia Aline da Rosa Alves Juliana Apolo da S. M. Lopes Monografia apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção de título de Especialista em Design de Hipermídia Orientadores: Prof a . Dra. Mônica Moura Prof. Esp. Marcelo Prioste Prof. Ms. Nelson Somma Jr. São Paulo 2006

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Universidade Anhembi MorumbiPós-Graduação Latu Sensu

Design de Hipermídia

Auto da Compadecidaem Hipermídia

Aline da Rosa AlvesJuliana Apolo da S. M. Lopes

Monografia apresentada àBanca Examinadora,

como exigência parcialpara a obtenção de título de

Especialista emDesign de Hipermídia

Orientadores:

Profa. Dra. Mônica MouraProf. Esp. Marcelo PriosteProf. Ms. Nelson Somma Jr.

São Paulo 2006

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Sumário

Resumo ................................................................................................... 7Abstract ...................................................................................................... 91. Introdução .............................................................................................. 152. A Intertextualidade .............................................................................. 212.1 Origem do Termo ............................................................................. 222.2 Tipos de Intertextualidade ............................................................. 243. O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna .................................... 333.1 Características do Auto da Compadecida ...........................................343.2 Estrutura da Peça ................................................................................ 353.3 Personagens ....................................................................................... 363.4 Síntese ................................................................................................ 373.5 Fontes da Obra de Ariano Suassuna ................................................... 384. A Intertextualidade no Auto da Compadecida .................................... 555. O Ambiente Hipermidiático ................................................................. 655.1 Hipermídia .......................................................................................... 655.2 Narrativas Digitais Interativas ............................................................ 706. O Auto da Compadecida em Hipermídia ............................................. 796.1 Da Intertextualidade para a Hipertextualidade.................................... 796.2 A Transcriação do Auto da Compadecida para a Hipermídia ............. 816.3 A Elementos Projetuais........................................................................ 816.4 O Projeto em Hipermídia do Auto da Compadecida .......................... 917. Considerações Finais .......................................................................... 1078. Referências Bibliográficas ................................................................. 113Anexo 1 .................................................................................................... 121Anexo 2 .................................................................................................... 123Anexo 3 .................................................................................................... 128Anexo 4 .................................................................................................... 134Anexo 5 .................................................................................................. 136Anexo 6 .................................................................................................. 147Anexo 7 .................................................................................................. 148

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Resumo

Este trabalho apresenta um estudo sobre a Intertextualidade presente na obra Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, escrita em 1955, relacionando-a a Hipermídia. A Intertextualidade contida na obra de Suassuna aponta os folhetos da Literatura de Cordel, O Enterro do Cachorro, A História do Cavalo que Defecava Dinheiro, O Castigo da Soberba e As Proezas de João Grilo, como textos fonte que deram origem ao auto. Estes textos são utilizados nesta pesquisa para a elaboração de um website, que os apresenta como conteúdo.

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Abstract

This project presents a research about the Ariano Suassuna’s play named Auto da Compadecida written in 1955, discussing the relationship between its intertextuality and Hypermedia. The intertextuality in the play directs to the brochures of Cordel Literature, O Enterro do Cachorro, A História do Cavalo que Defecava Dinheiro, O Castigo da Soberba e As Proezas de João Grilo as source texts that originate the history presented by the play. A website was developed using these texts as content.

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1. Introdução

Uma das características mais marcantes na obra de Suassuna é a intertextualidade, que nos possibilita sua desconstrução. O Auto da Compadecida interage e aglutina diversas obras literárias que tramitam entre o erudito (como as referências ao teatro medieval) e o popular (como nos Romanceiros, o cordel). A característica intertextual de Ariano permite, ainda, chegarmos à essência da composição de sua obra, a fim de criarmos maneiras para reestruturá-la em uma nova mídia. E é no ambiente hipermidiático que a intertextualidade deve se revelar.

A intertextualidade se caracteriza como trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um deles, que centraliza e guarda a liderança do sentido. É isso que ocorre nessa obra de Ariano: um entrelaçamento de textos cujo vocabulário é a soma dos textos existentes. O hipertexto é essencialmente um sistema intertextual, enfatizando uma intertextualidade que ficaria limitada nos textos em livros impressos. As referências são potencializadas no hipertexto através do recurso do link, que realiza as conexões entres blocos de textos, imagens, vídeos e outros tipos de mídias.

Esta pesquisa visa explorar na Hipermídia as relações entre Intertextualidade e Hipertextualidade de uma obra literária, promovendo especificamente uma discussão entre a Literatura e o Design no campo da Hipermídia, através da intertextualidade do Auto da Compadecida. É realizada uma análise da obra, onde são identificadas suas matrizes intertextuais que são apresentadas em um projeto utilizando a linguagem da Hipermídia.

A principal justificativa que motiva o desenvolvimento deste trabalho é a exploração das possibilidades que a Hipermídia fornece para a discussão da intertextualidade contida no Auto da Compadecida.

No presente trabalho, buscamos experimentar um novo campo de transcriação para esta obra de Ariano Suassuna, que já fora adaptada para as mídias cinema e televisão, em forma de minissérie. O desafio aqui é transcrever para a Hipermídia (com suas características de não-linearidade e interatividade) a essência do Auto da Compadecida, destacando suas características intertextuais.

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Este trabalho também pretende resgatar os textos originais da Literatura de Cordel, repassados através da oralidade entre cancioneiros no Nordeste e utilizados por Ariano Suassuna para compor o Auto da Compadecida. É interessante destacar que as matrizes intertextuais da peça não foram criadas por Ariano Suassuna, mas adaptadas na sua obra. O projeto destaca um recorte da cultura brasileira, especificamente o Nordeste, através do olhar do autor, cuja obra remete à cultura popular e ao mesmo tempo caracteriza-se como trabalho erudito.

Para melhor compreensão desta pesquisa, faz-se necessário apresentar, a seguir, os principais conceitos relacionados à Intertextualidade.

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2. A Intertextualidade

Na literatura relativa à Lingüística Textual, é freqüente apontar-se como um dos fatores de textualidade a referência – explícita ou implícita – a outros textos, tomados estes num sentindo bem amplo. A esse “diálogo” entre textos dá-se o nome de intertextualidade.

A intertextualidade pressupõe um universo cultural muito amplo e complexo, pois implica a identificação/reconhecimento de remissões a obras ou a textos/trechos mais ou menos conhecidos, além de exigir do interlocutor a capacidade de interpretar a função daquela citação ou alusão em questão. É importante encarar a intertextualidade não apenas como a “identificação” da fonte, e sim, que se preocupe estudá-la como um enriquecimento da leitura e da produção de textos e, sobretudo, que se tente mostrar a função de sua presença na construção e no sentido do texto. Estudar a intertextualidade é analisar os elementos que se realizam dentro do texto.

Considerada por alguns autores como uma das condições para a existência de um texto, a intertextualidade se destaca por relacionar “um texto concreto com a memória textual coletiva, a memória de um grupo ou de um indivíduo específico”. 1 Trata-se da possibilidade de os textos serem criados a partir de outros textos.

“Todo texto é produto de criação coletiva: a voz do seu produtor se manifesta ao lado de um coro de outras vozes que já trataram do mesmo tema e com as quais se põe em acordo ou desacordo”.2

O objetivo da intertextualidade é de um texto remeter a outro texto para defender as idéias nele contidas ou para contestar tais idéias. Assim, para se definir diante de

1 M.Helena et alii MIRA MATEUS. Gramática da língua portuguesa apud Maria Christina de MOTTA MAIA. Intertextualidade.2 José Luiz FIORIN; Francisco Platão SAVIOLI. Para entender o texto apud Maria Christina de MOTTA MAIA. Intertextualidade.

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determinado assunto, o autor do texto leva em consideração as idéias de outros autores e com eles dialoga no seu texto.

2.1 Origem do termo

Sobre as origens do conceito de intertextualidade, nota-se que, embora os formalistas russos especialmente Yuri Tynianov (1894-1943) e Victor Shklovsky (1893 - 1984) tenham tido uma certa preocupação com conceitos relativos à noção contemporânea de intertextualidade, é Mikhail Bakhtin (1895-1975) quem normalmente se apresenta como sendo o primeiro teórico a elaborar esta questão.

Rompendo com os conceitos de seus predecessores, Bakhtin apresenta um conceito abrangente de texto como sendo o que diz respeito a toda produção cultural com base na linguagem. Ao mesmo tempo, com a definição de diálogo, rompe com velhas tradições da Literatura para, enfim, compreender o texto em sua interação não apenas com discursos prévios, mas também com os receptores do mencionado discurso.

Para esse teórico, o processo de leitura não pode ser concebido desvinculado da noção de intertexto, já que o princípio dialógico permeia a linguagem e confere sentido ao discurso, elaborado sempre a partir de uma multiplicidade de outros textos. É sob a influência dos conceitos bakhtinianos de polifonia e carnavalização que um bom número de teólogos dos anos 1960 revisa tratados semióticos em busca de novas perspectivas para o estudo das relações entre discursos.

É nesse contexto que Julia Kristeva3 (1941), membro atuante da crítica francesa, elabora seu conceito de intertextualidade considerando que todo texto se constrói como “mosaico de citações”. Dito entendimento acarreta a consideração de que a intertextualidade é um fenômeno que se encontra na base do próprio texto literário, imbricada com a inserção deste num múltiplo conjunto de práticas sociais relevantes. A partir de Kristeva, “texto” passa a ser entendido como o evento situado na história e na sociedade, que não apenas reflete uma situação, mas é essa própria situação, apagando linhas divisórias entre as disciplinas e constituindo um cruzamento entre diferentes superfícies textuais e distintas

3 Julia KRISTEVA, Introdução à semanálise, p. 98.

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áreas do saber científico e da esfera artística. A partir de postulados de Kristeva, Herberts4 observa que a intertextualidade reflete a concepção do texto literário “como carregado de outros textos, inclusive do texto da realidade”.

Nessa inserção de elementos dentro do texto, constrói-se a rede dialógica da escritura-leitura, conformando a ambivalência da ciência paragramática, no dizer de Kristeva. “Um texto estranho entra na rede da escritura: esta o absorve segundo leis específicas que estão por descobrir. Assim, no paragrama de um texto, funcionam todos os textos do espaço lido pelo escritor” 5. Ao abordar a questão, Herberts considera que é justamente a idéia de abertura e incompletude do texto literário que leva à “pluralidade de sentidos da obra artística, que faz supor que cada leitor fará uma leitura particular da mesma, ajudando a construí-la a partir de suas determinações sociais, psíquicas e ideológicas” 6. Por essa perspectiva, a leitura de uma obra está impregnada das influências do contexto, seja histórico, econômico, social, ou também literário.

A absorção de um “texto estranho” na composição de uma nova obra literária, no entender de Olmi, relaciona-se com a noção de uma literatura sem fronteiras, espaço de apropriação cultural.

“Essa apropriação, entretanto, foi e deverá ser um lugar, um espaço de proliferação, de disseminação capaz de produzir e re-produzir idéias, formas, conceitos e conteúdos e de ser aceita como fenômeno absolutamente natural, despreocupado de citação de fontes, influências e referências, de acordo com os postulados mais recentes dos estudos em Literatura Comparada”. 7

Campos e Cury8, por outro viés, esboçam considerações sobre as relações entre intertextualidade e o que denominam saberes em movimento.

“As atividades do leitor e do escritor se intercambiam e o objeto texto, que

4 Hanelore HERBERTS, A intertextualidade em As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, p. 20.5 Julia KRISTEVA, Introdução à semanálise, p. 98.6 Hanelore HERBERTS, A intertextualidade em As cidades invisíveis de Ítalo Calvino, p. 20.7 Alba OLMI, Literatura grega: intertextualidade e interdisciplinaridade, p. 7.8 E. N. CAMPOS; M. Z. F CURY. Fontes primárias: saberes em movimento. Revista da Faculdade de Educação da USP.

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resulta do tecido de significados tramado por ambos, se apresenta como um espaço em movimento, um móbile sempre aberto a diferentes configurações. Todo texto é, assim, um espaço de confluência de múltiplas vozes”.9

Enfim, a concepção de texto como “mosaico de citações” acarreta a infinita reinvenção e repetição de formas e conteúdos, uma rede interminável em que diferentes seqüências transformam-se em outras seqüências, reutilizando de incontáveis maneiras os materiais textuais existentes. Seus reflexos na interpretação da obra literária são diversos.

2.2 Tipos de intertextualidade

Os teóricos costumam identificar tipos de intertextualidade10, entre os quais se destacam:

- a que se liga ao conteúdo (por exemplo, matérias jornalísticas que se reportam às notícias veiculadas anteriormente na imprensa falada e/ou escrita: textos literários ou não literários que se referem a temas ou assuntos contidos em outros textos). Podem ser explícitas (citações entre aspas, com ou sem indicação da fonte) ou implícitas (paráfrases, paródias e etc);

- a que se associa ao caráter formal, que pode ou não estar ligado à tipologia textual como, por exemplo, textos que “imitam” a linguagem bíblica, jurídica e etc. ou que procuram imitar o estilo de um autor11;

- a que remete a tipos textuais (ou “fatores tipológicos”), ligados a modelos cognitivos globais, às estruturas e superestruturas ou a aspectos formais de caráter lingüístico próprios de cada tipo de discurso e/ou a cada tipo de texto: tipologias ligadas a estilos de época.

9 Ibid.10 cf. KOCH & TRAVAGLIA, Texto e coerência, p. 88-89.11 cv. Texto “Grande ser, tão veredas”, de Paulo Leminski, publicado em A folha de São Paulo, e reproduzido em KOCK & TRAVAGLIA: 1989, 99. p. 89-90, em que o autor comenta o seriado da TV Globo, baseado no livro de Guimarães Rosa, procurando manter a linguagem e o estilo do escritor.

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Já J. Rey-Debove (apud Chandler, 2000) refere-se a três modos básicos de intertextualidade podendo elas estar relacionadas aos diferentes modos de discurso:

1. A intertextualidade direta é a citação nominal de um texto anterior, isto é, o discurso direto.

2. A intertextualidade indireta é aquela na qual o leitor deve valer-se de um conhecimento que abranja outros textos produzidos e considerados de caráter universal.

3. O interdiscurso é a remissão a situações fragmentárias, no qual há necessidade de recorrência ao conhecimento enciclopédico.

Daniel Chandler12 em seu livro “Semiotics for Beginners”, apresenta algumas propriedades que caracterizam a presença de intertextualidade em um texto e que, de certa forma, a define:

Reflexo: o quanto o uso de intertextualidade pode ser auto-consciente (intencional). Por reflexo, entende-se “a maneira como uma descrição penetra na constituição do que está sendo escrito”, isto é, como o texto pode se referir a si mesmo, por exemplo, a função da metalinguagem existente em um texto.

Alteração: as alterações das fontes (quanto mais aparente for a alteração, maior se presume o reflexo intertextual), ou seja, o quanto o autor do novo texto altera o texto ao qual faz alusão, quando o insere no texto de sua criação.

Clareza: a especificidade e a clareza das referências a outros textos (citações). Significa o quanto uma intertextualidade está implícita ou explícita.

Crítico com relação à compreensão: o quanto é importante para o leitor, o reconhecimento da intertextualidade envolvida. Através desse aspecto podemos estudar se o nível de interferência da intertextualidade buscada pelo autor influi ou não na compreensão do texto de sua criação.

Infinitude da estrutura: a extensão do texto como parte (ou ligação) de uma

12 Daniel CHANDLER, Semiotic for begginners: Intertextuality.

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estrutura mais ampla. A relação que o texto guarda com a estrutura e gênero literário ao qual pertence.

Chandler também cita Gerard Genette13 que propôs o termo transtextualidade como um termo mais includente do que intertextualidade. A transtextualidade diz mais respeito aos níveis de relação interna de um texto consigo próprio e com outros textos. Dentre o emaranhado de relações possíveis, define cinco categorias:

Intertextualidade: definida como “uma relación de copresencia entre dos o más textos, es decir, eidéticamente y frecuentemente, com la presencia efectiva de um texto em otro”. 14 O intertexto seria, pois, a percepção por parte do leitor das relações existentes entre uma obra antecedente e outra posterior. Sem dúvidas, dentre as categorias citadas, é esta a mais desenvolvida e intricada, em que existe “una cantidad enorme de referencias a discursos culturales de la más variada índole, donde la alta cultura y la cultura popular se funden”.15 É toda relação que une um texto a outro texto.

Paratexto: “geralmente menos explícita e mais distanciada”, 16 ao incluir elementos como título, subtítulo, prefácio, posfácio, advertências, premissas, notas de rodapé, notas finais, epígrafes, entre outros acessórios que possam remeter, explicitamente ou não, ao conjunto formado pela obra literária.

Metatextualidade: textos que falam sobre outros textos, geralmente em forma de comentário, ainda que não haja citação, evidenciando a relação da crítica como paradigma.

Hipertextualidade: a existência de um texto em função do qual se estrutura outro, também referido como “texto de segundo grau”, já que deriva de outro pré-existente. Olmi alerta para a diferenciação desta em relação à anterior (metatextualidade), argumentando

13 Gerard GENETTE, Palimsestos. apud Marta RIVERA DE LA CRUZ, Intertexto, Autotexto: la importancia de la repetición en la obra de Gabriel García Márquez. Revista Especulo.14 Ibid. 15 Antonio PINEDA CACHERO, Comunicación e intertextualidad en El cuarto de atrás, de Carmen Martín Gaite (1ª. parte): literatura versus propaganda. Revista Especulo.16 Alba OLMI, Literatura grega: intertextualidade e interdisciplinaridade, Revista Signo, v. 23, nº 34, p. 7-43, p. 62.

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que a derivação “pode ser de ordem descritiva ou intelectual e, nesse sentido, temos um metatexto”. 17

Arquitextualidade: muito abstrata, já que é mais implícita que a anterior (hipertextualidade), ao implicar a suposição de “las analogias formales o de contenido entre distintos textos os discursos: hay elementos comunes em ellos que los adscriben, por ejemplo, a um género o movimento artístico”, no entender de Pineda Cachero. Olmi, por sua vez, aponta essa categoria como sendo a “articulada por uma menção de título, subtítulo da indicação de Romance, Conto, Poesia e etc., que pertence exclusivamente ao aspecto taxionômico”.

A seguir são apresentadas as principais características da obra de Ariano Suassuna e suas fontes.

17 Ibid., p. 63.

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3. O Auto da Compadecida de Ariano Suassuna

O Auto da Compadecida é uma comédia com temática religiosa que põe em relevo os problemas do Nordeste, envolvendo sertanejos com fatos locais. Usa o folheto de cordel transcrito em situações e falas típicas. A obra mistura a tradição religiosa e a popular, sobretudo ressaltando o ambiente das crendices do povo, e assim situando-se na tradição brasileira.

A peça foi escrita por Ariano Suassuna em 1955, encenada em Recife, recebendo a medalha de Ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais, no Rio Janeiro, em 1957. Popular, a peça já foi traduzida em dezenas de idiomas e conta com várias montagens também no exterior. Repetindo o sucesso que fez nos palcos, o Auto da Compadecida tem três versões cinematográficas.

O auto é contemporâneo, pois faz referência a aspectos sociais nordestinos. O autor mostra-se completamente envolvido com a realidade de sua época, criticando problemas sociais como a falta de virtudes, a preocupação com a aparência e dinheiro, as diferenças sociais determinando a ação dos religiosos, além de criticar a prática da simonia18.

Ariano usa no Auto da Compadecida uma narrativa simples e alegre. Seus episódios realizam uma sátira social e lidam com imagens fortes, de impacto imediato. A falsa morte aparece na obra juntamente com a falsa ressurreição. Em outro episódio o dinheiro é igualado ao excremento. A presença do ambicioso que acredita em uma história sem sentido destaca o poder que a ambição tem de cegar as pessoas. Os “efeitos especiais” utilizados na peça são tipicamente de palco, de improviso (a bexiga com falso sangue). Na obra encontra-se também a figura do cachorro que deixa herança e é igualado ao gato que “descome” dinheiro. E por fim a obra expõe as sentenças de um juiz severo sendo imediatamente diluídas pelo perdão de um juiz benevolente. Os temas e motivos apresentados nesta obra de Suassuna são originados das fábulas populares19.

18 Sacrilégio caracterizado pela compra e venda de favores religiosos (como por exemplo, a absolvição de pecados) em troca de bens materiais, principalmente dinheiro.19 Bráulio TAVARES, Tradição Popular e Recriação no “Auto da Compadecida”, p. 175.

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Alguns episódios do Auto da Compadecida baseiam-se em textos anônimos da tradição popular nordestina. No primeiro ato, vêem-se trechos do folheto O Dinheiro, de Leandro Gomes de Barros (1865-1918), onde se conta o episódio do cachorro morto cujo dono destina uma soma em dinheiro para que seu enterro seja feito em latim, resultando em várias situações cômicas entre membros eclesiásticos. No segundo ato, o episódio do gato que “descome” moedas e o da falsa ressurreição ao som de um instrumento mágico são inspirados no folheto popular anônimo A História do Cavalo que Defecava Dinheiro, recolhido por Leonardo Mota. E no terceiro ato, o julgamento dos personagens no Céu e a intercessão piedosa de Nossa Senhora, a Compadecida, correspondem à outra obra popular da Literatura de Cordel, recolhida por Leonardo Mota junto ao cantador Anselmo Vieira de Sousa (1867-1926), O Castigo da Soberba.

Suassuna utiliza no terceiro ato da obra um entremez20 de sua autoria inspirado na obra popular O Castigo da Soberba. Este trabalho utiliza, na elaboração do projeto em Hipermídia, o texto da Literatura de Cordel que serviu de fonte na criação do entremez de Ariano Suassuna.

A temática central do auto é a fome e a miséria, porém no processo de composição de histórias, encontra-se também uma variedade de temas que são voltados, ora ao social, ora à moralidade e religiosidade, e ora à existência humana, revelando não somente a alma do sertanejo “Severino”, mas suas crenças, sua cultura e seu sofrimento.

3.1 Características do Auto da Compadecida

A seguir são apresentadas as principais características da obra elaboradas por Delson Gonçalves Ferreira21, para melhor compreensão desta pesquisa:

• O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso e que se caracteriza pela simplicidade da construção, ingenuidade da linguagem, caracterizações exacerbadas e intenção moralizante, podendo, contudo, comportar

20 Pequena farsa de um só ato, burlesca e jocosa, de caráter popular ou palaciano, a qual termina, geralmente, por um número musical cantado, cujas origens remontam o séc. XII.

21 FERREIRA, Delson Gonçalves et al. Análise sobre o Auto da Compadecida.

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também elementos cômicos e jocosos. Essa proposta conduz que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil Vicente.

• O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dos Romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de Literatura de Cordel, apresentando textos populares modificados ou literais inseridos na obra.

3.2 Estrutura da Peça

Segundo análise de Delson Gonçalves Ferreira22, o estudo do Auto da Compadecida pode ser feito sob dois ângulos que se completam: 1. A técnica de composição teatral 2. A estrutura propriamente dita, ou a forma final do texto.

3.2.1 Composição

Suassuna sugere que a peça seja dividida em três atos. Como o autor dá plena liberdade ao encenador e ao diretor para definirem o estilo da representação, convém notar que a divisão fica por conta dos responsáveis pela encenação, conforme comentários do próprio autor:

“Aqui o espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a entrada do Palhaço.”23

”Se montar a peça em três atos ou houver mudança de cenário, começará aqui a cena do julgamento, com o pano se abrindo e os mortos despertando.”24

O autor sugere que a representação da peça seja mais parecida com os espetáculos circenses e de tradição popular, do que com o teatro moderno. Na peça, o palhaço marca

22 Ibid.23 Ariano SUASSUNA, Auto da Compadecida, p. 55.24 Ibid., p. 117

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as situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação. A técnica de composição da peça segue uma linha simplista, solicitada pelo próprio autor, o que faz residir à importância da mesma apenas na proposição dos diálogos e no decurso das ações.

3.2.2 Estrutura

A peça apresenta quinze personagens de cena (João Grilo, Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino de Aracaju, Demônio) e um personagem de ligação e comando do espetáculo (Palhaço).

Os personagens são colocados em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.

João Grilo é considerado personagem principal porque atua como criador de situações da peça. Os outros personagens compõem cada situação. O Palhaço, representando o autor, relaciona o circo à representação do Auto da Compadecida.

3.3 Personagens

A seguir, são apresentadas as principais características dos personagens presentes na obra.

1. João Grilo. É uma figura típica do nordeste, esperto e brincalhão. Habituado a sobreviver e a viver a partir de expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira. Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva e ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Ele então ficará responsável por provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.

2. Chicó. Companheiro constante de João Grilo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção. Mas é um

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amigo leal.

3. Padre João, Bispo e Sacristão. Esses personagens, embora de atuação diversa, estão concentrados em torno da simonia e da cobiça, relacionados com a situação contida no testamento do cachorro.

4. Antônio Morais. É a autoridade decorrente do poder econômico, representante do coronelismo nordestino, a quem se curvam: a política, os sacerdotes e as pessoas mais pobres.

5. Padeiro e sua esposa. Representam a exploração humana e o adultério.

6. Severino de Aracajú e Cangaceiro. Representam a crueldade, e desempenham um papel importante na seqüência em que matam e são mortos, desencadeando a ressurreição e o julgamento.

7. Encourado e demônio. Julgam, aguardando como benefício o aumento de pessoas no inferno. Esses personagens representam, de certa forma, um instrumento da Justiça.

8. Manuel. É o Cristo negro, justo e onisciente. É uma encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Cada personagem morto é julgado e têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.

9. A Compadecida. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo. Ela lhe dará a segunda oportunidade da vida. Ela, com sua misericórdia intervêm a favor de quem nela crê.

10. Palhaço. Realiza o papel do corifeu do teatro clássico, realizando intervenções, antecipando ao público os acontecimentos seguintes na peça.

3.4 Síntese

Pela estrutura da peça, percebe-se que sua intenção é de natureza moral católica; os componentes estruturais do texto revelam personagens que simbolizam pecados, que recebem o direito ao julgamento, que gozam do livre-arbítrio e que são ou não condenados. Nota-se também que a realidade regional brasileira, especificamente a realidade nordestina,

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está presente através de seus instrumentos culturais mais significativos, as crenças e a Literatura de Cordel.

O autor não pretende analisar essa realidade brasileira, mas a partir dela moralizar os homens, isto é, destacar a noção do dever humano e da responsabilidade de cada um em relação a seus semelhantes e em relação a Deus, onisciente e onipresente.

Como proposição estética, o Auto da Compadecida procura destacar as seguintes noções25:

• A criação artística, sendo que trata do teatro em particular, deve levar a cultura do povo a ele mesmo. Daí o circo e seu picadeiro demonstrando uma representação dentro de uma representação, também presente no teatro de mamulengos.

• Menos do que essa realidade regional e cultural de um povo, o que importa é criar um projeto que defina idéias e concepções universais (as da Igreja Católica, no caso) com o fim de conscientizar o público. Por esse motivo a realidade regional nordestina é, no caso, instrumento de uma idéia e não fim em si nessa obra;

• Criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma encenação, daí a absoluta liberdade que o autor dá para qualquer modalidade de encenação. O próprio texto final da peça, como editado, é o resultado da experiência colhida à representação pública.

3.5 Fontes da Obra de Ariano Suassuna

A temática religiosa de Ariano utiliza os mesmos recursos ideológicos da dramaturgia medieval, resultando em uma temática moralizante baseada nos princípios do Bem e do Mal, presentes na religião Católica. A utilização das manifestações artísticas do Nordeste como referência para sua obra, não faz com que Ariano seja um artista popular. Sua obra utiliza a reelaboração erudita de temas extraídos deste universo.

O improviso, o folheto ou romance tradicional, as danças populares ou espetáculos de mamulengo e o conjunto caracterizado pelas manifestações tradicionais orais ou escritas, mostram-se através da obra de Suassuna como objeto artístico, conduzindo uma reflexão estética nova: deixa de se considerar a arte popular como arte primitiva ou “naïve” para vê-la simplesmente como arte. Arte cujo grau de complexidade pode ser apreciado de modo independente de qualquer hierarquia social dos valores estéticos, agindo como

25 FERREIRA, Delson Gonçalves et al. Análise sobre o Auto da Compadecida.

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espécie de “revelador cultural” 26.

O Auto da Compadecida, como as demais comédias teatrais de Ariano Suassuna, procura recuperar e reproduzir mecanismos narrativos da comédia medieval e renascentista da Europa e da arte popular do Nordeste. Um aspecto importante desse tipo de teatro é o seu caráter tradicional e coletivo, no qual a fidelidade a uma tradição é tão importante quanto à originalidade de escrever por si só, mas com a colaboração implícita de uma comunidade inteira.

Suassuna utiliza em sua obra episódios narrados em verso procedentes dos romances populares. Os episódios são transpostos do verso para a prosa, e da narrativa indireta para a encenação direta. O cavalo que defecava dinheiro é transformado num “gato de descome dinheiro”. A rabequinha mágica do romance popular é substituída na peça por uma gaita. O autor da peça apropria-se de episódios já existentes, mas não tem com eles a atitude comum de autores eruditos que recorrem às “fontes populares”. Ele muda o que lhe convém, mantém intacto o que lhe interessa, e parece sentir-se à vontade com isso. Ao usar episódios tradicionais, Suassuna adota a mesma atitude apropriativa dos artistas medievais ou nordestinos, comum nas artes populares: o circo, o teatro de rua, o cordel e o Romanceiro27.

O mesmo processo de apropriação e renovação ocorre com o uso do personagem João Grilo. Ariano confirmou que ao dar o nome de João Grilo ao protagonista do Auto da Compadecida pensava estar fazendo uma ponte entre o seu teatro e o cordel numa homenagem ao herói do romance de cordel de João Martins de Athayde (1877-1959), intitulado As Proezas de João Grilo, e “um vendedor de jornal astucioso que conheci na década de 1950 e que tinha este apelido”28. Descobriu depois que em Portugal através do português José Cardoso Marques, também já existia um herói com este nome. João Grilo é claramente uma nova encarnação de Pedro Malazartes, talvez o herói espertalhão mais conhecido em Portugal e no Brasil, e que na Espanha tinha o nome de Pedro Urdemalas.

Outro antepassado ilustre seu é Lazarillo de Tormes, o guia de cego que luta para

26 Idelette Muzart Fonseca dos SANTOS, Cadernos de Literatura Brasileira, p. 96.27 TAVARES, Braulio. Tradição Popular e Recriação no “Auto da Compadecida”, p. 176-177.28 Ibid, p. 180.

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sobreviver no meio da miséria e violência, sendo forçado a tornar-se sagaz, trapaceiro e por vezes cruel. Também se relaciona com personagens da Commedia dell’Arte européia, como o Arlequim: espertalhão e de espírito lúdico. Todos são típicos heróis pregadores-de-peças, e suas vítimas tanto podem ser os ladrões e bandidos como os burgueses ricos e as autoridades.

A interferência mais eficaz feita no personagem por Suassuna foi dar-lhe um companheiro: Chicó, o mentiroso inofensivo. Inspirado em uma figura real que o autor conheceu em Taperoá, Chicó veio trazer para esse personagem ibérico também inspirado no cordel uma terceira pátria literária: o circo. Juntos, João Grilo e Chicó reproduzem a tradição circense de mostrar um palhaço espertalhão e outro palhaço ingênuo e covarde. Os dois tipos, observa Suassuna, são exemplarmente batizados pelo povo com as denominações de O Palhaço e O Besta29.

Ariano Suassuna utiliza nesta peça episódios e personagens de uma tradição antiga, com séculos de existência. Ele interfere no contexto original, resultando em uma nova narrativa.

A seguir são apresentadas as principais referências utilizadas por Ariano na sua obra.

3.5.1 O Teatro Religioso Medieval e a Commedia dell’Arte

Nota-se na obra de Suassuna a medievalidade através da técnica do teatro épico cristão, com suas modalidades específicas e seus personagens estereotipados. Isto ocorre porque a Idade Média é o espaço em que floresceu uma dramaturgia que associa o religioso e o popular através das oposições litúrgico/profano e sério/jocoso. E, sobretudo porque, sendo a cultura popular nordestina acentuadamente medievalizante, aquela marca atua como uma espécie de fonte para o próprio Romanceiro, onde o aspecto religioso se reforça não só por causa da religiosidade popular da região como também pela opção pessoal de crença do autor, convertido ao catolicismo na maturidade. Por isso as peças de Ariano Suassuna se revertem de traços ideológicos próprios da Idade Média30.

29 TAVARES, Braulio. Tradição Popular e Recriação no “Auto da Compadecida”, p. 180-181. 30 Ligia VASSALO, O sertão medieval: origens européias do teatro de Ariano Suassuna, p. 29-30.

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Na Idade Média a igreja tinha o poder total e utilizava a arte cênica para instruir e desenvolver temas religiosos, orientando as pessoas mais simples a seguir a sua idéia de moralidade. Até as comédias eram utilizadas para demonstrar ao público as terríveis conseqüências da heresia, o que conseqüentemente causava medo na platéia, fazendo com que todos seguissem os passos do cristianismo sem questionar.

Inicialmente os espetáculos eram realizados dentro das igrejas, apresentando temas da Bíblia, encenados em forma de autos, elucidando mistérios como o fim do mundo e o juízo final. Na medida em que os espetáculos foram ganhando mais recursos e atores, foram criados espaços próprios para as apresentações.

A religiosidade estava presente nas obras artísticas de vários países europeus, como Portugal, por exemplo, que tinha em Gil Vicente (1465 – 1536), autor de O Auto da Barca do Inferno, seu maior exemplo de autor eclesiástico. Entre os espanhóis, alguns dos mais conhecidos eram Tirso de Molina (1584 – 1648), Lope de Vega (1562 – 1635) e Miguel de Cervantes (1547 – 1616), autor de Dom Quixote. No Brasil, o padre José de Anchieta (1534 – 1597) utilizava-se do drama religioso para catequizar os índios.

Como a igreja proibia as apresentações de peças abordando temas profanos, em seus teatros, os nobres tinham para seu divertimento seus menestréis e bobos da corte.

O objetivo de instruir o povo faz com que o teatro religioso seja considerado atemporal. Os acontecimentos descritos na Bíblia são considerados no tempo presente pela igreja. Outra característica trazida pela doutrina é que convivem lado a lado perante os olhos de Deus, os pobres e ricos, os santos e pecadores, todas as classes sociais e todas as linguagens, fazendo com que não se tenha separação de classes e estilos. O teatro religioso é considerado popular, porque é dirigido às massas visando mantê-las na doutrina e marcada por situações reais do cotidiano.

Entre as matrizes estruturais para as peças de Suassuna figura a Commedia dell’Arte.

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Nascida na Itália, a “Arte do Povo” caracterizava-se pela dramatização improvisada com personagens fixos, baseada em roteiros, dando toda a prioridade ao gesto, trazendo um pouco da pantomima das comédias primitivas gregas no tempo do Império Romano. Esta, porém, se diferenciava pelos trajes alegóricos e na alegria que predominavam nos palcos do século XVI. Os reis e rainhas preferiam freqüentar o teatro a ter o seu próprio menestrel, dirigindo-se aos teatros com toda a pompa de uma majestade para assistir junto com os seus súditos às engraçadas peças teatrais que buscavam abordar os temas mais admiráveis. Esse gênero exigia de seus intérpretes, pois tinham que seguir a risca o roteiro, porém, preocupando-se com o público, que pagava o ingresso para rir. Caso percebessem que o público não estava achando engraçado o roteiro original, podiam improvisar caso tivessem alguma idéia nova31. A Commedia dell’Arte praticamente desapareceu depois de ter-se difundido largamente na Europa durante séculos (do XVI ao XVII), mas muitos de seus procedimentos e técnicas foram incorporados a outras modalidades de espetáculos populares, chegando ao mamulengo.

Assim, pode-se reconhecer na obra de Ariano Suassuna alguns traços da mesma, como o primitivismo dos personagens, que atuam por vezes aos pares. Há também certos

31 Ligia VASSALO, O grande teatro do mundo. Cadernos de Literatura Brasileira nº 10, p. 172-173

Personagem da Commedia dell’Arte

Título: Pierrot (“Gilles”) Autor: Jean Antoine Watteau (1684-1721)Técnica: Óleo sobre telaDimensões: 184,5 X 149,5 cmAcervo: Museu do Louvre – Paris,FrançaFonte: www.wikipedia.org

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personagens estereotipados ou máscaras da comédia italiana que aparecem no mamulengo, como o negro, o astucioso, o valentão, a mulher fatal.

Entre as peças de Suassuna, a maior presença do circo convencional se encontra no Auto da Compadecida. Mas não raro a apresentação da peça é feita por uma espécie de diretor de teatro, que se dirige ao público, como o Palhaço desta peça. Ele se dirige ao público e lidera o desfile de atores, num espetáculo cujo cenário, na abertura, é montado como um picadeiro. Suas falas com o público acabam se constituindo em curtos monólogos entrecortados de gestos, que lembram o cômico da farsa32.

3.5.2 Cultura Popular do Nordeste

A articulação entre vida e obra de Ariano Suassuna faz-se necessária para a compreensão de seu trabalho. O autor manteve um laço estreito entre suas experiências pessoais e sua escrita.

Entre as constantes que guiaram a vida e orientaram a obra de Suassuna está a busca da poética popular como modelo de criação. O canto improvisado, folheto ou romance tradicional, danças populares ou espetáculos de marionetes e o conjunto complexo constituído pelas manifestações tradicionais orais ou escritas impõem-se através da obra de Suassuna como objeto artístico.

3.5.2.1 Literatura de Cordel

Um folheto de cordel e uma peça de teatro têm um elemento em comum: são obras de Literatura Oral que só se transformam em livro por questões de ordem prática: preservação e transporte do texto. No entanto, um folheto de cordel é feito para ser recitado em voz alta; uma peça é feita para ser encenada por atores. Tanto o teatro como o cordel foram feitos para transmissão oral e viva.

Fazem parte da literatura oral os mitos, lendas, contos e provérbios que são transmitidos oralmente de geração para geração. Geralmente não se conhecem os autores das estórias e, acredita-se, que muitas delas são modificadas com o passar do tempo.

32 Ibid.

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Muitas vezes, o mesmo conto ou lenda é encontrado com características diferentes em regiões diferentes do Brasil. A literatura oral é considerada uma importante fonte de memória popular e revela o imaginário do tempo e espaço onde foi criada.

A Literatura de Cordel é caracterizada pela poesia popular que é impressa e divulgada em folhetos ilustrados com o processo de xilogravura. Ganhou este nome devido ao fato dos folhetos serem expostos ao povo amarrados em cordões, que são estendidos em pequenas lojas, mercados populares ou até mesmo nas ruas. Caracteriza-se pela linguagem simples através do uso de termos compreensíveis, contendo uma estória em rima normalmente de seis ou sete versos.

A Literatura de Cordel chegou ao Brasil na segunda metade do século XVII, através dos colonos portugueses. Aos poucos, foi se tornando cada vez mais popular. Nos dias de hoje, pode-se encontrar este tipo de literatura principalmente na região Nordeste do Brasil.

A tradição do cordel encontrou no Nordeste condições fortes que contribuíram para a sua difusão. As condições étnicas e sociais presentes na região na época do descobrimento fizeram com que a literatura de cordel se tornasse popular através de cantorias em grupo compostos por portugueses e africanos, e também em sua forma escrita, refletindo a realidade local.

A produção de folhetos no Nordeste surgiu numa época de crise, onde a região passava por uma série de transformações econômicas, políticas e sociais. O trabalho dos canaviais desenvolvido pelos escravos africanos passava a ser desenvolvido pelos homens pobres da região, com a abolição da escravatura. Estes homens eram dedicados anteriormente à agricultura de subsistência e pecuária no Agreste e no Sertão. Começava-se também a implantação de usinas açucareiras em substituição aos engenhos no final do século XIX33.

Por serem regiões de economia de subsistência e pecuária, iniciou-se a implantação do cultivo de algodão e café nas regiões do Sertão e Agreste. Por conseqüência, o surgimento de homens assalariados trouxe uma queda de nível de vida da população,

33 Andréa Amaral MOURA, et al. Literatura de Cordel: O Olhar da Literatura de Cordel em São Paulo.

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dificultando o abastecimento dos centros urbanos, elevando a cobrança das taxas de impostos, resultando no aumento dos preços de gêneros alimentícios, trazendo por fim a queda de vários pequenos comerciantes e agricultores. Somando-se estes fatos à seca nordestina, inicia-se uma grande migração para outras regiões dos seringais da Amazônia ou terras férteis do Vale do Cariri 34.

Com isto, muitos proprietários enfraquecidos pela falta de mão-de-obra e perda de poder político, perderam seus monopólios de agropecuária da região. Isto acarretou o surgimento de bandos que brigavam por terras e tentavam derrubar seus proprietários – eram os cangaceiros35.

No início da publicação da Literatura de Cordel no País, muitos autores de folhetos eram também cantadores, que improvisavam versos, viajando pelas fazendas, vilarejos e cidades pequenas do sertão. A criação de imprensas particulares em casas e barracas de poetas mudou o sistema de divulgação. O autor do folheto podia ficar num mesmo lugar a maior parte do tempo, porque suas obras eram vendidas por folheteiros ou revendedores empregados por ele.

Atualmente, os folhetos podem ser encontrados em alguns mercados públicos, como o Mercado de São José, no Recife, em feiras, como a de Caruaru, e em sebos venda de livros usados). Há uma coleção de folhetos de cordel disponível para consulta,

34 Andréa Amaral MOURA, et al. Literatura de Cordel: O Olhar da Literatura de Cordel em São Paulo.35 Ibid.

Título: N/CAutor: J. BorgesTécnica: Xilogravura sobre papelFonte: www.hotlink.com.br/cultura/galeria-jborges.php

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no acervo da Biblioteca Central Blanche Knopf e no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco.

3.5.2.2 Mamulengo

O Mamulengo é um teatro de bonecos que se apresenta nas festas populares da zona rural ou urbana. De inspiração no catolicismo alegórico da Idade Média e origem européia, o teatro de marionetes originou-se da tentativa de conferir animação aos bonecos que representavam os personagens dos presépios. No Brasil foi trazido pelos jesuítas. Dos pátios das igrejas transfere-se para as praças públicas.

O repertório do teatro de Mamulengo é composto principalmente por peças que lembram Literatura de Cordel. É comum encontrar o diabo, o esperto que tenta enganá-lo e o santo. Encontram-se também no espetáculo personagens como a sogra arrogante, valentões e diversos animais. Entre os vilões existe sempre o cangaceiro matador e o demônio. Além destes há ainda personagens do nosso folclore, tais como o lobisomem e o caipora.

Expressões “virge”, “santa mãe” e “cão” surgem durante as cenas, que geralmente mantêm uma característica de simplicidade. Baseiam-se quase sempre em um conflito entre o Bem e o Mal, que evolui para uma aventura do herói que, no final, consegue a sua vitória.

Os bonecos, confeccionados em madeira e tecidos baratos, passam a representar também os fidalgos e a classe dominante. As peças encenadas, embora obedeçam a um

Mestre Saúba Foto: Arquivo Museu do Mamulengo

Fonte: www.sesibonecos.com.br/2004/bonecos_do_mundo/mamulengueiros.html

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roteiro, são quase sempre improvisadas e acompanham a reação do público espectador, apresentando sempre dança, pancadaria e mortes cômicas. É utilizado um pequeno teatro com tablado imitando o palco.

3.5.2.3 Bumba-meu-boi

O Bumba-meu-boi é um auto de Natal resultante da aglutinação de diversos reisados, dança popular com que se festeja a véspera e o dia de Reis.

A tradição associa o sentido religioso à civilização pastoril, através da ressurreição e a morte do boi. Percebe-se que não há separação entre os atores e o público. O improviso, a agilidade física e gestual, a variedade plástica e a presença de alguns personagens fixos, como o Arlequim caracterizam o espetáculo como uma variante da Commedia dell’Arte.

Teatro de Mamulengo em Glória de GoitáFoto: Roberta Guimarães/ImagoFonte: www.intercidadania.com.br/noticia.kmf?noticia=800786&sessao=57&total=64&indice=0

Título: Bumba-Meu-BoiAutor: Ivan Borges

Técnica: Xilogravura sobre papelFonte: www.indigoarts.com/gallery_brazilprints20.html

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3.5.3 Movimento Armorial

A preocupação estética de Suassuna foi-se definindo durante um percurso que resultou na elaboração de um projeto cultural chamado de Movimento Armorial.

O Movimento Armorial surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassuna, em 1970, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil e o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco. Inicialmente foi fundado no corpo de uma orquestra e uma exposição de artes plásticas.

O Movimento reuniu um número de artistas por se sentir a necessidade de lutar contra um processo de descaracterização e de vulgarização da cultura brasileira através da criação de uma arte erudita brasileira baseada em suas raízes populares. Em torno de Ariano Suassuna, reuniram-se escritores, músicos, artistas plásticos, pessoas de teatro como Francisco Brennand, Gilvan Samico, Maximiano Campos, Ângelo Monteiro, Marcus Accioly, Miguel dos Santos, Raimundo Carrero e Antônio José Madureira, para citar alguns artistas. O Movimento Armorial tem manifesto, estética própria e objetivo artístico. Seu objetivo foi o de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, pretendendo realizar uma arte brasileira erudita a partir de raízes populares. A grande característica da música Armorial é que ela é imaginária, provoca cenas de um mundo fantasioso e fantástico. Sua estética lembra a nascente ibérica, mas com os horizontes ampliados. O Movimento tem interesse pela pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema.

Uma grande importância é dada aos folhetos do romanceiro popular nordestino por achar que neles se encontra a fonte de uma arte e uma literatura que expressam as aspirações e o espírito do povo brasileiro, além de reunir três formas de arte: as narrativas de sua poesia, a xilogravura, que ilustra suas capas e a música, através do canto dos seus versos, acompanhada por viola ou rabeca.

São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boi.

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O movimento Armorial prega que a arte deve ser regional sem ser regionalista deve ser mestiça e, por isso, universal; as diversas formas de manifestação artística podem e devem estabelecer relações estreitas entre si; deve-se diminuir a fronteira entre a originalidade e a reescritura - os textos devem manter relações uns com os outros: um escrito deve retomar temas ou mesmo partes de outro num processo de transformações sucessivas.

A arte Armorial parte do folheto de cordel, não como fonte única, mas como ponto de convergência que associa a música dos instrumentos, a palavra da cantoria e a imagem da xilogravura segundo o ponto de vista da arte popular. O folheto é então erguido em bandeira Armorial, porque reúne três setores normalmente separados: o literário, teatral e poético dos versos e narrativas; o das artes plásticas em associação com as xilogravuras da capa dos folhetos; o musical dos cantos e músicas que acompanham a leitura ou a recitação do texto. Por integrar as três formas de expressão presentes no folheto, o teatro é encarado por Suassuna como arte maior do Movimento Armorial.

Ao retomar os textos da tradição popular, Suassuna realiza operações intertextuais, nas quais predomina a citação de folhetos da Literatura de Cordel transpostos para o gênero dramático.

Um dos procedimentos mais adotados nas peças cômicas de Suassuna é a utilização da paródia36. Nota-se a paródia à erudição e carnavalização de vários aspectos de O Grande Teatro do Mundo, do espanhol Calderón de la Barca37.

A seguir serão apresentados alguns conceitos de Intertextualidade presentes no Auto da Compadecida.

36 Imitação cômica de uma composição literária.37 Ligia VASSALO, O grande teatro do mundo. Cadernos de Literatura Brasileira, p. 157.

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4. A Intertextualidade no Auto da Compadecida

Na produção literária de Ariano Suassuna configuram-se inúmeros espaços intertextuais. O autor busca usar a Literatura de Cordel como fonte primária sem pretender mudar-lhe o sentido ou a forma. Ele retoma outros textos de maneira tão visível que se pode acompanhar, não só o idêntico desenrolar das seqüências narrativas como o próprio enunciado, tomado propositalmente de modo quase literal, executando mínimas modificações ao transpor ou atualizar a literatura popular narrativa para o teatro.

A maior parte das operações intertextuais empreendidas por Suassuna consiste na citação quase literal do folheto. Se esta é a operação mais visível, não é, no entanto, a única. A retomada do texto popular pelo escritor culto se caracteriza por um certo número de traços, como bem aponta Idelette Fonseca dos Santos (1981), em seu estudo sobre o Movimento Armorial:38

1) Manutenção do esquema narrativo do texto popular, com modificações maiores ou menores na cadeia discursiva, segundo processo da retórica popular e oral, com a triplicação da seqüência ou a intercalação de outras narrativas;

2) Modificações importantes ao nível dos agentes, através de novas motivações dos personagens existentes e criação de novos personagens a partir de outras fontes populares, como o mamulengo e o bumba-meu-boi;

3) Conservação da língua popular, mas com grafia e correção gramatical eruditas;

4) Integração de diferentes elementos, de modo a preparar o espectador para uma moral conforme o cristianismo.

Dentre estes pressupostos não se enquadram personagens ainda que tomados ao romanceiro como o João Grilo, os representantes sobrenaturais do Bem e do Mal, o apresentador circense (Palhaço). Também não são incluídos neste tópico, as cenas do julgamento final, presente na peça, porque ela não retoma enunciados de outros autores,

38 Cf. Lígia VASSALO, O sertão medieval: origens européias do teatro de Ariano Suassuna Armorial, p. 82-83.

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mas sim motivos, idéias, sugestões tomadas de empréstimo às moralidades, a Gil Vicente e a Calderón.

As operações intertextuais em Suassuna se apresentam sob duas facetas: reelaboração do próprio texto ou intratextualidade e retomada do texto alheio ou intertextualidade propriamente dita.

A intertextualidade era prática freqüente na Idade Média, associando-se à oralidade ou à escrita. Por não se preocupar com o registro de autoria das obras, a literatura medieval enfatiza a versão e o tratamento conferido a ela por cada novo intérprete, inclusive nas situações em que os textos se dizem traduções. Daí a existência de casos como o enxerto ou a redução de episódios, bem como as alterações de toda sorte – fenômenos próprios da oralidade e, como tal, também recorrentes no cordel e na literatura de Suassuna.

As matrizes do Auto da Compadecida são folhetos populares e um entremez do autor, O Castigo da Soberba39 (1953).

O primeiro ato da peça se baseia no episódio O Enterro do Cachorro40, fragmento de O Dinheiro, de Leandro Gomes de Barros (1865-1918) e o segundo ato é inspirado no romance popular anônimo História do Cavalo que Defecava Dinheiro41.

O terceiro ato corresponde a outro auto popular anônimo, O Castigo da Soberba, recolhido por Leonardo Mota junto ao cantador Anselmo Vieira de Souza (1867-1926) e A Peleja da Alma42, de Silvino Pirauá de Lima (1848-1913), ambos retomados pelo entremez de Suassuna O Castigo da Soberba.

Provém ainda do romanceiro a cantiga de Canário Pardo43 apontada por Leonardo Mota (1955), utilizada como invocação de João Grilo a Maria. Vêm também do folheto

39Anexo 240 Anexo 441 Anexo 342 Anexo 743 Anexo 6

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de O Castigo da Soberba44 o nome Compadecida e a estrofe com que o Palhaço encerra o espetáculo pedindo dinheiro.

Comparando-se cada ato da peça com a fonte popular que lhe dá origem, percebemos a fidelidade nos dois primeiros atos. No terceiro, a existência de um texto intermediário, o entremez O Castigo da Soberba, permite maiores distâncias em relação ao folheto.

O folheto O Enterro do Cachorro tem oito seqüências, que Suassuna estende para 25, assim distribuídas:

1) A necessidade de enterrar o cachorro, no folheto, é desdobrada em duas: benzer o animal e enterrá-lo. A própria bênção é duplicada: deve ser exercida sobre o animal e sobre o filho do Major. O pedido é feito três vezes quanto ao cachorro – por João Grilo; pelo Padeiro e sua Esposa; pela Esposa – e uma só vez para o filho do Major, pelo próprio pai.

2) A recusa do Padre ocorre duas vezes, sendo derrubada por dois argumentos diferentes.

3) A proposição que leva a enterrar o animal é também desdobrada e depois duplicada. No primeiro caso há duas justificativas: pertencer ao Major e deixar o testamento. No segundo caso, os herdeiros do testamento proliferam: primeiro só o Padre e o Sacristão, depois também o Bispo. A anuência do Padre, no folheto, também é duplicada na peça pelo Bispo.

4) A duplicação do pedido de bênção leva ao qüiproquó entre o Major e o Padre, à queixa do major ao Bispo e à intervenção da autoridade religiosa. O prazo assim decorrido acarreta a morte do animal e o recomeço do pedido irregular.

5) A ação principal é intercalada pelas histórias de Chicó e pelas explicações de João Grilo: quer se vingar do Padeiro e acusa o Padre de loucura.

Percebemos, então, que além das operações textuais realizadas pelo dramaturgo

44 Lígia VASSALO, O sertão medieval: origens européias do teatro de Ariano Suassuna Armorial, p. 86.

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mencionadas no primeiro ato, o autor procede à substituição, eliminação de um episódio e enriquecimento de outros.

O segundo ato retoma o folheto com menor número de operações adaptadoras. O próprio texto de cordel já apresenta um ardil que se desdobra em três situações de engodo: o animal que defeca ouro; a ressurreição graças à bexiga cheia de sangue e ao instrumento milagroso; o homem dentro do saco – sendo que o último episódio é eliminado por Suassuna.

Quanto ao julgamento da Alma, tema do terceiro ato, é o entremez O Castigo da Soberba que segue literalmente o folheto matricial. A peça longa enriquece mais certas situações, pois multiplica o número de personagens mortos e, portanto, das salvações. Entre elas ressalta o retorno do João Grilo à vida. Por outro lado, explora-se a astúcia do protagonista, fazendo solicitar a mediação da Compadecida.

O texto de Suassuna retém 49 das 60 estrofes, eliminando repetições e elementos dispensáveis. As estrofes conservadas são às vezes deslocadas, para a manutenção de uma ordem linear, sem, contudo, modificar a estrutura narrativa. Trata-se, sobretudo, de uma modificação da linguagem do folheto na transposição para o público e expressão do teatro.

Há duas versões do entremez O Castigo da Soberba. A primeira aparece na Revista DECA (Departamento de Extensão Cultural Artística, Recife, 2(2): 39-50,1962) e a segunda em Seleta em prosa e verso, organizada por Silviano Santiago.

Na primeira, o autor faz mínimas alterações quanto ao folheto: atualiza o dinheiro, omite versos, reduz personagens e versos do poema. Às vezes antecipa estrofes, mudando o desenvolvimento da narrativa. Para adaptar o poema ao teatro, o dramaturgo faz substituições parciais ou totais, mas com manutenção do sentido original. Ao final, porém, a mudança envolve o sentido, pois no poema o narrador sugere a recompensa em dinheiro, ao passo que a conclusão do entremez é moralizante.

Na segunda versão, omite um maior número de estrofes em relação ao folheto e modifica versos, mas sua adaptação continua muito próxima da criação popular. As alterações visam, sobretudo, o refinamento do espetáculo teatral. Ele transforma os corifeus em cantadores, torna o entremez mais conciso, devido às omissões, e muda o enredo, ao

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eliminar o herói marcado pelo erro dos pais. Ao suprimir súplicas da Alma à Virgem introduz adaptações de outro folheto, A Peleja da Alma, bem como alterações quanto à distribuição das falas dos coros. A segunda versão é mais elaborada que a primeira45.

Considerando as características intertextuais do Auto da Compadecida levantadas anteriormente, faz-se necessário um levantamento sobre os principais conceitos de Hipermídia, que serão utilizados no contexto deste trabalho. Estes conceitos servem de embasamento para a transcriação da obra no ambiente hipermidiático.

45 Lígia Vassalo, O sertão medieval: origens européias do teatro de Ariano, p. 88-89.

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5. O Ambiente Hipermidiático

5.1 Hipermídia

O termo Hipermídia é entendido como deslocamento do conceito de hipertexto formulado nos anos 1960 por Theodor Nelson que já se reportava ao texto eletrônico como escrita ramificada que sugere ao usuário/leitor percursos pré-definidos, permitindo abertura do texto e, conseqüentemente, possibilitando a circularidade por parte do sujeito usuário no tocante às estruturas significantes digitais.

Para Nicholas Negroponte46 “A hipermídia é um desenvolvimento do hipertexto, designando a narrativa com alto grau de interconexão, a informação vinculada (...) Pense na hipermídia como uma coletânea de mensagens elásticas que podem ser esticadas ou encolhidas de acordo com as ações do leitor. As idéias podem ser abertas ou analisadas com múltiplos níveis de detalhamento”.

Assim, o termo Hipermídia designa um tipo de escritura complexa, na qual diferentes blocos de informações estão interconectados. Devido a características do meio digital é possível realizar projetos com uma quantidade diversificada de informações vinculadas, caracterizadas por diversos tipos de mídias como som, imagem, vídeos, etc, criando uma rede multidimensional de dados. Esta rede, que constitui o sistema hipermidiático propriamente dito, possibilita ao leitor diferentes percursos de leitura.

Núria Vouillmoz47 define hipermídia como “um sistema aberto, sem limites nem margens, do momento em que permite navegar de um nó a outro em uma estrutura infinita que não reconhece princípio nem fim: como esquema conceitual, é plurissignificativo por oferecer múltiplos caminhos, múltiplos acesso e leituras, de maneira que é possível conhecer uma certa analogia entre o modelo hipertextual desenvolvido pela informática e o polisemantismo do texto tão reivindicado pelo campo da literatura”48.

46 Nicholas Negroponte, A Vida Digital, p. 6647 Núria VOUILLAMOZ, Literatura e hipermedia, p. 29.48 un sistema abierto, sin limites ni márgenes, desde el momento que permite navegar de un nodo a outro en una estructura infinita que no reconoce principio ni fin: como esquema conceptual, es plurisignificativo em tanto que ofrece múltiples recorridos, múltiples accesos y lecturas, de manera que es

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5.1.1 A não-linearidade O termo não-linear refere-se a todas as estruturas que não apresentam um único

sentido. Estruturas que apresentam múltiplos caminhos e destinos, desencadeando em múltiplos finais. Em Teoria Geral dos Sistemas49 diz-se que a não-linearidade é pressuposto de Sistemas Complexos e sua intricada rede leva a caminhos distintos e inimagináveis até mesmo para os criadores do sistema. Em Hipermídia, a não-linearidade é pressuposto fundamental do hipertexto.

O link é o elemento realmente inovador apresentado pelo hipertexto em suporte digital. Em primeiro lugar, mesmo sem utilizar o termo hipertexto e o suporte digital, já haviam sido realizadas experimentações literárias, narrativas não-lineares ou que utilizavam muito a intertextualidade.

A não-linearidade dos hipertextos é apontada como a vantagem desse sistema sobre os documentos impressos. O hipertexto é um potencial paradigma unificador para a diversidade atual, onde cada tarefa ou material requer uma ferramenta independente. O modelo hipertexto oferece capacidade tanto para aumentar a qualidade da informação heterogênea, quanto para facilitar seu uso, por meio de ferramentas consistentes para apresentação e manipulação.

A novidade do hipertexto digital, então, não está na não-linearidade ou na intertextualidade em si mesma, mas no link, o recurso técnico que vai potencializar a utilização de tais características.

5.1.2 A Interatividade

A interatividade digital tem por objetivo aperfeiçoar a forma de diálogo entre o homem e as máquinas digitais, visando principalmente a manipulação da informação. A interface gráfica seria então o meio (hardware, software ou os dois) no qual se dá o processo de interatividade. É na interface que se processa a interatividade, articulando

es possible reconocer una cierta analogía entre el modelo hipertextual desarrollado por la informática y el polisemantismo del texto reclamado desde el campo de la literatura.49 Ludewig Von. BERTALANFFY, Teoria Geral dos Sistemas, In: Enciclopedia Wikipédia.

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espaços de forma a colocar em comunicação duas realidades diferentes.

André Lemos50 situa a noção de interatividade em três níveis: uma interatividade social, que marcaria de um modo geral nossa relação com o mundo e toda vida em sociedade; uma interatividade técnica do tipo “analógico-eletro-mecânica”, que experimentamos ao dirigir um automóvel ou mesmo ao girar a maçaneta da porta; e outra do tipo “eletrônico-digital”, que seria ao mesmo tempo técnica e social.

Segundo André Lemos, algumas características marcam a interatividade entre os usuários e as mídias digitais:

1) Feedback imediato, ou seja, cada ação do usuário corresponde a uma reação praticamente simultânea da máquina.

2) Os sistemas informatizados são concebidos de modo a prever o número mais alto possível de perguntas e as múltiplas combinações de respostas para que o usuário tenha a impressão de estar interagindo de forma análoga ao diálogo interpessoal e não perceba que a interação se dá dentro de um número limitado de possibilidades oferecidas pelo equipamento.

3) Capacidade de interagir de forma individualizada, em oposição aos meios massivos tradicionais.

4) Possibilidade de manipulação do conteúdo da informação.

Os novos dispositivos de comunicação, com suas características intrínsecas, como por exemplo, a interatividade e a não-linearidade, rompem definitivamente com o esquema clássico emissor-receptor. As mudanças no processo de difusão, armazenamento e consumo na cadeia informacional já são evidentes. A Internet, por exemplo, é um ambiente multidirecional onde não há qualquer espécie de hierarquia ou gestão centralizada. O modelo comunicacional “um para todos”, que caracterizou os sistemas tradicionalmente cunhados de comunicação de massa, dá lugar ao modelo “todos para todos”, com o surgimento das redes de computadores.

50 André LEMOS, Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interfaces digitais.

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A contribuição da tecnologia digital para a questão da interatividade está em possibilitar o rompimento das barreiras espaço-temporais, possibilitando a comunicação à distância e em tempo real de múltiplos sujeitos geograficamente dispersos, fornecendo estruturas técnicas para a comunicação e o acesso à informação em rede. A possibilidade de trabalho em rede, tanto como estrutura de intercâmbio como de atividade colaborativa, constitui uma das grandes qualidades dessas tecnologias.

As estruturas técnicas de rede permitem implementar formas novas e mais complexas de interação social, fazendo emergir a possibilidade de troca imediata no ciberespaço. Esta é uma das formas dos indivíduos tornarem-se, ao mesmo tempo, receptores e emissores de mensagens verbais e não-verbais. Utilizando-se a transmissão de informações em rede de computadores juntamente com recursos da Hipermídia, como o hipertexto, a comunicação passa a ser não-linear e multidirecional.

5.1.3 A Hipertextualidade

Contemplando o pensamento de integração e comunicação não-linear, a terminologia hipertexto nasce para enriquecer o conceito de leitura não-linear, bem como possibilitar sua estruturação compondo uma forma, um corpo.

O termo hipertexto diz respeito ao nosso modo de ler e escrever. Criado por

Theodor Nelson em 1965, definia o novo modo de produzir textos permitido pelos avanços tecnológicos na telemática. Nelson criou o também projeto Xanadu: “uma imensa rede acessível em tempo real, contendo todos os tesouros literários científicos do mundo”. Os novos processos de registro, transporte e distribuição das informações, profetizados por Vannevar Bush com a criação do MEMEX51 (Memory Extension), anunciavam o hipertexto.

51 Anunciada em 1945 por Vannevar Bush, em um célebre artigo intitulado “As We May Think?” (http://www.ps.uni-sb.de/~duchier/pub/vbush.txt acesso em dezembro/2005). A partir da idéia de que a soma dos conhecimentos, aumentando em um ritmo prodigioso, não encontrava contrapartida em relação à evolução dos meios de armazenamento e acesso aos dados e observando o funcionamento da mente humana, segundo ele, operando sempre por meio de associações, Bush imaginou e descreveu, de maneira detalhada, uma máquina capaz de estocar montanhas de informações, fácil e rapidamente alcançáveis. Tal engenho, concebido para suprir as falhas de memória humana, através de recursos mecânicos, é considerado o percursos da idéia de hipertexto.

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George Landow52 diz que o hipertexto põe em cheque: seqüências fixadas, começo e fim definidos, uma estória de certa magnitude definida e a concepção de unidade e todo associada a todos esses conceitos. Na narrativa hipertextual, o autor oferece múltiplas possibilidades através das quais os próprios leitores constroem sucessões temporais e escolhem personagens, realizando saltos com base em informações referenciais.

Para Heim53 o hipertexto é um modo de interagir com textos. Por sua característica o usuário interliga informações intuitivamente e associativamente, através de saltos - que marcam o movimento do hipertexto – o leitor assume um papel ativo, sendo ao mesmo tempo co-autor.

Ted Nelson, diz que o hipertexto possibilita novas formas de ler e escrever, um estilo não linear e associativo, onde a noção de texto primeiro, segundo, original e referência cai por terra. Poderíamos adotar como noção de hipertexto assim, o conjunto de informações textuais, podendo estar combinadas com imagens (animadas ou fixas) e sons, organizadas de forma a permitir uma leitura (ou navegação) não-linear, baseada em indexações e associações de idéias e conceitos, sob a forma de links. Os links abrem caminho para outras informações.

Pierre Levy54 acredita que o hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto. Os itens de formação não são ligados linearmente, como em uma corda como nó, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular.

No hipertexto, os diferentes percursos a serem feitos, livremente, pelo leitor se constituem na possibilidade do mesmo leitor ser, a um só tempo, autor de outro texto e comentador daquilo que lê, anotando seus próprios comentários ou escolhendo outros que incorpora ao seu trajeto, como comentários que julga adequados ao texto inicial.

52 George P. LANDOW, Hypertext. The Convergence of Contemporay Critical theory and Technology apud Cláudia CORREIA; Heloísa ANDRADE, Noções básicas de Hipertexto.53 M. HEIM, The Metaphysies of Virtual Reality apud Cláudia CORREIA; Heloísa ANDRADE, Noções básicas de Hipertexto.54 Pierry LÉVY, As Tecnologias da Inteligência apud Cláudia CORREIA; Heloísa ANDRADE, Noções básicas de Hipertexto.

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A existências de múltiplos trajetos de leitura perturba o equilíbrio entre leitor e escritor e possibilita o surgimento de um texto muito menos independente em relação aos comentários, analogias e traduções, próprias do texto impresso, apresentando uma quebra na hierarquia entre texto principal, anotações e comentários, estes se constituindo por sua vez em novos textos.

5.1.3.1 Funções Hipertextuais

George Landow considera cinco as funções hipertextuais55:

Intratextualidade: a possibilidade de um texto se complementar com outro, dentro do mesmo site, criando uma continuidade informativa a partir de textos diferentes, porém comuns segundo uma temática ou assunto.

Multivocalidade: A idéia de multivocalidade está relacionada ao conceito de polifonia de Bakhtin: a possibilidade da existência de diversas vozes em uma mesma narrativa literária. Podendo ser interpretado também como a possibilidade de co-autoria na redação de um mesmo texto ou narrativa.

Descentralidade: a possibilidade de “recentralização” do foco de interesse do leitor, a medida que ele navega de um texto para outro, mudando o núcleo de ênfase da sua intenção em relação à informação que precisa ou deseja.

Navegabilidade: as várias possibilidades de utilização de recursos que facilitem a navegação e localização dos usuários dentro do site, como a permanência dos links para as páginas principais em todas as páginas, mapas de sites, e outros recursos.

5.2 Narrativas Digitais Interativas

Desde as antigas culturas orais até a geração que atualmente navega pela Internet, diversas formas de transmissão de conhecimento foram desenvolvidas pelo homem no sentido de preservar sua cultura através do tempo. As narrativas repassadas

55 G. P. LANDOW, Hypertext. The Convergence of Contemporay Critical theory and Technology, p. 13-94.

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através da oralidade constituíam-se também como forma de transmissão de experiências adquiridas.

O poeta popular como representante do povo e repórter dos acontecimentos da vida no Nordeste do Brasil é também contador de histórias. Não há limite na escolha dos temas para a criação de um folheto de cordel. Podem-se narrar os feitos de Lampião, as “prezepadas” de heróis como João Grilo ou Cancão de Fogo, uma história de amor ou acontecimentos importantes de interesse público.

O cantador popular de cordel, nômade como o jogral de quem é herdeiro, recebe situações e imagens que conjugam tradições diversas e antigas. Não há limites entre a cantoria e o folheto, considerando que a passagem para a escrita, não depende do oral, mas tudo o que é escrito pode ser cantado, residindo assim, uma das causas para a incerteza da autoria.

No momento em que todos são narradores/tradutores, têm-se diversas narrativas relatando o mesmo acontecimento. Há divergências no modo de contar, porém o sentido original, o fio condutor da história, é preservado. É como se a história tivesse se fragmentado em diversas partes, que ao invés de se excluírem, passam a se complementar entre si, de modo que o escritor responsável pela reconstituição da história aglutina os fragmentos.

As narrativas não esgotavam a experiência no momento de seu relato, elas eram incorporadas pelos ouvintes, de tal forma que atravessavam gerações, configurando-se mesmo como experiências coletivas de uma cultura, de um povo. Dessa forma, a narrativa implica uma interação subjetiva entre o narrador/emissor e seu ouvinte/receptor.

Uma das características da narrativa é a habilidade na articulação do pensamento. O bom narrador é aquele capaz de articular diferentes histórias, recorrendo às experiências adquiridas ao longo de sua vida, de maneira a constituir uma única narrativa.

A Internet parece ser o espaço de convergência onde a informação e a experiência se encontram. Contar uma história na Web é dividi-la com leitores em diversos pontos do mundo, e dadas as próprias características da WWW, a história pode ser apropriada e incorporada a outras histórias desses leitores.

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Na verdade este processo de construção não é novo. Os livros já permitiam esse relacionamento entre textos, através das notas de rodapé, das referências bibliográficas. Ocorre que na WWW esta ligação é mais explícita, dada a praticidade do hipertexto em relacionar diversos blocos de informação dinamicamente. Mas, o que chama atenção agora é a possibilidade de interação efetiva entre o autor/emissor e o leitor/receptor. Se nas narrativas modernas a interatividade subjetiva decorria da interpretação da mensagem pelo receptor, na Web pode mesmo ocorrer uma interatividade entre as pessoas envolvidas no processo de comunicação como em nenhum outro meio de comunicação moderno até então.

Por narrativa hipertextual, entendemos projetos desenvolvidos especificamente para este meio, e não as obras escritas em forma de livros impressos que foram transpostas para o suporte digital. Já foi comentado anteriormente que na literatura, já se havia tentado romper com a linearidade e aumentar o grau de envolvimento dos leitores.

Com os recursos de hipertexto, pode-se utilizar, de modo real, uma estrutura que permita ao leitor estabelecer trajetos de leitura e relações que não tenham sido pré-determinadas. Com os recursos do meio digital ainda é possível utilizar imagens, sons, vídeos e ambientes virtuais como blocos de informação dentro da estrutura hipertextual, constituindo o que se poderia chamar de hipernarrativa.

A experimentação do conteúdo digital na forma de hipernarrativa, se desprende de padrões tradicionais, podendo apresentar-se de forma simultânea e interativa e não apenas linear. O novo meio permite uma forma participativa de interação que reage às informações que inserimos. Sua forma de representação permite a construção de espaços navegáveis no qual podemos nos mover, recuperar e interferir nas informações que nos são apresentadas.

Atualmente pode-se encontrar na Internet dois tipos de hipernarrativas, ou hiperficções como proposta de Micheal Joyce56 - a hipernarrativa explorativa e a hipernarrativa construtiva.

56 Micheal JOYCE, Hypertext narrative.

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Na hipernarrativa explorativa existe somente um autor da história. Este como leitor também, pode tomar decisões sobre o trajeto a ser percorrido e quais lexias57 deve escolher a cada momento, exigindo assim, atividade constante. Aqui o autor, que também é leitor da história, que não escreve, mas decide sobre o que foi escrito previamente.

Por outro lado, a hipernarrativa construtiva permite a colaboração por parte de cada leitor, mesclando os limites entre autor e leitor. Esta prática é um exemplo de autoria compartilhada, que tem intenção lúdica. Mesmo se limitado ao texto, é possível superar a improvisação e o pouco grau de intervenções pessoais limitado por aspectos tecnológicos.

Uma alternativa para a construção de hipernarrativas apontada por Judy Malloy58, é a construção de blocos, curtos o suficiente para prender a atenção do leitor e ao mesmo tempo consistentes de forma que o leitor os guarde na memória , que incorpore-os à sua experiência.

“Minhas hipernarrativas são escritas em blocos de construção de narrativa doformato de uma tela, que podem tanto permanecer isolados como podem sercombinados com outros blocos de diversas maneiras. Cada ‘tela’ representa uma‘figura de memória’ completa, totalmente expressa e algumas vezes visual. De‘Uncle Roger’ até o trabalho de “literatura pública” que venho escrevendo naWeb desde novembro de 1995 - ‘The Roar of Destiny Emanated from theRefrigerator. I got up to get a beer.’, minhas hipernarrativas são coleções depequenos blocos de construção de informação narrativa intensamente escritosque podem se sustentar independentemente mas podem também ser combinadoscom outras telas para constituir-se num todo com um significado maior.De maneira semelhante ao processo vivido pelo compositor ao compor diferentespartes de uma música que eventualmente serão ouvidas em conjunto peloouvinte, quando escrevo as telas individuais, tenho em mente as diversasmaneiras que um leitor pode combiná-las.Na Web, não espero que o leitor leia mais do que três ou quatro telas antes desaltar incansavelmente para outra url. Assim, é particularmente importante quecada tela de uma narrativa na Web seja memorável em si e para si.”59.

57 Fragmento do hipertexto, caracterizado por informação, podendo ser som, imagem, vídeo ou outro tipo de mídia.58 Judy MALLOY, Hypernarrative in the Age of the Web59 Judy Malloy: “My hypernarratives are written with screen sized narrative building blocks that can either stand alone or be combined with each other in multiple ways. Each “screen” represents a complete, fully

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Ao reagir a estímulos externos, explorando os links das páginas, a “leitura” que se faz na Web aproxima-se do pensamento e da construção de significado que fazemos a partir das experiências sensoriais que nos cercam.

Os conceitos apresentados anteriormente são consolidados no próximo capítulo, que apresenta a transcriação da obra de Suassuna no ambiente hipermidiático.

expressed and often visual “memory picture”. From Uncle Roger to the work of “public literature”that I have been writing on the web since November of 1995 - The Roar of Destiny Emanated fromthe Refrigerator. I got up to get a beer., my hypernarratives are collections of small intenselywritten building blocks of narrative information that can stand by themselves but can also becombined with other screens to make a whole with greater meaning. // Somewhat like the process acomposer goes through in composing four different streams of music that will eventually be heardtogether by the listener, when writing individual screens, I keep in mind the many ways in which areader might combine them. // On the web, I do not expect the reader to read more than three orfour screens before moving restlessly on to another url. So, it is particularly important in that eachscreen of a web hypernarrative be memorable in and of itself.”

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6. O Auto da Compadecida em Hipermídia

Este capítulo aborda a transcriação do Auto da Compadecida para suporte digital utilizando a Linguagem da Hipermídia, com base nos conceitos vistos nos capítulos anteriores.

A transcriação da obra de Ariano Suassuna para o ambiente hipermidiático, nesta pesquisa, é feita considerando um aspecto fundamental: a definição de uma estrutura hipertextual a partir da intertextualidade contida na obra. Esta estrutura hipertextual deverá adaptar a obra a uma narrativa não-linear e permitir a exploração da interatividade entre leitor e obra.

É utilizado aqui o termo interator como denominação de usuário.

6.1 Da Intertextualidade para a Hipertextualidade

Revisando os conceitos abordados nos capítulos anteriores, entendemos que a relação tão próxima entre dois textos está incluída naquilo que podemos chamar de relações intertextuais, e no que Genette60 chama de transtextualidade.

No caso do Auto da Compadecida, o texto da obra foi construído espelhando-se em outros textos que lhe serviram de matriz. Os folhetos da Literatura de Cordel, que serviram de referência ao texto do auto, são chamados hipotextos do texto recriado, definidos por Genette como um texto ou gênero no qual o texto se baseia. O encadeamento de desdobramentos de informações forma uma estrutura hipertextual da obra.

O Auto da Compadecida considera linearidade na apresentação dos atos. No entanto, cada ato possui uma certa independência em relação aos outros, caracterizando

60 Gerard GENETTE, Palimsestos. apud Marta RIVERA DE LA CRUZ, Intertexto, Autotexto: la importancia de la repetición en la obra de Gabriel García Márquez. Revista Especulo.

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uma narrativa, e o autor consegue relacioná-las através dos personagens. Sem a intervenção do autor, os eventos presentes nos cordéis que originaram a obra poderiam acontecer simultaneamente.

Partindo desta observação e identificando os hipotextos da obra, é possível definir as relações intertextuais que servem como base na criação de uma estrutura hipertextual.

O diagrama abaixo mostra a estrutura hipertextual no Auto da Compadecida:

Os hipotextos A História do Cavalo que Defecava Dinheiro e O Enterro do Cachorro não têm suas narrativas modificadas quando inseridas no Auto da Compadecida (intertextualidade), mas alguns dos personagens sofrem modificações. Estes são retirados de outro hipotexto, o entremez de autoria de Suassuna, O Castigo da Soberba, inspirado no cordel de mesmo nome. O entremez de Ariano Suassuna tem também como hipotexto outro folheto chamado A Peleja da Alma.

Neste trabalho considera-se o folheto matricial que deu origem ao entremez do autor, chamado o Castigo da Soberba, que não tem relacionamento com o cordel A Peleja da Alma.

Esta pesquisa também resgata o cordel As Proezas de João Grilo, utilizado

como fonte na criação do personagem João Grilo, presente no Auto da Compadecida, caracterizando assim relação intertextual com o texto da obra.

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6.2 A Transcriação do Auto da Compadecida para a Hipermídia

A transcriação do auto de Suassuna no ambiente hipermidiático é realizada neste trabalho considerando a desconstrução da obra, apresentando como conteúdo de um website suas matrizes intertextuais caracterizadas pelos cordéis As Proezas de João Grilo, O Enterro do Cachorro, O Castigo da Soberba e A História do Cavalo que Defecava Dinheiro.

A partir da identificação da estrutura hipertextual da obra, conclui-se que as narrativas originais utilizadas pelo autor, na composição da peça, podem ser apresentadas simultaneamente em um projeto interativo, possibilitando uma leitura não-linear.

Como abordagem para a construção da peça digital, é realizada a desconstrução dos cordéis fonte do Auto da Compadecida que são apresentados no website como blocos de informações textuais, visuais e sonoras. É utilizado o conceito de livre-arbítro na interação e navegação entre as áreas do website e também vários conceitos da igreja Católica como os sete pecados capitais, a fé na salvação, o Céu e o Inferno, seguindo a temática religiosa da obra de Suassuna. A identidade visual do website segue o projeto de criação, elaborado anteriormente à construção do mesmo, abordando vários elementos projetuais apresentados a seguir.

6.3 A Elementos Projetuais

Antes da elaboração do website, foi desenvolvido um projeto de criação que aborda diversos elementos projetuais. Estes elementos, por sua vez, orientaram todo o desenvolvimento da identidade visual, sonora, bem como o conceito de navegação e interação utilizado na peça digital. Estes elementos são comentados nas próximas seções.

6.3.1 Conceito Geral do Website

A peça digital utiliza a temática religiosa do Auto da Compadecida através do conceito de livre-arbítrio presente no catolicismo. Este conceito presume, de acordo com a doutrina cristã, que nós decidimos nosso caminho e este é fundamentado na idéia

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da liberdade de escolhas na vida de um indivíduo. Escolhas que transitam entre o Bem e o Mal.

Neste projeto utilizamos o conceito de livre-arbítro como liberdade de escolhas na peça digital. São apresentadas as situações presentes no Auto da Compadecida referentes aos cordéis que constituem as matrizes intertextuais da obra. A peça digital apresenta ao interator os cordéis O Enterro do Cachorro, A História do Cavalo que Defecava Dinheiro (Terra) e o julgamento da Alma (Céu/Inferno) representado no cordel O Castigo da Soberba. Também é apresentado o personagem João Grilo através do cordel As Proezas de João Grilo (Terra).

Na interação com o website, caso o interator cometa algum pecado, representado pelo clique em elementos que representam pecados, tais como o testamento de O Enterro do Cachorro, o dinheiro e o cavalo de A História do Cavalo que Defecava Dinheiro, este é condenado a viver no Inferno em sofrimento eterno. O interator pode pedir a salvação a uma entidade do Bem, neste caso, Nossa Senhora, representada no Inferno como uma estátua. Ao clicar na estátua, o usuário é transportado para a área Céu, onde são apresentados os principais trechos do cordel O Castigo da Soberba. O coração de Nossa Senhora representa a salvação no website. No Céu, ao clicar no coração da Compadecida, o interator retorna à área Terra, representando a ressurreição de João Grilo na obra de Suassuna.

6.3.2 Iconografia

A seguir são mostradas as principais imagens utilizadas como referência para a criação da identidade visual deste projeto.

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Título: O Juízo Final (detalhe)Autor: Hieronymus Bosch (1450-1516)

Técnica: Óleo sobre madeiraDimensões: 163.7 x 127 cm

Acervo: Akademie der bilden kunste – Viena, Áustria

Título: Távola dos Sete PecadosCapitais e as Quatro Últimas Coisas (detalhe)

Autor: Hieronymus Bosch (1450-1516)Técnica: Óleo sobre madeiraDimensões: 120 X 150 cm

Acervo: Museo del Prado – Madri, Espanha

Título: A Tentação de Santo Antão (detalhe)Autor: Hieronymus Bosch

Técnica: Óleo sobre madeiraDimensões: 131,5 X 225 cm

Acervo: National Gallery of Canada– Otawa, Canadá

Título: n/cAutor: Christian Montenegro

Técnica: IlustraçãoFonte: Livro The Creation

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Título: O EnforcadoAutor: Elisabetta TrevisanFonte: Crystal Tarot 2004

www.loscarabeo.com

Personagem do Teatro BrincanteFonte: www.teatrobrincante.com.br

Título: n/cAutor: Christian Montenegro

Técnica: IlustraçãoFonte: Livro The Creation

Título: Ás de OuroAutor: Elisabetta TrevisanFonte: Crystal Tarot 2004

www.loscarabeo.com

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Mambembe

Teatro de AnônimoFonte: www.teatrodeanonimo.com.br

Teatro BrincanteFonte: www.teatrobrincante.com.br

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Mamulengo

Mamulengo Fâmulos de BonifratesFonte: www.bonifrates.cjb.net

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6.3.3 Paletas de Cores

Neste trabalho são utilizadas 4 paletas de cores selecionadas conforme as áreas Terra, Céu, Inferno e interface, aqui denominada Paleta Palco.

A Paleta Céu utiliza cores frias que foram inspiradas nos quadros A Tentação de Santo Antão e o Juízo Final de Hieronymus Bosch (1450-1516), onde aparecem anjos e imagens divinas no céu.

São utilizadas cores frias nesta paleta em contraste às cores quentes da Paleta In-ferno. A técnica de harmonização de cores foi aplicada nestas paletas através da seleção de tons vizinhos no círculo cromático e também a combinação monocromática definida pela seleção de tonalidades de uma só cor.

A Paleta Inferno utiliza cores quentes e gradações inspiradas nos quadros A Ten-tação de Santo Antão e A Morte do Avarento, de Hieronymus Bosch (1450-1516), em que aparecem cenas de fogo e morte.

A paleta seguinte é denominada Paleta Terra e é inspirada na obra Távola dos Sete Pecados Capitais e as Quatro Últimas Coisas de Hieronymus Bosch (1450-1516), que apresenta cenas terrenas representativas dos Sete Pecados Capitais. Também foi uti-lizada, como inspiração nesta paleta, a ilustração de Christian Montenegro presente no livro The Creation, retratando a criação do mundo segundo a Bíblia, no Livro de Gênesis, onde as tonalidades de cores atendem a um espectro entre os tons amarelados (quentes), os esverdeados (frios) e os neutros.

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A Paleta Palco é inspirada em tons de terra (ocres e marrons) presentes nas cores das roupas e acessórios de couro do sertanejo.

6.3.4 Tipografia

As áreas Céu e Inferno utilizam fontes góticas, que remetem à religiosidade e à medievalidade presentes na obra de Suassuna.

Bens Gothic - Harold LohnerBandit Regular - Budda Graphix

Valha-me Nossa Senhora,mae de Deus de Nazare

Castiglione Regular

Valha-me Nossa Senhora,mae de Deus de Nazare!

Boister Black - Boister Black Corp.

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

As fontes selecionadas para a área Terra são inspiradas nos cordéis e estilos de letras escritas à mão (caligráfico gestual), adicionando um caráter artesanal ao projeto.

Brasilero - Crystian Cruz Thereza - Projeto experimental da PUC-Rio

Chicken Scratch - Astigmatic One EyeChiller - Esselte Corp.

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

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6.3.5 Som

Cada área do website tem sua trilha sonora. São utilizadas no repertório do projeto músicas de Antonio Nóbrega, Sivuca e Canto Gregoriano.

Sivuca e Nóbrega têm em seus trabalhos a ingenuidade da cultura popular mes-clada ao refinamento da cultura erudita. A música tema do trabalho, “Dança dos Arcos”, foi selecionada do CD de Antonio Nóbrega, Marco do Meio-Dia. Neste CD, Nóbrega faz uma reflexão sobre o desenvolver do Brasil 500 Anos. O músico procurou o Brasil desconhecido, construído pelo povo que veio bem antes dos portugueses, com as popula-ções indígenas. Violinista desde criança, o artista foi convidado, no final dos anos 60, por Ariano Suassuna a fazer parte do Quinteto Armorial.

O Canto Gregoriano, foi utilizado como influência na estética Armorial. Segundo Ariano Suassuna, pode-se notar o Canto Gregoriano nos primeiros acordes das melodias mais trágicas do Sertão - as “excelências dos mortos e alguns baiões que servem ao canto”.

O website apresenta trechos de Canto Gregoriano como trilha sonora para as áreas Céu e Inferno. Como tema de O Enterro do Cachorro e As Proezas de João Grilo foram selecionados trechos das músicas “Coco da Bicharada” e “Dança do Mergulhão”, de Nóbrega. A História do Cavalo que Defecava Dinheiro tem como tema “Feira de Mangaio” de Sivuca.

KellyAnnGothic - De Nada Industries

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

Cretino - Ray Larabie Diamond Gothic- Jim Fordyce

Valha-me Nossa Senhora,mae de Deus de Nazare!

Valha-me Nossa Senhora,mae de Deus de Nazare!

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6.3.6 Ilustrações

As imagens desenvolvidas para o projeto utilizam um processo envolvendo desenhos, ilustrações com lápis aquarelável e finalização no software Adobe Photoshop, que associa o fazer artesanal com o fazer da tecnologia digital. São aplicadas em fundos, partes de figuras ou personagens, imagens de estampas de tecidos, padronagens de tapeçaria medieval e rendas, que foram selecionadas de acordo com as características das áreas do website em que são mostradas.

Etapas de Desenvolvimento das Ilustrações

A primeira etapa para a elaboração de uma ilustração consiste na definição do conceito e desenho a lápis. Após o desenho, é realizada a pintura com lápis aquarelável.

Na segunda etapa é aplicada a pintura com água, com utilização de pincel, para diluição do pigmento do lápis e preenchimento da áreas que indicam volume ou espaços chapados.

No terceiro passo é realizada a digitalização das imagens e recorte do objeto de interesse. Eventuais ajustes de cores e contraste são feitos nesta etapa.

O quarto passo para a elaboração da ilustração é definido pela escolha e ajuste de cores de textura do tecido para posterior composição da imagem.

A finalização é dada através de ajuste de brilho e contraste e eliminação de ruídos na imagem.

Caso a imagem seja animada em partes, é necessário desenhar as partes separadas. Por fim, é realizada a composição com outras imagens.

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6.4 O Projeto em Hipermídia do Auto da Compadecida

O website é definido como um conjunto de áreas organizadas em três planos: Céu, Terra e Inferno. Cada área é composta por um conjunto de interfaces que apresentam partes do conteúdo e definem formas de interação presentes nestes planos. As interfaces do plano Terra abordam a apresentação dos cordéis As Proezas de João Grilo, O Enterro do Cachorro e A História do Cavalo que Defecava Dinheiro. Os planos Céu e Inferno apresentam o cordel O Castigo da Soberba.

A História doCavalo que

Defecava Dinheiro

Enterro do Cachorro

As Proezasde João Grilo

Navegação entre as áreas

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As interfaces plano Terra estão dispostas, de forma espacial, como um cenário

único e circular definindo a idéia de um mundo criado por Ariano Suassuna, onde o interator é convidado a explorar o cenário, caracterizando assim a forma de navegação e interação neste plano. O interator pode definir inúmeras interfaces dependendo do enquadramento realizado para visualizar o plano Terra, que é visto sempre parcialmente, pois é constituído por uma imagem de dimensão 6144 x 2304 pixels.

O website apresenta interfaces classificadas em:- Abertura, como por exemplo a interface inicial do website; - Transição, que representam a passagem entre os planos Terra, Inferno e Céu;- Conteúdo, que mostram os cordéis e conteúdo adicional do website.

Plano Terra – Cenário Circular

As Proezasde João Grilo

A História doCavalo que

DefecavaDinheiro

O Enterro do Cachorro

Representação de Cenário Circular

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Além da apresentação dos cordéis, o plano Terra também permite ao interator o acesso e download de conteúdo adicional através de clique em elementos presentes no céu e embaixo da terra das interfaces do plano Terra. Este conteúdo caracteriza-se por papéis de parede, cartões e marcadores de páginas para imprimir, os cordéis utilizados como conteúdo do website, links para outros websites, o documento constituído por esta pesquisa, processo de elaboração das ilustrações, informações de contato, créditos e o projeto de criação do website.

A interface do website apresenta nas laterais quatro botões, que estão sempre visíveis: um botão que abre interface de ajuda, um botão que abre interface com opção para sair do website, um botão para habilitar/desabilitar o som e um botão que abre um menu. Este menu apresenta links para os planos Céu, Terra e Inferno.

Objetos representando material para download

ajuda sair

som menu

Interface inicial e botões

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As interfaces apresentadas nos planos Céu e Inferno estão dispostas como planos superior e inferior respectivamente, em relação ao plano Terra. Todas as interfaces apresentam alguns objetos que reagem ao clique ou arraste do mouse. Estes objetos ora apresentam conteúdo, ora fornecem acesso aos planos Céu e Inferno. A navegação no plano Terra é realizada arrastando o mouse nos sentidos horizontal e vertical. No entanto, para acessar os planos Céu e Inferno é necessário interagir com objetos apresentados na interface ou acessar o menu. Os objetos que possibilitam acesso ao plano Inferno são mostrados com tipografia e cursores diferenciados, tais como o testamento de O Enterro do Cachorro, o dinheiro e o cavalo de A História do Cavalo que Defecava Dinheiro. Um objeto presente no plano Inferno permite acesso ao plano Céu, representado por uma estátua de Nossa Senhora.

Interface de Ajuda

Menu

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Para facilitar a navegação, foi desenvolvido um conjunto de cursores, integrados a cada área do website, que visam orientar o interator sobre as possíveis ações que cada objeto permite, como clique, arraste ou acesso a conteúdo. As imagens e as informações verbais destes cursores indicam o tipo de ação que poderá ser realizada através deles. Também é utilizado feedback sonoro quando o interator passa o mouse e quando é realizado clique em objetos.

6.4.1 As Proezas de João Grilo

A apresentação do personagem principal da obra de Suassuna, João Grilo, é abordada na pesquisa como a definição de uma área no website que permite a interferência por parte do interator no conteúdo apresentado em forma de texto e imagem. Esta abordagem dá possibilidade da elaboração de uma narrativa construtiva, permitindo não só a apresentação do cordel que deu origem ao personagem, mas também a possibilidade da construção colaborativa de uma história.

O cordel As Proezas de João Grilo caracteriza-se como uma série de episódios vividos pelo personagem João Grilo. Na peça digital, os versos iniciais destes episódios encontram-se em uma área do plano Terra chamada “As Proezas de João Grilo”, em forma de capítulos iniciais de várias histórias. O website apresenta ao interator as opções

Cursores Céu

Cursores Inferno

Cursores Terra

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de escrita de 7 histórias, sendo que cada história permite a inserção de 10 capítulos com uma imagem associada a cada capítulo. O interator pode dar continuidade a uma das histórias escrevendo um novo capítulo ou alterando o texto e a imagem de um capítulo anterior, que pode ter sido criado por outro visitante do website. A imagem enviada pelo interator é apresentada por uma animação em forma de um caleidoscópio que através de sua parametrização permite inúmeras possibilidades de visualização de imagens.

Os textos dos capítulos e as imagens associadas são armazenados no website, permitindo que outros visitantes também tenham acesso a esse conteúdo. Quando uma história é finalizada, ou seja, seus 10 capítulos são escritos, esta fica disponível no website para leitura e impressão, e é iniciada uma nova possibilidade de escrita desta história a partir do capítulo inicial.

Foram implementadas interfaces adicionais em forma de janelas pop up para definir áreas de leitura e escrita das histórias, que são apresentadas através de clique em

As Proezas de João Grilo

Interfaces adicionais para leitura das histórias

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A interface de leitura de histórias apresenta as 7 últimas histórias finalizadas e esta é acessada através do clique no objeto representado por um pacote presente na interface As Proezas de João Grilo. O interator pode escolher uma história e ler cada capítulo desta individualmente. As interfaces de escrita e leitura das histórias fornecem ícones que mostram se um capítulo foi escrito ou está em branco.

A interface de escrita e alteração de histórias é mostrada quando o usuário clica em um objeto representado por um livro. Nesta interface o interator deve escolher um capítulo para escrever. Caso seja escolhido um capítulo que já tenha conteúdo escrito, este poderá ser alterado. Estão disponíveis 10 capítulos para cada uma das 7 histórias. Assim que uma história é finalizada, isto é, tem seus 10 capítulos preenchidos, esta fica disponível na interface de leitura de histórias finalizadas, com possibilidade de impressão.

As interfaces de escrita e leitura das histórias foram implementadas utilizando a linguagem PHP, banco de dados MySQL, bem como tecnologia Macromedia Flash.

objetos do plano Terra. Estes objetos são representados por imagens de livros (escrita) e um pacote sendo carregado por um personagem (leitura das histórias dos visitantes).

Interface de abertura da área de escrita de uma história

Ícones para indicação de capítulos em branco e escritos

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Tabela “tipo_historia”Armazena os tipos de histórias. São elas: João Grilo e o Mendigo, As charadas do Sultão, João e o Rei, João Grilo na Escola, João Grilo e o Português, João e os Ladrões e João Grilo e o Padre.

Campos da tabela:tihi_cod: código seqüencial para os tipos de histórias (1 a 7)tihi_titulo: armazena os títulos das históriastihi_inicio: armazena os inícios das histórias

Tabela “historias”Armazena todas as histórias criadas, finalizadas ou não.

Campos da tabela: tihi_cod: códigos dos tipos de histórias vindo da chave primária da tabela tipo_historia. hist_cod: código seqüencial para as histórias. Forma junto com a chave estrangeira tihi_cod a chave primária desta tabela permitindo então que se tenha várias histórias de um mesmo tipo.

Tabela “capitulos”Armazena os capítulos das histórias. Cada história deve ter no máximo 10 capítulos.

Desenho do Modelo Entidade Relacionamento

A seguir é descrito o modelo do banco de dados utilizado para o armazenamento e consulta das histórias.

Modelo de Dados - Área As Proezas de João Grilo

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Campos da tabela:hist_cod: códigos de histórias, chave primária da tabela historias.capi_num: codigo seqüencial para os capítulos que junto com a chave estrangeira hist_cod forma a chave primária desta tabela. Desta forma uma história pode ter mais de 1 capítulo.capi_texto: armazena os textos escritos de cada capítulo para a determinada história.capi_imagem: armazena “S” se tem uma imagem enviada para este capítulo.

6.4.2 O Enterro do Cachorro

Este cordel descreve a história de um enterro de um cachorro, cujo dono é inglês. Este inglês elabora um testamento, em nome do cachorro, deixando dinheiro para um padre, caso seu enterro seja realizado em latim. Outro personagem presente no cordel é um padre ambicioso que realiza o enterro em troca do dinheiro do testamento do cachorro.

Nesta interface, personagens e objetos fornecem possibilidade de clique apresentando os trechos principais do cordel, que podem ser lidos de forma não-linear. O elemento principal desta história, o testamento, possibilita acesso ao plano Inferno através de clique, e é representado no website como o sacrilégio da Simonia. O testamento também indica o pecado da Avareza através da ambição do padre.

O Enterro do Cachorro

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6.4.3 A História do Cavalo que Defecava Dinheiro

O principal episódio deste cordel é baseado na mentira contada por um homem, na tentativa de vender um cavalo que não tem mais utilidade. Este homem põe moedas em um cavalo e diz que o animal defeca dinheiro, atraindo a atenção de um duque ambicioso. Na interface há possibilidade de interação através de clique e movimentos do mouse sobre personagens e objetos, permitindo a leitura dos trechos principais da história do cavalo de forma não-linear. O dinheiro e o cavalo nesta interface são considerados elementos principais por centralizarem os pecados da Avareza e da Inveja, bem como a ambição e a mentira. Através do clique nestes objetos o interator consegue acessar o plano Inferno.

A História do Cavalo que Defecava Dinheiro

6.4.4 O Castigo da Soberba

Este cordel apresenta como elemento central o julgamento de um personagem depois da morte, denominado Alma. No julgamento estão presentes o Diabo, Jesus e Nossa Senhora - a Compadecida.

No Auto da Compadecida de Suassuna, o julgamento dos personagens acontece no Céu. Assim, no website, a apresentação do conteúdo do cordel O Castigo da Soberba acontece no plano Céu, acessível através do Inferno ou pelo menu.

A interface do plano Inferno procura fornecer ao interator uma experiência que caracterize a agonia de um castigo por cometer um pecado. A interface é visualmente carregada de objetos sobrepostos que representam pecados e sofrimento. Apenas um

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objeto fornece acesso ao Céu, representado por uma estátua de Nossa Senhora. O interator deve realizar uma busca pela estátua de Nossa Senhora que aparece em posição aleatória, movendo objetos na cena. Ao clicar na estátua da santa, é mostrada a cantiga de Canário Pardo, em forma de texto e som, que é usada como invocação da Compadecida pelo personagem João Grilo, na peça de Suassuna, e em seguida o interator é transportado ao Céu através de interfaces de transição.

No plano Céu, o interator pode acessar os trechos principais do cordel O Castigo da Soberba, que podem ser lidos sem uma seqüência pré-definida, através do movimento do mouse sobre objetos e personagens, tais como as estrelas, anjos, Jesus, Diabo e Nossa Senhora. A absolvição da Alma, personagem do cordel, é representada na interface pelo clique no coração da Compadecida, significando a compaixão. Após o clique, o interator pode ouvir a narração de um trecho do cordel que indica a absolvição e em seguida é transportado ao plano Terra indicando a ressurreição do personagem João Grilo no Auto da Compadecida.

As interfaces dos planos Céu e Inferno também apresentam feedback sonoro no clique e na movimentação do mouse sobre objetos.

Céu Inferno

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7. Considerações Finais

Uma das maiores realizações desta pesquisa é a transcriação da consagrada obra de Ariano Suassuna no ambiente hipermidiático, possível através da identificação dos textos que deram origem ao Auto da Compadecida. Este fato destaca que a peça foi escrita utilizando como referência relatos orais repassados entre cantadores do Nordeste do Brasil, através da Literatura de Cordel. O autor cita em sua obra literalmente os folhetos e também faz modificações onde lhe convém, criando um contexto novo para os episódios narrados pela tradição popular.

Estes episódios narrados pelos folhetos de Cordel definem relações intertextuais na obra de Suassuna, permitindo a criação de uma estrutura hipertextual que é potencializada pelo uso do link no ambiente hipermidiático.

Através dos links, as histórias contidas nos cordéis podem ser lidas sem uma seqüência pré-estabelecida, possibilitando experiências diferenciadas aos leitores que são ampliadas através da utilização de outros elementos da linguagem da Hipermídia, como sons, imagens, vídeos e ambientes virtuais inter-relacionados.

A Hipermídia também rompe as fronteiras da leitura linear no momento em que permite a interferência e interação por parte do leitor sobre o conteúdo apresentado a ele, permitindo a incorporação de experiências pessoais ao conteúdo apresentado inicialmente. Desta forma, este projeto reafirma que a Internet constitui o espaço ideal de convergência entre experiências e informações.

O website resultante do desenvolvimento desta pesquisa constitui um projeto e um produto experimental desenvolvido através da investigação sobre a intertextualidade contida na obra de Suassuna. O ambiente hipermidiático possibilita várias formas de transcriação de uma obra literária para o suporte digital. Assim, o tema utilizado nesta pesquisa pode ser mais explorado, modificado e ampliado futuramente dando continuidade ao produto iniciado aqui como um convite à participação e à interação.

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Anexo 1

O Autor Ariano Villar Suassuna nasceu em 16 de junho de 1927, no palácio da Redenção, na Paraíba, como era chamada a capital do Estado de mesmo nome. No ano seguinte, vai morar com a família no sertão, na fazenda Acauhan, propriedade de seu pai. Em 1930, seu pai, João Urbano Pessoa de Vasconcellos Suassuna, é assassinado por motivos políticos e a família se muda constantemente para evitar os inimigos. No ano de 1933, Ariano muda-se para Taperoá, onde vive até 1937. Lá, Ariano faz seus primeiros estudos e assiste pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um desafio de viola, cujo caráter de improvisação seria uma das marcas registradas também de sua produção teatral.

A partir de 1942 passa a viver em Recife, onde termina os estudos secundários em 1945. No ano seguinte inicia a Faculdade de Direito, onde conhece Hermilo Borba Filho e, por sugestão deste, começa a ler a obra do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca e publica na revista Estudantes, da Faculdade de Direito, seus primeiros poemas ligados ao Romanceiro Popular nordestino, sob influência de Lorca.

Em 1947 escreve sua primeira peça teatral, Uma mulher vestida de Sol. De 1952 a 1956, Suassuna dedica-se à Advocacia. Sem abandonar, porém, a atividade teatral. Em

Fonte: Cadernos de Literatura BrasileiraInstituto Moreira Salles

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1955 escreve o Auto da Compadecida que é encenado em 19 de janeiro de 1957, no Rio de Janeiro, recebendo a medalha de Ouro da Associação Brasileira de Críticos Teatrais. O auto recebe sua primeira tradução lançada em Madri, em 1965 e estréia no cinema em 1969.

O Auto da Compadecida é então exibido em forma de minissérie pela Rede Globo em 1999. A série recebe uma adaptação e é exibida no cinema em 2000. A peça recebeu até o momento três versões cinematográficas.

Do ponto de vista da trajetória intelectual de Ariano Suassuna, o Auto da Compadecida não é um marco apenas pela repercussão nacional, sobretudo pelo seu amadurecimento como dramaturgo e pela escolha, que acaba por fazer, de abandonar a advocacia em 1956, quando se torna professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco.

Suassuna propicia a aproximação da cultura popular à cultura erudita, utilizando o teatro para transmitir sua mensagem. O autor resgata em sua obra a figura circense do palhaço, levando-o para o contexto do teatro moderno, misturando, assim, a cultura popular com a erudita.

Improvisação mesclada à obediência, ora ao romanceiro popular, ora à tradição ibérica: esta é a marca registrada do teatro de Ariano, cujo paradigma parece ser a atuação de “João Grilo”, protagonista do Auto da Compadecida, misto de personagens convencionais, como o Arlequim ou o Pícaro, como um malandro tão cheio de artimanhas que consegue, inclusive, escapar do Inferno.

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Anexo 2

O Castigo da SoberbaObra recolhida por Leonardo Mota junto ao cantador Anselmo Vieira de Sousa (1867-1926)

Agora eu passo a contarDo que houve em algum tempo:O Castigo da Soberba,Que ficou para exemplo,Foi um caso acontecido,Não é coisa que eu invento.

Era um homem muito rico,Tinha honras de Barão,Tinha vinte engenho de ferro,Em metal trinta milhão,Doze mil vacas paridasNas fazendas do sertão.

A mulher deste BarãoTinha honras de rainha,Sessenta e cinco criadasPara lhe servir na cozinha,Parecia inda mais belaPelos cabelos que tinha.

Com vinte anos de idadeEle tomou novo estado,Aumentou o cabedalAdespois de ter casado,Que, antes de interar dez anos,Sete vez havia herdado.

Bem conhecido e faladoDos mais homes brasileiro,Tanto por bens de fortunaComo em crédito de dinheiro,Mas não tinha nem um filhoPara dele ser herdeiro.

Era grande no respeitoPelos bens que possuía...Se era grande na riqueza,

Maior era em fidalguiaE, se era grande em nobreza,Maior era em soberbia.

Seus cinqüenta anos de idadeTinha ele já contado,Tinha vinte de solteiro,Tinha trinta de casado,Esperança de ter filhoJá estava desenganado.

Quando interou cinqüenta ano,Deu-se um certo movimento:Seus bens, sem se saber como,Se acabavam num momento,Era como ridimunhoOu tempestade de vento.

No campo os bichos de folgoDe repente se acabavam,As plantações que faziaNasciam mas não vingavam,Dinheiro que desse juroNunca mais lhe pagavam.

Não se passou muito tempo,Acabou-se a tal grandeza:Olhe o pobre acabrunhado,Carregado de pobreza,Desprezado dos amigosEm quem contava firmeza!

Caiu a mulher doente,Bastante desabilitada,Desprezada das amigas,Por quem era visitada, No meio desse desprezoApresentou-se pejada.

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Foi-se aproximando o diaQue deu à luz o filhinho:Nasceu em tanta pobrezaQue enrolou-se em mulambinho,Por sua grande misériaFoi difice achar padrinho.

Criou-se sem ir à MissaE nunca se confessou,Pôs os pés na santa IgrejaSó quando se batizou,Negócio de penitênciaEle nunca procurou.

Esmola por caridadeIsso nunca que ele deu;Deitava e se levantava,Porém nunca se benzeu;Viveu assim, deste gosto,Té o dia em que morreu.

Logo assim que ele morreu,Cobriu-se os montes dum véu,Mas a alma como invisive,Chegou às portas do céu,Em tristeza amortalhadaPara dar contas de réu.

Mais de doze mil demôniosTudo isso lhe acompanhavam,Uns se rindo, outros soltandoGargalhadas que rolavam,Todos eles muito alegresDa certeza que levavam.

-“Ô divino São Miguel, Vosso nome escularêço,Valei-me nesta agonia,Nestas pena em que padeço!”São Miguel arrespondeu:- “Alma, eu não te conheço!”

- “Vala-me o Senhor São PedroPor ser Apóstolo primeiro,Foi quem recebeu as chaves,

Que do céu é o chaveiro,É quem pode ver as facesDo nosso Deus verdadeiro!”

- “Alma, eu te abro a portaPorque tu me vem rogar,Porém não tenho poderPra fazer-te aqui ficar...Tu recorre a Jesus CristoQue é quem jeito pode dar.”

Abriu-se as portas do céu,A alma viu toda a alegria,Também viu Nossa Senhora,Jesus, Filho de Maria,Para Quem não pôde olharPelas culpas que trazia.

Curvou-se, beijou-lhe pés,Felizmente Ele aceitou...-“Me acudi, meu doce Pai,Valei-me, Nosso Senhor,Sempre vejo vos chamarRefúgio dos pecador!”

- “Arretira-te, alma ingrata,Vai para donde tu andaste,Que a santa ReligiãoTu nunca que procuraste:Te dei trinta e quatro anos,Nunca de mim te lembraste.”

- “Ai, Senhor, por piedade,Tenha de mim compaixão,Pelo dia em que nasceu,Por vossa Ressureição,Por aquele grande diaDa vossa Morte e Paixão!”

(Cão) – “Isto era o que faltava:MANUEL padeceu as dor,E tu reza e caridadeNunca fez por seu amor,Confissão e penitençaTu toda vida abusou.”

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(Jesus) – “Alma, tu bem estás ouvindoEsta grande acusação,Eu, até pra defender-teNão vejo um pé de razão,Abre a tua consciência,Faz a tua confissão.”

(Cão) – “Isso é só tempo perdido,Não tem ele o que dizer,Pois, enquanto andou no mundo,Só tratou de te ofender,Nunca lhe veio à lembrançaQue ainda haverá de morrer!”

(Alma)- “Ai, Senhor, se compadeça,Nunca a vós eu quis servir,Não sei mesmo o que vos digaPois não vos posso iludirE me vejo na presençaDe Quem não posso mentir.”

Disse os demônio duns pros outros:- “Boa confissão aquela!Agora queremos verEssa alma pra quem apela...MANUEL é reto e justo,Nós hoje carreja ela!”

(Jesus) – “Alma, pelo que me dizesEu não posso te valer:Tu me viste morto de fome,Não me deste de comer!Tu me viste morto a sede,Não me deste de beber!”

“Eu estava muito mortal,Tu não foste visitar;Tu me viste na cadeia,Não foste me consolar;Quando eu te vi errado,Te mandei aconselhar.”

“Assim agora, alma ingrata,Vai cumprir teu triste fado,Que tu não fez pela vida

De purgar os teus pecado,Na minha Glória só entra Coração purificado.”

(Alma) – “Vala-me, ó Virgem Maria,Pelo vosso resplandor,Pelo dia em que nasceuPelo nome que tomou,O nome do vosso filhoQue no ventre carregou!”

(Maria) – “Alma, já que me chamaste,Na presença te cheguei,Tu falaste com fiançaNeste nome que eu tomei,No nome do meu filhinhoQue no ventre carreguei.”

(Alma) – “Ai, Senhora, Virgem Pura,Padroeira mãe dos home,Valei-me nesta agonia,Nesta sorte que consome,Sempre vejo protegidoQuem recorre a vosso nome.”

(Cão) – “Como ele está com pontaSó pra iludir Maria,Com tantos anos de visaNome dela nem sabia,Só sabia decoradoEra praga e harizia.”

(Maria) – “Alma, tu nunca assististe,Nem ao menos um momento,Dentro dum lugar sagradoOnde houvesse um Sacramento,Que tu ouvisses meu nomeCom grande contentamento?...”

(Alma) – “Senhora, eu passando, um dia,Numa casa de oração,Eu, vendo o povo lovandoA vossa consagração,Eu ouvi com muito gostoCom meus dois joelho no chão.”

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(Cão) – “Já Maria está puxando,A coisa se desmantela,Aquilo nunca se deu,Vejam que mentira aquela!Eu vi que esta mulherTodo mundo ilude ela!”

“Ela põe-se a esmiuçarPuxa de diante pra trás,Pega com tanta pergunta,Também isso não se faz,Até aparecer coisaQue ninguém se lembra mais.”

(Alma) – “Mãe amada, me livraiDas grandes rigoridade,Sei que gastei meus diasEnvolvido em vaidade,Mas espero ser valido:Valei-me por caridade!”

(Maria) – “Alma, o que tu me pedisteEu não posso prometer,Se tivesse em penitença,Com razão eu ia ver:Mas assim é impossívelTe salvar, sem merecer.”

(Alma) – “Rainha, Mãe Amorosa,Esperança dos mortais,Quem me recorre a vosso nomeSei que não desamparais,Eu pegando em vossos pés,Sei que não largo eles mais.”

(Maria) – “Pois, alma, demora aí,Enquanto eu vou consultar,Fazer pedido a meu Filho,Ver se eu posso te salvar,Ver se teus grandes pecadosTêm grau de se perdoar.”

(Cão) – “Como esta tal MariaEu mesmo nem nunca vi:Uns pedem por interesse,

Pedem porque é para si,Mas ela pede é pros outros,Não se enjoa de pedir...”

(Maria) – “Meu filhinho, aqui cheguei,Vim te fazer um pedidoPara uma alma que chegouLá do mundo corrompido...Tu, não tendo compaixão,Pra ela o céu está perdido.“

(Jesus) – “Mas, minha Mãe, não é assim,Todos bem podem saber:Lá deixei as EscriturasContando como há de ser...Os profetas publicando,Foi pra todos compreender.”

(Cão) – “Isso é outro português!Quem se engana é porque quer...Loucura grande a do homeQue se ilude com mulher...Nem sei como se defendeUma alma tão lheguelhé...”

(Maria) - “Meu Filho, dê-me a respostaPra ciença do cristão,Eu sei que é grande pecadoNão procurar confissão,Porém, meu filho, o pecadoVem desde o tempo de Adão.”

(Jesus) – “Minha Mãe, larguemo esta alma,Foi muito ruim criatura...Se eu chegar a salvar ela,Muitas outra estão segura,E eu não posso salvarA quem a mim não procura.”

(Maria) – “Pra isto mesmo, meu Filho,Foi vossa ressureição,Trespassaram vós no peito,Foi Longuim cãs suas mão,Sofrestes muito trumento

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Na vossa morte e paixão.”

“Por vossa misericórdiaCipriano se salvou,Vós salvaste a outros muitoPelo vosso santo amor,Também perdoaste Paulo,Sendo teu perseguidor.”

“Matia estava sofrendo,Vós avisaste num sonhoTambém livraste da mortePai do senhor Santo AntônioE a filha de CananéiaDa vexação do demônio.”

“Enfim sempre perdoasteA quem vos pediu perdão;Longuim, por se converter,Prostrou-se e pediu perdão,Por isto lhe deste a vidaE também a salvação.”

“Quando os Judeus vos faziamGrandes tormentos e horror,Pedro, por três vez seguida,Vos desconheceu, negou,Mas vós lhe deste o poderDe ser vosso sucessor.”

“Meu filho, perdoe esta alma,Tenha dela compaixão!Não se perdoando esta alma,Faz-se é dar mais gosto ao cão:Por isso abissolva ela,Lançai a vossa benção.”

“Se vós não salvar esta almaQue aos vossos pés se apresenta,O demônio, sabendo disto,Agora é que bem atenta,E eu quero que ele hojeRéle a teste e quebre a venta.”

(Jesus) – “Pois, minha Mãe, carregue a alma, Leve em sua proteção,Dia às outras que a recebam,Façam com ela união...Fica feito o seu pedido:Dou a ela salvação.”

(Cão) – “Vamos todos nos emboraQue o causo não é o primeiro,E o pior é que tambémNão será o derradeiro...Home que a mulher dominaNão pode ser justiceiro!”

(Jesus) – “Os demônios se arretirem,Vão lá pras suas prisãoQue é pra não atentar maisA todo fiel cristão...Quem recorrer ao meu nome,Eu garanto a salvação.”

Agora acabei o versoMinha história verdadeira...Toda vez que eu canto ele,Dez mil réis vem pra algibeira,Porém hoje eu dou por cinco:Talvez não ache quem queira!

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Anexo 3História do cavalo que defecava dinheiroAnônimo (Em Mota, Leonardo. Violeiros do norte; poesia e linguagem do sertão nordestino. 3ª ed. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1962, p.153-168)

Numa cidade distanteAntigamente existiaUm duque velho invejosoQue nada o satisfaziaPois desejava possuirTodo objeto que via

Esse duque era compadreDe um pobre muito atrasadoQue morava em sua terraNum rancho todo estragadoE sustentava seus filhosTendo vida de alugado

Se vendo o compadre pobreNaquela vida apertadaFoi trabalhar num engenhoLonge da sua moradaNa volta trouxe um cavaloQue não servia pra nada

O pobre disse à mulher:— Como é que se há de passar?O cavalo é magro e velhoNão pode mais trabalhar...Vamos inventar um planoPra ver se o querem comprar

Foi na venda e de lá trouxeTrês moedas de cruzadoSem dizer nada a ninguémPara não ser censuradoNo fiofó do cavaloFez o dinheiro guardado...

Do fiofó do cavaloEle fez um mealheiroSaiu dizendo: — Sou rico

Inda mais que um fazendeiroPorque possuo um cavaloQue só defeca dinheiro

Quando o velho duque soubeQue ele tinha esse cavaloDisse pra velha duquesa:— Amanhã vou visitá-lo...Se o animal for mesmo assimFaço jeito de comprá-lo

Chegou, salvando o compadreMuito desinteressado:— Compadre, como lhe vaiOnde tanto tem andado?Há dias que eu não lhe vejo...Certo que anda melhorado

— É quase certo, compadre,Ainda não melhoreiPorque andava por foraFaz três dias que chegueiMas breve farei fortunaCom um cavalo que comprei

— Se for assim, meu compadreVocê está muito bemÉ bom guardar o segredoNão dizer nada a ninguém...Me conte qual a vantagemQue este seu cavalo tem!

Disse o pobre: — Ele está magroSó tem o osso e o couroPorém, tratando-se deleMeu cavalo é um tesouroBasta dizer que defecaNíquel, prata, cobre e ouro!

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Aí chamou o compadreE saiu muito vexadoPara o lugar onde tinhaO cavalo defecadoO duque ainda encontrouTrês moedas de cruzado

Aí exclamou o duque:— Só pude achar estas três...Disse o pobre: — Ontem, de tardeEle botou dezesseisE até já tem defecadoDez mil réis mais de uma vez

Enquanto ele está magroMe serve de mealheiroSó tenho tratado deleCom babuge de terreiroPorém, depois dele gordoNão há quem vença dinheiro!

Disse o duque: — Meu compadreVocê não pode tratá-loSe for trabalhar com eleCom certeza é para matá-lo...O melhor que você fazÉ vender-me este cavalo

— Meu compadre, este cavaloSó posso negociarSó se for por uma somaQue dê bem para eu passarCom toda a minha famíliaSem precisar trabalhar

Disse o duque: — Meu compadreAssim não é que se fazNossa amizade é antigaDo tempo de nossos paisDou-lhe seis contos de réis!

Acha pouco? Inda quer mais?— Compadre, o cavalo é seuEu nada mais lhe direi...Ele, por esse dinheiro

Que agora me sujeiteiPara mim nem foi vendidoFaço de conta que dei...

O duque, pela ambiçãoQue era descomunalDeu-lhe os seis contos de réisTudo em moeda legalDepois, pegou no cabrestoSaiu puxando o animal

Quando ele chegou em casaFoi gritando no terreiro:— Eu sou o homem mais ricoQue habita no mundo inteiroPorque possuo um cavaloQue só defeca dinheiro

Pegou o dito cavaloBotou-o na estrebaria...Milho, farelo e alfafaEra o que o bicho comiaO velho duque ia vê-loDez, doze vezes por dia

Logo no primeiro diaO duque desconfiouPorque na presença deleO cavalo defecouE ele, remexendo tudoNem um tostão encontrou

Aí, o velho zangou-seComeçou logo a falar:— Como é que meu compadreSe atreveu a me enganar?Eu quero ver, amanhãO que ele vem me contar

Porém o compadre pobreBicho de quengo passadoFez depressa um outro planoInda mais bem arranjadoEsperando o velho duqueQuando viesse zangado

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O pobre foi na farmáciaComprou uma borrachinhaDepois mandou encher elaCom o sangue de uma galinhaE ficou olhando a estradaPara ver quando o velho vinha

O pobre disse a mulher:— Faça o trabalho direitoSegure essa borrachinhaAmarre em cima do peitoPara o velho não saberComo o trabalho foi feito

Quando o velho aparecerNa volta daquela estradaVocê começa a falarE eu grito: — Mulher danada!Quando ele aparecerEu lhe dou uma facada

Porém eu dou-lhe a facadaEm cima da borrachinhaE você fica lavadaCom o tal sangue de galinhaE eu grito: — Está danadaNunca mais come farinha!

Quando ele ver você mortaParte para me prenderEu, então, digo pra ele:— Eu dou jeito a ela viver...O remédio eu tenho aquiFaço para o senhor ver!

Eu vou buscar a rabecaComeço logo a tocarVocê, então, se remexeComo quem quer melhorarCom pouco, diga: — Estou boaJá posso me levantar

Foi-se acabando a conversaE, na mesma ocasiãoO duque veio chegando

Aí travou-se a questão:O velho pegou a facaBotou a mulher no chão

Aí o duque gritouQuando viu a mulher morta:— Você está preso, bandido!E tomou conta da porta...Disse o pobre: — Eu vou curá-laPra que é que o senhor se importa?

Correu, foi ver a rabecaComeçou logo a tocar...De repente, o duque viuA mulher se endireitarDepois dizer: — Estou boaJá posso me levantar

O duque ficou suspensoDe ver a mulher curadaPorém como estava vendoEla muito ensanguentadaCorregeu ela e não viuNenhum sinal de facada

O pobre,entusiasmadoLhe disse: Já conheceu?Quando esta rabeca estavaNas mãos de quem me vendeuTinha feito muitas curasDe gente que já morreu...

No lugar que eu estiverNão deixo ninguém morrerComo eu adquiri elaMuita gente quer saberMas ela me está tão caraQue não me convém dizer

O duque, que tinha vindoSomente propor questão(Porque o cavalo velhoNunca botou um tostão)Quando foi vendo a rabecaQuase morre de ambição

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— Compadre, você desculpeEu ter-lhe tratado assim...Agora estou mais que certoQue eu mesmo fui o ruimMas olhe: a sua rabecaSó serve bem é pra mim...

Como sabe, eu sou um homemDe muito grande poder...O senhor é muito pobreNinguém o quer conhecerPerca o amor da rabecaResponda se quer vender...

Porque a minha mulherTambém é muito estouvadaMas eu, comprando a rabecaDela não suporto nadaSe quiser teimar comigoTambém dou-lhe uma facada!

Ela se vê quase mortaSente medo do castigoMas eu, com esta rabecaSalvo ela do perigoE ela, daí por dianteNão quer mais teimar comigo

Responde o compadre pobre:— O senhor faz muito bemQuer me comprar a rabecaNão venderei a ninguémCusta seis contos de réisPor menos, nem um vintém!

O duque, muito contenteDisse, de si para si:— A rabeca já é minhaEu preciso a possuir...Ela para mim foi dadaEle nem soube pedir...

Pegou a rabeca e disse:— Vou já mostrar à mulher...A velha zangou-se e disse:

— Vá mostrar a quem quiserEu não quero ser culpadaDo prejuízo que houver

O senhor mesmo é um velhoAvarento e interesseiro...Que é que fez do tal cavaloQue defecava dinheiro?Meu velho, dê-se a respeitoSeja menos trapaceiro!

O duque, que confiavaNa rabeca que comprouDisse a ela: — Cale a bocaA coisa agora virou:Dou-lhe quatro punhaladasJá você sabe quem eu sou!

Ele findou as palavrasA velha ficou teimandoDiz ele: — Velha dos diabosVocê inda está falando?Deu-lhe quatro punhaladasE ela ficou arquejando...

O velho duque, ligeiroFoi buscar a rabequinhaIa tocando e dizendo:— Acorde, minha velhinha!Porém a pobre da velhaNunca mais comeu farinha...

O duque estava pensandoQue a mulher inda tornavaEla acabou de morrerEle ainda duvidavaDepois então conheceuQue a rabeca não prestava...

Quando ele ficou cienteQue a velha tinha morridoBotou o joelho em terraE deu tão grande gemidoQue o povo daquela casaFicou tudo comovido

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Ele dizia chorando:— Este crime hei de vingá-lo!Seis contos desta rabecaCom outros seis do cavalo...Eu lá não mando ninguémEu mesmo quero matá-lo...

Mandou chamar dois capangasE seguiu no outro diaPrendeu o compadre pobreTrancou-o numa enxoviaPara exercer a vingançaDa forma que pretendia

Disse ele aos dois capangas:— Me faça um surrão bem feitoFaçam isso com cuidadoQuero ele um pouco estreitoCom uma argola bem fortePra levar esse sujeito

Quando acabarem a coisaMandem este bandido entrarPara dentro do surrãoE acabem de costurarE levem para o rochedoSacudam dentro do mar

Os homens eram dispostosFindaram no mesmo dia...O pobre entrou no surrãoPois era o jeito que haviaBotaro o surrão nas costasSaíram numa folia...

Adiante, disse um capanga:— Não aguento o rojãoJá estou muito cansadoBotemos isto no chãoVamos tomar uma pingaArriemo o tal surrão— Lembrou bem, meu companheiroVamos tomar a bicadaFalou o outro capangaRespondendo ao camarada

E seguiram para a vendaQue ficava além da estrada

Quando os capangas seguiramO preso ficou dizendo:— Não caso porque não quero!Me acabo aqui, padecendo!A moça é milionáriaMas o resto eu bem estou vendo...

Foi passando um boiadeiroQuando ele dizia assimO boiadeiro pediu-lhe— Arranje isto pra mim...Eu não me embraço que a moçaSeja boa ou seja ruim!

Continua o fazendeiro:— Eu dou-lhe, de mão beijadaTodos os meus possuídosQue vão aqui na boiadaFica o senhor como donoPode seguir a jornada

Ele, condenado à morteNão fez questão, aceitouDescozeu o tal surrãoNele o boiadeiro entrouE o pobre, morto de medoNum minuto o costurou

O pobre quando se viuLivre daquela enrascadaMontou-se num bom cavaloTomou conta da boiadaSaiu por ali dizendo:— A mim não falta mais nada!

Os capangas nada viramQue o serviço foi ligeiro...Pegaram dito surrãoCom o pobre do boiadeiroJogaram de serra abaixoNão ficou um osso inteiro!

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Fazia dois ou três mesesQue o pobre negociavaA boiada, que lhe deramCada vez mais aumentava...Foi ele, um dia, passearOnde o compadre morava

Que quando o duque viu eleDe susto empalideceu:— Compadre, por onde andava?Só hoje me apareceu?Muito me engano, ou vocêJá é mais rico do que eu!

— Aqueles seus dois capangasVoaram-me num lugarEu saí de serra abaixoAté a beira do marAli vi tanto dinheiro...Quase não posso ajuntar!

Quando me faltar dinheiroEu prontamente vou ver...O que trouxe não é poucoVai dando para eu viverJunto com minha famíliaPassarei até morrer

— Compadre, sua riquezaDiga que fui eu quem dei!Mas, para recompensar-meTudo quanto lhe arrumeiÉ preciso que me boteNo lugar que eu lhe botei!

Disse-lhe o pobre: — Pois não!Estou pronto pra lhe mostrarE é mesmo com meus capangas

Nós mesmos vamos levarE o surrão, de serra abaixoSou eu que quero empurrar...

O duque, no mesmo diaMandou fazer um surrãoDepressa meteu-se neleJá cego pela ambiçãoE disse: — Compadre, estouÀ sua disposição!

O pobre foi procurarDois cabras de confiançaSe fingindo satisfeitoFazendo a coisa bem mansaSó assim ele podiaTomar a sua vingança

Saíram com o velho duqueNa carreira, sem pararSubiram de serra acimaTé o mais alto lugarDali soltaro o surrãoDeixaro o velho embolar...

O duque ia pensandoDe encontrar muito dinheiroPorém sucedeu com eleDo jeito do boiadeiroQue, quando chegou embaixoNão tinha um só osso inteiro...

Aprenda lá quem quiserNeste mundo viver bemA desmedida ambiçãoDecerto que não convém!Em cima do que possuiNinguém arrisca o que tem!

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Anexo 4O Enterro do Cachorro Fragmento de O dinheiro, de Leandro Gomes de Barros (1865-1918)

Eu vi se narrar um fatoQue fiquei admirado:Um sertanejo me disseQue no século passadoViu se enterrar um cachorroCom honras de potentado

Um inglês tinha um cachorroDe uma grande estimação,Morreu o dito cachorroE o inglês disse, estão: - “Mim enterra este cachorro,Inda que gaste um milhão,”

Foi ao vigário, lhe disse:- “Morreu cachorro de mimE urubu do BrasilNão poderá dar-lhe fim...”- “Cachorro deixou dinheiro?”(Perguntou-lhe o padre assim.)

- “Mim quer enterrar cachorro!”Disse o vigário: - “ô inglês,Você pensa que isto aquiÉ o país de vocês?”Disse o inglês: - “Com cachorroGasto tudo, desta vez...”

“Ele, antes de morrer,Um testamento aprontou,Só quatro contos de réisPara o Vigário deixou...”Antes do inglês findar,O Vigário suspirou.

- “Coitado! (disse o Vigário)De que morreu esse pobre?Que animal inteligenteE que sentimento nobre!Antes de partir do mundo,

Fez-me presente do cobre...”

“Leve-o para o cemitérioQue eu vou o encomendar,Isto é, traga o dinheiro,Antes dele se enterrar,Que estes sufrágios fiadoÉ fatível não salvar!”

E lá chegou o cachorro,O dinheiro foi na frente,Teve imponente o enterro,Missa de corpo presente,Ladainha, etc., etc., Melhor do que certa gente...

Mandaram dar parte ao BispoQue o Vigário tinha feitoO enterro dum cachorro,O que não era direito:O Bispo, aí, falou muito,Mostrou-se mal satisfeito.

Mandou chamar o Vigário...- “Pronto! (o Vigário chegou)Às ordens, Sua Excelência!”O Bispo lhe perguntou:- “Então, que cachorro foiQue o reverendo enterrou?”

- “Foi um cachorro importante, Animal de inteligência: Ele, antes de morrer,Deixou a Vossa ExcelênciaDois contos de réis em ouro...Se eu errei tenha paciência!”

- “Não errou, não, meu Vigário,Você é um bom pastor,Desculpe eu incomodá-lo,

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A culpa é do portador...Um cachorro como esseSe vê que é merecedor!...”

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Anexo 5As Proezas de João Grilo João Martins de Athayde

João Grilo foi um cristão que nasceu antes do dia criou-se sem formosura mas tinha sabedoria e morreu depois da hora pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses chorou no bucho da mãe quando ela pegou um gato ele gritou: não me arranhe não jogue neste animal que talvez você não ganhe.

Na noite que João nasceu houve um eclipse na lua e detonou um vulcão que ainda continua naquela noite correu um lobisome na rua.

Porém João Grilo criou-se pequeno, magro e sambudo as pernas tortas e finas e boca grande e beiçudo no sítio onde morava dava notícia de tudo.

João perdeu o seu pai com sete anos de idade morava perto de um rio Ia pescar toda tarde um dia fez uma cena que admirou a cidade.

O rio estava de nado vinha um vaqueiro de fora perguntou: dará passagem? João Grilo disse: inda agora

o gadinho do meu pai passou com o lombo de fora.

O vaqueiro bota o cavalo com uma braça deu nado foi sair já muito embaixo quase que morre afogado voltou e disse ao menino: você é um desgraçado.

João Grilo foi ver o gado pra provar aquele ato veio trazendo na frente um bom rebanho de pato os pássaros passaram n”água João provou que era exato.

Um dia a mãe de João Grilo foi buscar água à tardinha deixando João Grilo em casa e quando deu fé, lá vinha um padre pedindo água nessa ocasião não tinha

João disse; só tem garapa; disse o padre; donde é? João Grilo lhe respondeu; é do engenho catolé; disse o padre: pois eu quero; João levou uma coité.

O padre bebeu e disse: oh! que garapa boa! João Grilo disse: quer mais? o padre disse: e a patroa não brigará com você? João disse: tem uma canoa.

João trouxe uma coité

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naquele mesmo momento disse ao padre: beba mais não precisa acanhamento na garapa tinha um rato tava podre e fedorento.

O padre disse: menino tenha mais educação e por que não me disseste? oh! natureza do cão! pegou a dita coité arrebentou-a no chão.

João Grilo disse: danou-se! misericórdia, São Bento! com isto mamãe se dana me pague mil e quinhentos essa coité, seu vigário, é de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma popa disse para o sacristão: esse menino é o diabo em figura de cristão! meteu o dedo na goela quase vomita um pulmão.

João Grilo ficou sorrindo pela cilada que fez dizendo: vou confessar-me no dia sete do mês ele nunca confessou-se foi essa a primeira vez.

João Grilo tinha um costume pra toda parte que ia era alegre e satisfeito no convívio de alegria João Grilo fazia graça que todo mundo sorria.

Num dia de sexta-feira às cinco horas da tarde João Grilo disse: hoje à noite eu assombro aquele padre

se ele não perdoar-me na igreja há novidade.

pegou uma lagartixa amarrou pelo gogó botou-a numa caixinha no bolso do paletó foi confessar-se João Grilo com paciência de Jó.

Às sete horas da noite foi ao confessionário fez logo o pelo sinal posto nos pés do vigário o padre disse: acuse-se; João disse o necessário.

Eu sou aquele menino da garapa e do coité; o padre disse: levante-se que já sei você quem é; João tirou a lagartixa Soltou-a junto do pé.

A largatixa subiu por debaixo da batina entrou na perna da calça tornou-se feia a buzina o padre meteu os pés arrebentou a cortina.

Jogou a batina fora naquela grande fadiga a lagartixa cascuda arranhando na barriga João Grilo de lá gritava: Seu padre, Deus lhe castiga!

O padre impaciente naquele turututu saltava pra todo lado que parecia um timbu terminou tirando as calças ficou o esqueleto nu.

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João disse: padre é homem pensei que fosse mulher anda vestido de saia não casa porque não quer isso é que é ser caviloso cara de matar bebê.

O padre disse João Grilo vai-te daqui infeliz! João Grilo disse bravo ao vigário da matriz: é assim que ele me paga o benefício que fiz?

João Grilo foi embora o padre ficou zangado João Grilo disse: ora sebo eu não aliso croado vou vingar-me duma raiva que eu tive ano passado.

No subúrbio da cidade morava um português vivia de vender ovos justamente nesse mês denunciou de João Grilo pelas artes que ele fez.

João encontrou o português com a égua carregada com duas caixas de ovos João disse-lhe: oh camarada quero dizer à tua égua Uma pequena charada.

o português disse: diga; João chegou bem no ouvido com a ponta do cigarro soltou-a dentro escondido a égua meteu os pés foi temeroso estampido.

derrubou o português foi ovos pra todo lado arrebentou a cangalha

ficou o chão ensopado o português levantou-se tristonho e todo melado.

O português perguntou: o que foi que tu disseste que causou tanto desgosto a este anima agreste? - Eu disse que a mãe morreu; o português respondeu: Oh égua besta da peste!

João Grilo foi à escola com sete anos de idade com dez anos ele saiu por espontânea vontade todos perdiam pra ele outro Grilo como aquele perdeu-se a propriedade.

João Grilo em qualquer escola chamava o povo atenção passava quinau nos mestres nunca faltou com a lição era um tipo inteligente no futuro e no presente João dava interpretação.

um dia perguntou ao mestre: o que é que Deus não vê o homem vê a qualquer hora disse ele: não pode ser pois Deus vê tudo no mundo em menos de um segundo de tudo pode saber.

João Grilo disse: qual nada que dê os elementos seus? abra os olhos, mestre velho que vou lhe mostrar os meus seus estudos se consomem um homem vê outro homem só Deus não vê outro Deus.

João Grilo disse: seu mestre

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me diga como se chama a mãe de todas as mães tenha cuidado no drama o mestre coça a cabeça disse: antes que me esqueça vou resolver o programa.

- A mãe de todas as mães é Maria Concebida; João Grilo disse: eu protesto antes dela ser nascida já esta mãe existia não foi a Virgem Maria oh! que resposta perdida.

João Grilo disse depois num bonito português; a mãe de todas as mães já disse e digo outra vez como a escritura ensina é a natureza divina que tudo criou e fez.

- Me responde, professor entre grandes e pequenos quero que fique notável por todos nossos terrenos responda com rapidez como se chama o mês que a mulher fala menos?

Este mês eu não conheço quem fez esta taboada? João Grilo lhe respondeu: ora sebo, camarada pra mim perdeu o valor tem nome de professor mas não conhece de nada

- Este mês é fevereiro por todos bem conhecido só tem vinte e oito dias o tempo mais resumido entre grandes e pequenos é o que a mulher fala menos

mestre, você tá perdido.

- Seu professor, me responda se algum tempo estudou quem serviu a Jesus Cristo morreu e não se salvou no dia em que ele morreu seu corpo urubu comeu e ninguém o sepultou?

- Não conheço quem é esse porque nunca vi escrito; João Grilo lhe respondeu: foi o jumento, está dito que a Jesus Cristo servia na noite em que ele fugia de Belém para o Egito.

João Grilo olhou para o lado disse para o diretor este mestre é um quadrado fique sabendo o senhor sem dúvida exame não fez o aluno desta vez ensinou ao professor.

João Grilo foi para casa encontrou sua mãe chorando ele então disse: mamãe não está ouvindo eu cantando? não chore, cante mais antes pois o seu filho garante pra isso vive estudando .

A mãe de João Grilo disse: choro por necessidade sou uma pobre viúva e tu de menor idade até da escola saíste... João disse: ainda existe o mesmo Deus de bondade.

- A senhora pensa em carne de vinte mil réis o quilo ou talvez no meu destino

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que à força hei de segui-lo não chore, fique bem certa a senhora só se aperta quando matarem João Grilo.

João então chegou no rio às cinco horas da tarde passou até nove horas porém inda foi debalde na noite triste e sombria João Grilo sem companhia voltava sem novidade.

Chegando dentro da mata ouviu lá dentro um gemido dois lobos devoradores o caminho interrompido e trepou-se num pinheiro como era forasteiro ficou ali escondido.

Os lobos foram embora e João não quis descer disse: eu dormirei aqui suceda o que suceder eu hoje imito arapuan só vou embora amanhã quando o dia amanhecer.

O Grilo ficou trepado temendo lobos e leões pensando na fatal sorte e recordando as lições que na escola estudou quando de súbito chegou uns quatro ou cinco ladrões.

Eram uns ladrões de Meca que roubavam no Egito se ocultavam na mata naquele bosque esquisito pois cada um de per si que vinha juntar-se ali pra ver quem era perito.

O capitão dos ladrões disse: não fala ninguém? um respondeu; não senhor disse ele: muito bem cuidado não roubem vã vamos juntar-nos amanhã na capela de Belém.

Lá partiremos o dinheiro pois aqui tudo é graúdo temos um roubo a fazer desde ontem que estudo mas já estou preparado; e o Grilo lá trepado calado escutando tudo.

Os ladrões foram embora depois da conversação João Grilo ficou ciente dizendo a seu coração: se Deus ajudar a mim acabou-se o tempo ruim sou eu quem ganho a questão.

João Grilo desceu da árvore quando o dia amanheceu mas quando chegou em casa não contou o que se deu furtou um roupão de malha vestiu, fez uma mortalha lá no mato se escondeu.

À noite foi pra capela por detrás da sacristia vestiu-se com a mortalha pois na capela jazia sempre com a porta aberta João pensou na certa colher o que pretendia.

Deitou-se lá num caixão que enterravam defunto João Grilo disse: eu aqui vou ganhar um bom presunto; os ladrões foram chegando

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e João Grilo observando sem pensar em outro assunto.

Acenderam um farol penduraram numa cruz foram contar o dinheiro no claro deu uma luz João Grilo de lá gritou: esperem por mim que eu vou com as ordens de Jesus!

Os ladrões dali fugiram quando viram a alma em pé João Grilo ficou com tudo disse: já sei como é nada no mundo me atrasa agora vou para casa tomar um rico café.

Chegou e disse: mamãe morreu nossa precisão o ladrão que rouba outro tem cem anos de perdão; contou o que tinha feito disse a velha: está direito vamos fazer refeição.

Bartolomeu do Egito foi um rei de opinião mandou convidar João Grilo pra uma adivinhação João Grilo disse: eu vou; no outro dia embarcou para saudar o sultão.

João Grilo chegou na corte cumprimentou o sultão disse: pronto, senhor rei (deu-lhe um aperto de mão) com calma e maneira doce o sultão admirou-se da sua disposição.

O sultão pergunta ao Grilo; de onde você saiu?

aonde você nasceu? João fitou ele e sorriu - Sou deste mundo d”agora nasci na ditosa hora em que minha mãe me pariu.

- João Grilo, tu adivinha? o Grilo respondeu: não eu digo algumas coisas conforme a ocasião quem canta de graça é galo cangalha só pra cavalo e sêca só no sertão.

_ Eu tenho doze perguntas pra você me responder no prazo de 15 dias escute o que vou dizer veja lá como se arruma é bastante faltar uma tá condenado a morrer.

João Grilo disse: estou pronto pode dizer a primeira se acaso sair-me bem venha a segunda e a terceira venha a quarta e a quinta talvez o Grilo não minta diga até a derradeira.

Perguntou: qual o animal que mostra mais rapidez que anda de quatro pés de manhã por sua vez ao meio-dia com dois passando disto depois à tarde anda com três?

O Grilo disse: é o homem que se arrasta pelo chão no tempo que engatinha depois toma posição anda em pé e bem seguro mas quando fica maduro faz três pés com o bastão.

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O sultão maravilhou-se com sua resposta linda João disse: pergunte outra vou ver se respondo ainda; a segunda o sultão fez João Grilo daquela vez celebrizou sua vinda.

- Grilo você me responda em termos bem divididos uma cova bem cavada doze mortos estendidos e todos mortos falando cinco vicos passeando trabalham com três sentidos.

- Esta cova é a viola com primo, baixo e bordão mortas são as doze cordas quando canta um cidadão canta, toca, faz um verso cinco vicos num progresso os cinco dedos da mão.

Houve uma salva de palmas com vivas que retumbou o sultão ficou suspenso seu viva também bradou e depois pediu silêncio com outro desejo imenso a terceira perguntou.

- João Grilo, qual é a coisa que eu mandei carregar primeiro dia e segundo no terceiro fui olhar quase dá-me a tiririca se tirar, mais grande fica não míngua, faz aumentar?

- Senhor rei, sua pergunta parece me fazer guerra um Grilo não tem saber criado dentro da serra mas digo pra quem conhece

o que tirando mais cresce é um buraco na terra.

João Grilo vou terminar as perguntas do tratado o Grilo disse; pergunte quero ficar descansado disse o rei: é muito exato o que é que vem do alto cai em pé, corre deitado?

- Aquele que cai em pé e sai correndo pelo chão será uma grande chuva nos barros de um sertão; o rei disse: muito bem no mundo inteiro não tem outro Grilo como João.

- João Grilo, você bebe? João disse: bebo um pouquinho e disse; eu não sou filho de Baco que fez o vinho o meu pai morreu bebendo e eu o que estou fazendo? sigo no mesmo caminho.

O rei disse: João Grilo beber é cousa ruim; o Grilo respondeu: qual o meu pai dizia assim: na casa de seu Henrique zelam bem um alambique melhor do que um jardim.

O rei disse: João Grilo tua fama é um estrondo João Grilo disse: eu sabendo o que perguntar respondo; disse o rei enfurecido; o que tem o pé comprido e faz o rastro redondo?

- Senhor rei, tenho lembrança do tempo da minha avó

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que ela tinha um compasso na caixa do bororó como este eu também ando fazendo o rastro redondo andando com uma perna só.

- João, qual é o bicho que passa pela campina a qualquer hora da noite andando de lamparina? é um pequeno animal tem luz artificial; veja o que determina.

- Esse bicho eu já vi pois eu tinha de costume de brincar sempre com ele minha mãe tinha ciúme ele andava pelo campo uns chamavam pirilampo e outros de vagalume.

O rei já tinha esgotado a sua imaginação não achou uma pergunta que interrompesse a João disse: me responda agora qual é o olho que chora sem haver consolação?

O Grilo então respondeu: lá muito perto da gente tem um outeito importante um moó muito doente suas lágrimas têm paladar quem não deixa de chorar é olho d”água de vertente.

o rei inventou um truque do jeito que lhe convinha - Vou arrumar uma cilada ver se João adivinha; mandou vir um alçapão fez outra adivinhação escondeu uma bacurinha.

- João, o que é que tem dentro desse alçapão? se não disser o que é é morto não tem perdão; João Grilo lhe respondeu: quem mata um como eu não tem dó no coração.

João lhe disse: esse objeto nem é manso nem é brabo nem é grande nem pequeno nem é santo nem é diabo bem que mamãe me dizia que eu ainda caía onde a porca torce o rabo.

Trouxeram uma bandeja ornada com muitas flores dentro dela uma latinha cheia de muitos fulgores o rei lhe disse: João Grilo é este o último estrilo que rebenta tuas dores.

João Grilo desta vez passou na última estica adivinhar uma coisa nojenta que se pratica fugir da sorte mesquinha pois dentro da lata tinha um pouquinho de xinica.

O rei disse: João Grilo veja se escapa da morte; o que tem nessa latinha? responda se tiver sorte; toda aquela populaça queria ver a desgraça do Grilo franzino e forte.

Minha mãe profetizou que o futuro é minha perda “Dessas adivinhações brevemente você herda;” faz de conta que já vi

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como está hoje aqui parece que dá em merda.

O rei achou muita graça nada teve o que fazer João Grilo ficou na corte com regozijo e prazer gozando um bom paladar foi comer sem trabalhar desta data até morrer.

E todas as questões do reino era João que deslindava qualquer pergunta difícil ele sempre decifrava julgamentos delicados problemas muito enrascados era João que desmanchava.

Certa vez chegou na corte um mendigo esfarrapado com uma mochila nas costas dois guardas de cada lado seu rosto cheio de mágoa os olhos vertendo água fazia pena o coitado.

Junto dele estava um duque que veio denunciar dizendo que o mendigo na prisão ia morar por não pagar a despesa que fizera com afoiteza sem ninguém lhe convidar.

João Grilo disse ao mendigo: e como é, pobretão que se faz uma despesa sem ter no bolso um tostão? me conte todo o passado depois de ter-lhe escutado lhe darei razão ou não.

Disse o mendigo: sou pobre e fui pedir uma esmola

na casa do senhor duque e levei minha sacola quando cheguei na cozinha vi cozinhando galinha numa grande caçarola.

- Como a comida cheirava eu tive apetite nela tirei um taco de pão e marchei prolado dela e sem pensar na desgraça botei o pão na fumaça que saía da panela.

- O cozinheiro zangou-se chamou logo seu senhor dizendo que eu roubara da comida seu d\sabor só por eu ter colocado um taco de pão mirrado aproveitando o vapor.

- Por isso fui obrigado a pagar esta quantia como não tive dinheiro o duque por tirania mandou trazer-me escoltado pra depois de ser julgado ser posto na enxovia.

João Grilo disse: está bom não precisa mais falar; então pergunto ao duque: quanto o homem vai pagar? - Cinco coroas de prata ou paga ou vai pra chibata não lhe deve perdoar.

João Grilo tirou do bolso a importância cobrada na mochila do mendigo deixou-a depositada e disse para o mendigo: balance a mochila, amigo pro duque ouvir a zoada.

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O mendigo sem demora fez como o Grilo mandou pegou sua mochilinha com a prata balançou sem compreender o truque bem no ouvido do duque o dinheiro tilintou.

Disse o duque enfurecido: mas não recebi o meu; diz o Grilo: sim senhor e isto foi o que valeu deixe de ser batoteiro o tinido do dinheiro o senhor já recebeu.

- Você diz que o mendigo por ter provado o vapor foi mesmo que ter comido seu manjar e seu sabor pois também é verdadeiro que o tinir do dinheiro represente seu valor.

Virou-se para o mendigo e disse: estás perdoado leva o dinheiro que dei-te vai pra casa descansado; o duque olhou para o Grilo depois de dar um estrilo saiu por ali danado.

A fama então de João Grilo foi de nação em nação, por sua sabedoria e por seu bom coração sem ser por ele esperado um dia foi convidado pra visitar um sultão.

O rei daquele país quis o reino embandeirado pra receber a visita do ilustre convidado

o castelo estava em flores cheios de grandes fulgores ricamente engalanado.

As damas da alta côrte trajavam decentemente toda côrte imperial esperava impaciente ou por isso ou por aquilo para conhecer João Grilo figura tão eminente.

Afinal chegou João Grilo no reinado do sultão quando ele entrou na côrte foi grande decepção de paletó remendado sapato velho furado nas costas um matulão.

O rei disse: não é ele pois assim já é demais! João Grilo pediu licença mostrou-lhe as credenciais embora o rei não gostasse mandou que ele ocupasse os aposentos reais.

Só se ouvia cochichos que vinham de todo lado as damas então diziam é esse o homem falado? duma pobreza tamanha e ele nem se acanha de ser nosso convidado!

Até os membros da côrte diziam num tom chocante: pensava que o João Grilo fosse um tipo elegante mas nos manda um remendado sem roupa esfarrapado um maltrapilho ambulante.

E João Grilo ouvia tudo

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mas sem dar demonstração em toda a corte real ninguém lhe dava atenção por mostrar-se esmolambado tinha sido desprezado naquela rica nação.

Afinal veio um criado e disse sem o fitar: já preparei o banheiro para o senhor se banhar vista uma roupa minha e depois vá na cozinha na hora de almoçar.

João Grilo disse: está bem; mas disse com seu botão: roupas finas trouxe eu dento do meu matulão me apresentei rasgado para ver nesse reinado qual era a minha impressão.

João Grilo tomou um banho vestiu uma roupa de gala então muito bem vestido apresentou-se na sala ao ver seu traje tão belo houve gente no castelo que quase perdia a fala.

E então toda repulsa transformou-se de repente o rei chamou-o pra mesa como homem competente consigo dizia João: na hora da refeição vou ensinar essa gente.

O almoço foi servido porém João não quis comer despejou vinho na roupa só para vê-lo escorrer

ante a côrte estarrecida encheu os bolsos de comida para todo mundo ver.

O rei muito aborrecido perguntou para João: por qual motivo o senhor não come da refeição? respondeu João com maldade: tenha calma, majestade digo já toda a razão.

- Esta mesa tão repleta de tanta comida boa não foi posta para mim um ente vulgar à toa; desde a sobremesa à sopa foram postas à minha roupa e não à minha pessoa.

Os comensais se olharam o rei pergunta espantado: por que o senhor diz isto estando tão bem tratado? disse João: isso se explica por estar de roupa rica não sou mais esmolambado.

Eu estando esmolambado ia comer na cozinha mas como troquei de roupa como junto da rainha vejo nisto um grande ultraje homenagem ao meu traje e não à pessoa minha.

Toda corte imperial pediu desculpa a João e muito tempo falou-se naquela dura lição e todo mundo dizia que sua sabedoria igualava a Salomão.

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Anexo 6Cantiga de Canário Pardo

Valha-me Nossa Senhora,mãe de Deus de Nazaré!

A vaca mansa dá leite,a braba dá quando quer.

A mansa dá sossegada,a braba levanta o pé.

Já fui barco, já fui navio,mas hoje sou escaler.

Já fui menino, fui homem,só me falta ser mulher.

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Anexo 7Peleja da AlmaSilvino PirauáHavia um homem no mundoDono de muita riquezaHomem de muita valiaHomem de muita nobrezaDizia que só trabalhavaPra sustentar a avarezaEra rico desta formaE não estimava a pobreza

Este homem era casadoE de Deus não tinha auxílioPor sua infelicidadeA mulher não tinha filho

Andava se maldizendoCom tão semelhante estragoDizia que só trabalhavaPra sustentar o diabo

- Foi um dia na igrejaPediu com lágrimas docesQue o bom Deus lhe desse um filhoFosse de que jeito fosse

- Assim que ele pediuDeus do Céu determinouQue a cabo de poucos mesesA mulher um filho encarnou

Teve nove meses no ventreForam nove meses de dorAssim, do modo seguinteDeus do Céu determinou

A cabo de poucos mesesA riqueza se acabouNascendo o dito meninoRiqueza nenhuma achou

Nasceu o dito meninoFicou com muita alegria

Procurando padrinho ricoCom arte de sabedoria

Procurando um homem ricoPara ser padrinho do filhoSó não procurava os pobresPorque eles não serviamOs restos dos farelinhosSe acabaram nesse dia

- Pegou este meninoMal educado criouNunca lhe deu um conselhoPara o bem nunca educou

O menino logo de pequenoO pai e mãe largouNão quis saber de padrinhosNunca mais o procurou

E para amar a DeusTambém nunca se lembrouNunca foi ao pé do padreTambém nunca jejuouNunca deu uma esmolaNem por Deus, nem por seu amor

Os mandamentos divinosToda vida desprezouSó entrou dentro da igrejaNo dia em que se batizouNesta miserável vidaDeus depressa o matou

Quando teve de morrerNeste ínterim infelizFoi logo se confessáCom Deus, o reto juizE chegou aos pés de DeusTratou de se ajoelharPublicando estas palavras:

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“Senhor, me quero salvar”

- Deus olhou para a alma:“Alma de onde viesses?Com idade de 31 anosQue pelo mundo estivessesSem te lembrares de mimComo é que me apareces?

Para eu poder te salvarPrimeiro te confessesPublica por tua bocaQue benefícios fizesses?”

- Eram diabos de todas as maneirasDiabo roxo, diabo pretoUns com garfosOutros com facas

Outros com ferroOutros com espetoPerguntavam uns aos outros:“Em qual cama nós a deita?”

- A alma olhou para Deus:“O que será de mim aquiNos pés do reto juizOnde não posso mentir...

Mas... como vós me obrigaisCom vós me confessareiMeus ocultos pensamentosEu de vós não negarei:

Muito cedo, bem pequenoMeu pai e minha mãe largueiNão quis saber de padrinhoNunca mais o procurei;

Para amar ao nosso DeusTambém nunca me lembreiNunca fui aos pés do padreTambém nunca jejueiEsmola por vosso amorEu no mundo nunca dei

Os mandamentos divinosToda a vida desprezei

Só entrei dentro da igrejaNo dia que me batizeiNesta miserável vidaNão sei como me salvarei”

Todos os diabos falaramTudo em palavras belasLucifer dizia aos outros:“Que confissão aquela!...”

Deus olhou para a almaEm seu sentido moderno:“Como eu sou reto juizCompleto senhor eternoEstá justa minha sentençaEstás condenada ao inferno”.

Os diabos gritavamOutros sorriamLucifer dizia aos outros:“Daquela sentença eu sabia!”

Quando eles foram vendoDeus do Céu sentenciá-laUns gritavam, outros uivavamBatiam palma em senzala

“Se não fosse ao pé de DeusAcolá queria pegá-la!”A alma viu-se apertadaDe angústias e agonias

Saiu dos pés de JesusPara os da Virgem MariaPara ver se como mãeQue ainda a socorria

“Maria, Virgem MariaMãe de meu Deus RedentorMãe de Deus e mãe de CristoMãe do Padre SalvadorRogai por mim a teu filho

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Que nesta hora me condenou!”

- “Alma sai-te dos meus pésPara que vem valer-te de mim?Que meu filho, reto juizNão faz o que é ruim”

Lucifer se levantouDisse: “Alma, que viesse ver cá?Manuel já deu a sentençaMaria jeito não dáAquilo que Manuel fazNão é para Maria desmanchar.”

- “Senhora, tem compaixãoDe minha necessidadeJá que o pecado roubouA minha felicidade

Será possível, Senhora?...O próprio pecado dizQue eu me vejo a vossos pés- Ainda hei de ser feliz

Maria, Virgem MariaEsposa do Espírito SantoSe vós não me valerdesDe vossos pés não me levanto

- Maria, Virgem MariaVai pedir a teu bom filhoQue teu pedido não rejeitaSe vós não fores ouvidaEntão irei satisfeita”

“Pobre alma fica aíQue vou falar com DomícioPara ver se como mãeInda dou um jeito a isso”

- Os diabos quando foram vendoA Virgem para a partidaLucifer dizia aos outros:- “Lá vai a compadecida!Pelo jeito que estou vendo

Esta sentença é perdida”

E os diabos lá ficaramTodos com a cara torta- “Lá vai a compadecida!Mulher que com tudo se importaPelo jeito que estou vendoEsta sentença está torta”

Nossa Senhora pediuRogando a Nosso Senhor:- “Filho meu, meu bento FilhoFilho e meu RedentorAquela alma esteve aquiPor que Jesus não a salvou?Dizei-me, meu bento FilhoFoi ela só quem pecou?”

- “Minha mãe, para que me pedePerante sua linda imagem?”- “Por que vós não condenastesO bom ladrão da Pelagem?”

“Filho meu, meu bento FilhoConsolação dos aflitosPara que vós salvastesA Maria do Egito?”

- “Minha mãe, para que me pedeComo no seu coração?Aquela infeliz esteve aquiPrivada da salvaçãoQue pecou sem ter temorSem a menor compaixão”

- “Valha-me Santa IsabelNossa Senhora SantanaEstou vendo meu bento FilhoCom as feições tão tiranas!Por aqueles nove mesesQue estivesse em carne humana!”

- “Minha mãe, como me pedePor Santana e Santa IsabelPosso dar algum recurso

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Com a vista de São Miguel!”

- “Pronto estou aqui, SenhorÀ vossa disposição!Como havia de faltarÀ Virgem da ConceiçãoSabendo que, poderosaTem o remédio nas mãos!

Felicidade da almaA quem der a proteçãoEla querendo derrubaTé a força do Aragão!”

Lucifer se levantou:- “Tenho razão de falarEsta alma já é minhaPois Miguel, queres tomar?”

- “Maldito cabo de embiraQuem foi que te chamou cáVais para as profundas do infernoPois é lá que é teu lugar

Voltemos pra trás, MiguelVamos falar com o juizPra ver que se dá recursoPra aquela alma ser feliz.”

“Dizei-me, meu bento Filho?Onde está vosso poderSe aquela alma tem castigoPronta estou pra receber”

- “Minha Santíssima mãeBotai-me vossa bênçãoQue a senhora é a Rainha!É a flor da Redenção”.Foi a protetora da almaQue satisfez a paixão!

Se não fosses, ó MariaUma protetora tão forteSoberana Virgem PiaSe não fosse a Rainha

Bem pouco se salvaria”

“Vem cá, Miguel! - Quem me chama?Lucifer que vá emboraQue ele não tem parte em nadaQue a alma que ele veio verDa Virgem foi amparada”

“Está tão triste o Maldito!Eu alegre agora estou!Recebe esta embaixadaQue o Rei dos Reis te mandou:

Disse que fosses emboraPara tormentos eternosFosses em chamas de fogoPras profundas dos infernos

Disse mais que aquela almaQue tu viesses tentarHoje triunfa na glóriaA Virgem fez triunfar”

Disse o diabo a São Miguel:“Pois nada posso lucrar?Meus serviços são perdidosNão vale a pena tentar!”

“Desgraçado sem venturaUm milhão tem de tentarA todos que iludiresPretendo sempre tomar”“Desgraçado sem venturaComo queres pelejar?Já estou fazendo um serviçoSem Jesus Cristo mandar”

Lucifer se levantouLendo num livro sem letraCom pé de preá cambetaFaiscando pelos olhosLançando brasas de fogoFazendo muitas caretasSão Miguel saiu sorrindo“Dou-te figas, cara preta!”

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